Registro do percurso coletivo – 3º ano A Professoras Carol Petreche e Bárbara Pádua – 2º semestre

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“Talvez seja hoje necessário fazer um elogio faccioso a favor do que é incerto. Ao fim e ao cabo, a incerteza é um abraço que damos ao futuro. A incerteza é uma ponte entre o que somos e os outros que seremos.” Mia Couto

Registro do percurso coletivo – 3º ano A

Professoras Carol Petreche e Bárbara Pádua – 2º semestre 2020 Orientação Paula Lutti Coordenação Débora Rana

Olá, famílias do 3o A! Ao final do documento do 1º semestre, já deixamos uma ponte para nossa narrativa das aprendizagens que continuaram a ser feitas pelo grupo do 3º ano A. Neste documento, registraremos alguns recortes do percurso trilhado no 2o semestre. Como parte da incerteza temos o desejo. Nossa vontade, como esperado, era de retornar das férias já em encontros presenciais, um pouco mais próximos da rotina que nos era normal e conhecida. Mas o danado do vírus ainda não nos permitiu retornarmos para


esse encontro. Assim, retomamos as atividades ainda no ambiente virtual, podendo nos encontrar somente remotamente. Posto isso, nossa primeira modificação em relação ao 1o semestre foi a fixação de horários na semana para auxiliarmos na organização das agendas dos alunos. Além disso, combinamos que, diariamente, haveria encontros síncronos – com as professoras de sala e os professores especialistas – e duas atividades assíncronas, para que as crianças as fizessem nos momentos que não estavam on-line.

Com essas alterações, observamos que a maioria do grupo conseguiu estar presente nos encontros e fazer as propostas em casa, compartilhando-as conosco com frequência. Constantemente a conexão – ou a falta dela – exigiu que todos fôssemos flexíveis, com prazos mais largos, repetindo, de modo mais frequente, orientações durante os encontros, recebendo atividades de diferentes semanas e planejando os momentos síncronos, considerando a possibilidade que parte do grupo, apesar de nosso esforço, expectativa e organização, não estaria com as propostas prévias feitas, diferente do que ocorre em nossas aulas na escola, quando é possível administrarmos melhor as tarefas dos alunos. Apesar disso, continuamos a persistir para que todos estejam envolvidos e participando das atividades, construindo sentidos e aprendizagens, mesmo à distância.


Outra questão que apareceu diversas vezes em nossos encontros foi o uso do chat, tanto em momentos de aula, quanto em momentos fora dela. O que, para nós, foi um prato cheio para a conversa sobre cidadania digital e a retomada da tal “NETiqueta”. O grupo, com o auxílio do trabalho realizado pelos representantes de classe sobre o bom uso do chat, aprimorou-se no uso desse novo meio de interação. Diante do surgimento de alguns problemas, refletimos e pensamos em soluções para os conflitos que apareceram. Ora em pequenos grupos, ora individual e pontualmente, ora no coletivo, considerando o bem comum.

Desde o retorno das férias, o grupo tinha muitas perguntas acerca da pandemia e sobre o fato de locais comerciais estarem abertos e a escola ainda estar fechada. Alguns alunos conseguiam expor seus sentimentos: raiva, tristeza, tédio, dentre outros causados pelo longo tempo que passaram em isolamento social. Quando as autoridades públicas sinalizaram uma pequena retomada, vimos surgir, também, a insegurança do reencontro e outras dúvidas vieram à tona. Ao notarmos essa demanda, recebemos o pai de uma das crianças da nossa sala, o médico Claudio Reingenheim, para respondê-las e, de certa forma,


trazer um pouco mais de tranquilidade para que seguíssemos e enfrentássemos mais essa novidade no caminho, buscando aprender como será viver nessa nova realidade que afeta muitos países no mundo.

Finalizamos o 1o semestre envolvidos nas pesquisas sobre as sementes e a germinação, com perguntas sobre as diferentes necessidades de cada tipo de planta. Mais água? Menos sol? Solo mais rico em nutrientes? Diante dessas questões e das notícias que surgiam diariamente sobre as queimadas em parte de nosso país, pesquisamos um pouco mais a fundo sobre as características dos vegetais, como produzem seu alimento e do que precisam para crescerem em determinada região.


Onde ficam as áreas em que ocorrem as queimadas? Por que elas são perigosas, principalmente em grandes extensões? Nessa pesquisa, conhecemos um pouco mais sobre o conceito de bioma – um conjunto de características de determinado local – e como todos os fatores que o constituem – solo, vegetação, fauna, flora, clima e hidrografia – dependem um dos outros.

(clique na imagem para ver um trecho do encontro síncrono: senha – 3A2020)

Também tivemos um encontro com o biólogo Eduardo Carvalho, pai de Iza, que nos ofereceu várias informações acerca dos biomas e aprofundou a apresentação do Cerrado para nosso grupo, colaborando para que todos ficassem com mais vontade de aprender, por exemplo, como a queimada pode ser benéfica para algumas sementes de lá. Com nossos estudos, compreendemos que cada bioma tem determinadas espécies de plantas, que precisam de fatores característicos daquele espaço, como maior ou menor incidência de chuva e luz solar, presença de animais que se alimentam daqueles tipos de plantas, e de outros animais que se alimentam deles, ocorrendo uma interdependência entre os seres vivos daquele ambiente, uma cadeia alimentar que, ao sofrer qualquer mudança, altera o equilíbrio que existia ali.

(clique na imagem para ver um trecho do encontro síncrono: senha – 3A2020)


Com essa provocação, partimos para novas pesquisas e nos dividimos em grupos. Cada grupo se aprofundaria nas características de um dos biomas que sofreram queimadas e, depois, compartilharia com a sala. Como resultado desse processo, cada grupo elaborou uma apresentação para comunicar aos outros o que aprenderam. A pesquisa sobre os biomas vinculou-se ao trabalho que apresentamos a vocês, familiares, na reunião sobre a diversidade em nosso território, que se iniciou com a leitura de imagens de tipos de moradia de diferentes povos indígenas. Ao longo do semestre, essas investigações se desdobraram em diferentes aspectos, por meio dos quais as crianças conheceram mais sobre os povos originários do Brasil e outras perspectivas de modo de vida, mais próxima à natureza, cheia de sabedoria atreladas à observação dos ciclos e das aprendizagens com o outro.

Ao analisarmos o mapa do Brasil para observarmos a divisão territorial de cada bioma e estados do país, localizamos as regiões onde se encontram as nações indígenas. Em nosso estudo, estabelecemos as relações e a proximidade dos locais em que as queimadas estão ocorrendo e os territórios indígenas.


Para realizarem as pesquisas, as crianças também precisaram compreender mais sobre os recursos e perigos que as ferramentas digitais colocam à nossa disposição. Assim, entrou em cena a aprendizagem sobre buscadores digitais e dicas para encontrarem sites com as informações desejadas, a leitura crítica do conteúdo e o entendimento de que alguns endereços eletrônicos (links) são mais confiáveis que outros e o porquê disso. Foi o início de um trabalho sobre as competências necessárias para bons pesquisadores. A leitura de textos informativos levou, também, ao compartilhamento de procedimentos de estudo, que são bons comportamentos leitores, os quais foram ganhando estilos próprios ao longo do semestre, quando as crianças foram se apropriando deles e colocando em seu material a sua marca.


Outra aprendizagem digital, dentre tantas que elas construíram ao longo de 2020, foi o uso do Sway como ferramenta para a apresentação de conteúdo. Além do enredo que desejam comunicar, as crianças também precisaram pensar na estética, em aspectos a serem enfatizados e no tipo de mídia que iriam utilizar.

Amazônia

Cerrado

Pantanal

(clique nas palavras acima para acessar as apresentações)

Durante os trabalhos feitos em diferentes formas de agrupamento – duplas, trios, quartetos e grupos um pouco maiores –, nossos estudantes vivenciaram situações em que precisaram organizar seus horários e encontros com mais autonomia, de modo a realizarem o que foi proposto. Não foram poucos os momentos que notamos os alunos on-line em encontros sem a nossa presença, dedicando-se às atividades, fazendo discussões interessantes e percebendo que o compromisso com os estudos é pessoal e intransferível. Pequenos grupos pesquisando sobre o solo amazônico ou pensando na reescrita de um conto são exemplos das situações observadas por nós e que retratam a potência deles quando são corresponsáveis por seus processos e produtos.

As crianças possuem um repertório vasto sobre contos de fadas. Nossa intenção, ao trabalharmos com esses contos tão conhecidos por elas, é explorar diferentes versões da mesma história, as mais próximas das originais, de quando passaram a ser escritas, depois de muitos anos de tradição oral. Ler, analisar, refletir, observar e comparar aspectos da escrita, linguagem característica, descrição de cenários, personagens, organização cronológica dos fatos narrados, dentre tantos outros, fez parte de nossos encontros. Observamos boa parte do grupo interessado na leitura dessas versões que nem sempre tem um final tão feliz quanto as histórias que conheciam; alguns alunos expressavam suas impressões de leitura de determinadas versões antes mesmo de uma proposição nossa, o que despertava nos colegas o desejo de conhecerem aquelas histórias um tanto diferentes.



Após a leitura, interpretação e análise de diversos contos, chegou a vez de escrever. O desafio foi uma reescrita, com os alunos organizados em duplas ou trios, do texto “A história dos três porquinhos”, de Hans Christian Andersen, ou seja, a escrita de uma versão diferente da conhecida por eles. Como parte do trabalho, para organizarem as ideias, foi necessário as crianças elaborarem uma lista dos episódios da história. Posteriormente, apoiados apenas pela organização dos episódios, elas partiram para a tarefa de reescrever o conto com as próprias palavras. As dificuldades e conquistas, nessa proposta, foram muitas: chegar a acordos sobre o que e como escrever, quando se encontrariam para fazerem a tarefa – mesmo fora do horário escolar. Por fim, as crianças realizaram a escrita dos episódios e do texto com autonomia e interesse. Gravaram encontros, compartilharam a tela e organizaram-se com muita responsabilidade.

Ao mesmo tempo, fizemos investigações sobre algumas regularidades ortográficas, refletindo sobre a escrita e criando algumas regras para escrever corretamente algumas palavras da língua portuguesa. As palavras que terminam com am/ão, que são escritas com c/ç/qu, s/ss, r/rr, aquelas que apresentam nasalização do m/n, foram discutidas em nosso grupo e, cada vez mais, precisam estar escritas de forma correta. Não foi raro notar nas produções o pensar e repensar sobre a escrita, buscando o emprego correto da regra. Por exemplo: “caminham” e “caminhão” suscitaram os alunos a refletirem sobre a terminação “am”, que indica sempre uma “ação”, e “ão”, que representa uma variedade maior de possibilidades, como objetos, frutos, meios de transporte (normalmente substantivos que dão nome a algo) ou, em menor frequência, indica ações futuras. Mesmo nas correções, o nosso apontamento já foi suficiente para que eles se lembrassem de nossas investigações e revisassem as palavras. A revisão de texto foi ganhando, cada vez mais, qualidade e comprometimento dos alunos, revelando um aprimoramento do comportamento escritor, como esperado nesse processo.


(clique na imagem para ver um trecho do encontro síncrono: senha – 3A2020)

Também investimos em atividades com a linguagem matemática neste semestre. Saber comunicar o pensamento, utilizando sentenças corretamente, apresentando igualdades e estabelecendo comparações é tão importante quanto escrever uma palavra adequadamente. Para isso, é preciso conhecer algumas convenções e aprimorar os registros. Este grupo manifestou, em diversos momento, interesse pela “conta em pé”, pelo “jeito que minha mãe faz”, os famosos algoritmos de adição e subtração. Colocamos em discussão, com as crianças, o que seria um algoritmo. Elas revelaram um pouco do que conheciam em um de nossos encontros, e, em uma de nossas provocações, surgiram boas explicações sobre o tema: “Um algoritmo é um manual que serve para fazer tarefas. É um conjunto de regras que faz [chegar ao] o resultado que nós queremos.” “Algoritmo é uma sequência de ações para alguma coisa dar certo.”

A partir dessas descobertas, vimos que qualquer encadeamento de ações que fizermos e que nos leve a um resultado esperado podemos chamar de algoritmo. Conhecemos os algoritmos “convencionais” para realizarmos a adição e a subtração. Mas houve diferentes reações em nosso grupo. Alguns gostaram dessa forma e passaram a utilizála como recurso para solucionar alguns problemas; outros justificaram que o modo como registravam seus pensamentos também era algoritmo e continuaram a utilizá-lo; e outros ainda mesclam seus registros, utilizando em determinadas situações uma das maneiras conhecidas.


O importante é os alunos registrarem a forma como pensaram para resolverem determinado problema. Outro foco de estudo na área da Matemática foram a proporcionalidade, em que procuramos ampliar as relações já estabelecidas na composição e decomposição de números, e a compreensão do valor posicional dos algarismos. Pensar em metade, dobro, triplo. Relacionar a adição de parcelas iguais às notações multiplicativas. 4 + 4 + 4 + 4 + 4 = 5 x 4. Como fazer mais de uma receita dos bolos que estiveram em nossas celebrações virtuais? Algumas situações colocaram o grupo em contato com as regularidades dos elementos da tabela de ingredientes. Assim, puderam generalizar esse conhecimento de modo a usarem essa estratégia em outras resoluções.


Nesse período final do 3º ano, as revisões estiveram presentes de forma mais constante. As crianças tiveram a possibilidade de refletir sobre suas posturas, suas atividades e o que podem melhorar na apresentação de seus trabalhos. A autorregulação não é uma qualidade inata do indivíduo, mas uma habilidade a ser desenvolvida ao longo de todo o período em que o estudante está na escola (ao longo da vida, a partir de suas próprias experiências, do ensinamento de outras pessoas e da interferência do ambiente em que está inserido). Foi gratificante acompanhar essas crianças nesse processo inicial de autorregulação: envolver-se com os estudos, ser responsável com as postagens das atividades realizadas e, posteriormente, fazer as revisões apontadas. Finalizar o ano com grande parte do nosso grupo encarando esse desafio de maneira cada vez mais independente é recompensador.

O distanciamento exigiu das crianças (e de vocês, familiares, bem como da escola e das professoras) uma organização para que as rotinas fossem cumpridas. Algo que antes era automático para a maior parte de nós foi um desafio gigantesco neste ano de 2020. Cumprir todas as listas do que era preciso fazer e que, a cada nova etapa, eram ampliadas, foi tarefa hercúlea. Nossa gratidão pela parceria e paciência com professoras que inauguraram o ensino remoto com alunos de 8/9 anos. Diariamente, entramos em suas casas e vocês nas nossas. Estabelecemos vínculos e intimidade com este grupo de forma diferente de todos os outros com quem já atuamos. Será difícil nos despedirmos das crianças!


Finalizamos este documento com um “Até logo!”, pois ainda nos encontraremos nos atendimentos individuais com as crianças e famílias, mas já sentimos pela despedida desses meninos e meninas que foram tão empáticos e resilientes. Que bom que já estamos na construção das pontes para o futuro! Eles são essa concretização. Que em breve possamos abraçá-los! Dezembro, 2020 Carol Petreche e Bárbara Pádua

“Educar é como catar piolho na cabeça da criança. É preciso que haja esperança, abandono, perseverança. A esperança é crença de que se está cumprindo uma missão; o abandono é a confiança do educando na palavra; a perseverança é a perseguição aos mais teimosos dos piolhos, é não permitir que um único escape, se perca. Só se educa pelo carinho e catar piolho é o carinho que o educador faz na cabeça do educando, estimulando-o, pela palavra e pela magia do silêncio. Ser educador é ser confessor dos próprios sonhos e só quem é capaz de oferecer um colo para que o educando repouse a cabeça e se abandone ao som das palavras mágicas, pode fazer o outro construir seus próprios sonhos. E pouco importa se os piolhos são apenas imaginários!” Daniel Munduruku


Bom descanso! Boas festas! Nos vemos em 2021!



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