A PARCERIA ENTRE UM CENTRO DE CIÊNCIAS E UMA ESCOLA PÚBLICA

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A PARCERIA ENTRE UM CENTRO DE CIÊNCIAS E UMA ESCOLA PÚBLICA E SUA IMPLICAÇÃO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS. André Perticarrari (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São PauloCNPq) Fernando Rossi Trigo (Casa da Ciência do Hemocentro de Ribeirão Preto-CNPq) Marisa Ramos Barbieri (Casa da Ciência do Hemocentro de Ribeirão Preto-CNPq, FAPESP)

Resumo Nas escolas básicas, o ensino tem se caracterizado como fragmentado, sendo a ciência apresentada como detentora da verdade absoluta. Além disso, muitos estudantes não participam de aulas laboratoriais ou atividades experimentais, estando distantes dos objetos de estudo. O objetivo deste trabalho foi avaliar o papel de atividades investigativas em um centro de ciências em parceria com uma escola pública na aprendizagem de ciências. A pesquisa foi desenvolvida com alunos do ensino fundamental que frequentavam atividades na Casa da Ciência da USP de Ribeirão Preto. O trabalho é de abordagem qualitativa, utilizando-se o estudo de caso como estratégia de pesquisa. O artigo apresenta os resultados desta parceria, revelando contribuições importantes no processo de ensino/aprendizagem. Palavras-chave: Espaços não-formais, Centros de ciências, Ensino investigativo.

Introdução O que nós presenciamos hoje nas escolas é um ensino fragmentado, sendo a ciência apresentada como detentora da verdade absoluta, imutável e na transmissão de conhecimento pronto (CAON, 2005), pouco articulado e baseado principalmente em textos presentes nos livros didáticos, muitas vezes a única fonte utilizada pelos professores e alunos (GAMBARINI e BASTOS, 2006; SANTOS et al., 2007). Estudos revelam que muitos estudantes não participam de aulas laboratoriais ou realizam atividades experimentais, estando distantes dos objetos de estudo (FRANCISCO Jr, et al., 2008). As aulas de laboratório, quando presentes, são apenas demonstrações de uma teoria ou observação do que foi visto em sala, havendo separação entre teoria e prática. Entretanto, pesquisas apontam que museus e centros de ciências podem desempenhar um papel importante na educação científica, complementando as carências das escolas referentes à laboratórios, às coleções didáticas, atualizações em ciências, entre outros. Estes espaços 638 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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podem contribuir de maneira efetiva no processo de ensino-aprendizagem de fenômenos biológicos, diminuindo a fragmentação dos conceitos, aproximando teoria e prática e contribuindo para a educação científica dos jovens. O presente artigo é fruto de parte de um trabalho de pós-doutoramento realizado em um centro de ciências do Hemocentro de Ribeirão Preto-SP na Universidade de São Paulo, a Casa da Ciência. O objetivo foi avaliar o papel de atividades investigativas de ciências, neste centro em parceria com uma escola pública do município de Dumont-SP - EMEF Profa. Arlinda Rosa Negri -, na aprendizagem de conceitos científicos e desenvolvimento de habilidades procedimentais e atitudinais por alunos do ensino básico.

Educação não-formal e o ensino de Ciências Hoje são vários os espaços onde a educação ocorre (MARANDINO, 2009). Entre eles podemos citar os museus e centros de ciências, que podem atuar como importantes recursos pedagógicos, estimulando a aprendizagem (VIERA et al., 2005). Entretanto, as visitas a esses locais ainda é prática ocasional nas escolas, não fazendo parte do projeto pedagógico (MARANDINO, op. cit.) e quando fazem é sem nenhum planejamento, não havendo desdobramentos na sala de aula antes e depois da atividade. Ainda segundo Marandino (2009), a educação não-formal não pode negar a escola, mas se atentar nas possibilidades de relação entre estes dois espaços e suas implicações, pois locais como museus e centros de ciências estimulam a curiosidade e auxiliam a aprendizagem, por meio da experiência concreta e observação reflexiva, compreensão conceitual e experimentação ativa e motivadora. Estes espaços quando bem direcionados, podem ser bons aliados das aulas formais (VIEIRA, 2005). Além disso, atividades desenvolvidas em centros de ciências e museus podem ser baseadas na Epistemologia das ciências e suas aplicações no ensino de Ciências e Biologia e as ideias sobre a natureza do trabalho científico são discutidas por vários autores (SILVEIRA, 1992; MOREIRA e OSTERMANN, 1993; GIL-PÉREZ et al., 2001; PRAIA et al., 2002ab) Estas premissas foram a base para o desenvolvimento deste trabalho. Parte-se do princípio que o conhecimento científico não começa na observação, mas é precedido e depende de teorias que a direcionam, decidindo em quais aspectos focar, gerando questões a se investigar e como guia no planejamento de experimentos. Além disso, não existe um método científico único que conduz necessariamente a um conhecimento ou descoberta, sendo este rigoroso e com regras fixas. O erro, a intuição, a criatividade, o trabalho em grupo, a troca de experiências, também são importantes e fazem parte do 639 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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processo, pois fazer ciência é uma atividade humana e o conhecimento gerado não é definitivo, mas apenas uma tentativa de explicar a realidade, podendo sofrer mudanças. No ensino de ciências, ao contrário de uma prática indutivista nas aulas de laboratório, as quais são utilizadas apenas para demonstrar um fenômeno ou lei científica, as atividades devem ter um caráter de investigação, nas quais os alunos possam testar hipóteses, resolver problemas, sendo agentes ativos na construção do conhecimento. Dentro desta linha de raciocínio, as atividades investigativas podem ganhar destaque nas ações realizadas em processos de ensino/aprendizagem. Neste tipo de atividade o papel dos alunos e professores é diferente do ensino tradicional e é marcado pela participação ativa do aluno e pela ação mediadora do docente. Segundo Carvalho (2013, p. 9):

[...] é importante deixar claro que não há expectativa de que os alunos vão pensar ou se comportar como cientistas [...] O que se propõe é muito mais simples – queremos criar um ambiente investigativo em salas de aula de Ciências de tal forma que possamos ensinar (conduzir/mediar) os alunos no processo

(simplificado)

do

trabalho

científico

para

que

possam

gradativamente ir ampliando sua cultura científica [....] a linguagem científica [....] se alfabetizando cientificamente [....].

Método A pesquisa foi desenvolvida com 16 alunos do 9º ano do ensino fundamental de uma escola municipal de Dumont, região de Ribeirão Preto-SP, que frequentavam atividades na Casa da Ciência. Eram acompanhados por sua professora de ciências que colaborou no desenvolvimento das atividades. O trabalho é de abordagem qualitativa, utilizando-se o estudo de caso, segundo Lüdke e André (2004), como estratégia de pesquisa com o objetivo de verificar quais mudanças – conceituais, atitudinais e procedimentais – foram apresentadas por alunos que participaram de atividades investigativas; no contexto caracterizar um centro de ciências em seu papel no processo de ensino/aprendizagem de ciências e sua contribuição para a educação científica dos jovens. Para a coleta de dados utilizou-se os seguintes instrumentos: questionários, entrevistas e observações. Todos os dados foram registrados em caderno de campo, além de fotos e vídeos. Durante o primeiro semestre de 2010, foi proposto que os alunos realizassem algumas atividades de cunho investigativo, pois verificou-se que estes jovens que frequentavam a Casa 640 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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da Ciência não realizavam experimentos ou atividades de investigação e que muitos não realizavam aulas em laboratório em suas escolas. Baseado neste fato, algumas investigações em Biologia foram com o objetivo de iniciar os alunos em trabalhos de iniciação científica e desenvolver habilidades procedimentais (observação, registro, organização dos dados, análise de dados) e atitudinais (trabalho em grupo, cooperação, articulação de conceitos). Outro objetivo pretendido era mostrar aos alunos que não existe um método único na ciência, especialmente na biologia (que tem tradição tanto da história natural – como botânica e zoologia – quanto experimental – como na citologia, fisiologia e biologia molecular). Os alunos foram responsáveis em desenvolver estudos e experimentos com planárias. Foram divididos em grupos, sendo cada um responsável por investigar um aspecto específico das planárias. As atividades eram realizadas na escola, sendo orientados pelos biólogos da Casa da Ciência e pela professora. Além das atividades práticas, aulas teóricas eram realizadas para discussão de temas relacionados e orientações dos experimentos, que ocorriam na Casa da Ciência.

Resultados e Discussão A ciência muitas vezes se encontra distante dos jovens e da população. A maioria revela ter contato com questões científicas através da TV, Internet ou outra forma de mídia, além da escola. Com relação aos alunos que frequentam a Casa da Ciência, o que se percebeu, através da análise das respostas do questionário diagnóstico, é que muitos tinham como fonte principal de ciências o livro didático. Quando questionados sobre o trabalho de um cientista, a maioria apresentou respostas gerais e superficiais como: É legal; Difícil; Fazer experiência; Cansativo; Fazer coisas novas e explorar a natureza. Alguns acham que o trabalho de um cientista é só no laboratório fazendo experiências. Outros deram algumas qualidades à figura do cientista como: curioso, sempre pesquisando. Os alunos parecem não ter uma ideia real do trabalho de um cientista e o que é fazer ciência. Para eles é algo difícil, distante. Algo compreensível, já que o contato com a ciência se dá por meio de seus conteúdos, ou seja, é apresentada como uma retórica de conclusões. Os jovens não realizavam pesquisas, não tinham a oportunidade de observar, perguntar e experimentar.

Conhecendo as planárias: atividades investigativas na construção de conceitos Com base nos resultados aferidos inicialmente, a Casa da Ciência decidiu realizar com os alunos atividades investigativas sobre temas trabalhados na escola, com o intuito de 641 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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aproximá-los da ciência, dando oportunidades de observar, experimentar, anotar, propor hipóteses, como em uma pesquisa. Os estudantes ficaram responsáveis pelo estudo das planárias e vários aspectos de sua biologia: Preferência alimentar, Fotossensibilidade, Regeneração e Morfologia. No início não foram fornecidos protocolos, ao contrário, pediu-se que estudassem e pesquisassem, sugerindo situações práticas e experimentais para o estudo destes fenômenos. Deveriam trabalhar os temas como em uma pesquisa. Tinham perguntas e, juntos com os orientadores (biólogos da Casa da Ciência e professora), deveriam levantar hipóteses sobre aqueles aspectos da vida de uma planária. Posteriormente, deveriam propor métodos para responder a seus questionamentos. Entretanto, a maioria não conseguiu montar ou mesmo trazer propostas para tentar responder às questões. Algo esperado visto a pouca familiaridade com as linhas de investigação e com trabalhos práticos. Percebendo esta dificuldade, a equipe da Casa da Ciência reorganizou, junto com os jovens, os experimentos e iniciou os pequenos projetos de iniciação científica. Para isto, os alunos foram assessorados pela professora que os acompanhava. Sua participação foi essencial. Toda semana ela os reunia para discutir e auxiliar na montagem e acompanhamento dos experimentos, no registro de campo, na interpretação de resultados, bem como no esclarecimento de questões teóricas. No final, previa-se a apresentação oral dos trabalhos e relatórios, no chamado “Mural”, atualmente em sua 19ª edição. Os resultados começaram a aparecer e a desencadear um verdadeiro ambiente de discussão. Nas falhas experimentais e na quebra das expectativas dos resultados esperados, os alunos começaram a vivenciar as dificuldades do processo de pesquisa, a importância da teoria e das hipóteses na condução dos experimentos, a seleção das variáveis e a importância do “controle” em um processo investigativo, além do uso da criatividade para a solução de problemas. Percebeu-se que começaram a fazer relações entre conceitos, avançando no proposto inicialmente. Isso pode ser evidenciado através dos registros de um encontro que ocorreu na escola entre os alunos, a professora e os membros da equipe da Casa da Ciência: Em um determinado momento os alunos, juntamente com a professora, discutiam os experimentos (sua metodologia) e os conceitos trabalhados. Foi uma etapa de troca de informações entre os grupos, pois cada um estudou um aspecto da planária e puderam contribuir com sugestões para a continuação dos trabalhos: Professora: Por que estudar planária se eu quero curar o câncer? Aluno 1: Por causa da célula-tronco. P: Mas por quê? Vocês se lembram das aulas, quando falamos de mitose e meiose? 642 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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Para “aparecer” duas planárias o que tem que acontecer? A2: Aumenta o número de células. Alunas e professora conversavam sobre planária, célula-tronco, mitose e câncer. Tentavam relacionar esses conceitos com o experimento e com as discussões em aula para entender regeneração. Nessa conversa percebeu-se uma troca de significados entre alunos e professora e entre os alunos. Em seguida passaram a discutir o experimento sobre fotossensibilidade. Discutiram alguns resultados e, principalmente, o método usado, a importância do tamanho da amostra, da padronização e do tempo de observação: P: Quantas planárias ainda estão vivas? A1: Achamos já três. A:2 O meu morreu todas Aluna explica como fez o experimento: Em cada pote colocamos um alimento e tentamos colocar planárias do mesmo tamanho. Colocamos cinco em cada pote. P: Vocês mediram as planárias? Destacando a importância da padronização. Anotavam tudo em caderno de campo, mas ainda tinham várias dúvidas sobre o experimento. Por exemplo, disseram que não conseguiam saber quando as planárias estavam se alimentando, mas que viram elas sobre os alimentos. A professora tentou, então, discutir com o grupo soluções para o experimento, como por exemplo, formas para medir a planária. Estudantes participavam ativamente: Pode colocar uma fita métrica e rabiscar (não entendi a letra) (grifo nosso). Professora explicou a importância da padronização dos experimentos e do controle. Alunos manifestaram: A: Se eu pegar uma forma de gelo? (em referência à padronização para o experimento de preferência alimentar, pois as alunas tinham usado potes de diferentes tamanhos). A professora falou que a proposta é interessante, pois as cavidades têm o mesmo volume de água. A discussão continua e os jovens tentam explicar por que algumas planárias haviam morrido durante o experimento. Uma aluna disse que havia esfriado e por isso as planárias morreram: P: Mas o pinguim vive no frio e não morre? Por que elas morreram? Estimula a relacionar dados do ambiente e características dos organismos. Alunos discutem as melhores formas de montar os experimentos e como resolver os problemas encontrados. Perceberam que em ciência não existe “o método científico”, mas sim um pluralismo metodológico; cada grupo dispunha de uma proposta. Durante as pesquisas, outras questões surgiam e não podiam ser respondidas somente com os dados obtidos, sendo necessário experimentos complementares ou refazê-los, para obter dados mais conclusivos. 643 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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Verificaram também que o “método científico” não é rígido, ou seja, capaz de se chegar a resultados somente com sua aplicação. Isso pode ser observado na fala de um aluno que pesquisava preferência alimentar: A: As planárias que se alimentavam de banana diminuiram de tamanho. Não sabemos se as que comeram fígado aumentaram ou ficaram do mesmo tamanho. Precisamos refazer e medir as planárias e colocar todas do mesmo tamanho. Os jovens passaram a fazer perguntas, a questionar e até a duvidar dos resultados. Ficaram mais exigentes. Os encontros, além de estarem focados nas relações teóricas, se direcionavam nos “problemas” práticos encontrados pelos alunos em seus experimentos. Em grupos, eram orientados também pelos membros da Casa da Ciência na solução dos mesmos: A: A planária que estava no Sol regenerou mais rápido do que as da sombra (disseram que colocaram a planária debaixo da pia, pois era o lugar mais frio da casa). P: Das [planárias] do frio, quantas regeneraram? (Grifo nosso). A: Três. P: E do Sol? A: Todas. Biólogo: Esse número não é pequeno para dizer que a temperatura influenciou? Não seria melhor colocar mais? Como saber que o corte não prejudicou também? A: Temos que fazer tudo de novo. Alunos disseram que viram no site “Ponto ciência” uma forma de cortar planárias para regeneração, colocar sobre o gelo, e que iriam tentar fazer isso. Verificou-se também que passaram a trabalhar em grupo e que discutiam os dados e os procedimentos juntamente com a professora, além de realizar pesquisas na internet e em livros quando tinham dúvidas. Na entrevista ressaltaram o trabalho em grupo (foi o tema mais recorrente) dizendo que é importante para a troca de ideias, discussão dos conceitos, facilitando no entendimento dos fenômenos. Ao final, cada grupo apresentou os resultados obtidos para os demais, num evento chamado “Mural” realizado na escola. Após cada apresentação, perguntas eram levantadas, discussões e articulações com os outros projetos eram realizadas. Prepararam cartazes, modelos e objetos para mostrar os resultados e contarem o que aprenderam, além de responder perguntas feitas pelos alunos, relacionando conceitos: Vocês sabem como as planárias enxergam? Vocês saberiam falar? A aluna então explica o funcionamento dos ocelos, articulando com os cones e bastonetes do olho humano. Logo em seguida descreve 644 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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como eles fizeram o experimento e elaboram um esquema na lousa para apresentar os resultados obtidos. Com base nesta prática, explicam os ocelos e fototaxia. A: A gente não sabe se a temperatura variou e influenciou (surgem muitas dúvidas e outras perguntas sobre o comportamento da planária na luz). Nesta hora, surge uma discussão sobre a forma como o experimento foi montado. Explicavam seus resultados e extrapolavam para outros contextos, como pode ser evidenciado na apresentação do grupo que estudou fotossensibilidade: Após explicarem o experimento, um biólogo da Casa da Ciência mostra uma planária sob uma folhas e questiona: Biólogo: Por que uma planária procura lugares escuros? A: Para fugir da predação. Os peixes usam a luz para procurar a presa. Além de aprender conteúdos específicos, o exercício de articular conceitos básicos para a compreensão de um fenômeno mais complexo, leva o aluno à construção ativa do seu próprio conhecimento. Assim como na pesquisa científica, a construção de conhecimentos escolares deve se dar pela interação do sujeito com o objeto. No ensino de biologia esse contato com o objeto é fundamental para a aprendizagem de conceitos e fenômenos (Oró, 1999). Para muitos autores é perfeitamente coerente aproximar o ensino e aprendizagem das ciências às características de uma investigação científica dirigida (SILVEIRA, 1992; PORLÁN, 1993; PERTICARRARI, et al., 2007).

Como em qualquer área da ciência a associação entre teoria e prática é

imprescindível. A simples observação de um animal associada com conceitos teóricos pode-se mostrar como uma eficiente ferramenta de aprendizagem. Isso foi verificado em uma atividade, na qual alunos trabalhavam o tema morfologia de planárias. Um aluno disse: Não sabia o que era planária. Achava que eram animais que não existiam e que eram grandes. Muitas vezes os conhecimentos prévios eram confrontados com a realidade o que provocava desequilíbrios nos esquemas mentais; nesse ponto o estudante era conduzido a um novo estágio de equilíbrio, promovendo a sua acomodação. Muitos alunos achavam que as planárias eram realmente grandes, como no livro didático, e com a realização dos experimentos perceberam que era um problema de escala. Nesta e em outras oportunidades puderam confrontar suas concepções com aquelas aceitas pela ciência, sendo isso importante para a construção de conceitos científicos. Como afirma Silveira (1992, p. 38):

Aprender algo novo é modificar algum conhecimento anterior, a aprendizagem sempre se dá a partir dos conhecimentos prévios (Popper,

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1975). A observação e a experimentação têm papéis importantes na construção do conhecimento, mas diferente daquele colocado pela epistemologia empirista-indutivista. Através delas testamos as nossas construções, e, eventualmente, podemos constatar que algo vai mal com o nosso conhecimento: quando ele nos leva a fazer uma predição sobre a realidade e esta não é confirmada.

Os alunos perceberam que o conhecimento sempre é uma resposta a uma pergunta, a um problema. Os conceitos não eram transmitidos diretamente aos estudantes, ao contrário tinham que pesquisar em livros, revistas e discutir com os colegas e orientadores. Os jovens participavam ativamente da sua construção, desenvolvendo o pensamento crítico e a capacidade de responder questões através das relações com os conceitos aprendidos nas pesquisas realizadas por eles. Foi evidenciada também a capacidade de trabalho em grupo, mas cada qual com sua individualidade e se completando ao mesmo tempo. Eram sempre estimulados a expressar seus pensamentos. É fundamental que o professor incentive o estudante a verbalizar, sendo este, um instrumento cognitivo importante para a compreensão e organização de conceitos (WARWICH et al., 1999). Com a preparação das apresentações e a redação dos relatórios, os jovens foram estimulados a escrever sobre o que aprenderam. O uso da escrita como instrumento cognitivo é importante para retenção de conhecimentos, sendo uma ferramenta importante para organizar e consolidar ideias em conhecimento mais coerente e bem estruturado (OLIVEIRA e CARVALHO, 2005). Como visto, além de aprenderem conceitos de zoologia, os jovens tiveram a oportunidade de participar de uma atividade de investigação orientada, vivenciando todos os aspectos de uma atividade científica. Porém, antes de realizar as atividades práticas, a professora e membros da equipe da Casa da Ciência apresentavam primeiro as principais teorias e conceitos, além de estimular os alunos a expressarem suas concepções sobre o assunto. Como em qualquer área da ciência, a observação depende da teoria, dos conceitos e princípios que a direcionam (MOREIRA e OSTERMANN, 1993). Não existem observações neutras, livres de teoria. Assim, foi primordial que realizassem as atividades investigativas sabendo o que observar. Neste trabalho, os jovens também tiveram contato com o erro, as incertezas da pesquisa, as dificuldades na montagem de experimentos. Assim como afirmam Gil-Perez e Váldez Castro (1996), atividades experimentais podem explorar certas contribuições das atividades científicas, como as citadas anteriormente, permitindo aos jovens 646 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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a análise de uma situação problemática, na qual sob a orientação, possam formular hipóteses, estratégias para a resolução dos problemas propostos, analisar resultados e confrontar com seus pares as diferentes ideias. Os resultados demonstram que, apesar dos conteúdos estarem nos livros didáticos, a aproximação com o objeto de investigação - acompanhada da observação associada à pergunta, além do trabalho em grupo -, foi fundamental para os alunos entenderem aspectos mais profundos da vida de um animal, de forma articulada e contextualizada. Os resultados obtidos neste trabalho vão de encontro com as novas concepções epistemológicas sobre a natureza das ciências e suas aplicações em educação científica (SILVEIRA, 1992; MOREIRA e OSTERMANN, 1993; GIL-PÉREZ et al., 2001; PRAIA et al., 2002a e b) em que projetos nos moldes científicos - podem ser desenvolvidos, desde que os alunos sejam incentivados a desenvolverem um trabalho investigatório e que, o professor seja assessorado. Neste caso, centros de ciências – como a Casa da Ciência – podem ter um papel essencial no apoio aos professores em suas práticas pedagógicas e são cada vez mais importantes na educação científica da população, apresentando algumas características fundamentais neste processo que vão além do domínio cognitivo. Através da análise qualitativa dos dados recolhidos, podemos identificar alguns papéis que um centro ou museu de ciências pode desempenhar na aprendizagem de conceitos e fenômenos científicos. Primeiro, verificamos uma mudança na forma de estudar, ou seja, na forma como encaram os estudos. Passaram a fazer mais articulações entre os conceitos e a fazer mais perguntas, isto é, estudam fazendo perguntas. Isso pode ser evidenciado na fala dos alunos: A1: Na Casa da Ciência aprendi uma coisa que é...como posso falar...comparar, pensar mais, tipo assim, comparar duas coisas bem diferentes e juntar. Relacionar os conceitos. A2: Depois que eu entrei na Casa da Ciencia, parece que aqui na escola eu fiquei mais atenta para estudar, me deu mais vontade. Ai eu peguei mais esforço, eu fiquei mais esforçada. Em entrevista alguns alunos disseram que passaram a perguntar mais: A: Na escola antes tinha vergonha de perguntar, medo de errar. Agora pergunto mais. Segundo, verificamos que a principal mudança não está na aprendizagem dos conceitos científicos, mas na atitude perante o conhecimento. O desenvolvimento de habilidades como observar, anotar (todos tinham um caderno de campo), levantar hipóteses, relacionados com o fazer ciência. Na análise do questionário final, observou-se que alguns alunos mostraram mudanças consideráveis, conseguiram interpretar dados de um experimento e identificar a hipótese, o que não faziam antes. 647 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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Terceiro, a parceria entre a escola e um centro de ciências, se devidamente avaliada, favorece a educação científica. Verificamos neste estudo que os alunos que eram acompanhados pelos seus professores e que frenquentavam a Casa da Ciência de forma mais sistemática foram os que mais apresentaram mudanças cognitivas e de atitude perante o conhecimento científico. Segundo Marandino (2009, p. 166):

É consensual a idéia de que a relação entre as duas instituições pode ser muito profícua se professores e educadores de museus estabelecerem uma comunicação efetiva e articularem suas atividades. No entanto, essa constitui ainda prática restrita a iniciativas ocasionais de escolas, de professores (e alunos – grifo nosso) e de museus, e nesse sentido é importante discutir melhor quais seriam as vantagens de uma parceria real entre tais instituições, para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem em ciências.

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Agradecimentos À equipe da Casa da Ciência pela ajuda na coleta dos dados e à Profa. Ivaneia Alves pela colaboração nas atividades. Ao CNPq pela concessão de bolsa de Pós-doutorado Junior. 649 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia


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