O Desenvolvimento da Sexualidade Feminina: Diálogos (Possíveis?) entre Freud e Jorge Amado

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PADMA CONSULTORIA, PÓS-GRADUAÇÃO E PROJETOS EDUCACIONAIS FACULDADE DE CANDEIAS ESPECIALIZAÇÃO EM LÍNGUA, LINGUÍSTICA E LITERATURA

ARMANDO JANUÁRIO DOS SANTOS

O DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE FEMININA: DIÁLOGOS (POSSÍVEIS?) ENTRE FREUD E JORGE AMADO

Salvador 2012


ARMANDO JANUÁRIO DOS SANTOS

O DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE FEMININA: DIÁLOGOS (POSSÍVEIS?) ENTRE FREUD E JORGE AMADO

Monografia apresentada a PADMA Consultoria, Pós-graduação e Projetos Educacionais / Faculdade de Candeias para obtenção do título de Especialista em Língua, Linguística e Literatura, Pós-graduação “Lato Sensu” – Estudos Avançados. Orientador: Prof. Mestre Weslei Correia

Salvador 2012


Ao Senhor Jeová Deus, O Alfa e O Ômega. À minha amada esposa Jucilene Dias Maranhão, pela compreensão das minhas ausências. Ao meu saudoso pai, o homem que me ensinou todas as coisas que sei. A organização cristã denominada Testemunhas de Jeová, por aprimorarem minha capacidade de leitura e escrita, além de me ensinarem valores éticos, desde minha tenra infância. A Eva Sullivan e Celly Campello, “minhas duas filhas de quatro patas”, por demonstrarem amor e lealdade maiores do que qualquer humano que já conheci.


Agradeço a Fundação Casa Jorge Amado, pela disposição e boa vontade em fornecer todas as informações e documentos necessários para que este trabalho se tornasse possível. Agradeço a meu orientador Professor Mestre Weslei Correia, por ter aceitado orientar meu trabalho. Agradeço a Padma na figura do Professor Joilson Barros que acreditou na minha capacidade intelectual.


“Maria, Maria É um dom, uma certa magia Uma força que nos alerta Uma mulher que merece Viver e amar Como outra qualquer Do planeta… (Maria, Maria – MIlton Nascimento)” “Que quer uma mulher? (Sigmund Freud)”


RESUMO O presente trabalho intencionou um diálogo entre a psicanálise do alemão Sigmund Freud em suas obras acerca do desenvolvimento da sexualidade feminina e o olhar do escritor baiano Jorge Amado sobre a mulher na obra pertencente à Literatura Brasileira, Tereza Batista Cansada de Guerra. Propôs encontros possíveis entre ambas as correntes de pensamento, apesar da distância histórica pela qual estavam separados. O resultado foi um conjunto de possibilidades de pensar a subjetividade feminina. Palavras-chave: diálogo, psicanálise, literatura brasileira, desenvolvimento da sexualidade feminina.

ABSTRACT This paper purposed a dialogue between the German psychoanalysis Sigmund Freud in his writings about the development feminine sexuality and look of the Bahian writer Jorge Amado‟s work belonging to the Brazilian Literature, Teresa Batista Cansada de Guerra. Proposed possible dialogues between both schools of thought, despite of the historical distance in which two were separated. The result was a set of possibilities to think of female subjectivity. Key-words: dialogue, psychoanalysis, Brazilian Literature, development feminine sexuality.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 08 2 JUSTIFICATIVA .............................................................................................................. 11 3 OBJETIVOS .................................................................................................................... 13 3.1 OBJETIVO GERAL ..................................................................................................................... 13 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ....................................................................................................... 13

4 METODOLOGIA ............................................................................................................. 14 5 BREVE HISTÓRICO DA SEXUALIDADE ....................................................................... 15 5.1 A ERA VITORIANA ..................................................................................................................... 15 5.2 A “MULHER IDEAL”: FIM DO SÉCULO XIX E PRIMEIRA METADE DO XX ................................ 16 5.3 O SURGIMENTO DA PSICANÁLISE E O DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE FEMININA EM FREUD ..................................................................................................................... 17 5.4 RESUMO DA OBRA TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA .............................................. 19

6 ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE LITERATURA E PSICANÁLISE ................................. 23 7 ANÁLISE DE DADOS ..................................................................................................... 25 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 31 9 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 34 10 APÊNDICE: PROJETO DE PESQUISA ....................................................................... 36 11 ANEXO ......................................................................................................................... 50


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1. INTRODUÇÃO

Em fins de 1880, o médico alemão Joseph Breuer tratou uma paciente, Bertha Pappenheim. Ela apresentava diversos sintomas que chamaram a atenção de outro médico, também professor e especialista em neurologia, Sigmund Freud. O caso foi para este último tão singular, que o levou a mencioná-lo por carta à sua noiva, Martha, em 13 de julho de 1883, e descrevê-lo posteriormente em conjunto com Breuer no ano de 1895, no trabalho Estudos Sobre a Histeria, obra pioneira da psicanálise. Neste, a paciente Bertha é transcrita como Anna O., uma jovem judia portadora de alucinações, pertencente a burguesia de Viena, cidade proeminente da Áustria. Aí começará a ascensão de Freud e a formação da psicanálise. Ele se tornará conhecido e seus trabalhos serão divulgados por boa parte do mundo. Conhecido também é o postulado teórico freudiano acerca da sexualidade humana, no qual o ser feminino percorrerá um caminho masculino para sair da infância e atingir a maturidade sexual. Em 1905, nos escritos Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, o psicanalista alemão afirmou: No que diz respeito às manifestações auto-eróticas e masturbatórias da sexualidade, poderíamos estabelecer que a sexualidade das mocinhas é de caráter inteiramente masculino. Na verdade, se pudéssemos dar uma conotação mais definida aos conceitos de „masculino‟ e „feminino‟, seria até mesmo possível sustentar que a libido é invariável e necessariamente de natureza masculina, ocorra ela em homens ou mulheres e independente de ser seu objeto um homem ou uma mulher (FREUD, 2010, p. 225-226).

Com isto, Freud alegou que a sexualidade feminina, para ser compreendida, carece de uma análise partindo do masculino, isto é, a mulher, ao atingir sua plenitude sexual passou por um processo que envolve precipuamente na sua infância, o sexo oposto. Ao falar sobre a sexualidade feminina na puberdade, Freud aponta para a repressão dos instintos como a principal característica presente na mulher: A puberdade, que provoca uma elevação tão grande da libido nos rapazes, é marcada nas moças por uma nova onda de repressão, em que é afetada precisamente a sexualidade clitoridiana. O que é assim suplantado pela repressão é uma parte da sexualidade masculina. A intensificação do freio sobre a sexualidade provocada pela repressão puberal nas mulheres serve de estímulo para a libido nos homens e causa um aumento de sua atividade. Juntamente com esta elevação da libido há também um aumento


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de supervalorização sexual que só emerge com toda força com relação a uma mulher que se contém e que nega sua sexualidade (idem, p. 227).

Percebe-se aí quais são os papéis desempenhados por homem e mulher no que diz respeito à sexualidade: se o primeiro é ativo e tem a libido aumentada a ponto de intensificar sua atividade sexual, a segunda é retraída, passiva e contida, negando sua própria sexualidade. Por outro lado, a Literatura Brasileira aborda a mulher de um ponto de vista distinto, porém, contributivo para a discussão presente neste trabalho. Entre os muitos escritores que abordam esta temática, destaca-se o baiano natural de Itabuna, Jorge Leal Amado de Faria (1912-2001). Em sua obra Tereza Batista Cansada de Guerra, publicada em 1972, a mulher voluptuosa e autônoma em relação ao homem é narrada. Num momento histórico de contestação do poder público – vale lembrar que a década na qual o romance acima foi lançado é marcada pelo governo da Ditadura Militar – não é fator para surpresa esta imagem sensual e ao mesmo tempo corajosa ter sido abordada pelo referido escritor. Tereza, vítima de abusos, pobre e mulata, representa as classes subalternas que lutavam para sobreviver em um país de poucas oportunidades para os iletrados, os quais, inúmeros, vêem na prostituição, no banditismo e na vivência à margem das normas sociais os caminhos de resistência e manutenção da esperança por um futuro promissor. Confrontando-se as duas linhas de pensamento acima citadas, parece à primeira vista, existir uma óbvia oposição entre a Psicanálise de Freud e a obra de Jorge Amado. A primeira vê como elemento precípuo da construção dos processos psíquicos femininos, o referencial masculino. Seria este o elemento fundamental para o estabelecimento de uma sexualidade feminina dita normal. Já a segunda traz a tona um modelo de mulher independente do homem, tanto psicológica quanto socialmente. Aqui, a mulher é narrada como não apenas um objeto de prazer, mas também como agente transformador da realidade circundante, além de um ser lascivo, que arrebata o homem levando-o ao prazer carnal. A partir de tais visões, surge o problema desta pesquisa. Com perspectivas aparentemente

distintas

sobre

o

mesmo

assunto,

pode-se

questionar:

o

desenvolvimento da sexualidade feminina encontra diálogo entre a Psicanálise de Freud e a obra Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado?


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Como hipótese primária, tem-se uma resposta negativa, visualizando os escritos de Freud acima e a narrativa de Amado. Analisando ambas de modo superficial, percebe-se uma clara oposição de conceitos. Freud aponta para o masculino como chave para o início da feminilidade. Ele estabelece aquele como princípio obrigatório deste, sendo improvável outro caminho que resulte na aquisição da feminilidade. Já Amado estabelece o referencial da mulher batalhadora, que não necessita do masculino para desenvolver-se, pois em si mesma, em suas lutas para vencer as adversidades, já se encontram as respostas para tal processo de maturação. Por outro lado, é possível a formulação de uma hipótese secundária, que aponte para os momentos históricos de cada personagem. Freud era um homem dedicado ao saber científico, porém, na linha do tempo, viveu no século XIX, onde as mulheres eram vistas pela sociedade em geral como uma extensão dos homens. Já Amado nasceu no início do século passado e participou de uma geração de quebra de paradigmas, inclusive sobre a mulher. Basta dizer que o escritor baiano pertenceu em certa fase da sua vida ao movimento comunista, o qual ficou conhecido através do Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx, como uma ideologia que defendia a igualdade entre cada indivíduo, não importando suas crenças, etnias, nacionalidades e mesmo seu sexo.


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2. JUSTIFICATIVA

A figura da mulher desperta curiosidade e questionamentos. Compreendê-la é de fundamental importância, pois apenas assim podem ser estabelecidas relações igualitárias entre os sexos, numa sociedade a qual realmente pratique em seu cotidiano princípios éticos. No ser feminino, a progressão da sexualidade merece um estudo detalhado. Isso porque, diferente do homem, a mulher apresenta um sistema reprodutor capacitado a gerar filhos, condição fundamental para a perpetuação da espécie. Além disso, a menstruação assinala a passagem da infância para a puberdade na mulher, preparando seu corpo para um conjunto de transformações que a acompanharão até a chegada da menopausa, quando o fluxo menstrual diminui gradativamente. Considerar as visões acerca do feminino no que diz respeito à maturação da sua sexualidade contribui não só para avaliar as possíveis peculiaridades da raça humana, mas também aprofunda as discussões em torno de um universo ímpar não apenas por questões biológicas. Com efeito, analisar a psique feminina é refletir para além de uma sociedade fundamentada em signos que exaltem apenas a figura masculina ou que ainda percebam a mulher como um ser unicamente biológico e com a função da maternidade, ou mesmo objeto de paixões carnais. Por outro lado, é preciso dar continuidade ao processo de aquisição da igualdade entre os gêneros. Mesmo na contemporaneidade, é informação pertencente ao senso comum que as mulheres, em sua maioria, ainda ocupam posições subalternas no mercado profissional brasileiro ou mesmo ocupam cargos de chefia, porém com remuneração inferior em relação aos homens. Finalmente, é preciso fazer referência aos dois personagens históricos, alvos que são deste trabalho. Freud teve uma trajetória marcante na psicologia. Suas contribuições na área da sexualidade foram inestimáveis. Ainda que suas descobertas não tenham reconhecimento unânime – solo fértil para discordâncias e reformulações – é inquestionável a importância dos seus escritos e da sua psicanálise para abrir as portas do conhecimento acerca do inconsciente. Já Amado, levou a muitos países os costumes, as tradições, as crenças, enfim, aspectos culturais e religiosos do povo baiano. Suas obras narram histórias de pessoas


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simples, oriundas de classes desprovidas de prestígio social e traduzidas para muitas línguas, instigando o imaginário dos leitores ao redor do mundo, despertando curiosidade e admiração pela Bahia e também pelo povo nordestino. Fez-se necessário, então, realizar este trabalho – posto que no presente ano a Fundação Casa de Jorge Amado atinge vinte e cinco anos de existência e o escritor que lhe deu este nome completaria seu primeiro centenário – buscando encontrar diálogos possíveis entre um dos mais reverenciados escritores brasileiros de todos os tempos e o expoente máximo da psicanálise.


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3. OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL  Estabelecer diálogos entre a Psicanálise de Sigmund Freud sobre o desenvolvimento da sexualidade feminina e a obra Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado. 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS  Realizar um paralelo entre Freud e Amado;  Contribuir para a análise da psique feminina;  Refletir

criticamente

contemporânea.

sobre o

papel da

mulher na

sociedade


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4. METODOLOGIA

Ao

longo

da

pesquisa,

será

realizada

uma

discussão

acerca

do

desenvolvimento sexual feminino, provocando-se um dialogismo entre os diversos autores consultados, em especial aqueles que estão no centro deste trabalho. A análise qualitativa dos escritos de Freud, como Algumas Consequências Psíquicas entre as Distinções Anatômicas dos Sexos (1925), A Sexualidade Feminina (1931), A Feminilidade (1932), bem como Tereza Batista Cansada de Guerra (1972), de Jorge Amado, representa o ponto alto do método empregado neste trabalho. Contudo, outros autores serão citados para fortalecer ainda mais os argumentos que se sucederão aqui, no sentido de elucidar o problema desta pesquisa. Para que os objetivos propostos sejam alcançados, a bibliografia procurada estabelecerá um diálogo entre a Psicanálise de Freud sobre o desenvolvimento da sexualidade feminina e a obra Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado. Além disso, as referências citadas realizarão um paralelo entre Freud e Amado, contribuindo para a análise da psique feminina, ao mesmo tempo em que refletirá criticamente sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea.


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5. BREVE HISTÓRICO DA SEXUALIDADE

Até meados do século XIX as relações sociais eram travadas em um campo de permissividade. Não se sentia a necessidade de ocultar as práticas sexuais; agressividade e violência eram encaradas como algo natural e próprio do ser humano. Sobre tais fatos, o filósofo francês Michel Foucault, descreve com riqueza de detalhes: (...) no início do século XVII ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem reticência excessiva, e as coisas sem demasiado disfarce; tinha-se com o ilícito uma tolerante familiaridade. Eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da decência, se comparados com os do século XIX (FOUCAULT, 1988, p. 9).

As crianças não eram vistas como a contemporaneidade as percebe. Elas poderiam caminhar por onde desejassem e os adultos não se incomodavam. Foucault prossegue, informando o leitor acerca de como era o cotidiano daqueles tempos: “gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas vagando, sem incômodo, nem escândalo, entre os risos dos adultos: os corpos “pavoneavam” (idem, p. 9)”. A descrição foucaultiana faz, assim, uma abordagem histórica do paradigma que a sociedade tinha até meados do século XIX, quando o assunto era a sexualidade. A partir de tal análise, pode-se questionar como a temática sexualidade caminhou pela história, adquirindo as características da atualidade. O próprio Foucault elucida esta questão a seguir. 5.1 A ERA VITORIANA

Foi no período histórico conhecido como Era Vitoriana (1837-1901), momento que ficou marcado pela subida da Rainha Vitoria ao trono inglês, que a sexualidade ganhou uma nova trajetória. De acordo com Foucault (1988, p. 9-10), a sexualidade foi transferida para o ambiente do lar, tendo como finalidade a reprodução. Se anteriormente, falar de sexo em público era algo permitido e mesmo incentivado, se


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havia tolerância neste respeito, no século XIX, o silêncio é instaurado. Este assunto é retirado da pauta do cotidiano. O filósofo francês progride em suas considerações no que tange a esta etapa de mudanças do comportamento humano quanto a sexualidade: o casal, legítimo e procriador, dita a lei. Impõe-se como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade, guarda o direito de falar, reservando-se o princípio do segredo. No espaço social, como no coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra só resta encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das palavras limpa os discursos (FOUCAULT, 1988, p. 9-10).

As crianças também são alvo desta mudança. Elas são proibidas de se pronunciar quando o assunto for sexualidade. E se, por acaso, esse tema vier à tona quando

elas estiverem presentes, alguns mecanismos serão

rapidamente

implantados para impedi-las de ouvir tal discurso: (...) não somente não existe, como não deve existir e à menor manifestação fá-lo-ão desaparecer – sejam atos ou palavras. As crianças, por exemplo, sabe-se muito bem que não tem sexo: boa razão para interditá-lo, razão para proibi-las de falarem dele, razão para fechar os olhos e tapar os ouvidos onde quer que venham a manifestá-lo, razão para impor um silêncio geral e aplicado (idem, p. 10).

Com efeito, a normatização da sexualidade foi imposta, delimitando o certo e o errado, estabelecendo relações maniqueístas. Se antes da Era Vitoriana, esta temática era aberta e até mesmo permissiva, agora a rigidez e a necessidade de haver ordem acirram os discursos e impõem a todos – crianças, jovens e adultos – um padrão

de

comportamento

baseado em reprimir

atitudes ou falares

desvinculados do que oficialmente é correto. 5.2 A “MULHER IDEAL”: FIM DO SÉCULO XIX E PRIMEIRA METADE DO XX

O olhar acerca do sexo feminino dos anos 1800 até a década de 50 do século passado era predominantemente conservador. Apesar de pensadores consagrados como Marx (1818-1883), o qual sustentou na obra A Ideologia Alemã que o trabalho assalariado seria a chave da emancipação feminina (apud MARTINS, 2006), a realidade da época em sua quase totalidade era outra. Martins (2006) abordou


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criticamente a psicanálise de Freud no que tange a sexualidade feminina e a continuidade de tal pensamento por parte de seus seguidores: A maldição do pecado original pregada pelo cristianismo que pesou sobre as mulheres por longos séculos parece ter recebido um tratamento "moderno" do século 18 em diante, destacando o discurso psicanalítico de Freud e seus discípulos, no final do século 19 e primeira metade do século 201. O que tinha uma conotação moral passou a ser medicalizado e por último serviu de base para a formulação de conceitos sobre o psiquismo, o simbolismo e o imaginário femininos (MARTINS, 2006).

Partindo desta perspectiva histórica e sociológica mencionada acima por Martins, nota-se que mesmo com o pioneirismo empreendido por Freud em estudar o inconsciente – ratificando que até então, este último era uma área praticamente desconhecida para a ciência – estruturas conservadoras e patriarcalistas impregnavam a sociedade, incluindo o meio social alemão contemporâneo a Freud. Na verdade, o discurso da psicanálise, de acordo com a especialista em Educação Sexual supracitada, legitimou um comportamento já corriqueiro: a repressão, o patriarcado e a base exacerbadamente máscula sobre a qual a psicanálise se desenvolveu. Tem-se, assim, o ideal de mulher do período aqui descrito: a esposa consciente da sua condição de inferioridade – pois não possui um pênis – além de passiva, aceitando todo e qualquer tratamento dispensado por seu marido. Boa mãe, cumpridora dos seus deveres domésticos, funções próprias da mulher, afinal de acordo com a psicanálise, sua distinção anatômica a inferioriza ao mesmo tempo em que concede a ela, através do seu aparelho reprodutor a possibilidade de gerar a prole e de amamentar. 5.3 O

SURGIMENTO

DA

PSICANÁLISE

E

O

DESENVOLVIMENTO

DA

SEXUALIDADE FEMININA EM FREUD

Décadas após a rainha Vitoria, ainda na primeira metade do século passado, o movimento psicanalítico inicia uma trajetória que repercute até os dias de hoje. Seu líder, Sigmund Freud (1856-1939) trouxe notáveis contribuições para a compreensão do comportamento humano, lançando, inclusive, as bases necessárias para a formação de outras teorias, algumas das quais são denominadas 1

Grifo nosso.


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neofreudianas. Apesar de ter escandalizado a ciência de seu tempo, propondo postulados teóricos revolucionários, a exemplo do Complexo de Édipo e da castração, Freud trouxe em sua psicanálise discursos de cunho normatizador pertencentes ao período vitoriano, uma vez que foi contemporâneo de tal época. Falar sobre o desenvolvimento da sexualidade feminina, partindo de um viés repressor é um reflexo dos ditames impostos pelo período citado. O psiquiatra alemão afirmou que “há apenas uma libido, que é posta a serviço tanto da função sexual masculina como da feminina” (FREUD, 2010, p. 289). Ele foi mais além. Afirmou que a menina é castrada, ou seja, foi privada de ter os órgãos genitais masculinos quando do seu nascimento, e tal castração é responsável pelo surgimento do Complexo de Édipo nela, o qual se caracteriza por uma atração sexual pelo genitor do sexo oposto, o pai, e uma luta contra o genitor do mesmo sexo, a mãe (idem, 2010, p. 286). Isso ocorre porque a menina desenvolve “um forte complexo de masculinidade”, após descobrir-se castrada (ibidem, p. 286). Tal acontecimento ocorreria devido ao fato da menina resistir obstinadamente à condição do seu sexo, se apegando tenazmente ao masculino e negando a sua feminilidade (ibidem, p. 286). Freud enfatizou “que o desenvolvimento da feminilidade fica exposto à perturbação pelos fenômenos residuais da primitiva época masculina” (ibidem, p. 288). Através dos escritos de Freud Algumas Consequências das Distinções Anatômicas Entre os Sexos (1925), Sobre a Sexualidade Feminina (1931) e A Feminilidade (1933), compreende-se a menina inserida no processo de alcançar a plenitude da sua feminilidade, e para atingir tal fim, ela ingressa num caminho masculino. Este percurso ocorre após um momento inicial de ligação intensa entre ela e sua mãe, a fase “pré-edípica”. Daí, a menina constata a diferença anatômica entre seu sexo e o do menino, passando por um período de negação, bem como o desenvolvimento de um “complexo de masculinidade”. Então, ela culpa sua mãe e deseja matá-la para tomar seu lugar numa relação marital com o pai, chegando assim ao Complexo de Édipo; por último, ela atingirá a feminilidade propriamente dita, transferindo para o marido a ideia de que este é seu filho, cuidando das suas necessidades emocionais, assim como sua mãe fazia com ela. Este é um processo complexo para Freud e ele frisa seus desdobramentos:


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algum dia a garota descobre a sua inferioridade orgânica; naturalmente, mais cedo e mais facilmente quando tem irmãos ou há garotos ao seu redor. Já vimos as três direções que então aparecem: a) a que leva à cessação da vida sexual; b) a da teimosa acentuação da masculinidade; c) os primeiros passos para a feminilidade definitiva. Não é fácil precisar aqui 2 as durações e estabelecer os cursos típicos dos eventos (FREUD, 2010, p. 382).

Novamente, Freud aborda o desenvolvimento sexual feminino como uma extensão do masculino. Busca compreender a sexualidade feminina tal qual uma jornada com características masculinas, descrevendo a menina como um ser que, para aceitar sua sexualidade precisa conscientizar-se de sua “inferioridade orgânica”. Isso mais uma vez demonstra que o pensamento dominante de sua época. 5.4 RESUMO DA OBRA TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA

Tereza Batista da Anunciação conheceu uma trajetória aparentemente distinta daquela que Freud delineou para o desenvolvimento da sexualidade feminina. Conforme Tavares (1985), Tereza, natural de Cajazeiras do Norte, cidade localizada no sertão baiano, aos oito anos e meio de idade perdeu os pais num desastre de ônibus e passou a viver com seus tios Rosalvo e Felipa durante cinco anos, tendo frequentado por metade deste período a Escola Tobias Barreto, de dona Mercedes Lima. Contando treze anos incompletos, foi vendida pela sua tia Felipa a Justiniano Duarte da Rosa, o Capitão Justo, homem que a utilizou como escrava sexual, violentando-a por vezes e espancando-a, ao mesmo tempo em que lhe obrigava a trabalhar no balcão da sua venda e também a prestar serviços domésticos. Sobreviveu nesta rotina durante dois anos, se rendendo aos galanteios do jovem Daniel Gomes. Certa noite, enquanto estavam juntos foram pegos de surpresa por Justiniano. Sem escolha e correndo risco de morte, Tereza esfaqueou Justo. Apesar de ter apenas quinze anos e, portanto, ser menor de idade, foi presa, não tendo sido condenada graças ao rábula Lulu Santos, contratado pelo doutor Emiliano Guedes, fazendeiro rico e poderoso da região. Após isso, Tereza foi internada num convento local, mas fugiu, indo para o bordel da Cuia d‟Água. Logo depois, foi resgatada pelo doutor Emiliano com o qual viveu durante seis anos na condição de “amásia” e 2

Grifo nosso.


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“rapariga” – mulher que vive como amante de um homem casado – na cidade sergipana de Estância, mais precisamente ao endereço Rua José de Dome, número 7. São os melhores anos da vida de Tereza. A menina sofrida, vitimada pelo abandono social, conhece um homem bom, que a chama de “Tereza Favo-de-Mel” e “Tereza Mel-de-Engenho”. Infelizmente, Emiliano vem a falecer nos braços de Tereza e esta, vai para Aracaju estrelar como sambista no cabaré Paris Alegre. Numa noite, já na pista de dança, após se envolver numa briga e perder um dente, o qual mais tarde foi substituído por outro de ouro, Tereza conhece Januário Gereba, ou simplesmente “Janu”, saveirista baiano que está de passagem. Os dois se apaixonam e vivem dias repletos de amor e prazer, entretanto, Janu é casado e sua esposa sofre de tuberculose. Januário retorna à Bahia e Tereza fica desolada. Sem esperança, ela cede ao médico Oto Espinheira, indo com ele para Buquim, Sergipe. Com apenas quatro dias de relacionamento, Tereza se arrepende, indo viver no prostíbulo de Mão de Fada, situado à Rua do Cancro Mole, no bairro de Muricapeba. Nesse meio tempo, Buquim é atingida por uma epidemia de varíola, tão grave que até mesmo o próprio Oto Espinheira, então chefe do Posto de Saúde de Buquim, se evade da cidade juntamente com todos os servidores, exceto o vigia Maximiano Silva, o qual ao lado das prostitutas da cidade, chefiadas por Tereza, empreendem uma verdadeira ação de caridade. Eles vacinam, aplicam permanganato nos ferimentos causados pela varíola, limpam enfermarias, lavam roupas, sepultam mortos, enfim, executam todas as medidas profiláticas e curativas ao seu alcance para erradicar a epidemia. Com a varíola extirpada daquela região, Tereza vai em direção a Salvador, passando por Esplanada, Cipó, Alagoinhas e Feira de Santana, onde trabalha no cabaré El Tango. Tudo isso com um só objetivo: rever Januário Gereba. Fixada na capital baiana, ela aguarda este reencontro, enquanto trabalha no cabaré Flor de Lótus. É aí que surgirá um mandado da justiça ordenando a transferência obrigatória das prostitutas para um lugar em péssimas condições. Este incidente leva Tereza a unir forças com as demais meretrizes, levando-as à greve do Balaio Fechado, movimento que ficou conhecido por este nome devido ao fato das bacantes se negarem a exercer sua profissão. Após ser presa e libertada, ela fica sabendo do naufrágio do navio Balboa, embarcação na qual estaria seu amado, Januário Gereba. Agora, sem motivos para esperar um reencontro com seu amor, Tereza concorda com o pedido de casamento de Almério das Neves, comerciante


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apaixonado por ela. A cerimônia é pomposa: pessoas da alta sociedade baiana e de diversas crenças religiosas, gente vinda de vários terreiros de candomblé, poetas, músicos, artistas plásticos, jornalistas, ao redor de “quatro mesas repletas” de iguarias. Contudo, no momento de selar a união, frente ao padre e juiz, Janu reaparece. Ele havia deixado o Balboa três meses antes do naufrágio. Tereza, então, desiste do casamento e, nos braços do seu amado, a bordo do saveiro, singram o mar. Confrontando-se aqui a teoria psicanalítica de Freud no que tange ao desenvolvimento da sexualidade feminina e o relato da obra de Jorge Amado, pretende-se estabelecer uma relação dialógica entre os trabalhos de cada autor. Tereza perdeu os pais na infância, e foi criada até pouco antes dos treze anos pelos seus tios. Jorge Amado descreve sobre a relação entre Tereza, Rosalvo e Felipa. Acerca de Rosalvo, o relato informa: Quando Felipa dormia o sono bruto de quem dobrou o dia no trabalho, à luz incerta da barra da manhã ele contemplava Tereza no catre de varas, no chão os trapos sujos, largada, quem sabe a sonhar. Estremecia à vista do corpo nu, formas ainda indecisas mas já vigorosas e belas. Nem precisava tocá-la, nem tocar-se; só de vê-la o prazer subia-lhe pelo peito, penetrava a carne, inundava-o (AMADO, 2000, p. 64-65).

Fica clara a real intenção de Rosalvo, ao ver o despontar da sexualidade de Tereza. Ele almeja possuí-la, deseja uma relação incestuosa com ela, vendo-a como um objeto de satisfação sexual. Acerca de Felipa, a obra narra: (...) Não que Tereza houvesse dado tamanha despesa, até ajudava nos afazeres da casa e do roçado. Mas o quanto custou, muito ou pouco, a comida, a roupa, o bê-a-bá e as contas, os cadernos para a escola, quem lhe deu tudo isso foi tia Felipa, irmã de sua mãe Marieta, morta junto com o marido no desastre da marinete, vai para cinco anos. Agora, quando surgem os pretendentes, é justo, seja ela, Felipa, a cobrar e a receber. (...) Se quiser a menina, o capitão terá de pagar bom preço, não vai ser igual a tantas outras que ele comeu de graça (idem, p. 61).

Se para Rosalvo, Tereza é a inspiração de suas fantasias incestuosas, para Felipa, ela representa um ganho financeiro. Já que seus pais faleceram e fora ela, Felipa, quem cuidou de Tereza, a primeira se achava no direito de comercializar a segunda, com o intuito de adquirir ganhos expressivos sobre ela. Deste modo, os


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tios de Tereza não substituíram o lugar deixado pelos pais dela, ao contrário, tiveram um papel social negativo na educação da menina, contribuindo para corrompê-la e explorá-la, deixando a investigação acerca do desenvolvimento sexual dela para mais adiante.


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6. ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE LITERATURA E PSICANÁLISE

Jorge Amado mencionou ter construído a história de Tereza a partir de informações de terceiros. Ele inicia a obra afirmando: andei assuntado, por aqui e por ali, nas feiras do sertão e na beira do cais e, com o tempo e a confiança, pouco a pouco puseram-me a par de enredos e tramas, uns engraçados, outros tristes, cada qual à sua maneira e conforme sua compreensão (AMADO, 2000, p. XIII).

Fica evidente que, no sentido de construir a narrativa, o autor não teve acesso a protagonista. Deste modo, como escritor típico do período literário conhecido como Segunda Fase do Modernismo, ele recorreu a terceiros e, ouvindo seus pareceres acerca dos fatos que marcaram a vida de Tereza, empreendeu esforços para trazer ao leitor sua existência de modo palpável, vívido. Na verdade, o narrador, ausente do convívio com a “estrela candente do samba” (AMADO, 2000, p. 4), se apóia na tradição oral para “desenhar” sua imagem, tal qual o pintor que, não podendo ter a disposição um modelo vivo, busca na fotografia deste mesmo modelo sua inspiração. Esta é uma característica marcante na segunda etapa do Modernismo, a presença de relatos regionais os quais apontam para o cotidiano de pessoas simples e de origem humilde. Apontando para este método, a psicanalista Miriam Chnaiderman, afirma que “o trabalho de reconstrução parece ser o de re-significação de um passado revelado. Uma re-significação de imagens (1989, p. 16)”. Com efeito, Jorge Amado reconstituiu a imagem de Tereza, em que pese ter escrito uma narrativa que vai além das palavras; trouxe ao imaginário popular uma mulher possível de ser pensada. Esta maneira de compor as ações dela ao longo da trama fica evidenciada quando da morte do coronel Emiliano Guedes: não me olhes assim Emiliano, não quero recordar tais deleites na noite de tua morte. E por que não, Tereza? Onde morri senão em teus braços, dentro de ti, me desfazendo em amor? (...) Se não queres recordar, recordo eu, Emiliano Guedes, requintado mestre do prazer, para o prazer utilizando a própria morte (AMADO, 2000, p. 282).


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O autor traz ao cenário, Tereza, na noite em que Emiliano morreu nos seus braços, lembrando das intimidades vividas com seu amado. Nesse ínterim, Jorge Amado não apenas narra uma sucessão de eventos que fizeram parte da vida de Tereza; ele “dá” a ela a capacidade de contar através de suas lembranças, a história de outra personagem. Através dessa dinâmica, o autor de Tereza Batista Cansada de Guerra demonstra “o que deve ser e não simplesmente o que é, no mundo real (CHNAIDERMAN, 1989, p. 20)”. Utiliza as reminiscências da heroína para povoar a mente de quem está lendo com um universo que transcende as palavras. Este recurso presente na obra amadiana pode ser definido pelo trecho a seguir: “seu objeto de estudo ultrapassa de longe o discursivo ou verbal... (idem)”. Se na literatura amadiana a linguagem está além das palavras, na psicanálise o mesmo acontece. É assunto dos psicanalistas uma língua não falada, o inconsciente, universo de sensações e saberes que extrapola o discursivo, o real, fugindo da verbalização (CHNAIDERMAN, 1989, p. 20-21). No trecho acima, Amado aponta para o inconsciente de Tereza, mencionando o que ela não quer dizer, por ser o falecimento do seu amado, preferindo deixar submersas a dor e a solidão. É também aqui, nas entrelinhas, que literatura e psicanálise se encontram, trazendo um conhecimento sem palavras.


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7. ANÁLISE DE DADOS

Como já abordado, Freud descreveu a mulher como um ser inferior em relação ao homem do ponto de vista orgânico (FREUD, 2010, p. 382). Para ele, o ser feminino é incompleto por não ter um pênis. Por outro lado, também já foi relatada aqui a história de Tereza Batista da Anunciação (AMADO, 2000). Percebe-se de início que Tereza, a partir dos oito anos e meio, não teve a figura paterna nem materna, seja porque ambos morreram em um desastre de ônibus, seja porque seus tios não desempenharam estes papéis. Pelo contrário, conforme acima mencionado, o tio de Tereza, Rosalvo, nutria atração sexual por ela, e sua tia, Felipa, via em sua sobrinha uma mercadoria de grande valor, a qual deveria ser comercializada logo: assim tão menina, não há como negar, é malvadeza entregá-la ao capitão, mas louca seria Felipa se resolvesse esperar ou se opor. Esperar para vê-la na cama com Rosalvo ou nos matos com um moleque qualquer (AMADO, 2000, p. 61)?

Portanto, em sua infância, Tereza não teve a figura dos pais para daí, desenvolver o Complexo de Édipo. Ela não se encaixou nas delimitações estabelecidas por Freud. Na verdade, a heroína da obra de Jorge Amado passou por um doloroso processo para adquirir sua independência e afirmação social. Desde cedo, conheceu a dor e a humilhação, tanto como escrava sexual do Capitão Justo, quando tinha menos de treze anos, tanto como mais tarde, sobrevivendo da prostituição nos cabarés de Sergipe, e, posteriormente em Salvador (AMADO, 2000). Parece, assim, não haver nenhuma relação entre a visão de Freud em sua psicanálise sobre o desenvolvimento sexual feminino e a descrição literária feita por Jorge Amado. Se o primeiro descreveu a mulher como uma peregrina por caminhos masculinos – percalços e obstáculos de alta complexidade – para atingir a feminilidade, o segundo narrou suas vivências tais quais a de uma heroína destemida, que traça seus caminhos por entre os sofrimentos e as marginalizações próprias da sociedade de seu tempo, contudo, desenvolvendo sua sexualidade de modo autônomo, sem necessariamente depender de nenhum homem para que este processo ocorra.


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Com efeito, Jorge Amado apresentou Tereza ao leitor como heroína popular, guerreira abençoada pelos orixás da Bahia, mulher forte e boa de briga, que não tolerava nenhuma espécie de abuso contra o sexo feminino (AMADO, 2000). Prova disso é o episódio que marcou sua estreia no Cabaré Paris Alegre, quando ao ver uma mulher ser agredida, Tereza briga com o agressor ferozmente, e termina por derrotá-lo (idem, 2000, p. 5-9). Não é sem propósito que o Clube Feminista Italiano tenha batizado sua sede em Milão com o nome de “Casa de Tereza Batista” (FUNDAÇÃO CASA DE JORGE AMADO, 2012). É essa mulher que representa as classes populares no Brasil, desde muito cedo marginalizadas, não lhes restando alternativa, exceto se sustentar comercializando o próprio corpo, seja exercendo o ofício de prostitutas, ou como dançarinas de cabarés, lugares marcados pela violência estampada em confrontos e resoluções de desavenças pessoais: ia o poeta retomar a dança e o improviso sem conceder maior importância ao acontecido – o que mais dá em cabaré é corno aflito – eis que a bofetada estala tão forte a ponto de cobrir o ruído do jazz. Estanca o passo Tereza, a tempo exato de assistir à mão espalmada do grandalhão pela segunda vez na cara da rapariga e de escutar-lhe a voz nasal a repisar palavras tão repetidamente ouvidas em tempos distantes: aprenda a me respeitar, cadela!; a voz era outra mas a frase idêntica e idêntico também o som da mão do homem na face da mulher (AMADO, 2000, p. 7).

Outra característica que merece destaque, a partir da análise do trecho acima, é a coragem de Tereza. Os traumas pelos quais passou não a detiveram; antes, deram-lhe força para não compactuar, em sua presença, com abusos de qualquer sorte contra uma mulher. Seu destemor em nada se assemelha a imagem freudiana do ser feminino, enquanto inferior sexualmente: na vaidade física da mulher também está implicada a inveja do pênis, pois ela deve apreciar mais ainda seus encantos, como tardia compensação pela inferioridade sexual original. No pudor, tido como atributo feminino por excelência, mas que é muito mais convencional do que se pensa, nós vemos a intenção original de cobrir o defeito dos genitais (FREUD, 2010, p. 290)3.

Os paradigmas científicos estabelecidos pela psicanálise freudiana refletem bem quais eram os prismas sociais acerca do ser feminino existentes no século XIX,

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Grifo nosso.


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os quais ainda persistem na atualidade. A mulher era vista por aquela sociedade como um homem sem pênis e com uma consequente “inferioridade sexual” (idem, p. 290) e também “orgânica” (idem, p. 382). Tais afirmações podem conduzir alguns na atualidade a uma total aversão ao psicanalista em destaque. Com efeito, após contínuas e históricas lutas por igualdade de direitos, as mulheres conseguiram galgar um reconhecimento social mais digno, apesar do mercado de trabalho no Brasil ainda preferir, de modo preconceituoso, patriarcalista e sexista, tanto utilizar quanto remunerar em maiores e melhores condições, a mão-de-obra masculina. Poder-se-ia mencionar também que a abordagem freudiana se adequa a personagem Dóris Curvelo, esposa do Capitão Justo e não a Tereza. A mulher de Justiniano reproduz o discurso psicanalítico embasado no patriarcalismo, na passividade feminina e no masoquismo. Um breve relato sobre Dóris esclarece detalhadamente o perfil proposto por Freud da feminilidade e caracterizado por Jorge Amado: não houve antes, não haverá depois, esposa mais devotada e ardente (...) Atenta ao menor desejo do amo e senhor seu marido, suplicando-lhe um olhar, um gesto, uma palavra (...) Inchada de orgulho, pelo braço de Justiniano, nas poucas idas ao cinema, nas contadas visitas à cidade. Dona Brígida (mãe de Dóris)4 enfraqueceu o entendimento no esforço de borrar da memória cenas indignas – Dóris agachada ante a bacia de água morna a lavar, à noite, os pés do suíno e a beijá-los. A beijá-los dedo por dedo. Vez por outra, por pura graça, o capitão empurrava-lhe os pés na cara (...) Contendo as lágrimas, Dóris fazia cara de riso, divertida brincadeira, mãe. Assim eram os carinhos do capitão (AMADO, 2000, p. 95).

Voltando a personagem central da narrativa amadiana, afirma-se que ao conhecer o coronel Emiliano Guedes, ela encontrou nele um “pai”. Emiliano não mantinha apenas relações sexuais com Tereza, nem tão-somente a sustentava como se ela fosse uma frívola amante. No tempo em que estiveram juntos, ensinoua o gosto de cada tipo de bebida: “do aprendizado dos vinhos licorosos e dos licores, passara Tereza ao capítulo mais difícil dos vinhos de mesa, dos destilados fortes, dos amargos digestivos (AMADO, 2000, p. 250)”. Mas, não apenas isso. Sob sua orientação, ela desenvolveu o gosto pelos livros, pelo estudar:

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Grifo e parênteses nosso.


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para Emiliano Guedes foi tarefa apaixonante seguir e orientar os passos da menina, ajudando-a a dominar regras e análises. Muitas e diferentes coisas o doutor ensinou à jovem protegida, no jardim, no pomar, em casa e na rua, na mesa, na cama, no correr dos dias, nenhuma tão útil a Tereza na época quanto aquele curso de lições marcadas. Antes de partir o doutor lhe deixava deveres a cumprir, matérias a estudar, exercícios a fazer. Livros e cadernos encheram o tempo ocioso de Tereza, impedindo o enfado e a insegurança (AMADO, 2000, p. 256-257).

Emiliano foi um professor para Tereza. Levou-a para os conhecimentos da arte do amor, do prazer, e mais além, a como assimilar informações, transformandoas em conhecimento e daí, em sabedoria que seria fundamental para ela pelo resto da vida. Foi com ele que Tereza descobriu a importância de não mentir ou omitir coisas que precisavam ser faladas. Aprendeu o carinho, a lealdade, a ser alegre e grata, e, principalmente a ser feliz. Para ela, um tempo de aprendizado e amor. Para ele, momentos de descanso, paz, sossego das frustrações e sucessivos desgostos com a família: Tereza deixara de ser a chucra menina do sertão, retirada da cadeia e do prostíbulo, corpo e coração marcados a ferro e fogo. As marcas foram desaparecendo, no trato do doutor ela cresceu em formosura, em elegância, em graça, em mulher no esplendor da juventude. Antes solitária, fez-se risonha e comunicativa; era trancada, abriu-se em alegria (...) Para Emiliano cada despedida mais difícil; para Tereza, mais longos de passar os dias de espera. (AMADO, 2000, p. 276-277).

Instantes de lembranças agradáveis também: o usineiro encontrou em Tereza traços da sua primeira esposa Isadora, que, apesar de não ter lhe dado filhos, deu-lhe felicidade e amor verdadeiros, coisa muito mais valiosa que ele não teve em seu segundo casamento, reencontrando esta emoção nos braços da heroína desta história (AMADO, 2000, p. 293-294). Eis aí o fenômeno da transferência, tão presente nas obras de Freud: após deixar de lado ou até mesmo perder o objeto amado, o sujeito transfere para outro objeto, seus investimentos românticos. Sob um viés freudiano, algumas coisas podem ser extraídas do romance entre Tereza e Emiliano. Na prática, ele exerceu a função paterna para uma menina sofrida, vítima da violência e das arbitrariedades daqueles que, por serem seus parentes consaguíneos, deveriam ter desempenhado este papel. Ao ser como um pai para Tereza, Emiliano Guedes manteve com ela uma relação – guardando as devidas ressalvas, já que não eram parentes – incestuosa, cristalizando na jovem o


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ideal de fundir num único homem, os referenciais de pai e parceiro sexual, genitor e amor Eros. Essa imagem de marido e pai se concretizou já no final da trama, quando Tereza, em conversa com seu amor, Januário Gereba, lhe diz o que o doutor Emiliano Guedes representou em sua vida: “um homem morreu dentro de mim, na hora mesmo. Não sei se para os outros ele foi bom ou mau, para mim o melhor homem do mundo, marido e pai (AMADO, 2000, p. 428).” Trazendo de volta ao cenário à figura da personagem Dóris, esposa do Capitão Justo, infere-se ter ela “inveja do pênis” (FREUD, 2010, p. 290) de seu marido. Este órgão genital representa aqui tanto o pênis anatômico, como também um símbolo de poder. Aparentemente, Dóris era uma jovem cheia de pudores e nem pensava em namorar. Sua mãe, Dona Brígida, acredita que a filha está longe de perceber as intenções do Capitão Justo: tola menina de quatorze anos, tão distante de tais enredos, indiferente aos mexericos, olhos postos no chão ou voltados para o céu, Dóris decerto nem se dera ainda conta dos avanços do capitão (...) Dona Brígida teme a reação da filha (após lhe contar as intenções de Justo)* nervosa e choramingas quando lhe revelar o interesse do discutido prócer. Quem vem se preparando para místicas núpcias com o doce Jesus de Nazaré, no silêncio do claustro, como sequer imaginar o capitão e sua torpe legenda (AMADO, 2000, p. 80)?5

Ledo engano de Dona Brígida. Ela descobriu, surpresa, que a filha não apenas sabe das intenções do capitão, como também deseja contrair núpcias com ele (idem, p. 80-82). Mais tarde, quando do seu casamento, Dóris confirmará a “inveja do pênis” (FREUD, 2010, p. 290) presente na teoria da sexualidade feminina, de Freud. Certamente, já sabedora das diferenças morfológicas entre os genitais dela e de um homem, a jovem deseja ter acesso ao órgão masculino. Aceita a condição de castrada, legado imposto por sua mãe, e parte em busca do seu objeto de desejo, para que assim possa transpor a sua inferioridade biológica. Mas, não pode satisfazer esta necessidade, exceto se for com um homem de fato, e não apenas um menino: Justo, deixa-me gritar, por que me impões silêncio, meu amor? Gritar bem alto para que todas acorressem e a vissem nua em pelo, a pobre Dóris, e a 5

Grifo nosso.


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seu lado, na cama, pronto para possuí-la, tirar-lhe o cabaço, gozá-la, arfante de desejo, um homem. Não um meninote de colégio, não um rapazola de tesoura e metro, em apressada masturbação, mão no peito, mão nas coxas – tira depressa e corre que vem gente aí. Um homem e que homem! Justiniano Duarte da Rosa, o capitão Justo, macho reconhecido e celebrado, maior e universal, todo inteiro de Dóris, seu marido. Ouviram? Seu marido, seu esposo, de aliança na igreja, de papel assinado no juiz. Esposo, amante, macho, seu homem, inteiramente seu, na cama, ali na alcova, pertinho da sala, venham todos e vejam (AMADO, 2000, p. 88)!

Ao ter acesso ao pênis tão desejado, vencendo assim sua incompletude, Dóris também revela uma necessidade de exibir o marido como troféu para as pessoas ao seu redor. Isso comprova o que já foi dito anteriormente por Freud: a vaidade física da mulher encontra-se superposta à inveja que ela tem do falo. Seu narcisismo é uma forma compensatória da sua “inferioridade sexual”. Ainda neste raciocínio, Freud afirmou que o pudor nada mais é do que uma estratégia para cobrir o “defeito dos genitais” (FREUD, 2010, p. 290). Todos estes pensamentos se concretizam em Dóris. Inicialmente, ela transparecia um ar de menina inocente, pudica, que não pensava em nada relacionado à sexualidade. Contudo, por trás daquele véu de ingenuidade, existia uma menina em franco processo de desenvolvimento sexual nos moldes freudianos.


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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto Sigmund Freud quanto Jorge Amado foram homens de seu tempo. O psicanalista alemão posicionou-se favorável ao discurso dominante que permeava a sociedade em que viveu, legitimando-o através dos seus estudos. Apesar do grande valor de suas pesquisas acerca do inconsciente humano, e, sobretudo da sexualidade através da análise de mulheres histéricas, Freud não deixou de reforçar o patriarcalismo e o ideal da mulher como ser biologicamente inferior ao homem, conceito vigentes em seus dias, dando um enfoque negativo ao sexo feminino em relação ao masculino. Com efeito, as teorias positivistas, com uma lógica masculinizante, inundaram os trabalhos de Freud e mesmo sabendo disso e até mesmo se sentindo contrariado ante as concepções sobre o desenvolvimento sexual feminino, ele não as reformulou (MARTINS, 2006). Talvez por isso ele tenha próximo do término de sua vida, concluído que a mulher é um “continente negro”, uma desconhecida, admitindo assim não ter conseguido aprofundar seus estudos quanto à feminilidade. A pergunta que dirigiu a Maria Bonaparte, sua amiga, também evidencia isso: “que quer uma mulher (MARTINS, 2006)?”. Em contrapartida, Jorge Amado, tomou outro caminho no estilo literário que desenvolveu. Optou por não reforçar o discurso das elites dominantes, denunciando, na obra Tereza Batista Cansada de Guerra, o descaso do poder público com as populações carentes e desprivilegiadas existentes na sociedade brasileira até os dias atuais, sobretudo com as mulheres que engrossavam os índices de pobreza e miséria, vendo-se muitas vezes obrigadas a exercer o ofício de prostitutas, dado o alto grau de exclusão. Descreveu de modo ímpar a pedofilia já existente na década de 70 e a prática da venda de meninas menores de idade como escravas sexuais. Mostrou abertamente os desmandos de coronéis, capitães e seus capangas, sempre prontos a aumentar a miséria dos pobres e famintos. Entretanto, a narrativa amadiana exalta as classes populares brasileiras, que mesmo sofrendo muito com o abandono social a elas imposto, não desistem de lutar por melhores condições de vida. Um povo alegre, embora maltratado pelas arbitrariedades dos poderosos que estão muito longe de representá-lo com dignidade. Além disso, enobrece na figura de Tereza Batista o(a) mulato(a), este componente tão importante na realidade


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brasileira, contudo, alvo de forte preconceito. Ele(a) é representado(a) por Tereza Medo Acabou, quando age de modo corajoso para libertar-se da tirania e da monstruosidade de Justo, Tereza da Bexiga Negra ao enfrentar e derrotar a epidemia de varíola, salvando muitas vidas, Tereza que luta, que chefia a greve do Balaio Fechado, resultando em mais uma vitória para os desfavorecidos. Referente ao problema desta pesquisa é correto afirmar que, se por um lado, não se estabelece uma relação dialógica entre a psicanálise de Sigmund Freud e a obra Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado, em que pese a personagem central da trama não se encaixar no desenvolvimento sexual freudiano, por outro, a personagem Dóris Curvelo tem o caminho da sua sexualidade transcorrendo em harmonia com a teoria psicanalítica. Enquanto Tereza lutou contra a passividade e a aceitação de uma suposta condição de subalterna, Dóris incorporou tal comportamento na sua relação marital com o capitão Justo. Desta disparidade de comportamentos, concluiu-se algo de suma importância: a longa viagem da menina para atingir a feminilidade, passando pelo Complexo de Édipo, é passível de reformulação, pois não se aplica ao sexo feminino em toda e qualquer cultura. A obra amadiana confirma esta afirmação ao apontar para Dóris e Tereza, duas mulheres vivendo na mesma cidade – sendo que a primeira era esposa do capitão Justo e a segunda sua escrava sexual – como praticando a feminilidade de maneiras diferentes. É válido relembrar a feminilidade de Dóris de acordo com a psicanálise de Freud, visto que esta personagem é subserviente, passiva e até mesmo masoquista, ao aceitar o tratamento agressivo do seu marido, enquanto aquela sempre lutou contra a maneira repulsiva com a qual Justo a tratava, a ponto de esfaqueá-lo (AMADO, 2000, p. 97; p. 176, 178). Esta pesquisa demonstrou a singularidade do sexo feminino. Se numa mesma obra, duas mulheres – Dóris e Tereza exercitam sua sexualidade de modos distintos, depreende-se que fora do universo ficcional do escritor baiano, o qual é embasado na realidade observada por ele, existiram e continuam a ocorrer multivariadas formas de desenvolver a sexualidade feminina. Portanto, a teoria psicanalítica freudiana pode ser reformulada, como de fato já foi pelos próprios discípulos do líder da psicanálise. Ressalte-se, entretanto, que teóricos bem conhecidos, como a exemplo de Lacan, Winnicott e Melanie Klein, mesmo


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formatando alguns conceitos básicos de Freud, fortaleceram ainda mais a visão positivista-masculinizante, passiva e masoquista do sexo feminino. Por fim, o trabalho aqui desenvolvido contribui com um olhar integral acerca do desenvolvimento sexual feminino e da feminilidade. Faz-se necessária a compreensão de que estes dois processos inter-relacionais se manifestam de muitas formas, não sendo possível padronizar o comportamento feminino. Necessário ainda é a prática do respeito a um ser que, independente da sua morfologia e sexo, é humano. Com os avanços realizados por grupos feministas ao redor do globo, já não deveria haver mais espaço para visões machistas e sexistas. Infelizmente, porém, conceitos retrógrados perduram, muitos dos quais conduzem a violência contra a mulher, marchando na contramão das descobertas científicas que comprovam que o feminino detém capacidade intelectual tal qual o masculino. Daí a importância de aprofundar mais a temática da feminilidade e dos direitos da mulher perante uma sociedade que ela própria tem contribuído em larga escala para progredir.


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REFERÊNCIAS

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MARTINS, Vanessa Gandra Dutra. Freud e mulher. Disponível www.sbpsp.org.br/exposicao_Freud/Arquivos/07.doc. Acesso: 03 set 2011.

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PROJETO DE PESQUISA


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PROJETO DE PESQUISA

TEMA: O DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE FEMININA: DIÁLOGOS (POSSÍVEIS?) ENTRE FREUD E JORGE AMADO RESUMO O presente trabalho intencionou um diálogo entre a psicanálise do alemão Sigmund Freud em suas obras acerca do ser feminino e o olhar do escritor baiano Jorge Amado sobre a mulher na obra pertencente à literatura brasileira, Tereza Batista Cansada de Guerra. Propôs encontros possíveis entre ambas as correntes de pensamento, apesar da distância histórica entre a qual ambos estavam separados. O resultado foi um conjunto de possibilidades de pensar a subjetividade feminina. Palavras-chave: diálogo, psicanálise, literatura brasileira.

ABSTRACT This paper purposed a dialogue between the German psychoanalysis Sigmund Freud in his writings about being feminine and look of the Bahian writer Jorge Amado‟s work belonging to the Brazilian Literature, Teresa Batista Cansada de Guerra. Proposed possible dialogues between both schools of thought, despite of the historical distance in which two were separated. The result was a set of possibilities to think of female subjectivity. Key-words: dialogue, psychoanalysis, Brazilian Literature.


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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................... 39

2. JUSTIFICATIVA ........................................................................................ 41

3. OBJETIVOS .............................................................................................. 42

4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................ 43

5. METODOLOGIA ....................................................................................... 47

6. CRONOGRAMA ....................................................................................... 48

7. REFERÊNCIAS ........................................................................................ 49


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1. INTRODUÇÃO

O comportamento da mulher frente à sociedade tem sido alvo de multivariadas análises, na literatura nacional e estrangeira, bem como no campo da ciência. A última estuda a estrutura psíquica do ser feminino, estabelecendo paradigmas contestados ou admitidos em diversas épocas. Exemplo disso são os estudos psicanalíticos, os quais se iniciam a partir da análise de mulheres histéricas. Em fins de 1880, o médico alemão Joseph Breuer, tratou uma paciente, Bertha Pappenheim. Ela apresentava diversos sintomas que chamaram a atenção de outro médico, também professor e especialista em neurologia, Sigmund Freud. O caso foi para ele tão fascinante, que o levou a mencioná-lo por carta à sua noiva, Martha, em 13 de julho de 1883, e descrevê-lo posteriormente em conjunto com Breuer no ano de 1895, no trabalho Estudos Sobre a Histeria, obra pioneira da psicanálise. Neste, a paciente Bertha é transcrita como Anna O., uma jovem judia pertencente a burguesia de Viena portadora de alucinações. As informações deste parágrafo são oriundas da revista Viver Mente e Cérebro, Coleção Memórias da Psicanálise, número 1, entretanto, são amplamente conhecidas no universo científico, pois remontam ao surgimento deste método terapêutico, sendo inclusive relatadas em diversas obras que tratam da história do movimento psicanalítico. Conhecido ainda é o postulado teórico freudiano acerca da sexualidade humana, no qual o ser feminino percorrerá um caminho masculino para sair da infância e atingir a maturidade sexual. Em 1905, na obra Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, o psicanalista alemão afirmou: “a sexualidade das meninas tem um caráter inteiramente masculino.” Por outro lado, a Literatura Brasileira aborda a mulher de um ponto de vista não-científico, porém, contributivo para a discussão a ser feita aqui. Entre os muitos escritores que abordam esta temática, destaca-se o baiano, natural de Itabuna, Jorge Leal Amado de Faria (1912-2001). Em sua obra Tereza Batista Cansada de Guerra, publicada em 1972, a mulher voluptuosa e autônoma em relação ao homem é narrada. Num momento histórico de contestação do poder público – vale lembrar que a década na qual o romance acima foi lançado é marcada pelo governo da ditadura militar – não é fator para surpresa esta imagem sensual e ao mesmo tempo


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corajosa e engajada estar em vigência. Tereza, vítima de abusos, pobre e mulata, representa as classes subalternas, as quais lutavam para sobreviver em um país de poucas oportunidades para os iletrados, os quais, inúmeros, vêem na prostituição, no banditismo e na vivência a margem das normas sociais os caminhos de resistência e manutenção da esperança por um futuro promissor. Confrontando-se as duas linhas de pensamento acima citadas, parece, à primeira vista, existir uma óbvia oposição entre a Psicanálise e a obra de Jorge Amado. A primeira vê como elemento precípuo da construção dos processos psíquicos femininos, o referencial masculino. A segunda traz a tona um modelo de mulher independente, tanto psicológica quanto socialmente, do homem. A partir de tais visões, surge o problema desta pesquisa. Com definições aparentemente

distintas

sobre

o

mesmo

assunto,

pode-se

questionar:

o

desenvolvimento da sexualidade feminina encontra diálogo entre a Psicanálise de Freud e a obra Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado? Como hipótese primária, tem-se uma resposta negativa, visualizando a frase de Freud acima e a narrativa de Amado. Analisando ambas de modo superficial, percebe-se uma clara oposição de conceitos. Freud aponta para o masculino como chave para o início da feminilidade. Já Amado estabelece o referencial da mulher batalhadora, que não necessita do masculino para desenvolver-se, pois em si mesma, em suas lutas para vencer as adversidades, já se encontram as respostas para tal processo de maturação. Por outro lado, é possível a formulação de uma hipótese secundária, que aponte para os momentos históricos de cada personagem. Freud era um homem dedicado ao saber científico, porém, na linha do tempo, viveu no século XIX, onde as mulheres eram vistas pela sociedade em geral como uma extensão dos homens. Já Amado nasceu no início do século passado e participou de uma geração de quebra de paradigmas, inclusive sobre a mulher. Basta dizer que o escritor baiano pertencia ao movimento comunista, o qual pregava a igualdade entre cada indivíduo, não importando suas crenças, raças, nacionalidades e mesmo seu sexo.


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2. JUSTIFICATIVA

O desenvolvimento sexual humano difere dos outros animais. Compreendê-lo torna-se necessário, pois é a partir deste processo que a sociedade estabelece referenciais éticos e morais. Além disso, a sexualidade pode estar sujeita a alterações em função do aprofundamento do pensamento racional e do afastamento de um modelo centrado no patriarcalismo. No ser feminino, a progressão da sexualidade merece um estudo detalhado. Isso porque, diferente do homem, a mulher apresenta um sistema reprodutor capacitado a gerar filhos, condição fundamental para a perpetuação da espécie. Além disso, a menstruação assinala a passagem da infância para a puberdade na mulher, preparando seu corpo para um conjunto de transformações que a acompanharão até a chegada da menopausa, quando o fluxo menstrual diminui gradativamente. Considerar as visões acerca do feminino no que diz respeito à maturação da sua sexualidade contribui não só para avaliar as possíveis peculiaridades da raça humana, mas também aprofunda as discussões em torno de um universo ímpar não apenas por questões biológicas. Com efeito, analisar a psique feminina é refletir para além de uma sociedade fundamentada em signos que exaltem apenas a figura masculina ou que ainda percebam a mulher como um ser unicamente biológico e com função de maternidade, ou mesmo objeto de paixões carnais. Por outro lado, é preciso dar continuidade ao processo de aquisição da igualdade entre os gêneros. Mesmo na contemporaneidade, é informação pertencente ao senso comum que as mulheres, em sua maioria, ainda ocupam posições subalternas no mercado profissional brasileiro ou mesmo ocupam cargos de chefia, porém com remuneração inferior em relação aos homens.


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3. OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL  Estabelecer um diálogo entre a Psicanálise de Freud sobre o desenvolvimento da sexualidade feminina e a obra Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado. 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS  Realizar um paralelo entre Freud e Amado;  Contribuir para a análise da psique feminina;  Refletir

criticamente

contemporânea.

sobre o

papel da

mulher na

sociedade


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4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Na sociedade contemporânea, ainda perduram modelos que remontam ao período histórico conhecido como Era Vitoriana (1837-1901), momento que ficou marcado pela subida da Rainha Vitoria ao trono inglês. A partir de então, a sexualidade ganhou uma nova trajetória. De acordo com Foucault (1988, p. 9-10), a sexualidade foi transferida para o ambiente do lar, tendo como finalidade a reprodução. Se anteriormente, falar de sexo em público era algo permitido e mesmo incentivado, se havia tolerância neste respeito, no século XVII, o silêncio é instaurado. Este assunto é retirado da pauta do cotidiano, ficando reservado ao “quarto dos pais”. A psicanálise surgirá décadas depois da rainha Vitoria, ainda na primeira metade do século passado. Sendo assim, é natural que esta tenha influenciado aquela, e que na teoria psicanalítica estejam presentes alguns discursos de cunho normatizador pertencentes ao período vitoriano. Falar sobre o desenvolvimento da sexualidade feminina, partindo de um viés repressor é um reflexo dos ditames impostos pelo período citado. É neste contexto que surge a figura do líder da psicanálise. Freud (1856-1939) afirmou que “há apenas uma libido, que é posta a serviço tanto da função sexual masculina como da feminina” (FREUD, 1933, p. 289). Ele foi mais além. Afirmou que a menina é castrada, ou seja, foi privada de ter os órgãos genitais masculinos e tal castração é responsável pelo surgimento do Complexo de Édipo nela, o qual se caracteriza por uma atração sexual pelo genitor do sexo oposto, o pai, e uma luta contra o genitor do mesmo sexo, a mãe (FREUD, 1933, p. 286). Isso ocorre porque a menina desenvolve “um forte complexo de masculinidade”, após descobrir-se castrada (idem, p. 286). Isto se daria pelo fato da menina resistir obstinadamente à condição do seu sexo, se apegando tenazmente ao masculino e negando a sua feminilidade (idem, p. 286). Freud enfatizou “que o desenvolvimento da feminilidade fica exposto à perturbação pelos fenômenos residuais da primitiva época masculina” (idem, p. 288). Através dos escritos de Freud Sobre a Sexualidade Feminina (1931) e A Feminilidade (1933), percebe-se a menina inserida no processo de alcançar a


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plenitude de sua feminilidade, e para atingir tal fim, ela ingressa num caminho masculino. Este percurso ocorre após um momento inicial de ligação intensa entre ela e sua mãe, a fase “pré-edípica”. Daí, a menina constata a diferença anatômica entre seu sexo e o do menino, passando por um período de negação, bem como o desenvolvimento de um “complexo de masculinidade”. Então, ela culpa sua mãe e deseja matá-la para tomar seu lugar numa relação marital com o pai, chegando assim ao Complexo de Édipo; por último, ela atingirá a feminilidade propriamente dita, transferindo para o marido a ideia de que este é seu filho, cuidando das suas necessidades emocionais, assim como sua mãe fazia com ela. Já Tereza Batista da Anunciação (Amado, 1972 e Tavares, 1985, p. 325-327) conheceu uma trajetória aparentemente distinta daquela que Freud delineou para o desenvolvimento da sexualidade feminina. Natural de Cajazeiras do Norte, Sergipe, aos oito anos e meio de idade perdeu os pais num desastre de ônibus e passou a viver com seus tios Rosalvo e Felipa durante cinco anos, tendo frequentado por metade deste período a Escola Tobias Barreto, de dona Mercedes Lima. Contando treze anos incompletos, foi vendida pela sua tia Felipa a Justiniano Duarte da Rosa, o Capitão Justo, homem que a utilizou como escrava sexual, violentando-a por vezes e espancando-a, ao mesmo tempo em que lhe obrigava a trabalhar no balcão da sua venda e também a prestar serviços domésticos. Sobreviveu nesta rotina durante dois anos, se rendendo aos galanteios do jovem Daniel Gomes. Certa noite, enquanto estavam juntos foram pegos de surpresa por Justiniano. Sem escolha e correndo risco de morte, Tereza esfaqueou Justo. Apesar de ter apenas quinze anos e, portanto, ser menor de idade, foi presa, não tendo sido condenada graças ao rábula Lulu Santos, contratado pelo doutor Emiliano Guedes, fazendeiro rico e poderoso. Após isso, Tereza foi internada num convento local, mas fugiu, indo para o bordel da Cuia d‟Água. Logo depois, foi resgatada pelo doutor Emiliano com o qual vai viver durante seis anos na condição de “amásia” e “rapariga” – mulher que vive como amante de um homem casado – na cidade sergipana de Estância, mais precisamente ao endereço Rua José de Dome, número 7. São os melhores anos da vida de Tereza. A menina sofrida, vitimada pelo abandono social, conhece um homem bom, que a chama de “Tereza Favo-de-Mel” e “Tereza Mel-de-Engenho”. Infelizmente, Emiliano vem a falecer nos braços de Tereza e esta, vai para Aracaju estrelar como sambista no cabaré Paris Alegre. Numa noite, já na pista de


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dança, após se envolver numa briga e perder um dente, o qual mais tarde será substituído por outro de ouro, Tereza conhece Januário Gereba, ou simplesmente “Janu”, saveirista baiano que está de passagem. Os dois se apaixonam e vivem dias repletos de amor e prazer, entretanto, Janu é casado e sua esposa sofre de tuberculose. Januário retorna à Bahia e Tereza fica desolada. Sem esperança, ela cede ao médico Oto Espinheira, indo com ele para Buquim. Com apenas quatro dias de relacionamento, Tereza se arrepende, indo viver no prostíbulo de Mão de Fada, situado à Rua do Cancro Mole, no bairro de Muricapeba. Nesse meio tempo, Buquim é atingida por uma epidemia de varíola, tão grave que até mesmo o próprio Oto Espinheira, então chefe do Posto de Saúde de Buquim, se evade da cidade juntamente com todos os servidores, exceto o vigia Maximiano Silva, o qual ao lado das prostitutas da cidade, chefiadas por Tereza, vão empreender

uma

verdadeira

ação

de

caridade.

Eles

vacinam,

aplicam

permanganato nos ferimentos causados pela varíola, limpam enfermarias, lavam roupas, sepultam mortos, enfim, executam todas as medidas profiláticas e curativas ao seu alcance para erradicar a epidemia. Com a varíola extirpada daquela região, Tereza vai em direção a Salvador, passando por Esplanada, Cipó, Alagoinhas e Feira de Santana, onde trabalha no cabaré El Tango. Tudo isso com um só objetivo: encontrar Januário Gereba. Fixada na capital baiana, ela aguarda este reencontro, enquanto trabalha no cabaré Flor de Lótus. É aí que surgirá um mandado da justiça ordenando a transferência obrigatória das prostitutas para um lugar em péssimas condições.

Este incidente leva Tereza a unir forças com as demais prostitutas,

levando-as deflagrar a greve do Balaio Fechado, movimento que ficou conhecido por este nome devido ao fato de as meretrizes se negarem a exercer sua profissão. Ela é presa e após ser posta em liberdade, fica sabendo do naufrágio do navio Balboa, embarcação na qual estaria seu amado, Januário Gereba. Agora sem motivos para esperar um reencontro com seu amor, Tereza concorda com o pedido de casamento de Almério das Neves, comerciante apaixonado por ela. A cerimônia é pomposa: pessoas da alta sociedade baiana e de diversas crenças religiosas, gente vinda de vários terreiros de candomblé, poetas, músicos, artistas plásticos, jornalistas, ao redor de “quatro mesas repletas” de iguarias. Contudo, no momento de selar a união, frente ao padre e juiz, Janu reaparece. Ele havia deixado o Balboa três meses


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antes do naufrágio. Tereza, então, desiste do casamento e, nos braços do seu amado, a bordo do saveiro, singram o mar. Após serem descritas aqui a teoria psicanalítica de Freud no que tange ao desenvolvimento da sexualidade feminina, bem como um breve relato da obra de Jorge Amado, pretende-se estabelecer uma relação dialógica entre os trabalhos de cada autor. Tereza, de acordo com Amado, perdeu os pais na infância, e foi criada até pouco antes dos treze anos pelos seus tios. Amado (1972, p. 64-65) descreve sobre a relação entre Tereza e seus tios, Rosalvo e Felipa. Acerca do primeiro, o relato informa: Quando Felipa dormia o sono bruto de quem dobrou o dia no trabalho, à luz incerta da barra da manhã ele contemplava Tereza no catre de varas, no chão os trapos sujos, largada, quem sabe a sonhar. Estremecia à vista do corpo nu, formas ainda indecisas mas já vigorosas e belas. Nem precisava tocá-la, nem tocar-se; só de vê-la o prazer subia-lhe pelo peito, penetrava a carne, inundava-o.

Fica clara a real intenção de Rosalvo, ao ver o despontar da sexualidade de Tereza. Ele almeja possuí-la, deseja uma relação incestuosa com ela, vendo-a como um objeto de satisfação sexual. Acerca de Felipa, Amado (idem, p. 61) narra: (...) Não que Tereza houvesse dado tamanha despesa, até ajudava nos afazeres da casa e do roçado. Mas o quanto custou, muito ou pouco, a comida, a roupa, o bê-a-bá e as contas, os cadernos para a escola, quem lhe deu tudo isso foi tia Felipa, irmã de sua mãe Marieta, morta junto com o marido no desastre da marinete, vai para cinco anos. Agora, quando surgem os pretendentes, é justo, seja ela, Felipa, a cobrar e a receber. (...) Se quiser a menina, o capitão terá de pagar bom preço, não vai ser igual a tantas outras que ele comeu de graça.

Se para Rosalvo, Tereza é a inspiração de suas fantasias incestuosas, para Felipa, ela representa um ganho financeiro. Já que seus pais faleceram e fora ela, Felipa, quem cuidou de Tereza, a primeira se achava no direito de comercializar a segunda, com o intuito de adquiriu ganhos expressivos sobre ela. Deste modo, os tios de Tereza não substituíram o lugar deixado pelos pais da referida, deixando a investigação acerca do desenvolvimento sexual da menina para mais adiante.


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5. METODOLOGIA

Ao

longo

da

pesquisa,

será

realizada

a

dissertação

acerca

do

desenvolvimento sexual feminino, provocando-se um dialogismo entre os diversos autores consultados, em especial aqueles que estão no centro da discussão. A análise qualitativa dos escritos de Freud, como Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905), Algumas Consequências Psíquicas entre as Distinções Anatômicas dos Sexos (1925), A Sexualidade Feminina (1931), A Feminilidade (1932), bem como Tereza Batista Cansada de Guerra (1972), de Jorge Amado, representa o ponto alto do método empregado neste trabalho. Contudo, outros autores serão citados para fortalecer ainda mais os argumentos que se sucederão aqui, no sentido de elucidar o problema supracitado. Para que os objetivos propostos sejam alcançados, a bibliografia procurada estabelecerá um diálogo entre a Psicanálise de Freud sobre o desenvolvimento da sexualidade feminina e a obra Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado. Além disso, as referências citadas realizarão um paralelo entre Freud e Amado, contribuindo para a análise da psique feminina, ao mesmo tempo em que refletirá criticamente sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea.


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6. CRONOGRAMA

O cronograma possui atividades previstas para execução em dez semanas. Cronograma Levantamento da Bibliografia Leitura da Bibliografia Elaboração da Monografia

1 x

2 x

3 x

4

5

6

x

x

x

7

8

9

10

x

x

x

X


49

REFERÊNCIAS

AMADO, Jorge. Tereza Batista cansada de guerra. 31 ed. Rio de Janeiro, Record, 2000.

FREUD, Sigmund. A Feminilidade e Sobre a Sexualidade Feminina. In: ______. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 263-293; 372-398.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. 4 ed. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

FOUCAULT, Michel. Nós, vitorianos. In: ______. História da sexualidade: volume I, a vontade do saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 13 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, p. 9-18. TAVARES, Paulo. Criaturas de Jorge Amado. 2 ed. Rio de Janeiro: Record, INL, 1985.


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ANEXO



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