UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
VINICIUS DIAS
DONA FLOR E SUAS ADAPTAÇÕES
Uma análise das adaptações da obra de Jorge Amado para cinema, teatro e televisão.
Rio de Janeiro 2008
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VINICIUS DIAS
DONA FLOR E SUAS ADAPTAÇÕES Uma análise da adaptação da obra de Jorge Amado para o cinema e a televisão.
Monografia apresentada a Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em cinema. Orientadora: Professora Doutora Gabriela Lírio Gurgel.
GRAU: 10 (dez)
APROVADO POR Professora Doutora Gabriela Lírio Gurgel
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Dedicatória
Dedico este trabalho a Deus que é o maior de meus companheiros e agradeço por ser esse pai tão maravilhoso em minha vida. Dedico aos meus pais Antonio José Dias e Hilda Carolina de Oliveira Dias pela educação, pelo amor, por todas as oportunidades que tive e principalmente por serem esse exemplo tão simples e tão perfeito de que vale a pena lutar pelos nossos sonhos com honestidade e caráter. Dedico as minhas irmãs Rafaela Dias e Tayza Martins, pela companhia e pelas risadas nas deliciosas noites de cinema em casa. Dedico à Domênica Mantel, por ser essa amiga tão especial e companheira e ao Márcio Motokane. Eles são os grandes culpados de hoje eu ser esse eterno apaixonado pela sétima arte. Dedico à memória de Jorge Amado e Dorival Caymmi, esses grandes mestres que fazem de mim um pouco baiano.
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Agradecimentos
Agradeço a oportunidade de ter compartilhado alguns anos de minha vida e de ter aprendido com mestres tão dedicados, talentosos e apaixonados pelo que fazem em especial, a Gabriela Lírio Gurgel: pelo apoio, paciência e orientação na realização deste trabalho. Agradeço aos funcionários da Universidade Estácio de Sá pela dedicação, pelos ensinamentos e especialmente aos do curso de cinema. Aos meus colegas de trabalho: - Tatiana Azevedo e Débora Garcia, pelas oportunidades, pela confiança, pelo respeito e por terem aberto as portas do Canal Futura para minha iniciação profissional. - Mavi Simão, por ter sido a primeira chefe, a primeira entusiasta e por acreditar tanto no meu trabalho e no meu potencial. - Vanessa Jardim, por ter lutado para que o sonho de concluir meu curso fosse possível, pelo espaço profissional e pelo respeito incondicional a um jovem de apenas de 19 anos. - Ana Lucia Gomes e Cris Bitt, pelo carinho, pelas oportunidades e pela confiança. - Angela Calixto, por ser assim tão companheira. Aos meus amigos pela força e aos colaboradores deste trabalho, sem os quais nada seria possível: Gabriela Lírio Gurgel, Renan Costa, Carol Castro, Ana Paula Bouzas, Letícia Tórgo, Domênica Mantel, Alessandra Moína, Raphael Gomes, Tiago Gomes, Maria Laurentina, Natália Calderoni e Vanessa Bicalho.
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Palavras - chave: Adaptação, Narrativa, Cinema, Televisão.
Resumo O presente trabalho consiste na abordagem da adaptação literária para o cinema e para a televisão de forma transversal a partir do estudo de alguns autores que discorrem sobre o assunto e focando na obra Dona Flor e seus dois maridos de Jorge Amado. O estudo aborda o conceito de adaptação, a questão da linguagem e da narrativa e uma análise da referida obra.
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Keywords: Adaptation, Narratives, Cinema, Television.
Abstract This paper focuses on literary adaptation to cinema and television, starting from some authors studies on "Dona Flor e seus dois maridos", by Jorge Amado. Based on the referred work, it also develops the concept of adaptation and language narratives.
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Sumário
Introdução.............................................................................................................. 08
1. Ser ou não ser adaptação?.................................................................................. 10
2. Quais os ingredientes de uma receita de sucesso?............................................. 19
3. O que é que essa baiana tem? ............................................................................ 30
Conclusão .............................................................................................................. 40
Referências Bibliográficas..................................................................................... 42
Referências Audiovisuais ...................................................................................... 45
Ficha Técnica do Espetáculo ................................................................................. 48
Anexo I
Anexo II
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Introdução
A adaptação literária figura como um recurso recorrente no cinema e na televisão. Em ambos os casos podemos observar, pelo menos no tocante ao audiovisual brasileiro, que é algo realizado há décadas e em contextos históricos amplamente ricos e distintos. No caso específico da televisão em sua instauração, na década de 50, a dramaturgia era desenvolvida a partir da literatura com o objetivo de provocar a identificação no espectador. No cinema, constam inspirações literárias desde a época de Méliès e Griffith, este último, o grande pioneiro na criação de uma identidade lingüística da sétima arte. Acompanhando todo este movimento da linguagem audiovisual, há uma discussão histórica sobre a validade deste “produto” que é originado de uma obra literária. Aos olhos do espectador/leitor, questões comparativas tornam-se quase inevitáveis e igualmente perigosas a uma análise historiográfica do processo de adaptação, pois ignora a especificidade que cada meio intrinsecamente possui, seja literatura, cinema, televisão ou teatro. Neste ínterim, encontramos estudiosos como André Bazin – pioneiro na definição de um conceito - que investiga como se dá este processo de aproximação entre uma arte mais recente e outra pioneira, ou ainda, teóricos como Syd Field que questiona a própria noção de adaptação na medida em que considera que cada processo resulta num novo e distinto resultado que independe de uma fidelidade e relação estrita com o texto original; e Doc Comparato que define uma sistematização de conceitos dos mais variados procedimentos que ocorrem num processo de transposição da literatura para outro meio; até chegarmos à Ismail Xavier e Randal Johnson com o conceito do constante diálogo entre os meios, a intertextualidade. Em suma, teoricamente, a literatura apresenta um campo de subjetividade mais vasto ao leitor pelo fato de fornecer determinados elementos e deixar lacunas, algo que no audiovisual, pela própria etimologia da palavra, é mais restrito. Desta forma, cada obra literária, será única e particular àquele que a consumir. Determinadas características físicas das personagens, o lugar onde vivem, os detalhes que compõem sua forma de se vestir será imaginado por cada leitor de acordo com suas próprias referências e anseios, enquanto no cinema ou na TV, a indicação desta subjetividade vai se concretizar mais na direção que o autor e também o diretor derem para a construção narrativa da trama, uma vez que há um elenco definido e apresentado, uma cenografia, figurino e caracterização que contribuem para
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a formação das personagens, uma fotografia que traduz determinadas emoções e os enquadramentos que valorizam certas ações em detrimentos de outras. Para percorrer de forma transversal por esses três meios narrativos, vamos inicialmente nos dedicar ao estudo do polêmico conceito de adaptação, percorrendo alguns dos principais teóricos acerca do assunto. Num segundo momento, vamos analisar algumas das variáveis e especificidades que cada meio apresenta a partir da experiência da adaptação, privilegiando as relações espaços-temporais, a idéia de narrador, a construção de personagem e a linguagem narrativa. O terceiro capítulo percorre as adaptações da obra de Jorge Amado: “Dona Flor e seus dois maridos” no cinema por Bruno Barreto em 1976, maior fenômeno de bilheteria que a história do cinema nacional conheceu atingindo a margem de 12 milhões de espectadores, cuja trama foi protagonizada por Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça; na televisão por Dias Gomes numa minissérie de 19 capítulos exibida na Rede Globo de Televisão em 1998 e protagonizada por Giulia Gam, Edson Celulari e Marco Nanini; e vamos ainda comentar a recente adaptação de Pedro Vasconcelos e Marcelo Faria para o teatro em 2008 com Carol Castro, Marcelo Faria e Duda Ribeiro.
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1. Ser ou não ser adaptação?
Intertextualidade: acontece quando há uma referência explícita ou implícita de um texto em outro. Também pode ocorrer com outras formas além do texto, música, pintura, filme, novela, etc. Toda vez que uma obra fizer alusão a outra ocorre à intertextualidade1
Se a recorrente questão o que é adaptação? fosse feita a uma das mais clássicas personagens de Jorge Amado: Florípedes ou Flor, como era conhecida na Bahia, ela certamente não economizaria nos ingredientes para demonstrar sua concepção acerca do assunto. Como boa cozinheira, faria uma rica mistura que - no fim das contas - daria um belo prato capaz de agradar todas as suas aprendizes na escola de culinária, mas que - em contrapartida - poderia não parecer de bom grado a alguns boêmios que circundavam sua casa por conta da amizade com Vadinho, seu marido. Não que esses não tivessem um paladar apurado - muito pelo contrário - não havia naquelas redondezas quem não apreciasse os quitutes de Flor, mas tal como acontece na interpretação teórica sobre a adaptação literária, há muitos fatores que devem ser levados em conta ao pensarmos neste “produto” que nasce de uma massa pré-existente e na qual são colocados ingredientes que tem o poder de modificá-la, de fazê-la crescer, de suprimir informações ou de agregar elementos. O principal deles e diria fundamental a qualquer análise que se pretende fazer no campo das relações humanas é, sem dúvida, observar o contexto no qual o sujeito que está pensando a obra está inserido, pois o homem é inegavelmente filho de seu tempo e por mais que tenha consciência de que a imparcialidade é impossível, e ainda que se utilize de todos os instrumentos metodológicos dos quais dispõe para tentar eliminar os efeitos perniciosos de uma forma de pensamento etnocêntrica, ainda sim estarão impressas em sua análise concepções que se relacionam com o lugar onde vive e com uma série de parâmetros que intrinsecamente lhe foram passados com a educação que recebeu num tempo e espaço definidos. Tudo isso nos é válido para deixar claro, de antemão, que este trabalho não pretende criar um espaço de juízo das diversas acepções que o termo adaptação ganhou ao longo de todas essas décadas em que foi estudado privilegiando uns em detrimento de outros, pois entendemos que – numa visão macro - tudo isso faz parte de um longo processo histórico que 1
NAVEGANDO E APRENDENDO, Info Escola. Disponível em: http://www.infoescola.com/portugues/intertextualidade-parafrase-e-parodia/. Acesso em: 30 de agosto de 2008.
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nos trouxe a outro conceito que evidenciamos no início do presente capítulo e que aprofundaremos mais adiante: o da intertextualidade. O grande pioneiro no estudo e na sistematização de um conceito para o processo de adaptação foi André Bazin e, como vimos anteriormente, não é de hoje que o cinema e a televisão se apropriam de obras literárias. O cinema é jovem, mas a literatura, o teatro, a música, a pintura são tão velhos quanto à história. Do mesmo modo que a educação de uma criança se faz por imitação dos adultos que a rodeiam, a evolução do cinema foi necessariamente inflectida pelo exemplo das artes consagradas2.
É partir desta afirmação que André Bazin discute se o cinema estaria fadado a sobreviver da criação literária ou do teatro, na medida em que se utilizava - especialmente no início do século XX - instrumentos narrativos muito peculiares desses dois meios, mas nos mostra que o fato da sétima arte ter aparecido no cenário após o romance ou o teatro não a torna dependente dos mesmos, embora - quase num processo natural - em sua origem tenha buscado elementos referenciais de técnicas e intérpretes. Bazin defende que a crítica à adaptação que remete a uma vulgarização deste produto não faz sentido, na medida em que este processo não indica um dano às obras originais pela ótica do espectador, pois não afeta aos prováveis poucos leitores que conhecem e apreciam o texto original. Em contrapartida, aos que não o conhecem e que foram introduzidos naquele universo por meio da adaptação, ou estarão satisfeitos com o filme ou, pensando num processo de identificação, tendem a um aprofundamento a partir da busca pelo texto original o que, sem dúvida, é totalmente positivo à literatura, não somente sob o ponto de vista do conhecimento do texto, mas também mercadológico. Em suma, um livro adaptado para o cinema ou para a televisão fica em evidência e é adquirido por muitos espectadores da adaptação. Num pólo contrário, podemos observar que quando é o cinema a realizar empréstimos às artes mais antigas, este processo se torna legítimo e é, nesse sentido, que percebemos o quanto o desenvolvimento do cinema, pautado especialmente na questão da adaptação, provocou uma verdadeira revolução na narrativa literária. Na literatura, os estímulos emotivos vêm após os leitores atravessarem uma verdadeira cortina de operações semânticas e sintáticas guiadas por signos, materializados em palavras e organizados em conceitos. Já no cinema (em certa medida poderíamos ampliar a idéia para a TV), a presença da imagem visual desperta reações imediatas, incluindo-se as 2
BAZIN, André. “Por um cinema impuro” In: O Cinema Ensaios. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1991, p.84.
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fisiológicas, com risos, lágrimas, descargas de adrenalina e outras3.
Na medida em que o cinema trouxe a novidade da imagem e, mais tarde, do som possibilitando uma experiência sensorial ao espectador, a literatura iniciou um processo de reformulação de suas estratégias narrativas e, sob esta perspectiva, podemos afirmar que o romance foi quem mais bebeu na fonte do cinema, a partir da utilização de conceitos ligados à montagem e à possibilidade de novas formas de trabalhar as relações espaço-temporais. No modelo clássico, a literatura tem um ritmo de fornecimento das informações sequenciais e calcado num jogo descritivo do qual o autor tem total o domínio. É ele quem decide o momento exato de fornecer pistas ao leitor, de revelar de forma mais ou menos descritiva um determinado ambiente e isso gera uma possibilidade mais vasta de imaginação de toda aquela gama de acontecimentos e de agregar novos elementos a partir de um conhecimento prévio da realidade, como afirma Umberto Eco em Seis passeios pelo bosque da ficção. Além disso, o espectador tem sua parcela na criação de uma temporalidade na literatura que é diferente da experiência audiovisual, na medida em que pode ler um livro em um espaço de tempo que é seu, que ele cria de acordo com sua disponibilidade, com seu interesse e envolvimento na leitura. No cinema, por exemplo, o espectador pode até tomar a decisão de abandonar a sala durante a apresentação da obra fílmica, mas se não o fizer, ele se torna completamente “refém” do jogo narrativo feito pelo cineasta que realizou a obra durante o tempo em que ela é apresentada, e é justamente essa característica da efemeridade que traz a idéia de superficialidade da obra fílmica adaptada, aos olhos do espectador. A televisão, última a aparecer entre os meios em questão, tem uma tarefa que se confunde com a das duas anteriores. Nela, também o espectador tem a possibilidade de fracionar esse tempo, mas a partir de critérios que não estão necessariamente sob o seu controle. Numa telenovela ou numa minissérie, por exemplo, quem se interessar pela história precisa estar envolvido a ponto de ser fiel aos horários em que os capítulos são exibidos, e pensando sob a ótica de quem realiza, os desafios dos autores desse meio são diários, pois além de contarem com essa disponibilidade prévia dos seguidores da trama, têm que disputar a atenção com uma vasta programação que é exibida em outros canais no mesmo horário. É importante pensarmos, também, no caráter sociológico desses três meios. O ato de ir ao cinema pressupõe ao indivíduo, um ritual específico e a possibilidade de compartilhamento da experiência fílmica com outras pessoas. Já com relação à literatura, o contato direto é entre o autor e o leitor e pode ser considerada uma forma de expressão bem mais complexa que o 3
AGUIAR, Flávio. “Literatura, cinema e televisão”. In: Literatura, cinema e televisão. São Paulo. Ed. Senac São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 120.
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cinema no sentido de atingir de forma vasta o inconsciente, o que levou o cineasta Alfred Hitchcock a afirmar que livros ruins é que dão bons filmes4. A televisão é a que menos estipula regras nesse sentido. As variáveis das condições de público são diversas, e muitas vezes é atribuído a esse meio a responsabilidade sobre uma divisão entre os espectadores. A possível existência de mais de um televisor em casa, por exemplo, pode justamente inibir essa experiência do compartilhamento. Ainda sob o prisma sociológico, podemos pensar na própria forma como são concebidos os produtos. Um livro, geralmente é a expressão de um autor, que o realizou a partir de muitas pesquisas num processo de longa duração e geralmente solitário. Já no cinema e na TV, a concepção de um produto, por menor que ele possa parecer, é feito a partir do trabalho coletivo e se utilizando de recursos de outras artes, como a fotografia, a direção de arte, música, dança, teatro, etc. Todas essas considerações servem para pontuar o pensamento de Bazin com relação à crítica histórica das adaptações e para afirmar que a diferença entre os meios perpassam requisitos como: concepção, realização, linguagem e recepção. Geralmente o processo da crítica comparativa se dá nesse último estágio, quando o espectador tendo conhecimento prévio da origem de uma obra tende a ignorar as especificidades narrativas e a relação espaçotemporal proposta numa adaptação. Adaptar é a mesma coisa que escrever um roteiro original, pois o processo de adaptação de uma narrativa implica a construção de um (outro) texto, o dramático (...) um romance é um romance, uma peça de teatro é uma peça, um roteiro é um roteiro. Adaptar um livro significa transformar um (livro) em outro (roteiro), não sobrepor um ao outro. Não é fazer romance filmado ou uma peça filmada. São formas diferentes. Uma maçã e uma laranja.5
Para Syd Field, o processo de adaptação evoca uma novidade textual completa. Nesse sentido, ele nos convida a um procedimento básico de análise, que consiste em pensar no produto adaptado como um texto distinto do original, fugindo as convenções comparativas que se dariam no âmbito da recepção pelo espectador. A partir disso, o teórico afirma que o critério que deve permear uma análise não é sua fidelidade à obra, mas sim sua funcionalidade tendo como parâmetro a relação entre o meio em que a adaptação se dará e o que ele chama de source material que, em linhas gerais, seria o texto original. A partir deste pensamento, 4
FURTADO, Jorge. A Adaptação Literária para Cinema e Televisão. Disponível em: http://www.casadasmusas.org.br/filosofia_Adaptacao_literaria_cinema_televisao.htm. Acesso em 15/04/2008. 5
FIELD, Syd. Manual do Roteiro. Rio de Janeiro; Ed: Objetiva, 1994, p. 174
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podemos afirmar que há textos que são mais adaptáveis que outros e o foco de observação passa a ser do autor que se pretende à adaptação no momento inicial, o da concepção. Com o pensamento de Syd Field, temos um deslocamento do foco da atenção dos elementos que compõe a trama para a história em si, ou seja, o roteirista pode e deve – segundo ele – incluir novos personagens, cenas e situações que contribuam para uma boa utilização desta source material em prol da história a ser contada. Nesse sentido, o texto original passa a ser apenas o ponto de partida, a fonte para o desenvolvimento de uma obra, cujo texto é independente. Quando a gente vai fazer uma adaptação de um romance pra televisão isso exige muitas modificações: você tem que inventar caminhos novos, você tem que introduzir personagens novos, mas apesar de todas essas modificações o mais importante sempre me pareceu manter o estilo do autor, o sabor do estilo do autor. Eu lembro que o Roberto Drummond dizia sempre pra mim: Meu Deus! Será que quando eu assistir essa minissérie eu vou estar lá? Eu vou me reconhecer lá? E eu disse pra ele: Não tenha medo das modificações que eu to fazendo porque eu te prometo que você vai e quando a minissérie estreou ele era um dos maiores entusiastas e ele me dizia todo dia: Glória, eu to lá.6
A televisão é um meio privilegiado para aplicação desta linha de pensamento de Syd Field. Como a durabilidade do produto é grande, em grande parte dos casos – como relatou acima a autora Glória Perez – é necessário realizar modificações consideráveis, criar nuances para determinadas situações, incluir novos personagens que contribuirão para dar direcionamentos, proporcionar pontos de virada na história e, até mesmo, suprimir a atuação de alguns personagens que no romance tiveram destaque. De certo modo, todo esse novo conjunto de elementos serve para privilegiar o texto original, não numa relação comparativa direta, mas sim numa preocupação com a integridade da intenção da obra. Doc Comparato tem uma visão distinta do conceito de adaptação. Ele define escalas classificatórias para os variados processos pelos quais os romances passam num processo de utilização por outro meio. A adaptação propriamente dita seria, então, o processo em que não se altera o nome dos personagens, as relações espaço-temporais e a história em si. Já à adaptação na qual a história é mantida na íntegra, mas cujos nomes de personagens e algumas situações são modificadas ele define como baseada em. Para o desenvolvimento de uma nova estrutura narrativa, a partir de um texto, onde se toma por base apenas um personagem ou situação dramática específica ele dá o nome de inspirado em. O processo através do qual a 6
PEREZ, Glória. Entrevista concedida por Glória para DVD da minissérie Hilda Furação, lançado em 2002 pela Som Livre.
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fidelidade é mínima e o único ponto de identificação com o texto original é o plot inicial, ele chama de recriação e, por fim, a adaptação livre seria pautada numa fidelidade com relação aos elementos principais, contados sob um ponto de vista distinto do texto original. Ao pensar todo esse complexo conjunto de possibilidades de busca por um conceito é possível encontrar experiências que ultrapassam a forma clássica de adaptação, a qual pressupõe pontos de vista de uma mesma obra sob a ótica de autores distintos. É o caso, por exemplo, da recente adaptação do livro Aos meus amigos para a minissérie Queridos amigos, ambos de autoria de Maria Adelaide Amaral. Não foi nem um pouco fácil. Ao contrário: a responsabilidade é maior em virtude dessa circunstância. O livro teve excelentes resenhas quando foi publicado no final de 1992. A minissérie deve estar no mínimo a altura dele. E também porque é o primeiro trabalho inteiramente meu na TV. Na literatura e no teatro, 99% das minhas obras são originais. Na televisão por algum estranho acaso sempre acabei adaptando, recriando ou trabalhando com personagens e fatos históricos e tinha que ser o mais possível fiel a sua realidade.7
Maria Adelaide evidencia, em seu discurso, um conceito que se aproxima com o que Doc Comparato define em suas categorias classificativas: a idéia de recriação. Isso nos é extremamente perceptível em seu trabalho na televisão. Em sua adaptação da novela Anjo Mau de Cassiano Gabus Mendes, a autora quebrou com um dos motes principais do texto original de 1976 que era a morte da protagonista Nice no último capítulo, vivida originalmente pela atriz Suzana Vieira. Com o remake em 1997, a Rede Globo de Televisão lançou na imprensa a possibilidade de um final “surpreendente” e o desfecho feliz de Nice, vivida agora por Glória Pires, foi não somente uma amostra da concepção de Maria Adelaide Amaral no que diz respeito a não ter que se manter fiel à obra original, mas também um recurso mercadológico fundamental a emissora, pois garantiu altos índices de audiência à novela oriundos de parte do público que assistiu a primeira versão, curiosos com a possibilidade de um final distinto e de como ele se daria, uma vez que mudaria os rumos da trama. Outro conceito levantado por Maria Adelaide Amaral pode ser lido, num primeiro momento, como contraditório mediante a idéia de recriação, mas tem sua relevância e justificação. Ela destaca a importância da fidelidade sim numa adaptação, contudo ao 7
AMARAL, Maria Adelaide. Entrevista concedida por Maria Adelaide Amaral para o Jonal Extra Online, publicada em 18/02/2008. . Disponível em: http://extra.globo.com/lazer/materias/2008/02/16/maria_adelaide_amaral_autora_de_queridos_amigos_relembra _decada_de_80-425690443.asp. Acesso em 07/08/2008
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contrário do senso comum que elege o texto original a uma posição quase canônica, ela defende a noção da ética no discurso. Toda trama é contextualizada num momento histórico específico, todavia há determinadas histórias, em que as conjunturas políticas e sócioeconômicas estão diretamente ligadas a própria vida dos personagens. É o caso de Queridos Amigos, que abordou o conturbado ano de 1989, no qual o mundo vivenciou fatos como a queda do muro de Berlim e a primeira eleição direta para presidente no Brasil desde a eleição de Jânio Quadros em 60. Em JK, também de Maria Adelaide Amaral, o personagem principal se confunde com fatos importantes da História do Brasil. Esta questão, porém, independe de se tratar de uma adaptação ou não, ela faz parte de uma cartilha importante de autores que conseguem enxergar o audiovisual como uma referência de aprendizagem e de leitura numa sociedade pós-moderna, o que certamente torna maior seu compromisso com a informação. Syd Field em Manual do Roteiro indica uma experiência do que podemos chamar de auto-adaptação, no cinema. Trata-se do filme Marathon Man (A maratona da morte) adaptado por William Goldman de seu próprio romance com mesmo nome. Segundo o diretor, a grande dificuldade estava no fato do romance ser uma história interior, ou seja, grande parte da ação se passava na cabeça do personagem e afirma ainda que somente uma cena foi idêntica no filme e no livro por uma avaliação de sua funcionalidade na maneira como estava estruturada inicialmente. A relação dinâmica que existe entre filmes e livros quase nem sempre se percebe se estabelecemos uma hierarquia entre as formas de expressão e a partir daí examinamos uma possível fidelidade de tradução: uma perfeita obediência aos fatos narrados ou uma invenção de soluções visuais equivalentes aos recursos estilísticos do texto. O que tem levado o cinema à literatura não é a impressão de que é possível apanhar uma certa coisa que está num livro – uma história, um diálogo, uma cena – e inseri-la num filme, mas, ao contrário, uma quase certeza de que tal operação é impossível.8
É a partir da afirmação de José Carlos Avellar, que chegamos ao conceito de intertextualidade, que consiste no diálogo intenso e constante entre os meios: literatura, teatro, cinema, televisão e - até mesmo - a música. Como vimos anteriormente, está na gênese das artes mais novas remeterem às mais clássicas de forma bem estreita até se descobrirem enquanto linguagem. Este relacionamento independe de ser o produto final uma adaptação, ele simplesmente existe. Isso nos é válido se pensarmos em filmes que fazem referência a determinados autores, mas que não necessariamente se pretendem a uma adaptação da obra. 8
AVELLAR, José Carlos apud JOHNSON, Randal. Literatura e cinema, diálogo e recriação: o caso de Vidas Secas IN Literatura, cinema e televisão. São Paulo. Ed: Senac São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 39.
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Um forte exemplo é Terra Estrangeira (1995) de Walter Salles Júnior e Daniela Thomaz, onde o poema de Fernando Pessoa Viajar! Perder países! serve de ponto de partida, mas que – adiante - a obra fílmica não revela outra referência ao autor. No filme Finding Neverland (2004), Marc Forster conta a história do dramaturgo James Barrie, criador de Peter Pan, porém, em momento algum denota uma intenção de dar conta do clássico da literatura. O musical Evita (1996) estrelado por Madonna e dirigido por Alan Parker traz referências não somente literárias, mas também um conjunto de memórias historiográficas acerca da história da líder argentina e a traduz no filme a partir da música. Na televisão há também histórico de inter-relação partindo tanto da literatura, quanto da própria teledramaturgia. Em 2001 a Rede Globo de Televisão exibiu a novela Porto dos Milagres de autoria de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares, os quais buscaram referências em duas obras de Jorge Amado: Mar Morto e Descoberta das Américas pelos Turcos. Apesar disso, em momento algum a novela se pretendeu ou se classificou como uma adaptação, embora estivesse ali a forte influência do grande escritor baiano. Ainda na TV, Silvio de Abreu resgatou um núcleo inteiro de sua novela Rainha da Sucata (1990) composto por Dona Armênia (Aracy Balabanian), e seus três filhos Geraldo (Marcelo Novaes), Gerson (Gerson Brenner) e Gino (Jandir Ferrari) e os trouxe novamente à cena num contexto completamente distinto em Deus nos Acuda (1992), novela também de sua autoria, e esta foi a única referência a trama de 1990. Num outro nível de discussão encontramos, ainda, cineastas que escrevem romances baseados em outros, como o caso de Riverão Sussuarana de Glauber Rocha que dialoga intensamente com Grandes Sertões: veredas de Guimarães Rosa. Neste sentido, a questão comparativa proveniente da leitura do espectador do texto original deixa de levar em consideração as diferenças entre os meios que não se resumem apenas em narrativa literária versus audiovisual. É uma via de mão dupla. Se o cinema ou a televisão encontram dificuldades para traduzir algumas técnicas características da literatura, esta última por sua vez também não consegue atingir a uma série de recursos relativos ao audiovisual. Desta forma, uma análise crítica só é válida se a problematização for direcionada ao meio no qual a obra está inserida. Quando o clássico Macunaíma (1969) de Joaquim Pedro de Andrade é analisado hoje, por exemplo, raramente se tem por base o romance de Mário de Andrade (1928) e, nem por isso, o filme deixa de ser uma obra-prima do cinema brasileiro, tal como o romance igualmente importante à literatura. É muito mais produtivo, quando se considera a relação entre literatura e cinema, pensar na adaptação, como quer Robert Stam, como uma forma de dialogismo intertextual; ou como quer James Naremore, que
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vê a adaptação como parte de uma teoria geral da repetição, já que as narrativas são de fato repetidas de diversas maneiras e em meios artísticos ou culturais distintos (...); ou como Darlene Sadlier, que propõe levar em consideração as circunstâncias históricas, culturais e políticas da adaptação; ou ainda como José Carlos Avellar, com a metáfora do desafio dos cantadores do Nordeste, que improvisam livremente em torno de um determinado tema.9
É de acordo com o pensamento do dialogismo que Ismail Xavier vai teorizar sobre o processo de adaptação e defender que a questão da fidelidade ao texto original não é, hoje, mais uma questão tão em voga. É possível verificarmos, porém, que tal como a idéia de que a imparcialidade é impossível, a intertextualidade pode ser encarada como um recurso de análise, um ponto de fuga para evitar justamente uma via de interpretação preconceituosa privilegiando uma experiência em particular e negligenciando o aspecto cultural intrínseco tanto ao contexto quanto ao homem que realiza a ação. São aqueles que menos se preocupam com a fidelidade em nome de pretensas exigências da tela que traem a um só tempo a literatura e o cinema.10
Como discutimos anteriormente, o público das obras literárias possui um campo imaginativo mais vasto que o espectador audiovisual pelo fato de ter que criar em sua mente toda a cena descrita e, a partir desse aspecto, podemos classificar o realizador audiovisual como um leitor privilegiado que teve a oportunidade de expressar suas sensações e compartilhá-la com os demais (o público) através de um filme, novela, minissérie, música, etc. É como se toda a malha criativa que na literatura representa ao leitor uma experiência única de relacionamento com a obra, pudesse – partindo da realização de outro produto – ser externalizada. Se após toda esta análise perguntássemos novamente a Dona Flor qual a sua concepção acerca do que é adaptação, ela agora certamente diria que não se incomoda mais quando algum amigo de Vadinho ou vizinho desaprova o sabor de uma de suas receitas, desde que o prato em questão e os ingredientes que o compõem sejam unicamente a referência e o balizador da crítica.
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JOHNSON, Randal. Literatura e cinema, diálogo e recriação: o caso de Vidas Secas IN PELEGRINI... [et al.], Tânia. Literatura, cinema e televisão. São Paulo. ed: Senac São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 44 - 45 10
BAZIN, André. “Por um cinema impuro”. Defesa da adaptação. In: O Cinema Ensaios. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1991, p.96.
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2. Quais os ingredientes de uma receita de sucesso?
Toda receita tem suas especificidades. Ainda pedindo licença ao mestre Jorge Amado e tomando como grande exemplo sua personagem Flor, é possível notar que para fazer sua famosa moqueca de siri mole, ela se utiliza de ingredientes como pimenta malagueta e azeite de dendê. Se o prato for Vatapá, não pode faltar pimenta do reino preta. A baba de moça dá o toque final ao pudim de tapioca. Apesar de todas as diferenças entre os pratos e ainda que haja poucos elementos utilizados em comum, todas elas ficam com gostinho especial e justamente por essa particularidade não devem ser postas numa relação comparativa direta. Grosso modo, é também assim a relação entre literatura, cinema e televisão. Como vimos anteriormente, partindo do conceito da intertextualidade, o diálogo entre esses meios é constante e a variável que define o grau em que essa comunicação se dá é somente a década e o contexto histórico. Desta forma, a proposta agora é analisar as estruturas narrativas específicas do cinema e da televisão observando o quão tênues são as fronteiras que as definem. (...) imagem visual e narração verbal são faces de um mesmo procedimento, que revela, chamemos isso de vaticínio ou de compensação inconsciente, o mundo do desejo, e de uma forma esplendorosamente real.11
Apesar do pouco registro historiográfico, cuja crítica a fonte é possível, há uma série de estudos voltados para o desejo de representação da realidade pelo homem, muito antes da invenção da escrita. Através das pinturas rupestres os tidos “pré-históricos”, procuravam uma forma de narrar acontecimentos, de registrar seus procedimentos rotineiros e seus anseios ou aquilo que lhes era estranho. O posterior desenvolvimento da escrita, do teatro e da pintura proporcionou novas formas de representação do homem, quer pelo discurso, pelas apresentações ou pelas telas. O que nos é perceptível é que o desejo da representação pode anteceder à própria técnica que a permite. Voltando ao caso das pinturas rupestres, a sucessão de imagens que evocavam a realização de um evento específico, traduz – em certo sentido – o desejo desse primata em representar a realidade e apreendê-la com a máxima totalidade.
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AGUIAR, Flávio. “Literatura, cinema e televisão”. In: Literatura, cinema e televisão. São Paulo. Ed. Senac: Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 124.
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A observação deste desejo de representação levou o teórico André Bazin a defender que o cinema, por exemplo, nunca existiu, e que o grande motor foi sempre este anseio, o chamado “inconsciente cinematográfico”, uma tentativa de apreender a realidade em sua totalidade em cor, som e relevo e, sendo assim, a busca de uma historiografia cinematográfica se confunde com a própria noção do nascimento do homem moderno. Este panorama nos é válido para observar que em todos os meios: literatura, cinema, televisão, artes plásticas, música ou teatro, o protagonista é – primordialmente - o desejo do discurso. Os tidos como primeiros textos literários, datam da Antiguidade e são as epopéias de autoria de Homero: “A Ilíada” e “A Odisséia”. O discurso literário, como todo processo histórico, sempre esteve ligado ao contexto específico e foi Platão (seguido de Aristóteles) quem traçou uma classificação específica à obra literária em gêneros: lírico, épico e dramático. A principal característica do lírico seria a proximidade entre o sujeito e o objeto. O narrador está necessariamente vinculado a todo aquele universo que pode ser tido, até mesmo, como biográfico. O épico seria mais objetivo que o lírico, na medida em que o narrador se encontra frente ao universo narrado, apesar de ser parte integrante deste mundo imaginário construído. O dramático é o mais objetivo mediante os anteriores, pois o universo fictício em questão pode se apresentar com total autonomia de realização, sem a necessidade da figura de um narrador explícito, embora ele exista. Cada um dos gêneros exprime assim, em termos estéticos, uma das faculdades psíquicas do homem. Outros atribuem aos gêneros uma relação específica com os três “êxtases do tempo existencial”. O lugar da emoção lírica seria, por exemplo, o eterno momento presente; o acontecimento épico se desenvolveria a partir do passado; quanto à ação dramática, manifestar-se-ia na tensão para o futuro.12
Tão polêmica quanto a classificação dos mais variados conceitos ligados a adaptação literária é a questão do gênero quando da transposição de uma obra literária para um meio audiovisual, temática que - certamente - é digna de outro estudo com todas as articulações e aprofundamentos que requer, missão a qual não nos pretendemos neste estudo. A narrativa de forma geral compreende, pelo menos, cinco elementos específicos e bem definidos: enredo, personagens, tempo, espaço e narrador. Todos eles estão presentes e são fundamentais ao desenvolver de uma história independente do meio através do qual ela é contada. 12
ROSENFELD, Anatol. Prismas do teatro. São Paulo. Ed Perspectiva, 1993, p. 39
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O enredo é toda a gama de fatos da história, os caminhos que serão traçados pelos personagens com todas as suas viradas num tempo e espaço definidos. Ele possui uma lógica interna, uma coesão que dialoga intensamente com as referências culturais do leitor/espectador da obra: a verossimilhança. Mesmo em obras cujo universo imaginativo não remonta a fatos que fazem parte das experiências que estão ao alcance do homem, ainda assim, deve haver uma lógica interna no turbilhão deste lugar imaginado. Esta lógica está debruçada na condução da história a partir das atitudes e na relação entre os personagens, na motivação, no conflito que a impulsiona. E é justamente ao pensar o enredo, que retomamos uma afirmação defendida no capítulo anterior deste trabalho, que a transposição de determinadas obras literárias para o audiovisual se torna uma missão perigosa e difícil na medida em que os conflitos internos do personagem são latentes numa ausência de diálogos ou ações explícitas que indicam essa complexidade, já que a literatura conta com o recurso da descrição que é menos utilizada no audiovisual. A este fenômeno, dá-se o nome de enredo psicológico. Os personagens formam o corpo que movimenta a história. Uma narrativa clássica pressupõe a existência básica do protagonista: o personagem principal que é alvo do conflito central e que pode ser apresentado como herói, cuja conduta impecável move o leitor/espectador a ficar na expectativa constante de um desfecho feliz ou como anti-herói, que pode ter conduta duvidosa numa série de quesitos, mas ainda sim será o centro onde gira a trama; um antagonista que tem a função clara de interceptar o fluxo natural dos planos e desejos do protagonista; além dos personagens secundários, cuja importância no enredo se define com seu grau de distanciamento com relação ao conflito principal e conseqüentemente com o núcleo central deste problema. A ação dramática de um personagem pode ser representada graficamente por uma árvore. Os galhos são as ações do personagem que se ligam à ação principal, que pode ser considerada o tronco da árvore. Há, portanto, os objetivos das ações secundárias subordinadas à ação principal e ao que a move, o super-objetivo.13
Tempo e espaço são categorias de contextualização da trama num momento específico. De forma básica, o primeiro seria a época em que se passa a história e também a duração em que ela ocorre pautada em duas formas: o tempo cronológico (o da ordem natural dos acontecimentos) e o tempo psicológico, cuja existência é definida pelo desejo dos personagens. Já o espaço é o lugar físico ou psicológico onde acontece à ação. 13
MACIEL, Luís Carlos. O Poder do Clímax: fundamentos do roteiro de cinema e TV. Rio de Janeiro. Ed Record, 2003, p. 77.
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Tanto na literatura, quanto no cinema ou na televisão há uma série de recursos de manipulação deste tempo e espaço. Os escritores literários utilizam a simultaneidade do discurso para migrar de um espaço e/ou tempo para outro e a narrativa desconstruída apareceu na literatura a partir de uma reformulação que a própria experiência da adaptação provocou através da apresentação ao espectador de recursos como as grandes elipses de tempo mostradas não somente com as descrições clássicas (um ano depois, meses depois, etc), mas também com as elipses menores que, organizadas numa lógica coerente de montagem, são suficientes para que o espectador compreenda a totalidade da ação; ou ainda no flashback, onde o espectador é levado para momentos importantes do passado que justificam determinadas ações do tempo presente. No que concerne ao audiovisual, a lógica de verossimilhança também deve existir aqui na medida em que esses deslocamentos são visíveis ao público, ou seja, deve haver uma coerência de direção de olhar e de eixo, o chamado raccord. Quem narra escolhe o momento em que uma informação é dada e por meio de que canal isso é feito. Há uma ordem das coisas no espaço e no tempo vivido pelas personagens, e há o que vem antes e o que vem depois ao nosso olhar de espectadores, seja na tela, no palco ou no texto.14
A figura do narrador é imprescindível para a existência da narrativa e a diferença é somente a forma como ele se apresenta. Há narradores que são partes integrantes da trama, mas que tem visão privilegiada dos acontecimentos. Há tramas em que o narrador é o próprio protagonista. Há aqueles que são onipresentes e oniscientes e geralmente se manifestam na figura de um personagem morto, por exemplo. Há também o narrador que é quase um espectador privilegiado, pois não tem relação direta com a trama, mas que a observa e a comenta. É importante pensar, porém, que nunca a figura do narrador se confunde com a do autor. Tendo por base as ponderações de estudiosos como Gerárd Genette, Christian Metz e Francis Vanoye, a autora Angélica Coutinho nos mostra em Todas as Lúcias do Mundo uma importante divisão estrutural que relaciona a narrativa literária à fílmica. A primeira delas seria a função estética, que consiste na primazia de uma boa descrição literária ou uma bela imagem cinematográfica; A segunda seria a função de atestação, definida como o efeito de real a partir dos detalhes e, nesse sentido, segundo Vanoye a narrativa literária não tem a obrigação deste efeito de real enquanto no cinema ele seria obrigatório. A terceira seria a 14
XAVIER, Ismail. “Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema” In: Literatura, cinema e televisão. São Paulo. Ed. Senac: Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 64
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coesão, a lógica interna que na literatura funciona em dois níveis principais: denotativa (explicativa) ou metafórica, enquanto que na narrativa fílmica a coesão se daria em três níveis: funcional (realismo e diegese), descritivo (caracterização dos personagens) e simbólico (elementos de cena e diálogos usados no sentido figurado). Pensando especificamente na relação entre a narrativa fílmica e a narrativa ficcional televisiva, a primeira questão que fundamentalmente cabe retomar e que está ao mesmo tempo na gênese e na finalidade da criação de uma obra é seu tempo de duração em sua apresentação ao público. No cinema toda a construção narrativa deve girar em torno de dar conta desta história nas cerca de duas horas em que o espectador estará na sala de exibição. No que diz respeito à ficção de TV e, nesse sentido, como nossa proposta é analisar adiante as adaptações de Dona Flor e seus dois maridos, vamos privilegiar a estrutura das minisséries televisivas, o autor tem a consciência que sua narrativa é de média duração e que a cada novo capítulo apresentado o público deve estar envolvido na trama a tal ponto de querer tornar a vê-la no dia seguinte. Em linhas gerais, no caso da TV o público possui uma relação de maior “poder”, pois caso o produto apresentado não lhe pareça de bom grado, ele tem a um toque de suas mãos algo diferente, enquanto no cinema a disposição da sala escura e compartilhada cria uma relação em que o público é uma espécie de refém e quando toma à decisão de levantar-se e abandonar a sessão esta atitude sempre remete a uma repulsa com relação ao filme apresentado, enquanto na TV esta censura não necessariamente existe e é legítimo o espectador mudar constantemente de canal na busca de uma programação que lhe agrade, como uma opção. A partir das categorias básicas da narrativa citadas acima é possível verificar algumas características básicas que permeiam a relação entre o filme e a minissérie. A figura do narrador, em suas mais variadas formas de aparição, está presente em graus semelhantes em ambos os casos. No clássico Europa (1991) de Lars Von Trier ele aparece numa voz over que faz interferências durante todo o filme, inclusive na lendária primeira seqüência onde os trilhos de um trem aparecem sob a ótica de uma câmera subjetiva e levam o personagem para dentro do espaço-tempo onde toda a trama acontecerá situando o espectador. Este narrador, porém, não parece distante da trama, mas sim alguém inserido naquele contexto embora não se relacione com os demais personagens. Em Hilda Furacão (1998), minissérie de Glória Perez adaptada da obra de Roberto Drummond, a figura do narrador também era apresentada ao público na primeira cena, mas se tratava de um dos personagens principais da trama situado num tempo distante do apresentado rememorando tudo aquilo que
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já foi vivido. Diferente da narrativa literária, cujo postulado principal é a linearidade do discurso, é comum na experiência audiovisual atribuir à montagem, por exemplo, o papel de narração na medida em que relaciona fragmentos de cenas e tem o potencial de sintetizar os fatos, papel atribuído ao narrador. Assim também é a relação com a câmera: que enquadra, que seleciona o que será mostrado, que manipula a atenção do espectador, enquanto o livro é uma janela aberta e de infinitas possibilidades imaginativas ao leitor. A idéia da construção de personagem é bastante distinta num filme e numa minissérie. No filme podemos pensar um protagonista que concentra a sua volta um núcleo de personagens que são fundamentais para o desenvolvimento da trama e os demais são quase que acessórios para que esta trama central aconteça. No caso da minissérie, a história também se concentra num núcleo específico, cuja trama central é permeada por uma série de “incidentes” sem muito aprofundamento nas histórias paralelas. De toda forma, a durabilidade de uma minissérie no ar cria certa intimidade entre o ator e o personagem que, pelo menos enquanto a obra é exibida, se confunde com a própria figura do ator que a interpreta. Já é lugar-comum dizer que o movimento da imagem, ou a imagem em movimento, por meio do cinema revelaria, de forma concreta, pela primeira vez, a inseparabilidade de tempo e espaço, mostrando a relatividade das duas categorias, o que exerceria enorme influência nos modos literários de narrar.15
Espaço e tempo são categorias extremamente amplas e de distintas possibilidades de articulação. Uma narrativa necessariamente requer a existência de uma sequência espaçotemporal, ainda que suas relações nem sejam tão profundas ou ousadas. Neste sentido, porém, é possível verificar no cinema uma utilização menos convencional desses recursos. Há filmes como Eternal Sunshine (Brilho Eterno de uma mente sem lembranças - 2004) em que a desconstrução na montagem cria uma fronteira quase inexistente entre passado e futuro, entre um ambiente e outro, entre um momento subjetivo de personagem e outro num jogo interessantíssimo de articulação espaço temporal. Já as minisséries geralmente apresentam recursos herdados da telenovela como flashbacks, histórias que começam num momento histórico específico e que seguem um fluxo contínuo até migrarem para o “tempo presente” com uma mudança de elenco. Apesar desta distinção direta é possível perceber que, comparado à narrativa verbal, minissérie e filme parecem se aproximar de forma mais vasta de um público que - no bojo da pós-modernidade - vive a cada dia mais a era da cultura visual e, nesse sentido, é importante 15
PELEGRINI, Tânia. Narrativa verbal e narrativa visual: possíveis aproximações in Literatura, cinema e televisão, São Paulo. Ed. Senac São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 15.
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observarmos o quão importante se torna o papel das adaptações de clássicos da literatura para um meio audiovisual como uma forma de torná-la acessível a uma geração de crianças e jovens cada vez menos habituado à leitura escrita. Em suma, a minissérie ou o filme provocam a espacialização do tempo, ou seja, uma fluência que leva a uma nova percepção e representação do próprio do espaço. Dadas essas semelhanças e diferenças, é possível notar que a minissérie ocupa um lugar privilegiado na relação de formatos de ficção que a televisão oferece. Reduzida a 20 capítulos em média, as gravações acontecem geralmente quando todos os roteiros já foram escritos e entregues pelo autor. A característica da efemeridade em que a trama fica no ar a classifica como obra fechada e impede as intervenções diretas de público e uma relação tão canina no quesito audiência. Na década de 60, quando surgiu, ela foi chamada de tele-romance sempre que a história em questão fosse adaptada da literatura nacional ou mundial. No quesito narrativa, a diferença básica com relação à telenovela é o desenvolvimento de uma trama central ao longo dos capítulos e permeada por pequenos incidentes e não a grande quantidade de tramas paralelas e viradas que uma novela pressupõe pela longa duração. Por ser um produto de prestígio e por se esperar tanto dela, para mim, é sempre uma grande responsabilidade. Começando pela pesquisa rigorosa. Estava pesquisando para Nassau há um ano quando o projeto foi adiado. As dezenas de livro na minha estante ilustram o cuidado com cada minissérie e a paixão que mobilizou cada uma delas16
Com o desenvolvimento e consolidação de suas estruturas frente ao público, a minissérie tornou-se um lugar “ideal” para o desenvolvimento da adaptação de obras literárias na televisão e é interessante observamos o quanto a literatura ocupa o lugar do clássico na mentalidade não só do público, mas também do meio televisivo em geral. Com a restrição do número de capítulos, as produções de minisséries foram se refinando e hoje é considerado o produto com maior grau de preocupação artística nas ficções televisivas. Há um cuidado com a fotografia no sentido de contribuir para pontuar as emoções dos personagens, a trilha sonora é mais coesa justamente pelo fato do foco estar voltado para um núcleo específico, a direção de arte é extremamente cuidadosa e detalhista a cada cenário, maquiagem ou figurino e os atores são preparados para viverem seus personagens através de oficinas, pesquisa de campo, aulas de habilidades específicas (caso o personagem exija) ou de costumes, caso se trate de 16
AMARAL, Maria Adelaide. Entrevista concedida por Maria Adelaide Amaral para o Jonal Extra Online, publicada em 18/02/2008. Disponível em http://extra.globo.com/lazer/materias/2008/02/16/maria_adelaide_amaral_autora_de_queridos_amigos_relembra _decada_de_80-425690443.asp. Acesso em 07/08/2008.
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uma minissérie de época. Todos esses critérios levaram a uma aproximação natural entre a minissérie e o filme, justamente pela identificação neste produto de uma preocupação artística e não estritamente comercial como grande parte dos programas de televisão. Recentemente, a Rede Globo de Televisão passou a investir num outro formato para dar conta dos grandes clássicos da literatura: a microssérie. Entre os títulos mais conhecidos estão Hoje é dia de Maria e A Pedra do Reino, esta última, filmada em película e parte do projeto “Quadrante”, série de adaptações literárias com média de 5 capítulos produzidos pela emissora carioca e que tem o objetivo de descentralizar o processo de criação audiovisual do eixo Rio de Janeiro – São Paulo filmando as histórias nos locais onde originalmente se passam na literatura atuando, ainda, na formação profissional por onde passa. Quem assina as minisséries citadas e está na cabeça do projeto “Quadrante” é o diretor Luís Fernando Carvalho, conhecido justamente por levar essa visão mais cinematográfica à televisão, tendo sido responsável pela novela que é considerada um dos grandes marcos estéticos na história da teledramartugia: Renascer (1993) de Benedito Ruy Barbosa e ainda pela direção do filme Lavoura Arcaica (2001). “(...) uma imagem, mesmo estática (no caso, uma foto), faz parte de uma estrutura narrativa de longo alcance”.17 Por fim, outra diferença básica entre a narrativa literária da visual é que uma obra audiovisual geralmente é calcada no exagero: o melodrama. Este critério, que se aplica a inúmeras experiências de diretores e autores consagrados no cinema e na televisão, se dá por uma necessidade cada vez mais latente de aproximação com o público. Uma obra é considerada melodramática quando apresenta características como: variedade de ações, personagens arquetípicos e o kitsch. Este último aspecto consiste na repetição das ações para que elas sejam fixadas no imaginário do público, é o clichê. Primeiro, tanto o cinema quanto a televisão, por sua dimensão espetacular, buscam sempre histórias baseadas em excesso: excesso de amor, de ódio, de vingança. São os sentimentos no limite que funcionam como mola propulsora da narrativa audiovisual, como já disseram David Howard e Edward Mabley, “escândalo”.18
No cinema um forte exemplo disto se encontra na figura de Pedro Almodóvar. O diretor espanhol cria um universo extremamente particular, onde há uma equivalência de importância entre conceitos estéticos e diegéticos na trama. Suas histórias são sempre um emaranhado complexo de acontecimentos, por vezes polêmicos, e o roteiro é construído a partir da inter17
AGUIAR, Flávio. “Literatura, cinema e televisão”. In: Literatura, cinema e televisão. São Paulo. Ed. Senac São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 117. 18
COUTINHO, Angélica. Todas as Lúcias do Mundo. Rio de Janeiro. Ed. MAMC, 2001, p. 28.
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relação dos personagens e na influência que uns exercem na vida do outro, mesmo que isso seja de conhecimento somente do público. Este recurso é bastante interessante, na medida em que o diretor consegue criar um universo que esteticamente, de certa forma, distancia o público pela extravagância das cores, dos planos geométricos, mas que – em contraposição – envolve cada espectador atento a partir de uma relação dinâmica de montagem em multicamadas e na emoção a flor da pele dos personagens. Sua comédia melodramática Mulheres à beira de um ataque de nervos aborda, com muita propriedade, o universo feminino contando a história de Pepa (Carmen Maura), uma atriz que é abandonada pelo amante Ivan (Fernando Guillén), no momento em que descobre estar grávida. Ninguém sabe do fato e ela tenta desesperadamente encontrar o amante no intuito de dar a notícia. Em meio a uma série de desencontros, Pepa recebe a visita de Candela (Maria Barranco), uma amiga que se apaixonou por um terrorista e procura sua ajuda. Nesse ínterim, ela também recebe um casal interessando em alugar sua cobertura. Mas acaba descobrindo se tratar do filho de Ivan, Carlos (Antônio Banderas) e sua noiva Marisa (Rossy de Palma). A situação fica ainda pior quando Pepa descobre que Ivan pretende viajar para Estocolmo com a advogada Paulina Morales (Kiti Manver), e que Lúcia (Julieta Serrano), sua esposa oficial e que também aparece em seu apartamento, planeja matá-lo em pleno aeroporto. Mesmo preterida, Pepa tenta de tudo para salvar a vida de Ivan, seu grande amor. Uma forte característica do cineasta espanhol é a maneira muito peculiar de manipular as escalas espaço-temporais em seus filmes. O filme Mulheres à beira de um ataque de nervos pode ser considerado uma exceção em certo sentido. A situação de histeria em que as mulheres se encontram, são determinadas por uma situação pré-estabelecida. Três delas se encontram em crise, por disputarem o amor de um mesmo homem, porém, em momento algum nos é revelado através de quais caminhos chegaram a este caos. A autora Angélica Coutinho é muito convicta em afirmar que o cinema nasceu com uma vocação à realidade. Na verdade no seio do início do século XX quando do surgimento da sétima arte, este homem imbuído desse desejo de representação ainda estava completamente atrelado aos conceitos de objetividade inerentes ao paradigma newtoniano do século XIX e com a mentalidade de que era possível apreender a realidade “tal como ela era”. Este postulado criou uma limitação da representação espaço-temporal com o teatro filmado e as experiências iniciais, mas que com o desenvolvimento da montagem, da movimentação de câmera e da idéia de narrativa clássica levaram o cinema a um lugar que é seu, com
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características próprias, com uma identidade. Em suma, a criação do cinema e da fotografia contribuíram na modificação da percepção do homem com relação ao meio. No Brasil, o cinema parece ter cedido parte desse lugar conquistado frente ao público à teledramaturgia justamente por se distanciar dos elementos fundamentais do melodrama em busca de uma narrativa de cunho mais realista. O surgimento da novela de folhetim foi um fator determinante na evolução do melodrama e o antecedente mais remoto de uma das articulações básicas do desenvolvimento da indústria cinematográfica: o valor do produto segundo a demanda do mercado. A novela de folhetim introduziu este valor mercadológico e abriu o espectro de público à primeira categoria de “massa de espectadores”. Nunca uma arte foi tão reconhecida pelo grande público de diversas classes sociais!”19
Na televisão, especialmente no produto telenovela, é raríssimo encontrar autores e tramas que fogem das regras básicas do melodrama. Quando isso ocorre geralmente se dá um estranhamento por parte do público que resulta em baixas nos índices de audiência. Forte exemplo desta tentativa foi, sem dúvida, na trilogia pensada pelo autor Gilberto Braga que, inclusive, tem a primeira fase de sua obra (1975 a 1978) marcada pela adaptação de obras literárias. A primeira obra da trilogia foi Vale Tudo (1988), que mostrava o contraste de caráter entre mãe e filha para discutir a relevância de ser honesto no Brasil. Raquel (Regina Duarte) é uma mulher extremamente honesta dotada de uma dignidade ímpar, já sua filha Maria de Fátima (Glória Pires) não mede esforços numa busca gananciosa e desenfreada por seus objetivos, mesmo que para isso precise colocar em xeque qualquer postulado moral ou ético. A impecável atuação do elenco num emaranhado de mistérios envolvendo os personagens e a exibição da trama num momento em que o Brasil vivia uma intensa discussão política garantiram o sucesso da novela e sua colocação no hall dos grandes clássicos da teledramaturgia nacional. A segunda obra foi O Dono do Mundo (1991), que trouxe a tona um tema inédito nas ficções seriadas: a perda da virgindade de uma noiva, na lua de mel, pelo patrão do noivo. A novela faz uma reflexão se as classes dominantes do Brasil estão minimamente preocupadas com as classes menos favorecidas. O início de um romance a partir da desconstrução de um relacionamento anterior bem sucedido e erguido mediante a pouca ética do personagem central, criaram um sentimento de repulsa no público e os índices de audiência eram caóticos. 19
OROZ, Silvia. “Articulação do melodrama”. In: Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. Rio de Janeiro. Ed. Rio Fundo 1992, p. 21.
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Os rumos da trama foram alterados, o público foi mais receptivo, mas - ainda sim - a novela não culminou no padrão melodramático. A última novela da trilogia foi Pátria Minha (1994). A reflexão agora é: vale a pena morar ou voltar ao morar no Brasil? Alice (Claudia Abreu) testemunha um atropelamento causado pelo inescrupuloso Raul Pelegrine (Tarcísio Meira) e recebe uma oferta em dinheiro para testemunhar a favor do empresário. Ao recusar, a jovem assina sua sentença de perseguição. Ela se envolve com Rodrigo (Fábio Assumpção), filho de Lídia Laport (Vera Fischer) que é extremamente preconceituosa com a relação devido à classe social a qual Alice pertence. A veia política da novela era latente na luta de Alice contra Raul, ajudada por Pedro (José Mayer), que volta dos Estados Unidos e encontra seus familiares vivendo na favela e sob ameaça de despejo pelo empresário. O resultado desse emaranhado foi novamente um fracasso de audiência, justamente, pela ausência desse “romantismo” e pela exacerbada carga de discussão política. Como vimos, as ficções televisivas e o cinema possuem semelhanças e distinções que fazem delas muito particulares, tal como cada um dos pratos de Dona Flor. São muitos os elementos possíveis para se fazer uma receita de sucesso e o grande mestre é aquele que consegue primeiro identificar sob a referência de quais ingredientes sua obra irá se constituir e especialmente a medida certa de sua colocação para cada tipo específico de trama. A seguir, vamos articular as adaptações da obra Dona Flor e seus dois maridos de Jorge Amado para o cinema, a televisão e o teatro como um exercício de análise prática das estruturas narrativas comentadas anteriormente. Eis o nosso desafio em estabelecer uma relação comparativa direta onde o foco não é encontrar qual dos resultados foi “melhor sucedido” tendo por base o texto original, mas sim observar um exemplo de como é possível contar uma história sob diferentes signos de linguagem.
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3. O que é que essa baiana tem?
Um grande clássico é como uma receita de paladar muito conhecido: um prato que, justamente por ser tão apreciado, é alvo de críticas e observações quando algo foge do padrão, da forma convencional com que o “público” está acostumado a recebê-lo. Nem mesmo uma cozinheira tão prendada como Flor escapou desse espaço de juízo. A estréia da adaptação teatral de 'Dona Flor e Seus Dois Maridos', ontem, na Gávea, reuniu tantos famosos na platéia que a impressão era que boa parte do Projac estava lá. Confesso que fui ver a peça com um pé atrás: cheirava muito a caça-níqueis. Marcelo Faria, completamente nu em cena como Vadinho, é dos incentivos para turbinar a bilheteria. E Carol Castro, no papel de Dona Flor, não parecia propriamente o melhor cartão de apresentações do espetáculo. Errei. A montagem, dirigida por Pedro Vasconcellos, é digna. Caretinha, mas tem fluência narrativa, e boa condução do elenco, tanto que a protagonista - que na TV não convence - se sai bem, não compromete. Duda Ribeiro, como o segundo marido de Flor, é responsável pelos momentos mais engraçados do espetáculo, que conta com elenco de apoio afinado. A montagem atual nada acrescenta às adaptações da célebre obra de Jorge Amado para o cinema nos anos 70 e para a TV nos anos 90, mas está coerente ao universo do baiano. Salva a Bahia20.
A crítica de André Gomes é um indicativo da veracidade de toda a argumentação defendida ao longo deste trabalho que, estabelecer uma relação comparativa entre as possíveis outras adaptações existentes da mesma obra é um dos caminhos que pode se tornar um traiçoeiro atalho a uma análise preconceituosa e reducionista com relação ao produto em questão, que tem suas peculiaridades. O enredo de Dona Flor e seus dois maridos é uma constante em todas as adaptações: Flor é uma jovem, filha de Rosilda – mulher gananciosa – que é capaz de tudo para garantir um futuro brilhante para suas filhas. Flor conhece Vadinho que, a princípio, acredita ser homem de grande influência, mas que adiante descobre ser o primogênito legítimo da boemia baiana. Ela se casa com o rapaz que, em pleno carnaval, morre deixando uma viúva inconsolável e uma sogra amargurada e rancorosa. Passado algum tempo, Flor se envolve com Doutor Teodoro Madureira: homem de bem, farmacêutico e - mais tarde - marido dedicado e extremamente sistemático. A saudade da vadiagem faz com que Flor invoque a volta de seu ex-marido do mundo dos mortos. O retorno de Vadinho no imaginário de Flor agrega novos
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GOMES, André. Crítica de André publicada no Blog Supercênico – O Dia. Disponível em: http://programa.multiply.com/reviews?&page_start=20. Acesso em 12/11/2008.
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caminhos a trama e estabelece um dilema para esta mulher que, finalmente, encontrou o ponto de equilíbrio entre o desejo e a responsabilidade, entre a vadiação e a cordialidade, entre um marido descarado e outro completamente formal e atencioso. Dona Flor não comete o erro político das sociologias brasileiras de supor que o novo faça desaparecer automaticamente o velho. Muito pelo contrário, ela descobre que há conflito entre os dois. Por isso, a solução não é tratar Vadinho como real em todas as esferas de sua vida. Sabendo que não pode destruir o reprimido que retorna, conhecendo o valor da tradição que faz parte de si mesma, ela deixa que Vadinho exista em alguns lugares de sua vida, pois descobre a impossibilidade de bani-lo. Aceitando suas razões, reconhecendo a hierarquia dos seus desejos, ela pode viver com mais honestidade a igualdade que os dois amores demandam. Mas, vejam bem, um não sabe do outro, porém dona Flor, como uma consciência relacional, sabe dos dois e os critica com critério e equilíbrio. É preciso deixar vir à tona as pulsões da censura para que a liberdade que incomoda possa florescer. Penso que este livro fascinante, explicitamente populista, repleto de cotidianidade brasileira, denso de sensualidade e escrito sem pompa e circunstância, que manifestamente trata de uma viúva apaixonada por dois homens que paradoxalmente são seus legítimos maridos - um, entretanto, morto e sequioso de sexo; o outro vivo, mas com uma vida marital disciplinada -, expõe o imenso poder dessas triangulações reveladoras de um Brasil profundo, desconhecido e dilemático21.
O formato da minissérie dividido em capítulos permitiu um aprofundamento maior nas tramas paralelas. Dois exemplos que merecem ser citados são: a criação de um núcleo forte de bicheiros, e de um relacionamento homossexual entre as personagens Celeste (Dira Paes) e Juliana (Cyria Coentro). Apesar do mote principal não ter sido alterado nas transposições para outros meios, ainda sim, podemos dizer que há distinções no enredo, na medida em que os caminhos traçados, a articulação espaço-temporal, a construção e apresentação dos personagens foram encadeados de formas bem peculiares a cada linguagem que se pretendeu a adaptação. (...) são os manejos dos elos da personagem com seu meio e sua origem que definem os significados mais amplos de suas ações, o que se dá, no caso literário, por meio de descrições concomitantes e, no caso das artes visuais dinâmicas, como o cinema e a TV, por meio do manejo dos planos, dos contraplanos, das expressões e do focalizar elementos do cenário: uma água escura ou parada, um amanhecer, uma ventania, punhos fechados em revolta, etc.22 21
DAMATTA, Roberto. Trecho do Posfácil do livro Dona Flor e seus dois Maridos de Jorge Amado. Disponível em http://www.jorgeamado.com.br/obra.php3?codigo=12573. Acesso em: 12/11/2008 22
AGUIAR, Flávio. “Literatura, cinema e televisão”. In: Literatura, cinema e televisão. São Paulo. Ed. Senac São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 129.
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A construção de personagens nas adaptações de Dona Flor e seus dois maridos é uma categoria bastante interessante de ser observada e sua constituição dialoga intensamente com a linguagem específica do produto em questão. O filme dá destaque ao núcleo principal e há uma preocupação latente em privilegiar a relação entre Flor e Vadinho, deixando as histórias paralelas em segundo plano. Isso também é bastante veemente na adaptação para o teatro, onde o jogo dinâmico de cena vai ligando os fatos com ausência de simultaneidade narrativa. A minissérie traz, neste sentido, um aprofundamento maior com relação às outras experiências, justamente pelo fato de ter um tempo diferente para a apresentação da história. Nesta última, o público está diante da construção paralela entre a história de Flor e Vadinho com a de Teodoro Madureira até o momento em que elas se encontram formando uma cadência interessante de articulação de personagens. Desta forma, é permitido ao espectador um ingresso mais efetivo na intimidade de Teodoro, homem sério, que não atinge sucesso em seus relacionamentos anteriores, especialmente por conta da interferência de sua mãe. Ele tem valores muito próprios de moralidade e tem uma personalidade bastante circunspecta e vai se apaixonar pela Dona Flor quando então ele vai ter o grande amor da vida dele, o amor eterno, o amor para sempre, e vai se encontrar com Dona Flor, então é um personagem que ajuda muito o ator a brincar com esse universo.23
Vadinho foi, certamente, um grande desafio aos três atores que o deram vida nas adaptações. Esta afirmação é possível graças a dois aspectos bem definidos. O primeiro deles é, sem dúvida, o claro apego que o autor Jorge Amado tinha por este personagem, e o segundo, o fato dele se apresentar como o ícone mais mítico da história. Na obra de Jorge Amado, em boa parte do romance, Vadinho é uma figura de quem o leitor só sabe a partir do discurso de outros personagens, e sua composição na tela trazia o desafio de favorecer a manutenção desta gênese mítica, mesmo com sua personificação. José Wilker foi aclamado pelo público e pela crítica na ocasião em que o filme foi lançado e tomou as salas de cinema, atraindo uma marca de espectadores até hoje não superada na história do cinema brasileiro. Nas três adaptações, Vadinho morre em pleno carnaval fantasiado de baiana e fica clara sua relação com as religiões africanas. Ele olha fixamente para o infinito, como se estivesse tendo uma visão e a morte chega levando o boêmio. Neste ínterim, Dona Flor é apresentada ao público: numa situação extrema,
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NANINI, Marco. Entrevista concedida por Nanini para o DVD da minissérie Dona Flor e seus dois maridos, lançado em 2003 pela Somlivre.
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recebendo a notícia da morte de seu marido, indo ao encontro do corpo sem acreditar no ocorrido, e proclamando o grito de desespero, da dor de perda tão irreparável. Esta é a cena que apresenta a obra ao espectador e que já remete a idéia de um relacionamento bem sucedido que está chegando ao fim. No cinema, Flor foi vivida pela atriz Sônia Braga, que afirma sua visão com relação à clássica personagem de Jorge Amado enquanto uma jovem burguesa. Dona Flor é o ideal da mulher brasileira porque ela tem o marido, que é o homem dentro de casa e tem o amor, que é o Vadinho depois da morte. No começo do filme é uma mulher burguesa, casada com o Vadinho que é um pilantra e que aceita aquilo tudo e depois ela passa pra fase o Teodoro que é o lado mais forte dela mesmo que gosta de lençóis de cambraia e paninhos de mesa sim e depois quando aparece o Vadinho de novo na vida dela, ela fica totalmente desorientada até que ela aceita aquela situação, quer dizer, o ideal da mulher: ter dois maridos24.
Na televisão, a cena da morte de Vadinho e posterior chegada de Flor é extremamente carregada dos elementos melodramáticos: uma trilha que acentua a dor da situação, planos que dão a dimensão do acontecido mediante a festa de carnaval e especialmente o silêncio, que pontua o luto da Bahia pela morte do grande boêmio. Tal como Edson Celulari e Marcelo Faria tiveram que lidar com o que já fora construído anteriormente por Wilker no filme, Giulia Gam e Carol Castro tiveram um desafio enorme ao reviverem Florípedes, que no filme era Sônia Braga. A escolha da Giulia de certa forma foi uma escolha polêmica. A gente chegou a conclusão que a gente não tinha um mito sexual que na década de 70 era a Sônia Braga. A Sônia Braga era um mito sexual, como a Vera Fischer era. Como o mito sexual era em voga naquela época: na Itália tinha Sophia Loren, Claudia Cardinali, na América Jane Fonda e outras e de uma certa forma a tendência do cinema, a tendência da sociedade foi de tirar esses mitos e colocar de uma certa forma como grandes mulheres e grandes atrizes. A Giulia é uma grande atriz. Ela é uma grande atriz de composição e uma atriz muito verdadeira. E ela fez um brilhante trabalho. A Dona Flor dela não era um mito sexual, mas era uma grande mulher, uma mulher com a alma do tamanho gigantesco. 25
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BRAGA, Sônia. Entrevista concedida por Sônia para o DVD do filme Dona Flor e seus dois maridos, lançado em 2004 pela Paramount Pictures. 25
FILHO, Mauro Mendonça. Entrevista concedida por Mauro para o DVD da minissérie Dona Flor e seus dois maridos, lançado em 2003 pela Somlivre.
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No filme, o fato de se tratar de Sônia Braga, tida como um símbolo sexual, já era um fator que exaltava este lado de sensualidade da personagem. Giulia Gam trouxe à tela uma Flor extremamente “humanizada” e – de certa forma – o produto minissérie com seus 19 capítulos de duração criou um espaço onde foi possível trabalhar a dramaticidade deste dilema de uma mulher que encontrou o equilíbrio perfeito em seu relacionamento com um marido cordial e a presença fantasmagórica de seu ex-marido, que lhe proporcionava o prazer. Carol Castro comenta como foi sua experiência na construção de uma personagem clássica que já havia sido vivida por duas grandes atrizes. Eu tento deixar a Flor a flor da pele porque eu acho que ela é assim. Foi a minha leitura. Às vezes as pessoas falam: você chora muito, mas eu não consigo porque eu realmente me coloco naquela situação e penso: nossa coitada! Um dilema. Pouca gente entende a questão da época, de que aquilo é anos 40 e a mulher não pode de jeito nenhum perder a virgindade antes do casamento, ainda mais com um malandro, então tem vários fatores que tem que ter um subtexto, um conflito interno da Flor mesmo (...) O filme eu já tinha visto muito pequena, aí no começo do processo eu não quis rever pra não me influenciar muito e tal, aí depois de ter estreado e tudo mais eu falei: agora eu posso ver. E aí foi muito bacana porque eu falei: nossa, como é que a gente faz uma outra história, e aí o maior desafio e: como a nossa história é aqui como o livro que conta a história da flor desde quando ela virgem e novinha e depois como ela começou com a escola de culinária, então eu quis deixar essas etapas muito marcadas. Mulher, viúva, recém.26 casada, então eu quis deixar essas fases bem claras
É interessante observarmos, ainda, como a construção de personagens esteve pautada numa diversidade interpretativa de acordo com a leitura de cada meio da obra original. No filme e na minissérie, a personagem Rosilda (mãe de Flor), por exemplo, é apresentada como alguém extremamente amarga e dotada de um ódio feroz de seu genro, já no espetáculo teatral, Rosilda é sim contra o relacionamento da filha com um homem “desclassificado” como Vadinho, mas traz consigo elementos de comicidade que a tornam mais leve com relação às outras, assim como Dona Norma, se mostra no teatro – onde foi vivida por Ana Paula Bouzas - bem menos recatada que as personagens construídas no cinema e na televisão. Como vimos anteriormente, a minissérie é dotada de um espaço privilegiado, uma vez que a média duração permite dar ênfase a personagens que no cinema ou no teatro não podem ter tanto destaque. É o caso de figuras como Marilda (Thalma de Freitas), uma jovem namorada do irmão de Flor e filha de Dona Norma (Sueli Franco), dotada de extremo talento vocal; ou
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CASTRO, Carol. Entrevista concedida a mim após apresentação do espetáculo “Dona Flor e seus dois maridos”, em 24/08/2008 no Teatro das Artes na Gávea - RJ.
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ainda Violeta (Lilia Cabral) noiva de Teodoro, que diegeticamente é responsável por revelar a complexa relação entre o farmacêutico e sua mãe, além de sua personalidade pacata e ética marcando uma importante fase antes de seu encontro afetivo com Flor. Em todos os casos, o elenco teve a oportunidade de se aprofundar em hábitos e costumes baianos para composição dos personagens. Uma das preocupações nesta preparação de elenco que podemos observar é com relação à prosódia, a incorporação do “ser baiano” aos atores. A estrutura da fala baiana ela tem uma mistura muito grande, primeiro pela influência do povo negro na Bahia e também o português arcaico de Portugal. Então você fazer a questão da baianidade não é só a questão do sotaque da linha melódica do cantado. O cantado até tem uma razão de ser. Tem a ver com o mar, com a questão das ladeiras. Então no trabalho da Dona Flor ao invés da gente fazer um trabalho de tentar imitar o sotaque baiano, a gente trabalhou primeiro a estrutura do sotaque, fazendo um trabalho da reconstrução da fala que eu respeitava que era o texto escrito pelo Dias, pelo Marcílio e pelo Ferreira Gullar, mas reconstruindo a fala pela estrutura (...)27
Tempo e espaço são categorias bastante complexas se buscarmos uma relação entre as obras. O romance de Jorge Amado sugere uma história que se passa na década de 40, temporalidade esta que acentua o conflito de Flor, ao desejar compartilhar sua vida com dois homens. O filme e o espetáculo teatral seguiram a premissa do livro e contextualizaram a trama no mesmo período. A única adaptação que fugiu desta cartilha foi a de Dias Gomes para a televisão. O carnaval baiano tinha como pano de fundo as músicas da Banda Eva, cuja vocalista era Ivete Sangalo em pleno trio elétrico e de Daniela Mercury, outro grande ícone da musicalidade baiana. Na trilha sonora da cena da festa de casamento de Flor e Vadinho, não faltaram músicas de grupos como Gera Samba, por exemplo, referências características da década de 90. Apesar desse deslocamento temporal, o trabalho da direção de arte foi bastante peculiar na composição de cenários e figurinos. A indumentária das personagens trazia referências da década de 60 e 70 na tentativa de imprimir uma atemporalidade à obra e cada detalhe dos cenários era bastante cuidado para reconstituir não pura e simplesmente a Bahia, mas aquela Bahia de Jorge Amado traduzida em cores e camadas. A “espacialização do tempo” ou a “temporalização do espaço” empreendidas pela câmera há mais de cem anos permitem que hoje, nas narrativas contemporâneas, as realidades ficcionalmente representadas não seja únicas, mas plurais, incluindo “mundos possíveis” no tempo e 27
COSTA, Isis Gomes da. Entrevista concedida por Isis para o DVD da minissérie Dona Flor e seus dois maridos, lançado em 2003 pela Somlivre.
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no espaço (...).28
Num outro pólo, podemos pensar essa articulação de tempo e espaço a partir da própria estrutura de linguagem sob a qual cada meio conta suas histórias. O filme de Bruno Barreto tem cerca de 120 minutos de duração e a narrativa é dotada de linearidade na condução da trama. As passagens de tempo são marcadas por letterings indicativos, assim como na minissérie, cartelas que lembram as referências criadas no romance são exibidas marcando as grandes elipses de tempo. Uma peça de teatro é contada por meio de diálogos e lida com a linguagem da ação dramática. Os personagens falam sobre como se sentem, sobre memórias, emoções, eventos. Cabeças falantes. O palco, os cenários, o pano de fundo, estão para sempre aprisionados nas 29 limitações do arco do proscênio.
No teatro, pela própria disposição do palco frente ao público, as elipses temporais foram constituídas de uma forma distinta. Os espaços do palco se dividiam entre as ruas, a casa de Flor, a escola de culinária e a farmácia onde Teodoro trabalhava, tendo como pano de fundo elementos de arte bem peculiares da cultura baiana. As modificações pelas quais o palco deveria passar ao longo da apresentação era marcada ora por uma intervenção dos próprios personagens em cena, e por vezes por um deslocamento da atenção do espectador: as luzes principais do palco se apagavam e alguma ação se dava na platéia permitindo as mudanças de cenografia. A música era bastante presente durante todo o espetáculo e os autores fizeram uma verdadeira homenagem a Dorival Caymmi. Ele não somente era um personagem como suas canções permeavam toda a trama, agregando para a formação desta baianidade. O carnaval tinha início do fundo da sala até chegar ao palco no qual culminava a morte de Vadinho. Este recurso provocava uma imersão do público naquele cenário baiano construído. Algo em que todas as adaptações dialogam entre si é na disposição temporal da narrativa. Em todos os casos, tanto no cinema, quanto na televisão ou no teatro a morte de Vadinho inicia a história apresentando os personagens e posteriormente todo o processo anterior é apresentado ao público: como Vadinho e Flor se conheceram, o casamento, a fundação da escola de culinária, entre outros, dispostos num grande flashback. 28
PELEGRINI... [et al.], Tânia. Literatura, cinema e televisão. São Paulo. ed: Senac São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 24. 29
FIELD, Syd. Manual do Roteiro. Rio de Janeiro; Ed: Objetiva, 1994, p. 180.
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Os exemplos anteriores já mostram que o problema do ponto de vista não se reduz ao ângulo a partir do qual se conta a história. Há muita coisa implicada aí: afinal, o narrador faz sua voz audível de modo escancarado ou se esconde? Intervém, explicita suas opiniões, ou deixa que o leitor/espectador faça as suas interferências a partir do modo como apresenta os fatos? Deixa a história correr como se fosse observada de uma janela transparente ou faz questão de lembrar o leitor/espectador de sua atividade como orquestrador que controla 30 tudo?
Toda narrativa evoca a existência de uma figura responsável por contar ou mostrar a história em questão. Podemos afirmar que não existe narrativa sem que haja um narrador, mesmo que ele não seja explícito. Nas obras literárias a existência do narrador direto, apesar de não se confundir diretamente com o autor da obra, geralmente é fundamental à articulação das tramas, o que no audiovisual – de forma geral - é menos explícito justamente por este meio não depender tanto da descrição, como faz a literatura. No cinema tido como clássico a figura do narrador é clara. Como vimos anteriormente, isso se deve ao fato das artes mais recentes se espelharem nas mais antigas até se reconhecerem enquanto linguagem. No cinema moderno esta figura aparece de formas mais diversas, especialmente pelo próprio desenvolvimento da montagem e das possíveis articulações narrativas a partir da desconstrução do discurso. Como no cinema os personagens são dotados de autonomia da existência de uma entidade unificadora, como no romance, podemos pensar na figura do mega-narrador, que é aquele responsável pela grande “mostração” que resulta na constituição de uma obra enquanto fílmica. É de sua responsabilidade a apresentação das categorias iconográficas, sonoras e verbais. Em suma, o mega-narrador nasce do encontro entre este mostrador (que responde pela filmagem e conseqüente definição/apresentação dos planos) e do narrador fílmico que fundamentalmente monta e articula esses planos dando coesão à narrativa. Desta forma, o sub-narrador será todo personagem que tem uma função narrativa na trama e que está inserido neste universo que, em primeiro plano, pertence ao mega-narrador. Todo este panorama nos é fundamental, para pensarmos o grau de importância e de representação da figura do narrador em Dona Flor e seus dois maridos. No teatro, ele se confunde com a figura de um cego que narra partes da história sem estar deslocado da trama, mas sim como um personagem que tem uma “visão privilegiada”, inclusive do contato de Flor com o mundo metafísico no momento em que ela começa a vivenciar as aparições de 30
XAVIER, Ismail. “Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema. IN Literatura, cinema e televisão. São Paulo. ed: Senac São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2003, p.69
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Vadinho. No cinema e na TV é possível notar justamente esta autonomia dos personagens, mas uma presença da câmera como uma espécie de aliada do espectador nos momentos cruciais. Um forte exemplo disso, na minissérie, é a cena em que Teodoro flagra Flor nua em cima da mesa da cozinha e com aparente demonstração de prazer. Aos olhos do telespectador, a presença de Vadinho é clara, enquanto para Teodoro, tudo não passa de um momento de surto psicológico da esposa. No filme, minissérie e peça de teatro é bastante clara, também, a figura dos subnarradores, ou seja, personagens que diegeticamente tem a função de conduzir claramente a história aos olhos do espectador. Vadinho é, talvez, a unanimidade em todas elas. Como ele vive a experiência de passagem do plano material para o universo espiritual, este personagem adquire um “poder” de forjar situações, como as cartas do cassino, por exemplo, e de manipular as pessoas com quem convivia. Na medida em que é elevado a esta posição ele passa a atuar diretamente nos rumos da trama. A mega-narração nas experiências audiovisuais de Dona Flor e seus dois maridos seriam, então, a comunicação da câmera e da edição com o espectador, os ambientes, detalhes e postulados narrativos que ela evidencia num espaço extra-diegético. Como vimos acima, toda essa construção, tanto no filme quanto na minissérie, é pontuada por uma passagem de tempo que também está situada neste campo que não interfere diretamente na trama e que não está sob a responsabilidade de nenhum personagem específico ou de alguma ação articulada através da montagem: é o uso das cartelas indicativas, embora tenhamos constatado que a própria narrativa inicialmente se debruça num grande flashback. Nosso objetivo com este exercício de analisar as adaptações da obra Dona Flor e seus dois maridos, ao qual nos debruçamos ao longo deste capítulo, faz parte de um desejo de mostrar um exemplo prático de algumas estruturas fundamentais que compõem a criação de uma obra para o cinema, a televisão e o teatro. O caso em questão é especial justamente por se tratar da adaptação de um clássico da literatura nacional e da obra de um autor tão consagrado como Jorge Amado, que é – inclusive – o romancista com maior número de obras adaptadas no Brasil até o momento. Flor foi amada por Jorge, levou os brasileiros ao cinema e conquistou seu lugar no hall dos grandes sucessos da sétima arte; foi recebida com receio pelos críticos quando fez sua aparição na televisão e lá se mostrou uma mulher forte e determinada, mas também humana e sensível, afinal de contas, ela não existiria sem as dualidades de sua vida; subiu ao palco e dividiu com platéias inteiras suas aflições, seus desejos e seus amores.
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Dona Flor e seus dois maridos é uma obra que merece ser visitada e, felizmente, o público brasileiro tem a oportunidade ímpar de se aproximar dela nos mais variados formatos de linguagem e períodos históricos. A quem ainda não a conhece, eis o convite a provar as delícias dessa história que, há quatro décadas, consegue dialogar com gerações tão distintas.
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Conclusão
Como vimos, a adaptação literária é um recurso bastante comum nos meios audiovisuais. No cinema, esta tradição levou a uma interessante relação dialética entre espectadores que, após assistirem ao filme, vão à busca da obra literária equivalente e também de leitores que se identificam com o livro e que vão assistir a obra fílmica. Na televisão, em grande parte dos casos, a adaptação ocupa hoje um lugar bastante especial num produto específico: a minissérie ou a microssérie. Os dados acima não apresentam novidades, pelo contrário, fazem parte de uma idéia de senso comum simples e direta. É bastante curioso pensarmos, porém, tendo por base os estudos do historiador Fernand Braudel que, de fato, numa estrutura social a mentalidade é a última coisa que muda. Esta consideração é válida para pensarmos que toda a articulação da obra Dona Flor e seus dois maridos, realizada no presente trabalho precisou, de certa forma, ser previamente justificada. Embora já vigore este conceito da importância da intertextualidade se sobrepor a uma análise comparativa direta entre obra original e obra adaptada, como nos mostrou Ismail Xavier, é possível observar que, sempre que o assunto é adaptação, parece inevitável esclarecer por antecipação qual o foco da análise e dar este panorama da trajetória de consolidação deste “novo” conceito do diálogo entre os meios. Esperamos que os próximos autores que se debrucem sobre o tema, possam conseguir este feito inédito de passar adiante dessa questão, que se apresenta paradoxalmente como antiga e ainda tão polêmica, que é justamente a validade desse produto que nasce de outro já existente. Há um vasto campo de estudo possível nesse sentido. Podemos pensar no potencial da adaptação como instrumento de ensino, por exemplo, na medida em que a referência de leitura da nova geração de crianças e jovens passou por uma transformação considerável nos últimos dez anos, fenômeno pautado - em parte - na acessibilidade à informação pelos meios audiovisuais como a Internet, por exemplo. A grande novidade, pensando na alçada da adaptação talvez esteja ai: buscá-la numa relação direta com a temporalidade em que ela acontece num espaço definido, onde as fronteiras são cada vez menos visíveis. Basta entrar numa livraria, cujo acervo seja
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minimamente razoável, para encontrar livros para ouvir, por exemplo. Na televisão, há experiências pioneiras na adaptação de obras literárias como a realizada pelo Canal Futura, sob direção de Cristiana Bittencourt e André Loureiro, onde o livro Dom João Carioca de João Spacca e Lilian Schwartz serviu como ponto de partida para a série de programas de animação Dom João no Brasil, da qual tive a oportunidade de participar da produção. Ou ainda, o próprio trabalho de ilustradores como João Spacca que desenvolve histórias em quadrinhos a partir de grandes clássicos, criando uma nova forma de diálogo da literatura com a própria literatura e bastante atrativa a esta “geração visual”. Mesmo em Dona Flor e seus dois maridos, fora todos os exemplos que mencionamos, há ainda uma canção de Antonio Carlos e Jocafi, que segue anexo a este trabalho, e que resgata em linhas gerais o espírito da história podendo também ser pensada como uma forma de adaptação para este meio. Fica novamente nossa afirmação do quão vazia é hoje a comparação direta entre um texto original e um adaptado sem os devidos cuidados para não cometer uma análise preconceituosa e principalmente fica a nossa esperança que este assunto dê espaço a outros campos de discussão, mediante o vasto espaço que ele já ocupa na literatura científica.
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Referências Audiovisuais. Ficha Técnica: Produto: Filme Título original: Dona Flor e Seus Dois maridos Título no Brasil: Dona Flor e Seus dois Maridos Ano: 1976 País: Brasil Gênero: Comédia Duração: 120 min. Direção: Bruno Barreto Roteiro (adaptação): Bruno Barreto, Eduardo Coutinho, Leopoldo Serran Produção: Luiz Carlos Barreto, Newton Rique e Sr Desenho de produção: Anísio Medeiros Protagonistas: Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça. Música: Chico Buarque e Francis Hime Fotografia: Murilo Salles Direção de arte: Anísio Medeiros Figurino: Anísio Medeiros Edição: Raimundo Higino Elenco: Sônia Braga (Dona Flor), José Wilker (Vadinho), Mauro Mendonça (Teodoro), Deborah Brillanti (Rozilda), Nélson Xavier (Mirandão), Rui Resende (Cazuza), Mário Gusmão (Arigof), Nélson Dantas (Clodoaldo), Haydil Linhares (Norminha), Nilda Spencer (Dinorah), Betty Lago (Zizi), Betty Faria (Leniza Mayer), Cláudio Mamberti, Marta Anderson, Mara Rúbia.
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Ficha Técnica: Produto: Minissérie Título original: Dona Flor e Seus Dois maridos Título no Brasil: Dona Flor e Seus dois Maridos Ano: 1998 País: Brasil Duração: 19 capítulos. Autor (adaptação): Dias Gomes Co-autores: Marcílio Moraes, Ferreira Gullar Direção Geral: Mauro Mendonça Filho Direção: Mauro Mendonça Filho, Rogério Gomes, Carlos Araújo Gerência de Produção: Ana Barroso Direção de produção: Eduardo Figueira Núcleo: Guel Arraes Protagonistas: Giulia Gam, Edson Celulari e Marco Nanini. Direcão musical: Mariozinho Rocha Fotografía: Elton Menezes e Sérgio Marine Direção de arte: Lia Renha Figurino: Cao Albuquerque Edição: Mair Tavares, Paulo Henqiruqe e Karen Harley. Elenco: Giulia Gam (Dona Flor), Edson Celulari (Vadinho), Marco Nanini (Teodoro), Otávio Augusto (Calabrês), Lília Cabral (Violeta), Walderez De Barros (Rosilda), Lúcio Mauro (Neca Do Abaeté), Tássia Camargo (Madona), Myrian Muniz (Miloca), Chico Diaz (Mirandão), Thalma De Freitas (Marilda), Solange Couto (Zulmira), Dira Paes (Celeste), Cyria Coentro (Juliana), Francisco Cuoco (Garcia), Lú Mendonça (Dora), Jackson Costa
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(Anacreon), Suely Franco (Norma), João Acaiabe (Sampaio), Bruno Garcia (Heitor), Milton Gonçalves (Clemente), Cláudia Liz (Noêmia), Oscar Magrini (Pablo), Chica Xavier (Dinorah), Cláudio Mamberti (Máximo), Ana Cecília Castro (Marinalva), Vírginia Cavendisch (Rosália), Otávio Müller (Robato Filho), Ernani Moraes (Propalato), Floriano Peixoto (Otoniel), Cândido Damm (Melado), Serafim Gonzalez (Lemos Couto), Elizabeth Hartmann (Albertina), Yaçanã Martins (Mãe De Santo), Rodrigo Mendonça (Moraes), Frank Menezes (Cachorrão), Edson Montenegro (Arigof), Aloysio De Abreu (Alberto), Maria Helena Pader (Juíza).
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Ficha Técnica do Espetáculo
Produto: Espetáculo teatral Título original: Dona Flor e Seus Dois maridos Título no Brasil: Dona Flor e Seus dois Maridos Ano: 2007 País: Brasil Gênero: Comédia Direção: Pedro Vasconcelos e Ana Paula Bouzas Direção Geral: Pedro Vasconcelos Roteiro (adaptação): Pedro Vasconcelos e Marcelo Faria. Direção de produção: Marcelo Faria Produção de Turnê: Guilherme Abraão Produção Executiva: Letícia Tórgo e Déborah Aguiar Iluminação: Luciano Xavier Direção Musical e Trilha Sonora: Bruno Marques Cenografia e Figurino: Ronald Teixeira Protagonistas: Carol Castro, Marcelo Faria, Duda Ribeiro. Elenco: Ana Paula Bouzas, Marcello Gonçalves, Elvira Helena, Carlos André Faria, Carolina Freitas, Cristiano Queiroz, Daniely Stenzel, Lisieux Maia, Luana Xavier, Marco Bravo, Ewe Pamplona, Michelle Martins, Fabio Nascimento.
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ANEXO I
Sônia Braga, Mauro Mendonça e José Wilker em cena do filme “Dona Flor e seus dois maridos” em 1976. Maior bilheteria da história do cinema nacional.
Giulia Gam, Marco Nanini e Edson Celulari em cena da minissérie “Dona Flor e seus dois maridos”, grande sucesso da TV Globo em 1998.
Carol Castro, Duda Ribeiro e Marcelo Farias em cena do espetáculo teatral “Dona Flor e seus dois maridos” no Rio de Janeiro em 2008.
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ANEXO II Música: Dona Flor e seus dois maridos Composição: Antonio Carlos e Jocafi Intérpretes: Antonio Carlos e Jocafi
Ah, Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Um corre-corre Um Deus-nos-acuda É Vadinho Um bate-boca Um disse-me-disse É Vadinho Na passarela sem aviso prévio entregou sua alma Entre soluços, chiliques, batuques, num dia de carnaval A boemia chora o seu rei que é Vadinho Toda Bahia rende homenagem ao Vadinho Adormecido com um largo sorriso Zombava da morte E ainda se escuta o seu grito de guerra “Vamos vadiar, deixa a vida de quelé”
Ah, Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Um novo amor renasce pro amor de Vadinho E Dona flor que casa de novo, Vadinho O bem-amado, bem-visto, bem-quisto Doutor Madureira Um cidadão respeitável, doutor diplomado na Capital Ti-tisconjuro, sai do meu corpo, Vadinho E foi pro céu o anjo, o malandro Vadinho De vez em quando um riso boêmio desperta os amantes E ainda se escuta o seu grito de guerra “Vamos vadiar, deixa a vida de quelé! Ah, Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Quelé Dona Flor, Dona Flor Deixe a vida de Que