#1 - SETEMBRO - 2015
ANA CAROLINA CABRAL O PESO DO UNIVERSO
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// 01. MARGINAIS RODRIGO ASSIS // 02. O PESO DO UNIVERSO ANA CAROLINA CABRAL // 06. EDITORIAL MARGINÁLIA DIEGO MODESTO // 08. DE BEAUVOIR À BUTLER: UMA PROPOSTA INTIMISTA FEMINISTA CAMILA PUNI
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// 16. APENAS UM ENTRE BILHÕES RODRIGO BARBOM // 18. COMO MATAR DRAGÕES --- OU MAIS DIFÍCIL AINDA: COMO ENTENDER O OPRESSOR DIEGO MODESTO // 23. OS RICOS TAMBÉM PRECISAM DE COTAS! ANTÔNIO DE AZEVEDO JUNIOR // 24. POLÍTICA NÃO, PROFESSOR! ISRAEL CASSUCCI
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// 28. RETRATAR E NADA MAIS... BRUNA FERREIRA // 34. RIO PRETO: ONDE ONDE A INDIVIDUALIDADE DOS ESCLARECIDOS SE TORNA EVIDENTE BRENO ARAGON // 38. GUARDA-CHUVAS DIEGO MODESTO // 40. NOTAS EM PRETO E BRANCO MICHELLE MENDONÇA // 48. HOJE É DIA DE ALEGRIA! BRENO ARAGON // 50. ADALBERTA CAMILA MOROTTI // 52. CONTOS MANOELA D’ GOMES // 52. NECESSIDADE DE ACEITAÇÃO GUILHERMO MOURA
MARGINÁLIA DIEGO MODESTO
Bem-vindos ao processo epistemológico marginal. Sentem-se, fiquem à vontade. Bebam um pouco do gástrico e diabético ácido sulfúrico nas latas de refrigerante – testadas em provetas infantis. Por que tudo está mal, se na novela das oito todos sorriem – brancos, héteros, sadios, cidadãos do bem, liberais? E a cada dia, assisto de camarote vip openbar o ensaio experimental tupiniquim: desalinhos e sulcos (lê-se também “sucos”) de rugas. Homogêneo na contingência, individual na aspereza. Porque no teatro banal do cotidiano do município aspirante a metrópole o prazer onírico kafkiano é ser molestado, melindrado e subjugado pelo patrão nosso de cada dia – peçam para Dias Gomes reescrever: “O pagador de promessas eternas”. Carregando a cruz de dólar, não se trata somente do lodaçal de santinhos do tsunami pútrido que levam à superfície o excedente de fezes falantes e demagogas, nem, outrossim, a chefia, médico-coronel, Dr.Jerkill e Hyde, Papai-Noel às avessas, acultural. É tudo culpa do falso universo semântico ordenado no viés visceral, substancial e real; do Neandertal que se jacta superior, apenas por portar uma mística fálica, reprodutora
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de imbecis, entre as pernas; da gradual perda quixotesca e jovial do devaneio gratuito ante o imperioso e insosso mundo burocrático; da escassez de livros para colorir, nos muros dos bairros e nas mentes. Portanto, de tudo que não faz a poesia ser: uma lepra; todo pulsar e formigamento, deteriorando-se, desprendendo-se da circunstancial e efêmera carne, e, enfim, perdendo-se, a ti e a mim, no espaço tridimensional. Dos que negaram o porte poético e o rearmamento monossilábico da libido entre sujeito e predicado, intervenção frasal já! Irão aguentar o respaldo decisivo do colóquio negro, feminino e pobre. O apocalipse rimará, na ebulição vertiginosa do vulto glauberiano da terra letárgica e em transe – mais transa! De ritmo de festa, a quinta de Beethoven, reproduzidas aos bips das cai- xas de supermercados, nos bicos mamários agonizantes dos confins de uma terra palavreada ou do calor de tuas mãos no meu pescoço, sexo ou, mesmo, micro-ondas existencial. Destoando o vício coletivo massificador elitista, tacitamente eclodido do ovo da serpente da publicidade e propaganda – zumbis na procura de cérebros, ecos ininteligíveis. Mais amargo que Máximo Górki, mais etílico que
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Bukowski, mais censurado que Plínio de Marcos, mais controverso que Louis-Ferdinand Céline; definido, essencialmente, por um poeta brasileiro: “Sem menção a rosa, sem massagem; a vida é louca, nego, e nela tô de passagem”. A passagem não custa dois reais, nem é veiculada por uma Santa Luzia da vida. Pactuamos não com uma deidade consignativa de olhos verdes; o fizemos com Mefistófeles. Provocativa, candente, apelativa aos sabores proibidos à moral, aos bons costumes e ao senso paradigmático: todos serão felizes e existem unicórnios. Os vigilantes binários da inquisição online, suscitados do calabouço das redes antissociais,consternar-se-ão quando virem a poderosa linha algorítmica de depuração mental – paradoxalmente, a fibra ótica caminha em gigas; os gritos, aos teras. Viagens alucinantes da celulosa, advindas de uma enraizada dicotomia dos vencedores e perdedores, estamos na vertigem do pico equilibrado de cima do muro, negligenciados e, em vão, atirados ao periférico. Viemos dos quase mortos para assombrá-los: marginália; flagelados pela carestia indolente, comemos vísceras arcaicas, excretando formas novas de modernizar o passado.
DE BEAUVOIR À BUTLER: UMA PROPOSTA FEMINISTA INTIMISTA CAMILA PUNI
Se eu pudesse agora em poucas linhas organizar o meu pensamento sobre os feminismos, ele precisaria ser colocado em uma linha histórica. Uma organização difícil, porque, feministas sempre existiram e por isso fica impossível colocar um demarcador histórico para esse fenômeno. Mas, preciso começar de algum lugar. E vai ser pelo século XIX, mesmo sabendo que muitas antes desse período, como camponesas e bruxas apresentavam características e atitudes feministas. Importante antes de mais nada, lembrar que falo aqui de um fenômeno diverso e por isso digo feminismos (no plural), há por certo, muitas linhas e pen- samentos feministas diferentes, com pautas e temáticas diferenciadas. Venho aqui falar de uma delas: do feminismo intimista. Antes disso preciso continuar a contar sobre as ondas feministas, para chegar até o feminismo intimista que se localiza no agora. A maneira como se tem feito essa organização dentro dos Estudos de Gênero, dentro da Teoria Feminista, é começar no final do século XIX, representando as
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primeiras manifestações feministas com as Sufragistas. Movimento de mulheres brancas, classe alta e heterossexuais que reivindicavam sua participação nos processos políticos. Além dessa versão mais clássica da história do feminismo gosto de incluir as resistências às esses movimentos de maior vi- sibilidade. Gosto de lembrar que na mesma época as militantes feministas anarquistas, como a Emma Goldman (para citar a mais conhecida), estavam propondo outros caminhos sociais, para além do Estado. Pensando esse momento histórico podemos nos perguntar sobre quem a Teoria Feminista estava, colocando em pauta. Dizendo de outra maneira, qual era o sujeito do feminismo nesse momento? Estava-se pensando um sujeito mulher. Nesse sentido, esse período histórico pode ser caracterizado a partir do sujeito mulher (no singular). Costumamos dizer que as ondas feministas foram sendo formadas por meio de intensa crítica teórica (entendo aqui a teoria como ferramenta das mi- litantes feministas). Treta, após treta. E por isso, o que motivou a segunda onda a se erguer foram vozes, que nesse primeiro período foram apagadas e silenciadas. Falo aqui das tantas outras pautas - que as mulheres na América Latina - reivindicavam, temáticas que as mulheres norte-americanas e europeias (os principais focos de feminismos nesse período) não
CAMILA PUNI
estavam interessadas. Assim, passa-se a pensar o feminismo a partir de sua pluralidade étnica e com vozes de mulheres negras, latinas, mulheres fronteiriças, lésbicas, bissexuais, mestiças. Podemos visualizar uma crescente e diferente característica ao feminismo, as pautas políticas estavam sendo pensadas e demandadas por não mais aquele sujeito centralizado, mas sim por mulheres (no plural). Vejo aqui, portanto, uma passagem histórica para o século XX em que o feminismo (passa a ser demandado) de um sujeito mulher, para mulheres. E é nesse período histórico que a francesa Simone de Beauvoir pode nos ajudar, pois ela estava em plena atividade escrita-acadêmica na década de 1920. Inspirada pelas leituras feministas da primeira onda, das companheiras de seu tempo, e bibliografias com a temática sexualidade, Simone reuniu em seus escritos - além do debate Filosófico a qual pertencia (no caso, o existencialismo) -, uma boa carga de suas experiências com o próprio corpo. A mais famosa e importante publicação da filósofa é “O segundo sexo”, que - já influenciada por pensamentos teóricos vinculados aos processos de construção histórica-cultural - afirma já na primeira frase do primeiro parágrafo: “Ninguém nasce mulher: torna-se”. Esse grande marco disso que estou chamado de fenômeno feminista, abriu novos horizontes; novas maneiras de se pensar, afinal, o
que é ser mulher. Como dito antes, as ondas feministas formam-se de baixo de muita chuva e trovoada. A próxima etapa dos feminismos, se assim posso chamar, foi inspirada nessa frase. A terceira onda teve grande impacto teórico para as feministas contemporâneas, pois com certa “retomada” de Simone, algumas teóricas como a magnífica filósofa Judith Butler iniciam na década de 1980 um debate sobre o sujeito mulheres, e se seria propositivo, se seria um bom caminho pensar com a categoria mulheres. Assim, uma importante pergunta envolve as feministas a partir desse período até hoje: “Seriam apenas as mulheres, sujeitos, objetos, parti- cipantes do feminismo?”. Essa pergunta, nada tem a ver com incluir ou excluir os “homens” das militâncias e pautas feministas. Essa pergunta tem a ver com o debate realizado dentro do próprio movimento, ela quer sinalizar corporalidades que não estão sendo tratadas nas pesquisas acadêmicas, nas políticas públicas, ou em textos de fanzines e em maior escala, nas representações imagéticas da mídia tradicional, e mais, no próprio entendimento do que é culturalmente compreendido. Assim, o feminismo
de terceira onda vem - como a maravilhosa Paul Preciado chama - em multidões. Multidões a reivindicar culturalmente corpos para além do que se entende por homem ou mulher, corpos que dentro de sua inassimilaridade são jogados para fora do social. Falo aqui de corpos trans, transexuais, transgêneros, a bichinha que dá pinta, a sapatão caminhoneira. Com isso posso dizer que algumas vertentes do feminismo contemporâneo não estão mais escrevendo, lendo, pensando, produzindo, criando (cinema, literatura, culinária) dentro de padrões normativos. Dizendo de outra maneira, dentro de categorias ligadas a um sujeito fixo, mas sim com a multiplicidade de corpos. Corporalidades plurais e inassimiláveis. Portanto, é importante dizer que esse debate recebeu e recebe grande influencia da filosofia francesa renegada (e agora retomada) de filósofos como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guatarri. Fazendo com que nós feministas de nosso tempo, pensemos em nossas práticas feministas como uma revolução cotidiana, baseada em uma política do absurdo, surrealista e terrorista. Aqui, portanto, a ideia de autonomia e de feminismo intimista começa a se fortalecer. O que eu posso dizer do feminismo intimista é por minhas próprias experiências, minha própria pesquisa teórica
e com as vivências em espaços que também se propõem a criar e fazer um feminismo cotidiano. Sendo assim, as noções de faça-você-mesma do movimento punk e riot grrrl, a busca por alternativas de saúde e alimentação dos movimentos de libertação animal e veganismo, uma retomada de práticas místicas (yoga, xamanismo), bruxaria e astrologia, além da retomada do próprio corpo como ferramenta política são algumas das, vamos chamar, bases de uma prática feminista intimista. Além do que citei, é importante dizer que muito das ideias que giram em torno da prática intimista estão relacionadas à produção de arte. E essa arte a qual me refiro é a mais marginal possível, ou que já, pelo menos em algum momento, foi. Falo sobre a produção de fanzines, do uso de materiais reciclados e reaproveitados. Ao menos pra mim, uma forte influência artística feminista é Frida Kahlo, e a escritora bell hooks. As duas retomam algumas práticas auto-reflexivas em que colocar-se em primeiro plano é a principal meta de seus trabalhos. E com esse processo de procurar, vasculhar “quem sou” e “qual seria a minha posição política no mundo ao meu redor”, estaríamos produzindo e criando um feminismo intimista. Por fim, o feminismo intimista não pode ser explicado, descrito ou interrogado com palavras técnicas ou puramente acadêmicas, ele precisaria a cima de tudo, ser experimentado como uma revolução mística de auto conhecimento, redescoberta dos próprios corpos para assim trascender a fixidez que as normas heteronormativas nos impõem diariamente. Façamos isso, portanto, com alegria e bruxaria.
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CAMILA PUNI
Camila Puni é zineira, amante de gatxs e samambaias, cola e tesoura, yoga e água do mar. No momento é doutoranda em Artes e Design na PUC-Rio pesquisando com o movimento contra-cultural riot grrrl e os estudos queer: corpo, colagens e design. camilapuni.tumblr.com camilamelopuni@gmail.com
APENAS UM ENTRE BILHÕES
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RODRIGO BARBOM
É preciso usar a imaginação para compreender. Um garoto que descobria o mundo que o cercava com a mente limpa e o coração aberto. Desde cedo teve despertado seu amor pela leitura. Poderia ser o que quisesse na vida: médico, policial, um artista, quem sabe até mesmo um astronauta! Existiam milhões de escolhas diante daquele garoto. Pode-se dizer que ele era um com o universo. Entretanto, em um mundo riquíssimo de experiências, lhe foi apresentado um outro mundo: O mundo da religião. Quase sempre introduzido (ou seria implantado?) por aqueles que deveriam nos proteger. Em pouco tempo aquela realidade colorida e abarrotada de conhecimentos novos a adquirir deu espaço para uma realidade fantasiosa, em conflito com o mundo em volta. Nela existiam animais falantes, gigantes, genocídios sagrados, medo do invisível, expectativa de castigo, obediência cega, alienação sobre o conhecimento e separação dos infiéis. Há de se fazer um esforço tremendo para encaixar as demais experiências seculares que se seguiam dentro daquela caixinha de mentiras. Em nome da religião se abraça a intolerância, o preconceito, o machismo, a ignorância, a homofobia, a degradação da mulher, o medo e muitos outros fantasmas que rondam a humanidade desde seu início. Mas é um mundo de fantasia! Nele se espera um futuro sem dor em um reino com ruas de ouro. Acredita-se que a fidelidade terrena renderá muitos méritos no porvir. Aos campeões, tudo. E aos outros? Um tormento eterno, com direito as mais horripilantes torturas e o desprezo dos que estarão
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numa “boa”. E cá penso eu: Como pode uma religião criticar outra, se no final todas elas pregam a destruição de seus inimigos? Qual seria a diferença entre um cristão que morre queimado diante de um Estado Islâmico e um muçulmano que queimará para sempre no inferno? Uma religião apenas apressou o que a outra espera pacientemente. Se bem que o cristianismo já teve seus momentos de poder e inquisição. Porém tanto um quanto outro não dão a mínima para o que acontecerá aos seus infiéis. Em nome de suas religiões, o sofrimento do outro é anulado, inverte-se o sentido do amor. Ao entrar nesse mundo de fantasia, aquele garoto presenciou sua separação interna. Agora eram dois – o religioso e o natural. O garoto religioso cresceu enquanto o outro permanecia sentado em um canto escuro. Estudou Teologia, formou-se e ensinava sobre seu mundo de fantasia a outros. Sempre com aquele tom de verdade irrefutável e autoridade que vinham do alto. Mas como se esquecer do outro garoto? Sua chama interna pela verdade crescia a cada dia, tornando insuportável a convivência dentro de um mesmo corpo. Não havia harmonia entre a Ciência e a religião. Aquela disparidade envergonhava a um e alimentava o outro. Por mais que tentasse, não havia como entender o mundo real através das fábulas religiosas. Não dava mais para continuar naquele caminho. Ou assumia suas dúvidas e se comprometia a buscar
respostas verdadeiras ou mergulharia profundo na fantasia e alienava-se de vez. Os dois garotos olhavam-se frente a frente, num encontro há muito aguardado. De forma bela, o religioso deu lugar ao natural. Agora tudo fazia sentido. A humanidade era uma só. Ficara fácil de inter- pretar o mundo. Mesmo imperfeita, a Ciência oferecia respostas muito mais honestas e verificáveis do que os livros sagrados. Já não havia dualidade dentro do garoto, pois o religioso desapareceu. Agora ele compreendia a História; Conseguia sentir-se igual com todos os demais seres vivos que compartilhavam essa geração com ele; Lutava contra seus preconceitos internos e vencia-os paulatinamente; Reconhecia a dignidade e os direitos da mulher, dos homossexuais, dos que pensavam diferente e de todos os povos e raças humanas; Buscou contribuir para o avanço da humanidade e lutava pela liberdade de todos. Voltou ao seu estado inicial, puro, com a curiosidade infantil, cheio de vontade de aprender. Voltou a ser ateu.
Rodrigo Barbom é professor, teólogo e escritor com dois livros publicados.
COMO MATAR DRAGÕES --- OU MAIS DIFÍCIL AINDA: COMO ENTENDER O OPRESSOR
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DIEGO MODESTO
Da balaustrada, observo: - Vocês, “UZỐMI”, não podem contestar o feminismo, nem mesmo certas medidas consideradas extremas, prejudicando-os ou não! O outro indivíduo replica, sob a égide de uma calma e educação admiráveis: - Desculpe-me se a ofendi. No entanto, eu não tenho culpa nenhuma por ter nascido homem, branco, hétero e de uma classe social opulenta. Sem embargo, gostaria de aprender mais sobre o movimento que tu englobas, a fim de analisá-lo cientificamente; ponderá-lo e glosá-lo - de nenhuma forma obstruir a luta de você ou obstá-lo - mas tão somente ajudá-las, se eu achar condizente na balança da justiça social e do progresso. A rebatedora perde as estribeiras: - Vocês opressores (substitua por “UZÒMI”) acham que podem protagonizar nossa luta... O rapaz, ainda na parcimônia, a interrompe: - Não quero protagonizar luta alguma, pois acho desnecessários os movimentos; quando cada um pode fazer sua parte, isoladamente, suprimindo e desconstruindo preconceitos e estereótipos. Mas a garota não quer ouvir e parte para repressão, ensandecida: - Não me interrompa! Todos “UZÓMI” são potenciais estupradores – o martírio de se ter testículos, previamente culpa-
bilizados. Esqueçam as provas de estupro quando, decerto, se têm testículos – e opressores. Homem nenhum manda em mim, e nem mandará. Morte ao patriarcalismo! O garoto, boquiaberto, faz uma derradeira tentativa: - Mas eu não quero mandar em você, porque não sou seu superior (contextualização empregatícia), ou pai, nem nada. Desejo apenas conversar; entendê-la e, ressalto, questionar-me. - Você não tem direito de indagar ou criticar nada!”
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Poderia ter sido diferente. Troque as variáveis. Insira um outro oprimido socialmente nas falas da garota. Faça o mesmo com as réplicas do garoto e: Voilà! Hoje, na era do simulacro solipsista virtual ou mundo líquido, constroem-se os tribunais. Caso fores branco, hétero e de uma classe social ascendente, malgrado tua adoção ao progresso, cala-te. Tu, Judas, foste condenado antes de existir: só te é necessário possuir as características acima salientadas. Abandone o progresso e suas derivadas – marxista, socialista, anarquista e afins – e adote o conservadorismo, liberalismo; dissemine e reafirme o patriarcalismo, a ética monogâmica e a família tradicional. Claro, na ótica de muitos, ei-la, a lógica. Os preceitos inconscientes.
Perdeste a voz; não mais debaterás o tópico. Serás tu e tua pele, contudo, o objeto a ser refutado. Nela entrevemos o código de barras. Passe no scanner e verifique o preço. Precifique-o no banco de dados caso não haja um. Sim, vivemos numa espécie de imersão virtual, típica dos grandes jogos de RPG. Aqui jaz Sartre: “A essência precede a existência”. Quem já jogou – e exorto-os a fazer, pois a série é “maravilhinda”(único, talvez, adjetivo positivo do texto); junção de maravilhoso e lindo) The Elder Scrolls. Seja o Arena, Daggerfall, DLCs, Oblivion ou o recente e sublime Skyrim – poderá atinar quanto a parábola nestes ou outro RPG similar. Como no game, antes de iniciar a aventura, tu escolhes a classe (sentido de profissão ou arquétipo da personagem) e, mormente, a raça. Isso mesmo: escolhemos a raça. Dentre várias do último jogo, como a maioria em base humana, temos além: os Argonianos, Tamriel Redguards (afrodescendentes no continente de Tamriel), os Elfos (Negros, da Floresta e Supremos), Orc’s e Khajiit’s (com ossatura humana, salvo o restante: baseado nos felinos). Consequentemente, a escolha prévia desencadeará certas vantagens. Exemplo: meu herói Modestiniano, o Grande, é um bretão. Os bretões de Rock-
fall, possuem naturalmente uma inclinação à magia, mais precisamente em conjuração; afora terem, outrossim, um índice de refração à ilusão e destruição (tipos de feitiços) maior. Todavia, eu muito bem poderia ter feito de Modestiniano, o Grande um nórdico ou imperial ( estas última são raças predominantes e governantes de Skyrim, no TES V), ou optado por um guerreiro natural, como o já supracitado Redguard. Enfim, cada raça possui seu escopo de vantagens e desvantagens, bastando o jogador, de acordo com seu estilo de jogo, escolher a mais indicada. Agora, imaginem se o escopo de seleção de raças de TES fosse implementado na vida humana, através de uma engenharia genética na pré-concepção parecida com a do filme “Gattaca”. Antes de, física e ontologicamente, existirmos (ainda como uma célula), que fôssemos apresentados a um painel de seleção. - Por obséquio, assinale à qual etnia quer tu pertencer, sabendo que não poderás mudar depois: Afrodescendente, caucasiano ou pardo? Após, defina vossa sexualidade: hétero, bissexual ou homossexual? Doravante, sua futura classe social e características físicas e psicológicas, isenções de estereóti-
pos, preconceitos, estigmas e... Felizmente, o mundo não é assim. A diversidade enriquece-nos. Infelizmente, em nossa pequena história humana muito diferente daquela em TES, conquanto análoga, deter certa constituição, aparência ou opção o fará certamente sofrer penúrias. Culpa de uma carga paradigmática nefasta, de um período obscuro nas ciências, de uma configuração mercantil e social obsoleta, de construções sociais e outras gamas, nutridas tacitamente, por eles e por nós. O surgimento de preconceitos deriva daí: a rosa imunda floresce quando um opressor planta o ódio acerca de um determinado ser. Depois ele rega a semente, cuida dela, outros o seguem, e, por fim, ela floresce – vicejante e creditada como estética e essencialmente ideal do belo,certo e do justo. O antissemitismo, a homofobia e o racismo estão na mesma estufa – e haja um húmus sangrento. A rosa espraia sua fertilidade pelo vento: o Nacional-Socialismo do século XX, a KKK, a supremacia branca, o Apartheid, a islamofobia, o fundamentalismo ideológico e religioso, os cristãos e protestantes irlandeses, os homofóbicos e o machismo imponente. Como nossa civilização (não só) está lotada de crenças acientíficas e preconceituosas, arraigadas até em vértices que alegam pregar igualdade e justiça, é preciso precaver-se. Mais ainda: destruí-las, desde cedo: antes que um campo florido rubro de sangue nasça na pitoresca concepção de mundo exterior. Não mais ao holocausto, às guerras, às justificativas salvacionistas colonialistas e ao genocídio perpetuado por ditaduras; sejam capitalistas, mili-
tares e, friso, as comunistas! Eu, como branco, hétero, malgrado à baixa classe-social, possuo certos privilégios, que foram edificados antes de meu nascimento, sem qualquer intervenção ou deliberação da minha parte. Ela, mulher, negra e lésbica, possui determinadas desvantagens sociais, que foram engendradas antes da mesma. Ambas institucional e socialmente outorgadas, advindas de um processo histórico errôneo, sádico. Não somos um personagem de Skyrim. Eu interpreto Modestiniano, o Grande, mas apenas na realidade binária. Aqui, sou Diego Modesto, atrás de um computador com o teclado destruído, matutando como arrebatar uma desculpa para matar o dia de exaustiva labuta, no fito de ler o Kerouac e estudar história. Pecador, não obstante o ateísmo convicto e cheio de defeitos físicos, mentais e sociais. Nasci numa configuração injusta a muitos, e tomando ciência disto, decidi-me por abandonar o curso de tecnologia, uma ulterior pujança, e seguir o meu sonho de lecionar e inocular pensamento crítico a meus futuros alunos, pois vejo que esta é minha maneira de lutar. Conjecturo que não será totalmente em vão. Sei que se eu nascesse como mulher negra e homossexual, estaria no inferno. Além do racismo da falsa democracia racial, o machismo e homofobia atar-meia numa perpétua rodilha de mutilações à minha reivindicação de simplesmente viver e ser o que nasci, cresci, amadureci e morrerei sendo: eu mesmo.
numa perpétua rodilha de mutilações à minha reivindicação de simplesmente viver e ser o que nasci, cresci, amadureci e morrerei sendo: eu mesmo. Então, arrefecer a rotulação impetuosa – infiro isto aos progressistas que lutam contra – do outrem. Conceder empatia; entendê-lo, ao menos esforçar-se, o porquê de seu arranjo de crenças discriminam isto ou aquilo como certo ou errado; entrever o maniqueísmo, a ética e a moral do outro lado; o machista, homofóbico, racista, burguês, proletário – é uma forma de luta – contra as desigualdades e nós mesmos. Afinal, Jesus Cristo foi traído e crucificado e, filtrando o mito, também foi humano. Voltando ao diálogo do começo: como subsequentemente ordenaria as coisas caso a garota tivesse a sensibilidade moral e empática necessárias ao exercício discursivo? Ela ouviria o outro, entenderia-o, ensinaria-o e cresceriam juntos, num alimento à dialética, se embasados cientificamente – portanto, todos ganhariam. Até no continente do TES V, Tamriel (algumas raças não são bem-vindas em certas cidades ou recebem a hospitalidade que jactam os nórdicos), há preconceito; entretanto, através das opções de diálogo, podemos desconstruí-lo. Adjetivos com conotações pejora-
tivas existem ad infinitum a salientar que, num outro tempo menos corrido, eu investiria horas os coligindo e suscitando no texto; porém, os cidadãos de Skyrim precisam de mim, e há dragões e druggers à solta! Não escolhemos nascer; não escolhemos sermos assim. Devemos, desta feita, nos amar e, entrementes, respeitar existência e diversidade do resto da humanidade. Lutar contra preconceitos e contra o fundamentalismo é primordial; lutar contra o seu preconceito e seu fundamentalismo, sobretudo, vital. Não se combaterá a injustiça, os preconceitos, estigmas, estereótipos, a luta de classes e desigualdades sociais dos indivíduos em si com violência e insultos, aventando o avesso; ocorrerá os corolários newtonianos, transmutados da física elementar: “Uma força gera uma força oposta”. Reitero: entenda o brado do outro lado do muro além da superfície: “Por que há alguns que defendem este ou aquele posicionamento anacrônico?” Argumentos, livros, pesquisas e a ciência são mais úteis. Deixe as armas, feitiços de destruição e insultos para os dragões malvadões de Skyrim. Ou com o bretão lobisomem dragonborn Modesto, o Grande.
OS RICOS TAMBÉM PRECISAM DE COTAS! ANTÔNIO DE AZEVEDO JUNIOR (MANO JR)
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CAMILA PUNI
Peguem suas panelas e vamos para as ruas com nosso protesto. Não, não vamos nos calar! É urgente, é necessário! Chega de discriminar nossos irmão ricos, eles também merecem serem atendidos pela política de cotas. Avante com nossa campanha! Veja só o rosto saudável do menino branco e burguês; Quanto so- frimento meu deus! Por que só os meninos pobres tem o direito de trabalharem em semáforos vendendo doces? Ou mesmo em minas de carvão? Pela inclusão imediata dos herdeiros de milionários na exploração do trabalho infantil! Já ouço as palavras de ordem diretamente dos condomínios luxuosos: CRIANÇAS RICAS E BEM ALIMENTADAS, TAMBÉM MERECEM SEREM EXPLORADAS! Há um abaixo-assinado rolando, parece-me que Angélica e Luciano Huck encabeçam a lista. Xuxa falou que também vai assinar. VAMOS À VITÓRIA! Muito se fala de ne-
gros e o sistema de cotas para faculdades, porém ninguém se lembra dos jovens proprietários de iates que nunca, repito: nunca estudaram em uma escola de lata. Chega! Não podemos mais aceitar esse bullying econômico. Pela construção de escolas de lata em todos os bairros ricos. Façamos um mutirão se preciso, mas lutemos, sim lutemos. Não haverá recompensa maior do que ver o sorriso de nossa juventude croissant sentada no chão para assistirem aula diante de um professor mal remunerado pelo governo, derretendo de calor quando verão e tremendo de frio quando inverno. E pensar que só a juventude da periferia pode desfrutar disso, que horror! Abaixo a segregação! Finalmente, como não ser sensível ao drama existencial das madames. Há muito elas são oprimidas pelo espírito consumista, obrigadas a gastar fortunas com roupas, sapatos,
diamantes. Que crueldade! Ah, vocês não sabem o que é um pai latifundiário ou industrial olhar firme para as bolinhas azuis de sua filha e dizer cheio de angústia: Não filha, você não pode ser uma empregada doméstica. Eles (malditos!) jamais aceitariam. Vamos exigir do governo a criação de um programa social, batizaremos: Bolsa granfina! As agências de empregadores domésticos deverão seguir a seguinte proporção: 80% das vagas destinadas às dondocas. Vamos mostrar para eles que não é só a garota moradora de favela que tem o direito de acordar cedinho e pegar busão lotado. CHEGA DE INJUSTIÇA! Essa é a hora e a vez de unificarmos as minorias sociais (Ricos, Ricaços, Riquinhos, Milionários, Bilionários, Trilionários) e lutarmos pelo direito de sermos explorados pelo capitalismo. Façamos história! Burgueses de todo o mundo: UNI-VOS!
POLÍTICA NÃO, PROFESSOR!
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ISRAEL CASSUCCI
Sempre me perguntei por que não temos uma disciplina, na grade curricular do Ensino Médio, voltada à teoria política e econômica. É verdade que o que se discute muito atualmente, quando se trata de teoria da Educação, é a imensa massa de conteúdo teórico que temos nas grades curriculares e que, em sua grande maioria, é desnecessária, não funcional e ultrapassada. A política, embora muitos de nós a considere desnecessária e maçante, é vital para o exercício da cidadania, pois toda a organização da sociedade e toda ação diária, por mais corriqueira e banal que possa parecer (como pagar um transporte público ou procurar vagas em uma escola pública), perpassa pelo crivo desacreditado da política. Ah, “o exercício da cidadania”! Conceito tão caro à LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)... “Os currículos [...] devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.” (Art. 26, § 1º - grifo nosso)! É hipocrisia não haver uma disciplina na grade curricular da educação pública voltada ao ensino de teoria política. É bem verdade que temos hoje a disciplina de Sociologia na grade do Ensino Médio que, embora tenha permeado as margens da educação como disciplina desde 1891 (segundo uma emen-
ta redigida pelos coordenadores de Sociologia da CEP - Colégio Estadual do Paraná), só se consolidou como disciplina obrigatória em 2008 com a aprovação da alteração do artigo 36 da Lei 9.394/96. Todavia, essa “obrigatoriedade” da disciplina no ensino médio, por se tratar de medida promulgada recentemente (é, em se tratando de ensino - ou qualquer outra instituição pública - uma ementa promulgada em 2008 é considerada ainda recente) ainda não deu seus frutos. Alguns até poderiam dizer que as “caminhadas de junho” já são fruto dessa “educação para todos”, mas esse é um assunto mais profundo e que se deve levar em conta vários outros aspectos e correntes de pensamento – ou seja, tema para outro texto. Consta, na grade da disciplina de Sociologia do terceiro ano do ensino médio (último ano, devo destacar), todas as informações políticas básicas e importantes como a história da formação e organização do Estado, o Socialismo, Liberalismo, Estado de Bem Estar Social e Neoliberalismo, a divisão dos poderes (legislativo, executivo e judiciário), a divisão das esferas federais, estaduais e municipais, as funções de vereadores, deputados e senadores – embora as explicações nunca pareçam suficientes para justificar a quantidade -, enfim.
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Acontece que temos aqueles ve-
lhos e conhecidos problemas: a falta de professores ou professores despreparados; como acontecem várias vezes, um professor de outra matéria dar aulas de Sociologia. Os professores mais velhos, os chamados efetivos, estão todos esgotados com essa nova forma de educar (é isso mesmo, é essa nova forma que ninguém ainda formatou. A sociedade joga a culpa da má qualidade do ensino nas escolas, as escolas jogam a culpa do mau comportamento dos alunos na família e, é claro, todos culpam as autoridades, mas sem solução); os famosos eventuais ou substitutos que vagam de escola em escola sem nunca conseguir elaborar um plano ou projeto de ensino efetivo, pois sua turma nunca é a mesma. Moral da história: é muito otimismo pensar que no último ano do ensino médio a galerinha vá absorver alguma teoria sociopolítica. Quanto à economia, bem, essa teoria passa ainda mais longe do ensino público. Muito engraçado não termos teoria sobre economia em um país que, tomado os moldes da política europeia/ americana, valoriza tanto a liberdade do capital individual. Nos livros de Sociologia até aparece bastante a palavra Capitalismo. Fala inclusive bastante sobre o trabalho, sua história, compreensão e as relações sociais que ele implica, mas para por aí. E eu não sei se caberiam noções de economia na disciplina de Sociologia. Noções como a história do dinheiro – essa caberia
em Sociologia, a função dos Bancos centrais, a influência das bolsas de valores na economia dos Estados, as causas das recessões e crises econômicas, o porquê uma moeda é mais forte do que outra, o porquê da Casa da Moeda simplesmente não fabricar mais dinheiro pra todo mundo; essas noções mínimas que pouca gente sabe mas que, com certeza, ajudariam a formar cidadãos críticos, são questões que não chegam nem a serem cogitadas pelos responsáveis que organizam os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais). Vou contar-lhes uma historinha. Sou um formando em Letras e, em uma de minhas andanças como professor substitutivo, em uma cidade vizinha, estava trabalhando o conteúdo curricular “Artigo de opinião” com uma turma do segundo ano do ensino médio. Portanto, meu objetivo era avaliar o texto do aluno em relação à coerência, coesão e estruturação do texto. Acontece que na época – Maio de 2013 – a turma fazia muitas piadas referentes ao Bolsa Família. Propus então que a classe produzisse um artigo de opinião com o tema “Assistencialismo público”. Então, dei alguns textos-base com o conteúdo referente ao tema e o objetivo era que os alunos produzissem textos se posicionando a favor ou contra o assistencialismo público, levando-se em consideração o referido programa
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assistencial do atual governo. Vejam vocês que, nas reuniões semanais dos professores, a diretora da escola disse que não deveríamos nos intrometer em assuntos relacionados à política, pois estávamos às vésperas de eleição e a escola deveria ser apartidária! Ora, que a escola deva ser apartidária devemos concordar em gênero, número e grau, mas isso não deve impedir a reflexão de assuntos de interesse diretamente ligados aos alunos – pois a exigência principal do Bolsa Família às pessoas beneficiadas é a permanência da criança na escola. Percebem a contradição? A própria diretora nos auxiliou a cometer uma infração legal – lembrem-se do artigo 26 da LDB - em nome de uma postura “apartidária” às vésperas de eleição! Não deveria ser o contrário, ou seja, não deveríamos, justamente por ser vésperas de eleições, promover um projeto interdisciplinar referente ao cenário político, às propostas dos candidatos ou algo do gênero? O título deste artigo, “Política não, professor!”, que parece representar a fala de um aluno ao professor, na verdade representa a fala dessa diretora a mim, professor. A turma do segundo ano do ensino médio estava se interessando; pois, como já disse, era um
assunto atual que atuava no sentido de refletir sobre um tema político que os afetava diretamente e os ajudava a ter uma segunda visão, uma visão diferente das piadinhas vinculadas pela sociedade.
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Não estou aqui idealizando um expert em política ou economia. Apenas um ser consciente de que, uma vez inserido em uma sociedade qualquer, ele não pode desvincular-se da política, pois a política é uma necessidade inerente a qualquer sociedade. Ele não pode dizer simplesmente “não gosto de política”, porque, gostando ou não, na convivência social, ele estará sempre sujeito a toda sorte de acordo político. Ele poderá ser no máximo um sujeito apolítico, submisso e facilmente influenciável. A política é chata (um pé no saco) e agrega muita sem-vergonhice por um único motivo: Não damos importância à Política e não nos esforçamos para mudar nossa realidade política! Os políticos são desavergonhados? São. Mas desavergonhados por duas vezes somos nós, por deixá-los sê-los. Como diria um professor meu de Língua Portuguesa: Pronto, falei.
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RETRATAR E NADA MAIS... BRUNA FERREIRA
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Resumo minha fotografia em duas palavras, sentimentos e sensações. Gosto de Retratar a essência da Mulher Feminina, no seu modo Natural. De captar seus gestos delicados e imponentes. De transmitir a atitude feminina através de um Retrato Intimo, de capturar um momento único na vida de uma Mulher. Retratos são almas captadas através de momentos, passadas através de um mecanismo de pecinhas indispensáveis para registrar aquele segundo. Acredito que um sorriso verdadeiro vale mais que tudo, que uma marquinha presente na Mulher, representa um todo de Mulheres em um Mundo inteiro, viva ao Natural, viva ao ser você mesma.
Bruna Ferreira, apaixonada por Yakisoba, Nutella e sorvete. Gosta do som da natureza, amanhecer, e pores do sol, fotografia, ler e ouvir músicas, sem esquecer os momentos de silêncio, que são maravilhosos. Estudante de fotografia e artes, a maioria do tempo autodidata. Com um projeto muito lindo sendo desenvolvido, e muitos retratos maravilhosos registrados através de suas lentes. www.brunaferreira.com.br contatobrunaferreira@gmail.com
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RIO PRETO: ONDE O INDIVIDUALISMO DOS ESCLARECIDOS SE TORNA EVIDENTE BRENO ARAGON
A cidade de São José do Rio Preto tem algumas características interessantes. Mescla um pouco de características de metrópole e um pouco de tradição interiorana (em ambos os casos para os seus bons e maus sentidos). Uma coisa muito peculiar que ora ou outra ouvimos por ai é: “temos que ter cuidado para não repetirmos os problemas da capital. Aquilo é um caos; não têm qualidade de vida. Mas agora que sabemos o que crescimento sem planejamento faz, não repetiremos os mesmos erros”. Será? A prática vem mostrando que não! A cada ano que passa nossa Câmara Municipal aprova irresponsavelmente mais e mais inclusões de áreas em perímetro urbano de forma inconsequente e com danos ambientais terríveis. Era de se esperar que um trânsito caótico e uma crise hídrica sem precedentes na história recente servissem de exemplo, não é verdade? E o que falar então da desvalorização e o pouco caso com nosso patrimônio histórico e cultural? – me refiro a futura demolição da praça cívica e do descaso com a secretaria de cultura em nossa cidade. E com a nossa educação?
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Os vereadores e demais autoridades são corruptos e coniventes com essa situação, mas isso é o esperado deles, afinal, para se
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elegerem já cederam ao “toma lá, da cá”. Nada novo no front. O que me assusta é a completa omissão das pessoas dessa cidade. E quando eu falo em pessoas, não estou culpando a população em geral que é vítima de um sistema de despolitização das massas intencional – ou vai falar que é normal um aluno passar o ensino médio inteiro vendo báskara, estudando os tipos de rochas e não ter uma aula sequer de constituição? Uma visita sequer a Câmara municipal de sua cidade? Um entendimento e explicação mínima de como funciona nosso sistema representativo? A população a qual me refiro e culpo é aquela que têm plena consciência política, ou pelo menos parcial, e não se mobiliza; não se movimenta. Quando o faz, é quando estão apertando diretamente o próprio calo. Exemplifico: lembro-me de que há cerca de dois anos atrás, na época em que o #vergonhariopreto ainda existia, no dia das crianças, realizamos uma panfletagem contra um projeto de lei que fora aprovado e que permitia aos postos de gasolina se instalarem a menos de 100 metros de escolas. Preciso dizer que isso vai à contra mão do benefício da população? Não é à toa que frentista ganha por grau de insalubridade. Esse risco desnecessário visava única e exclusivamente o lucro de donos de postos. Divulgamos o ato, chamamos. Porém, poucos militantes e muito trabalho pela frente. Um tempo depois, ao final de 2013, veio um aumento abusivo no IPTU da cidade. As pessoas dos bairros mais periféricos e sucateados pelo poder público, como o Solo Sagrado, sofreriam um aumento de 40% em seu IPTU, enquanto os ricos moradores (e muito bem assistidos dos serviços públicos) da região dos Dahmas teriam apenas 15% de aumento. Novamente começamos a mobilizar e em pouquíssimos bairros conseguimos recolher cerca de 5 mil assinaturas e distribuir panfletos de “não vote neles” em 3 dias de coletas (todos iam após o trabalho para o calçadão que estava aberto devido a época do Natal e fazer algum barulho na imprensa). Peguei isso como exemplo, mas poderia citar inúmeras mobilizações, como a
de associações como a AAMA no que tange a defesa do meio ambiente, ou do grupo que continuou mobilizado por algum tempo após a ocupação da Câmara Municipal, das quais sempre o mesmo pequeno grupo de pessoas arregaçou as mangas e foi a luta. Em todos esses casos, categorias politizadas, que entendem a importância da participação política da população, em muito pouco se mexeram. Não estou cobrando participação em toda e qualquer sessão na Câmara Municipal, tão pouco presença carimbada em todo e qualquer evento. Mas alguma participação, algum apoio, algo para mostrar que se importam. Porém a realidade não é essa. Artistas, professores, ambientalistas, médicos, funcionários públicos e toda sorte de categorias pouco se envolvem na política se não for para defender questões de interesse próprio. O reflexo está ai: um poder público que governa para poucos em detrimento de muitos e do futuro de toda uma cidade. Se quisermos reverter esse quadro é preciso mobilização e engajamento das massas. Mas estas foram adestradas, ensinadas e socializadas para não se rebelar, não contestar não participar da vida política. Para quebrar isso, nós precisamos que as pessoas que conseguiram fugir desse cabresto, que têm o entendimento e a visão política da sociedade, saiam de suas zonas de confortos, parem de reclamar
e coloquem a cara nas ruas, politizem e esclareçam as massas. Ou teremos futuras repetições de Junho de 2013 – muita energia, muita revolta, porém com uma pauta de reinvindicações muito genéricas e sem nenhum resultado prático. Em suma, nós precisamos romper o modelo liberal e egoísta de nos relacionarmos com a sociedade, pois o reflexo claro de como isso nos é prejudicial está ai. Usando exemplos recentes, os artistas de nossas cidades protestaram contra os cortes e descasos na cultura e sozinhos foram derrotados pelo governo. Poucas semanas depois, a mesma cena se repetiu com os professores, e também foram derrotados. Será mesmo que os professores não viram à importância de se defender a cultura de nossa cidade? E por que não se mobilizaram juntos? Os artistas não viram a necessidade de defender a educação? Será que ninguém vê o quanto essa abstenção de outras frentes de luta foi crucial para a derrota dos movimentos? Ou será que foi apenas comodismo? Termino fazendo uma provocação às pessoas esclarecidas e a juventude que é quem vai colher os reflexos desse modo de organização social de maneira mais forte: saiam as ruas, se organizem, dediquem um pouco de seu tempo para lutar pelas mudanças que queremos ver no mundo. Brecht sintetiza de maneira brilhante o espírito desse texto e dessa provocação aos rio-pretenses:
PRIMEIRO LEVARAM OS NEGROS MAS NÃO ME IMPORTEI COM ISSO EU NÃO ERA NEGRO EM SEGUIDA LEVARAM ALGUNS OPERÁRIOS MAS NÃO ME IMPORTEI COM ISSO EU TAMBÉM NÃO ERA OPERÁRIO DEPOIS PRENDERAM OS MISERÁVEIS MAS NÃO ME IMPORTEI COM ISSO PORQUE EU NÃO SOU MISERÁVEL DEPOIS AGARRARAM UNS DESEMPREGADOS MAS COMO TENHO MEU EMPREGO TAMBÉM NÃO ME IMPORTEI AGORA ESTÃO ME LEVANDO MAS JÁ É TARDE. COMO EU NÃO ME IMPORTEI COM NINGUÉM NINGUÉM SE IMPORTA COMIGO. BERTOLT BRECHT
GUARDA-CHUVAS DIEGO MODESTO
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Onze horas de um dia nublado. Chovia. Uma floresta de guarda-chuvas surgia. Eu? Havia esquecido o meu em casa. Péssima procrastinação – por mais que a evite, persiste. Resigno-me e, de forma mais do que deliberada, entrego-me. Pairo sobre o sinal. No calçamento, até Noé e Titanic teriam dificuldades de velejar. Inundando uma água negra, seus peixes e monstros, industrializados e globalizados – dera Camões visse.
Está subindo na calçada. Pretendo não me ater tanto à contemplação (o desgosto de saber que detenho uma parcela, indiretamente, de culpa nisso) desta efeméride . Falho ao ver uma maçã no meio da pequena lagoa urbana; não de todo atrativa, logo que distingo, mesmo da distância de um metro e oitenta, aspectos de uma degradação imensurável, esverdeante, pútrida – o que dizer das impurezas que carregava aquela água?
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A fruta resistia. Formava uma barragem natural. Uma velha em farrapos ao meu lado (também à mercê da torrente gélida dos céus) tentava, tremendo de frio, exprimir alguma sentença.
Virei o rosto com um sorriso convidativo a ela. Enfim, conseguiu, reparando que eu também notara a maçã: – É vistosa e deliciosa, não é? – Seus olhos lacrimejavam, seu rosto profundamente flagelado pelos anos de cansaço, pela rocha de Sísifo, pela esperança; oitenta ou noventa anos, reumática, cega de um olho – catarata –, cabelos ralos, pneumonia, sem direito à aposentadoria, à vida; caminhando para a morte. Minha crueldade civilizatória avaliou.
Atinei de pronto. Ofereci-me, então:
– Sim, meu anjo, por favor! – respondeu.
– Posso apanhá-la para senhora?
Antes da intromissão do sinal, completei minha tarefa. Entreguei a maçã. A idosa retribui-me com um dos mais belos e sinceros sorrisos do que qualquer amante, outrora, poderia ter me oferecido: – Obrigada, meu anjo. É para o meu netinho, é o aniversário de três anos dele. Nunca comeu uma maçã na vidinha.
Assenti. Despedi-me com outro sorriso e um até mais – dificilmente nos veríamos de novo. A chuva engrossara, o sinal abrira. Eu continuava me molhando. A senhora também. Pensei nela: morreria de frio na chuva, nesta mesma tarde.
O mundo estava com guarda-chuvas. As pessoas comuns, os comerciantes do Centro, os transeuntes, os poetas sociais, os políticos, os cientistas políticos, os socialistas, os liberais, os anarquistas, as feministas, os anjos, os demônios, os nacionalistas e derivados. Deus está de guarda-chuva. E eu, embora molhado, desejara estar de guarda-chuva. O mundo inteiro é coberto e oculto num guarda-chuva. Imagino que a idosa da maçã malogrou em me dizer algo com àquela expressão, comovida, ciente e aberta à chuva. Porém, ainda não entendi. Confesso: tenho medo de nunca entender.
Diego Modesto, 20 anos e ex-ARPROM.
NOTAS EM PRETO E BRANCO MICHELLE MENDONÇA
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O PRETO E O BRANCO DA PARTITURA TRADUZIDO EM IMAGENS, UM REGISTRO DE MÚSICOS E SEUS INSTRUMENTOS NO ENSAIO FOTOGRÁFICO: NOTAS EM PRETO E BRANCO
Michelle Mendonça poetisa e fotógrafa vive em São Paulo e por aí, produz arte de uma forma intimista, é colaboradora da Revista Escrita Pulsante, teve seu trabalho publicado na Diversos Afins.Atualmente faz estudos sobre astrofotografia.
HOJE É DIA DE ALEGRIA... BRENO ARAGON
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HOJE É DIA DE ALEGRIA PARA O BRASIL! Já somos a terceira maior população carcerária do mundo. E vamos rumo a 1º posição geral. Te cuida E.U.A! Já somos o país com maior relação entre população/ pessoas presas! Com o engajamento de todos, tenho certeza que reinaremos absoluto no 1º lugar por muito tempo. VAMOS SOLTAR ROJÕES DE ALEGRIA! VAMOS COMEMORAR! Uma vez que nossa segurança é excelente graças ao alto número de prisões abarrotadas que temos que não cumprem seu papel de centro penal e de ressocialização dos detentos para a sociedade, vamos continuar e ampliar essa lógica que está dando tão certo no Brasil. Vamos juntar adolescentes infratores junto a bandidos carimbados. Esqueçam essa baboseira de separar conforme a faixa etária e tipo de crime. O negócio é pôr o dono da boca junto com o assaltante de celular! Afinal de contas: está dando muito certo isso para o Brasil! VAMOS DAR UMA GRANDE FESTA, uma enorme dessas pra gringo ver! Demais, desde 1990 para cá já con-
seguimos aumentar em 575% em nossa população carcerária. E, puta merda, isso deu tão certo para nossa segurança! Vamos diminuir ainda mais o número de pessoas presas que chegaram a ser julgadas no judiciário! Atualmente é de 8%, mas tenho fé que com o empenho de todos conseguiremos fazer esse número chegar a uns 4%. Vamos abrir champanhe, vamos brindar com Whisky! Demos um grande passo enquanto sociedade racional, que separa emoção da razão na forma de pensar à nossa forma de se organizar enquanto sociedade.Vamos comemorar a vitória de nosso ápice de conscientização. Finalmente o Congresso Nacional deu ouvido a especialistas e estudiosos qualificados, como o Datena, o Marcelo Rezende, a Rachel Sherazad. É ou não é um dia de celebração para a academia? VAMOS DECRETAR FERIADO NACIONAL! TÔ MUITO FELIZ! Afinal, nada mais importante para nosso país do que o dia em que o regimento e a constituição foram esmagadas (mais uma vez) por meio de manobras de um presidente da Câmara tirano e di-
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tador. Foda-se a Constituição! O importante é garantir todas as conquistas divulgadas acima. VAMOS VESTIR A CAMISA DA SELEÇÃO E CANTAR O HINO! Escolhemos continuar gastando R$ 40.000 por preso ao ano em um presídio federal enquanto gastamos apenas R$ 15.000 (quase um terço) por aluno no mesmo período. E fica ainda melhor quando vemos os números Estaduais que gastamos – em média R$ 21.000 – por preso ao ano e apenas R$ 2.300 por aluno (9x a menos! É muita felicidade!) VITÓRIA! VITÓRIA DE TODOS NÓS, BOM DEUS! OBRIGADO; estou em êxtase só de lembrar o índice de reincidência ao crime das pessoas que foram presas é de 70%. SUCESSO; VENCEMOS! E pra coroar a cerejinha nesse bolo recheado do que há de melhor em nossa humanidade, eu ainda lembro o porquê 77% dos jovens que morrem no Brasil por ano são negros/as, 95% são homens. PARABÉNS A TODOS! E, AGORA, BORA CELEBRAR: BORA COMEMORAR A ESTUPIDEZ HUMANA! Breno Aragon tem 23 anos, tecnólogo em informática para negócio (sim, um curso ligado a exatas) e militante de esquerda. Segue acreditando que as coisas podem mudar e acreditando que teoria sem prática é como alma sem corpo e vice e versa.
ADALBERTA
CAMILA MOROTTI
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- Deveria ter nascido Amelia, nasci idealista, ouviu bem Adalberta? As ideias estavam lá, prontas para serem brotadas e amontoadas em lacrimejantes pensamentos.
Havia de poupar os incrédulos, mas não. Deixar que eles acreditassem em mentiras aliviantes?
O caos estaria estabelecido, não deveria fazer diferença se eles criassem algo importante, falei para Adalberta.
Adalberta era tão bonita, cheia de graça, cheia de vida! Gostava mesmo daquela pele que reluzia uma felicidade cor de abóbora.
Ah, as abóboras! Outro dia mesmo, enquanto elas enfeitavam minha mesa, coberta pelo tricô de um tempo qualquer remoto, já com suas falhas aparentes, estavam as abóboras me olhando. Quase diziam que suas curvas bem talhadas eram só um contínuo de ideias redundantes.
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Não dei bola, abóboras não falam. Abóboras foram fei-tas para serem ouvintes de elogios sinceros, como se isso fosse possível.
Adalberta era fã dos camarões que recheavam as abóboras. Não dava importância para as curvas por vezes tortas do pobre vegetal, estava interessada no que era possível esconder dentro de tanta beleza alaranjada, amarelada. Onde ela estava com a cabeça? Não me importava minimamente o que era possível esconder, era importante que ela pensasse se a qualidade do camarão era definitivamente excelente. Adalberta crispou a testa, me olhou como se eu estivesse fora de mim. Gritei por dentro, meus ossos tremeram. Me contentei em seguir o método clássico de aceitar as diferenças das idéias.
Ah, as diferenças! Como elas cresceram sem deixar espaço para a compreensão. Não queria saber, as crisálidas não brigam com as borboletas quando elas decidem viver, viver por vinte e quatro horas, um respiro e pronto, fim. As crisálidas são abóboras alaranjadas, amareladas. A melhor parte está para surgir cortando os ventos, assim os camarões saborosos são borboletas que duram um suspiro, um respingo de Adalberta para satisfazer aqueles desejos infames por espaços minúsculos de tempo.
COR DE ABÓBORA
CONTOS
MANOELA D’ GOMES 52
Uno. Pronto, Amor, estou nua agora. Eu abri minha caixa de Pandora e deixei escapar todos meus bem guardados segredos. Dividi minhas deficiências com você e agora você me dói. Sei que não sofro da perna, mas se me faço manca, é porque desejo uma bengala. Um apoio de você. E, por favor, não me negue jamais a esperança da divisão, pois é meu desejo mais forte. Quero casar, juntar planos, quero ser dupla fixa de nós. Um par velho e feio de vasos iguais em cima da estante. Assim, sem nunca flutuar entre o sim e o não, mas ser um grito uníssono de qualquer coisa.
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Exorciza-me As manchas já não se desprendiam dela, da pele, e busquei a saída talvez mais comum: escalpelar-me. Levar embora aquele velho manto que me cobrira desde o nascimento. E assim o fiz. Rasgueime primeiro o rosto por deveras acostumado ao sorriso e faria dele meu troféu. Estenderia-o ao alto, gritando, enquanto o resto de casca velha abriria-se ao chão como um tapete por onde depois andaria. Desfilaria. Tocaria-se cornetas para meu traje cachoeira-viva, deixando em sangue sua marca na passarela.
Mano Gomes tem ampulhetas no lugar dos olhos e nunca se encheu de areia. manosapeca@gmail.com
MOROTTI
Em Branco Pedro encurtava-se à memória de outros. Fazia-se sempre estória não contada e livro de páginas brancas. Por causa disso, era muito fácil pra qualquer um escrever no livro de Pedro. Não precisavam ter boa caligrafia ou beleza artística ou sequer boas estórias. Podiam até fazer desenhozinhos de homens-palito nas folhas que Pedro também deixava. E Pedro ia se diminuindo, se reduzindo a um versículo ambulante de um monte de coisa. Pedro achava que assim estivesse estimulando em si a pluralidade, mas, quando de volta em casa, chorava. Se doía. E buscava novamente sair para infiltrar-se como de costume daquela gente. Pedro era como calcinha suja que se usa duas vezes e por isso tem seu lado de dentro posto pra fora. Era eterna roupa íntima ao avesso e o que lhe fazia gente nunca estava no lugar certo. Perto do fim de suas páginas, Pedro resolveu voltar algumas folhas e ler sua vida. Descobriu muitos escritos de fim ainda no meio dos papéis e percebeu que ali haviam muitas obras inacabadas. Sentiu-se vazio. Como num susto, Pedro fechou rapidamente o livro e fez-se barulho em todo seu universo. Algo mudara. Pedro buscou uma caneta, mas suas mãos já não entendiam uso para aquele objeto e saíam-lhe somente linhas tortuosas e incompreensíveis. Pedro estirou-se na cama e fechou os olhos. Morreu tentando usar o lápis de sua imaginação.
NECESSIDADE DE ACEITAÇÃO GUILHERMO MOURA
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Estranha e triste a necessidade Essa que vejo de monte Em cada canto dessa cidade Em cada olhar ela se esconde Paro. Analiso de repente... Observo o Bboy, o Mc, o Poeta Busco afundo algo coerente Em tanta gente vazia; a necessidade afeta
A necessidade vem no desespero, é foda “Preciso ser aceito” E nessa busca por aceitação é inventada a era da moda Moda de estragar com movimento faltando com respeito
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Vi manos e minas na net Se dizem grafiteiros essas almas perdidas Com a lata e a camera eles “compet” Mandando tag e postando pra ver quem tem mais (podia ser hashtag aqui rs) curtida Lamentável... vou falar pra você Tem grafiteiro que diz que não é do Hip Hop É rir pra não chorar, pode crê É como falar que Jimi Hendrix não colou no Woodstock
Tem Bboy em todo lugar Quanto tempo na estrada? Nem um ano! Não pode ver outro que já quer batalhar Do jeito que anda jaja capaz de foderem até com o Sarau Urbano! Só que não. Nosso quilombo é sagrado Aqui pra ser aceito basta entrar Um lugar que só tem aliado A união jamais vai acabar Tem anarquista que não conhece Bakunin Comunista que não leu o Manifesto Vi taxista liberal que achou a livre concorrência ruim Depois eu que estou errado porque contesto Contestei o fanatismo É engraçado... aqueles Entram de cabeça em um Que de justos e dignos Ao invés de apenas por oprimidos
mais perdidos fanatismo se tornam opressores fim na opressão dos
Só peço um basta, um fim Você precisa se aceitar Ser você não é ruim É representar, neguin!
GAIVOTA COM RAIO LASER MICHELLE MENDONÇA
O MARGINAL OMARGINAL@OUTLOOK.COM ARTICULAÇÃO
DIEGO MODESTO
DIREÇÃO DE ARTE PRODUÇÃO REVISÃO
CAMILA MOROTTI
CASA ROSA EDITORA RODRIGO BARBOM + MICHELLE MENDONÇA MENDONÇA
COLABORADORES ANA CAROLINA CABRAL + ANTÔNIO DE AZEVEDO JR + BRENO ARAGON + BRUNA FERREIRA + CAMILA MOROTTI + CAMILA PUNI + DIEGO MODESTO + GUILHERMO MOURA + ISRAEL CASSUCI + MANOELA D’ GOMES + MICHELLE MENDONÇA + RODRIGO BARBOM + RODRIGO ASSIS. GRATIDÃO POR VOCÊS!