Introdução à Literatura Africana Lusófona 1

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Literatura Africana  A literatura africana de expressão

portuguesa nasce duma situação histórica originada no século XV, época em que os portugueses (navegadores, comerciantes, aventureiros, cronistas, poetas, historiadores, escritores de viagens, cientistas) iniciaram tanto a rota de África (continuando depois pela Ásia, Oceânia e América) como a literatura dos descobrimentos.


Esta literatura, nascida duma experiência universalizadora, nada tem a ver com a literatura africana de língua portuguesa. O conceito serve apenas para contextualizar no passado factos relacionados com o quadro político-cultural que séculos depois havia de surgir. A partir do século XV inicia-se o processo de colonização em África, o que condiciona, séculos mais tarde, o aparecimento da literatura colonial (1900-1939).


Em que difere a literatura colonial da literatura dos descobrimentos?  Enquanto a literatura dos descobrimentos se

baseava no relato de viagens feito por navegadores, escritores ou comerciantes e narrava factos ocorridos ao longo dessas viagens, a literatura colonial retratava a vivĂŞncia de portugueses/as no alĂŠm-mar.


Nesta literatura, o centro do universo narrativo é o ser humano europeu e não o africano. Era uma literatura directa ou indirectamente racista, onde predominavam as ideias de inferioridade do ser humano negro. Partiam de teóricos racistas, como Joseph Arthur de Gobineau ou Lucien Lévy-Bruhl, com a sua tese de mentalidade pré-lógica. Nesta literatura, a África era vista apenas como uma linda paisagem, ou um paraíso, e a/o protagonista dessa paisagem era o ser humano europeu.


 Os discursos racistas da literatura colonial eram fruto

da mentalidade da época. Todavia, houve escritores como João de Lemos (Almas Negras) e José Osório de Oliveira (“Roteiro de África”) que tentaram entender a mentalidade do ser humano negro.

 O que impulsionará o aparecimento duma nova

literatura chamada literatura africana de expressão portuguesa serão a criação e o desenvolvimento do ensino oficial e o alargamento do ensino particular, a liberdade de expressão e a instalação da imprensa nas colónias (a partir da década de 40 do século XIX).


 Após a instalação da imprensa em Angola,

ocorre a publicação do livro “Espontaneidade da minha alma” (1849) do angolano mestiço José da Silva Maia Ferreira, o primeiro livro impresso na África lusófona.  Anterior a esta, há conhecimento do texto da cabo-verdiana Antónia Gertrudes Pusish, "Elegia à memória das infelizes vítimas assassinadas por Francisco de Mattos Lobo, na noute de 25 de Junho de 1844”, publicado em Lisboa no mesmo ano.


 A literatura africana designa um conjunto de

obras literárias que traduzem uma certa africanidade: A África é o motivo da sua mensagem ao mundo e os processos técnicos da sua escrita se erguem contra o modismo europeu e europeizante. Tem sido designada literatura neo-africana (John) por ser escrita em línguas europeias e para diferenciá-la da literatura oral produzida em língua africana. Nesta literatura, o centro do universo deixa de ser o homem europeu e passa a ser o ser humano africano.


 A literatura africana de expressão portuguesa, teve

a sua origem através do confronto, da rebelião literária, linguística e ideológica, da tomada de consciência revolucionária a partir da década de 40 do século XX. Era uma literatura dirigida aos africanos e escrita em línguas locais em mistura com o português. O propósito era tornar a escrita inacessível aos europeus, isto é, não permitir ao branco descodificar as suas mensagens. Daí a introdução nas obras de poetas angolanos (Agostinho Neto, António Jacinto, Pinto de Andrade, Luandino Vieira, etc.) de palavras e frases idiomáticas em quimbundo e umbundo, e em muitos outros autores africanos como Mutimati Bernabé João (Moçambicano).


 Esta fase vai de meados da década de 40 até

às independências (meados da década de 70). “A vida verdadeira de Domingo Chavier” de Luandino Vieira e “Sagrada esperança” de Agostinho Neto são textos impregnados de marcas visíveis da revolta política.  A literatura africana combate o exotismo sob todas as formas, quer se apresente recuperando narrativas tradicionais, quer utilize ritmos significantes emprestados das culturas populares.


Négritude / Negritude  Renascimento negro, Indigenismo, Negrismo:

Surge a princípios do século XX principalmente nos EUA e nas Caríbas  Léopold Sédar Senghor: “[A negritude representa a] totalidade dos valores culturais do mundo negro”  1937: Léon Dumas, Pigments  1939: Césaire Aimé (Martinique): “Cahier d’un retour au pays natal”, publicado na revista Volonté, reeditado em 1947 com refácio de André Breton


Léopold Sédar Senghor (1906-2001)  1939: “Ce que l’homme noir apporte”  1949: Anthologie de la nouvelle poésie nègre

et malgache, com prefácio de Jean-Paul Sartre (“Orphée noir”)  1964: Négritude et Humanisme  A obra de Senghor redescobre a história e a cultura africanas, como também a sua diáspora e prepara a ideia do Panafricanismo, inspirado pelo marxismo  “A emoção é tão negra como a razão grega”


 Segundo Senghor, a negritude caracteriza-se por

uma ontologia existencial que o sujeito ocidental não é capaz de entender ou recriar  O indivíduo africano encontra-se inserido num sistema harmónico-hierárquico que abrange deuses, espítitos, ancestros, seres humanos, animais, plantas e minerais – todos eles sem diferenças essenciais


 A arte africana nunca poderá ser a obra dum

indivíduo, mas o produto duma comunidade: “o valor da arte africana não reside no lúdico ou no prazer estético, mas sim no seu significado”  O realismo africano seria, em termos europeus, uma espécie de surrealismo (cf. esculturas e literatura oral anónima)  “O ritmo é a força ordenadora que define o estilo negro”  A obra de Senghor caracteriza-se por um pendor místico, essencialista e generalizante que não teve em conta as especificidades das diferentes culturas africanas


Negritude, resumo  Busca de identidade  Desalienação  Defesa do patrimónioe do humanismo dos povos    

negros Recusa da assimilação de modelos externos Consciência dos contributos da aculturação (p.ex. da urbanização) Criação dum estilo próprio para desmarcar-se dos modelos ocidentais Aimé Césaire (1950): “inaudita traição da etnografia ocidental” com a sua “desumanização progressiva”


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