PIET MONDRIAN e a sua multiplicidade
Auto-retrato, 1918 òleo sobre tela, 88x 71 cm. Gemeentemuseum, Haia
“The position of the artist if humble. He is essentially a channel.”
Piet Mondrian teve uma enorme contribuição, até mesmo revolucionária, para a pintura moderna. Foi apenas em 1942, com 70 anos de idade que Mondrian faz a sua primeira exposição individual, não obstante de ser já conhecido desde a I Guerra Mundial. O pintor inicia a sua carreira numa fase figurativa e imitativa, de mimésis, mas que é quebrada com os princípios cubistas, que adquire durante a sua estada em Paris, em 1911. Assim, ganham vigor as figuras geométricas como rectângulos, quadrados, círculos e as suas combinações e, igualmente, as cores primárias, como o azul, o vermelho e o amarelo, que passam então a ser elementos indispensáveis e muito presentes na pintura de Mondrian. Neste novo “conceito” artístico e dentro desta nova visão plástica da arte, o neoplasticismo usava como elementos base uma superfície bidi-
Árvore, 1911
mensional rectangular e as três cores primárias. As linhas verticais e horizontais formam os limites das zonas de cor, em plena harmonia e sintonia com a arquitectura. Tudo isto era dispartido e justaposto de forma a conseguir-se uma organização e um significado plástico tido como “arte pura”. Sem eliminar qualquer tipo de sentimento, a pintura de Mondrian tem como objectivo estabelecer a verdadeira relação da equação do universal e do individual, em equilíbrio entre forma e cor, capaz de revelar ao observador as leis da realidade. Para ele, o tempo é um processo de fortalecimento, a transposição do individual para o universal, a passagem do subjectivo para o objectivo, o concreto, até alcançar a essência das formas, dos elementos e de nós mesmos. “The position of the artist if humble. He is essentially a channel.”, Piet Mondrian.
Árvores, 1912
Museu de Arte Contemporânea de Barcelona Uma vez reconhecido o grande interesse na obra de Mondrian, também pela sua diversidade de fases que compõe a sua carreira artística, o Museu de Arte Contemporânea de Barcelona irá realizar, em sua homenagem, uma exposição que irá decorrer durante todo o mês de Junho e terminará em Fevereiro do próximo ano. Assim, foram seleccionadas algumas das obras do pintor de forma a representar e mostrar ao público observador as diferentes fases e formas de representação da carreira do artista. Começamos então por expor as obras seguindo uma ordem cronológica.
Paisagem Holandesa
Casa solitária, 1898-1900
Ao estilo de paisagem emocional de Kandinsky, talvez se contraponha a paisagem "racional" de Piet Mondrian. Partindo de referências muito próximas daquelas usadas por grande parte dos artistas, Kandisnky e Mondrian radicalizaram as suas experiências na direcção de uma
Nas suas primeiras obras os temas recorrentes serão os prados tranquilos onde pasta o gado, os moinhos de vento ou granjas de qualidades terrosas que se confundem com o arvoredo. Esta é uma obra que suscitou alguma controvérsia acerca da sua dotação. Perante a opinião mais estendida, certos autores opinam que o uso anti-naturalista da cor e o tratamento geométrico que o pintor dá à casa faz-nos pensar que a obra seria posterior. abstracção racional, de inspiração teosófica. Não deixa de ser surpreendente que um pintor que seria chamado a protagonizar uma das eras mais revolucionárias da arte moderna reproduzisse, até aos trinta anos de idade, uma arte relativamente convencional.
Granja de Nistelrode, 1904-1905
Esta obra é uma de duas aguarelas semelhantes realizadas pelo pintor que mostram e testemunham o gosto do pintor pela paisagem das granjas típicas holandesas durante os primeiros anos da sua carreira. Mondrian escreveu, com respeito a obras como estas, “Preferia pintar a paisagem e as casas com tempo cinzento e sombrio ou então com um sol violento, quando a densidade da atmosfera apaga os objectos (...). Nunca pintei essas
coisas românticas, mas que, desde o princípio, sempre fui um realista”. A forte e incidente luz solar está bem representada na obra pela existência e aplicação de cores vibrantes e contrastantes como o azul, o vermelho, amarelo e rosa, juntamente com os castanhos, verdes e azuis. As cores e a pincelada rápida conferem a esta obra um carácter expressivo, momentâneo e espontâneo, ainda com reminiscências naturalistas.
A Libertação da cor Este foi um dos motivos pelo qual Mondrian se interessou bastante. Na obra teórica que realizou, "Realidade Natural e Realidade Abstracta", o pintor qualifica como muito bela a imagem de um moinho que se recorta no céu, fortemente iluminado pelo sol. Vários são os aspectos atractivos para o pintor, como a mole que se impõe a curta distância do observador e, principalmente, a forma da cruz em aspas, cuja disposição ortogonal é, segundo ele, "a base de tudo". Esta obra, com uma técnica divisionista, mostra um edifício, à priori sólido, bastante diluído, parecendo até mesmo que se vai incendiar a qualquer momento sob a intensa luz solar. Esta obra representa, igualmente pela sua expressividade, a libertação do artista relativamente à utilização da cor e ainda à própria técnica, pela pincelada extremamente rápida e texturada que mostra a avontade e domínio do artista na captação do efémero. As obras desta época realizadas pelo pintor constituem um episódio muito pouco evolutivo e significativo na obra do pintor. Utiliza um colorido dramático e uma pincelada muito expressiva, muito dentro do que Munch, ou os restantes elementos do grupo fauvista A Ponte, transmitem uma sensibilidade à qual Mondrian foge frequentemente. Aqui, o luar é tão intenso quanto a luz do dia. A luz fortemente direccionada, quase em feixes de luz, passa através do arvoredo iluminando todo o ambiente nocturno envolvente, dando-nos a noção de noite iluminada. Os reflexos das árvores na água, com os brilhos correspondentes, mostram e comprovam a mestria de Mondrian no uso da técnica e no desenho. A utilização de algumas cores, como o amarelo e o vermelho, quase contradizem este cenário nocturno, uma vez que são cores que não pertencem à realidade noctívaga. Relativamente à sequência das linhas verticais (troncos), estas dão-nos a ideia de vastidão do bosque, da sua profundidade e continuidade do espaço. Outro dos aspectos mais interessantes nesta obra são as semelhanças que esta contém com as obras de Munch, nomeadamente o célebre O Grito.
O moinho ao sol, 1907-1908
Bosque cerca de Oele, 1908
O Grito, 1893 Munch
Natureza- morta com vaso de gengibre II, 1912
Este é um quadro que marca uma outra, e nova, fase na carreira de Mondrian. Os temas naturais, com alguma significância para o pintor, sofrem agora um processo de intelectualização que os ordena em ritmos estruturais. Estamos perante os ideais cubistas, aos quais a obra e consequentemente o pintor mostram ter boa assimilação, e que Mondrian leva a cabo durante alguns anos. É bastante evidente a influência de Picasso e Braque nesta obra: os elementos figurativos reduzem-se drasticamente, distinguindo-se apenas o grande vaso e alguns copos, sendo que o esvanecido cromatismo aproxima-se das composições ocres que, por esta época, pintavam os anfitriões do cubismo. Mondrian foi o senhor absoluto da sua técnica, e esta natureza-morta é bem clara nesse aspecto. É uma obra que revela o virtuosismo que adquiriu
A Via Cubista
no maneio de uma nova expressão: nova disposição de volumes, dados através do contorno a preto e não pela gradação de cores e presença de sombras, agora muito valorizados, segundo um árido construtivismo mecânico e grande dinamismo, através da multifacidade de planos, não cansavam a visão do observador. A paleta cromática uniforme e harmoniosa, variando dentro dos mesmos tons e a conjugação e disposição dos vários planos, constituídos maioritariamente por formas geométricas, remetem-nos para a realidade de Picasso.
Neoplasticismo Esta foi uma obra de Mondrian iniciada durante a sua estadia em Inglaterra e concluída quatro anos depois nos E.U.A. É uma obra que vai contra toda a produção vigente dos finais dos anos trinta, devido à criação e reprodução da superfície colorida e em simultâneo a importância que é dada à trama ortogonal. Este quadro caracteriza aquilo que foi a última fase da obra do pintor, uma fase mais livre, racional, abstracta, espontânea e colorida, sendo esta de uma forma muito primitiva. É também demonstrativo da disciplina e a assimilação da lição cubista. Completamente desprendido de qualquer objecto figurativo, estas representações não partem de nenhum elemento recolhido da natureza. Trata-se de sucessões autónomas de formas geométricas, regradas criteriosamente de forma a criar-se um ritmo e compostas com cores suaves para a criação de um ambiente, de forma antagónica, instintivo e racional, ordenado e caótico e intelectual e poético. O choque e em simultâneo a atracção do observador está exactamente na economia das cores, e das linhas estruturais, limitadas a rectas ortogonais que se vão cruzando durante toda a obra. Um dos objectivos do pintor é tornar o subjectivo em algo objectivo, sendo que um quadrado será sempre um quadrado e um rectângulo sempre um rectângulo. Esta sua fase artística ensinanos a ver a verdade das formas reais. É um dos estados últimos da criatividade do autor, de quem abriu caminho ao universo tão ligado à era dos computadores electrónicos, das naves espaciais e dos satélites de comunicação. É claramente uma arte racional e disciplinada, mas igualmente rica de ritmo, emoção, sequência, que constitui uma vertente da tecnologia
Place de la Concorde,1939-1943
Para saber mais Génios da Pintura – Modernos (II), Editora: Abril Cultural, Brasil, 1984. Grandes Pintores do século XX – Mondrian, Editora: Globus, Madrid, 1995. ISBN: 84-8223-073-5
História da Arte e Cultura da Época Conteporânea II Professora Doutora Maria Leonor César Machado de Sousa Botelho Vilar Gomes
Ana Sofia Ferreira Ribeiro, Maio de 2013 Faculdade de Letras Universidade do Porto