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No E@D temos mais dúvidas, acreditamos menos
No E@D temos mais dúvidas, acreditamos menos
Luís Gonçalves
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“É necessário, em tempos de adversidade, procurar motivos que alimentem o entusiasmo. (…) Poucas profissões oferecem um tipo de compensações tão belas, tão profundas e tão ricas. Não é em vão que o professor trabalha com as ideias, com os sentimentos, com as atitudes, com os valores, com as expetativas, com as ilusões…” (Guerra, 2003, p 152)
A ideia espelhada nas frases de Miguel Santos Guerra, na obra, No Coração da Escola - estórias sobre a Educação, apesar de não ser de fevereiro de 2021, podia ter sido um dos principais desafios para nós educadores. Creio que terá sido essa, a principal aprendizagem que todos poderíamos/pudemos ter feito. Seria suficiente ver e ouvir os media para chegarmos a essa conclusão. As plataformas online já tinham sido aprendidas no primeiro confinamento, nessa altura, foi até motivo de distração, porque era novidade. Agora retomávamos o confinamento, já não havia novidades e pouco havia a descobrir. O desafio foi olhar para os quadrados que nos apareceram nos écrans dos computadores e tentar ver, olhar e reparar (isto é sempre o mais complicado!). Aprendemos a ouvir mais os alunos e em alguns casos, ajustámos o “nosso passo” ao “passo dos alunos”. Na aula presencial nem sempre é assim, pois acreditamos que os alunos aprendem tudo o que nós ensinamos. No E@D temos mais dúvidas, acreditamos menos. Ao ouvirmos os alunos sobre o que eles pensam, ficámos mais conscientes de como eles se sentem e de como se veem neste momento único (para eles e para nós). Nos testemunhos que pedi aos alunos surgiram alguns aspetos relacionados com os computadores, no entanto, acredito que a aprendizagem terá sido mais ao nível do coração. Transcrevo alguns dos testemunhos:
Aprendi por exemplo que ficar sem ver os amigos muito tempo pode ser muito mau. Mas aprendi também coisas boas, a tecnologia pode ser útil para a aprendizagem. (A. L.)
Aprendi que ficar em casa é bom, mas muito tempo é mau (M.V.)
Aprendi a ter mais confiança nas pessoas. (A.M)
Aprender durante o período de confinamento não é a mesma coisa. Eu e os meus amigos temos a tentação de ver vídeos ou mesmo não prestar atenção. Outra coisa que aprendi foi que é diferente fazer os trabalhos, os testes e até mesmo os trabalhos de grupo. O que vale é que dia 5 de Abril vamos para a escola outra vez. (T.B.)
Não tenho a certeza se aprendi muito, mas fico feliz por agora escrever mais depressa.
Não foi fácil para ninguém e disso tenho a certeza, mas se há algo que aprendi mesmo é que temos muitos privilégios (até mais que a nobreza na idade média), porque só o facto de termos um computador para termos aulas online já é incrível. Outra coisa que aprendi é que a infância só acontece uma vez, por isso tenho de aproveitar ao máximo, em cada dia, cada aula e até quando estou a lavar os dentes. E quando vou dormir penso sempre: "Que dia esgotante, amanhã vou cansar-me mais para descansar outra vez”.
E aqui está, rotina de quarentena, só espero não me habituar a acordar mais tarde! (R.P)
Aprendi muita coisa entre fevereiro e março. Aprendi a concentrar-me mais dentro do contexto das aulas, pois a quantidade de objetos à nossa volta pode influenciar-nos. Aprendi a regular o cansaço, porque depois de olhar para ecrãs a maior parte do dia, fica-se cansado e temos de nos adaptar e normalizarmo-nos estando cansados, ou então, evitar isso de forma mais responsável, sendo a segunda opção a mais viável. Para
acabar, aprendi a aproveitar e a dar valor ao que temos, como por exemplo ir à rua. Sair de casa era uma coisa normal e que rejeitaria muitas vezes, enquanto que agora é quase interdito, eu gosto de sair quando posso. (M.F.)
Termino com uma pequena passagem da Exortação Apostólica Cristo Vive (2019, p.97) do Papa Francisco, que é simultaneamente uma preocupação e um desafio para nós que somos educadores: “Tenho visto, por vezes, árvores jovens, belas, que elevam os seus ramos para o céu, procurando sempre mais e parecendo um campo de esperança. Mais adiante, depois de uma tempestade, encontrei-as caídas sem vida.” É o perigo de uma escola que não vai além dos programas e do currículo. Agarrar os nossos alunos à terra, ajudá-los a terem raízes fortes através da alegria de aprender, alimentar a curiosidade e criar-lhes vontade de serem construtores do seu próprio conhecimento, são as formas de ultrapassar os embates que vão surgindo. Acredito que foi isto que aprendemos e que é isto que faz sentido para nós que somos educadores.
Luís Gonçalves e alguns alunos do 6º D do Externato Marista de Lisboa