Apresentação Não demorou quase nada – aliás, apenas alguns minutos - para perceber como eu estava despreparado para os códigos básicos de sobrevivência em Harvard. Para colher ideias ao meu projeto digital de jornalismo comunitário, marquei uma entrevista na Nieman Foundation, localizada num casarão imponente da número 1 da Francis avenue, em Cambridge. Disseram-me que era fácil chegar lá. Nem dez minutos da minha casa, talvez menos. Meu corpo ainda estava quente do tórrido verão brasileiro, deixado para trás há alguns dias. O caminho até o local estava tomado por obstáculos de neve. Ventava muito: minha luva parecia uma peneira. Não usava gorro. Meu sapato, diante da neve que entrava pela meia, parecia uma sandália. Para piorar, preferi seguir meus instintos e não analisei antes o trajeto. Não tinha ninguém por perto para dar informação. Ao entrar naquele casarão aristocrático, acomodado num salão aquecido, ouvi uma frase que sintetizaria toda a ansiedade em relação ao meu projeto em particular. E ao meu futuro profissional em geral. Responsável pelo Nieman Lab – um observatório de jornalismo digital - , Joshua Benton disse o seguinte: “É um momento extraordinário para o jornalismo. Mas terrível para os jornalistas”.
Nunca tantas notícias chegaram a tanta gente, graças às novas tecnologias. Mas nunca se teve tanta insegurança sobre como manter modelos de negócios sustentáveis. Chegaram até a inventar um software capaz de escrever artigos no lugar dos profissionais. Somos obrigados acompanhar diariamente os novos algoritmos que criam diferentes conexões e até mesmo ficar atento a descobertas da neurociência sobre o impacto da tecnologia de informação do funcionamento do cérebro para saber como a captação de dados se processa pelos jovens leitores. Fui formado na imprensa escrita, sem nenhum treino para interatividade. Para ser sincero, fomos educados com a sensação de que sabíamos sempre o que era importante para o leitor. O máximo de interatividade eram as cartas enviadas à redação, quase sempre desprezadas. Brincávamos que o autor de cartas para a redação deveria ser alguém desocupado. Sempre tento me manter atualizado tecnologicamente, mas estou longe de ser o que se chama um “Digital Native”. Eu deveria, portanto, me sentir uma vítima dos “tempos terríveis” para o jornalismo. Ainda uso caneta tinteiro. Não só uso relógio ( algo exótico para muitos jovens), como ele é de corda. Não dispenso a leitura do jornal em papel. E estou longe de aposentar meu hábito de ler livros que dependam do selvagem corte de árvores. Às vezes, andando no campus de Harvard, sentia-me, com todos esses apetrechos, um museu ambulante. Certa vez, cercado de jovens da Harvard Business School não conseguia me lembrar como se falava em inglês relógio de corda – e ali ninguém sabia, apesar de quase todos serem americanos nativos. A frase do casarão número 1 da Rua Francis foi uma espécie de mantra durante minha estada em Harvard, onde fui convidado para participar de uma incubadora de projetos sociais, envolvendo as escolas de administração pública, negócios, direito e educação.
Trouxe a ideia do Catraca Livre, desenvolvida na cidade de São Paulo, a partir de uma constatação. Não existia um local em que se pudesse encontrar todas essas informações sobre o que existisse de graça ou a preço popular, envolvendo desde educação, saúde, formação profissional até atividades culturais – uma espécie de GPS da cidadania. Como o tempo, vi que essa informação não está disponível de forma organizada e atraente não só em São Paulo, mas em nenhuma lugar do mundo. Os dados estão espalhados caoticamente, cada organização fazendo sua própria divulgação, na maioria das vezes quase clandestinamente. Era um buraco deixado pelos meios de comunicação, que poderia e, mais do que isso, deveria se preenchido. Estava claro que havia uma necessidade e uma solução inovadora para atendê-la. Será que o modelo seria replicável mundialmente? Justamente aí entrou uma peça fundamental na construção do projeto: o MediaLab ( M.I.T) um dos principais centros de pesquisa de novas medias do mundo laboratório de pesquisa do mundo que, assim como Harvard, também fica em Cambridge. Ali o projeto ganhou o nome de Free City. Neste ano de 2011, minhas colunas publicadas no jornal Folha de S. Paulo refletiram a sensação de viver num lugar tão inventivo e conectado que parecia que o mundo era um bairro. Nesta pequena cidade, está a maior concentração de candidatos ou ganhadores de Prêmio Nobel por metro quadrado. Você está comendo uma pizza e pode estar ao lado de um cientista que criou o sal de reidratação oral, responsável por ter salvo centenas de milhões de vidas. Ou do médico que descobriu o fumante passivo e, graças a ele, não se fuma mais em ambiente fechado. Talvez esteja lá Tim Berners-Lee, também morador de Cambridge, que inventou a combinação de três letras que mudaram seu cotidiano: www. Pode-se encontrar numa festa ou brincando com o neto no parque o idealizador do projeto Genoma ou aquele que é considerado o pai da inteligência artificial. Talvez o inventor do e-mail.
Nesse ano que estou aqui vi nascer um centro de pesquisa com a tarefa nada modesta de encontrar melhores tratamentos (quem sabe a cura) do câncer. Juntaram num mesmo prédio médicos e engenheiros. Num centro de pesquisas biológicas conseguiram rejuvenescer um rato e, ali, se cultiva a hipótese teórica da imortalidade. Você pode não acreditar na imortalidade, mas o ratinho, mais jovem, está lá. Acompanhei aqui a articulação, comandada por Harvard, de uma biblioteca universal, com todo conhecimento relevante produzido pela humanidade – e tudo gratuito. Nesse ambiente em que o cotidiano é feito de inventores do futuro que não se conformam com o cotidiano, as pessoas se sentem insignificantes, mas também quase todos iguais. Não dá para saber se aquele jovem sentando num jardim, lendo um livro sozinho, será o futuro presidente dos Estados Unidos ou do Chile, se será a primeira mulher a dirigir um país africano ( Libéria) e ganhará um prêmio Nobel da Paz, se vai um inventar uma Microsoft ou um Facebook. Fiz esse pequeno e-book apenas para falar do ano em que meu mundo virou um bairro, onde quase todos se sentem inventando o futuro. Gilberto Dimenstein
Índice A imortalidade é possível ? - 9 Bairro de inventores - 11 Cérebro de pipoca - 13 Milagre da multiplicação dos pastéis - 14 A escola mais global do mundo - 17 Haverá emprego para nós? - 19 Você não daria nada por Jobs - 21 O livro de papel já morreu ? - 23 Venenos da cidade - 25 O princípio do progresso - 27 Laboratório de felicidade - 29 Professor no paraíso - 31 Brincando com o futuro - 33 Bairrismo vira Cult - 35 Fantasia Brasil está na moda - 37 A receita de sucesso - 39 Câncer une as melhores universidades - 41 Mais estúpidos ou inteligentes? - 43 Como aprender a fazer negócios - 45 O sucesso dos fracassados - 47 A educação dos milionários - 49 Meu inferno é mais - interessante - 51
A imortalidade é possível? A possibilidade de descoberta da fonte da juventude é levada a sério num projeto desenvolvido num laboratório da faculdade de medicina de Harvard, onde se conseguiu deter o processo de envelhecimento em ratos. Se funcionaria entre humanos não se sabe, mas as pesquisas serviram para estimular a hipótese de que teoricamente a imortalidade não é uma maluquice. A pergunta que alguns dos cientistas fazem é baseada na ideia: as pessoas morrem porque ficam doentes, mas e se nunca ficassem doentes? Enquanto a imortalidade não chega, os ratinhos rejuvenescidos trazem a esperança -e, aí sim, concreta -de que se possa enfrentar melhor uma série de problemas como demência, derrames ou infartos. Para cada parte do corpo atingido, haveria supostamente um jeito de, com novos remédios, torná-lo novo. Os ratinhos da juventude ajudam a explicar a lista das dez mais promissoras atividades profissionais do futuro, elaborada pelo governo americano, a partir das projeções de mercado de trabalho. Em primeiro lugar da lista está o engenheiro biomédico, que é capaz de lidar com diferentes ramos da medicina e engenharia unindo conhecimentos de biologia, química, física, genética, ciência da computação, robótica. Pode-se fazer uma perna mecânica movida pelo cérebro. Ou remédios inteligentes capazes de enfrentar tumores, preservando as “células saudáveis”. Na semana passada, duas notícias tiveram repercussão: um “nariz eletrônico” capaz de detectar pelo hálito vários tipos de câncer e uma perna mecânica capaz de responder ao movimento do corpo. Tudo isso significa um desmonte no jeito que se transmite o conhecimento, provocado em parte pelo mercado de trabalho. “Em nenhum lugar se ensina
a ser cientista de mídias sociais para entender como as pessoas interagem nas redes digitais, que é hoje um negócio bilionário”, diz Paulo Blikstein, engenheiro que dirige em Stanford um laboratório que une ciência da computação e pedagogia para descobrir formas mais eficientes de aprender. Um cientistas de mídias sociais pode estudar, por exemplo, em biologia como os micróbios se comportam, seguindo padrões semelhantes aos produzidos pelo fluxo de informação. Pode também conhecer melhor a atitude humana a partir das novas descobertas sobre o átomo. “As disciplinas estão derretendo”, acredita Blikstein. Um jornal eletrônico chamado News.me sabe o que você mais gosta de ler, sugerindo artigos, links e comentários. Mesmo que o computador esteja desligado, o News.me seleciona artigos para serem lidos mais tarde. Se você estiver lendo esta coluna, por exemplo, conforme seu perfil, textos complementares vão aparecendo. Além disso, o que é lido é compartilhado com seus amigos em tempo real, o que acaba interferindo na notícia. Isso significa que as Redações do futuro vão estar povoadas de engenheiros, orientados por cientistas em mídias sociais. Será que as faculdades de jornalismo estão preparadas? Ver o mundo a partir de Stanford é enxergar na primeira fila a revolução das mídias sociais e o nascimento de novas carreiras. Em seus dormitórios se inventaram empresas como Google e Yahoo. Aquela universidade foi uma das alavancas do Vale do Silício, na Califórnia, onde germinaram empresas como Apple, Intel, Twitter ou Facebook. Como o mundo acadêmico não consegue acompanhar o ritmo, as empresas se transformam em centros de treinamento. Daí a universidade criada pelo Google. Quanto mais sofisticada a empresa, mas ela gasta em treinamento e pesquisa, formando suas próprias escolas. Um dos diferenciais de Stanford foi apressar o derretimento das disciplinas, apostando em centros de pesquisa no campus que unificassem os mais diversos profissionais. Assim, é possível ter numa mesma sala aquele que desenvolve um software para o Twitter e o biólogo que analisa a propagação de micróbios. O modelo se dissemina por todos os lados. Com o objetivo de encontrar a cura do câncer, o MIT se ligou a Harvard e criou um centro de pesquisa onde trabalham todas as possíveis profissões. Estão no mesmo prédio bioinformáticos, biofísicos, bioquímicos, físicos, matemáticos, engenheiros especialistas em computação, nanotecnólogos. “É como se estivéssemos voltando à Renascença”, compara o neurocientista Miguel Nicolelis, que ganhou renome mundial ao desenvolver próteses comandadas pelo cérebro. Em nenhum lugar se vê isso tão claramente como na saúde. Na lista das dez profissões mais promissoras, 60% delas são funções ligadas a ela. Esse cruzamento de saberes faz qualquer coisa -até a imortalidade- parecer possível. (publicado em 24 de abril)
Bairro de inventores Formado em matemática pela Universidade de Brasília, Yuri Ramos estudou administração no MIT e, neste ano, abriu uma empresa, batizada de mob376, para desenvolver programas destinados a tablets e celulares. Descobriu, então, que, pagando apenas R$ 400 mensais, ele teria à sua disposição diariamente uma estação de trabalho, salas para reunião e uma cozinha repleta de barras de cereais, salgadinhos, chocolates, sorvete, refrigerantes e vários tipos de cerveja. “Só o que eu como já alivia parte dessa conta”, afirma Yuri. A generosa cozinha não é nada em comparação com as demais vantagens. A seu lado, circulam empreendedores dos mais diferentes países e idades, todos obcecados pela ideia de abrir uma “star-up”- uma empresa iniciante focada em inovação. Mas também circulam investidores com vontade e dinheiro (muito dinheiro) para apostar em projetos. Até pouco tempo atrás, o bairro em que Yuri abriu sua empresa era um pântano e ainda é quase desconhecido internacionalmente, mas, segundo o Boston Consulting Group, em nenhum lugar do mundo existem tantas “start-ups” por metro quadrado. A mão de obra qualificada atraiu empresas como o Google, a IBM, a Microsoft e a Novartis, entre muitas outras. Mesmo nos Estados Unidos, Kendall Square é pouco conhecido. Fica em Cambridge, vizinho de Boston. A transformação de um pântano em um centro planetário de inovação explica-se por uma simples razão. O bairro está entre o MIT e Harvard, onde jovens alugam escritórios ou minúsculas estações de trabalho para abrir suas empresas e aproveitar a rede de conexões locais. A imagem que sintetiza o espírito do lugar está no chão. Há duas semanas, foi inaugurada ali uma praça dos inovadores. Nomes de empreendedores famosos, como Thomas Edison, Steve Jobs ou Bill Gates, estão gravados no chão, numa versão empresarial da calçada da fama de Hollywood. Ao passar pelas placas, o celular capta a história de cada um daqueles inventores.
A efervescência é especialmente visível no prédio em que está Yuri Ramos, batizado de Cambridge Innovation Center, que, sem querer, virou um misto de hub com incubadora. “Não sabíamos o que estávamos fazendo”, conta Tim Rowe, que é filho de professores universitários (de Harvard e do MIT). Para ajudar sua mulher a desenvolver uma empresa, Tim alugou uma sala. Pouco tempo depois, alguns pesquisadores se interessaram em dividir o espaço para economizar dinheiro. “Percebi que havia ali um mercado.” Atualmente ele aluga vários andares num prédio (“Vou alugar mais e mais”, entusiasma-se), onde criou um ponto de encontro para quem inventa e para quem está disposto a patrocinar a invenção. “A inovação está no DNA da cidade. Basta lembrar que aqui, por exemplo, se fez a primeira ligação telefônica da história da humanidade, em 1876, que aqui foi realizada a primeira demonstração do uso da anestesia e que aqui se viabilizou a industrialização da penicilina”, conta Tim. Além de tecnologia da informação, a biotecnologia é um dos grandes focos de Kendall Square. Nas redondezas, afinal, estão centros de pesquisas sobre o câncer, o cérebro e o genoma. No Media Lab, do MIT, há um departamento dedicado apenas a implementar tecnologia da informação em medicina, do desenvolvimento de próteses a aplicativos de saúde para celulares. Mas, para fazer do lugar um hub empresarial, não bastavam a abundância de talentos e as universidades. A prefeitura logo percebeu que estava diante de uma chance de gerar empregos e impostos. Criou-se uma associação, na qual se envolveu a comunidade. Um dos protagonistas era o hotel Marriot, interessado em fazer do local um centro mais efervescente. Salas do hotel serviram de campo neutro para que se pensasse um projeto. O hotel colhe resultados, já visíveis na sua taxa de ocupação. Nos últimos seis meses, foram abertos 15 restaurantes no bairro; cinco nos últimos 30 dias. Aposta-se que, em pouco tempo, a paisagem desoladora noturna vá mudar. Já começam a ser construídos empreendimentos residenciais, o que talvez traga a boemia e, com ela, mais alegria, transformando o lugar num bairro de verdade. Tim Rowe comentou comigo que um sinal dos novos tempos foi o surgimento de um músico de rua com seu chapéu no chão. Afinal, ali existe mais gente apta a descobrir um remédio contra o câncer do que a tocar um saxofone na rua. (publicado em 02/10)
Cérebro de pipoca O google anunciou um projeto para enfrentar o Facebook, disposto a reinventar a mídia social. A notícia teve óbvio impacto mundial e despertou a curiosidade sobre mais uma rodada de inovações tecnológicas, capazes de nos fazer ainda mais conectados. No dia seguinte, porém, o Facebook reagiu e anunciou para esta semana uma novidade também de grande impacto, possivelmente em celulares. Para alguns psicólogos americanos, esse tipo de disputa produz um efeito colateral: um distúrbio já batizado de “cérebro de pipoca”. Esse distúrbio é provocado pelo movimento caótico e constante de informações, exigindo que se executem simultaneamente várias tarefas. Por causa de alterações químicas cerebrais, a vítima passa a ter dificuldade de se concentrar em apenas um assunto e de lidar com coisas simples do cotidiano, como ler um livro, conversar com alguém sem interrupção ou dirigir sem falar ao celular. É como se as pessoas tivessem dentro da cabeça a agitação do milho explodindo no óleo quente. A falta de foco gera entre os portadores do tal “cérebro de pipoca” um novo tipo de analfabetismo: o analfabetismo emocional, ou seja, a dificuldade de ler as emoções no rosto, na postura ou na voz dos indivíduos, o que torna complicado o relacionamento interpessoal. Sou um tanto desconfiado de notícias alarmantes provocadas pelo surgimento de novas tecnologias. Toda ruptura desencadeia uma onda de nostalgia e de temores em relação ao futuro. Mas algumas pesquisas em torno do “cérebro de pipoca” merecem atenção por afetar o processo de aprendizagem. Uma delas foi realizada em Stanford, a universidade que, por ajudar a criar o Vale do Silício, na Califórnia, impulsionou a tecnologia da informação. Neste ano, Clifford Nass, professor de psicologia social na Universidade Stanford, revelou num seminário sobre tecnologia da informação a pesquisa que fez com jovens que passam muitas horas por dia na internet, acostumados a tocar muitas tarefas ao mesmo tempo.
Ele mostrou fotos com diversas expressões e pediu que os jovens identificassem as emoções. Constatou a dificuldade dos entrevistados. “Relacionamento é algo que se aprende lendo as emoções dos outros”, afirma Nass. O problema, segundo ele, está tanto na falta de contato cara a cara com as pessoas como na dificuldade de manter o foco e verificar o que é relevante, percebendo sutilezas, o que exige atenção. Os pesquisadores estão detectando há tempos uma série de distorções, como a compulsão para se manter conectado, semelhante a um vício. Trata-se de uma inquietude permanente, provocada pela sensação de que o outro, naquele momento, está fazendo algo mais interessante do que aquilo que se está fazendo. Tome o Facebook ou qualquer outra rede social. Chegaram a desenvolver um programa que envia para o celular da pessoa um aviso sempre que um amigo dela está se aproximando de onde ela está. O estímulo, porém, começa no mercado de trabalho. Vemos nos anúncios de emprego uma demanda por pessoas que façam muitas coisas ao mesmo tempo. Mas o que Nass, o professor de Stanford, entre outros pesquisadores, defende é o contrário. Quem faz muitas tarefas ao mesmo tempo, condicionando seu cérebro, fica menos funcional. Não sabe perceber as emoções e trabalhar em equipe, não sabe focar o que é relevante e tem dificuldade de estabelecer um projeto que exige um mínimo de linearidade. Não sabe, em suma, diferenciar o valor das informações. Não deixa de ser um pouco absurdo valorizar tanto os recursos tecnológicos que aproximam as pessoas virtualmente, mas que as afastam na vida real. Daí se entende, em parte, segundo os pesquisadores, por que, em todo o mundo, está explodindo o consumo de remédios de tarja preta para tratar males como a ansiedade e a hiperatividade. (publicado em 03 de julho)
Milagre da multiplicação dos pastéis Quase sem educação formal, a feirante Kuniko Kohakura Yonaha, de 59 anos, nascida em Osaka, no Japão, tornou-se uma celebridade paulistana, conhecida apenas como “dona Maria”. Há uma possibilidade de que, no próximo ano, ela se converta numa celebridade do mundo empresarial, a ser estudada nas principais escolas de negócios brasileiras. Neste ano, o seu pastel foi eleito, pela segunda vez, o melhor pastel de feira da cidade de São Paulo, o que, na cultura paulistana, é uma condecoração e tanto. Sua premiada receita combina sutis raspas de limão com o picadinho. Diante do sucesso, “dona Maria” planeja construir uma central de produção para alimentar, até o final de 2012, pelo menos 200 lojas franqueadas. Até que ponto é possível disseminar experiências como a de “dona Maria”, com seu milagre da multiplicação dos pastéis? Essa é uma das principais perguntas levantadas pela elite americana, a começar do presidente Barack Obama, preocupada em enfrentar o desemprego. Lançou-se aqui, neste ano, com estardalhaço um programa, batizado de “Start up America”, para estimular as pessoas a inovar e a abrir seu próprio negócio. É um programa que, entre várias propostas, como apressar as patentes e criar um sistema de tutoria para talentos, facilita a entrada no país de estrangeiros com espírito empreendedor, no estilo da “dona Maria”.
Devido a essa procura de soluções para o desemprego, ganhou os holofotes um personagem que parece saído diretamente de um roteiro cinematográfico: um empresário que, depois de assaltado por dois jovens em Nova York, decidiu dar aulas de matemática numa escola violenta, temida pelos professores. Com um MBA em uma das melhores universidades americanas, passagem por grandes corporações e ganhando dinheiro numa empresa de exportação, Steve Mariotti deparou-se logo com o desânimo dos estudantes. Boa parte deles parava de estudar porque não via sentido no que era ensinado em sala de aula. “Vi a esperteza dos garotos na rua, lidando com os mais diversos desafios. E se usassem a mesma esperteza para ganhar dinheiro honestamente, abrindo seus próprios negócios?”, pergunta Steve Mariotti. Dessa pergunta, nascida num bairro violento de Nova York (South Bronx), surgiu uma ideia capaz de inovar o mundo -e que serve perfeitamente para o Brasil. Sem conhecer quase nada de teorias pedagógicas, Steve criou uma espécie de MBA para ensinar os jovens a abrir o próprio negócio, aproximando-os de linhas de financiamento. “Ficou mais fácil transmitir coisas que eles detestavam, como matemática.” Também ficou mais fácil estimular a prática da leitura e da escrita, tudo focado no empreendedorismo. O ex-empresário transformou-se em case estudado nas escolas de educação americanas. Os alunos melhoraram o desempenho em sala de aula. Tendiam a cursar faculdades e a abrir negócios. A experiência está sendo reproduzida até fora dos EUA, por meio de uma fundação criada para ensinar empreendedorismo em comunidades pobres, sobretudo nas escolas públicas. Montou-se uma rede de experientes executivos para serem tutores de cada projeto, agora com a facilidade das redes sociais. O que eles estão conseguindo é fazer para os pobres o que já existe com abundância entre os mais ricos. Uma das imagens mais interessantes do mundo acadêmico americano é a fila de olheiros nos seminários de estudantes para descobrir projetos onde possam colocar dinheiro. E essa combinação gera as mais diversas empresas inovadoras. Estão conseguindo até inventar redes sociais para facilitar esse processo: jovens postam seus projetos e intermediários saem à procura de patrocinadores. Empreendedor é, em síntese, quem transforma o problema numa solução e sabe multiplicar “pastéis”. O maior desperdício de uma nação é o desperdício de talentos -e essa pode ser uma medida para comemorar ou não a independência de uma nação. (publicado em 04 de setembro)
A escola mais global do mundo Já imaginou passar todos os três anos do ensino médio viajando pelo mundo, que seria transformado numa sala de aula, e, para completar, receber um diploma aceito pelas melhores universidades? Suponha que, em cada cidade, você seja recebido por professores capazes de converter o que seria dado em sala de aula numa experiência. Por exemplo, aprender noções de biologia numa praia da Austrália, questões indígenas numa tribo do Equador, diversidade cultural na China ou tecnologia da informação em Bangalore, na Índia. É exatamente esse o projeto sem fins lucrativos que começa a ser implantado nos Estados Unidos. Chamado de Think Global School, é uma escola que não tem sede. O mundo é literalmente sua sala de aula. A primeira turma é composta de 16 estudantes de 11 países, cujo roteiro acadêmico prevê a visita a lugares como Estocolmo, Sidney, Hong Kong, Berlim, Bangalore e Cuenca (no Equador). “Montamos o roteiro para revelar a diversidade”, disse-me Brad Ovenell-Carter, diretor da escola e professor de literatura mundial. Neste momento, ele está na Austrália. O currículo é dividido em oito matérias: artes, literatura mundial, antropologia, estudos globais (história e geografia), matemática e ciências, além de duas línguas. As aulas são ministradas em inglês, mas, ao final dos três anos, os alunos devem falar espanhol e mandarim. As aulas expositivas são mescladas com palestras de personalidades locais e visitas a vários pontos do país. O currículo é subordinado a pesquisas e a experimentações realizadas pelos alunos, na maior parte das vezes, fora da sala de aula. A preocupação central não é obter uma nota, mas desenvolver a capacidade de se entregar à aventura do conhecimento. “Vamos, porém, prepará-los para fazer os testes de ingresso nas melhores universidades”, conta Brad. O que já dá para perceber, segundo ele, é o amadurecimento dos estudantes. “Embora tenham 15 anos, eles parecem ter 18 ou 19 anos.”
“Quero muito saber em que vai dar”, disse-me a diretora do Projeto Zero, da Faculdade de Educação de Harvard, cujo objetivo é pesquisar e desenvolver novos meios de ensinar. O Projeto Zero foi fundado pelo psicólogo Howard Gardner, criador da teoria das inteligências múltiplas, para quem os seres humanos têm várias modalidades de QI e os educadores deveriam saber lidar com essa complexidade. Desse programa saiu o João Kulcsar, que hoje, no Senac, ensina cegos a serem fotógrafos, numa das experiências mais belas que eu já vi em educação. Feitos para refletir e compartilhar os aprendizados, os blogs dos alunos e dos professores parecem diários de viagem escritos durante as férias. A felicidade dos filhos não custa barato para os pais.A mensalidade fica pelo equivalente a R$ 12 mil, cerca de cinco vezes o que se paga numa escola de elite em cidades como o Rio de Janeiro ou São Paulo. É mais que o dobro do que se paga aqui em Harvard. Pode ser muito dinheiro, mas a verdade é que não é caro. É até muito barato para o que a Think Global oferece. Isso significa, entretanto, que essa ideia não é replicável nem no Alto de Pinheiros, em São Paulo, nem em Ipanema, no Rio de Janeiro, afinal, esse é o ensino médio mais caro de que se tem notícia. Replicável seria usar não o mundo, mas a cidade como sala de aula. É simples, barato e eficiente. (publicado em 06 de março)
Haverá emprego para nós? A pergunta do título desta coluna não saía da minha cabeça enquanto eu assistia, sentado na plateia, à performance de um computador instalado no palco. Minhas sensações oscilavam entre o medo e o encantamento -e até, devo admitir, certo complexo de inferioridade. Fui a um auditório com a ilusão de assistir a uma vitória de humanos -ex-alunos de Harvard e do MIT- contra um computador. Era um teste de conhecimentos gerais, que abrangia de cultura pop a personagens históricos, passando por geografia. A novidade não era o computador guardar tantas informações -cerca de 1 milhão de livros-, mas ele ser capaz de reconhecer as sutilezas da fala humana.Até que os jovens se saíram bem, mas o computador, criação da IBM, batizado de Watson, é imbatível. Enquanto me encantava com as possibilidades que aquela descoberta poderia produzir, ajudando profissionais -médicos, por exemplo- a tomar decisões, ficava imaginando quantos trabalhadores aquela máquina não iria pôr na rua. Talvez minha sensibilidade estivesse aguçada porque, antes de entrar naquele auditório, eu tinha passado a manhã num seminário sobre o futuro do trabalho -e um dos personagens tinha sido o Watson. Ninguém ali era contrário à inovação. Aqueles indivíduos sabem que, embora sejam cercadas de temor no início, pois provocam abalos nas velhas estruturas, as novas tecnologias logo geram diferentes empregos e prosperidade. Perguntavam-se, porém, se havia algo de novo no ar sobre a rapidez com que as máquinas vêm substituindo os seres humanos. Mesmo que a economia volte a crescer rapidamente, o emprego vai crescer? Isso significa o risco de piorar cada vez mais a distribuição de renda.
Um dos palestrantes era Andrew McAfee, pesquisador do Centro de Negócios Digitais do MIT, autor de um recém-lançado livro que está chamando a atenção do mundo acadêmico, cujo título é “A Corrida contra a Máquina”. Logo ele pede: “Por favor, não me confundam com esses tipos que têm medo de novas tecnologias”. Até porque, se fosse assim, ele não estaria naquele emprego. Mas os números que ele tem coletado de economias em várias partes do mundo, especialmente nos Estados Unidos, trazem uma preocupação. Pergunto-lhe em que o temor dos trabalhadores de hoje é diferente do daqueles ingleses, que, na Revolução Industrial, destruíam as máquinas. A resposta: “O problema é que os computadores estão adquirindo cada vez mais rapidamente habilidades que eram essencialmente humanas”. Segundo ele, a tendência deve afetar menos os que estão no topo da pirâmide educacional e os que estão na sua base: empregadas domésticas, garis, passeadores de cachorro, manicures. “Quem está no meio, ou seja, a maioria, vai sofrer.” As novas invenções -e o tal Watson, com seu complexo sistema de reconhecimento de voz, é uma delas- radicalizam esse movimento e, em certos casos, superam com vantagem os humanos, segundo McAfee. “Quantos empregados você conhece que podem guardar na memória o conteúdo de 1 milhão de livros e sabem encontrar a resposta certa quando indagados por uma voz?”, pergunta ele. Programas desse tipo estão sendo usados em escritórios de advocacia e vêm pondo na rua muita gente com diploma de ensino superior. A cada dia, aparecem novidades sobre a capacidade de coletar, armazenar e selecionar dados. Aposta-se até que, com tantos dados gerados pelas redes sociais a cada segundo, seria possível prever o futuro – por exemplo, o que vai ser sucesso na música ou o surgimento de movimentos políticos. Haveria no mundo social leis semelhantes às leis físicas. Chegaram até a inventar a “econophysics” -o uso das leis da física aplicadas à economia. Segundo McAfee, um dos problemas é a velocidade da mudança, o que dificulta o treinamento dos trabalhadores para novas demandas. As escolas e faculdades deveriam estar mais próximas do mercado de trabalho e fazer mudanças em seu currículo quase em tempo real. Aí vai estar quem vê um Watson com medo ou encantamento. (publicado em 06/11)
Você não daria nada por Jobs Está funcionando maior sala de aula de que se tem notícia, na qual estão matriculados centenas de brasileiros, para estudar introdução à inteligência artificial. Até sexta passada, eram cerca de 140 mil alunos -o suficiente para lotar dois estádios do Morumbi. Ninguém paga nada e, no final, ainda recebe certificado de um professor tido como um dos cientistas mais criativos do mundo. Entre suas invenções, está um carro que se locomove sem necessidade de motorista, repleto de sensores por todos os lados. O alemão Sebastian Thrun é diretor do Laboratório de Inteligência Artificial de Stanford, na Califórnia, e se imagina capaz de ajudar a reinventar o ensino, como ajudou a reinventar o automóvel. “Ver tanta procura, com gente de tantos lugares, como vocês, brasileiros, é apenas sinal de que tem uma grande demanda por uma educação acessível de qualidade”, comenta Sebastian. Inventores como ele ajudam a explicar por que Steve Jobs se transformou num sucesso, apesar de ter sido um estudante fracassado. Quando menino, Jobs era punido não apenas pela indisciplina, mas pela rispidez com que tratava os professores. Jobs não conseguiu ficar na faculdade nem seis meses, onde seu mundo era festa, droga e sexo. Só se interessou por algo que, naquele momento, não lhe parecia ter nenhuma utilidade: aulas de caligrafia. Dormia no chão de um dormitório, vendia latas de garrada e, segundo colegas, nem sempre se lembrava de tomar banho. Decidiu viajar pela Índia, onde se apaixonou pelo budismo e pelo LSD. “O LSD foi uma das três experiências mais importantes da minha vida”, revelou. Talvez pudesse até se encaixar no perfil de um futuro artista. Mas de um empresário, obrigado a comandar milhares de pessoas? Admita: se você o encontrasse ali, deitado no chão, com a roupa velha, certamente não daria nada por ele.
Não precisaria explicar aqui que Steve Jobs é um ponto fora da curva, com sua imensa inteligência, intuição e capacidade de aprendizado. Nada disso provavelmente seria suficiente se a vida não o levasse, quando criança, a morar em Palo Alto, onde está Stanford, repleta de tipos inventores e empreendedores como Sebastian Thrun - para quem todo inventor é um ser um pouco infeliz: “Há uma sensação de inquietude enquanto não encontramos soluções, e isso nunca passa. Achamos que o impossível sempre é possível”. Não se tem notícia de nenhuma instituição de ensino superior que tenha gerado tantas empresas. Fala-se em 6.000 empresas. O impacto dessa busca de soluções aparentemente impossíveis era especialmente visível onde morava Jobs, filho de pais com pouca educação. Estava no centro do que depois seria chamado de Vale do Silício. Jobs poderia não ir bem na escola, mas aproveitava as aulas extracurriculares oferecidas por engenheiros da Hewlett-Packard. Aos 12 anos, viu o primeiro computador numa dessas apresentações e imaginou o que faria de sua vida. Um dia ele pediu ao próprio criador da empresa, o legendário William Hewlett, peças para completar seu projeto na escola. Ganhou as peças e um estágio nas férias de verão. Toda a região era como se fosse um campus aberto. Natural que abrisse, na garagem da casa de seu pai, seu laboratório para desenvolver um computador. Antes disso, quando ainda estava no ensino médio, ele já vendia um aparelho ilegal para fazer ligações telefônicas sem pagar nada. Aliás, seu parceiro de contravenção também estava na garagem que criou a Apple. A pedagogia que se tem aqui é simples: quanto mais experiências se oferecem aos jovens maior a chance de que eles descubram seus talentos e saibam como gerenciá-los. É a provocação permanente da curiosidade. Aí está o valor da classe mundial lançada pelo professor Sebastian, mostrando que todo e qualquer espaço pode instigar a curiosidade. “A única coisa que me manteve no caminho foi gostar do que eu fazia. Cada um precisa descobrir do que gosta”, aconselhou Jobs numa cerimonia de formatura de universitários. Era a primeira vez que Jobs era convidado a falar numa formatura. Só podia, claro, ser em Stanford, onde não estudou, mas, de certa forma, espiritualmente foi graduado. (publicado: 9 de outubro)
O livro de papel já morreu? Usando as novas ferramentas de comunicação, um grupo de professores da África do Sul está inovando o jeito como se produzem livros didáticos e acabaram se transformando numa experiência acompanhada por diversos centros de tecnologia do mundo. Espalhados em diversas partes do país, eles escrevem coletivamente, numa página da internet, livros sobre todas as matérias ensinadas nas escolas. Mas cada professor adapta o conteúdo para sua realidade local, a começar do seu bairro. Um mesmo livro, portanto, pode ter centenas de diferentes versões. Como nem todas as escolas têm acesso à internet (onde os conteúdos estão disponíveis gratuitamente), encontraram uma saída. Sem cobrar direitos autorais, eles organizam o material e entregam textos para editoras tradicionais. O livro chega às escolas com um preço mais barato. “Em pouco tempo, o papel será dispensável”, disse o físico Mark Horner, um dos coordenadores do projeto batizado de Siyavula. Essa foi uma das experiências que chamaram a atenção num encontro na semana passada que reuniu, nos EUA, alguns especialistas em inovações tecnológicas e educação. Serve como mais uma provocação sobre o futuro da produção e distribuição do conhecimento no geral e dos livros e dos escritores em particular. O fim do livro de papel é tido como uma questão de tempo. Isso significa que as livrarias vão desaparecer? Para quem, como eu, tem prazer de andar por livrarias e sentir o papel, essa é uma pergunta incômoda. Andando aqui no metrô, vemos quanta gente aderiu ao livro eletrônico. Algumas escolas resolveram aposentar os livros didáticos de papel, usando até o argumento de que, assim, deixam as mochilas mais leves e preservam a saúde dos estudantes. Comemora-se até o fato de que, com os novos aparelhos, cresce a venda entre os mais jovens. Com o aumento do consumo dos e-books, surgiu um mercado paralelo legal e clandestino de distribuição de arquivos.
Está acontecendo com os escritores o que, no passado, ocorreu com os músicos, quando surgiu o Napster. Depois de muita briga por causa da troca clandestina de arquivos, começaram a reinventar um novo modelo de negócios. Mas cada vez se ganha menos dinheiro vendendo CDs aliás, quase ninguém mais vende CDs. Assim como os mais jovens já não usam mais relógios de pulso. Nem e-mail. A onda de aplicativos está tornando até obsoleta a internet do www. Os músicos podem compensar a queda da renda fazendo shows. O que os escritores deveriam fazer? Palestras remuneradas? Podemos não gostar quando uma mudança tecnológica nos afeta, mas adoramos poder falar pelo Skype sem pagar a ligação telefônica. Não é tão diferente assim dos desafios do jornal que se estruturam para cobrar os conteúdos digitais. É um desafio que atinge as escolas. Os conteúdos das matérias já podem ser encontrados na internet, algumas vezes com recursos mais interessantes e provocativos do que os dados em sala de aula. O Media Lab, do MIT, desenvolveu uma plataforma (Scratch) em que as próprias crianças fazem seus jogos e trocam suas criações pelo mundo aliás, o MIT desenvolveu conteúdos gratuitos só para o ensino médio. Como a transmissão do conhecimento não para de crescer, os modelos de negócio, depois do baque, vão se reinventando, gerando perdedores e ganhadores. Alguém poderia imaginar que jornais pagariam parte dos salários dos jornalistas com base no número de clicks em suas páginas ou matérias na internet? Estudos têm mostrado que, depois da onda provocada pelo Napster, não diminuiu a produção musical pelo mundo e a produção de aplicativos foi estimulada. Os desafios da sustentabilidade são enormes, mas as oportunidades são maiores ainda. Um caso está correndo aqui em Harvard, onde ganha força um ambicioso projeto para criar a maior biblioteca digital do mundo, que é acessível a todos. A pretensão é nada menos do que selecionar todo o conhecimento já produzido pela humanidade. Uma das inspirações é a Europeana, na qual se encontra 15 milhões de versões digitais de livros e obras de arte. Além de Harvard, estão aderindo ao projeto as maiores universidades americanas com seus monumentais acervos de livros, além da biblioteca do Congresso americano. Representantes da Apple, Microsoft e Google estão participando dos encontros. Os livros de papel, os CDs e até as escolas tradicionais podem morrer. Mas o conhecimento está cada vez acessível. (publicado em 10/04)
Venenos da cidade Impossível não ficar emocionado quando se caminha neste parque suspenso -cheio de árvores, flores e gente-, que, até há pouco tempo, era um viaduto abandonado e sombrio, em via de ser derrubado. Visitei a segunda fase, recentemente inaugurada, do viaduto High Line, cujo projeto vem atraindo a atenção de arquitetos e urbanistas do mundo todo. Foi criado um sistema de águas que correm pelo solo, quase lembrando um córrego. Como fazia sol naquele dia, as crianças se banhavam deitadas no chão. Os moradores das proximidades voluntariamente cuidam das flores e das árvores. A vida se propagou, reciclando o entorno do viaduto com novos ateliês, lojas, bares, restaurantes e edifícios. Tamanha foi a emoção coletiva com a obra que, em um dos prédios, pessoas imaginavam colaborar fazendo, ao anoitecer, um show gratuito: striptease na janela. Virou ritual, mas acabou proibido. Imagine o nosso “minhocão” sem carros, tomado por jardins, surgindo uma floresta nessa cicatriz da cidade de São Paulo. É, certamente, o que os cariocas vão saborear com o fim de um viaduto ou, pelo menos, de parte dele na zona portuária, a ser convertido num parque. Além de arquitetos e urbanistas, um novo profissional entra no debate sobre o efeito desse tipo de solução. Neurocientistas estão descobrindo como a cidade se processa no cérebro das pessoas e como o contato com a natureza produz reações surpreendentes. Está aí uma novidade a que os candidatos a prefeito devem prestar atenção. Segundo cientistas, um simples passeio num parque, como o que eu realizei no “minhocão” nova-iorquino, é capaz de aumentar a capacidade de um indivíduo para solucionar problemas. Submetidos a uma experiência comandada por neurocientistas, grupos foram convidados a realizar uma bateria de provas várias vezes num dia. Um deles, porém, era convidado, entre um exame e outro, a caminhar por um bosque. Os demais caminhavam apenas pela rua, sem tanta presença da natureza.
Nessa experiência, comandada por neurocientistas da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, constatou-se que o passeio entre as árvores estava associado a um desempenho melhor nos testes. O resultado coincide com os de uma análise, divulgada no final do ano passado, feita com base em 25 estudos sobre a reação cerebral de pessoas que andam ou correm em ambientes verdes. Estes mostraram que, de modo geral, há redução da ansiedade, da depressão, do cansaço e da tristeza. Uma experiência feita em hospitais americanos testou a capacidade de recuperação de doentes. Os pacientes que tinham vista para alguma área verde, mesmo que não fosse muito ampla, tendiam a se recuperar com menos dificuldade do que aqueles privados de contemplar uma paisagem. Recuperaram-se mais rapidamente das cirurgias, tiveram menos dores e tomaram menos remédios. Há um crescente número de descobertas sobre como funciona o cérebro de quem vive em centros urbanos muito agitados, revelando tendência maior à ansiedade, à depressão e até à esquizofrenia. Na semana passada, um dado, obtido de pesquisas com ratos feitas pela Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, demonstrou que o conflito entre o cérebro e as cidades é maior do que se pensava. Já se sabia da relação entre o infarto e a poluição. A situação é ainda pior: ratos submetidos à poluição demonstraram problemas de memória e aprendizagem, além de distúrbios como ansiedade e depressão. Experiências como a de Nova York, entre tantas outras espalhadas pelo mundo, que tornam as cidades mais inteligentes, passam a ser vistas como uma espécie de remédio para a saúde mental. Transformam, em suma, venenos em terapia. Por isso há cidades norte-americanas experimentando chamar psicólogos e neurocientistas para ajudar no planejamento urbano. (publicado em 10 de julho)
O princípio do progresso Todos os dias, 238 profissionais de sete empresas confidenciavam num diário como se sentiam no trabalho. No anonimato, tinham liberdade total de escrever o que bem entendessem, relatando raivas, frustrações e alegrias. Nem eles nem os pesquisadores, todos psicólogos, sabiam que, daquelas confissões, surgia involuntariamente um indicador tanto para saber até que ponto uma empresa estava condenada a não criar um ambiente propício para a inovação, correndo o risco de ir mal nos negócios, como para, ao contrário, saber se a empresa estava sendo capaz de implementar descobertas importantes, que atraíssem lucros. Os diários, recheados com os 64 mil comentários, transformaram-se num estudo intitulado “O Princípio do Progresso”, recém-lançado pela editora da escola de negócios de Harvard e indicado como leitura obrigatória por publicações especializadas em recursos humanos. Da leitura dos diários, constatou-se que o ânimo do empregado para se engajar em inovações depende, em primeiro lugar, de uma sensação de progresso individual obtida cotidianamente. “O progresso está nas pequenas conquistas, quando as pessoas se sentem aprendendo, descobrindo soluções e superando obstáculos”, diz Teresa Amabile, uma das autoras do estudo, psicóloga pós-graduada em Stanford e professora da escola de negócios de Harvard, onde desenvolve pesquisas sobre criatividade empresarial. Isso significa, em poucas palavras, que a empresa deve ter um ambiente aberto à experimentação e à aprendizagem. “O valor da aprendizagem aparece na frente de reconhecimento ou dinheiro para manter o entusiasmo”, acrescenta. O foco da investigação foram equipes que trabalhavam em projetos inovadores, gente de quem se exige que encontre soluções, e não apenas que repita o que já se faz, fugindo do que especialistas em recursos humanos batizaram de “aposentadoria mental”. Apenas uma empresa, na qual os empregados revelaram, em seus diários, ter encontrado constante prazer na experimentação, conseguiu desenvolver um produto inovador.
Naquela que teve as piores considerações dos funcionários, o resultado foi um desastre. “Não apenas não gerou nada de novo como também, logo depois de nossa pesquisa, foi vendida para uma firma menor”, afirma a professora. Romper barreiras da inovação exige muito engajamento e ânimo. Um dos exemplos, segundo Teresa, é o Google. “Eles determinaram que seus funcionários teriam 20% de seu tempo para pesquisar o quisessem. Assim nasceu, entre outras coisas, o gmail.” Com os questionários já tabulados, Teresa Amabile resolveu ampliar sua investigação. Mandou então um questionário a 699 executivos para saber quais eram os fatores que mais influenciavam o ânimo dos empregados. “O fator ‘progresso’ não apareceu em primeiro lugar”, constata. Significa quase só 5%. Há uma ilusão entre executivos de que jogar duro e pagar muito seria a receita de sucesso. “O que motiva, pelo menos na geração de inovação, é o prazer da conquista, não a cobrança.” Está aí, certamente, um dos motivos por que os jovens preferem abrir suas empresas - as chamadas start-ups - e por que está cada vez mais difícil para grandes grupos atrair e reter jovens talentos. O que esse estudo descobriu é o fato de que as empresas inovadoras têm de assegurar um espaço institucional de desordem para gerar progresso. Apesar de a investigação ter sido focada em equipes que tinham projetos específicos, Teresa acha que o “princípio do progresso” vai muito além: não se sobrevive, num ambiente competitivo, sem renovação constante. Uma pesquisa realizada pelo Gallup revelou recentemente um recorde de desânimo entre os trabalhadores americanos, o que foi traduzido por economistas em números: a falta de engajamento tiraria cerca de R$ 500 bilhões da economia, em decorrência da perda de produtividade. (publicado em 11 de setembro)
Laboratório de felicidade Povoada de brasileiros, especialmente mineiros, uma pequena cidade americana, chamada Somerville, na região metropolitana de Boston, está se transformando num laboratório de felicidade. Pela primeira vez, a prefeitura de uma cidade dos Estados Unidos resolveu fazer um censo buscando saber a taxa de felicidade de seus habitantes e, a partir daí, traçar políticas públicas. “Estamos querendo medir com mais precisão o grau de satisfação da população”, diz Daniel Gilbert, professor de psicologia em Harvard. Essa experiência, que vem sendo realizada numa cidade de 72 mil habitantes -onde, aliás, se pode comer um divino pão de queijo e um pão francês com manteiga na chapa típico das nossas “padocas”-, faz parte de um experimento da ciência da felicidade. Bobagem no estilo autoajuda? Ilusão? O que Harvard está tentando fazer em suas faculdades de medicina e saúde pública é tirar a felicidade do besteirol da autoajuda, colocando-a nas mãos de cientistas, com suas máquinas cada vez mais sofisticadas de investigar o cérebro e os conhecimentos sobre genética. É uma investigação que atinge o mais profundo dos sonhos e dos pesadelos dos seres humanos. Estudo publicado na semana passada sobre os anos de vida perdidos por causa de doenças mostrou que cerca de 30% dos brasileiros já apresentaram sintomas de depressão. A tristeza ou a felicidade, além de problemas genéticos, são contagiosas? Pesquisa da faculdade de saúde pública de Harvard revela que sim: tanto a tristeza como a felicidade “pegam”. Usando recursos da epidemiologia, os pesquisadores mediram como pessoas que demonstram alegria propagam uma atitude mais positiva entre familiares e amigos, gerando um contágio. Viram também que a tristeza passa por fenômeno semelhante, mas (felizmente) sem a mesma intensidade da felicidade. A informação é baseada no acompanhamento de 5.000 pessoas durante 20 anos.
Os cientistas da felicidade, usando equipamentos de ressonância magnética e grupos de controle, estão dando caráter científico a práticas milenares, como a meditação. Esse conhecimento já vem sendo experimentado nos hospitais para ajudar na recuperação de pacientes. Também nos hospitais são feitos testes que revelam como pessoas alto-astrais têm menos propensão a problemas do coração, hipertensão, diabetes ou infecções respiratórias. Vemos, assim, como determinadas sensações provocam reações bioquímicas no corpo. A ciência da felicidade consegue, às vezes, fundamentar o senso comum. O antigo ditado “Dinheiro não traz felicidade” parece comprovar-se. “Vemos que jogar muita atenção na aparência ou nas coisas materiais, como um carro novo, traz muito menos satisfação do que fazer trabalho voluntário, quando nos sentimos relevantes e parte de algo maior”, afirma Nancy Etcoff, responsável pelo curso de ciência da felicidade de Harvard. O trabalho voluntário, segundo ela, aciona um sistema de recompensa no cérebro. Ela percebe, em suas pesquisas, que mulheres muito ligadas à aparência física tendem a ser menos felizes. “Muitas vezes, as pessoas procuram a satisfação no lugar errado. Percebemos isso pelo sistema de recompensa cerebral”, diz ela. Esse tipo de conhecimento pode mudar decisões individuais, dando força a quem defende uma vida mais simples e menos consumista, mas também tende a mudar comportamentos coletivos. Vários países, entre os quais a Inglaterra e a França, já discutem a ideia de que medições como o PIB são ineficientes para aferir o grau de desenvolvimento de uma nação e de que a felicidade deveria entrar na contabilidade. Esse debate entrou no Brasil com um movimento pela inclusão do direito à felicidade na Constituição. (publicado em 15 de maio)
Professor no paraíso Uma das melhores escolas dos Estados Unidos descobriu um meio eficiente de estimular seus alunos: obrigá-los a ficar longe da escola -e por muito tempo. Durante 60 dias por ano, além das férias, eles não precisam pisar na sala de aula. A escola de ensino médio Summit Preparatory High School está chamando a atenção de educadores de todo o mundo por dois motivos: brilha no ranking das melhores dos Estados Unidos e, pública, tem seus alunos escolhidos por sorteio, muitos deles vindos de famílias pobres. Perguntei ao diretor da escola, Brian Johnson, se os pais não tinham estranhado a novidade. “No começo, um pouco, mas depois eles viram a melhora nas notas. Quase todos os alunos entram na faculdade.” É como se, na prática, estivessem reciclando o significado (e, para muitos, o prazer) de “matar” aula. Hoje eles estão definindo uma nova geografia do aprender e repensando o professor, cujo dia foi comemorado neste fim de semana. Localizada numa cidade chamada Redwood, perto de San Francisco, na Califórnia, a Summit é uma escola pública independente, gerida com total autonomia por uma instituição sem fins lucrativos. Ela já nasceu com um objetivo: não apenas pôr todos os seus alunos nas faculdades mas também ajudá-los a ingressar no mercado de trabalho da região, hoje repleto de empresas ligadas à tecnologia da informação carentes de trabalhadores qualificados.Daí a ideia de tirar os alunos da escola, reservando uma semana ao final de quatro meses. A complexidade da experiência está na gestão de uma série de parcerias para assegurar aos alunos espaços fora da escola, formando uma comunidade de aprendizagem. São oferecidos, em companhias profissionais, cursos de dança, teatro, música e computação, bem como estágios em empresas ou em laboratórios de universidades.
“É incrível ver brilhar os olhos deles!”, diz o engenheiro Paulo Blikstein, que recebe alguns desses alunos em seu laboratório em Stanford, nas proximidades da Summit. Blikstein tem visto como as melhores escolas da região, especialmente as particulares, vêm mudando seu currículo, de modo a oferecer atividades extracurriculares com professores das universidades em áreas como nanotecnologia ou impressão digital. É evidente que isso é apenas a cereja do bolo. Não apenas o ensino na Summit é de tempo integral como há um programa diário para recuperação de quem não aprende, abundam recursos tecnológicos, os pais são obrigados a participar da vida acadêmica dos filhos -e por aí vai. O salário inicial do professor é de R$ 80 mil por ano e vai aumentando de acordo com o desempenho do aluno. Professores de ciências e matemática ganham mais. Era necessário, porém, dar um choque de experimentação, colocando os alunos mais próximos de profissionais ou pesquisadores. A solução foi sair da sala de aula e gerir essa comunidade de aprendizagem. “Vemos que os alunos aprendem tanto ou mais quando estão longe daqui. Quando voltam para a sala de aula, estão mais entusiasmados e percebem a aplicabilidade do que aprendem na escola”, conta Brian. (publicado em 16 de outubro)
Brincando com o futuro Em seu laboratório repleto de brinquedos e peças coloridas espalhadas pelas mesas, o físico Mitchel Resnick, formado em ciência da computação, está ajudando a reinventar o jeito como as crianças aprendem e, assim, formar adultos mais produtivos e interessantes. “Era da informação é coisa do passado. Estamos entrando na era da criatividade”, aposta. Dentre os vários brinquedos que nasceram em seu laboratório, há uma plataforma na internet em que as crianças montam seus próprios games e histórias digitais. As invenções são compartilhadas mundialmente, formando uma rede planetária de programadores mirins. “Queremos que eles não se satisfaçam apenas em jogar, mas em produzir seus games.” A tradução do que significaria “era da criatividade”, na qual o essencial é ser um permanente inovador, começa na própria arquitetura em que está esse laboratório de brinquedos.É uma escola sem sala de aula, onde todos, professores e alunos, estão sempre inventando alguma coisa. A sensação que temos é que todos ali brincam com o futuro. De todos os espaços educativos que conheci, poucas coisas me impressionaram tanto como o Media Lab, subordinado à faculdade de arquitetura do MIT. O lugar consiste em uma escola criada, como o nome diz, para reinventar a transmissão de informações. São centenas de estações de trabalho espalhadas pelos andares, reunindo engenhocas de todos os formatos. Como não há quase divisórias, temos, à medida que vamos subindo os andares, uma visão geral ao mesmo tempo caótica e organizada. A arquitetura transmite a mensagem de que criatividade depende de uma combinação de caos, flexibilidade, diversidade e estímulo ao contato humano.
Na semana passada, assisti à apresentação dos projetos dos alunos realizados com seus professores. Celulares criados para detectar problemas de visão; tecidos inteligentes que se adaptam ao corpo; robôs preparados para executar uma ópera no palco; carros que não poluem e cujos motores ficam nas rodas. Descobriram como fazer da mão humana um mouse. Projeta-se um teclado em qualquer parte do corpo e você passa a funcionar como um computador. Estão desenvolvendo o que eles chamam de “computação afetiva”, sistemas que permitiriam às maquinas entender as emoções humanas. Isso significa que um carro pode ajudar a prever quando alguém está tenso ou cansado pelas feições do rosto e pode enviar um sinal ao motorista. Dá até para traduzir as batidas do coração. Mais importante de tudo é arquitetura curricular, da qual o prédio serve como ilustração. Os alunos de mestrado e doutorado do Media Lab criam suas próprias metas e dizem como vão atingi-las. Podem, por exemplo, ter aulas em diversas universidades americanas sem precisar comprovar nada. Fazem também seu próprio tempo. “Podemos escolher não fazer nenhuma aula”, conta Leo Burd, formado no ITA e na Unicamp, que desenvolve pesquisas no MIT para uso da tecnologia para inclusão social. “Acabamos atraindo gente muita apaixonada”, acrescenta. O professor não tem sala de aula. Trabalha em pequenos grupos, desenvolvendo as experiências. (publicado em 17 de abril)
Bairrismo vira Cult O que não quiseram enfrentar a fila do mais recente “Harry Potter”, lançado na última sexta-feira, tinham um jeito de contornar, nos Estados Unidos, esse incômodo. Em poucos segundos, aparecem na tela do celular os vizinhos dispostos a ficar na fila desde que recebam algum pagamento. O mercado de trabalho de “fileiros” que moram em seu bairro é possível por causa de um site chamado TaskRabbit, onde se listam os serviços oferecidos pelos vizinhos. Ficar na fila pode render um bom dinheiro extra: enfrentar a multidão para adquirir o último modelo do iPad saía por quase R$ 200. São centenas de bicos oferecidos no bairro: arrumar a garagem, fazer as compras no supermercado, organizar a biblioteca, dar um jeito na antiga bagunça do armário, passear com o cachorro, colocar em ordem a fiação dos aparelhos eletrônicos, levar a roupa na lavanderia etc. O negócio nasceu em São Francisco e é parte de uma série de experimentos com o uso das novas tecnologias da informação que redefinem como podemos viver de forma mais inteligente em uma cidade, a começar pelo bairro. A tendência é estimulada pelos novos recursos tecnológicos que permitem a localização e o compartilhamento, a crise econômica nos países ricos e a escassez de mão de obra para serviços domésticos. Em várias cidades brasileiras, em famílias de classe média, a extinção da empregada doméstica já é sentida. Numa variação do site de bicos na vizinhança, espalham-se pelos EUA bancos do tempo, que nasceu como filantropia, mas mudou de rumo. Faz-se um serviço no bairro em troca de um crédito. Com esse crédito, pode-se requisitar também um serviço. A estudante chinesa dá aula de mandarim e, em troca, ganha o direito de aprender inglês. Em Londres, montou-se um negócio de intermediação de carros entre vizinhos. O projeto se aprimorou quando desenvolveram, em São Francisco, a chave digital embutida no celular. Lá também testaram (e deu certo) o compartilhamento de garagens particulares, o que sai muito mais barato do que os estacionamentos comuns.
Talvez seja difícil alugar seu carro para um desconhecido. Mas é menos difícil para quem se encontra andando pelas ruas e estabeleceu uma relação de confiança. Um dos projetos estimula que as pessoas coloquem na internet todos os produtos desnecessários em sua casa ou que podem ser emprestados. Cria-se assim uma espécie de bolsa de valores comunitária. Promovem-se até encontros presenciais para fazer as trocas, que acabam virando festa. A facilidade para fazer pagamentos de forma mais segura estimulou sites de empréstimos em que as pessoas alugam por dia ou por semana alguns de seus objetos, alguns deles (uma furadeira elétrica, por exemplo) usados poucas vezes por ano. Esse tipo de projeto começou a ser testado este ano no Brasil, batizado de DescolaAí. Não é fácil furar a barreira da desconfiança. Na Europa e nos Estados Unidos, cresce sem parar o hábito de compartilhamento de carro. Em São Paulo, começam este ano duas experiências: uma delas para carona entre universitários, outra para colegas de trabalho. Neste mês, começou em Pinheiros o projeto de uso comum com carro. Há algum tempo, cresce entre os pensadores da mídia a convicção de que uma das principais tendências do futuro do jornalismo é a chamada “hiperlocalidade”. Pipocam jornais digitais que cobrem um bairro -ou, até mais do que isso, limita-se a uma quadra ou uma rua. Cidadãos viram então repórteres hiperlocais e passam a influenciar no olhar sobre a cidade, pressionando os poderes. É uma curiosa volta ao passado, época em que as relações de vizinhança eram mais fortes; essas, hoje, passam quase despercebidas nos grandes centros urbanos. O fato é que bairrismo, visto como algo atrasado, está virando cult. (publicado em 17 de julho)
Fantasia Brasil está na moda Com o cocar na cabeça, o cacique Almir Suruí bateu nas portas do Google aqui, nos EUA, convencido de que poderia usar sistemas de monitoramento por internet para preservar as terras de sua tribo, localizada na fronteira do Acre com Rondônia. Se, de início, parecia uma maluquice, a ideia, aprimorada com a distribuição de smartphones na tribo, virou uma solução. Qualquer invasão ou queimada sobe em tempo real para o Google Earth. Por ter ajudado a criar uma nova função na internet, nosso cacique entrou na lista das cem pessoas mais criativas do mundo dos negócios, lançada neste mês pela revista americana “Fast Company”. Um índio repensando a internet serve de síntese do que estou sentindo nesta minha temporada americana em relação à imagem internacional do Brasil, especialmente nos Estados Unidos. Constrói-se um Brasil da fantasia entre o exótico e o contemporâneo. Pelo menos em meio à elite empresarial e acadêmica, somos vistos não apenas pelos indicadores econômicos mas como um país alegre, criativo e aberto à diversidade. Avoluma-se uma série de fatos para colorir ainda mais essa imagem. A maior parada gay do mundo, mais uma vez, enche a avenida Paulista na próxima semana, somada às cores sofisticadas da São Paulo Fashion Week, dando mais uma pincelada em nossa imagem. Para completar, um ranking internacional feito pela Hub Culture apontou, neste ano, a cidade de São Paulo como a que melhor resume o espírito contemporâneo. Na frente de Nova York, Londres e Berlim. Nessa lista dos criativos da revista, há nomes que estão ajudando a inovar os negócios no planeta de modos os mais extraordinários. Sebastian Thrun está desenvolvendo um carro que anda sem motorista -aliás, o motorista até atrapalha. Salman Khan revoluciona a educação transformando o YouTube na maior sala de aula do planeta, ensinando como deixar claros e atraentes, sem muitos recursos, os conhecimentos de ciência.
Lá estão, além do nosso cacique, o brasileiro Alex Kipman, que desenvolveu para a Microsoft um sistema capaz de fazer que o corpo humano vire um game, o publicitário Nizan Guanaes, que está guindando uma agência de publicidade ao posto de uma das mais importantes do mundo, Eike Batista, que entrou tão rapidamente e com projetos ousados no ranking dos bilionários, e Oskar Metsavaht, da Osklen, que produz uma moda que une a sustentabilidade à sensualidade. Essa combinação de gays, índios, publicitários, engenheiros de tecnologia da informação e fashionistas parece a composição exótica de uma fantasia de Carmem Miranda. Somem-se aí o sucesso do filme “Rio”, dirigido por um brasileiro, e a própria cidade do Rio, cujas obras e mobilização para a Copa do Mundo e para a Olimpíada viram motivo de cobiça em escala planetária. É das cidades que mais se vêm reinventando no planeta. Para completar a composição da nossa imagem, existe o Felipe. É o brasileiro casado com Elizabeth Gilbert, autora do best-seller “Comer, Rezar e Amar”, sucesso nas telas. Felipe (nome fictício) é cosmopolita, compreensivo, maduro, sensível, sem nenhum traço do macho latino. É o que se idealiza aqui como o homem do século 21. Há muito de fantasia nessa composição da nossa imagem externa. A base, porém, é real. Apesar da imensa pobreza, da desigualdade e da violência, o Brasil é democrático, sem ódios, e, nos últimos anos, teve um presidente operário sem educação formal, um renomado sociólogo e, enfim, uma mulher. Conseguimos transmitir a mensagem de que somos um lugar confiável para fazer negócios e aberto à modernidade tecnológica. Nossas descobertas em biocombustíveis são admiradas há muito tempo e tendem a crescer se for mesmo aprovada a decisão do Congresso americano de facilitar a entrada do álcool brasileiro. A rede social do Google (Orkut) é majoritariamente brasileira. Na semana passada, foi divulgado que o Brasil é o país onde o Facebook mais cresce. Uma empresa especializada em medir apenas o impacto do Twitter, chamada Twitalyzer, colocou dois brasileiros, Rafinha Bastos e Luciano Huck, entre os dez mais importantes perfis. Não é sem motivo que, muitas vezes, temas locais aparecem entre os “trending topics” daquela mídia social. São avanços notáveis. Difícil não sentir certo prazer com nossa imagem. Até há pouco tempo, o grande personagem brasileiro era Pelé, e o principal produto, o café. Nem sabiam que Brasília era a capital do Brasil. Mas estamos tão longe de sermos uma nação civilizada e inovadora quanto Felipe está longe de ser o padrão do homem brasileiro, e as imagens do filme “Rio” estão longe de se parecerem com a realidade da cidade. Mede-se a civilidade de um país pela qualidade das escolas e das universidades. O resto é fantasia. (publicado em 19 de junho)
A receita de sucesso Imagine nunca mais precisar chamar a atenção do garçom para ser atendido num restaurante lotado, bastando digitar pelo celular o pedido. A novidade vem sendo testada num restaurante habitualmente povoado por apressados professores e universitários de Harvard. Os responsáveis pelo desenvolvimento do software conhecem bem a clientela: eles próprios estão entre aqueles apressados. Acabaram de criar uma pequena empresa, chamada Text My Food, para vender o serviço. A invenção virou um dos assuntos mais comentados aqui em Harvard na semana passada por se tornar notícia em toda a região de Boston, o que significa que, em pouco tempo, talvez esteja aí no Brasil. A poucos metros do restaurante, foi lançado, na quarta-feira, um provocativo e extremamente saboroso estudo intitulado “O Triunfo das Cidades”, escrito por Edward Glaeser, badalado professor de economia de Harvard. O estudo é recheado de exemplos que mostram como as cidades prosperam ou desabam. Publicações de prestígio, como “The New York Times” e “The Economist”, já apresentaram críticas elogiosas ao livro. Edward Glaeser adora peregrinar pelas cidades do planeta, entre as quais São Paulo, para investigar seu funcionamento. Com base nisso, faz sugestões que fariam arrepiar a maioria dos urbanistas. Sugere que os prefeitos se esforcem ao máximo para deixar subir imensos prédios, mesmo que, eventualmente, sacrifiquem paisagens reverenciadas pela população. Por atrair muita gente inventiva, a cidade fica mais interessante, logo mais cara. Isso significa que, mais cedo ou mais tarde, ficaria difícil o acesso para gente jovem, talentosa e disposta a produzir novidades. É o risco que correm Nova York e Londres, por exemplo. Mais uma ideia provocativa: não é a cidade que produz os pobres, mas os pobres que a procuram. É onde se vive, segundo ele, melhor, inclusive quando se está na favela, comparando-se com a escassez de possibilidades do campo.
Nascido em Nova York, Glaeser mora e trabalha num ótimo laboratório para testar suas teses. Por ser um local com muitas universidades, centro de pesquisas e empresas de ponta, a região de Boston (onde, aliás, surgiu a primeira escola pública dos Estados Unidos) pouco sentiu a crise econômica que devastou o país. Simplesmente porque, nas garagens e nos dormitórios de universitários, prosperam todos os dias jovens como os criadores de novidades como o Text My Food. Nestes dias por aqui há um orgulho especial por causa de uma ideia nascida coletivamente nos dormitórios -tão coletivamente que há brigas milionárias na Justiça em torno da sua autoria. Atribuiu-se em parte ao Facebook a capacidade dos jovens de furar bloqueios e de se organizar para derrubar os regimes fechados do Oriente Médio. O poder da inteligência artificial ganhou destaque mundial na semana passada por causa de um jogo de perguntas e respostas, conhecido na televisão americana, que opõe um veterano vitorioso a um computador, batizado de Watson -os humanos perderam. Uma empresa de alta tecnologia se prepara para fazer do Watson um médico, capaz de dar diagnósticos diante das perguntas de pacientes. A inteligência artificial não substitui, no entanto, o poder das cidades, na visão de Glaeser. “Não adianta haver apenas contatos virtuais. Até que se invente algum novo programa, o único jeito de se resolverem desafios complexos é a proximidade física. É por isso que tantos talentos preferem morar em São Paulo, mesmo com toda a poluição, as enchentes e a violência. É um lugar cheio de energia e com uma mentalidade empreendedora. É definitivamente um dos motores não só do Brasil mas do mundo todo. Se você for brasileiro e precisar ter um diálogo global, certamente terá de ter pelo menos um pé na cidade”, disse-me Glaeser. Naquele exato dia, aliás, estavam na minha cabeça as imagens que vi na internet das enchentes em São Paulo, a começar da minha Vila Madalena. “O perigo da baixa qualidade de vida (o alto índice de crimes, o trânsito, a poluição) e do alto preço dos imóveis é afastar os jovens talentos”, afirma. Os melhores investimentos que uma cidade pode receber para prosperar, como mostram os casos do livro, não são os de infraestrutura, que rendem tantos votos, mas tudo o que se faz para desenvolver os talentos dos habitantes, a começar de um ensino público decente. (publicado em 20 de fevereiro)
Câncer une as melhores universidades Se forem anunciados tratamentos revolucionários ou vacinas contra o câncer a partir de agora, há uma chance razoável de que o Instituto Koch, um centro de pesquisas inaugurado neste mês nos Estados Unidos, tenha participado -ou mesmo sido o polo- da descoberta. Isso se explica não só porque se juntaram nesse projeto as duas mais renomadas universidades do mundo (Harvard e MIT), o que já não é nada fácil, mas porque estão sendo reunidos num mesmo prédio, cruzando as pesquisas, 650 cientistas das mais variadas especialidades: oncologistas, químicos, biólogos e geneticistas, em meio a diversos tipos de engenheiro. A ideia é criar um consórcio planetário de pesquisadores, como o nosso Instituto do Câncer em São Paulo. Espera-se que essa quebra de barreiras espaciais ajude a promover a inovação: engenheiros, por exemplo, podem desenvolver com químicos e biólogos minúsculos chips que, injetados no corpo, destruam os tumores sem prejudicar as células saudáveis. Essa é uma terapia que combina dinheiro com vontade e inteligência, mas o efeito do projeto vai mais longe do que o combate aos tumores -o efeito é a forma como se produzem as descobertas. Estamos falando aqui de duas universidades que geraram ou têm entre seus professores cerca de 120 vencedores do Nobel e vivem se digladiando para ficar nos primeiros lugares das listas das melhores instituições de ensino superior do mundo. Fazendo uma comparação vulgar, é como se o Palmeiras e o Corinthians fizessem uma parceria para
desenvolver uma melhor técnica futebolística -aliás, a direção do MIT e a de Harvard lançaram um texto conjunto na semana passada em que afirmam que a economia americana depende do que se produz. Foi por isso, segundo elas, que a decadência do país, tantas vezes prevista, ainda não aconteceu. O que faz uma universidade ficar nos primeiros lugares em rankings de qualidade são, em essência, suas pesquisas. Isso acaba atraindo mais dinheiro e, naturalmente, os melhores alunos e professores, num círculo virtuoso. Na conversa que teve comigo e com a repórter Luciana Coelho, da Folha, Drew Faust, a reitora de Harvard, deixou claro que um de seus principais interesses na visita ao Brasil é atrair talentos. Talentos se traduzem em invenções. “Muito da nossa força reside nessa interação entre pessoas criativas”, diz ela. A forma como se inova depende da quebra de paradigmas. Daí por que aquele instituto do câncer vai além da medicina. A produção de conhecimento exige que se rompam as barreiras entre os departamentos acadêmicos, que pouco se falam, provocando desperdícios. Isso significa quebrar barreiras políticas, burocráticas e até aquelas próprias do jogo de vaidades. Fora isso, há o risco de obsoletismo. Como obsoletismo não atrai talentos, entra-se num círculo vicioso. Temos visto como as novas tecnologias têm virado de cabeça para baixo a forma de produzir saber. Um dos melhores exemplos é o site Wikipedia, uma biblioteca mundial produzida coletivamente e cada vez mais confiável. Assim vão nascendo as inovações. A IBM desenvolve extraordinários programas na internet apenas para aproximar seus milhares de pesquisadores espalhados pelo mundo, gerando um ambiente único de aprendizagem -a IBM é a maior produtora de patentes do mundo. Empresas lançam produtos em teste para recolher sugestões do público e pagam por elas. Uma das novas estrelas da internet, a Netflix, que está reinventando a forma como se alugam filmes, ofereceu US$ 1 milhão a quem desenvolvesse um programa capaz de adivinhar o filme que seus clientes gostariam de ver. É pouco perto dos US$ 3 milhões oferecidos por uma empresa de seguro médico (Heritage Provider) a quem desenvolver um software capaz de estimar quando seus clientes vão acabar num hospital para que, com essa informação, possa tomar medidas preventivas. Nada poderia ser mais exemplar desse jeito de ver o mundo do que duas universidades rivais se unirem para descobrir a cura do câncer. (publicado em 20 de março)
Mais estúpidos ou inteligentes? O número de amigos no Facebook não mede apenas popularidade. Mede também o tamanho de áreas do cérebro associadas a uma rede que compreende memória, emoções e interações sociais. Pessoas com essas áreas mais expandidas conseguem desenvolver mais relacionamentos? Ou mudaram seu cérebro porque usam mais o Facebook, estabelecendo mais relacionamentos? Os cientistas da University College de Londres, responsáveis pela pesquisa, divulgada na semana passada, não sabem. O que imaginam saber, graças a uma série de testes de ressonância magnética, é que existe uma relação entre o tamanho de certas áreas do cérebro e o número de amigos. É óbvio que tal informação “viralizou” com velocidade gigantesca, afinal são mais de 800 milhões de usuários na internet. E, obviamente, isso suscitou um monumental besteirol científico, como se um grande númer o de amigos indicasse inteligência ou superioridade. Está aí, porém, uma das mais efervescentes questões da atualidade, sem a qual não se entende pelo menos parte do comportamento dos seres humanos: como as tecnologias da informação alteram o funcionamento do cérebro e quais são suas consequências. Vamos encontrar argumentos (bons, diga-se) de todos os lados, mostrando que as tecnologias da informação nos fazem mais estúpidos ou mais espertos. Na semana passada, o debate ganhou mais força com o comunicado da Associação de Pediatria dos Estados Unidos de que, se quiserem manter seus filhos mentalmente saudáveis, os pais deverão evitar o excesso de contato deles com as telas. Quaisquer telas: televisão, computador, tablets ou celulares. A advertência é focada especialmente em quem tem menos de dois anos. O excesso de virtualidade daria menos tempo para a criança brincar e, assim, aprender os códigos essenciais dos relacionamentos sociais. Afetaria também a coordenação motora e a fala. No final, por não aprenderem a se concentrar, as crianças teriam dificuldades de ficar paradas em sala de aula ou lendo um livro.
É uma mensagem que vai contra a corrente. Pesquisas estão revelando que, aqui nos Estados Unidos, smartphone está virando uma espécie de chupeta. Os pais dão o aparelho para acalmar o filho, entretido com algum aplicativos. Cerca de 6% das crianças americanas de 2 a 5 anos já têm seu smartphone. Cerca de dois terços das que têm entre 4 e 7 anos de idade usam regularmente esse aparelho, abrindo um gigantesco mercado de aplicativos. Se, por um lado, há dúvidas sobre como a tecnologia cria novos circuitos cerebrais, é sabido, por outro, que o cérebro é plástico, molda-se aos estímulos externos. Isso significa que a inteligência pode aumentar ou diminuir. Cada vez aparecem mais estudos mostrando que parte da inteligência é fruto da genética, mas moldável a partir de estímulos externos. Está para ser publicado um estudo, que, parcialmente desenvolvido por pesquisadores de Harvard com centenas de gêmeos, reforça essa ideia. Na semana passada, uma investigação da University College de Londres mostrou, mais uma vez usando testes de ressonância magnética, que, entre 2004 e 2008, o QI de adolescentes tinha variado para cima ou para baixo.Talvez aqui esteja uma das respostas para uma série de experimentos realizados com crianças de até três anos. A criança que recebe mais estímulos e proteção nessa faixa etária tende a ir melhor na escola e, na vida adulta, ter melhor desempenho no trabalho, melhor saúde e se envolver menos em crimes. Nesse debate sobre o “Ocupe Wall Street” e a desigualdade de renda dos americanos (semelhante à do Brasil, aliás), uma ideia me atraiu. Vários educadores sugeriram que o investimento na primeira infância seria um mecanismo sustentável para distribuir renda tão poderoso como a taxação aos mais ricos. (publicado em 23 de outubro)
Como aprender a fazer negócios Não esperava por uma resposta tão direta e franca quando perguntei ao professor Nitin Nohria, diretor da Escola de Negócios em Harvard, o motivo de sua viagem ao Brasil no próximo mês e ele disse que era uma questão de sobrevivência. Sobrevivência daquela que é considerada, em vários rankings internacionais, a melhor escola de negócios do mundo, responsável há muitas décadas pela formação da elite empresarial norte-americana e cujas pesquisas estão no currículo da imensa maioria das faculdades de administração do planeta. É uma instituição que, por causa de seus influentes alunos, tem um fundo de quase R$ 4 bilhões. No século 21, os negócios são cada vez mais globais e menos “americocêntricos”. Para comprovar isso, basta ver as mudanças na lista das maiores empresas do mundo. “Para continuarmos na vanguarda, temos de ir para onde os negócios vão.” O próprio Nitin, especializado em estudo sobre lideranças e mudanças organizacionais, é exemplo dessa reviravolta. Indiano, autor de estudos que o levaram a viajar a mais de 50 países, ele é o primeiro professor nascido fora do Ocidente a ocupar a direção da faculdade. Por que, afinal, uma viagem ao Brasil tem a ver com a sobrevivência daquela escola? Na resposta, você verá como se molda a educação de excelência no século 21. Para Nitin, uma das principais razões de sua faculdade se destacar é a qualidade dos alunos. O Brasil é, hoje, segundo ele, um dos cinco mais importantes países a serem acompanhados por quem estuda o futuro dos negócios. “Queremos sempre atrair os melhores alunos de cada país, capazes de empreender e inovar. Podemos estar nos Estados Unidos, mas temos de ser radicalmente globais para nos mantermos inovadores.”
Esse ambiente cria um círculo virtuoso. Para ele, a escola poderia adotar o slogan informal de Nova York, cantado por Frank Sinatra (“If you make it there, I’ll make it everywhere”), ou seja, se você se dá bem ali, o mundo vai abrir as portas para você. Há um processo permanente de estímulo à competição, com a apresentação de projetos e planos de negócio dos estudantes. Neste ano, aliás, eles estão inaugurando uma incubadora-modelo, reunindo professores, pesquisadores e alunos das mais diversas áreas, da medicina à engenharia, para trabalharem juntos. O projeto, nascido dentro de uma antiga estação de televisão, foi batizado de HI (Harvard Innovation). A tendência histórica, na visão de Nitin, é as nações emergentes terem escolas de negócios cada vez melhores. Vejam como, na área de ensino de negócios, cresce o prestígio internacional de instituições como a Fundação Dom Cabral, a Fundação Getulio Vargas e o Insper. Como as aulas são baseadas em casos concretos de sucessos ou fracassos empresariais, ter alunos brilhantes e provocativos produz visões criativas. Trabalha-se, portanto, em cima de um problema, ou seja, de um desafio. “Isso significa que temos de ter um contato próximo com o Brasil para ter mais casos de vocês levados aos alunos”. Já são 198 casos nacionais estudados em sala de aula. “Quantas informações universais não se podem extrair da Natura?” Aqui entra o desafio de tentar navegar no excesso de informação e selecionar o que seria o essencial. “Para ser franco, ainda não sei se estamos lidando bem com o desafio do excesso informação. Temos de acompanhar a velocidade extraordinária da inovação, mas conseguir captar o que é relevante.” Uma das riquezas da escola é saber escolher e relatar bem esses casos explorados. É aí que entra o papel decisivo do que Nitin chama de professor-empreendedor. “Nossos professores não apenas têm paixão por ensinar mas também são empreendedores no sentido de que não param de pesquisar e de trazer novos olhares e desafios”. Para completar o círculo virtuoso, a faculdade promove conversas reservadas dos alunos (não podem ser divulgadas) com as melhores cabeças de negócios do mundo para falar de suas experiências. Em geral, são conversas francas, em que os autoelogios são menos importantes do que o aprendizado com os erros. “Tenho de pensar na educação dos próximos cem anos. Focar os Estados Unidos nos deixará obsoletos.” E aí o caminho é fazer do mundo a melhor escola. Aliás, isso é apenas a continuação do que Nitin faz em sua própria vida -afinal, ele, além das pesquisas que realizou em 50 países, já morou em cidades como Calcutá, Mubai, Nova Déli, Londres e Boston, quase sempre se mudando para estudar. (publicado em 24 de julho)
O sucesso dos fracassados O bom desempenho acadêmico e profissional está menos ligado à inteligência do que ao autocontrole, isto é, à habilidade de gerenciar os impulsos, focar o que é relevante e perseverar. Esse assunto vai entrar na agenda mundial em razão da recente divulgação de pesquisas que, feitas por psicólogos e neurocientistas de algumas das melhores universidades americanas, vêm ganhando credibilidade entre especialistas em aprendizagem. Crianças que conseguem lidar melhor com a frustração e com o fracasso tendem a obter bons empregos, a ter sucesso em negócios, a economizar dinheiro, a cuidar da saúde e a ficar distantes de vícios.Além disso, é claro, elas tendem a ter melhor desempenho escolar. Ficar sentado estudando, afinal, é tarefa que exige que, apostando numa recompensa futura, se deixe de fazer algo mais agradável. É possível aprender a ter autocontrole? É o que algumas escolas nos Estados Unidos estão experimentando com crianças a partir dos três anos de idade. Os resultados, pelo menos nas notas, têm sido positivos. As pesquisas vêm sendo feitas desde a década de 1970, quando, na Universidade Stanford, começaram a acompanhar crianças que demonstravam, em experimentos, saber controlar os impulsos. Numa das experiências, puseram um chocolate diante de cada criança de um grupo de testes. Aquelas que não comessem nada ganhariam, mais tarde, três chocolates. Acompanhou-se por décadas esse grupo, comparando o desempenho dos seus integrantes nas mais variadas atividades. Observou-se que quem sabe se controlar obtém vantagens acadêmicas, ou seja, boas notas. No mês passado, a psicóloga Terrie Moffitt, professora da Duke (EUA), um dos mais importantes centros de neurociências do mundo, divulgou um estudo baseado em 30 anos de observação. Foi além das revelações sobre as notas dos alunos. “Há um impacto generalizado nas mais diferentes áreas, inclusive na taxa de criminalidade”, afirma. Ela acompanhou 1.037 pessoas desde a primeira infância até os 32 anos de idade. Resultado semelhante ocorreu em suas pesquisas com gêmeos. “Vimos que o autocontrole, depois de descontados fatores como renda e classe social, superou a inteligência como elemento desencadeador de sucesso no universo acadêmico e no profissional.”
A pergunta óbvia: a habilidade de controlar os impulsos é algo genético? A psicóloga diz que, em parte, ela decorre de herança genética, mas que também há influência do ambiente, como a família e a escola.Por isso algumas escolas estão criando jogos destinados a desenvolver o autocontrole. Um dos jogos usa peças de teatro para que as crianças aprendam a executar papéis. Esse é um recurso em meio a diversos tipos de brincadeira, cuja recompensa está associada à capacidade de lidar com a frustração e de postergar alguma decisão. Estimula-se, assim, a capacidade de encontrar soluções para desafios. Tenho visto aqui na escola de negócio de Harvard vários professores repetirem o seguinte: bom empreendedor é aquele que sabe fracassar, fazendo dessa experiência uma motivação e um aprendizado. “Fracasso é uma medalha a ser colocada com destaque no currículo”, diz Rosabeth Kanter, professora da escola de negócios de Harvard e mundialmente renomada por seus perfis de empreendedores. Talvez esteja aí um jeito de entender melhor por que migrantes e seus filhos -obrigados a lidar com adversidades e frustrações, desenvolvendo a resiliência- tendem a prosperar e por que cidades mais abertas a imigrantes são mais inovadoras e empreendedoras. (publicado em 26 de junho)
A educação dos milionários Quem quiser saber como se vão produzir o conhecimento e os melhores empregos no futuro terá de conhecer um japonês chamado Joi Ito, de 45 anos, que, segundo os padrões tradicionais, seria rotulado na faculdade de “vagal”. Apesar de vir de uma família de acadêmicos (e acadêmicos japoneses, vale ressaltar), não conseguiu o diploma de ensino superior. Até tentou, mas abandonou, com certo orgulho, os cursos de ciência da computação e de física. Você imaginaria um brilhante futuro acadêmico para esse rapaz? Desde o início de setembro, Joi Ito dirige uma das principais referências planetárias em pesquisa acadêmica, especialmente em tecnologia da informação, onde se moldou o mundo digital: o MediaLab, do MIT. Foi escolhido por ser um reconhecido empreendedor, que está sempre investindo em empresas ou projetos inovadores. É um dos criadores, por exemplo, do Creative Commons, um marco no debate de direitos autorais na internet. Foi também um dos primeiros a ajudar a tirar do papel o Twitter e o Ficar. Milionário, ele tem casas em vários países e passa a maior parte do ano viajando para se sentir o que ele chama de “cidadão do mundo”. Diante da pergunta sobre como convenceria estudantes a ficar na escola se ele próprio não ficara, Ito deu a seguinte resposta: “Se eu estudasse num ambiente tão criativo e profundo como o MediaLab, nunca teria ido embora”. Joi Ito simboliza o incrível poder dos “vagais”, agora ganhando status acadêmico, e sinaliza o perfil de gente que inventa empregos. Foram jovens que abandonaram a escola que criaram a Microsoft, o Twitter, o Facebook e a Apple. Pense quantas vezes por dia você usa alguma de suas criações. O fato é que os grandes nomes de sucesso de hoje, em vez de perder tempo trancados numa sala de aula, preferiram ficar metidos em alguma garagem reinventando o futuro e, assim, gerando empregos. O debate é especialmente intenso agora, com os sinais de revolta no mundo -e o Ocupe Wall Street é o símbolo- diante da dificuldade de criar empregos nas nações ricas. Nada disso significa que a universidade seja uma instituição falida. Imagine ir a um médico sem diploma ou mesmo entregar a construção de um prédio a um engenheiro que não conhece resistência de materiais. Ninguém quer ter os dentes tratados por um barbeiro.
A questão, portanto, é saber como nutrir empreendedores, envolvendo as universidades, onde, em tese, deve concentrar-se o conhecimento mais avançado. Por isso, está fazendo sucesso um livro recém-lançado, intitulado “A Educação dos Milionários”, escrito por Michael Ellsberg, que entrevistou durante dois anos empreendedores de sucesso que não pisaram na faculdade ou a abandonaram. Pergunto qual era o traço comum deles. “Uma tremenda habilidade para lidar com o fracasso, transformando-o em aprendizagem”, respondeu. Nesse ponto, estaria, segundo ele, o grande problema que a escola tem em formar empreendedores: “Na escola, somos treinados para dar a resposta correta, mas a criatividade depende do estimulo à experiência, que, em essência, vem de lidar todo o tempo com o fracasso”. Pode parecer provocação, mas o argumento tem sido aceito e absorvido pelas melhores universidades. No próximo mês, Harvard quer transformar num evento mundial o lançamento de sua incubadora de start-ups, onde alunos, pesquisadores, professores e executivos renomados trabalham em conjunto. A ideia é que aquele tipo de gente que criou empresas como o Facebook fique lá dentro por alguns meses, numa espécie de residência, para orientar os mais novos. Gordon Jones, o responsável pelo projeto, batizado de HI (Harvard Innovation), é um misto de acadêmico de formações as mais variadas com empreendedor de sucesso. Quando pedi que me falasse de seus projetos como empreendedor, Gordon preferiu mostrar um jeito diferente de fazer um currículo. “Olhe aí”, disse, apontando para a parede de seu escritório, em que estão pregados os produtos que ajudou a desenvolver ou vender. É uma simples questão de sobrevivência. A mil metros da incubadora de Harvard, prospera o bairro com mais start-ups por metro quadrado (Kendall Square), vitaminado pela proximidade com o MIT, onde está Joi Ito. Vamos encontrar em várias partes do mundo (no Brasil, o melhor exemplo é o ITA) universidades que estipularam como meta servir de incubadoras, sendo uma ponte para a inovação. Disso depende a riqueza de uma nação – aliás, é o que move o governo Dilma a criar uma agência (Embrapii) para aproximar as universidades das empresas. Ao assumir aquele cargo do MediaLab, Joi Ito apenas está sinalizando essa ponte entre o saber e o fazer. (publicado em 30 de outubro)
Meu inferno é mais interessante Meu inferno é mais interessante. A cidade onde moro não é um paraíso. Mas, se lá não fizesse tanto frio e houvesse praia, estaria perto disso. Ao norte de Boston, Cambridge tem apenas 100 mil habitantes, é cercada de jardins; suas calçadas são largas -carro não faz a menor falta. Não há violência nem atropelamentos. Nesse ambiente, Harvard e MIT atraem gente inovadora de todo o mundo, disposta a inventar ou a reinventar alguma coisa: do tratamento do câncer ao comércio eletrônico, passando pela bateria para mover carros elétricos. Por causa da inovação, o desemprego quase não é assunto. Grandes empresas (como o Google) montaram ali centros de pesquisas. Se aquela paz cansar, rapidamente se chega a Nova York de trem -ou se pode ir caminhando por Boston. Fiquei seis meses longe de São Paulo, que, na comparação, remete à imagem do inferno urbano. Um olhar um pouco estrangeiro nos faz ver melhor. Na noite em que cheguei a São Paulo, um jovem foi atropelado perto da minha casa por um Land Rover. Todas as semanas, via notícias sobre vítimas nos bairros nobres, de professores a publicitários. Jornais falavam do recorde de assaltos a caixas eletrônicos e até de arrastões promovidos por crianças. A informação que melhor define o ambiente estressante da cidade está numa pesquisa da Unesp: 40% dos seus habitantes sofrem de distúrbios do sono. A insônia -fruto da ansiedade, da depressão e de outras fobias urbanas- não escolhe gênero nem classe social. Apesar de tudo, tenho a certeza de que meu inferno é mais interessante do que o paraíso dos outros.O encantador da cidade é a emoção que se encontra na resistência, no estilo guerra de guerrilha contra a barbárie.
Nestes dias em São Paulo, conheci um ex-morador de rua (Robson Mendonça) que entrega livros pelo centro da cidade pedalando uma biblioteca, batizada de “bicicloteca”. Conversei com Antônio Miranda, o motorista de táxi e fotógrafo amador que criou a Bibliotáxi, citada como exemplo no site da Associação Americana de Bibliotecas. Descobri motoboys que passaram a entregar livros pela cidade. Foi lançado, na cidade, um programa de inovação educacional a ser desenvolvido na Universidade Stanford (Califórnia) para ajudar a repensar o modo de ensinar nas escolas públicas. Um dos envolvidos no projeto é Paulo Blikstein, ex-aluno da Poli-USP, que acaba de receber um importante prêmio americano de estímulo à pesquisa. No mesmo dia em que era lançado o programa, saía a Plataforma de Cidades Sustentáveis, elaborada pelo Movimento Nossa São Paulo e pelo Instituto Ethos. Com exemplos internacionais, é um roteiro do que é necessário para uma comunidade ser civilizada. A ideia é realizar, a partir de São Paulo, uma ação nacional. Na sexta, o Nossa São Paulo decidiu apoiar um aplicativo batizado de Cidade Mais Feliz, para estimular a população a manifestar-se sobre os problemas que testemunha. Jovens da Casa de Cultura Digital levantaram recursos para o projeto de um ônibus-hacker, que vai visitar bairros e cidades para ensinar como se extraem e se analisam números dos orçamentos públicos, às vezes camuflados pelos governantes. Abalados com os atropelamentos, jovens de classe média saíram às ruas, com uma linguagem mais simples que a das autoridades, para tentar civilizar os motoristas. Graças a jovens de classe média, no final da década de 1990, a cidade mobilizou-se pelo desarmamento - e obteve bons resultados. Na quinta, segundo anúncio oficial, a taxa de homicídios na cidade, nos sete primeiros meses do ano, comparados ao mesmo período do ano anterior, foi 26%. Longe dos bairros nobres, de Heliópolis desenvolveram uma experiência para se comunicarem com outros jovens a fim de evitar o abuso do álcool. Os resultados, medidos por pesquisadores independentes, fizeram com que o projeto servisse de inspiração para um plano de saúde, anunciado no início do mês, para atingir milhares de escolas públicas. Está prevista para hoje uma manifestação contra a violência, promovida por moradores do Morumbi, onde existem desconfianças em relação à favela de Paraisópolis, localizada no meio no bairro. Gilson Rodrigues, um jovem líder daquela comunidade está aproveitando o dia para propor que se construam pontes de diálogo entre os moradores do bairro. Gilson batalha há anos para criar uma sala de concertos. Seria capaz de escrever páginas sobre as pequenas gentilezas urbanas que encontrei nessas semanas. Não são suficientes para acabar com o inferno urbano, mas são um desfile de emoções. Por isso, meu inferno é mais interessante do que o paraíso dos outros. E, tentando chegar ao aeroporto, começo a sentir saudades. (publicado em 28 de agosto)