Em um país onde a caixa de fósforo ganha a posição de instrumento musical e é capaz de produzir boa música, nem sempre o requinte dos metais que compõem uma big band é reconhecido.
“Big band” é a definição de um grupo instrumental nas apresentações de jazz. O conceito e a formação se popularizam nas décadas de 20 a 50 e se tornaram clássicas, permanecendo até hoje. Com uma base de 12 a 25 músicos, elas contêm 4 tipos diferentes de instrumentos: metais - saxofones, trompetes, trombones -, cordas – guitarra, baixo, contrabaixo e piano e percussão - bateria. De acordo com o estilo, é possível também encontrar violino, viola e vioncelo, além de flauta e clarinete. Uma das maiores dificuldades para quem tem uma big band é achar um local adequado para tocar. A formação tradicional de jazz demanda muito espaço. Afinal, colocar cinco saxofonistas, quatro trompetistas, quatro trombonistas, uma bateria e um instrumento harmônico no palco não é uma tarefa fácil. Com muitas pessoas reunidas em um só lugar e os instrumentos grandes e altos quando juntos, o formato de trios e quartetos é o mais usual e requisitado para apresentações em bares e eventos. Antes, delimitados a pequenos recintos que não
valorizavam a sonoridade das bandas de sopro, os músicos dos 10 coletivos tocavam aonde quer que fosse, por uma simples razão: a paixão pela música. E graças ao Teatro da Vila, o Movimento Elefantes ganhou seu palco. “Quem toca no Movimento Elefantes, toca por amor, porque realmente gosta disso”, ressalta o idealizador, o músico Vinícius Pereira.
O início
O músico conta que tudo começou com um convite de três amigos do “Kapicuna Trio”, com apresentações em Caracas. Foi quando o chamaram para acompanhá-los na formação de quarteto. Já em terras venezuelanas, Pereira descobriu o “La Mau”, coletivo que reunia big bands do país em apresentações periódicas e fidelizava o público, não só pelas bandas, mas também pela paixão por música instrumental. Foi quando teve um estalo: mais do que dinheiro, era possível, sim, ter reconhecimento como músico. Foi assim que surgiu, em 2009, o Movimento Elefantes. Reunidos pelo desejo de tocar com suas big bands em São Paulo, hoje é conhecido por sua formação instrumental semelhante, mas que trabalham estilos diversos dentro do conceito de bandas de sopro.
O Elefantes, na verdade, possui quatro big bands, sendo as restantes chamadas combos. Cada uma delas tem um “cacique”, chefes que representam suas bandas dentro do coletivo. “Os grupos são como satélites que orbitam em torno do Movimento”, conta o contrabaixista. Para ele, o amor pelo projeto está não somente nos integrantes, mas em outros músicos e principalmente, no público. E foi graças ao apoio, tanto dos músicos profissionais do Elefantes, quanto dos fãs, que a prensagem dos CDs foi possível. Com arrecadação nas redes sociais e preço de custo na produção do trabalho, hoje é possível levar para casa o som de cada uma das big bands. A corrente de doações não parou e é o que mantém vivo esses Elefantes. Mais do que o reconhecimento, os músicos também ganharam visibilidade e os convites para apresentações na Rede Sesc, por exemplo, aumentaram muito. Toda última segunda-feira do mês, o coletivo abre espaço para uma big band nova se apresentar pelo movimento. Graças a isso, 20 novas bandas já foram descobertas, sendo duas delas de
fora do país e uma, do Espírito Santo. Para 2012, o idealizador conta com o terceiro produto físico e uma grande novidade ainda incerta: o site “Memória do Elefante”, um portal com streaming, agenda e acervo das big bands.
O porquê do nome Se havia dúvidas quanto ao batismo, Pereira é preciso:
“O elefante é enorme, chama a atenção, barulhento, incomoda, mas é uma figura carismática. Dócil e simpático, é um monstro querido que desperta o carisma, assim como as big bands”.
Banda Savana Sob a regência do maestro José Roberto Branco, a Banda Savana é considerada “mãe” de muitas bandas instrumentais. Criada em 1985, trabalha principalmente na divulgação da música brasileira, além de suas próprias composições, mescladas ao jazz. Seu álbum, “Brazilian Movements”, foi produzido e gravado na Dinamarca, em 1991. A Savana conta com 19 músicos e tornou-se reconhecida nacional e internacionalmente por brasileiros e estrangeiros como “super big band”. O sucesso se deve a sua originalidade nos arranjos e composições, que mesclam estilos brasileiros e jazz.
Banda Urbana O trompetista João Lenhari trabalha bastante: o músico se apresenta com Roberto Carlos, toca na Soundscape Big Band e no Sandália de Prata e integra a Banda Urbana. “Muitos dos integrantes da Urbana tocam com nomes famosos, como Toquinho e Fábio Jr. Aqui, é o espaço para tocarmos os sons que gostamos, o que nos motiva a querer trabalhar com música”, conta o músico,
A mistura entre jazz e ritmos dançantes, brasileiros e latinos são as maiores inspirações. A ideia surgiu em parceria com Rubinho Antunes, em 2006, quando estudavam música na Unicamp. Depois de formados, os dois mudaram-se para São Paulo e a banda foi tomando forma. Hoje, conta com 13 integrantes. Para Lenhari, uma das características da Ban-
“Muitos dos integrantes da Urbana tocam com nomes famosos, como Toquinho e Fábio Jr. Aqui, é o espaço para tocarmos os sons que gostamos, o que nos motiva a querer trabalhar com música”
da Urbana é produzir um “som de fácil assimilação para o público que não tem conhecimento técnico e que seja dançante”. Entre as influências, estão a Banda Mantiqueira, as big bands americanas e a Banda Savana. Com o primeiro álbum lançado no final de 2010, o trompetista acredita que a parceria com o Elefantes é muito positiva.
“É mais uma oportunidade para a Banda Urbana mostrar seu som de forma livre a para todos os públicos”.
Big Band da Santa
A Big Band da Santa surgiu em 2001, como uma medida pedagógica para os estudantes de música da Faculdade Santa Marcelina. Segundo Paulo Tiné, professor e membro da banda, o objetivo é justamente apresentar as criações dos alunos de cursos relacionados à música, que também compõem arranjos e experimentações. “Nosso intuito é apresentar músicas originais, não somente as consagradas”, conta Tiné. Atualmente com 18 músicos, a formação instrumental já passou por várias mudanças. Nomes
de outros combos e big bands do Elefantes, como Daniel Nogueira e Vinícius Pereira - atualmente do Projeto Coisa Fina - já fizeram parte da Santa. “As pessoas saem, mas a formação instrumental permanece. A demanda pede músicos, então acabamos convidando outras pessoas, como ex-alunos”, conta. Muitos instrumentistas são indicados por professores da faculdade. “É uma forma de valorizar os professores, recebendo boas indicações de alunos para integrar o grupo”, afirma o professor. O estilo é aberto a arranjos, experimentações e improvisos. No repertório estão presentes, além do frevo, outros ritmos brasileiros. Como principais influências, estão o trabalho de Moacyr Santos, Teddy Jones, Maria Schneider.
“Apresentar o seu trabalho ao público é fundamental, porque é graças a isso que eles são estimulados ao aprendizado e desenvolvimento”.
Paulo ressalta a importância das apresentações para os alunos: “Apresentar o seu trabalho ao público é fundamental, porque é graças a isso que eles são estimulados ao aprendizado e desenvolvimento”. Com o Movimento Elefantes, a didática deu certo e o número de shows anuais aumentou, juntamente com as técnicas dos alunos: “Atualmente, nós fazemos pelo menos quatro apresentações no Teatro da Vila e nossa maior dificuldade é mudar o repertório”, ressalta. Para Paulo, a fórmula do coletivo deu certo para a
música instrumental e ressalta que “muitos grupos gostariam de integrar o Elefantes”. Para o músico, as dificuldades para conseguir trabalho com o estilo ainda é muito difícil e o cenário ainda é estigmatizado como nicho para privilegiados. E ressalta: “As pessoas ainda não estão habituadas a pagar por apresentações instrumentais nacionais e o Elefantes se uniu nessa problemática”.
Grupo Comboio Nem big band (que integra cerca de 18 músicos), nem combo instrumental (entre cinco e oito músicos) . O Grupo Comboio é um híbrido entre as duas formações e conta atualmente com 12 músicos. A banda começou a tomar a forma de “comboio” em 1998, durante as aulas de jazz do curso de Música Popular da Unicamp. Quatro instrumentos de sopro, bateria e guitarra depois, o intuito era trabalhar a improvisação e arranjos sonoros.
Dividida entre Campinas e São Paulo, o grupo se apresentava em temporadas nas duas cidades, até se firmar na capital. Com o tempo, passou a explorar novas possibilidades e criou sua própria identidade musical. Resultado disso foram os dois álbuns lançados: “Sarado”, de 2002 e “Comboio”, de 2005. Jazz e a sonoridade brasileira são suas principais vertentes. Para o terceiro trabalho, “Narrativa da Sobrevivência”, Rui Barossi destacou a
pesquisa e desenvolvimento de 12 anos. Somado a isso, a ajuda do Movimento Elefantes foi fundamental no processo de manutenção desse trabalho. Muitos músicos já passaram pelo híbrido, mas da formação original, restaram Guilherme Mattos, na bateria, e Barossi, no baixo. Com novos músicos surgindo durante a trajetória do grupo, os novos talentos acabam substituindo os integrantes. “É um novo tipo de visão para os músicos, que tem sempre um lugar para tocar. Hoje, sou um dos mais velhos do Comboio e muitos alunos de ex-membros acabaram substituindo os tutores”, conta o baixista. Para ele, a música instrumental vem crescendo exponencialmente desde a década de 1990, mas o público ainda é restrito. E quem integra as big bands, não só faz o som que gosta, mas representa o que quer como pessoa e como artista em sua banda. “É o que eu quero para mim e para o mundo agora, o meu modo de vida, não importa se vai permanecer ou não”, finaliza Rui.
“Possibilitou uma divulgação melhor e mais musicalidade. As bandas passaram a tocar e gravar mais”
projeto Meretrio Emiliano Sampaio, Gustavo Bone e Luíz André “Gigante” são os nomes que comandam o Projeto Meretrio. A banda surgiu em 2003, no curso de música da Unicamp, e tomou a forma de noneto, com seis sopros, para se tornar uma big band e integrar o universo da música instrumental do Movimento Elefantes. A ideia inicial era estudar e experimentar arranjos de música instrumental com a formação de trio. Aos poucos, foram conhecendo outros músicos em São Paulo e acabaram se transformando em um noneto. No repertório, composições originais e algumas releituras de artistas consagrados, como Chico Buarque, além de pop, rock, surf music, música erudita e trilhas de filmes. Para Emiliano Sampaio, integrar o Movimento Elefantes é uma oportunidade para conhecer o trabalho de outros músicos e a diversidade musical das bandas. “Essa diferença é estimulante para qualquer músico”, ressalta. Com o coletivo, o músico acredita que divulgação do cenário instrumental melhorou muito. “Possibilitou uma divulgação melhor e mais musicalidade. As bandas passaram a tocar e gravar mais”, afirma Sampaio. Considerada a mais nova banda do coletivo, o Meretrio inaugurou seu site em dezembro (meretrio.com) e tem ambições maiores para 2012: “Solistas” traz nove faixas dedicadas especialmente a cada um dos músicos do noneto.
Orquestra Hearthbreakers Tudo começou com Guga Stroeter e George Freire, em 1987. Na época,os músicos eram membros de dois diferentes grupos de teatro. Foi quando decidiram unir vocação e paixão pela música instrumental para tocar jazz. Mais do que música, o intuito era incorporar elementos do teatro: luz, roteiro, figurino – tudo para tornar as apresentações mais performáticas. O trabalho começou com homenagens especiais, tributos e eventos. Aos poucos, construíram repertórios que totalizam sete shows diferentes - a chamada “Mostra de Repertório” - que apresenta toda a carreira da Orquestra HB.
Não somente público, admiração e apresentações, a Orquestra foi ganhando mais membros. “A HB tem esse caráter de escola de música, na qual as pessoas passam por aqui para seguir carreira”, contou Stroeter. O conjunto chegou a ter formações estáveis, mas o conceito rotativo se manteve. Mas nem só de jazz vive a big band. Os ritmos variam entre música latina e brasileira, com a ênfase de Guga: “Não acho nenhum gênero melhor que o outro”. Dentro do Elefantes, o maestro conta que, quando apresentado ao projeto, aderiu de imediato. “Participei fortemente com contatos e espaços. Tanto que temos hoje o Teatro da Vila”, contou.
“Acho muito careta culpar o mundo, a queixa só atrapalha”. Para ele, o Movimento Elefantes “mais do que um coletivo, é um exercício de visão de mundo”. Sem negar o capitalismo, afirmou que o estilo é uma vanguarda do trabalho colaborativo, em que os músicos consomem e produzem a mesma essência. Guga justifica a ascensão do projeto. “A empatia e a cumplicidade são fundamentais entre artista e público”. Para finalizar, ressalta que quem quer viver de música, principalmente erudita, não pode esperar nada do governo, grande imprensa e até mesmo do público, afirmando que ”o músico é consciente de seu trabalho e a arte é uma opção”. E completa: “Acho muito careta culpar o mundo, a queixa só atrapalha”.
Projeto Coisa Fina
O cenário da música instrumental no Brasil é considerado carente de apoio e divulgação. Mas para homenagear e difundir o trabalho do Maestro Moacyr e de outros músicos brasileiros menos conhecidos, surgiu o Projeto Coisa Fina. Criado em 2005, com o idealizador do Movimento Elefantes, Vinícius Pereira e amigos, que na maioria, estudavam na faculdade Santa Marcelina. Atualmente com 13 integrantes, a sonoridade da banda traz uma fusão entre ritmos como maracatu, samba e baião, mas destaca de forma inusitada o trabalho
do maestro. Em 2010, foi lançado o primeiro álbum do grupo gravado em estúdio, “Tributo ao Maestro Moacir Santos”, que trouxe também composições autorais de integrantes do Coisa Fina inspiradas pelo músico. O músico afirmou que a ideia do coletivo foi muito bem aceita e ressalta: “Quem toca no Elefantes não toca por ego, por dinheiro, fama, mas sim porque é realmente apaixonado pelo que faz”.
“É a paixão pela música que motiva a banda”, finaliza Nogueira.
Reteté Big Band Reteté é um termo próprio das igrejas, que significa “manifestações das pessoas sob a presença do Espírito Santo durante pregações em cultos”. A ideia surgiu dentro das igrejas, mas Thiago Alves destaca: “Não somos e nem nunca fomos uma banda evangélica”. Feita para quem gosta de boa música, independente da origem, assim é sonoridade da Reteté Big Band. Idealizada em 2004, sua formação foi concretizada apenas em 2006, com o intuito de tocar hinos nas igrejas evangélicas. “Por anos procuramos por um baterista, até finalmente encontrarmos o Paulinho Vicente”, conta o contrabaixista do grupo. A Reteté conta hoje com 17 integrantes, sem piano e com uma tuba no lugar do quarto trombone.
O bom relacionamento entre os músicos nas igrejas foi fundamental para que a banda tomasse forma. “Um foi apresentando outro músico, que gostava do mesmo estilo de som e fomos nos reunindo”, ressalta. Alguns também se conheceram na Escola de Música de São Paulo (EMESP), na big band de Roberto Sião. Fora os hinos, bandas de coreto e fanfarra também inspiram o grupo. Integrar o Movimento Elefantes foi um grande passo para a Reteté: “Conseguimos público e montamos novos repertórios e formações instrumentais”, diz Thiago.
“Conseguimos público e montamos novos repertórios e formação instrumental. Foi uma injeção de ânimo aos integrantes da Reteté”, finaliza o contrabaixista.
Soundscape Big Band No ano de 1999, 17 músicos decidiram se unir para fazer arte e tocar música. Em um cenário paulistano enfraquecido de big bands, surgia a Soundscape Big Band. Com formação clássica, a banda traz para o palco cinco saxofones, quatro trombones, quatro trompetes, baixo acústico, bateria, piano e guitarra e tem como inspiração o mainstream das décadas de 50, 60, 70 e o jazz. Dorival Galante, um dos trompetistas do grupo, descreve bem a forma de compor da Soundscape:
“É a maneira como você faz a música, não a música que você faz. O nosso trabalho não atende a receitas comerciais, é o que é e por isso, atrai público”. O músico explicou que, entre as décadas de 1930 e 1960, o som das big bands era mais dançante. Foi a partir da 1970 que surgiram as maiores influências do jazz e das orquestras de concerto, que trazem muitas características da música erudita.
“Nós buscamos um aprimoramento, inventividade, democratizando a música erudita”, contou o trompetista.
Segundo ele, muitos produtores são contra a música mais trabalhada, porque acreditam que o público não vai entender. “Isso é subestimar as pessoas”, ressaltou.
Apaixonado por jazz, Galante é incisivo quando questionado sobre o estilo: “É muito mais que um estilo, é uma filosofia que agrega a história de um povo e trata a música como arte atemporal”.