#18
Julho l Agosto l Setembro 2019
ISSN 2448-3885
Revista do CAU/SP
Bate-Papo
A obra de Fernando Brandão, um brasileiro que brilha na China
Em Debate
Caminhar, a melhor forma de mobilidade
Memorial da América Latina
A Arquitetura de Oscar Niemeyer e o ideal de integração latino-americano
LÁPIS
NA PONTA DO
LEDA MARIA LAMANNA FERRAZ ROSA VAN BODEGRAVEN
Croqui de uma indústria para fabricação de vidros, cuja implantação contempla o programa de necessidades, o processo fabril utilizado e seus maquinários, o volume produzido, os requisitos ocupacionais e funcionais para os seus operadores e demais particularidades. O partido arquitetônico adotado considera o meio ambiente e o entorno, de forma sustentável e integrada.
EDITORIAL CCOM
ÍNDICE
30 I Especial
30 anos do Memorial da América Latina
22 I Bate-papo
Fernando Brandão, um brasileiro que faz sucesso na China
52 I Arquitetura no Mundo
Uma pequena viagem por algumas das mais fascinantes bibliotecas do mundo
18 I Em Debate
Arquitetos debatem as vantagens de cidades mais caminháveis
38 I Concurso
Sede da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Sorocaba
46 I Exercício Profissional
A importância de elaborar uma proposta comercial adequada
E MAIS: 06 12 14 16 60 62 64 66
I I I I I I I I
CAU/SP em Ação Regionais Curtas do CEAU Arquitetura Paulista Olhar do Arquiteto Ouvidoria Fique Atento Ponto de Vista
P
assou tão rápido... 30 anos de existência do Memorial da América Latina, projetado pelo mestre arquiteto Oscar Niemeyer. Essa é nossa matéria de capa da Móbile #18, que traz também informações sobre a realização do II Fórum Internacional Niemeyer, que aconteceu em agosto passado no prédio da Biblioteca Victor Civita, fazendo parte dos eventos comemorativos dos 30 anos do Memorial. O organizador do Fórum foi o bisneto de Oscar Niemeyer, Paulo Sergio Niemeyer, que trabalhou nos projetos e acompanhou a construção do espaço. O tema da editoria Em Debate, “Por um novo caminho”, traz a discussão da mobilidade urbana sustentável, estimulando a caminhada como uma forma agradável de exercitar o corpo e a mente. Essa discussão versa sobre um melhor planejamento urbano e mudanças que são necessárias para implementar os espaços para pedestres, valorizando o caminhar. Três arquitetos e urbanistas trazem suas contribuições para o tema: Rosemeiry Leite, Carlos Leite e Lincoln Paiva. A surpreendente história de vida profissional do arquiteto e urbanista Fernando Brandão, que desenvolveu sua carreira e escritório, expandindo as fronteiras para a longínqua Xangai (China) está na seção Bate Papo. Ao vencer o concurso para o Pavilhão do Brasil na feira Universal de Xangai, em 2010, seu nome foi projetado para o mercado chinês, quando foi convidado pelo governo para ser docente em uma das universidades chinesas, com o intuito de colocar 10 universidades entre as 100 melhores do mundo. A seção Acontece, com o título “O Poder Feminino”, trata a mobilização nacional das profissionais arquitetas, que procuram espaço e representação condizentes com a porcentagem que é de mais de 60% de profissionais registradas no CAU no Brasil todo. Fizemos a entrevista com a arquiteta Laura Novo de Azevedo, que é docente na Universidade Oxford Brookes, onde desde 2002 coordena três cursos de pós-graduação em Urbanismo e Planejamento. Vale a pena conferir! A seção Arquitetura no Mundo traz o fascinante tema para os aficionados em leitura e livros: as bibliotecas. Inovação e empreendedorismo marcam a entrevista com a arquiteta espanhola Maria Archer Graell, CEO e fundadora da FEM Arquitectura em Barcelona. Ela nos conta como ainda recém-formada conseguiu trabalhar na Indonésia para reconstruir um vilarejo que havia sido devastado pelo Tsunami de 2004. Desde então se tornou referência em arquitetura de emergência. Os projetos vencedores do concurso para a nova sede da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Sorocaba fecham nossa edição com a boa prática da arquitetura paulista. Boa leitura!!
Nancy Laranjeira Tavares de Camargo Coordenadora da CCom. Comissão Especial de Comunicação do CAU/SP * revista@causp.gov.br Nancy Laranjeira Tavares de Camargo Coordenadora Maria Alice Gaiotto Coordenadora Adjunta
Claudio Zardo Búrigo Marcia Helena Souza da Silva Martin Corullon
As ideias ou opiniões expostas nos artigos ou textos dos colaboradores são de responsabilidade dos próprios autores, não refletindo, Julho l Agosto necessariamente, a opinião ou posicionamento do CAU/SP . l Setembro 2019
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EXPEDIENTE
CONSELHO DIRETOR José Roberto Geraldine Junior Presidente Valdir Bergamini Vice-presidente José Antonio Lanchoti (Coordenador) Comissão de Ensino e Formação (CEF – CAU/SP) Anita Affonso Ferreira (Coordenadora) Comissão de Ética e Disciplina (CED – CAU/SP) Alex Marques Rosa (Coordenador) Comissão de Exercício Profissional (CEP – CAU/SP) CONSELHEIRAS FEDERAIS Nadia Somekh Titular
Helena Aparecida Ayoub Silva Suplente
CONSELHEIROS ESTADUAIS - TITULARES Adriana Blay Levisky Guilherme Carpintero de Carvalho Alan Silva Cury José Antonio Lanchoti Alex Marques Rosa Jose Marques Carrico André Luis Queiroz Blanco José Roberto Geraldine Junior Angela de Arruda Camargo Amaral Luiz Antonio Cortez Ferreira Angela Golin Luiz Antonio de Paula Nunes Anita Affonso Ferreira Marcelo Martins Barrachi Carlos Alberto Palladini Filho Marcia Helena Souza da Silva Carlos Alberto Silveira Pupo Marco Antonio Teixeira da Silva Cassia Regina Carvalho de Magaldi Marcos Cartum Catherine Otondo Maria Alice Gaiotto Claudio de Campos Maria Fernanda Avila de Sousa Claudio Zardo Búrigo da Silveira Delcimar Marques Teodoro Maria Rita Silveira de Paula Amoroso Denise Antonucci Mario Wilson Pedreira Reali Dilene Zaparoli Marta Maria Lagreca de Sales Edson Jorge Elito Martin Gonzalo Corullon Fernanda Menegari Querido Mauro Claro Fernando de Mello Franco Mel Gatti de Godoy Pereira Flavio Marcondes
Miguel Antonio Buzzar Miriam Roux Azevedo Addor Nabil Georges Bonduki Nancy Laranjeira Tavares de Camargo Nelson Gonçalves de Lima Junior Paulo Marcio Filomeno Mantovani Poliana Risso Silva Ueda Rafael Paulo Ambrosio Rossella Rossetto Ruy dos Santos Pinto Junior Salua Kairuz Manoel Silvana Serafino Cambiaghi Tercia Almeida de Oliveira Valdir Bergamini Vanessa Gayego Bello Figueiredo Vera Santana Luz Vinicius Hernandes de Andrade Violeta Saldanha Kubrusly
CONSELHEIROS ESTADUAIS - SUPLENTES Adalberto da Silva Retto Junior Fabiano Puglia Moreno Marin Ailton Pessoa de Siqueira Fabio de Almeida Muzetti Ana Cristina Gieron Fonseca Fábio Mariz Gonçalves Ana Lucia Ceravolo Flavia Regina de Lacerda Abreu André Gonçalves dos Ramos Gianfranco Vannucchi Andre Luis Avezum Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin Andressa Rodriguez Hernandez Katia Piclum Versosa Breno Berezovsky Laura Lucia Vieira Ceneviva Carlos Antonio Spinhardi Leda Maria Lamanna Ferraz Rosa Van Carolina Margarido Moreira Bodegraven Cícero Pedro Petrica Leila Regina Diegoli Consuelo Aparecida Gonçalves Gallego Liana Paula Perez de Oliveira Daniela da Camara Sutti Lizete Maria Rubano Daniela Perez Nader Andréo Lua Nitsche Danusa Teodoro Sampaio Luiz Eduardo Siena Medeiros Eduardo Trani Marcelo Consiglio Barbosa Eleusina Lavor Holanda de Freitas Marise Cespedes Tavolaro Enio Moro Junior Mauro Ferreira Eurico Pizao Neto Milton Liebentritt de Almeida Braga
Natália Costa Martins Patricia Robalo Groke Paulo de Falco Epifani Paulo Machado Lisbôa Filho Raquel Rolnik Raquel Vieira Feitoza Renata Alves Sunega Renato Matti Malki Ricardo Aguillar da Silva Roberto Claudio dos Santos Aflalo Filho Roberto Loeb Sami Bussab Sarah Feldman Sergio Baldi Sergio de Paula Leite Sampaio Silvana Dudonis Vitorelo Iizuka Sofia Puppin Rontani Weber Sutti
EXPEDIENTE CCOM Conselho e coordenação editorial Daniele Moraes Coordenadora de Comunicação Epaminondas Neto Técnico de Comunicação
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Carlos Alberto Silveira Pupo (Coordenador) Comissão de Fiscalização (CF – CAU/SP) Tercia Almeida de Oliveira (Coordenadora) Comissão de Organização e Administração (COA – CAU/SP) Marco Antonio Teixeira da Silva (Coordenador) Comissão de Planejamento e Finanças (CPFi – CAU/SP)
Editado por Ex Libris Comunicação Integrada Jornalista: Jayme Brener (Mtb 19.289) Editor: Silvia Lakatos Textos: Marco Paulo Ferreira, Silvia Lakatos, Daniele Moraes, Epaminondas Neto e Catarine Figueiredo. Projeto gráfico e diagramação: Regina G. Beer Impressão: Coan Industria Grafica Ltda. Tiragem: 57 mil exemplares revista@causp.gov.br
COMISSÕES ORDINÁRIAS Comissão de Ensino e Formação do CAU/SP José Antonio Lanchoti (Coordenador), Flavio Marcondes (Coordenador Adjunto), Nelson Gonçalves de Lima Junior, Delcimar Marques Teodozio, José Marques Carriço, Miguel Buzzar, Mauro Claro, Vera Santana Luz, Vinicius Hernandes de Andrade, Fernando de Melo Franco, Vanessa Bello Figueiredo Comissão de Ética e Disciplina do CAU/SP Anita Affonso Ferreira (Coordenadora), Marcos Cartum (Coordenador Adjunto), Luiz Antonio de Paula Nunes, Denise Antonucci, Cassia Regina Magaldi, Marcia Helena Souza da Silva, Claudio Zardo Búrigo, Poliana Risso Silva Ueda, Rafael Paulo Ambrosio Comissão de Exercício Profissional do CAU/SP Alex Marques Rosa (Coordenador), Dilene Zaparoli (Coordenadora Adjunta), Alan Silva Cury, Luiz Antonio Cortez Ferreira, Claudio de Campos, Maria Fernanda A. de S. da Silveira, Catherine Otondo, Martin Gonzalo Corullon, Carlos Alberto Palladini Filho Comissão de Fiscalização do CAU/SP Carlos Alberto Silveira Pupo (Coordenador), Paulo Marcio Filomeno Mantovani (Coordenador Adjunto), Marcelo Martins Barrachi, Silvana Serafino Cambiaghi, Mel Gatti de Godoy Pereira, Angela Golin, Guilherme Carpintero, Salua Kairuz Manoel Comissão de Organização e Administração do CAU/SP Tercia Almeida de Oliveira (Coordenadora), Adriana Blay Levisky (Coordenadora Adjunta), André Luis Queiroz Blanco, Ruy dos Santos Pinto Junior, Violêta Saldanha Kubrusly, Marta Maria Lagreca de Sales, Nabil Georges Bonduki, Rossella Rossetto Comissão de Planejamento e Finanças do CAU/SP Marco Antonio Teixeira da Silva (Coordenador), Miriam Roux Azevedo Addor (Coordenadora Adjunta), Edson Jorge Elito, Nancy Laranjeira Tavares de Camargo, Maria Rita Silveira de Paula Amoroso, Maria Alice Gaiotto, Angela de Arruda Camargo Amaral, Fernanda Menegari Querido, Mario Wilson Pedreira Reali COMISSÕES ESPECIAIS Comissão de Desenvolvimento Profissional do CAU/SP André Luis Queiroz Blanco (Coordenador), Fernanda Menegari Querido (Coordenadora adjunta), Maria Fernanda Avila de Sousa da Silveira, Luiz Antonio de Paula Nunes, Claudio de Campos Marta Comissão de Política Urbana, Ambiental e Territorial do CAU/SP Nabil Georges Bonduki (Coordenador), Adriana Blay Levisky (Coordenadora adjunta), Paulo Marcio Filomeno Mantovani, Miguel Antonio Buzzar, Maria Lagreca de Sales Comissão de Comunicação do CAU/SP Nancy Laranjeira Tavares de Camargo (Coordenadora), Maria Alice Gaiotto (Coordenadora adjunta), Claudio Zardo Búrigo, Marcia Helena Souza da Silva, Martin Gonzalo Corullon Comissão de Relações Institucionais do CAU/SP Marcelo Martins Barrachi (Coordenador), Edson Jorge Elito (Coordenador adjunto), Ruy dos Santos Pinto Junior, Poliana Risso Silva Ueda, Nelson Goncalves de Lima Junior Comissão de Patrimônio Cultural do CAU/SP Maria Rita Silveira de Paula Amoroso (Coordenador), Vanessa Gayego Bello Figueiredo (Coordenadora adjunta), Cassia Regina Carvalho de Magaldi, Carlos Alberto Palladini Filho, Dilene Zaparoli
PALAVRA DO PRESIDENTE
É
com satisfação que mais uma vez compartilhamos na Revista Móbile – um dos principais canais de comunicação entre o Conselho e os arquitetos e urbanistas paulistas – nossas conquistas e desafios. Registramos nesta edição, o recente reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo Conselho ocorrido, pelo terceiro ano consecutivo, em premiação realizada durante a Conferência Nacional dos Conselhos Profissionais. Em 2019, fomos contemplados pela excelência na apresentação de relatórios de gestão, editais de parcerias e plano de ação orçamentário. Além disso, o CAU/SP vem sendo apontado como referência pelos órgãos de controle externo, em relação à transparência de seus atos, prestação de contas e atividades. Sabemos também, é claro, que nossos desafios, como autarquia pública federal, não são pequenos. Cerca de 32% dos profissionais ativos no país estão registrados no Estado de São Paulo, além de 28% das empresas do setor. A cada ano, temos o incremento de cerca de 4 mil novos profissionais no mercado de trabalho, egressos dos mais de 180 cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo oferecidos somente no Estado de São Paulo. Diante disso, o Conselho tem se dedicado cotidianamente ao fortalecimento de ações de fiscalização do exercício profissional, como vetor estratégico de atuação, ampliando a capacidade de ação de nossas equipes e, consequentemente, o atendimento às demandas. O investimento contínuo em infraestrutura e capacitação do quadro funcional têm ainda o objetivo de proporcionar as melhores condições para o cumprimento exemplar de nossas funções precípuas. Apoiar iniciativas que resultem na garantia da qualidade do ensino em Arquitetura e Urbanismo é também um de nossos compromissos ressaltados nesta oportunidade. Por isso, o CAU/SP empenha esforços para que a discussão a respeito da necessária formação presencial na graduação seja expandida e desenvolve ações que visam proporcionar a disseminação de boas práticas de ensino na área. Nos próximos meses, como resultado do Edital de Fomento às iniciativas voltadas à capacitação profissional, valorização da Arquitetura e Urbanismo e geração de emprego e renda, o CAU/SP apoiará arquitetos e urbanistas da capital e das dez sedes regionais no aperfeiçoamento constante suas atribuições. Além disso, irá financiar projetos ligados à Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social. Por fim, ressaltamos nosso olhar atento às questões de inclusão e acessibilidade transformado em ação concreta: a disponibilização de intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras), durante as transmissões ao vivo pela Internet de nossas reuniões plenárias
Daia oliver
Trabalho reconhecido
José Roberto Geraldine Junior Presidente Julho l Agosto l Setembro 2019
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CAU/SP EM AÇÃO
Prêmios por excelência de relatórios, planos de ação e editais
bem como os recursos interativos para ligação com os demais documentos financeiros e administrativos da autarquia.
Acervo CAU/SP
elo terceiro ano consecutivo, o CAU/SP foi premiado durante a Conferência Nacional de Conselhos Profissionais pela excelência de seus relatórios, editais e plano de ação. Neste ano, o CAU/SP destacou-se nas seguintes categorias: a) melhor plano de ação; b) melhor relatório de gestão; c) melhor edital de serviços de manutenção predial por demanda; d) melhor edital de aquisição de objetos com avaliação de amostras. A equipe julgadora levou em conta a qualidade e a quantidade das informações fornecidas por meio dos relatórios produzidos pelo Conselho,
Acervo CAU/SP
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Os conselheiros e funcionários integrantes da Comissão de Planejamento e Finanças do CAU/SP
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Acervo CAU/SP
Conselho busca parceria com síndicos e gestores
A
Comissão de Fiscalização lançou um canal de atendimento exclusivo, dedicado a síndicos e gestores privados de condomínios horizontais e verticais. O objetivo do projeto “Síndico Consciente” é coibir a realização de obras sem um responsável técnico ou com documentação irregular. Em paralelo, a Fiscalização lançou uma série de ações na rua, principalmente pelo interior do Estado. A Comissão deve traçar diagnósticos individualizados, de modo a implementar os planos de ação mais indicados para cada região.
Novo Edital de Parcerias leva capacitação para profissionais nas 10 sedes regionais do Conselho
O
Marcos Santos/USP
CAU/SP reservou o valor de R$ 1,65 milhão para a edição deste ano do Edital de Parcerias. Por meio desta chamada pública, o Conselho apoia iniciativas que promovam a difusão do conhecimento técnico, científico e cultural. Nesta edição, foram definidos oito lotes temáticos para as propostas: acessibilidade, BIM, empreendedorismo, orientação para montagem de escritório de Arquitetura e Urbanismo, norma de desempenho, exposição de produção em Arquitetura e Urbanismo, e valorização da Arquitetura e Urbanismo. As atividades contempladas têm o objetivo prioritário de capacitar profissionais arquitetos e urbanistas na capital e nas dez sedes regionais do CAU/SP no Estado.
Área interna da Biblioteca Mário de Andrade, na região central de São Paulo
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CAU/SP EM AÇÃO
Acervo CAU/SP
CAU/UFs acertam procedimentos únicos para fiscalização
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om lançamento previsto para este ano, o Plano Nacional de Fiscalização será fundamental para unificar diretrizes e procedimentos dos CAU/UFs. No encontro do Rio de Janeiro, nos dias 23 e 24/07, e que contou com a participação do CAU/SP, fiscais e conselheiros debateram, entre outros temas, a chamada dosimetria na aplicação de multas, buscando fixar uma política-padrão para todos os Conselhos.
Pela internacionalização da Arquitetura brasileira
O
CAU/SP participou em julho das tratativas para a renovação do programa “Built By Brazil”, dedicado à internacionalização da Arquitetura e Urbanismo brasileiros. O “Built By Brazil” é um programa conjunto da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA) e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil, do Governo Federal), com parceria do CAU/BR.
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Série de vídeos auxilia a solicitar registros e certidões
O
CAU/SP lançou na primeira quinzena de setembro uma série de vídeos educativos para ajudar os arquitetos e urbanistas a obterem os principais documentos necessários ao exercício profissional. Todos os vídeos já estão disponíveis no canal do CAU/SP no portal YouTube. O primeiro material desta série é dedicado ao Registro de Responsabilidade Técnica (RRT).
Acervo CAU/SP
Um aliado para os arquitetos e urbanistas
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A
língua brasileira de sinais (Libras) foi utilizada pela primeira vez em uma reunião plenária do CAU/SP em julho. Dois tradutores capacitados nesta língua se revezaram para transmitir o conteúdo da reunião, durante a transmissão ao vivo pela Internet. A iniciativa foi possível devido à parceria estabelecida com a Secretaria da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo.
Profissionais do interior e da capital ganham capacitação
A
Comissão de Exercício Profissional deu sequência aos cursos realizados desde o ano passado, alcançando cada vez mais os arquitetos e urbanistas do interior por meio de parcerias com as associações locais. Entre julho e agosto, Araras, Cotia e Guarujá sediaram sessões de capacitação, em que os arquitetos e urbanistas receberam aulas sobre uso da Tabela de Honorários, registro de atividades técnicas, constituição de acervo, ética, entre outros assuntos.
Acervo CAU/SP
Em ação inédita, Plenário adota tradução em Libras
site “Ache um Arquiteto” (https://acheumarquiteto. caubr.gov.br/), do CAU/BR, é uma ferramenta útil para os profissionais divulgarem seu trabalho e alcançarem a sociedade. Arquitetos e urbanistas estão convidados a manter seus contatos profissionais sempre atualizados no Sistema de Informação e Comunicação do CAU (SICCAU), fonte primordial para alimentar esta plataforma com informações corretas e atualizadas. Nos próximos meses, o site terá novidades, entre elas uma atualização visual e operacional, além de mais recursos.
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CAU/SP EM AÇÃO
Apoio à assistência técnica para habitação social Fotos: Anderson Peron
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o final de agosto, o CAU/SP lançou a nova edição de sua chamada pública para suportar iniciativas no campo da Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (Athis). O Conselho recebeu projetos até o dia 26 de setembro. O valor orçado foi dividido em dois lotes: um para contemplar propostas a serem realizadas na Região Metropolitana de São Paulo; o outro, dirigido para municípios do interior do estado. Todas as informações sobre a chamada pública estão disponíveis no Portal da Transparência do CAU/SP.
Criada comissão para realizar próximo concurso público
O
Plenário do CAU/SP aprovou em sua reunião de julho a criação da Comissão Temporária de Concurso Público de Empregados. A realização deste concurso público é uma etapa fundamental do processo
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de reestruturação organizacional da autarquia. Além do aumento do quadro de funcionários, este processo prevê a reorganização administrativa de diversas áreas de modo a aprimorar a gestão do Conselho.
Reconhecimento para as boas práticas de ensino
Prorrogado o prazo para renovação de débitos em atraso
E
m agosto, o CAU/SP lançou um edital para selecionar e reconhecer boas práticas pedagógicas no ensino de Arquitetura e Urbanismo. Os proponentes dos melhores trabalhos vão receber a menção honrosa “Boas Práticas no Ensino e Formação em Arquitetura e Urbanismo” durante o II Seminário Nacional sobre Ensino e Formação – SENASEF, a ser realizado em novembro.
A
té o dia 31 de dezembro de 2019, arquitetos e urbanistas e empresas em débito com o CAU podem fazer a negociação do parcelamento via SICCAU. O Plenário do CAU/BR decidiu prorrogar o prazo do programa de renegociação das dívidas em atraso (Refis) durante a 92ª Reunião Plenária Ordinária do Conselho, realizada em Brasília no final de julho.
Defensoria aprova inscrições para prestação de assistência
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esde o dia 21/08, está vigente a lista dos profissionais arquitetos e urbanistas aprovados para a prestação de assistência técnica nos processos judiciais e vistorias extrajudiciais patrocinados pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Os profissionais devem ter atenção aos e-mails e telefones de contato informados no período de inscrição, pois serão os meios de comunicação para envio das indicações.
O Conselho ressalta ainda a importância dos atendimentos e procedimentos formais para a execução da prestação de serviço, que devem ocorrer de acordo com as indicações da Defensoria Pública, disponíveis no Manual do Convênio.
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REGIONAIS
I BAURU
I PRESIDENTE PRUDENTE
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lém das atividades regulares de fiscalização de obras e empresas, bem como da prestação de coleta biométrica de dados, a Regional atuou para levar esclarecimentos sobre o exercício profissional aos estudantes de Arquitetura e Urbanismo da região. Os graduandos da Unip e da FIB Bauru foram o público-alvo das palestras realizadas no final de agosto, quando foram apresentadas informações sobre a atuação do CAU/SP e a legislação profissional.
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I CAMPINAS
I RIBEIRÃO PRETO
N
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o último trimestre, a Regional de Campinas priorizou ações de fiscalização ligadas ao patrimônio histórico, dentre elas apuração da queda da cobertura da Estação Ferroviária, em Americana. O subgerente Victor Chinaglia participou das audiências públicas do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana de Campinas (PDUIRMC), que envolve os Planos Diretores das cidades de Paulínia, Nova Odessa, Cosmópolis e Americana. A Regional mantém as ações de orientar e incentivar o preenchimento do RRT de Cargo e Função nas prefeituras e a inscrição dos escritórios técnicos de órgãos públicos junto ao CAU para valorizar os arquitetos e urbanistas públicos.
s estudantes das instituições de ensino UNOESTE e Universidade Toledo tiveram a oportunidade de assistir a palestra “Profissão Arquiteto”, que traz informações sobre o Conselho e legislação profissional aos futuros arquitetos e urbanistas. A Regional também ofereceu sessão de coleta biométrica de dados, necessária para a Identidade Profissional, e atuou em conjunto com a equipe de fiscalização para averiguar obras e empresas da região.
m agosto, o presidente José Roberto Geraldine Junior esteve presente à cerimônia de abertura e saudou os presentes na 10ª Semana de Arquitetura, na Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto (AEAARP). A Regional esteve presente nas audiências públicas promovidas pela Secretaria de Planejamento de Ribeirão Preto sobre parcelamento, uso e ocupação do solo, mobilidade e ATHIS. Ainda neste mês, o CAU/SP entrou na programação oficial da Casa Cor Ribeirão Preto 2019 com a palestra “Bate papo com o CAU”, quando o subgerente Éder Silva e a fiscal Camila falaram sobre as atividades do Conselho aos profissionais visitantes no evento.
I MOGI DAS CRUZES
O
Projeto CAU na Cidade, do CAU/SP, iniciou suas atividades na Regional Mogi das Cruzes. A subgerente Jane Marta contou que as palestras foram de grande proveito para os participantes, “especialmente pelo envolvimento direto dos palestrantes com as discussões mais importantes da região, além de promover capacitação técnica e aproximação entre as pessoas”. Como resultado, as primeiras ações pós-evento já estão programadas em Mogi das Cruzes para dar continuidade aos temas tratados nas atividades.
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I SANTOS
I SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
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regional de Santos consolida cada vez mais a aproximação com os profissionais da região da Baixada Santista e Vale do Ribeira, por meio de cursos de capacitação dos profissionais atuantes. Também promoveu atividades vinculadas às associações de mesma categoria e setor como o curso de capacitação na AEAG (Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Guarujá), discussões na ASSECOB (Associação dos Empresários da Construção Civil da Baixada Santista), e com a revisão da LC 1006/2018 da Lei de Uso e Ocupação do Solo da Prefeitura Municipal de Santos. O subgerente Daniel Proença esteve presente também na 1ª Semana de Engenharia na AEAPG apresentando as ações de fiscalização, além de representação na 2ª Mostra DECORE em Praia Grande e no Painel do Seminário de Gestão, Sustentabilidade para Condomínios na AEAS.
I SANTO ANDRÉ (ABC)
A
regional do ABC recebeu a primeira etapa do projeto “CAU na Cidade” na semana do dia 05/08. A aproximação entre arquitetos e urbanistas, representantes do poder público, sociedade civil e entidades foi um dos destaques do evento. A atividade também fortaleceu relações institucionais entre o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e o CAU/SP ao tratar de assuntos do cotidiano dos profissionais, como mobilidade urbana, patrimônio histórico, acessibilidade e exercício profissional. “Embora seja uma regional compacta em dimensões geográficas, possuímos mais de 3 mil arquitetos e urbanistas ao todo nas sete cidades do Grande ABC com potencial de aumentarem a participação nos debates sobre políticas públicas”, disse o subgerente regional Felipe Oliveira.
m São José dos Campos, a fiscalização atuou em obras nas cidades do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira, e fez reuniões com a fiscalização do CREA com a finalidade de estreitar relações tendo em vista as atividades compartilhadas. Em conjunto com o subgerente Paulo André, realizou reuniões com o Corpo de Bombeiros para novas instruções de procedimento em grandes eventos na região. Foram promovidos também cursos aos profissionais quanto ao uso do SICCAU e Tabela de Honorários, bem como o registro de 95 novos arquitetos.
I SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
E
m São José do Rio Preto, foi reforçada a aproximação com os profissionais no último trimestre. O subgerente Kedson Barbero participou de diversas reuniões como no Conselho das Cidades de Jales/SP, no Conselho do Plano Diretor de Rio Preto e no Fórum Regional da Água promovida pela Associação Amigos dos Mananciais (AAMA). A Regional esteve presente no evento do Dia do Patrimônio Histórico no Museu de Arte Primitivista José Antônio da Silva em Rio Preto além de promover palestras e realizar atendimento aos profissionais da região.
I SOROCABA
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“CAU na Cidade” em Sorocaba ganhou destaque dentre as atividades realizadas pela regional nesse último trimestre. Seguindo o plano de ação de ampliar a participação dos estudantes nas atividades do Conselho, o evento contou com a presença de alunos das universidades da região. “Cada palestra que teve, foi uma abertura para um nicho de mercado. Mostrou que a Arquitetura não é somente fazer projeto, que há um mercado muito amplo” disse o subgerente Eduardo Gatti. E ainda, como resultado imediato, foi formado um grupo de ATHIS com arquitetos presentes nas palestras para se reunir com a Secretaria de Habitação do município. Julho l Agosto l Setembro 2019
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Bruna Moreschi
CURTAS DO CEAU
I AsBEA
Organização
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o dia 26 de Junho de 2019, uma nova diretoria da AsBEA foi eleita durante a 47ª Assembleia Geral, realizada em São Paulo. Mais do que a escolha de uma nova diretoria, a data marca a fundação da AsBEA-SP. Com a organização em regionais que ocorreu na AsBEA, a representação nacional se misturou com a de São Paulo, sua sede atual. Para que a representação paulista fosse reforçada e ampliada, foi criada a AsBEA-SP, que agora se junta aos estados do Amazonas, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Agora, a nova AsBEA-BR será gerida por um presidente e o colegiado de presidentes das unidades regionais e, quando concluída esta nova organização, será iniciado um novo ciclo de trabalhos da AsBEA. Henrique Mélega Re, presidente da AsBEA-SP
I ABAP
Agenda intensa
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ABAP mantém sua agenda de eventos neste semestre, tendo realizado, em agosto, a palestra aberta, transmitida ao vivo em nossas redes sociais, “Jardins de Cerrado para celebrar a Savana Brasileira”, com Mariana Siqueira, que em seguida ministrou junto a Ricardo Francischetti e Daniel Caballero um curso sobre essa temática de grande importância ambiental e de estética pouco explorada. Para o fim do ano, a ABAP promove visitas ao viveiro de mudas Fábrica de Árvores e também ao Clube Náutico Araraquara, levando os interessados para contemplar a obra realizada ao longo de 40 anos por Luiz Matthes em bioma predominantemente de Cerrado. No dia 30 de novembro, acontece a premiação dos vencedores do III Prêmio Rosa Kliass, concurso universitário de paisagismo, que avalia os trabalhos finais de graduação realizados em 2018. Mais informações em nosso site e redes sociais.
I ABEA
Diretrizes Curriculares Nacionais
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ABEA e a CEF/Br concluíram a nova proposta das DCNs - Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Arquitetura e Urbanismo. O documento encontra-se em consulta nas CEFs dos CAU/UFs para possíveis sugestões. Foram 14 reuniões em todas as regiões do país, cujo início foi a Carta de Sergipe para o ensino de Arquitetura e Urbanismo. A proposta da nova DCN apresenta outros campos de conhecimento que na atual DCN não estavam contemplados. Destacamos
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os conhecimentos na área da segurança das edificações, atendendo à legislação federal, as áreas da habitação de interesse social e assistência técnica e mobilidade. Frisamos ainda que este novo documento abrange diretrizes curriculares e não currículo mínimo, cabendo às escolas atenderem na integridade as áreas ali definidas. Porém, com o uso da liberdade e criatividade na elaboração dos seus projetos pedagógicos.
I IABsp
Nelson Kon
12ª Bienal Internacional de Arquitetura
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omeçou em 10 de setembro, na capital paulista, a 12ª Bienal Internacional de Arquitetura, organizada pelo departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil-IAB. “Todo dia”, a proposta curatorial da 12ª BIA – pela primeira vez escolhida em um concurso público – envolve destacar o protagonismo do cotidiano na Arquitetura e no Urbanismo no século 21. A exposição “Todo dia” ocupa o edifício do Sesc 24 de Maio com dez intervenções, cada uma produzida por uma das equipes convidadas de sete países diferentes, distribuídas nos espaços comuns do edifício. A partir do dia 13 do mesmo mês, foi aberta a exposição “Arquitetura do Cotidiano”, no Centro Cultural São Paulo – (CCSP), com 74 obras escolhidas por um júri internacional entre os 710 trabalhos enviados de todo o Brasil e de 30 países.
I SASP
Debate gratuito sobre Regularização Fundiária, em Ribeirão Preto
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rquitetos e urbanistas, estudantes, advogados e população em geral de Ribeirão Preto e região terão a oportunidade de participar de um debate gratuito sobre Regularização Fundiária. Já estão confirmados
para o debate o arquiteto e urbanista Maurílio Chiaretti (presidente do SASP e responsável técnico pela regularização fundiária do Jardim Progresso – Ribeirão Preto/SP), a Dra. Rosane Tierno (especialista em regularização fundiária, membro do IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – , e coordenadora do Núcleo de Habitação e Regularização Fundiária da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/SP), a Dra. Julia Navarro e o Dr. André Simionato (sócios de escritório de advocacia especializado em regularização fundiária e membros da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/RP). Mais informações em nosso site e redes sociais. Julho l Agosto l Setembro 2019
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Leo Varuzza
ARQUITETURA PAULISTA
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Casa da Pedra
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ncravada entre as pedras no morro que separa as praias de Pitangueiras e Astúrias, na cidade de Guarujá, no litoral sul de São Paulo, a Casa da Pedra foi projetada em 1952 pelo arquiteto e urbanista ucraniano radicado no Brasil Gregori Warchavchik (1896-1971), que chegou ao país em 1923. Em formato geométrico e com elementos em ferro e vidro, a construção mantém-se em ótimas condições estruturais, mesmo sob os efeitos da maresia, da umidade e dos seus quase 70 anos de existência. Em seu interior, as rochas foram aproveitadas pelo arquiteto na parte estrutural, mas também fazem parte do revestimento interno, seja na parede ou até mesmo na área da banheira. Já na parte externa, Warchavchik apostou nas pastilhas, material de acabamento muito popular na Guarujá dos anos 50. Vale lembrar que pelo escritório de Warchavchik passaram outros grandes nomes da nossa Arquitetura e Urbanismo, como Oscar Niemeyer e Vilanova Artigas, e também o americano Charles Bosworth e o italiano Henrique Cristofani (ou Verona, como gostava de ser chamado). Considerada um símbolo da ocupação paulista do litoral, em 2003, a Casa da Pedra foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat).
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EM DEBATE
Por um novo caminho
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odelo de mobilidade urbana sustentável, que busca estimular a caminhada agradável em espaços especialmente planejados para tal, a caminhabilidade vem ganhando cada vez mais espaço nas discussões sobre planejamento urbano. Para pro-
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movê-la, será necessário realizar significativas mudanças nas configurações municipais, proporcionando um espaço destinado ao pedestre, deixando os veículos automotores em segundo plano e focando no modo de locomoção mais sustentável e democrático que existe: o caminhar.
Por Rosemeiry Leite*
Arquivo pessoal
Caminhar nas cidades de todos nós...
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crescimento desordenado das cidades e seu processo acelerado de urbanização levaram a uma ocupação de forma espraiada do território. A opção pela circulação motorizada e a falta de controle dos processos regulatórios, aliados ao descaso de nossas autoridades, resultaram em diversos problemas à nossa sociedade atual. A cidade do automóvel, como elemento estruturador e viabilizador de caminhos, ganhou grande projeção nos cenários urbanos, levando entretanto a situações catastróficas. A possibilidade de espaços caminháveis, desde então, foi negada a cidadãos considerados de segunda classe e a fluidez e deslocamentos com velocidade passaram a ser compreendidos como modelos de desenvolvimento a ser perseguido a qualquer preço. Essa opção pelo transporte motorizado trouxe para toda a sociedade grandes impactos negativos, tanto nos aspectos econômicos como ambientais, de qualidade de vida, saúde e também de desenho urbano. O total descaso da prioridade ao deslocamento a pé pode ser compreendido, principalmente,
A opção pelo transporte motorizado trouxe impactos negativos para toda a sociedade" na atribuição aos proprietários de imóveis, da obrigação de construir e manter as calçadas que formam o sistema prioritário de deslocamento de pessoas. O ato de caminhar não é considerado como um tema público, ainda nos dias atuais. Apesar de constituir a primeira forma de deslocamento humano, o fato de não ter sua relevância reconhecida, muitas vezes nos impede de perceber e desenvolver observações do ambiente urbano, sua importância e vitalidade, bem como possibilidades e compreensão do pleno exercício da cidadania. Como reação ao domínio de políticas voltadas apenas para Julho l Agosto l Setembro 2019
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EM DEBATE POR UM NOVO CAMINHO
Arquivo pessoal
os meios motorizados, surgiram nos últimos anos entidades ligadas ao terceiro setor, as denominadas ONGs – Organizações Não Governamentais. Com o propósito de fortalecer ações de mobilidade ativa, envolvendo a mobilidade a pé e por bicicletas, promovem a equidade no uso de espaços públicos de circulação. Essas ações compreendem também questões relacionadas à acessibilidade universal, em que por meio de, e principalmente, novos desenhos, podemos viabilizar a circulação de pessoas com deficiência – que correspondem a quase 10% da população brasileira, e também de idosos, cuja população é cada vez maior.
Esses grupos buscam levar a todos conhecimento e informações sobre mitos da mobilidade ativa, focando em benefícios e necessidades, propondo ações e experiências que possam ser traduzidas em propostas de políticas públicas. Utilizam para isso técnicas e instrumentos cada vez mais conhecidos da população em geral como: urbanismo tático, “placemaking”, “walkability”, novo urbanismo, “smart cities”... de acordo com os quais todas as ações envolvidas têm como prioridade o ser humano. Ou seja, as pessoas. Dessa forma surgiu o conceito de caminhabilidade, onde infraestrutura, vegetação, urbanismo
Arquivo pessoal
*Arquiteta, urbanista e gestora ambiental
Caminhabilidade e as vantagens das cidades mais caminháveis Por Carlos Leite* e Lincoln Paiva**
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caminhável, segurança, gênero, envelhecimento populacional, estética, estacionamento na rua ou infraestrutura cicloviária, passagens para pedestres, qualidade do ar, volume do tráfego, ruídos, acessibilidade, metabolismo urbano e distância ao transporte são conceitos a serem desenvolvidos e aplicados às cidades, interagindo com todos os atores envolvidos no processo de requalificação dos lugares.
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filósofo Jean Jacques Rousseau registrou, em 1764, em seu livro autobiográfico As Confissões, a seguinte frase: “Eu só consigo meditar quando estou andando. Quando paro, eu cesso o pensamento, minha mente só funciona com minhas pernas”. Rousseau traz uma verdade incontestável: caminhar é pensar
e, mais do que isso, nos faz refletir sobre o que leva as pessoas a caminhar ou deixar de caminhar nas cidades. Para entender caminhabilidade (walkability) é preciso pensar como um pedestre. Uma cidade mais caminhável requer uma cultura de caminhabilidade que vai além das condições de infraestrutura. A caminhabilidade é um processo que visa a descobrir por que numa determinada cidade as pessoas caminham mais e em outras, menos. As
Pedro Mascaro/WRI Brasil
pesquisas mostram que caminhar na cidade tem mais relação com a cultura da sociedade do que com a infraestrutura urbana. Assim, a caminhabilidade envolve o estudo do espaço urbano atrelado ao desenvolvimento urbano local. Além das vantagens evidentes da cidades mais caminháveis para as melhorias de saúde e qualidade de vida da população urbana, como nos mostra o Dr. Paulo Saldiva; da mobilidade urbana ativa ou da promoção da urbanidade, pesquisas recentes apontam outras externalidades urbanas positivas. Cidades mais caminháveis são também as mais desenvolvidas social e economicamente nas tendências do século das cidades? É o que revela recente pesquisa conduzida nas 30 maiores metrópoles americanas, analisando as fortes correlações entre indicadores de equidade social, educação, PIB per capita e urbanismo caminhável.
Finalmente, vamos lembrar da fundamental importância dos instrumentos urbanos contemporâneos indutores da transformação urbana na promoção desta cidade mais humana, caminhável. O Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE), aprovado em 2014, recebeu reconhecimento internacional após o prêmio outorgado pela agência ONU-Habitat, em 2017, que destaca o marco regulatório urbano indutor de uma cidade mais humana, equilibrada social, ambiental e economicamente, priorizando a mobilidade ativa e promovendo o uso do território coletivo e uma cidade mais inclusiva e saudável. Ao regular o uso do solo promovendo o adensamento urbano junto à rede de transportes públicos, aproximando pessoas e transportes, induzir uma cidade mais compacta e de uso misto, priorizar o crescimento urbano em áreas com infraestrutura de suporte e enfatizar o uso dos
Cidades mais caminháveis são também as mais desenvolvidas social e economicamente" instrumentos urbanísticos que promovem a função social da cidade, aponta-se para um novo paradigma de desenvolvimento urbano, de acordo com o qual as pessoas são protagonistas e o caminhar, desejável e induzido. ¥ * Arquiteto e urbanista, professor da FAU-Mackenzie e pesquisador do Grupo Espaço Urbano e Saúde ** Arquiteto e urbanista, presidente da Green Mobility e do Instituto Mobilidade Verde
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BATE-PAPO
Fernando Brandão Uma carreira do outro lado do mundo POR MARCO PAULO FERREIRA Imagens: Arquivo Pessoal
F Os desafios e a carreira de quem abriu o primeiro escritório de Arquitetura e Urbanismo brasileiro em Xangai
ormado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU da Universidade Católica de Santos, em 1985, Fernando Brandão abriu o primeiro escritório brasileiro de Arquitetura na China, quase sete anos atrás. Desde então, vem atuando naquele país. A história com os chineses começou depois do sucesso de um pavilhão projetado por ele para a Feira Universal de Xangai, realizada em 2010. “Foi muito gratificante, pois levei meu país para o outro lado do mundo”. Mas, antes de buscar o mercado estrangeiro, Fernando já criava obras impactantes, como a da Livraria Cultura – do Conjunto Nacional, prédio localizado na Avenida Paulista (SP). Com 30 anos de carreira, Brandão atualmente faz parte da Beijing DeTao Masters Academy, em Xangai, que reúne mais de 300 professores do mundo todo. Sua ida à China foi motivada pelo concurso que venceu para o pavilhão do Brasil na Feira Universal de Xangai, que de-
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pois resultou em diversos convites. Mas quais foram os principais fatores que o levaram a tomar a decisão de investir no mercado chinês? Em 2010, a China almejava colocar pelo menos dez de suas universidades entre as 100 melhores do mundo. Para atingir esse objetivo, foi criada uma instituição dedicada a levar professores estrangeiros que ajudassem a impulsionar a qualidade acadêmica do país. Na área de Arquitetura, foram convidados oito arquitetos dos pavilhões mais populares da Feira Universal de Xangai. Eu estava entre os escolhidos. Fui convidado para dar aulas, em português mesmo, e como contrapartida pude abrir um estúdio comercial. Foi assim que, em 2012, nasceu meu escritório em Xangai. Em sua opinião, existe uma arquitetura global? Sim, existe um modernismo sem identidade e sem raiz que prolifera pelo mundo.
Imagens: Arquivo Pessoal
Projetos de Fernando BrandĂŁo, na China Julho l Agosto l Setembro 2019
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BATE-PAPO FERNANDO BRANDÃO
Pavilhão do Brasil na Feira Universal de Xangai
Em um país de idioma, cultura e sistema político tão diferentes do Brasil, quais são os maiores desafios que o sr. tem enfrentado? Em primeiro lugar, a língua, que, para a nossa profissão, é o problema mais difícil de ser enfrentado, visto que em todo o mundo existe e é necessária uma estreita relação entre arquiteto e cliente. Já a China é muito mais capitalista e livre que o Brasil.
O Sr. acredita que os arquitetos brasileiros estão conquistando mais espaço e reconhecimento no mercado internacional? Por sua experiência, como é possível avançar nesse sentido? Não vejo dessa forma. Nossa cultura e nosso mercado sempre
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bastaram para os nossos arquitetos. Defendo que estratégias de marketing e mercado de longo e médio prazos sejam elaboradas conjuntamente entre CAU, AsBEA, APEX (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), câmaras e foros de comércio.
Quais são as referências da arquitetura brasileira que o sr. agrega aos seus projetos para os clientes chineses? E quais são as referências que o sr. traz da China para seus projetos no Brasil? Os chineses são tão “barrocos” – no bom sentido – quanto os brasileiros. Obviamente, carre-
go minhas raízes comigo e, naturalmente, absorvo um pouco do universo chinês e oriental. Mas acredito que somos muito parecidos, apesar das diferentes culturas, hábitos, valores e comportamentos. Comente o complexo cenário chinês em questões como a preservação do patrimônio versus a modernização, as necessidades de mobilidade urbana e o uso do espaço público. Hoje, conheço mais de uma centena de cidades chinesas, de Shenzhen a YanTai, de Shanghai a Urumuqi, no Casaquistão. Realizei muitas palestras e workshops para professores e estudantes de Arquitetura e design. Sempre com o intuito de que percebam que o futuro do design e da Arquitetura dependem de uma atenção à sustentabilidade (a atenção aos limites de nosso planeta), à acessibilidade (inclusão e design universal), à conectividade (atenção à uma relação generosa entre tecnologia e pessoas), identidade (atenção
bitos e das ambições das pessoas. Quer queiram, quer não.
A China já vive o século 21 há vinte anos. Sua Arquitetura, como em todo o mundo, é o espelho dos valores, dos hábitos e das ambições das pessoas. Quer queiram, quer não."
ao passado, respeito a hábitos e valores) e à humanidade (perceberem-se no todo). Para minha surpresa, esses cinco conceitos são recebidos com surpresa e atenção. A China já vive o século 21 há 20 anos. Sua Arquitetura, como em todo o mundo, é o espelho dos valores, dos há-
Seus projetos têm também uma preocupação muito grande com a questão da sustentabilidade. Essa é uma demanda do próprio mercado ou é um cuidado especial que o sr. adota nos seus trabalhos? É uma escolha de quem procura ser contemporâneo e atento aos problemas e demandas de seu tempo, embora nem sempre os clientes pensem nisso. O projeto da Livraria Cultura, na cidade de São Paulo, é um dos seus trabalhos mais populares e admirados. Esse é a sua obra preferida no Brasil? E quanto aos seus projetos no exterior, quais destacaria e por que? Sim, a Livraria Cultura faz parte das minhas obras preferidas. O pequeno pavilhão brasileiro na Expo Shanghai me foi muito gratificante, pois levei meu país para o outro lado do mundo. Entendo que fui responsável por uma empatia entre pessoas que somente eram fisicamente distantes. O pavilhão foi o quinto estande mais popular entre 200 países e recebeu 3,6 milhões de visitantes, tornando-se o maior evento do Brasil no exterior, até hoje. Como o sr. avalia a questão do direito autoral do arquiteto aqui no Brasil? Há diferença em relação à China? Respeito autoral? Nem aqui nem na China!
Pavilhão do Brasil na Feira Universal de Xangai
Recentemente, o sr. anunciou que está trabalhando em um projeto para a instalação de Julho l Agosto l Setembro 2019
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BATE-PAPO FERNANDO BRANDÃO
Livraria Cultura, em São Paulo
pequenas bibliotecas em escolas da periferia, no Brasil. Em que estágio se encontra esse projeto? E qual é o conceito dessas bibliotecas? Fui convidado por duas estudantes para me envolver neste projeto, Cubo Mágico, idealizado por Lara Maia, de 17 anos, e Antônia Lara, também com 17 anos, duas melhores amigas que queriam criar algo que gerasse um impacto social. As duas, alunas do
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3º ano do Ensino Médio de escolas particulares de São Paulo, uniram sua paixão por literatura à vontade do Colégio Mão Amiga, de ter um espaço dedicado à leitura e, dessa forma, estabeleceram uma parceria. Com isso, a escola da comunidade abriu suas portas para receber essa ideia, tendo como objetivo construir uma biblioteca moderna e inovadora para o colégio, direcionada a seus estudantes. O dese-
nho do Cubo Mágico foi baseado na tão conhecida casinha de brincadeiras, sendo um espaço onde os alunos desfrutam dos prazeres da leitura, do teatro e da música, assim usufruindo de sua imaginação e criatividade. Imediatamente, Brasilit e Cebracese tornaram parceiras nesta ideia de pequenas bibliotecas autônomas para a base escolar das periferias de São Paulo. A primeira unidade será instalada
Carrego minhas raízes comigo e, naturalmente, absorvo um pouco do universo chinês e oriental. Mas acredito que somos muito parecidos, apesar das diferentes culturas, hábitos, valores e comportamentos"
Projeto de pequena biblioteca, para São Paulo
agora, em setembro, no Colégio Mão Amiga, em Itapecerica da Serra. Todos esperamos que seja a primeira de muitas. Para comemorar os seus 30 anos de carreira, você lançou no final do ano passado um livro (Belonging, Always!) sobre
as suas obras em um formato inusitado, inspirado na cultura digital contemporânea e na tradicional cultura chinesa. Como surgiu a ideia do livro nesse formato? Hoje em dia todos “leem” Arquitetura em pequenos formatos. Instagram e Facebook são as networks de troca. Esse pequeno formato possibilita criar um objeto de design que permite afeto e uma certa generosidade. Um presente ao estilo chinês: gratidão, respeito, consideração e generosidade. Pessoas existem por completo quando percebem que pertencem ao lugar, ao espaço que a circunda na aventura diária da vida. Gosto de pensar que, com meus projetos, faço com que elas se sintam completas! ¥
Livro Belonging, Always! Julho l Agosto l Setembro 2019
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REPORTAGEM ESPECIAL
30 anos
de um sonho
latino-americano
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Com projeto de Oscar Niemeyer e diretrizes culturais traçadas por Darcy Ribeiro, o Memorial da América Latina é o símbolo de uma utopia: a integração sociocultural do continente
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REPORTAGEM ESPECIAL
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Alf Ribeiro/Shutterstock
niversários devem ser comemorados – entre eles, o do Memorial da América Latina, que no dia 18 de março de 2019 completou 30 anos. Com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer (1907-2012), a obra teve suas diretrizes culturais traçadas pelo antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), que se pautou por um ideal: integrar a América Latina por meio da cultura, da arte e da discussão dos problemas comuns. “Foi com essa visão que ambos conceberam, por exemplo, o Parlatino, que deveria funcionar em moldes semelhantes aos do Parlamento Europeu”, informa Antônio Eduardo Colturato, diretor Administrativo e Financeiro
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do Memorial. “Mas, ao longo dessas três décadas, as coisas não caminharam como se esperava”, ele observa, ponderando que pode ter sido difícil, para o Governo do Estado de São Paulo, responsável pelo empreendimento, mobilizar os presidentes de todos os países latino-americanos em torno da ideia do Parlatino. “Hoje, o prédio abriga a Secretaria Estadual da Pessoa com Deficiência e seu funcionamento é autônomo. Rateamos algumas despesas, mas trata-se de um ente à parte”, ele esclarece. Assim como o Parlatino não “vingou” a partir da ideia de uma integração de natureza social e política dos países latino-americanos, também a ideia de o Memorial atuar como um gerador de projetos, de estudos, de atividades culturais e de fomento à integração dos povos foi perden-
do força com o passar dos anos. “Limitações orçamentárias e outras questões foram tornando os espaços do Memorial cada vez mais ociosos”, explica Colturato. “Temos 40 mil livros que estavam praticamente guardados, assim como o acervo de seis mil obras de arte”, acrescenta. “Com isso, ganhou força a locação dos diferentes espaços para a realização de eventos da iniciativa privada, principalmente o Auditório Simón Bolívar, restaurado e entregue em 2017 após um incêndio que praticamente o destruiu”, esclarece o diretor. A receita advinda dos eventos privados e das locações para filmagem de comerciais, filmes e séries cobre cerca de 30% das despesas ordinárias do espaço. “As atividades próprias do Memorial não geram receita, apenas despesas”, reconhece Colturato, que assumiu a diretoria no início deste ano. “Infelizmente, a gestão anterior não havia pre-
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visto atividades para celebrar o 30º aniversário, em março. Optamos então por reaquecer a programação. Vamos inaugurar uma exposição sobre línguas indígenas, lançar um edital para 15 bolsas de estudo para mestrado, montar uma exposição externa no Pavilhão de Criatividade sobre fotos e textos do Darcy Ribeiro”, enumera. “Também abrimos licitação para trazer um novo concessionário para o restaurante, que está fechado há quatro anos. Ele terá opções variadas, mas sempre disponibilizará um prato temático latino-americano.”
Parcerias Firmar parcerias com escolas e universidades, e também com empresas que tenham interesse em contribuir para o fomento da cultura latino-americana, é um dos caminhos que Colturato pretende trilhar para revigorar o Memorial da América Latina. “Também não podemos mais fechar os portões às 18 horas, como acontecia antes”, ele constata. “Para a população ter acesso ao bem público, ele precisa
ter um horário de atendimento mais amplo, pelo menos até 10 da noite. É claro que isso envolve despesas com iluminação e limpeza, entre outras, mas é essencial para que o Memorial efetivamente seja desfrutado pelos paulistanos”, analisa.
Os espaços do Memorial Com uma área total construída de 84.480 m2, dos quais 12 mil são de área verde, o Memorial da América Latina é composto por sete edifícios distribuídos em duas praças – a Praça da Sombra e a Praça Cívica –, que se interligam por meio da passarela suspensa sobre a avenida Auro Soares de Moura Andrade. Na Praça da Sombra, ficam o prédio da Administração, o Pavilhão da Criatividade e o Auditório Simón Bolívar, além do antigo Parlamento Latino-Americano (Parlatino), hoje ocupado pela Secretaria da Pessoa com Deficiência.
Pavilhão da Criatividade Idealizado por Darcy Ribeiro, o Pavilhão da Criatividade abriga o museu permanente de arte po-
pular dos povos antigos da América Latina. Com mais de quatro mil peças, seu acervo compõe-se de trajes típicos, máscaras, estandartes, instrumentos musicais, brinquedos, adereços religiosos e outros objetos representativos da arte popular do Brasil, México, Peru, Equador, Guatemala, Bolívia, Paraguai, Chile e Uruguai. Sobressai, ainda, a Maquete da América Latina, fixada no chão do Pavilhão. Elaborada em 1989 pelos artistas plásticos e ilustradores Haroldo George Gepp e José Roberto Maia (Gepp & Maia), ela apresenta diversas miniaturas que simbolizam cidades, edifícios, monumentos, exemplares da fauna e da flora, e manifestações culturais regionais dos diversos países latino-americanos.
Auditório Simón Bolívar Inaugurado em março de 1989 com a apresentação do Balé Nacional de Cuba, o Auditório Simón Bolívar já recebeu nomes proeminentes da dança, da música e do teatro nacionais e internacionais. É neste espaço, dotado de 1.788 poltronas, que ocorrem anualmente o Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo e o Festival Ibero-Americano de Teatro. Em novembro de 2013, um incêndio destruiu todo o interior do Auditório. O fogo consumiu, inclusive, a histórica tapeçaria encomendada pelo arquiteto Oscar Niemeyer à artista Tomie Ohtake (1915-2015). A peça de 840 m2 foi refeita por uma equipe de 50 tecelões, que seguiram as orientações deixadas pela própria Tomie à época do incêndio. A tapeçaria retornou à parede do Auditório quando este reabriu Julho l Agosto l Setembro 2019
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Fotos Publicas
REPORTAGEM ESPECIAL
Com capacidade para 40 mil pessoas, a Praça Cívica costuma sediar festas típicas de países do continente e das regiões brasileiras, além de shows populares, festivais, oficinas e espetáculos variados.
Galeria Marta Traba
Memorial.org.br
as portas, totalmente reformado, em dezembro de 2017. Com cerca de uma tonelada de peso, a peça foi refeita com fios antichamas. A validação das cores utilizadas foi feita pelo Instituto Tomie Ohkate. Além dos shows e demais eventos com foco em cultura e entretenimento, o Auditório recebe diversos eventos corporativos.
Praça cívica Na Praça Cívica, situam-se a Galeria Marta Traba, o Salão de Atos Tiradentes e a Biblioteca Latino-Americana Victor Civita. Mas o que mais sobressai, ali, é
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a célebre escultura “Mão”: erguida em concreto aparente de sete metros de altura, traz o mapa do subcontinente americano em baixo-relevo, pintado em esmalte sintético vermelho. A obra faz referência ao clássico As Veias Abertas da América Latina, publicado em 1971 pelo escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015). No livro, o autor analisa como a exploração econômica e a dominação política exercidas pelas potências mundiais sobre os países latino-americanos, desde o período colonial até a Idade Contemporânea, traduziram-se na dizimação de povos e culturas.
Reconhecida como o único espaço cultural do Brasil inteiramente dedicado às artes e à cultura latino-americanas, a Galeria Marta Traba tem cerca de 1.000 m2 de área e foi construída em formato circular, junto a um pequeno lago. O espaço no qual ocorrem as exposições é sustentado por uma coluna central ladeada por painéis que proporcionam uma visão global das obras expostas, assim que o visitante chega ao recinto. A escritora e crítica de arte argentina Marta Traba Taín (19301983), que dá nome à Galeria, foi uma das pioneiras no estudo da arte latino-americana. Fundou o Museu de Arte Moderna de Bogotá, publicou 22 livros de crítica e história da arte, sete romances, um livro de poesia e dois de contos, além de cerca de 1.200 artigos e ensaios sobre artes visuais. Faleceu em um acidente aéreo, seis anos antes da inauguração do Memorial da América Latina.
Salão de Atos Tiradentes Vizinho à “Mão”, o Salão de Atos Tiradentes é o local destinado à realização de solenidades e recepções oficiais. Nele, está abrigado o Painel Tiradentes, pintado entre os anos de 1948 e 1949 pelo artista brasileiro Candido Portinari
(1903-1962). Composta por três telas justapostas, a obra mede 17,70m x 3,09m e retrata os protagonistas da Inconfidência Mineira e tudo o que eles viveram, com ênfase no suplício e na exaltação do líder Tiradentes (1742-1796). O salão de paredes envidraçadas, que permitem a penetração de luz natural, abriga ainda seis painéis em baixo-relevo e concreto aparente criados pelos artistas plásticos Carybé (o argentino Hector Júlio Paride Bernabó, 1911-1997) e Poty (o curitibano Napoleon Potyguara Lazzarotto, 1924-1998). Cada painel mede 4m x 15m.
Biblioteca LatinoAmericana Victor Civita Auditório Simón Bolivar Praça Cívica
Divulgação/Fábio Pagan
Biblioteca LatinoAmericana Victor Civita
Composta atualmente por mais de 40 mil volumes, a Biblioteca nasceu com um acervo de 10 mil volumes meticulosamente escolhidos por Darcy Ribeiro. Todos os títulos eram voltados à temática latino-americana, com ênfase em História, Economia, Sociedade, Cultura Popular e Arte.
Em seu piso superior, com 1.800 m2 de área, permanecem os acervos de livros e periódicos, as mesas de leitura, um auditório e um espaço para exposições. As dependências abrigam também as obras de arte intituladas América Latina, da artista plástica franco-brasileira Marianne Peretti, e Homenagem a Clay Gama de Carvalho, do brasileiro Mário Gruber (1927-2011).
CAU e Memorial: essa história tem raízes Em 2013, arquitetos e urbanistas reuniram-se, nos dias 1 e 2 de agosto, na 1ª Conferência Estadual de Arquitetos e Urbanistas do CAU/SP. O evento, que teve o tema “Desenvolvimento Nacional e o Papel do Arquiteto e Urbanista na Construção das Cidades”, aconteceu na Biblioteca do Memorial da América Latina e foi precedido por 12 etapas regionais preparatórias, além de dezenas de encontros municipais. Pode-se dizer, no entanto, que esse vasto encontro entre profissionais da área tenha começado a se delinear pelo menos dois anos e meio antes. Mais especificamente, em 31 de dezembro de 2010, quando a Lei 12.378 foi sancionada, instituindo oficialmente o Conselho de Arquitetura e Urbanismo. Na época, o coordenador da 1ª Conferência, Victor Chinaglia, afirmou: “este é o batismo dos arquitetos perante a sociedade, rumo ao desenvolvimento nacional e à soberania tecnológica de nosso País”. Um dos frutos da 1ª Conferência Estadual foi a produção e aprovação do documento “Tarefa dos arquitetos e urbanistas do CAU/SP”, que, dentre outras propostas, preconizou a abertura de diálogo com a sociedade sobre a reforma urbana, o desenvolvimento de ações com profissionais e estudantes de Arquitetura e Urbanismo com vistas ao desenvolvimento de uma tecnologia brasileira e autônoma na indústria da construção civil e à defesa da assistência técnica pública e gratuita para os movimentos sociais que lutam pela democratização do acesso à moradia. Ou seja: o Memorial da América Latina foi praticamente o berço do CAU/SP e das suas propostas mais fundamentais de transformação da sociedade pela Arquitetura, e vice-versa. Julho l Agosto l Setembro 2019
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2º Fórum Niemeyer ocorreu nas dependências da Biblioteca Confira, a seguir, entrevista com Paulo Niemeyer, presidente do Instituto e bisneto de Oscar Niemeyer: Móbile: Fale um pouco sobre o Instituto Niemeyer, sua missão e a importância do trabalho por ele desenvolvido para o futuro da Arquitetura brasileira. PN: O Instituto Niemeyer de Políticas Urbanas, Científicas e Culturais foi criado em 2 de junho de 2010, por mim e pelo próprio Oscar Niemeyer, que permanece sendo seu presidente de honra (in memorian). Seu principal objetivo é manter vivo o legado de Oscar Niemeyer, mas não apenas isso: queremos integrar a Arquitetura à vida das pessoas e proporcionar uma visão mais holística, mais plena, de tudo o que envolve as cidades, o meio ambiente urbano e a cidadania. Ele dizia que não podemos nos tornar especialistas, que devemos integrar os saberes. O Instituto tem, assim, a missão de difundir os pensamentos do Oscar para a construção de uma sociedade mais justa, solidária. Se nos unirmos, a Arquitetura será melhor compreendida.
Arquivo Pessoal
Realizado entre os dias 26 e 30 de agosto, o 2º Fórum Mundial Niemeyer de Arquitetura e Urbanismo teve como sede a Biblioteca do Memorial. O evento, que foi organizado pelo Instituto Niemeyer e se propôs a discutir a Arquitetura e o Urbanismo como elementos transformadores da sociedade, reuniu 60 palestrantes que abordaram temas diversos, tais como: construções sustentáveis – em abordagens variadas, como o uso da energia solar, o manejo dos resíduos sólidos e a logística reversa --, aproveitamento do espaço urbano, arte e cultura. O CAU/SP manteve um estande no local durante os cinco dias do evento.
Arquivo Pessoal
REPORTAGEM ESPECIAL
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Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal
O busto do Simón Bolívar Maquete do Teatro Popular de Niterói
Leo Varuzza
Maquete da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida em Brasília/DF
Em 2019, a Biblioteca do Memorial da América Latina foi sede do II Fórum Mundial Niemeyer. Descreva, por favor, o objetivo do evento, e explique-nos por que houve uma opção por levar palestrantes de diversas áreas do conhecimento, e não exclusivamente Arquitetos e Urbanistas. O Fórum gera conteúdo que serve de base para a análise de muitos aspectos da vida, do bem-estar das pessoas. Somos arquitetos e desejamos um mundo mais integrado. Justamente por isso, e pela importância da integração dos saberes que mencionei na resposta anterior, agregamos profissionais de diversas áreas ao nosso evento. Por que a Biblioteca do Memorial da América Latina foi escolhida para sediar esta segunda edição do Fórum? Primeiramente, porque queríamos muito fazer no Memorial da América Latina, que comemorou 30 anos
em março de 2019. Em segundo lugar, escolhemos a Biblioteca Victor Civita porque ela agrega vários conteúdos: os livros, o saber, a cultura, que sempre foram considerados, pelo próprio Oscar Niemeyer, como elementos fundamentais para a superação dos problemas latino-americanos. O evento acontecerá de novo em 2020? Há planos para sua expansão? PN: O Fórum é um evento anual e sua terceira edição já está sendo preparada e acontecerá no Rio de Janeiro. O 27º Congresso Mundial de Arquitetos, com o tema "Todos os mundos, um só mundo, Arquitetura 21" (UIA2020RIO), acontecerá no Rio de Janeiro, em 2020. A Fundação Niemeyer marcará presença nessa realização? Como isso poderá se dar? A terceira edição do Fórum Mundial Niemeyer estará ligada ao evento UIA2020RIO. Temos apoio da União Internacional dos Arquitetos (UIA) e da Prefeitura do Rio de Janeiro. Estamos tendo muita demanda, organizando eventos paralelos e captando patrocínios para trazer palestrantes estrangeiros.
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CONCURSO
Sede da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Sorocaba
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concurso para a nova sede da AEAS, que ocupará um terreno de 4.000m2, privilegiou, entre outros aspectos, a modernidade, funcionalidade, sustentabilidade, acessibilidade, conforto e beleza arquitetônica e paisagística oferecidas no projeto.
Imagens: Divulgação
1o LUGAR Estúdio Módulo de Arquitetura e Urbanismo
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CONCURSO SEDE DA ASSOCIAÇÃO DOS ENGENHEIROS E ARQUITETOS DE SOROCABA
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1o LUGAR
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CONCURSO SEDE DA ASSOCIAÇÃO DOS ENGENHEIROS E ARQUITETOS DE SOROCABA
2o LUGAR Espaço Equipe de Planejamento, Arquitetura e Urbanismo
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3o LUGAR AUĂ Arquitetos Julho l Agosto l Setembro 2019
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Cecília Bastos
ENSINO
Em defesa da sociedade O veto aos egressos de cursos na modalidade ensino a distância (EaD) é a estratégia do CAU para prevenir que profissionais sem qualificação adequada ingressem no mercado de trabalho e comprometam o bem-estar e a segurança dos cidadãos
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té 2017, mais de 1.100 estudantes estavam matriculados em cursos de Arquitetura e Urbanismo na modalidade ensino a distância (EaD), de acordo com o censo mais atualizado do Ministério da Educação. No final de março, o Plenário do CAU/BR aprovou deliberação em que proíbe a concessão de registro profissional – imprescindível para exercer legalmente a profissão de arquiteto e urbanista em território nacional – aos estudantes egressos de cursos na modalidade ensino a distância. O MEC somente considera um curso como “presencial” se o total das disciplinas do tipo EaD eventualmente oferecidas se limitar a 20% da carga horária.
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Não cabe ao CAU fiscalizar as Instituições de Ensino Superior, uma atribuição do MEC. Mas é parte da missão da autarquia pugnar pelo aperfeiçoamento do exercício da Arquitetura e Urbanismo. Para o Conselho, não é possível formar profissionais com a qualificação necessária em uma graduação feita integralmente ou em sua maior parte de maneira remota. Um arquiteto e urbanista mede, calcula, avalia, critica,
clínicos indispensáveis à formação dos farmacêuticos, bem como a indispensável interação profissional/paciente”. Ainda em fevereiro, o Conselho Federal de Medicina Veterinária aprovou, por unanimidade, a Resolução nº 1.256, que proíbe a inscrição de egressos de cursos de Medicina Veterinária realizados na modalidade de ensino a distância. O Poder Judiciário também já mostrou que apoia a tese dos conselhos profissionais. Em julho, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) deliberou pela legitimidade do CAU/RS em não registrar egressos de cursos a distância. “Estamos orientando os estudantes que eventualmente estejam nesses cursos para que procedam à transferência para graduação na modalidade presencial para garantir o seu registro quando formados”, diz o presidente do CAU/SP, José Roberto Geraldine Junior.¥
Estamos orientando os estudantes para que procedam à transferência para graduação na modalidade presencial"
Marcos Santos
projeta e constrói. Para estar à altura dessas e de outras dezenas de tarefas para os quais pode estar habilitado, necessita de uma formação adequada. Não é possível ensinar a complexidade dessa formação multifacetada fora do ambiente de salas de aula, ateliês e laboratórios, avalia o CAU. Para o coordenador da Comissão de Ensino e Formação do CAU/SP, José Antonio Lanchoti, o veto responde a uma cobrança da sociedade por Arquitetura e Urbanismo de boa qualidade técnica. “Fazer Arquitetura e Urbanismo requer a experiência do ateliê integrado de conhecimentos diversos”, pondera. “A amplitude da nossa área de atuação necessita das trocas presenciais de conteúdo, discussões e exercícios projetuais junto aos docentes e aos demais colegas de sala, que constroem o compartilhamento desta prática no ensino.” Outros conselhos profissionais acompanham a posição crítica do CAU/BR, a exemplo dos enfermeiros, farmacêuticos, dentistas e veterinários. Em janeiro, o Conselho Federal de Odontologia lançou sua resolução nº 197/2019, proibindo a inscrição e o registro de alunos egressos de cursos “integralmente realizados na modalidade ensino à distância”. No mês seguinte, o Conselho Federal de Farmácia foi pelo mesmo caminho, considerando “a existência de conteúdos práticos laboratoriais,
Prédio da FAU/USP na Cidade Universitária em São Paulo/SP Julho l Agosto l Setembro 2019
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EXERCÍCIO PROFISSIONAL
A porta de entrada A proposta comercial é o primeiro contato com um potencial cliente. Se bem elaborada, pode reduzir as possibilidades de futuros conflitos e de problemas para o profissional, além de ser decisiva para a efetivação do negócio
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atividade de prospecção é um dos itens básicos do exercício profissional de arquitetos e urbanistas. E a proposta comercial é o cartão de apresentação para um relacionamento frutífero com um potencial cliente. Mas se mal elaborada, pode derivar para uma longa e dispendiosa disputa na Justiça, o que prejudica a imagem do profissional e da Arquitetura e Urbanismo, e pode resultar, no limite, em prejuízos que levem à extinção de um escritório.
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O risco deste quadro é agravado por algumas razões. “A sociedade tem pouco conhecimento sobre o que faz o arquiteto e urbanista que, por sua vez, tem restritos em sua formação os conteúdos relacionados ao Direito e à Administração de empresas; e há uma responsabilidade crescente do arquiteto e urbanista nos aspectos técnico e legal, devido ao Código de Defesa do Consumidor e às normas técnicas de desempenho”, postula o arquiteto e urbanista Cláudio de Campos, conselheiro do CAU/SP e professor universitário que há mais de uma década leciona sobre o assunto. Por estes motivos, quando o arquiteto e urbanista expõe com honestidade e precisão como pretende desenvolver uma atividade técnica, pode reduzir – e bastante – os riscos inerentes a este relacionamento, que às ve-
zes pode acabar em litígio, ainda que não haja má fé de uma ou ambas as partes, mas por desentendimentos e falhas de comunicação. Muitos destes desentendimentos e ruídos podem ser prevenidos em uma proposta comercial bem elaborada, sendo esta a antessala do Contrato de Prestação de Serviços, cujo cuidado na elaboração é igualmente importante e que vai selar o início da empreitada de contratante e contratado. As recomendações abaixo não representam uma orientação oficial do CAU/SP sobre como elaborar uma proposta comercial. Trata-se somente de uma compilação de algumas das melhores práticas na área, no intuito de auxiliar os profissionais e pugnar pelo aperfeiçoamento da Arquitetura e Urbanismo no País.
Pesquise, calcule e defina A coleta de informações é uma etapa preparatória muito importante para a elaboração de uma proposta comercial sólida. É preciso levantar cuidadosamente os dados do potencial contratante e os serviços pretendidos, assim como é fundamental pesquisar o imóvel, vistoriando o terreno em sua área e dimensões, e estabelecendo
um programa de necessidades preliminar. O uso e a finalidade da edificação devem ser bem estabelecidos, bem como a verba disponível para a atividade técnica. Embora seja considerado um assunto delicado, trabalhar com um orçamento realista é uma das etapas preparatórias para conceber um plano de trabalho que, provavelmente, não vai frustrar o contratante e o contratado lá na frente.
Outra etapa sensível é definir o valor dos honorários profissionais. Neste ponto, o CAU/BR tem seu site ferramentas à disposição do arquiteto e urbanista, com os Módulos da Tabela de Honorários de Serviços de Arquitetura e Urbanismo, contemplando projetos, execução de obras e outras atividades profissionais, que fornecem parâmetros para cálculo de valores desses honorários. ¥
1. Identificação do proponente e dados para contato; 9. Data e assinatura.
8. Condições gerais (prazo de validade da proposta, itens exclusos ou inclusos etc);
7. Prazos para o desenvolvimento dos serviços;
2. Identificação do cliente/responsável pela análise da proposta;
Os elementos essenciais de uma proposta comercial
3.Identificação do objeto da proposta;
4. Descrição dos serviços propostos;
6. Condições de pagamento;
5. Discriminação dos honorários; Fonte: Comissão de Exercício Profissional – CAU/SP. Julho l Agosto l Setembro 2019
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ESPECIAL
Poder feminino
Arquitetas e urbanistas brasileiras começam a se mobilizar para conquistar o espaço representativo condizente com sua presença na profissão: hoje, elas representam mais de 60% da força de trabalho do setor
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Brasil fechou o ano de 2017 com 154.264 arquitetos e urbanistas ativos. Desse total, 62,6% são mulheres, segundo dados presentes no Anuário de Arquitetura e Urbanismo 2018, que reúne as principais informações sobre o setor. Se a quantidade de mulheres atuando neste segmento é maior que a de homens, por que os órgãos representativos da profissão têm um predomínio do gênero masculino nos cargos de presidência e diretoria? Por que as vozes femininas são menos ouvidas, se no dia a dia da profissão as mulheres são as mais presentes? Foi em busca dessas respostas – e, principalmente, de um caminho que promovesse a efetiva
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equidade de gêneros na profissão – que o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) iniciou, em março de 2018, uma movimentação para fomentar a participação feminina nos Conselhos regionais. Dentre as iniciativas, incluiu-se o pedido para inclusão do CAU/BR na Plataforma de Empoderamento das Mulheres da ONU (WEP). “A ideia foi aprovada por unanimidade no Conselho”, conta Ana Laterza, arquiteta e urbanista, analista do CAU/BR. “Eu atuo
na Comissão de Relações Internacionais do Conselho. Por isso, fiquei responsável pelos encaminhamentos necessários à implementação dessa parceria”, ela explica. O pedido de adesão demorou um ano para ser aprovado. Mas, desde março de 2019, o CAU/BR foi aceito e tornou-se signatário dos Princípios do Empoderamento das Mulheres, documento público de compromisso com a agenda de promoção à equidade de gênero em todas as instâncias organizacionais das entidades aderentes à referida Plataforma. Entre outros pontos, o documento oferece orientações para a capacitação das mulheres no local de trabalho, no mercado e na comunidade. Outro passo rumo à equidade foi a criação, em abril deste ano, da Comissão Temporária de Equidade de Gênero. O grupo conta com duas conselheiras titulares do CAU/BR, Nadia Somekh (SP) e Josemée Gomes de Lima (AL); a conselheira suplente Cristina Evelise (PB); além dos presidentes do CAU/SC, Daniela Sarmento, e do CAU/BA, Gilcinéa Barbosa. “Em breve seremos mais de 80% de mulheres na Arquitetura”, ressalta Daniela Sarmento. “Precisamos nos perguntar: qual o futuro dessa profissão, tendo a maioria de mulheres? Onde estão essas arquitetas? O que fazem, como trabalham?”, questiona. E completa: “esse debate tem muitas frentes”. Invisibilidade pouco notada “A invisibilidade do papel das mulheres é o maior impulsionador para a articulação daquelas
que desejam o reconhecimento profissional”, afirma Gilcinéa Barbosa. “Vemos que a desigualdade de representação de interesses específicos, revelada na pouca representatividade da mulher como conselheira federal ou mesmo como conselheira estadual, existe no CAU/BR”, ela acrescenta. “Entre 28 conselheiros federais, apenas sete são mulheres, mesmo número de conselheiras estaduais que foram eleitas presidentes em 27 estados brasileiros. A questão dessa invisibilidade é tão presente que algumas mulheres nem a percebem, achando natural que os homens estejam sempre nos espaços de poder e respondendo pelas demandas das próprias mulheres”, diz. Segundo Daniela Sarmento, a questão da mulher no mercado de trabalho deve ser discutida sob a perspectiva de sua condição humana, que inclui aspectos como a maternidade e a tendência de assumir papéis adicionais no dia a dia. “Temos a missão de construir uma política de equidade de gênero para o CAU/BR, voltada a melhorar a perspectiva feminina no exercício profissional, bem como a nossa relação com a sociedade. Nesse processo, há um guarda-chuva macro, que é o empoderamento”, enfatiza Daniela. A presidente do CAU/SC destaca que a Comissão Temporária de Equidade de Gênero constituída pelo CAU/BR está “traçando diagnósticos que servirão para balizar ações futuras”. E informa: “o diagnóstico de gênero permitirá alicerçar uma política de equidade. Nós estruturamos um ciclo de debates com início em
Mulheres são maioria na profissão, mas sua presença ainda é pequena nas entidades representativas"
setembro de 2019 e término em março de 2020. O evento ocorrerá em nove estados. Ao final, completaremos o diagnóstico online”. Os resultados desse trabalho serão divulgados durante o 27º Congresso Mundial de Arquitetos, o UIA2020RIO, que acontecerá nos dias 19 a 23 de julho do ano que vem, no Rio de Janeiro. “Pretendemos ter uma exposição, para traduzir esse olhar que a gente trouxe; uma publicação, com esse debate todo; e também um evento de conversa, um espaço mais amplo, para que as nossas conclusões fomentem o debate na rede da UIA”, completa Daniela. Gilcinéa complementa: “a Comissão tem como proposta constituir uma plataforma feminina de Políticas Públicas de Equidade de Gênero no Direito à Cidade, que influenciará na disseminação de novos conceitos e de novos olhares sobre os diversos temas que envolvem a Arquitetura, o Urbanismo e a participação das mulheres”. Ela salienta que, a partir do resultado do diagnóstico, será construída a Pauta das Mulheres que norteará a atual gestão do CAU/BR. Julho l Agosto l Setembro 2019
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ESPECIAL
Arquivo Pessoal
Uma perspectiva internacional
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raduada em Arquitetura, Planejamento e Urbanismo, Laura Novo de Azevedo é brasileira radicada na Inglaterra, onde integra o quadro de docentes da Universidade de Oxford Brookes. Desde 2002, coordena três cursos de pós-graduação em Urbanismo e Planejamento, ministra aulas de Urbanismo e trabalha em conjunto com os estudantes para impactar positivamente as experiências no ambiente acadêmico, por meio de inovações pedagógicas que favoreçam sua inserção no mercado de trabalho. Laura concedeu a seguinte entrevista às arquitetas e urbanistas e conselheiras do CAU/SP Nancy Laranjeira Tavares de Camargo e Leda Maria Lamanna Ferraz Rosa Van Bodegraven.
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Móbile: Como você foi recebida quando chegou à Inglaterra na condição de arquiteta estrangeira? Percebeu alguma diferença no tratamento dispensado a você e às profissionais locais? LNA: Eu cheguei à Inglaterra como estudante de doutorado. Ou seja, não vim como profissional arquiteta, vim como estudante. Não tinha pretensão de exercer a profissão, mas sim de me aprofundar mais na área de desenho urbano. Os programas de doutorado na área de desenho urbano, planejamento e arquitetura na Brookes têm professores e alunos de várias partes do mundo. Em nenhum momento eu me senti tratada diferente.
Você conhece algum grupo ou organização de arquitetas que atue na Inglaterra? Todo ano eu colaboro com a network Women in Property, por meio do curso que coordeno: BA in Urban Design, Planning and Development. A organização oferece um prêmio nacional para estudantes mulheres em disciplinas do Ambiente Construído. No final do primeiro ano acadêmico, a Escola do Ambiente Construído sugere os nomes das melhores alunas para participar do concurso. Trata-se de uma ótima iniciativa, que incentiva a participação das mulheres na disciplina. Já tivemos duas
alunas que apresentaram o trabalho que desenvolvo no Brasil através do Brazil Urban Design Study (BUDS). Um motivo de orgulho para mim. O Estado britânico oferece alguma forma de incentivo ou fomento ao trabalho das arquitetas que atuam no Reino Unido? Em caso positivo, como esse apoio é oferecido? De acordo com o Royal Institute of British Architects (RIBA), o corpo profissional de Arquitetura no Reino Unido, apenas 25% dos membros registrados são mulheres. No RTPI, 39% dos membros sao mulheres. As duas organizações lideram iniciativas para impulsionar o papel da mulher no exercício da profissão. Uma das mais importantes, na minha opinião, é a Women in Architecture Campaign, que realiza eventos e premiações para promover e celebrar o trabalho da mulher arquiteta. O RIBA tambem promove eventos como o Women Leaders Speed-Mentoring Evening, focado no desenvolvimento da mulher como líder na profissão. Existem vários programas interessantes, que focam especificamente nessa questão da mulher em cargos de liderança. Por exemplo: eu participei de um, chamado Aurora - Women in Leadership in Higher Education. O gap de gênero é maior nos cargos de liderança. E por parte da iniciativa privada? Existe algum trabalho de
fomento ou apoio à atuação das arquitetas? Se a resposta for afirmativa, poderia nos dar alguns exemplos dessas ações? É difícil diferenciar o que é fomentado pelo Estado e pela iniciativa privada. Geralmente, as iniciativas são realizadas por meio de parcerias.
delineamos guias de desenho urbano focadas na identidade local, para aconselhar novas inserções no contexto urbano. No começo de 2019, estive no evento sobre qualidade no ensino de Arquitetura e Urbanismo promovido pelo CAU/SP. Foi muito interessante dividir experiências.
Quais têm sido suas realizações em torno do tema “as arquitetas no mercado de trabalho e a atuação no território”? Minha prática profissional tem se voltado ao ensino de Desenho Urbano, e a questão de igualdade de gêneros é muito importante na academia. A Brookes recebeu medalha de bronze por sua performance e comprometimento com a Athena Swan Charter, que reconhece o comprometimento de instituições acadêmicas para o progresso da igualdade de gêneros.
Conte-nos um pouco, especificamente, sobre a sua atuação na área de docência. Eu costumo brincar que sou parte da mobília na Brookes. Faço um pouco de tudo e adoro essa flexibilidade, esse engajamento com a universidade. Comecei dando aula na Brookes em janeiro de 2003, enquanto fazia meu doutorado, e ao longo do tempo fui crescendo. Hoje, acumulo os cargos de senior lecturer in Planning and Urban e principal lecturer in Student Experience.
Como é a sua ligação com as atividades profissionais no Brasil? Vou ao Brasil todos os anos para ver família e amigos e para ministrar palestras, fazer oficinas de desenho urbano e colaborar com os profissionais brasileiros. Com o tempo, fui desenvovendo o projeto do BUDS, em que os meus alunos de Desenho Urbano trabalham em parceria com universidades brasileiras, prefeituras, comunidades etc., no desenvolvimento de alguma proposta. Em 2017, por exemplo, fomos para Cavalcante (GO), onde
Qual a sua percepção da evolução do tema “Mulheres na Arquitetura” ao longo dos 18 anos em que você está radicada na Inglaterra? Hoje, a discussão sobre a desigualdade vai muito além do binário homem/mulher. A Brookes tem várias iniciativas voltadas a promover a igualdade para gays, lésbicas, transgêneros, minorias étnicas etc. Essas inciativas também impactam o desenvolvimento dos nossos currículos, desde as reading lists até as formas de avaliação ou a escolha de um lugar para socializar com os alunos. Há, portanto, muito o
que avançar nessas questões e sinto-me lisonjeada por viver em um ambiente tão diverso quanto o de Oxford. No Brasil, temos observado um aumento contínuo no número de graduandas em cursos de Arquitetura. Você percebe esse aumento da participação feminina também na Inglaterra? Sim. O Architect’s Journal publicou sobre o número recorde de mulheres inscritas para os cursos de Arquitetura em 2019: 5% a mais do que em 2018 e 38% mais do que em 2013. Em sua opinião, a efetiva inserção das mulheres no mercado de Arquitetura é equivalente ao número de formandas? Não tenho dados com relação a isso, especificamente. Os dados de que disponho são relativos à inserção dos graduandos da Brookes no mercado de trabalho e esta é de 100%. O que posso afirmar, no entanto, é que existe hoje uma concreta preocupação com o fato de haver menos mulheres do que homens em posições de liderança. ¥
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ARQUITETURA NO MUNDO
Biblioteca Nacional Marciana (Veneza, Itália)
Labirintos arquitetônicos Depositárias do conhecimento e da cultura da humanidade, as bibliotecas fascinam porque combinam arquitetura, pintura e escultura em espaços únicos e exuberantes, e resistem aos avanços da tecnologia e da era digital POR CLÁUDIO CAMARGO
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que é uma biblioteca? Para o escritor argentino Jorge Luís Borges (1899-1986) ela é nada menos do que uma metáfora do universo: ao contrário da espécie humana, finita, a biblioteca é “infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta”. Por isso, diz Borges em A Biblioteca de Babel, sobreviverá à extinção da humanidade. Já o arquiteto e historiador James W. P. Campbell, autor de um renomado livro sobre a história das bibliotecas (A biblioteca – uma história mundial), lembra que a palavra biblioteca, na maioria das línguas indo-europeias, é ambígua: pode referir-se tanto a coleções de livros quanto ao espaço que os abriga. “Essa falta de distinção entre os dois significados é interessante, mas
está longe de ser universal. Em chinês e muitos outros idiomas, as palavras para coleções de livros e o lugar que as abriga não são as mesmas. Em chinês, por exemplo, um espaço de biblioteca é chamado de “um prédio para livros”, escreve ele. Durante a Idade Média, as bibliotecas viraram locais onde se guardavam manuscritos e documentos, geralmente controlados por ordens religiosas e vedados ao público. A biblioteca, tal como a conhecemos hoje, é filha do Renascimento, da Reforma Protestante e da invenção da prensa móvel por Johannes Gutenberg. Com essas transformações, as bibliotecas passaram a ser projetadas especificamente para abrigar livros destinados a um grande público. Isso foi há muito tempo. Seria isso o que Borges sugeriu quan-
Biblioteca Nacional Marciana (Veneza, Itália) A coleção inicial da Biblioteca Marciana foi herdada de um estudioso humanista de Ravena, o cardeal Basilio Bessarion (1403-1472). Ele retomava, desta forma, o sonho do poeta Petrarca (1304-1374), que queria doar seus livros à República de Veneza para que fosse fundada uma biblioteca pública aberta a estudiosos e a amantes da literatura. Projetada pelo arquiteto Jacopo Sansovino (1486-1570) – razão pela qual ela também é chamada de Sansoviana – no século 16, a biblioteca só foi inaugurada no século 17. Antigos globos terrestres, manuscritos antigos e pinturas dos mestres Ticiano, Tintoretto e Veronese adornam os interiores do edifício renascentista. O local onde a biblioteca foi construída era um terreno em frente ao Palácio do Doge, com as duas faces voltadas para o mar. Segundo a
professora Marisa Midore, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), “a fachada da biblioteca chama a atenção dos arquitetos até hoje, dada a precisão com que Sansovino compôs as colunas maiores e menores, harmoniosamente distribuídas nos dois andares do edifício”. Biblioteca do Trinity College (Dublin, Irlanda) Projetado por Thomas Burgh (1670-1730) e finalizado em 1732, o prédio da Biblioteca do Trinity College, em Dublin (Irlanda), conhecido como Old Library (velha biblioteca), era bem diferente do que existe hoje. Ele sofreu uma remodelação radical em 1856, quando a Long Room, a sala principal, teve seu teto elevado e foram construídas as abóbodas de berço. O prédio tem uma sala principal onde as obras mais antigas ficam em pratelei-
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do listou como uma das qualidades da biblioteca “eterna” o fato de ela ser “inútil”? Difícil saber. Campbell, entretanto, nos adverte para a dificuldade de conciliar essa posição, digamos, “apocalíptica” com a explosão contínua da construção de bibliotecas nas primeiras décadas do século 21 e o grande número de prédios que ainda estão sendo feitos em várias partes do mundo. “Para um setor que se diz em crise, ele parece estar incrivelmente saudável”, ironiza Campbell, que é professor de arquitetura e história da arte da Queens’s College (Cambridge, Inglaterra). O fato é que as bibliotecas fascinam a humanidade desde os primórdios da civilização. Para Campbell, isso ocorre porque elas se tornaram obras de arte completas, combinando Arquitetura, pintura, escultura e mobília em espaços únicos e exuberantes, com os arquitetos competindo entre si para produzir prédios cada vez mais espetaculares. Mesmo construções que desapareceram sem deixar vestígio, como a biblioteca de Alexandria, ainda nos encantam. Não por acaso, quando podemos, reconstruímos algumas dessas obras de arte destruídas: algumas, como a própria biblioteca de Alexandria, a partir do nada; outras, como a biblioteca de Celso em Éfeso, na Turquia, a partir de suas ruínas. Façamos, então, uma pequena viagem por algumas das mais fascinantes bibliotecas do mundo, do ponto de vista arquitetônico – sem a pretensão de esgotar o tema. Pois, como afirmou Borges, as bibliotecas são infinitas.
Biblioteca do Trinity College (Dublin, Irlanda) Julho l Agosto l Setembro 2019
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ras resistentes que revestem as paredes. Em uma vitrine, fica a harpa mais antiga preservada na Irlanda, feita de carvalho e salgueiro, com cordas de bronze. Além de bustos de personagens da filosofia e das artes, como Aristóteles, William Shakespeare, Isaac Newton, Francis Bacon, John Locke, a Biblioteca do Trinity College guarda uma relíquia medieval, o Book of Kells (Livro de Kells), manuscrito escrito por monges celtas entre os séculos 6 e 9 que contém os quatro Evangelhos da Bíblia em latim. Biblioteca do Mosteiro de Strahov (Praga) É uma das mais belas bibliotecas do mundo, com dois salões em destaque: o Salão Teológico e o Salão Filosófico, que estão um em frente ao outro em um pátio, ligados por um corredor cheio de livros. O Salão Teológico, o mais antigo, foi mobiliado como uma biblioteca pelo abade Jeronym Hirnhaim entre 1671 e 1679. O teto, uma abóboda de alvenaria, foi coberto com afrescos de gesso em
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estilo rococó elaborado por Siard Nosecký quando a biblioteca se expandiu em 1721. Uma coleção de globos e instrumentos científicos completa a decoração. Já o Salão Filosófico foi construído entre 1794 e 1797, com projeto do arquiteto Ignác Jan Nepomuk Palliardi (1737-1824). A pintura no teto, chamada O desenvolvimento espiritual da humanidade, é obra de Franz Anton Maulbertsche (1724-1796) e exalta os valores do Iluminismo. Essa parte da biblioteca mistura os estilos rococó e neoclássico. Biblioteca do Mosteiro de Admont (Admont, Áustria) A abadia beneditina de Admont, na Áustria, abriga uma das maiores bibliotecas monásticas do mundo. Com 13 metros de largura e 72 metros de comprimento, a Biblioteca da Abadia de Admond é conhecida por sua arquitetura de estilo
rococó e pelas coleções de arte e manuscritos. Projetada pelo arquiteto Joseph Hueber (1715?-1787), a Biblioteca da Abadia de Admont foi construída entre 1764 e 1774. Seu teto é formado por sete cúpulas decoradas com afrescos pelo artista Bartholomeo Altomonte, também conhecido como Bartholomäus Hohenberg (1694-1783). O prédio tem 48 janelas que refletem as cores branco e dourado de toda a estrutura. Em contraste com o ambiente iluminado do edifício estão as sombrias esculturas de Josef Stammel (1695-1765), intituladas As Quatro Últimas Coisas, que representam a morte, o julgamento final, o céu e o inferno. Real Gabinete Português de Leitura (Rio de Janeiro) Localizado no Rio de Janeiro, o Real Gabinete Português de Donatas Dabravolskas/Shutterstock
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ARQUITETURA NO MUNDO
Biblioteca Philips Exeter Academy (Exeter, New Hampshire/EUA) Para falarmos dessa biblioteca e do seu valor arquitetônico, precisamos nos debruçar sobre a história do homem que a projetou: Louis Isadore Kahn (1901-1974). Estoniano de nascimento e americano por adoção (sua família mudou-se para os Estados Unidos quando ele tinha cinco anos de idade), Kahn revelou talento precoce para o desenho. Suas habilidades lhe valeram uma bolsa de estudos para a escola Beaux-Arts, na Pensilvânia, onde ele se formou arquiteto, em 1925. Na década seguinte, viajou
Xavier_ Jaureguiberry
Leitura foi projetado pelo arquiteto português Rafael da Silva Castro. Sua arquitetura neomanuelina é inspirada no Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa. O edifício foi concluído em 1887 e concluída em 1887, tornando-se se um marco arquitetônico do Rio de Janeiro e do Brasil. A fachada foi trabalhada em pedra de lioz – um tipo de calcário existente em Portugal –, trazida de Lisboa de navio pelo artesão Germano José Salle. O interior da biblioteca também segue o estilo da fachada, com estantes de madeira. No Salão de Leitura, um monumento com 1,7 metro de altura – o Altar da Pátria –, feito de prata, marfim e mármore, celebra os descobrimentos. O teto tem um candelabro e uma claraboia de ferro. Em 1900, o Gabinete Português de Leitura transformou-se em biblioteca pública, sendo aberto o acesso aos livros de sua biblioteca.
pela Europa e aprofundou-se nos estudos da arquitetura antiga, observando de perto monumentos e ruínas. Esse processo foi fundamental para que Kahn jamais se sentisse obrigado a seguir os estilos que estavam em alta na sua época, como a arquitetura moderna. Sua obra, influenciada pela cultura greco-romana e gótica, tem como características a monumentalidade e o uso de formas geométricas elementais, materiais aparentes e fachadas sem vão, feitas de concreto ou tijolos cerâmicos. Ele também apreciava o uso da luz natural e prezava a separação bem definida entre os espaços servidores, que servem de apoio à circulação (como escadas e corredores) e ao armazenamento de sistemas de infraestrutura da obra (instalações elétricas, por exemplo), e os espaços servidos. Estes são os ambientes pelos quais as pessoas circulam e onde ficam expostos os objetos de destaque, tais como as obras de arte em uma galeria ou os livros de uma biblioteca. Em 1965, Louis Kahn foi contratado para projetar a biblioteca e a sala de jantar para a comunidade escolar da Phillips Exeter Academy. O resultado foi um edifício quase cúbico, com laterais que medem 24 metros de altura e 33 metros de largura. Tem três áreas concêntricas, concebidas por Kahn quase como se fossem edificações independentes. Assim, elas apresentam escalas e materiais diferentes: a área externa é feita de tijolo com painéis de madeira de teca na maioria das janelas. A carga, isto é, o peso da parte externa do edifício, é suportada pelos próprios tijolos, não por uma estru-
Biblioteca
do Mosteiro de Strahov (Praga)
Real Gabinete
Português de Leitura (Rio de Janeiro)
Philips Exeter Academy Library (Exeter, New Hampshire)
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ARQUITETURA NO MUNDO
natural da Extensão da Biblioteca Real.
Biblioteca Pública Central de Seattle (EUA)
tura de aço oculta. A área do meio, onde ficam as estantes pesadas, é feita de concreto armado; já a área interna é um átrio. No topo das paredes externas, logo abaixo do telhado, vê-se uma fileira de aberturas semelhantes às janelas que ficam abaixo. Internamente, uma escada dupla circular, feita em concreto, dá acesso ao salão central do piso superior, com grandes aberturas circulares que revelam vários andares de estantes de livros. No topo do átrio, duas vigas maciças de concreto difundem a luz solar, que entra pelas janelas do escritório. Essa configuração permite que o visitante, tão logo adentre a biblioteca, tenha uma visão do todo. A influência dos clássicos na obra de Kahn se revela em muitos detalhes, sendo que um deles é a sala central: com 15,8 metros de altura, medidos do piso até o início da estrutura do telhado, e 9,8 metros de largura, essa sala tem a chamada “proporção áurea”, ou seja, as dimensões que os gregos antigos consideravam arqui-
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tetonicamente ideais. Extensão da Biblioteca Real da Dinamarca (Copenhague) Localizada em Copenhague, capital da Dinamarca, esta extensão da Biblioteca Real foi concluída em 1999, projetada pelo escritório de arquitetura Schmidt, Hammer e Lassen, um dos mais conceituados da Escandinávia. O projeto permitiu uma integração harmoniosa entre este moderno edifício e o velho prédio da Biblioteca Real. A passarela que faz a ligação entre os dois edifícios representa o elo entre o presente e o passado. O prédio ganhou o apelido de Black Diamond (“Diamante Negro”) pela aparência de suas bordas prismáticas e pelas imensas placas de mármore preto e vidro, responsáveis por refletirem a água do porto. A grande fachada de vidro deste edifício integra o espaço interno da biblioteca e a cidade. O projeto arquitetônico possibilita uma excelente iluminação
Biblioteca Pública Central de Seattle (Seattle) Inaugurada em 2004, a Biblioteca Pública de Seattle foi projetada pelos arquitetos Rem Koolhaas e Joshua Prince-Ramus, que conceberam o edifício como uma “celebração dos livros” em plena era digital. O projeto harmoniza um design futurista com a funcionalidade de uma biblioteca. O conceito básico dessa biblioteca, tida como modelo do século 21, é a integração do conhecimento – por isso ela dispõe não apenas de livros, mas também de computadores, e-books, audiobooks, músicas e vídeos. A biblioteca é dividida em cinco blocos. O design lembra plataformas flutuantes equilibradas por uma membrana líquida de aço e vidro. O espaço interior é iluminado com a luz natural captada pelas paredes de vidro. Um dos destaques do edifício é a Espiral de Livros, disposta em quatro andares em uma série contínua de estantes. Biblioteca Municipal de Stuttgart (Alemanha) Projetada pelo arquiteto coreano Eun Young Yi, essa biblioteca existe desde 1901, mas ganhou novo prédio em 2011. Tem nove andares que fazem parte do prédio, que foi construído em formato de cubo. Totalmente branco por fora e por dentro, à noite o edifício ganha uma iluminação azul. O centro do edifício é um espaço concebido para o relaxa-
mento. Uma grande sala branca que vai do térreo ao terceiro andar é composta por janelas e um pequeno espelho de água. No seu teto, uma claraboia, que é o centro dos andares superiores, todos iluminados por luz natural do teto de vidro do ambiente. Os pisos da biblioteca principal circundam um espaço aberto com níveis ligados por escadarias, que estão dispostas de tal forma que o visitante nunca perde de vista o centro do edifício. As prateleiras ficam nas paredes do entorno de cada um dos andares.
porta ainda um enorme auditório translúcido e esférico que, visto de fora, assemelha-se à íris de um olho. A biblioteca de Tianjin Binhai também chama a atenção por suas linhas orgânicas e formas circulares. Além de estantes, as estruturas servem tam-
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Biblioteca Municipal de Stuttgart (Stuttgart)
bém como bancos e corredores de circulação. No total, o prédio tem cinco andares, onde estão o auditório, áreas de leitura, salas de estudo, reuniões e de convivência, além de computadores, salas de áudio e cômodos para armazenar livros. A biblioteca, conhecida também como "O Olho de Binhai" em razão do globo em forma de pupila, integra um grande projeto urbano desenvolvido pelo Instituto de Planejamento e Design Urbano de Tianjin (TUPDI). Ao lado dos espelhos e labirintos, a biblioteca sempre foi um dos fascínios – obsessões? – de Jorge Luís Borges. Ele disse certa vez que imaginava que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca. Os arquitetos que as projetaram ao longo dos séculos certamente concordariam com ele. ¥
Biblioteca Tianjin Binhai (Tianjin, China) A mais moderna biblioteca do mundo, inaugurada em outubro de 2017 em Tianjin Binhai, na China. Suas grandes estantes brancas e onduladas vão do chão ao teto. Muitos dos livros são, na verdade, imagens impressas em placas de alumínio. Projetado pelo escritório holandês MVRDV, o prédio com- Biblioteca Tianjin Binhai (Tianjin, China) Julho l Agosto l Setembro 2019
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INOVAÇÃO E EMPREENDEDORISMO
À prova de tsunamis María Archer Graell, a arquiteta que, ainda recém-formada, descobriu um caminho para fazer casas seguras e com boa infraestrutura em regiões sujeitas a catástrofes naturais
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arquitetura é desafiadora por definição. Mas a realização de projetos em áreas de risco impõe alguns obstáculos adicionais. É nesse complexo universo que transita a arquiteta e urbanista espanhola María Archer Graell, fundadora e CEO da FEM Arquitectura, com sede em Barcelona, Espanha. Logo depois de se formar, ela aproveitou uma oportunidade de trabalhar na Indonésia, para reconstruir um vilarejo, Peunaga Pasi, que tinha sido devastado pelo tsunami de dezembro de 2004. “Não tive dúvida e fui rapidamente para lá, onde fiquei de 2006 a 2008”, relembra. Desde então, Maria firmou-se como referência mundial em “arquitetura de emergência”, embora ela mesma rejeite essa expressão. “Evito esse termo porque ele tem conotações de coisa temporária, mal resolvida e sem serviços de infraestrutura para os habitantes”, esclarece. “Muitos governos e organizações não-governamentais promovem esse tipo de projeto emergencial. Mas, pela minha experiência na Indonésia, afirmo que essas são intervenções que não permitem que as pessoas tenham uma boa qualidade de vida”, ressalta. Maria observa que arquitetos profissionais e planejadores urbanos têm a missão de trabalhar em projetos integrais e sustentáveis, que realmente ajudem as pessoas e promovam a atividade econômica, a habitabilidade e a mobilidade. “Um projeto de verdade leva tempo, dá trabalho”, ela reconhece.
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Interesse precoce “Minhas raízes me levaram a viajar várias vezes durante minha infância e juventude para o Haiti”, relata ela, que é filha de mãe espanhola e pai haitiano. “Essas experiências despertaram em mim uma preocupação especial, um compromisso de entender tudo o que faço”, explica. “Hoje, minha profissão me permite focar em objetivos de cooperação e desenvolvimento. Por conta do destino, meu primeiro projeto para um escritório de arquitetura, enquanto eu estudava na universidade, foi no Haiti”. Em relação ao projeto na Indonésia, Maria relata que o primeiro passo foi efetuar um trabalho completo no local, lado a lado com as pessoas da cidade e com os técnicos incumbidos de desenvolver os estudos de topografia e do solo. “Essa etapa demorou vários meses e acho que foi a parte mais importante do trabalho: sem uma base prévia, você não tem como conhecer as características do local e, portanto, não pode desenvolver um bom projeto”, destaca a arquiteta. “De posse dessas informações, desenvolvemos um modelo
Fotos: Arquivo pessoal
de moradia unifamiliar com fundação de concreto armado, um piso térreo de concreto armado e um primeiro andar de estrutura de aço. O objetivo era ter uma base sólida, forte e pesada que suportasse uma estrutura leve superior para evitar grandes cargas”, ela descreve. “Além disso, conseguimos desenvolver uma infraestrutura mínima para que ruas e sistemas de drenagem chegassem a todas as casas”. Outro ponto que Maria define como “fundamental” foi a negociação realizada com as empresas de água e eletricidade para assegurar que esses serviços chegassem ao vilarejo. “Não foi fácil, mas conseguimos”, orgulha-se. Sobre o porquê de ter abraçado um projeto tão desafiador e distante de casa, Maria Archer dá uma resposta que só os apaixonados pela profissão conseguem compreender: “meu sonho era voar longe, adquirir conhecimentos, me impor desafios que inclusive eu nem conhecia antes de chegar ao local e lutar para conseguir um trabalho de excelência apesar das adversidades que encontrei – e foram muitas”, declara. Parte dessas dificuldades não eram de natureza apenas profissional e técnica: “infelizmente, ser mulher continua sendo uma dificuldade adicional em nossas vidas”, lamenta Maria. “Mesmo assim, apesar da solidão, da distância e das diferenças culturais abismais em muitos casos, eu rapidamente me acostumei com a minha vida na Indonésia. A região onde eu estava é governada pela sharia, a severa lei islâmica que constitui um código de conduta. Embora eu tivesse
que tomar certas precauções, não tive problemas especiais e nós, estrangeiros, dispúnhamos de relativa liberdade de movimento”, comenta. “Eu chefiava o trabalho de 180 homens”, prossegue Maria. “Então, precisei me afirmar e aprender o idioma deles para me comunicar. É essencial respeitar a ser respeitada, e não deixar passar nenhum detalhe. Tudo tem que ser perfeito; como arquitetos, nossa responsabilidade é muito grande. Temos que garantir a qualidade e a segurança das pessoas em nossos projetos", diz. E valeu a pena? A arquiteta garante que sim: “minhas expectativas foram amplamente superadas e eu amei essa experiência profissional. Gostaria de voltar lá, porque, apesar de manter contato com os habitantes da cidade, nunca mais retornei”, recorda-se. Visão de futuro Desde os anos 2000, Maria Archer trabalhou em diversos projetos no Haiti. “Ajudei a fazer o levantamento do centro de Porto Príncipe (cidade atingida por por um terremoto em 2010). Fizemos um trabalho de planejamento urbano com estudantes de uma universidade haitiana de Arquitetura. Também desenvolvi diferentes
Obras de Peunaga Pasi, uma das cidades do subdistrito de Aceh Barat, destruído pelo tsunami em 26 de dezembro de 2004
trabalhos de planejamento urbano na capital haitiana e projetei uma unidade de piscicultura para uma ONG hatiana que trabalha na obtenção de proteínas para alimentação de crianças”. Apesar de estar trabalhando em vários projetos, Maria não está em nenhum “canteiro de obras” neste momento. “Os trabalhos estão em fase de planejamento”, informa. “Falar de Arquitetura em contextos difíceis é algo muito atual, dada a frequência de catástrofes naturais às quais, infelizmente, estamos nos acostumando”, destaca Maria. “As mudanças climáticas e a falta de consciência das nossas sociedades sobre isso colaboraram muito para essa situação. Temos que ser capazes de reverter isso. Não é possível continuarmos assim, sem limites”. ¥ Julho l Agosto l Setembro 2019
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OLHAR DO ARQUITETO
André Gomes da Silva Casa das Rosas, em São Paulo (SP)
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Carolina Goes Biblioteca Municipal de Surrey, no Canadá
Participe do Olhar do Arquiteto. Para isso, compartilhe sua foto no Instagram ou no Facebook usando a hashtag #minhafotonamobile. Mas ela precisa ser tirada em alta resolução e publicada em modo "público".
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OUVIDORIA
Conselho deve estar sempre disposto a ouvir POR AFFONSO RISI, OUVIDOR DO CAU/SP
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nstituído no apagar das luzes de 2010 e começando a atuar a partir de 2011, nosso Conselho está prestes a iniciar o décimo ano como órgão regulamentador da profissão de arquitetos e urbanistas no território brasileiro. Com o grande número e variedade de atribuições que nos caracterizam, foi quase épico o trabalho de tornar funcional a autarquia criada pela Lei nº 12.378 de 31 de dezembro de 2010 e não podemos, ainda, deixar de lembrar, como empecilho adicional, que a instituição do recém-criado Conselho, “costela” retirada do sistema CREA/CONFEA, não foi uma separação pacífica e consensual. Praticamente de um dia para outro e enfrentando dificuldades de várias grandezas, quase tudo teve de ser reinventado e novos espaços e procedimentos precisaram tornar-se operacionais em curto prazo para poder atender às exigências crescentes da sociedade. Agora, às vésperas do início da segunda década, é natural que se imponham algumas oportunas revisões e a Ouvidoria e os
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serviços de Atendimento do CAU podem ser importantes auxiliares na detecção de alguns desses pontos. O CAU, como um Conselho do século 21, fez desde o início a decisiva opção pelo relacionamento exclusivamente digital com seus filiados e com a sociedade, o que provoca uma das demandas que chegam mais frequentemente à Ouvidoria. Muitos colegas estranham o não recebimento das cartas e
boletos a que estavam acostumados nos CREAs, mas a escolha feita pelo CAU, inicialmente uma das causas de muita incompreensão, vai aos poucos se mostrando acertada, com a imposição dos meios digitais de comunicação gerando novos hábitos. Entretanto, a forma impressa da Móbile, esta revista do CAU/SP, é atualmente um dos poucos meios de contato do Conselho com seus filiados fora da internet e cumpre aí, certamente, uma função importante. É conveniente manter e prestigiar a versão impressa, apesar de volta-e-meia alguém acusá-la de inútil e redundante, já que também existe a versão digital. Uma prática louvável que vem ultimamente se tornando frequente por parte do CAU é a consulta pública aos arquitetos e urbanistas sobre assuntos importantes de sua atuação, contradizendo a frequente reclamação de que não são ouvidos pelo Conselho. Assim, nos meses de julho e agosto passados, os profissionais foram c o nv i d a d o s a manifestar-se a respeito de alterações nas regras de emissão de RRTs (Registros de Responsabilidade Técnica) e CAT (Certidão de Acervo Técnico), temas entre os mais frequentes em queixas e sugestões
nas mensagens que chegam à Ouvidoria. Todos esperamos que os processos sejam aprimorados e atendam às queixas frequentes dos colegas. Na mesma linha, no mês de setembro, esteve aberta nova consulta, agora sobre o anteprojeto de Resolução do CAU/BR dispondo sobre concessão, alteração e atualização de registro de arquiteto e urbanista e sobre o registro de título complementar no CAU. Desde nossa saída do CONFEA permanece a situação de conflito entre arquitetos e engenheiros sobre os limites das atribuições de cada um. É inegável que existam áreas de sobreposição, que causam confusão e acaloradas disputas profissionais. Já há alguns anos criou-se uma Comissão de Harmonização, com representantes do CAU e CONFEA, para buscar o entendimento que defina com clareza a atuação exclusiva de cada tipo de profissional. A negociação, infelizmente, não caminhou bem e neste mês de setembro o CAU/BR tomou a polêmica decisão de revogar sua Resolução 51, que definia de forma inequívoca o que era atividade exclusiva de arquitetos e urbanistas. A Resolução 51 sempre foi um dos principais pontos de discórdia e sua revogação não é consensual entre os arquitetos, mas a medida não deve ser encarada como capitulação. Sabemos muito bem o que devemos ou podemos fazer e isso está claramente definido nas
grades curriculares (que entretanto também clamam por revisão), mas a revogação, com a elaboração de novo texto, pode ser vista como um gesto de boa vontade e uma forma de retomar a negociação com nossos parceiros engenheiros em novas bases e premissas, para que consigamos o entendimento final. Arquitetos e engenheiros sempre atuaram em parceria como profissionais complementares e é assim que devemos e podemos trabalhar. Vivemos numa época de grandes transformações em quase todas as áreas da sociedade, no nosso caso agravadas por forte crise econômica. Períodos como esse são de muito sofrimento e desorganização, mas é inegável que também podem abrir inéditas oportunidades para modificações virtuosas. É importante que nosso Conselho, solidário naturalmente aos arquitetos e urbanistas e ciente de suas obrigações para com o País, esteja de olhos e ouvidos bem abertos para captar e analisar em tempo hábil a direção dos acontecimentos, corrigir-se e efetivamente poder exercer a função de órgão maior da profissão. Para isso é preciso estar disposto, sempre, a ouvir, os arquitetos e urbanistas! ¥
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FIQUE ATENTO
Imagens: Divulgação
Conversas na Praça: o urbanismo de Jorge Wilheim Exposição em homenagem ao arquiteto, urbanista e gestor público Jorge Wilheim (1928-2014). São apresentadas obras, projetos e conceitos produzidos ao longo de sua carreira, como também seu processo criativo e de pensamento sobre a urbe. Com curadoria de Guilherme Wisnik e projeto expográfico de Pedro Mendes da Rocha. Até do dia 14 de dezembro, no Sesc Consolação (SP). Grátis.
Casa Vilanova Artigas A antiga casa do arquiteto, construída entre 1942 e 1943 no bairro Campo Belo, em São Paulo, foi transformada em um centro cultural, com espaços para café, exposições, salas de co-working e um jardim. O local pode ser visitado pelo público em geral de quarta-feira a sábado, das 10h às 17h. Às segundafeiras e terças-feiras funciona somente para visitas previamente agendadas ou eventos fechados.
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Bauhaus, o filme Como parte das comemorações do seu centenário, o filme dirigido pelo alemão Gregor Schnitzler e inspirado na carreira da designer Alma SiedhoffBuscher, foca na história das mulheres que fizeram parte da escola e as dificuldades que tiveram que enfrentar por conta das discriminações de gênero.
O Trianon do MAM ao MASP, de Daniele Pisani Professor de Arquitetura em Milão, na Itália, o autor revela nesta obra a história dos vários projetos realizados para o lote urbano onde foi construído o Museu de Arte de São Paulo, na avenida Paulista. Fartamente ilustrado com fotos e documentos, muitos deles inéditos, um texto repleto de reviravoltas e com a presença de muitas figuras conhecidas, o livro subverte interpretações consagradas e se constitui em uma referência obrigatória para compreender as relações entre Arquitetura, política e cultura na São Paulo das décadas de 1940, 50 e 60.
DICA
de Jerônimo Teixeira,
jornalista e escritor
Parque da Água Branca
Paulo Vitale
Ouça Às terças-feiras, produzido pela Editora Abril, o podcast #SPSONHA traz as percepções do jornalista Raul Juste Lores, redator-chefe da Vejinha, sobre o futuro da cidade de São Paulo, os bons exemplos a seguir e questões a resolver.
Leo Varuzza
“É o parque onde melhor me sinto em São Paulo: entre o pavão que desfila sua cauda colorida e os gatos vadios que cochilam nos gramados, entre o modesto e didático Museu Geológico e a área destinada à leitura, entre a dupla de violeiros que canta sertanejo ‘raiz’ e os jovens que fazem jogging, encontro momentos de escassa tranquilidade”.
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Arquivo pessoal
PONTO DE VISTA JÚLIO MORENO*
“Será o Benedito?”
É
princípio básico do jornalismo um distanciamento das fontes em nome da isenção. No caso de Benedito Lima de Toledo (1934-2019) para mim foi impossível sustentar essa regra. “Repórter de cidade” iniciante no Jornal da Tarde, na década de 70, ele foi mais do que uma fonte, foi um professor que ensinou com fraternidade como ler e interpretar a cidade com base em sua evolução urbana. Naquela época, São Paulo passava por uma série de transformações como a construção do metrô, primeiras tentativas de “reurbanizações oficiais” e a atualização de seus instrumentos de planejamento, como o Plano Diretor de 1971. Dele decorreu a Lei de Zoneamento de 1972, que possibilitaria a introdução da preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico como importante elemento da política urbana da cidade. Benedito teve importância fundamental nisso, como um dos condutores do trabalho que levou à promulgação em 1975 da lei da “Z8-200” definindo como bens culturais 200 imóveis do “centro velho” de São Paulo. Acompanhei de perto o levantamento que ele e Carlos Lemos fizeram, visitando um a um, com ajuda de estagiários da FAU/USP, os imóveis definidos na lista. O Jornal da Tarde, conhecido pelo seu projeto gráfico de vanguarda e por abrir vantajosos espaços para os assuntos da cidade, publicou reportagem de minha autoria com duas páginas inteiras com fotos de todos os bens catalogados, matéria que depois virou referência em muitas escolas de Arquitetura e Urbanismo. Em 1981, a travessia de pedestres entre o “centro velho” e o “centro novo” da cidade, separados pelo Vale do Anhangabaú, se restringia ao Viaduto do Chá. O vale, em si, era território exclusivo dos automóveis. Para minimizar o problema, a Emurb (Empresa Municipal de Urbanização) imaginava construir uma série de passarelas unindo os dois lados, logo apelidadas de “cadarços de sapato”.
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Um professor que ensinou com fraternidade como ler e interpretar a cidade com base em sua evolução urbana"
Benedito Lima de Toledo propôs, então, o lançamento de um concurso público de projetos para a reurbanização do vale. Tive a honra de ter sido seu parceiro na empreitada que resultaria na criação de um parque de oito hectares no centro, projeto dos arquitetos Jorge Wilheim e Rosa Kliass (lamentavelmente recém transformado em campo minado pela Prefeitura). O Jornal da Tarde encampou a ideia dele e iniciamos uma campanha com notícias quase que diárias a respeito. Toda vez que eu cruzava com o prefeito Reynaldo de Barros, lhe perguntava se acataria ou não a ideia do Benedito. Ele sempre dava os ombros até que um dia, em seu gabinete, eu disse que faria a pergunta pela última vez. E o prefeito, para minha surpresa, disse sim. A vibração de alegria de Benedito, quando lhe dei a notícia por telefone, ficará para sempre entre as boas lembranças que guardo dele, assim como as longas horas de entrevistas que me dedicava em seu escritório da avenida Brigadeiro Luis Antônio, muitas vezes seguidas de um jantar em sua casa, com a agradável companhia do pai e da irmã, e posteriormente de sua esposa e esteio, Suzana. Despeço-me dele agora com a brincadeira com a qual o saudava, retribuída sempre por um generoso sorriso: “Será o Benedito?”.
*Jornalista, atual chefe da Assessoria de Comunicação Integrada do CAU/BR