Uma amostra gastronómica de produtos de excelente qualidade
Um magnífico guia que encaminha ao visitante cara a um paraíso culinário
Francisco Sampaio e Francisco J. Gil
A gastronomia do Eixo Atlântico
Receitas tradicionais que fazem parte da gastronomia do quotidiano
Co l e c c i ó n
N D A I N A polo Eixo Atlántico
Gastronomi a Eixo portugue s 11.1 1
A gastronomia do Eixo Atlântico
788495 364548 9
Através deste guia, que nos oferece um percorrido pelas cozinhas regionais do Norte de Portugal e da Galiza, é-lhe apresentada ao leitor-visitante a identidade de um destino gastronómico comum, além da sua geografia íntima, a sua história, a sua paisagem humana… O seu projecto responde aos critérios de que, quando, onde e como se come, e constitui também uma reivindicação da dieta atlântica, compartida pela Galiza e Portugal, cenários paradisíacos cheios de deliciosos mariscos, pescados muito fresquinhos ou suculentas carnes de animais de raças autóctones, matérias primas, no fundo, caracterizadas por uma insuperável qualidade.
ISBN 978-84-95364-54-8
Francisco Sampaio e Francisco J. Gil
NIGRA TREA
A gastronomia do Eixo Atlântico
Eixo atlântico do noroeste peninsular
N I G R AT R E A
16/10/07 13:30:41
A gastronomia do Eixo Atl창ntico
A gastronomia do Eixo Atlântico Francisco Sampaio y Francisco J. Gil Fernåndez
nigratrea
Índice I. A gastronomia no eixo atlântico. © Dos textos: Francisco Sampaio e Francisco J. Gil Fernández, 2007
A gastronomia no eixo ...................................... 11 atlântic Introdução.............................................................................................
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1. Síntese histórica.
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© Das fotografias: Tono Arias, Nieves Loperena, Região de Turismo do Alto Minho
2. Gastronomia estacional e classes de cozinha.
© Desta edição: Edicións NigraTrea, S. L. C/ Martín Echegaray, 11, 1.º B 36209 Vigo (Espanha) Tel.: 986 296 049 Fax: 986 297 697 Correio electrónico: nigratrea@telefonica.net
3. A dieta atlântica: exposição.
Tradução: Raquel Bello Vázquez e Antia Cortiças Leira Maquetación: María Álvarez Menéndez Mapa: Marcos Costoya Impressão: Gráficas Apel, S. L. (Gijón) Acabamentos: Encuadernaciones Cimadevilla Depósito legal: As. 4153-2007 isbn: 978-84-95364-54-8
4. Por uma carta gastronômica conjunta.
Impresso en Espanha – Printed in Spain Reservados todos os direitos. Proibida a reprodução no todo ou na parte, a incorporação a sistemas informáticos ou a transmissão por qualquer forma, seja esta electrónica, mecânica, por fotocópia, gravação ou qualquer outra, sem a prévia autorização escrita de Edicións Nigra Trea, S. L.
II. norte de portugal. 1. Entre-Douro-e-Minho.
Síntese histórica ............................................................................... Os galaicos........................................................................................ Como viviam, então, os castrejos?.................................................... Grécia e Roma: suevos, árabes, da Reconquista aos descobrimentos.................................................................................. O Livro da Infanta.............................................................................
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.Gastronomia ............................... estacional 21e classes de co A dieta atlântica: exposição ............................................................ De uma história da alimentação e de uma gastronomia e vinhos próprios.......................................................... As raças autóctones.................................................................... Leite e seus derivados................................................................ As verduras atlânticas................................................................ Peixes e mariscos, as algas e o sal............................................. O pão, a revolução do milho...................................................... Vinhos verdes, cidra e outros produtos......................................
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Por uma carta gastronômica .......................................... 31conjunta Gastronomia Norte de Portugal/Galiza............................................. 31 Opiniões sobre a dieta atlântica......................................................... 35 .norte ..................................................................... de portugal
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..................................................................... Entre-Douro-e-Minho Viana do Castelo................................................................................
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A gastronomia do Eixo Atlântico
2. Trás-os-Montes e Alto Douro.
3. Vinhos, queijos e aguardentes.
Braga................................................................................................. Guimarães......................................................................................... Porto.................................................................................................. Vila Nova de Gaia............................................................................. Receitas............................................................................................. Bucho recheado [54]. Torta de camarão [55]. Creme de camarão para a torta [55]. Caldeirada do nosso mar [56]. Sável assado no espeto [57]. Tripas à moda do Porto [57]. Milhos ricos [59]. Arroz de galo pé descalço [60]. O bacalhau à Gil Eanes [61]. Pescada à poveira [62]. Barriga de freira (rica) do antigo. Convento de N.ª Sr.ª da Conceição (Monção) [63]. Pudim do abade de priscos (Braga) [64].
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. ........................................................ Trás-os-Montes e Alto Douro Bolas e folares: a gastronomia do simbólico..................................... Tripas aos molhos e feijoadas............................................................ Das gulodices.................................................................................... Dos doces conventuais...................................................................... O Douro vinhateiro (Peso da Régua)................................................ A Terra Barrosã como fronteira (Chaves)......................................... Para lá do Marão abraçamos o Corgo e o Tua (Vila Real)................ Montanhas frias e planaltos quentes (Bragança)............................... Receitas............................................................................................. Peso da Régua................................................................................. Formigos [83]. O cabrito do monte assado no forno de lenha com batatinhas e arroz de forno em alguidar de barro preto (delicioso) [84]. Chaves............................................................................................. Folar [85]. Trutas de boticas [86]. Cabrito do Barroso assado no forno [86]. Cozido barrosão [87]. Vila Real.......................................................................................... Tripas aos molhos [88]. Bifinhos de presunto [89]. Cristas de galo [90]. Bragança......................................................................................... Caldo de unto [91]. Butelo com cascas [91]. Morcelas doces [92].
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Vinhos, queijos e aguardentes ........................................................ Rota dos vinhos verdes......................................................................
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Barcelos [95]. Ponte de Lima e Viana do Castelo [96]. Monção e Melgaço [97]. Amarante, Penafiel, Basto, Braga [99]. Rota do vinho do Porto...................................................................... Rota dos vinhedos de Cister.............................................................. Queijos dop........................................................................................ Aguardentes.......................................................................................
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III. O MINHO.O .............................................................................................. MINHO 119 Receitas............................................................................................. 122 Solha frita em unto ou banha [122]. Enguias em molho de amêndoas [123]. Lampreia ao estilo de Arvo (Arbo) [124]. Trutas com presunto [125]. Salmão grelhado [125]. IV. GALIZA.
................................................................................................. 127 GALIZA Introdução............................................................................................. 129 1. A cozinha do litoral.
.A........................................................................ cozinha do litoral Sardinhas e pescados miúdos............................................................ Peixes brancos e pescados azuis........................................................ Tamboril, rodovalho, martinho, o fim dos malditos.......................... A costa e os vegetais.......................................................................... Receitas............................................................................................. Salpicão de sapateira [142]. Polvo à feira [143]. Vieiras ao forno [144]. Amêijoas em molho verde [145]. Empanada de xoubas [146]. Rodovalho refogado [147]. Bacalhau com couve-flor [148].
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2. A cozinha do interior.
.A..................................................................... cozinha do interior A matança.......................................................................................... Presunto defumado e pernis ou lacões.............................................. A terneira........................................................................................... Azeite ou manteca............................................................................. Receitas............................................................................................. Callos [162]. Fígado de cebolada [163]. Jarrete guisado [164]. Galo de curral em canja [165]. Capão assado [166].
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Índice
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A gastronomia do Eixo Atlântico
3. Os queijos.
Os queijos ......................................................................................... 169 Tetilla [169]. Arçua (Arzúa)-Melide [170]. Queijo de San Simón da Costa [170]. Cebreiro [171].
4. Pães.
................................................................................................... 173 Pães
5. A batata e a castanha.
.A..................................................................... batata e a castanha 175
6. Os doces.
Introdução A gastronomia como discurso sobre o prazer da mesa, é tributária da variedade e funde-se na escolha e na selecção. Parte importante da cultura, a gastronomia implica amar e apreciar verdadeiramente a boa comida e o bom vinho, dois dos prazeres da vida que, quando são sustentados por um bom serviço e boa companhia, ajudam a proporcionar uma refeição realmente fantástica. A sua preservação e valorização deverão, pois, considerar-se tão importantes como a de qualquer outro elemento do património cultural. Vários estudos têm vindo a mostrar que as mais recentes escolhas turísticas dão preferência ao turismo cultural incluindo as experiências inter-culturais. É nestas experiências interculturais que o novo turista (século xxi) mantém a sua aposta. Isto é, já não basta apresentar o inventário turístico tradicional —alojamento, alimentação e transporte (oferta tangível)—. O século xxi reclama novas emoções e novos afectos ligados à (oferta intangível). Aqui entra a nova gastronomia com experiências únicas que são vividas para além e dentro do uso cultural, tendo como mote a inovação na tradição. A gastronomia constitui-se como um recurso turístico primário; idem, como recurso autónomo. Os domingos gastronómicos não necessitam de estar ligados a eventos para se alicerçarem como principal motivo para uma deslocação turística. O Case Study desenvolvido pela Universidade de Aveiro, confirma essa distinção pela sua atractibilidade numa época baixa fazendo com que visitantes espanhóis e portugueses, de Madrid ou de Lisboa, se desloquem ao Alto Minho, percorrendo mais de 400 km. Mo-
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A gastronomia no Eixo Atlântico
tivo: por ser um produto turístico compositum de base cultural e itinerante (matérias-primas, receituários tradicionais, acolhimento de excelência). Os subsídios para a história da alimentação da Euro Região Norte de Portugal- Galiza iniciam-se a partir do primeiro contacto (ano 133 a. C) quando Decimus Junius Brutus com o cognome de O Galaico vem subordinar os castrejos às águias romanas. A história da Alimentação recebe influências da Grécia e de Roma passa por suevos e visigodos, pelas invasões árabes, pela Reconquista, por uma vida medieval ligada a castelos e mosteiros; pelas descobertas, pelo homem novo do Renascimento, o homem moderno e contemporâneo.
1. Síntese histórica Os galaicos
A hostilidade sentida por Decimus Junius Brutus, no confronto com os galaicos e, mais para o centro de Portugal, os astures, os cantábros, os vaceus ou os lusitanos, justificam na narrativa de fontes escritas o termos sido apelidados de «bárbaros», não só pelo facto de, como refere Homero «não éramos comedores de pão» mas, também, por desconhecermos o nome dos nossos deuses, realizarmos sacrifícios humanos, no fundo «um refúgio de bandidos de onde saíamos para incursões em campos já pacificados». O texto de Estrabão (Geografia) diz-nos quão difícil foi a implantação da civilização romana e quão precária a sua penetração na civilização castreja: Todos estes habitantes da montanha são sóbrios: não bebem senão água, dormem no chão e usam cabelos compridos à maneira feminina, ainda que para combater os prendam com uma banda. Comem principalmente carne de cabra; a Ares sacrificam cabras e, também, cativos e cavalos; costumam fazer hecatombes de cada espécie de vítima, à maneira Grega e como dizia Pindaro emolam uma centena… em três quartas partes do ano os montanheses não comem senão belotas que secas e trituradas se moem para fazer pão o qual pode guardar-se durante muito tempo. Bebem zitos e o vinho, que escasseia, quando obtém o consomem em seguida nos grandes festins familiares. Em lugar de azeite usam manteiga.
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A gastronomia no Eixo Atlântico
Como viviam, então, os castrejos?
Apesar de apelidados de «bandoleiros» por Estrabão e de fazermos a guerra a partir dos montes (tipo guerrilha); apesar de não termos cidades como os romanos o entendiam, não era o povo «bárbaro», como nos consideraram os cronistas romanos. Tinham hortas e na floresta carvalhos, sobreiros e castanheiros; conheciam a agricultura e, nos currais, havia cabras, ovelhas, cavalos e bovinos. Assim, conheciam espécies de trigo, cevada, painço, ervilhas, favas, grão de bico, castanha, bolotas, hortaliças, nomeadamente, os nabos e as couves, cerejas, frutos secos; nos animais, podiam escolher entre o porco, a cabra, o carneiro, os equídeos e os bovinos; nos rios e no mar, lampreia, sável e salmão, trutas e bogas, pescada e congro, robalo, pargo, dourada; finalmente, os mariscos com os crustáceos, as percebas e as santolas, as ostras, a amêijoa, o berbigão, o mexilhão, as lapas e os búzios. E como já referimos, e foi anotado por Estrabão, «comem sentados em bancos de pedra, construídos em redor das paredes, alinhando-se de acordo com a idade e a dignidade; os alimentos circulam de mão em mão, bebem água e cerveja, vinho (só em grandes festins), dançam os homens ao som da flauta e de trombetas, saltando alto e caindo de joelhos». Grécia e Roma: suevos, árabes, da Reconquista aos descobrimentos
O que se passava na Antiga Grécia e em Roma? A comida dos gregos e romanos era constituída por cereais, trigo, cevada, painço e derivados. Leite e queijo, elementos indispensáveis aos cozinheiros romanos que os utilizavam como condimentos. Nas carnes, o porco já era rei.
1. Síntese histórica
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Os gastrónomos pagavam generosamente os recos que haviam sido tratados a figos secos e vinho com mel, pois o fígado adquiria um tamanho monstruoso e se convertia num manjar digno dos deuses. Dos vegetais utilizados na culinária tinham o grão, os tremoços, os rábanos, os nabos, o feijão, as ervilhas. Enchidos e fumados curados ao fumo, toda a salsicharia (actual), era conhecida dos romanos. Mas vai ser nos peixes que Roma Antiga atinge o seu máximo em termos do requinte mastigativo. Apício, o célebre cozinheiro romano, contemporâneo de Séneca, fundou uma escola de hotelaria. Escreveu uma obra monumental em que recolheu a história da alimentação da sua época. Da sua obra fragmentada chegou-nos um livro de cozinha, Apicii Celli de re coquinaria libri decem, e fragmentos de um outro onde se indicavam os peixes que se capturavam nas águas do Mediterrâneo. Mas, adrede, foi o garum, uma salsa elaborado essencialmente em Hispania Citerior, deixando-se fermentar em barricas os peixes (sobretudo, cavala e atum). O produto desta fermentação era o «linquamen» —uma pasta homogénea que se expunha ao sol, reduzindo a pasta líquida que, posteriormente, era filtrada—. A este produto final chamavam garum (uma espécie de paté de peixe), que acompanhava todos os manjares, dependendo da qualidade do cozinheiro (o quanto baste), o bom paladar ou não dos pratos a servir! Com os suevos chega o arado quadrangular, instrumento potente, muitas vezes provido de rodas que vai cavar as terras fundas (vessada), com quatro ou cinco juntas de bois a puxá-lo, proporcionando, assim, uma lavoura fecunda que, desde essa época, se mantém até aos nossos dias. Com os suevos chegou, também, o centeio da Europa central, obrigando à primeira grande transformação dos hábitos alimenta-
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A gastronomia no Eixo Atlântico
res da população do noroeste, permitindo o fabrico de um pão mais barato, primeiro junto com o trigo, depois, com o milho quase mil anos depois. Nas invasões árabes e, sobretudo, durante o «ermamento», árabes e os submetidos moçarabes, utilizavam a rotação das colheitas: trigo, aveia e cevada; ervilha, feijão e verduras; o terceiro ano sem cultivo (para recuperar). No ano seguinte, o ciclo agrário iniciava-se pelas terras de pousio. A indústria da farinha ganha um incremento novo com os moinhos de vento que se juntam às típicas azenhas nos cursos de água. Devido aos árabes não comerem porco, era o «cordeiro», o prato preferido, aliás, como os judeus. O mesmo se passava com o vinho, em relação aos árabes. Mas moçarabes e judeus cultivavam a vinha (e os árabes não deixavam de, em momentos solenes esquecer os preceitos do Alcorão). O mel, também, era muito apreciado. Segundo testemunhos de El Edrisi a produção do mel já era importante na confecção de bolos e doces. Com a Reconquista iniciada no século xi e que se vai manter até finais do século xiii, a Idade Média foi decisiva para o desenvolvimento de uma nova sociedade construída após o conturbado «século do Ferro», onde foi possível criar-se uma arte própria —o românico—, uma filosofia e uma mística —Caminhos de Santiago—, organismos sociais e políticos que tiveram de se adaptar à sua complexa idiossincrasia. reis, nobres, ricos-homens, filhos de algo, cavaleiros, ingénuos (homens livres); servos (cozinheiros, moleiros, pastores, carpinteiros), servos da gleba (adstritos às terras onde moravam e com pagamentos em géneros das terras aforadas). Assim, sabemos pelas Inquirições (1258), que a comida típica dos reguengueiros e cabaneiros dos jantares do Natal e do Carnaval, era carne de porco; os ovos e o queijo, da Páscoa; que a galinha, o cordeiro ou o cabrito se comiam pelas Maias e pelo São João e que, muitas vezes., a refeição teria de ser condimentada; e
1. Síntese histórica
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refere (Almeida, 1978) «na idade média há toda uma riquíssima semiótica da alimentação», desde da comida de jejum à normal, a pão e água, e a pão e vinho, desde a refeição da semana à de Domingo; entre a carne e o pescado, como conduito, entre o que comiam as classes baixas, pão e cebola, caldo e sardinhas; à pescada, lampreia, lombo e espáduas de porco bem adubadas das mesas ricas; entre o caldo normal de versas (caldo verde), o amarelo, de certos ritos e, o de castanhas, próprio das festas de sentido vegetalista, entre os jantares comuns e os das festas de bodo público, de ritos de passagem, das réboras e entradas, do início de novos modos de vida e «molhaduras», no remate de trabalhos importantes. E a gastronomia, tal qual a arquitectura românica tão apegada aos seus contrafortes, cachorradas, torres sineiras obesas ligadas, ainda, a uma situação defensiva de cruzada, viu aparecer a esbelteza dos ogivais, de colunas e rosáceas que inundam de luz uma nova vida e uma nova esperança, deu Hossanas a um povo que viu, renascer das cinzas, os grandes momentos da sua vida colectiva, dos seus rituais, dos seus mitos: Natal, Entrudo, Páscoa, santos populares, colheitas, festas, feiras e romarias com os manjares típicos dos Santos Padroeiros, assim como dos trabalhos de favor, feitos no lugar e por vizinhos. Sinal que outros tempos estavam a chegar. Do homem novo com as descobertas das Índias e dos Brasis, que permitiram contactos com novos mundos. Novas gentes, também, com as especiarias, novas plantas, os milhos, a batata e o arroz que vão revolucionar toda a alimentação europeia. O Livro da Infanta
Foi no século xvi que o milho grosso vindo das Américas se tornou uma providência divina desta terra granítica de grande e
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longos vales, entre montanhas maneirinhas. Broa, vinho verde, centeio. Faltava a batata e esta chega já no século xviii dos planaltos andinos, exactamente na altura que por cá havia a doença dos castanheiros, salvando-se assim do perigo de uma fome generalizada, já que a castanha era então a batata da nossa terra. Falta-nos o bacalhau e o arroz. Aquele vinha da Terra Nova e é importado da Noruega onde os barcos de Vigo, Viana e de Aveiro o iam carregar (século xv). O arroz era importado do Vale do Mondego. Restam-nos as especiarias que nos chegaram com os descobrimentos. E, talvez, a aletria como influência exótica. Se nos debruçarmos sobre a mais antiga obra de culinária portuguesa (século xvi) intitulado Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal, filha de D. Duarte, Duque de Guimarães, neto de D. Manuel I que casou com Alexandre Farnesio, Duque de Parma e embaixador nos Países Baixos, verificamos que o tratado divide-se em quatro cadernos, respectivamente, manjares de carne, manjares de ovos, manjares de leite e manjares de sobremesas (onde também confeiteiros, pasteleiros, padeiros e cozinheiros são chamados).
2. Gastronomia estacional e classes de cozinha Estamos, agora, em condições de assumir o repto de trazer a lume algumas achegas para a história da Alimentação do EntreDouro e Minho e de Trás-os-Montes e Alto Douro, concretamente, das cidades do Eixo Atlântico. Iniciaremos pelos receituários escolhidos. — Das festas cíclicas (Natal, Ano Novo, Reis, Entrudo, Páscoa, Maias, Corpo de Deus, São Miguel, Todos os Santos, São Martinho). — Ritos de passagem (nascimento, primeira-comunhão, comunhão-solene, namoro, noivado, casamento, viuvez, mortório). — Refeições de trabalho (ritmo agrário): vessadas, mondas, sachadas, arrigas do linho, desfolhadas, espadeladas, malhadas, matança do porco, serões. — Romarias (entre o altar e a mesa): Natal/Ano Novo/Reis (Festa do Menino; Festa dos Rapazes, Festa de Santo Estêvão e de São Gonçalo, as Fogaças, o «Charolo», o Cozido do peditório); Santo Amaro (Enchidos e Fumados / Butelo com Cascas), São Sebastião (Bodo); Domingo e Terça-Feira de Carnaval (Caretos / Lazarim; Entrudo dos Compadres; Festa do Pai Velho / Lindoso, Cozido); Semana Santa/Páscoa (Compasso Pascal/Jantar e Lanço da Cruz, lampreia e sável); Santos Populares (St.º António, São João e São Pedro, sardinha assada, Cordeiro, alho porro e mangericos); São Bartolomeu do Mar (Galo Preto); São João d’Arga (Ca-
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A gastronomia no Eixo Atlântico
brito/Sarapatel); Senhora do Porto D’Ave (bifes de carne barrosã); Senhora da Saúde (Solha); São Miguel (colheitas e vindimas); Festa dos Santos (Caldo de Castanhas /Pericos); São Martinho (castanhas e vinho); São Mamede (mel); Srª da Conceição (Doçaria Popular). Quatro tipos de cozinhas a considerar: — Cozinha popular ou étnica: pratos da tradição antiga que não chegaram aos restaurantes; cozinha de sentido etnográfico/folclórico que fazia parte da tradição gastronómica quotidiana do passado e cuja vivência actual só existe em casos pontuais. Receituário ancestral, de tradição oral (a perder-se), parte fundamental da nossa cultura gastronómica e repartida pela geografia da região. Em resumo: hábitos alimentares dos nossos antepassados cuja recuperação requer um trabalho de localização e investigação - cozinha comunitária, da época: matança do porco, Consoada, Ano Novo e Reis; cozinha do Entrudo, Jantar da Cruz (Páscoa), arroz das lavradas ou arroz de Maio, bucho doce (Melgaço), afogado de cabrito, sarapatel (Soajo); feijão com couves (Gerês). — Cozinha familiar: receitas de âmbito familiar, recitadas de cor, sem compromissos, versátil, autónoma, com base nos produtos da «casa» (mimos da horta, quinteiro, corte). Feita de muito amor aos tachos e panelas; alguidares e almofias de barros vidrados, gamelas de pau, carretilhas de latão; a arte maravilhosa de desenhos feitos a fio de canela, a canelografia. Sofre influências de aculturação (ex. bolo-rei trazido pelas moças minhotas criadas de servir em Lisboa). — Cozinha caseira: é a soma da cozinha popular e familiar. É utilizada já na maior parte dos restaurantes, sendo possí-
2. Gastronomia estacional e classes de cozinha
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vel a sua recriação de modo a torná-la adaptável aos clientes e gastrónomos (inovação na tradição). Cozinha de caseirices-feminina, ligada às raízes e memórias da quinta e do folclore (os folares, as célebres roscas das Mordomas, o bate, pão-de-ló das Romarias; o molho fervente que estruge na caçarola, de azeite fino, vinagre de sete ladrões, cebola picada, dente de alho e o cheiro a pimenta); os «banhos»; a «adoba» e as «marinadas». — Cozinha tradicional: usa técnicas tradicionais com receitas mais elaboradas. Interpreta a cozinha popular com as velhas tradições, os produtos endógenos locais e regionais, inclusivé, as técnicas de elaboração das respectivas «funções». Uma gastronomia sólida, apoiada em sabores próprios de cada ingrediente. As receitas (com pelo menos cinquenta anos de uma tradição oral viva e operante), são específicas e realçam os sabores do produto. Muito profissional, masculina, satisfaz o consumidor e permite a convivência e a confraternização. Também, não queremos virar as costas às cozinhas contemporâneas. Referimo-nos, concretamente, às cozinha de autor, à cozinha histórica e à cozinha de fusão. Apresentamos uma proposta: a nova cozinha atlântica que revela uma atitude diferente, um outro estado de espírito, uma mudança de mentalidades com uma obrigatoriedade: a de se praticar ideias e conceitos inovadores, combinando a cozinha tradicional e regional, a cozinha dos fogones com a Escola e a Formação Profissional, ou seja a inovação na tradição. Depois, a introdução de elementos de autor serão sempre bem vindos. Em resumo, uma viagem pelas nove cozinhas regionais do entre Douro e Minho (com enfoque nas cidades do Eixo Atlântico — Viana do Castelo, Braga, Guimarães, Porto e Vila Nova de
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A gastronomia no Eixo Atlântico
Gaia) e Trás-Os-Montes e Alto Douro (Peso da Régua, Vila Real, Chaves e Bragança), dir-nos-há que a gastronomia da Euro Região (Galiza/Norte de Portugal), prima pelo seu grau de excelência, reflecte padrões de exigência capazes de desvendar ao visitante a identidade de um destino na compósita unicidade da sua geografia, história e da sua paisagem humana e responde, cabalmente, aos seguintes requesitos: o que se come, quem come, quando come, onde come e como se come. Também uma viagem pela chamada Dieta Atlântica tem sido uma proposta a ser assumida pelo Eixo Atlântico e, posteriormente, pela Fachada Atlântica.
3. A dieta atlântica: exposição O facto de se procurar desenvolver e certificar uma dieta atlântica, vem na mesma linha e semelhança da dieta mediterrânica que justifica a sua actualidade por um adjectivo mediterrâneo com diversas conotações, mas sempre com a mesma imagem: do mar Mediterrâneo, que serviu de intercâmbio entre todos os povos da antiguidade: gregos, romanos, fenícios, cartagineses, árabes, mouriscos, até praticamente aos nossos dias; de um clima, que ditou um sistema e um estilo de vidas diferentes, quer na agricultura, quer no aproveitamento dos tempos livres e do lazer; de uma história da alimentação e de uma gastronomia e vinhos, que tem no azeite, no pão e no vinho os seus pontos fortes, com implicações nas suas terras e gentes, hábitos familiares, mercados e comidas. Da dieta atlântica: é nossa intenção reafirmar e provar, também, que existe um adjectivo «atlântico» com diversas conotações, mas sempre com a mesma imagem e, abordando, igualmente, os mesmos items. Do Oceano Atlântico: combinando os diversos «mares» da nossa Costa: Norte de Portugal, Galiza, Cantábria, Golfo da Biscaia, Bretanha, Sul de Inglaterra e Irlanda, um mar batido, salgado, fresco, com os estuários dos rios Minho, Lima, Cávado, Douro, com as rias galegas, as suas praias, mas, adrede, com as suas Finisterras. Mares e Oceano que desde o século xiii e, depois, nos séculos xv e xvi, foram palco da maior aventura de todos os tempos: as Descobertas, os «achamentos» de novas terras e de novas gentes.
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A gastronomia no Eixo Atlântico
De um clima: necessariamente atlântico, tal como dizia Pero Vaz de Caminha para definir os ares do Brasil ao rei D. Manuel I «carta sobre o achamento» de Maio de 1500: «A terra é de muitos bons ares, assim frios e temperados como os d’Antre Douro e Minho». Como, aliás, Orlando Ribeiro tão bem definiu no seu livro: Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. O Minho, a Galiza — temperaturas suaves, um tempo húmido, uma zona intermédia entre o Atlântico e o Mediterrâneo, na fachada ocidental do continente europeu, a que genericamente se podem agrupar a Irlanda e a parte mais ocidental da França e do Reino Unido. De uma história da alimentação e de uma gastronomia e vinhos próprios as raças autóctones
É no Norte de Portugal/Galiza que está a melhor oferta de carne bovina disponível para consumo, com destaque para a «raça barrosã», a última a ter e a fazer honras de cozinha real Britânica e das melhores messes da sua esquadra naval para onde iam, ainda vivas para facilitar o transporte, as reses levadas a partir de Vigo, Viana do Castelo e Leixões, os «Bois do Barco», o reclamado «Portuguese Beef». Tem certificação de origem, Livro genealógico e Registo Zootécnico. O mesmo podemos referir à marca doc (Denominação de Origem), Ternera galega e que se pauta pelo mesmo rigor de produção. leite e seus derivados
Alimento fundamental para a dieta humana, considerado de excelência, tem na fachada atlântica um valor altamente nutritivo,
3. A dieta atlântica: exposição
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pois é fonte importante de cálcio, proteínas lácteas, gordura, sais minerais e vitaminas. De notar ainda a importância do leite fermentado com destaque para o iogurte, uma das bases da dieta atlântica. as verduras atlânticas
Incluímos nas verduras toda a produção feita na costa atlântica e que, resumidamente, se podem agrupar em três grandes grupos: a) batata e tomate; b) brássicas; c) a cebola, o alho, a alface, a cenoura e o feijão verde. É, no entanto, para as Brássicas que recorre a dieta atlântica, sobretudo, nas suas opções culinárias, com destaque para a couve galega (caldo verde), como para as restantes sopas e saladas: lombardas, pencas, repolho, nabo, couve-flor e brócolos. Aos produtos hortícolas, assim como a frutos da vertente atlântica, são-lhe reconhecidas propriedades a nível médico, como prevenção de doenças do coração, cancro e outras doenças crónicas relativas à alimentação (aparelho digestivo). peixes e mariscos, as algas e o sal
Portugal tem na Europa e no Mundo, o consumo, per capita, de pescado mais elevado (45 kg por ano); enquanto na Comunidade Europeia o consumo não ultrapassa os 17 kg per capita. É o melhor produto que tem a dieta atlântica devido às condições óptimas de salinidade, e até pelo facto de ser um oceano com muitas correntes, batido e com águas frias. Tudo isto confere aos peixes do mar, como aos mariscos e algas um paladar único no Mundo. Não esquecer, também, o aspecto preventivo da dieta à base de peixes (proteína da série Omega 3 e Omega 6), muito abundante nos peixes gordos, que exercem efeitos anti-arteriosclerótico.
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o pão, a revolução do milho
Veio, depois, a revolução do milho que em menos de meio século (século xvi) ganha as terras baixas atlânticas expandindo riqueza, por socalcos e regadios. É a transformação do prado em campo, o aparecimento das «beçadas» ou lavradas que, a um só arado ou «beçadouro», vêem-se jungidas três, quatro ou cinco juntas de bois dos vizinhos. A terra lavrada é então, adubada com a «molima» e gradada em seguida para fazer a sementeira. É uma lavrada funda, feita com arados de carrela, diz-nos Orlando Ribeiro. Os casais disseminados espalham-se pelo vale e pela encosta. O Entre-Douro-e-Minho transforma-se na paisagem: é a divisão da propriedade, a horta, a leira e a bouça, as vinhas baixas e as vinhas de enforcado nas bordadeiras dos campos, dos caminhos de pé posto. É o milho grosso que encontrou na economia minhota condições favoráveis para a sua expansão, mantendo-se ainda hoje na alimentação, tanto no fabrico de pão (boroa), só ou com mistura de centeio e na culinária em forma de papas de milho, bolos no tacho ou, mesmo, na confecção de guloseimas. vinhos verdes, cidra e outros produtos
A designação de vinho verde deve-se a factores ecológicos e sociais e não é mais a consequência de contrastes climáticos do continente português. Enquanto que no Sul e no interior, o clima, a forma de condução (vinha baixa e a aptidão das castas), favorecem a maturação ou mesmo a sobrematuração da uva; no noroeste, o meio ecológico (sol e clima), as formas de cultura (condução e armação), imprimem grande expressão vegetativa e formas de maturação bem diversas. Foi o primeiro vinho a ser exportado para Inglaterra,
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Flandres e Alemanha (Red Portugal Wines), e nesse se incluíam, igualmente, os «alvarinhos e os ribeiros» de Monção/Melgaço, do Condado e de Riba d’Avia (Galiza). O mesmo podemos dizer da cidra (bebida por excelência celta), e que se mantém no Norte de Portugal, Espanha Verde e França.
4. Por uma carta gastronômica conjunta É nossa intenção reafirmar e provar, que existe um adjectivo atlântico: enquanto realidade geográfica com características de agricultura de montanha —dieta atlântica— das quais realçamos: produtos hortícolas com ênfase para as brássicas, abundância de pescados e mariscos; as raças autóctones —porco bísaro (celta), barrosã, mirandesa, maronesa, arouquesa, rubia galega, ternera galega, lacón galego, minhota, o cabrito das terras altas do Minho, o cabrito transmontano, o borrego Terrincho e o cordeiro bragançano de raça churra—; fruta da época, peixes e mariscos, algas e sal; leite e derivados; mel, pão de milho, batata da Galiza, vinhos jovens (verdes) do Norte de Portugal, assim como da Galiza, D. O. Ribeiro, Valdeorras, Rias Baixas, Monterrei, Ribeira Sacra; aguardentes - D. E. Orujo de Galizia; queijos —D. O. P. Queixo Tetilla, Arzúa-Ulloa, queixo de San Simón da Costa, queixo de Cebreiro— e cidras. Partilhando condições edafo-climáticas que se espalham pela vizinha Galiza (parceiro privilegiado neste projecto, assim como todo a fachada atlântica (Astúrias, Cantábria, Pais Basco, oeste de França, sul de Inglaterra, Irlanda). Gastronomia Norte de Portugal/Galiza
Conhecemos uma série de autores que abordaram genericamente a problemática da história da alimentação, gastronomia e vinhos, inclusive, da história da alimentação e gastronomia dos Caminhos de Santiago.
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Socorro-me, porém, neste «intróito» de um Amigo meu que muito me ensinou sobre estas coisas da alimentação, da gastronomia e vinhos galegos e minhotos e, também, do Eixo Atlântico (a velha Galaecia): Álvaro Cunqueiro e esse livro espantoso que se chama A cociña galega, e em que se prova que nada devemos à dieta mediterranica, já que as nossas comidas, pertencem a essa grande família que se chama «celta» e que bem pode transformar-se numa típica e peculiar dieta atlântica, juntando a produção agrícola e alimentar, a viticultura e a enologia, a horticultura, o mar e os rios com o seu habitat piscícola e marisqueiro; os montes e os vales com a sua caça de pena e pêlo, os nossos vinhedos, as «nossas» queimadas, sobretudo, os nossos rituais e as nossas festas gastronómicas, onde, com sua licença o porco é Rei. Começaremos, naturalmente, pelos caldos, de grelos ou de cou ves, com batata e unto (o azeite só muito recentemente entrou na cozinha minhota e galega). A sopa do cozido, irmã da nossa, o caldo de castanhas, lá infelizmente (como cá), desaparecido da gastronomia. O caldo de Calabazote, diz Cunqueiro, nos dias medianeiros de Outono, quando há favas novas! Cunqueiro iniciou a sua Cocina, com a matança do porco (caseiro). E tal como no Minho, a matança do porco é um fenómeno social a que escapa qualquer outro animal. Diz-nos Roby Amorim Da mão à boca: «Na verdade pode matar-se um cabrito, uma ovelha, uma vaca e o acontecimento fica entre as paredes de casa, mas a morte de um porco exige a presença dos vizinhos pelo menos para a série de comezainas que se lhe sucede». Assim, a matança do porco é, na Galiza, como no Entre-DouroE-Minho, Tras-os-Montes, e Alto Douro, repito (a velha Galaecia), uma festa. E do porco chega-nos o quê: os rojões, o pernil, o presunto, os chouriços, as morcelas, as orelheiras, o focinho, as barrigas, as filloas de sangue.
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Um bom cozido, diz-nos Cunqueiro, […] leva muitas cousas: leva xamón e lacón, leva carne fresca, leva touciño e chourizos, leva verdura —que podem ser uns grelos pero pode ser tamén repolo—, e leva galiña, e tamén leva garabanzos. E as patacas, por descontado. […] E à carne de porco que vai no cocido ainda lle pode engadir a orella, e si hai costela salpresa, pois costela. E na auga na que se cocéu a carne, e pinchando nela un par de chourizos, faise unha boa sopa, que pode ser de fideo ou de arroz. Fan falla tres fontes pra servir un cocido, que nunha vai a carne de porco, noutra a galiña coa carne fresca, e noutra as patacas cos chourizos e os garabanzos. […] Eu ainda me lembro de cocidos, cando rapaz, en casa dos meus abós, em Riotorto, na vella terra luguesa de Miranda, que viña tamén á mesa outra fonte com castañas cocidas, peladas do todo, e coelas unha pelota de carne picada co seu ovo duro e o seu allo, e algo picante. Xarrete e falda son as millores carnes de vitela para un cocido.
Não é este o nosso celebrado cozido à Minhota, Barrosão, Marão, Nordeste Transmontano? Infelizmente, já hoje degenerado e transformado no banal (por falta de ingredientes autóctones), cozido à portuguesa? Tal como existe, também, na Galiza o termo olla podrida, que não é mais que o nosso conduito e que consta desde a Idade Média nos potes das cozinhas dos albergues, no Caminho de Santiago. Contudo, e refere Cunqueiro, hoje na Galiza come-se mais o lacon com grelos que a olla podrida, tornando-se num dos mais emblemáticos pratos da gastronomia galega. Coloca-se o lacon numa travessa com os seus chouriços, um por pessoa (que são seis) e mais um para um amigo inesperado; noutra travessa os grelos com as batatas.
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Seguem-se as empanadas. Refere Cunqueiro: a Galiza é o país das empanadas. Fazem-nas com quase tudo: lampreia, enguias, congro, bacalhau, sardinhas, coelho. Depois toda a mariscada, a começar pelas ostras, os percebes, as amêijoas, as vieiras (tão ligadas aos Caminhos de Santiago), para terminar nas lagostas, santolas e camarões. Mas o prato mais requisitado é, sem dúvida, o polvo. E as pulpeiras não têm mãos a medir com os seus caldeiros de cobre em dias de feira e de festa. Peixes de rio, peixes de mar. O salmão, o sável de escabeche, a truta aconchegada na fritura com o presunto gordo. Os mexilhões cozidos com alho; lampreia, curada e cozida, fresca com arroz ou à bordalesa, guisada com o sangue e com o vinho. A Galiza é o maior porto de pesca do mundo na arte de capturar as espécies nobres: pescada, rodovalho, linguado, mero, robalo, tamboril. Mas, adrede, a sardinha do nosso mar, sem esquecer as tradicionais caldeiradas dos pescadores, com o peixe da Ribeira. Sem ser uma zona de assaduras há que comer os afamados capões de Villalba, a ternera da Galiza, o cabrito das Terras Altas, para além da caça de pluma e pêlo (eficaz e bem regulamentada), com as lebres, os coelhos e as famosas perdizes da ilha de Ons. Falta-nos o naipe doceiro. Roscões de Riba d’Ávia, amêndoas de Santiago, filloas da matança, filloas recheadas com mel, natas, aliás o postre mais popular da Galiza, as torrixas, a leite frita, a tortilla ao ron. E as colinetas das monxas de Santa Clara. E as tartas de Mondonedo. Mestre Cunqueiro, diz-nos que não deveria existir nenhum restaurante a dizer «galego» se não passasse no exame da «filloa» e que as não servisse todos os dias. Gostaríamos de dizer o mesmo em relação ao leite creme, arroz doce ou as nossas rabanadas! Aos nossos restaurantes, também.
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E chegam-nos a terminar os vinhos: é só escolher. O mais divulgado e o mais em conta os Ribeiros (brancos e tintos). Depois, os vinhos de Betanzos e de Ulla. A seguir, os vinhos alvarinhos de Salvés, Rosal, Arnoya, Valdeorras, Ribadávia, Condado de Salvaterra do Minho. Grandes e disputados vinhos. Findo com estas palavras de Don Álvaro Cunqueiro: Xa sei que agora hai outras cepas, e que se queren colleitas longas, vendimas fartas, e que as vellas cepas do pais dan pouco. Sei todo o que de dice, e algo máis, e sei que hai que buscar onde están escusados, en qué adega viven os grandes viños nosos. Algunha que outra vez, tócame un ao que hai que tirarlle a pucha). Hai grandes tintos en Beade, em Gomariz, en Leiro, en Cabanelas, en moitas adegas ribeiráns. Eu gosto dos brancos que levan mais dunha mitade de treixadura: son os viños pra aperitivo de estudiosos, do P. Feixóo ou do mestre Otero Pedrayo, e à tardiña, preparan a ialma para a contemplación das brilantes estrelas.
E fico-me pela queimada galega: seis colheres de açúcar por litro de aguardente, uma casca de laranja, outra de limão. E nada de botar-lhe café. Opiniões sobre a dieta atlântica
Carro Otero (XII Congresso Gastronomia-Esposende 2001) informou o congresso que a dieta atlântica na Galiza já é reconhecida como tal pelos mais importantes especialistas médicos em endocrinologia e nutrição, entre os quais cabe destacar os professores doutores Varela Mosquero e Charro Arias. Definem a dita dieta, sobretudo, pela abundância de mariscos e pescados, proce-
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dentes do litoral atlântico, entre os quais se destacam pelo seu baixo custo e alto valor nutritivo o «mexilhão» e o «pescado azul» respectivamente preparados por técnicas culinárias que não alteram o seu valor alimentar e saudável: cozidos com algas, grelhados, inclusivé, fritos. A importância da referida dieta na prevenção de numerosas enfermidades cardiovasculares e degenerativas acaba de ser demonstrado por investigações médicas realizadas para o efeito. Julia de la Montaña Miguélez, professora de Nutrição e Bromatologia da Universidade de Vigo: há que promocionar a dieta atlântica e dizer ao mundo que existe uma série de comunidades que tem um tipo de dieta, hábitos alimentares cuja maneira de os consumir e cozinhar tem uma série de benefícios para a saúde. (Mesa redonda Xantar 2006, presidida por Guilhermo Campos, e onde esteve presente o Confrade Adegueiro Leite Gomes.) Alberto Fidalgo, porta-voz da Comissão de Sanidad del Congresso: levarei ao Congresso dos Deputados a proposta que a dieta atlântica passe a ser património cultural, uma iniciativa já levada a cabo pelo Governo Português e que nos parece interessantíssima. Assumo essa ideia e leva-la-ei ao Parlamento Espanhol (Xantar 2006). José Posada da Irmandade dos Vinhos Galegos: há que potenciar e dignificar o que é nosso —a dieta atlântica— temos uma matéria prima excelente, bons cozinheiros, bons vinhedos, bons vinhos, uma identidade própria que é preciso valorizar (Xantar 2006). Francisco Sampaio em parceria com a ceda (Centro Europeu da Dieta Atlântica) cuja sede provisória está em Viana do Castelo (tendo como dirigente Manuel Barroso professor da Escola Agrária de Ponte de Lima que fez a apresentação do ceda no XII Congresso de Esposende 2001; Carlos Fernandes Professor da estg e ligado ao Programa Atlas), mas que, futuramente, será na Casa do
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Outeiro (Paredes de Coura), têm acompanhado sempre as actividades das Escolas do ipvc (Instituto Politécnico de Viana do Castelo), sobretudo, no campo científico, como acontece hoje com a estg no Programa Simbiose (Interreg III A) que é mister, também, apoiar seguindo na peugada do Catedrático de Endocrinologia e Nutrição Aniceto Luiz Charro Salgado da Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madrid e Presidente da Associação de Médicos Galegos (Asomega), que explicando o que é a Dieta Atlântica afirma o seguinte: A dieta atlântica é muito ampla. Referindo-nos à galega é basicamente a cultura do pescado e dos mariscos e crustáceos que hoje em dia é, absolutamente, inegável tem como base a riqueza dos ácidos gordos polinsaturados Omega 3 que previnem enfermidades cardiovasculares e, possivelmente, alguns tipos de cancro intestinais, próstata e da mama.
Nesta sequência, também, Julia de la Montaña Miguélez diz o seguinte: A saúde e a dieta atlântica estão juntas, têm processos tecnológicos muito simples já que a nossa cozinha será sempre uma cozinha de «fogones» tanto ferve como coze. Mariscos e crustáceos têm fitoesteroles que agora nos estão «vendendo» para combater o colestrol. Também, a carne de porco é boa. Tudo é uma questão de lançar estas ideias; que se radique algo que já a comunidade científica assume. Por isso, nada melhor do que todos acreditarmos nos benefícios que esta dieta atlântica anos pode trazer.
No II Congresso da Dieta Atlântica (IV Reunião Internacional La Alimentacion y la Nutrición en el siglo xxi, Baiona, 16, 17 e 18 de Novembro de 2006) fui convidado por A. L. Charro Salgado
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e R. Tojo Sierra para intervir no I Simposium cujo tema geral era gastronomia e cultura en la dieta atlântica, com a seguinte ponência «La gastronomia como seña de identidad cultural». O paper que produzi já traduzido para Inglês vai fazer parte do livro de actos e conclusões do II Congresso da Dieta Atlântica.
II. Norte de PORTUGAL Francisco Sampaio
1. Entre-Douro-e-Minho Antigo Condado de Antre Douro e Minho, nada quebrou esta homogeneidade de séculos que faz deste território um espaço e uma comunidade vivos, viver, em termos antropológicos, é pertencer a um grupo o qual, necessariamente, assume os seus lugares, os seus itinerários, a sua raiz, a sua identidade. Os romanos acertaram quando fizeram do rio Douro fronteira entre o Portucale do Sul (Lusitânia) e o Portucale do Norte (Gallaecia). Lá tinham as suas razões! Assim, as manifestações de autonomia, quer do Norte, quer do Sul, tem de ser entendidas em pressupostos diferentes: no primeiro caso, são fruto de interesses locais e regionais; no segundo, de interesses pessoais. Os condes de Portucale e os de Coimbra, embora parentes, estavam em campos opostos. A Região de Entre Douro e Minho cuja ascensão durante o século xi foi notória, mais rica em homens e com maior expansão demográfica, vai ter uma acção decisiva na emancipação do Condado. Eliminados os Condes Portucalenses com a morte de Nuno Mendes e dado que Sisnando não se intrometia na política a norte do Douro, os senhores do Minho puderam fortalecer as suas posições. Quando o Portucale do Norte passa às mãos de D. Henrique eles encontram-se na primeira linha da escala social. A ideia de Portugal não podia ter nascido antes de a Nobreza média Minhota ter iniciado a sua escalada social; a dualidade de Braga/Porto e Coimbra/Viseu só foi superada quando a capacidade expansiva
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do Minho, inesgotável alfobre de gente desde a época suévica estabelece no Norte interior e do Douro ao Tejo, uma cadeia de relações humanas e um circuito de trocas materiais. Dom Dinis ainda associará todo o Norte do país ao Antre Douro e Minho mas Dom Fernando acabará por separar definitivamente este espaço do Noroeste do que ficava «d’além dos montes». Um anfiteatro imenso cujas escadas de acesso, no dizer de Amorim Girão, são garantidas pelos cursos do rio Minho, Lima, Cávado, Ave e Douro. É para esta viagem dos sabores e dos saberes, que vos convido. Rico em produtos da terra, senhor da farta variedade de mariscos e de peixes, apreciador há séculos do saboroso bacalhau de cura amarela da seca de Viana, possuidor de vinhos frescos e capitosos, o Entre Douro e Minho (agora espartilhado entre duas províncias Minho e Douro Litoral), pratica uma das mais gulosas gastronomias do espaço português. — Caldo d’unto: também chamado caldo de migas (migalhas), ou seja, broa esmagada à mão. Deitava-se num pote, com água a ferver uma colher de sopa de unto de porco. Logo que derretesse, vertia-se essa água numa malga onde estava a broa migada. — Caldo de lavrador: constituído por água, sal, azeite, hortaliça, feijão. Mas o mais tradicional era em vez do azeite (raro), juntar-se-lhe o unto e um naco de toucinho. Cozia-se o feijão em primeiro lugar, depois deitava-se o feijão no pote, as couves ou nabiças já partidas, o naco de toucinho e o unto. No Inverno, juntava-se a este caldo uns punhados de farinha milha, até engrossar mexendo sempre (ao gosto da cozinheira). Chamava-se, então, o caldo de farinha; se em vez de farinha acrescentava-se com pedacinhos de nabo, dizia-se caldo de nabos.
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— O caldo do sarrabulho: preparado sem hortaliças, mas com um franganote, presunto, toucinho, e salpicão, é o caldo de substância. — Caldo verde (receita original e não a usada normalmente nos restaurantes): água, pitadas de sal, couves segadas e um fio de azeite a que cada comensal juntava broa esmigalhada à mão. Este caldo transformou-se na cidade a um caldo que é engrossado com puré de batata e uma torinha de chouriça de carne. Ao lado, um naco de broa que o urbanito não sabe que fazer! O fresco de peixe lavado pela águas límpidas dos nossos rios — a truta dos regatos, abafada e com presunto há uma ribeira que é a mãe de todas as trutas (Aquilino, in A Casa Grande Romarigães), o arroz de debulho de sável à moda de Vila Nova de Cerveira, Sável assado em lume de vides, de Entre-os-Rios; a lampreia com arroz, marinada, seca ou assada; enrolada à moda do Padre Aníbal; de escabeche, à Prior de Vila Franca; a solha seca; o salmão fumado. O fresco do peixe lavado pelas águas do nosso mar: a sardinha d’alvorada; gorda e reluzente pelo São João, assada, cozida ou recheada, de rabo ao alto, espalmada, bêbedas; o robalo cozido com algas; os filetes de pescada, a pescada à marinheira, à vianense, á poveira; as caldeiradas da nossa costa, a que não falta congro, raia, tamboril, ruivo, feiticeiras, tremelicosas, fígados e buchos de tamboril, chocos e ovas de badejo e pescada; o pargo assado à Vaticano; o solhão e a taínha dos lados de Fão; o polvo de vitela de sapidez tenrura e ternura, o polvo de molho verde garantidos pelas «tasquinhas» das bandas de Leça e Matosinhos, são outras autênticas sinfonias que o Entre Douro e Minho soube bem orquestrar. O prazer do fiel amigo, o bacalao de nuestros hermanos em lascas de cura amarela de que já vamos tendo saudades; o baca-
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lhau à Margarida da Praça, à Miquelina, à São Bento da Porta Aberta; à Mira Penha, à Moita, à Narcisa; de São João do Rei; à Gomes de Sá, à Congregado; à João do Buraco, à Zé do Pipo, à Portuense, de consoada, roupa velha, migado, dourado à Belinha Meira, cozido, com broa (de Avintes), assado, às postas, recheado, na brasa…esse Gadus Callarias, da família dos gadídeos faz e fará sempre a alegria dos palatos mastigativos, das gentes de Entre Douro e Minho, amantes das bacalhauzadas. O sabor a mar no marisco — o camarão da pedra da Ribeira d’Âncora, o arroz de lagosta da Ti Felisbela Meira; o arroz e açorda de marisco; os mexilhões de Leça e a amêijoa à nossa moda; a santola, a arola, o burro, os percebes, as navalheiras em todo o litoral de Caminha, Esposende, Matosinhos e Espinho; o carro da Zefa Carqueija» que tão bem Ramalho descreve ao passar por Viana. Pratos de carne inebriam logo pelo aroma — o sarrabulho com arroz das Terras da Ribeira Lima ou as papas avançando já pelas Terras da Nóbrega, por Vila Verde, até Braga e Guimarães (de travessa), Porto, Vila Nova de Famalicão e Barcelos (Caldosas), com fressuras de porco, galinha, coelho, vaca, regueifa ou farinha de milho e cominhos. O bucho recheado com os rojões e farinheiras, grelos salteados, de Guimarães. O cabrito tenro dos retouços da Serra d’Arga, anho ou cordeiro assado em forno de cozer o pão com aquele arroz enriquecido com os miúdos do chibinho, comido nas míticas noites de São João, no Porto ou em Braga, Monção, Penafiel ou Cinfães, e que só o dedo mágico das nossas cozinheiras o sabem fazer; o verde, sarapatel, bazulaque, afogado: aproveita-se o sangue do cabrito, o fato (tripas), o bucho e a colada, assim como a língua; depois de cortado aos bocadinhos vai a cozer em lume brando; prepare um bom refogado; ao estalar a cebola junte os miúdos
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mais o sangue; rectifique os temperos e sirva acompanhado de arroz branco, um pitéu que nos chegou de Baião ao Baixo e Alto Minho. Os bifes de presunto, a bola do forno da broa, o bolo cozido sobre a cinza quente do borralho, o bolo do lar, o bolo da sertã ou as ervas de grelos com rojões das brandas de Melgaço; a perdiz e o coelho bravo do Monte do Faro acompanhado das padecas de trigo de cor morena das «terras» de Coyra. Os milhos ricos e os milhos pobres das Terras de Basto. Ambos precedidos de um caldo de castanhas e, depois, um séquito de carnes: galinha, vitela, porco, miudezas! Os bifes de vitela e o lombo de vaca das cachenas, a célebre costela barrosã, cozinhados em lenta maceração têm nas Terras Altas do Homem, do Cávado e do Ave o seu altar do reino, sem esquecer aquele arroz de pato à moda de Braga que chega ao Grande Porto e ao Douro e aqueles grandes pastéis de massa folhada com recheio de vaca e presunto e seus aconchegos que Braga, também, rubrica, chamando-lhe de frigideiras. E as tripas à moda do Porto? Diz a tradição que no final do século xiv (1394 e seguintes), os habitantes do Porto sacrificaram toda a carne disponível para abastecer a expedição gloriosa a Ceuta (hoje já considerada uma lenda a juntar a tantas outras de velhos cartulários), e, por isso, difícil de comprovar. Ficaram só as tripas. Tripas de vaca… mais um frango caseiro, salpicão, presunto, feijão, cebolas, ervas e especiarias combinam um prato rico e único de cinco tachos num manjar ritual de festa permanente. Arrozinho de pé descalço ou pica no chão, do melhor franganote da capoeira ou escolhido pito careca do quinteiro, alimentado a milho, farelo e hortaliças são, também, sabores que se misturam quando na confecção entra o sangue do dito, a chouriça caseira e o tracanaz de presunto.
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Faltam-me as feijoadas. Lembro Aquilino Ribeiro in A Casa Grande de Romarigães: «[…] os acepipes domésticos, que ele (D. Telmo) chamava, pejorativamente sem que ela o notasse, vaca, galo e arroz, arrefeciam à espera na toalha alvíssima. Afinal, ele preferia a feijoada […] das estalagens, com muitas molhangas e pimentinha, àquele comer sãozinho, de meia dieta». Três feijoadas do Entre-Douro e Minho: feijão de Chispe para um mínimo de dez Nicolinos —na Adega dos Caquinhos, em Festa de São Nicolau (Guimarães): unhas de porco, carne de vaca, orelheira, feijão vermelho e grelos; feijoada bariganga —no Restaurante Aleixo (Porto, sexta-feira)—, feijão frade, grelos de nabo, carne de vitela ou boi da vazia e cebola; feijoada de sames ou samos (bucho de bacalhau), de Viana do Castelo, da terra dos bacalhaus: buchos de bacalhau, feijão manteiga, cebola e alho. Sugerido nos domingos gastronómicos como antepasto ao bacalhau à Gil Eanes. E fico-me neste negócio de aromas e conduitos, pelos cozidos do Entre-Douro e Minho: fossado, esgravatado, escorneado, que só as carnes, as verduras, os enchidos e fumados durienses e minhotos, sem esquecer o focinho e a orelheira de Domingo Gordo, sabem dar o genuíno paladar. Dividimos os cozidos em três mais um dada a variedade de ingrediente, confecção e saberes, onde mais uma vez pontificam as caseirices das nossas avós, transmitidas pelo segredo dos potes, na sequência da «olla podrida» ou do «lacon com grelos» da cocina gallega e do norte de Portugal: o cozido da Serra D’Arga, o cozido do Soajo; o cozido do Alto Ave, entre os rios Cávado e Ave e o cozido do Gerês, o mais um, que referimos, pois tal qual vai acontecer em Trás-os-Montes neste não entra carne de vaca ou de vitela nem de galinha ou frango galador. É só, como diz a receita: «composto por feijão (amarelo) e couves galegas; as carnes só de porco, «bichorro» medrado das
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lavaduras gordas, com destaque para o focinho, orelheira, toucinho fumado, chouriço de carne e salpicão. Temperos só azeite, vinagre e alho». A doçaria conventual, preciosa, delicada — as meias luas do Convento de Santiago; a torta de Viana e os mexidos de ovos com amêndoa; de Braga, as viúvas do antigo Convento dos Remédios, o pudim do Abade de Priscos; o pão-de-ló das bandas da Póvoa de Lanhoso; de Vieira do Minho, doce de batata e formigos; Amares, os molarinhos de Rendufe; as clarinhas de Fão; de Valença, uma sopa doce; de Fafe, um pão-de-ló de Farpas e as cavacas de Arões; de Guimarães, o toucinho do céu e as Tortas da Casa das Costinhas; de Famalicão, as queijadas de ovos; de Barcelos, as laranjas recheadas com chila; dos Arcos, os reclamados charutos de ovos. O pão-de-ló de Margaride e de Freitas; os doces das monjas do convento de Santa Clara (Vila do Conde): barrigas de freira, meias luas, sonhos, sopa dourada. A doçaria popular, o arroz doce que só Afife sabe apaladar; o creme queimado de Ti Albininha Matos; as rabanadas ou fatias de parida; de leite e ovos, de vinho; as rabanadas douradas ou fatias douradas; os pãezinhos de Deu-la-Deu; os biscoitos de milho, os folares e as paciências; os bolinhos de jerimu chamados, no Porto, de Bolos de Bolina; as papinhas, de Coura; os doces de romaria: as roscas, os rosquilhos, os papudos; o doce branco, o «bate», os doces de se quilhar! Os bolinhos de amor, pão-podre ou tostas de bastos (Penafiel); cavacas (de Resende); a sopa seca, os doces de serradelo (de Castelo de Paiva), regueifas (de Valongo). Os doces de Amarante: foguetes, lérias, galhofas, cavacas. Os jesuítas, de Vila do Conde e Santo Tirso; as rabanadas, os beijinhos e os poveiros (Póvoa); broinhas, de Leixões; doces de Paranhos.
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Viana do Castelo cardápio
Cesto de entradas Presunto caseiro cru; broa de milho, pão de mistura, azeitona pretas da quinta, chouriço da matança assado em bagaceira, chouriço de morcela da casa do abade, bolinhos de bacalhau, pataniscas, polvo, sável de escabeche, creme de santola, camarão da pedra, percebes, sapateiras, feijoada com tripa, feijoada com bucho de bacalhau. Sopas Caldo verde, caldo de unto, caldo de substância, caldo da matança, chorinha, papas de sarrabulho (caldosas), sopa de legumes, sopas de peixe. Peixes e mariscos Robalo assado no forno, robalo com algas, robalo com amêijoas, arroz de marisco, filetes de pescada com arroz seco, arroz de peixe, caldeirada de peixe, arroz de debulho, bacalhau à mar, bacalhau à maria do carmo, bacalhau à margarida da praça, bacalhau à gil eanes, bacalhau com broa, bacalhau à brízida. Carnes Arroz de galo pé descalço, cabrito assado no forno, mãozinhas de anho, cozido à serra d’arga, sarrabulho com rojões, papas de sarrabulho com rojões, tripas com feijão, naco de carne barrosã grelhado na pedra com batata assada e feijão verde. Doçaria Leite creme das pitas, leite creme queimado, arroz doce, aletria, rosquilhos, papudos, doces de romaria, rabanadas de mel e de
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vinho tinto à antiga, meias luas, sonhos, torta de viana, doce de gema, manjerico, doces de sequilhar. Braga cardápio
Cesto de entradas Bolinhos de bacalhau, iscas de bacalhau, tripas alouradas, croquetes de carne, iscas de fígado, salpicão, presunto e queijo de ovelha da Serra da Cabreira, carnes da matança, alheiras. Sopas Caldo verde, caldo de couve galega (com a couve esfarrapada, o feijão inteiro e a batata meio migada), caldo de abóbora, sopa de legumes, sopa à lavrador. Peixes Sardinhas espalmadas fritas e em cebolada, filetes de pescada à moda do convento, pescada à São Frutuoso, pescada à marinheiro, arroz de tamboril, polvo guisado à moda do minho, bacalhau à bracarense, «recheado» de bacalhau, bacalhau assado na brasa, bacalhau à consoada, bacalhau guisado com massa. Carnes Papas de sarrabulho (travessa), arroz de pato à moda de Braga, arroz de vitela com pastéis folhados, tripas com feijão, cabrito de caldeirada à moda da aldeia, cabritinho e anho sanjoanino assados, frango corado, arroz de frango de cabidela, bifes de vitela, bifes de cebolada, chispalhada, costeletinhas de porco com arroz de feijão, rojões a moda do Minho.
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Doçaria Sopa dourada, pudim do abade de priscos, sonhos, doce de chila, fidalguinhos, papos d’anjo, leite creme queimado, mexidos, aletria, arroz doce, queijo fresco de cabra com mel, rabanadas, pêra borrachona, compota de abóbora caseira e bolo rei com chila. Guimarães cardápio
Cesto de entradas Salpicão, linguiça, alheira, bola de carne, tripas com feijão, pataniscas com arroz de feijão, polvo em vinagreta, creme de camarão, iscas de fígado e iscas de bacalhau cru, arroz de feijão com tacos de bacalhau frito.
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com migas verdes, bucho recheado, papas de sarrabulho (travessa), galo de cabidela, vitela assada, língua estufada de vitela, capão no forno, rojões com ossinhos, cabrito na brasa, lombo de porco com laranja. Pato assado com enchidos, massa à lavrador, coelho à fundador com espumante tinto, arroz de coelho de cabidela, costeleta barrosa com cogumelos salteados e pesto de coentros, tacãozinho de boi barrosã. Doçaria Pudim de ovos, pudim do abade de priscos, pudim caseiro, brisas da penha, arroz doce, aletria, leite creme, rabanadas com mel, rabanadas com vinho tinto, de toucinho do céu e tortas da casa das costinhas, leite creme com compota de maçã, formigos, rolo d’avo.
Sopas Caldo verde, sopa de legumes, sopa de nabo, sopa rica com tosta de pasta de rojões, sopa da matança.
Porto
Peixes Pescada à marinheiro, espargos com filetes de pescada, massa à lavrador com filetes de polvo, polvo à antiga, polvo à lagareiro, lagarada de polvo, couve lombarda recheada de bacalhau, bacalhau com migas de broa, bacalhau à clube, bacalhau recheado, bacalhau racheado, bacalhau à D. Carlos, mil folhas de bacalhau com santola, bacalhau à mistério, bacalhau à antiga, bacalhau à Ti João Paulo, arroz de feijão com bacalhau frito.
Cesto de entradas Presunto às lascas, polvo em molho verde, pataniscas de bacalhau com arroz de feijão, meia desfeita, mariscos diversos, chouriço caseiro, moelas, tripa enfarinhada, morcelas, jaquinzinhos, salada de bacalhau.
Carnes Feijão vermelho com chispe, ensopado de cabrito, cabrito frito
cardápio
Sopas Caldo verde, caldo de castanhas, caldo de feijões com pernil, caldo do cozido, caldo de cebola, caldo de lavrador, canja dourada, chorinha, papas de sarrabulho (caldosas), sopa de legumes, sopa de macarrão, sopa de feijão frade, sopa de peixe.
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Peixes Filetes de pescada e filetes de polvo ambos com arroz de polvo —especialidade da Casa Aleixo. Todos os restantes peixes grelhados, cozidos e fritos— a cozinha portuense, desde o Pargo à Sardinha, dá-lhes o sabor a mar. Bacalhau (o Porto é, também, e honra lhe seja dada, a área geográfica que mais receitas de origem tem): bacalhau à Gomes De Sá, à portuense, à túnel, à congregados, à zé do pipo, à João do Buraco, à batalha reis, à moda do porto, bacalhau de consoada roupa velha, com todos. Carnes Tripas à moda do Porto (especialidade com festa diária sempre, mas às quintas-feiras obrigatório, na Casa Correia), carne assada com batatinha e cebola (ao lado o arroz), vitela ensopada em batata, bifes de cebolada, chispe com feijão branco, frango de cabidela à tripeirinha (malandro), rancho (guisado de macarrão com grão de bico, chouriça, toucinho fumado e carne de vaca). Doçaria Doces de festa: caramelos com hortelã e pimenta, línguas de sogra e barquilhos, os rebuçados de avenca, doces de Paranhos. Doçaria popular: doces de chila, doces de bolina, geleia de marmelo, marmelada acompanhada com queijo, creme queimado, arroz doce, aletria, formigos, filhoses, rabanadas de mel e de vinho tinto. Doces conventuais: ovos em fio, trouxas de ovos, sopa dourada, sonhos, papos de anjo, pastéis folhados com creme de ovo. gastronomia em datas festivas: a gastronomia do simbólico
Natal: Ceia, bacalhau cozido com todos e os doces típicos da época: rabanadas, doces de bolina, mexidos, aletria e filhoses.
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Entrudo: quando o porco é rei: focinho, rabo, pé, costela, o salpicão e o toucinho, sem esquecer a beiça e a orelheira com feijão (Domingo Gordo e Terça-Feira de Carnaval). Páscoa: os bois da Páscoa que desfilavam pelo Porto Antigo, o lombo de boi assado no forno, o cabrito/anho assado, o cozido. Nas doçarias: as amêndoas, o arroz doce, a aletria e o pão-de-ló. São João: O anho (carneiro) assado com arroz de forno; sobremesa: o tradicional leite-creme queimado. Porém, e manda o costume, na Noite de São João, quando toda a cidade é um alvoroço e a multidão se acotovela com os mangericos e o alho porro, numa confraternização global, mandam as regras da tradição que se coma pão quente com manteiga, acompanhado por café com leite. Todos-os-Santos e Fiéis Defuntos: caldo de castanhas. Dia de São Martinho, os Magustos: castanhas e vinho e também, o porquinho («Por São Martinho prova o vinho e mata o teu porquinho»). Esta tradição, em datas festivas, estende-se «praticamente» a todo o Norte. Vila Nova de Gaia cardápio
Cestos de entradas Enchidos e fumados, salada de polvo com feijão frade, salada de lagosta e camarão, sardinha frita em escabeche, iscas de cebolada, tripa enfarinhada, broa de avintes e bacalhau cru. Sopas Caldo verde, caldo de cebola, papas de sarrabulho (caldosas), sopa do forno (gulpilhares), sopa de legumes, sopa de agriões e sopa de peixe.
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Peixes Sável assado no espeto (arnelas), polvo assado no forno, filetes de polvo com arroz de feijão, feijoada de marisco, filetes de pescada com arroz de amêijoas, tamboril gratinado no forno, bacalhau à moda da casa, bacalhau com broa de avintes, bacalhau no pão, bacalhau à marinheira e bacalhau com porto vintage. Carnes Pernil assado no forno, orelheira em feijão branco, vitela assada no forno, peito de pato com molho de laranja, cabrito e anho assados no forno, tripas e cozido à portuguesa. Doçaria Creme queimado, arroz doce, aletria, barrigas de freira, toucinho do céu, doce de amêndoa folhado de chila, papos de anjo de hóstia, sonhos e pão-de-ló de água. Receitas
Bucho recheado (3-4 pessoas) 1 bucho de 800 gr farinheira arroz batatas grelos azeite, alho O bucho é lavado e as febras são temperadas em vinha d’alho. Vai ao forno com os rojões dentro, as batatas são também assadas
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mas em pingadeira ao lado. E servido com arroz seco, grelos salteados e farinheira. O arroz seco é feito com um estrugido, com azeite e alho picado, acrescentando-se a água e um bocadinho de manteiga e deita-se o arroz. Os grelos salteados são feitos numa sertã, sendo as farinheiras fritas, com azeite e alho. Beba-se um espumante de vinho verde, branco ou tinto. Torta de camarão (10 pessoas) (D. Felisbela Meira-Vila Praia de Âncora) 6 colheres (das de sopa) de farinha triga (bem cheias) 1 chávena almoçadeira de leite 3 gemas de ovo 6 claras sal e pimenta q.b. Desfaz-se a farinha co leite, juntam-se as gemas e as claras batidas em castelo. Barra-se um tabuleiro com manteiga (41 cm x 30 cm x 5 cm), e coloca-se a massa e vai ao forno. Quando estiver cozida (25 minutos aproximadamente), vira-se em cima de um pano e barra-se com o creme de camarão que já deve estar pronto, e enrola-se como qualquer torta. Creme de camarão para a torta (10 pessoas) 1 kg de camarão 300 gr de farinha 4 gemas 1 litro de leite
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Faz-se um refogado com azeite (sem deixar aloirar a cebola). Junta-se o camarão, depois de cozido e descascado, ao refogado; depois, junta-se a farinha desfeita com o leite e as gemas. Estando o creme pronto recheia-se a torta. Caldeirada do nosso mar (Amadeu Costa) Peixes de diferentes espécies devidamente amanhados, particularmente o congro, a raia, o tamboril e o ruivo, feiticeiras, tremelicosas, fígados e buchos de tamboril, chocos e ovos de badejos e de pescada. Cebolas às rodelas e salsa picada estão num prato à parte, o mesmo acontecendo com as batatas cortadas às rodelas, e o peixe fragmentado em pequenos bocados também carece de separação. Dos três recipientes em que tudo isso está, a cebola e a salsa são quem sai primeiro em bem calculada quantidade a fim de, com arrumo, ser posta num tacho cujo fundo já está coberto de azeite com pitadas de pimenta e pimentão, um dente de alho esmagado e pequena parte duma folha de louro, sem a nervura central, segue-se a vez das batatas que se acamam, mas sem se sobreporem umas às outras e, finalmente, o peixe que em igual jeito se acomoda por cima das batatas. Chamam a isto um conjunto. E os conjuntos vão-se sucedendo, salpicando cada um deles com leves areias de sal, terminando sempre como começaram: azeite, pitadas de pimenta e pimentão, dente de alho esmagado e pequena parte de folha de louro; a cebola às rodelas, a salsa picada. Chega, então, o momento de se juntar água em porção de cobrir tudo até atingir «uma altura de três dedos». Para não desfazer o conjunto, a água bota-se vagarosamente a roçar as paredes do tacho.
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E pronto! Tudo em ordem para ser posto ao lume, e, quando a cozedura já se aproxima, lança-se a gosto, vinho branco não se retirando do fogo sem que antes se faça a prova do sal. Sável assado no espeto (Arnelas/Vila Nova de Gaia) 1 sável ½ kg de cebola 2 ramos de salsa 1 colher de sopa de pimenta 3 quarteirões de azeite meio quartilho de vinagre Parte-se o peixe em postas com 4 dedos de largura e põem-se em salmoura de água com muito sal. Depois prepara-se a fogueira para a assadura, com lenha de videira e faz-se um braseiro onde se vai cozinhar o molho, que deve retirar-se quando a cebola começa a estalar. Assam-se as postas do sável, enfiadas pelo meio, ao lado da espinha para que não caiam no lume. O espeto é colocado a curta distancia das brasas e vai-se rodando para assar a toda a volta. Entretanto, com o outro ramo de salsa vão se salpicando as postas com o molhinho da caçarola. Acompanha-se com alface e um arroz malandro, feito com as mílharas. Tripas à moda do Porto (Receita familiar) ½ kg de tripas de vaca
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½ kg de feijão branco 200 gr de presunto meia mão de vitela 250 gr de chouriço ou salpicão meio frango caseiro orelha e chispe de porco 2 colheres de sopa de azeite 2 cebolas 3 cenouras salsa, banha, pimenta, colorau, loureiro, cravinho e tomilho Para a confecção deste prato (único e fabuloso), são necessários cinco tachos. A saber: 1.º tacho: cozem-se em água com sal as tripas de vaca (folhos, favos e a touca), depois de lavadas e raspadas com sal e limão e bem temperadas com tomilho, salsa, cravo, pimenta em grão e loureiro. Nota: a cozedura terá de fazer-se em fogo certo durante três a quatro horas acrescentando água sempre que necessário mas mantendo sempre a fervura. 2.º tacho. cozem-se as restantes carnes: frango, presunto, salpicão, orelheira e chispe, cabeça de porco. 3.º tacho: limpa-se a meia mão de vitela e coze-se. 4.º tacho: coze-se meio quilo de feijão manteiga depois de estar demolhado de véspera; a meio da cozedura junta-se ao feijão três cenouras e uma cebola cortadas às rodelas finas. 5.º tacho: com a cebola cortada aos bocadinhos e com azeite ou banha bem estalada faz-se um estrugido que tem de ficar apetitoso ao qual se juntam depois as tripas e todas as carnes cortadas aos pedacinhos. Deixa-se apurar de novo e entra o feijão. Rectificar temperos, se necessário, e serve-se este gostoso pitéu em terrina de barro, polvilhado com cominhos ou salsa picada. Acompanha-se de arroz branco, seco.
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Milhos ricos (para 4-5 pessoas) (D. Mariete Sousa-Terras de Basto) 1 kg de milhos 1 linguiça 1 salpicão 2 chouriças de sangue (sanguinhas) ½ kg de carne da peituga (salgada) ½ kg de costela de porco, partida ½ kg de carne barrosã 1 frango caseiro O quebrar do milho nas mós é o segredo deste «cozido» pois, se ficam finos, são pouco agradáveis ao comer; o mesmo se passa se ficarem muito grossos. O tamanho ideal é o semelhante ao grão de arroz. Ao salpicão e à linguiça dá-se uma primeira cozedura e só depois vão para a panela onde estão a cozer a carne da peituga, as costelas de porco e a carne de vitela. As sanguinhas são cozidas à parte já que a água delas resultante seria demasiado activa. Os milhos vão muito bem lavados em duas ou três águas de forma a tirar-lhes a farinha e as cascas. Estas, durante as lavagens, vêem ao cimo da água, pelo que facilmente se retiram. Num tacho faz-se um estrugido com uma cebola picada e azeite. Quando esta estiver loura junta-se a calda que será constituída por partes iguais de água e da calda de cozer as carnes. Retira-se a cebola e juntam-se os milhos, que vão cozer lentamente e sempre a mexer, para não se agarrarem ao tacho. Sempre que a calda se vai sumindo, acrescenta-se, já que os milhos têm que servir-se soltinhos.
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Servem-se numa caçarola e bem quentes. As carnes já partidas vão à mesa numa travessa. Nota: Os milhos ou são pobres ou ricos. Se são pobres a carne é um simples naco de carne gorda, só os ossos d’assuã ou, mesmo, só de tomate. Os ricos, tem todas as carnes de um excelente «cozido». Arroz de galo pé descalço (Marta Quesado-Santa Marta de Portuzelo) Quatro segredos para este galo campestre da quintarola da família dos Camelos, sita na ribeira santamartense: primeiro, tem de ser mesmo caseiro, de ovos de boa galinha poedeira galados por galo e deitados a chocar em lua nova, sem outro epíteto que não seja do quinteiro alimentado a couves e milho amarelo; segundo: não abusar dos temperos (esses guardem-nos para os ditos de aviário e muitos são pouco). Depois de cortado a gosto, dá-selhe um banho simples com vinagre, vinho verde branco e sal. Nada de vinha de alhos; terceiro: um bom estrugido bem puxado de azeite (nada de óleos), com colorau e muita salsa picadinha. O galaroz vai a estufar sem se deixar apurar demasiado; quarto: o arroz. O excesso de gordura em que foi refogado o pé descalço tira-se da panela. O «fundo» é que fica para a calda. Leva chouriço e bocadinhos de presunto, da casa. A meio da cozedura, deita-se o sangue. Antes de ferver, junta-se o franganote (sem gorduras); último conselho: medir bem as quantidades de sangue e de calda (para não ficar aguado); dar tempo suficiente antes da fervura para que as carnes se impregnem dos elementos componentes. Serve-se a fugir.
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O bacalhau à Gil Eanes (A Boa Mesa do Alto Minho) (Cofraria dos Gastrónomos do Minho) Em Viana do Castelo (cidade e Concelho), elegemos o bacalhau. E com an vinda do Gil Eanes para Viana, gostaríamos que do Cardápio/2000 dos Domingos Gastronómicos, constasse já a receita do bacalhau à Gil Eanes. Claro que temos outras «bacalhoadas». Quiçá o maior número, «à moda de Viana»! Gostaríamos, porém, que fosse à Gil Eanes, da frota dos nossos navios bacalhoeiros. Na investigação que fiz, posso concluir o seguinte: Havia três tipos de matéria prima (bacalhau) para confeccionar o prato do dito, durante a campanha: o bacalhau fresco, o bacalhau verde (também chamado bacalhau da «pana»), o bacalhau curado da seca de Viana. O bacalhau fresco, peixe pescado na Terra Nova, sem ser salgado. Bacalhau verde, pescado na Terra Nova, mas com pelo menos seis dias de salga (ainda sem estar amarelado); bacalhau curado (que tinha vindo de terra). Na guarnição, a batata era um luxo. Porque não se aguentava muito tempo a bordo (grelava) ou, com o gelo, engelhava. Era pois o bacalhau acompanhado de «secos» ou seja feijão frade, grão-de-bico, etc. O prato com bacalhau fresco, dito à «moda de casa». Depois de amanhado e marinado era cortado às postas. As postas são, depois, fritas em azeite até ficarem bem lourinhas e são servidas com batata cozida, também alourada na fritura e com molho composto por dente de alho, cebola às rodelas grandes e uma pitada de colorau. Este molho deita-se por cima do bacalhau, cujas postas são polvilhadas com ovo cozido. Enfeita-se com salsa. O bacalhau verde era o mais utilizado. A demolha era consoante o tempo da salga. Podia servir-se tipo «meia-desfeita» com grão de bico ou feijão frade. O grão ficava de molho, cerca de 6 horas, e depois levava-se a cozer em azeite. À parte, cozia-se o bacalhau. O «jardim» (com-
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posto de cebola picada, alhos e ramo de salsa), era colocado, separadamente, na travessa. Acompanham ovos cozidos, cortados às rodelas. Ementa com bacalhau curado da seca de Viana. É um bacalhau assado no forno. O bacalhau (umas valentes postas de lombo alto), bem demolhadas e no ponto. Numa caçoila leva-se o leite ao lume com o bacalhau até ficar encalido (sem cozedura). Seguidamente, passa-se por água fria. Numa assadeira (sugere-se louça de Viana, modelo dose individual), com cebola cortada, salsa, alho, azeite, de forma a cobrir o bacalhau, vai ao forno acompanhado por batatas, também, previamente encalidas com pele, cortadas às rodelas e regadas com o mesmo azeite. Serve-se na mesma assadeira que vai ao forno. Nota: A guarnição poderá ser acrescida com grão cozido quente ou frio acompanhado de cebola picadinha, alho e ramo de salsa (aliás, como acontecia muitas vezes a bordo, por falta de batatas), em recipiente separado e rega-se com o azeite da assadura. Foi esta a receita que mereceu o apoio da Câmara Municipal e dos Restaurantes. Pescada à poveira (Restaurante S. Josè-Póvoa de Varzim) (4 pessoas) 4 postas de pescada fresca com cerca de 300 gr cada 2 molhos de grelos ou 1 kg de feijão verde 12 batatas 4 ovos 4 cebolas grandes e 2 médias 5 dentes de alho
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1 copo de azeite 2 colheres de sopa de vinagre 2 colheres de sopa de pimentão doce sal q.b. Fazer um golpe num dos lados, até à espinha, em cada posta de pescada. Cozer o peixe com sal e uma cebola média. Cozer os ovos e as batatas partidas a meio com sal e uma cebola média. Noutro recipiente cozer os legumes com sal. Depois de cozidos, os legumes têm de ser muito bem escorridos e ficam mais saborosos se forem salteados em azeite e alho. Para a cebolada, põe-se o azeite a ferver, junta-se 4 dentes de alho picados, deixa-se ferver um pouco e acrescentam-se as 4 cebolas partidas às rodelas. Deixar ferver cerca de 10 minutos e adicionar o vinagre e o pimentão doce, deixando ferver mais 2 ou 3 minutos. Para a apresentação, distribuir no fundo do prato de barro as batatas cozidas e pôr as postas de pescada por cima, ao centro. Acrescentar os legumes (muito bem escorridos) por cima das batatas, à volta do prato. Dispor os ovos cozidos cortados a meio também à volta e espalhar por cima de tudo o molho da cebolada, que tem de estar muito quente. Tapar o prato com outro invertido e atar com um guardanapo. Barriga de freira (rica) do antigo. Convento de N.ª Sr.ª da Conceição (Monção) (Fátima Abreu Fernandes) 250 gr de pão de ló 500 gr de açúcar
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125 gr de amêndoa 9 gemas de ovo 1 ovo inteiro Leva-se o açúcar a ponto de pasta, corta-se o pão de ló em fatias que se colocam numa travessa e se regam com metade do açúcar, em ponto. Pelam-se as amêndoas e passam-se pela máquina. Em seguida, juntam-se ao açúcar restante, e deixa-se ferver um pouco; se, por acaso, o açúcar depois de ferver com a amêndoa subir de ponto, deita-se-lhe um pouco de água. Tira-se do lume, deixa-se arrefecer e juntam-se-lhe as gemas bem batidas com o ovo inteiro, mistura-se bem, volta ao lume branco, mexe-se sempre até engrossar, retira-se e deita-se por cima das fatias do pão de ló, cobrindo tudo. Polvilha-se com canela e guarnecem-se com cerejas cristalizadas. Ponto de pasta: põe-se ao lume num tacho com meio quilo de açúcar dissolvido em meio litro de água. Não se mexe. Vai-se vendo com a colher de pau; enquanto a calda escorrer pela colher de pau para o tacho, ainda não está no ponto, quando começar a aderir à colher uma pequena camada de calda, diz-se que está em ponto de pasta. Pudim do abade de priscos (Braga) 400 gr de açúcar 50 gr de toucinho fresco 15 gemas 5 dl de água 1 cálice de vinho do Porto casca de limão
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pau de canela 200 gr de açúcar para fazer o caramelo Leva-se o açúcar ao lume com a água, a casca de limão, o pau de canela e o toucinho em fatias. Deixa-se ferver até ao ponto de fio. Retira-se a calda do lume, deixa-se arrefecer e juntam-se as gemas misturadas com o vinho do Porto. Deita-se a massa numa forma de pudim com tampa previamente barrada com caramelo. Leva-se a cozer em forno bem, quente, em banho-maria, durante cerca de 1 hora. Deforma-se quase frio.
2. Trás-os-Montes e Alto Douro Miguel Torga não gostava do Minho. Melhor dito, afogado pelo verde do Minho «o vinho é verde, o caldo é verde, o trajo é verde… tudo é verde» apenas o atrai «a beleza sem par do Gerês». O que mais me faz interrogar sempre em Trás-os-Montes não foram, nem nunca serão, os montes, montes, montes, nem a teimosia de uma região austera, rude, ciosa das suas tradições: «Para além do Marão mandam os que cá estão»; «Em Trás-os-Montes mandam os transmontanos e mais ninguém». Contraditório? Sim , à franqueza do acolhimento, do bem receber, do «entre quem é»; às aberturas dos portos secos, com a Galiza e Castela Leão, inclusivé, com o Minho (Gerês), o que permitiu uma aculturação de pessoas e bens que fizeram da dieta alimentar transmontana um dos mais ricos e apetecidos comeres com receituários que bem podem ser apelidados de Mediterrâneo na triologia do pão, do azeite e do vinho, como uma Dieta Atlântica que passa pela castanha, centeio e, também, pelas raças autoctónes mirandeza, maronesa e barrosã como, ainda, do próprio porco celta (bísaro). Por outras palavras poderemos dizer que na Terra Fria, temos os castanheiros e o centeio; na Terra Quente, o vinho e as oliveiras. É isso mesmo que Miguel Torga refere Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição. Terra Quente e Terra Fria. […]
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No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra Fria e descem em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham, depois sobem e daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do Mundo. Mas a terra é a própria generosidade ao natural. Como num Paraíso basta estender a mão. Produz batata, azeite loiro que sai em luz da almotolia ; cortiça que deixa os sobreiros nus para agasalhar os enxames ; e linho fresco, fino, que, tecido em lençóis faz o bragal das noivas.
É este o meu flash sobre Trás-os-Montes e Alto Douro. Será sempre nesta dicotomia Terra Quente e Terra Fria que está o seu segredo, a sua referência, a sua matriz. A história da alimentação de Trás-os-Montes e Alto Douro, tal qual a do Entre Douro e Minho sofre as influências dos descobrimentos. De facto, e só com Cristóvão Colombo que chega à Península (primeiro através da caravela Pinta cuja arribada se faz em 1 de Março de 1493 a Baiona), um novo cereal a que chamam «milho», originário do México que tem uma divulgação célere de Leiria para o Norte até ao Rio Minho e, rapidamente, por toda a Galiza. É a revolução do milho. Porém, a sua evolução nas terras «d’além dos montes», não se passa em idênticos cenários como nas terras baixas do Atlântico. O homem da «montanha», as «serras», foram sempre o refúgio inviolado onde as liberdades comunais tinham um preço, uma medida e um resgate cuja sentença podia ser a própria morte. Velhos usos e costumes regulam a utilização dos baldios; a organização do pastoreio, as «verandas» e as «inverneiras», as «vezeiras» e os «vigias»; as garantias régias da montaria ao lobo; o jogo do pau, o traje de ver a Deus. Juízes do Povo, praticando de facto, aquilo que se apregoa de «poder local», garantem a partilha das águas, represas e das fontes; todo o pedaço de terra e torcicolos da montanha são aproveitados para o milho grosso; multiplicam-se moinhos de dorna e de
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rodízio entre ribeiros e nascentes da serra; surgem os campos comunitários de eiras e espigueiros; o boi bento; o forno do povo; as chegas de bois; sabem resistir à pressão dos comunais do século xviii; ao movimento da apropriação privada iniciada pela revolução liberal (século xix); à florestação compulsiva dos baldios da década de 40. Sem entrarmos nos particularismos que vamos identificar nas cozinhas de Trás-os-Montes e Alto-Douro, quiçá a sua auto-suficiência e sustentabilidade bem patente nas suas receitas com particular carisma feminino: Terras do Barroso, Terras do Alvão, Terras de Basto, Terras de Miranda, Terras Quentes do Norte, Terras Quentes do Sul, verifica-se e é jus afirmar, que unidos todos estes ícones identitários que fazem os Trasmontanos dignos deste «seu» Território, justo é, também, classificar a «sua» Gastronomia como um verdadeiro produto turístico, emergente, temático, autónomo e segmentado, contributo sublime de sabores e de saberes, distintos e personalizados que é mister realçar numa Europa cada vez mais niveladora, global e economicista. E a realidade está à vista: o que importava Trás-os-Montes e Alto Douro em tempos idos pelos seus portos secos? Bacalhau, arroz (em tempo de racionamento substituído pelos «milhos»), sardinhas (aos milhares), pescado (sobretudo peixe seco), massas e especiarias. E quais os recursos endógenos (autóctones), mais utilizados como ingredientes culinários na verdadeira cozinha regional transmontana? O pão (que abrange a maior parte das receitas); tudo o que diz respeito à horta —verduras e leguminosas—; os caldos; os peixes (do mare e do rio); o porco e seus derivados (enchidos e fumados); as carnes (bovinas e caprinas); goluseimas conventuais e a doçaria popular. Começamos pelo pão.
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A ele se refere o Padre Lourenço Fontes (Vilar de Perdizes): «Todos os espaços ligados ao pão são sagrados. Ocupa sempre um lugar de destaque na mesa». Recordamos tão só a tradição da «broa do Santo» que faz parte das Terras do Barroso —o Bodo de São Sebastião, na pequena povoação de Couto de Ornelas. Diz o povo que as Terras do Barroso teriam passado por situações de muita miséria e a promessa foi feita ao Santo: a realização de um banquete com a presença de todo o povo se a fome desaparecesse. Assim aconteceu e ainda hoje se mantém a tradição. Elegem-se os mordomos, prepara-se a mesa do banquete, colocam-se as toalhas de linho e as escudelas de madeira. Come-se o arroz com carne acompanhado com pão centeio e guardam-se os restos da «broa do Santo» que serão benzidos e enviados aos amigos mais próximos e a todos os familiares espalhados pela diáspora das terras barrosãs. Com data certa, ou não fossem as nossas refeições rituais míticos que ligam sempre o sagrado e o profano. Por isso, não esqueça a data de 20 de Janeiro em Couto de Ornelas: o Bodo de São Sebastião. Não vamos falar do pão meiado (mistura em partes iguais de centeio e milho miúdo); do pão terçado (trigo, centeio e cevada); pão quartado (trigo, cevada, centeio e milho miúdo). Nem do forno comunitário —o forno do povo. Direi tão só que o caldo de Unto exige fatias de pão de trigo ou centeio com que se forra a tigela. O mesmo direi na sopa de alho, sem esquecer o ramo de hortelã; sopa de congro (fatias de pão secas no forno); idem, na sopa de chícharos e de cascas (vagens secas de feijão); o mesmo, nas ervilhas de se quebrar. Seguimos, agora, pelas migas: com excepção das migas de batatas com couve (Mogadouro) em que a batata depois de cozida é migada com o apoio do garfo e, posteriormente, salteada na
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frigideira, as restantes migas levam todas pão. Algumas, como acontece com as migas das Alheiras (Mirandela), o pão terá sempre a sua especialidade (o pão das Alheiras, também, conhecido pelo pão de Regueifa). Outro tanto, se passa com os cogumelos consumidos em Trás-os-Montes. Parabéns à utad (Universidade de Trás-os-Montes), pelo esforço científico realizado. Os mais amesendados são os frades, chapéus de sol, cardielos, cantarelos, crista de galo e manitas de César, etc.: refogue em lume brando, azeite com toucinho fumado, cebola, alho, sal e pimenta a gosto. Sirva em pão torrado e polvilhe com salsa picada. Mas o pão vai dar, ainda, o seu complemento aos alhos, aos tomates, ao cabaçote (abóbora), aos espargos: corte o pão, juntelhe o alho e o tomate; esfregue bem o pão com o fio de azeite e junte uma lasca de presunto. Não esquecer que em Trás-os-Montes, como no Entre-Douro e Minho podemos classificar as receitas, sempre, em ricas e pobres. Neste caso, ricas levariam presunto; pobres, fatias de toucinho. Idem, se vai passar com as batatas, conforme são ricas ou pobres. E como pobres os nomes dizem tudo: batatas solteiras, batatas de luto, batatas da escola, batatas sem dono, batatas sem nada. Melhores adjectivos? Bolas e folares: a gastronomia do simbólico
Foram as desfolhadas e as malhadas. Depois, pelo São Miguel, as vindimas. No São Martinho recolhem-se as castanhas, «prova-se o vinho e mata-se o porquinho». Chega o Natal, as festas solsticiais que os romanos dedicavam ao deus Baco e a Jano, ora, cristianizadas e dedicadas ao Menino Jesus, ao Ano Novo, aos Reis Magos. Festas do pão. Em Outeiro/Bragança, as festas em honra de Santo Estêvão (26 de Dezembro) e São Gonçalo (10 de Janeiro), cuja liturgia nos apresenta como objectos de culto as
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grandes fogaças que são colocadas junto ao altar e aí permanecem durante a celebração da missa. Uma vez abençoadas são distribuídas pelas famílias. É o pão bento de Santo Estêvão que até os animais da «casa» devem comer. É o dia de São Gonçalo, com o atractivo especial: o charolo, uma espécie de andor que vai na procissão, em forma de pirâmide, todo recoberto de roscas de pão que, depois de benzidas, são arrematadas no adro e comidas, religiosamente, por todos. Com esta ligação ao sagrado entramos naquilo a que chamamos a gastronomia do simbólico, comum a idênticas manifestações no Entre-Douro e Minho. De facto, mordomos e mordomas das festas e romarias organizam leilões no adro com as ofertas dos peditórios. O dinheiro do leilão reverte na sua totalidade para os santos festeiros com uma obrigação: que sejam generosos; que multipliquem as oferendas no novo ano assim como no ciclo agrário que se inicia. Ainda no culto do pão lembramos os ensopados de cabrito, borrego e carneiro; os ensopados de perdiz; finalmente, as Alheiras. Relata o Abade de Baçal que «deve-se ao facto da Inquisição perseguir os Judeus e os Cristãos Novos (Judeus pseudo-convertidos ao catolicismo). Assim, não podendo estes comer carne de porco por imposição da sua fé imaginaram um enchido que embora semelhante aos enchidos que por essa época eram o prato forte das gentes, não levasse a carne proibida». Engenhosa invenção esta de cristãos novos perseguidos pelo Santo Ofício. Quem não metesse o dente no reco queria dizer que era judeu. Foi a «chouricinha da resistência». Voltemo-nos agora para «com sua licença» o porco. Segundo Miranda Vale, «na terra portuguesa criam-se suínos de dois tipos bem definidos e que o Tejo marca a linha divisória […] ao Norte vivem os bísaros (sus celticus) ao Sul, o porco alentejano (sus mediterraneus)». No Entre-Douro e Minho e Trás-os-Montes/ Alto Douro existem duas variedades: a branca malhada, que se dis-
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tribui pelo Minho, e a preta, ou preta malhada, de Trás-os-Montes. Apresentam orelhas compridas e pendentes, focinho largo, tronco comprido, dorso convexo e o peito chato. São pernalteiros e altos. É o símbolo de Murça, a célebre porca de Murça, um berrão igual a tantos outros existentes na zona transmontana (Bragança, Vimioso, Torre de D. Chama), assente em plinto de pedra no centro da vila. Tal qual vimos no ciclo do pão também a devoção ao porco faz parte da religiosidade popular e entra na gastronomia simbólica. Testemunhos: as diferentes toponímias que nos falam do «fossado» e dos «currais dos porcos»; os penedos zoomórficos com figurações de «berracos» e outros animais (cavalo de Mazouco) como acontece em Soutelinho e Meixedo e outros, no Gerês e Barroso, que já o homem da Pré-História reconheceu e adorou. Difícil escolha, pois cada terra reclama os seus pergaminhos: Mirandela, as suas alheiras; Chaves, o seu presunto; Montalegre, os seus chouriços. Miguel Torga, in Um Reino Maravilhoso, sem definir as terras considerou como ex-libris do fumeiro transmontano a «Trindade Nacional do Reino»: presunto, alheira, salpicão. Também não vou ser selectivo na escolha, dada a abundância dos enchidos e fumados existentes, derivado a micro-climas e natureza das Terras que lhe dão um colorido e uma especificidade próprias. Optamos, e creio ser esse o caminho a seguir no futuro, pelos enchidos e fumados, já considerados como produtos tradicionais e devidamente certificados. Assim: — butelo de Bragança (dop): bexiga de Porco Recheada com costela de porco, ossos e carne da suã, também chamado «chouriço de ossos»; — chouriça de carne de Vinhais, linguiça de Vinhais, salpicão (igp), com as carnes temperadas numa adoba que leva vinho tinto, sal, alho, colorau picante e louro;
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— moura de Vila Real (dop): enchidos constituídos por pão, carne de vinha-d’alhos, temperados com colorau, pimenta (também designadas como sangueiras); — presunto do Marão (dop): perna de porco sem chispe e com coxal, salgada, fumada e curada. A área de influência das serras do Marão e de Padrela: — presunto do Barroso (dop): produzido na área dos concelhos de Boticas, Chaves e Montalegre; cura na salgadeira durante duas a quatro semanas e fumo de duas semanas; — presunto de Lamego (dop): perna de porco salgada e curada a fumeiro; na salgadeira cerca de vinte dias e ao fumo durante três semanas e barrados com colorau para preservação. — presunto de Chaves: perna de porco adulta salgada e exposta à acção pouco intensa e gradual de fumo e envelhecida num processo de cura não inferior a 12 meses. Apresenta uma característica dobra na articulação fémuro tibial fruto do modo de suspensão a que é sujeito e que conserva após a sua cura. Foi votado como uma das sete maravilhas gastronómicas de Portugal. Adentro do receituário do porco é obrigatório trazer à colação os três cozidos de Trás-os-Montes e Alto-Douro, concretamente, o cozido barrosão; o cozido do Marão, também chamado o cozido com milhos e o cozido do Nordeste Transmontano, conhecido como o butelo com cascas. — O barrosão vai à mesa em três travessas: uma, com as carnes partidas aos pedaços, outra, com as batatas, cenouras e couves; a última, com o «arroz de nada», tudo a fumegar à saída dos potes;
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— O cozido com milhos: travessa com as carnes e enchidos guarnecidas com batatas; outra só os milhos; — O butelo com cascas, em duas travessas: a primeira com o butelo, a chacina, o chouriço de sangue e as batatas; outra, com as cascas, temperadas a vinagre e fio de azeite. Falta-nos, ainda, um cozido, o chamado cozido de cristão velho (muito semelhante ao cozido de feijão com couves, do Gerês). Ambos não levam galinha, nem vitela, nem qualquer outra carne a não ser a beiça do focinho, ossos da suã, entrecosto e orelheira, chouriços de carne, de sangue e o salpicão. Acompanham, como no Gerês, verduras (feijão com couves). Tripas aos molhos e feijoadas
Na tentativa de alinhar alguns receituários de Trás-os-Montes e Alto-Douro temos vindo a compilar vários fundamentos para uma futura História da Alimentação agarrados, como é lógico, aos produtos tradicionais. Neste caso, falaremos das Tripas e das Feijoadas. E mantemos algumas dúvidas, tal qual nos aconteceu, aquando da realização do XVI Congresso do Minho, em Guimarães (2005) e, posteriormente, da carta gastronómica do Concelho. Afirmamos, então o seguinte: uma dúvida claramente manifesta em que a receita das tripas «à moda do Porto» não pode ser tão antiga como se imagina, porque a carne de vaca só muito recentemente se traduziu em carne de «talho»; o mesmo direi em relação às Feijoadas, cujo feijão manteiga obedece à presença de cabeça de porco fumado, pé de porco, salpicão e chouriço de carne, toucinho fumado e às celebérrimas hortaliças da veiga de Chaves e dos Vales do Tua e Terra Quente.
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Tripas… como El-Rei (o falso rei), se bate em casa do Abade de São Gens de Calvos (para os lados do Gerês), comida de substância e não de ricos- como são as Tripas «à moda do Porto» (sabendo-se que a carne de «vaca» era de exportação, trabalho rural ou tracção e só muito recentemente de «talho»). Continuamos a preferir as nossas tripas com feijão branco e chispe (Camilo, A Brasileira dos Prazins).
De facto, quem já exportava tripas pelos portos secos (alfândegas), de Bragança, Vimioso, Freixo de Espada-à-Cinta, Vinhais, Chaves e Montalegre era Trás-os-Montes e Alto-Douro onde, já nos séculos xv e xvi, o consumo de carne de vaca era superior à maior parte da população do Reino? Numa querela entre os proprietários dos talhos (15) e a Câmara de Vila Real, e quando houve necessidade de recorrer à Corte (1725), dizia-se «os talhos são uma das grandezas desta terra, em que poucas do reino se igualam». Estávamos, então numa época em que a carne de vaca era, essencialmente, de exportação e não de talho, por isso, estou, também, com Camilo nesta feijoada, mãe de todas as feijoadas, confirmando,adrede que os nossos feijões não chegam com os milhos e as batatas dos Descobrimentos. A partir do século xi que Trás-os-Montes tem feijões, herança da cultura islâmica onde, também, forjamos a nossa. Por isso loas à feijoada «à Transmontana». Em relação às tripas, desta feita «aos molhos»: estômago de vitela muito bem limpo; em pequenos rectângulos, acrescidos de chouriço de carne, carne de porco e presunto. Faça uns rolinhos que deve atar com a tripa delgada da vitela; refogado a preceito ao qual deve acrescentar vinho branco; coloque os rolinhos e não destape muitas vezes o tacho, perde paladar. Para finalizar, as carnes, das quais distinguimos a carne barrosã, a carne maronesa, a carne mirandesa e a carne arouquesa, todas
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elas uma referência emblemática da bovinicultura portuguesa, esse manjar de reis, essa carne, dádiva suprema da serra e da natureza, destacando-se as peças usadas para assar, do lombo à fralda e entrecosto, para bifes do lombo da cheia e da vazia, da perna para cozer, das costeletas de vitela e vitelão supimpamente grelhadas. Uma resenha sucinta sobre os peixe do rio e os peixes do mar. Dos peixes do rio, estamos em rios de montanha: destaque para as trutas, escalos, barbos e bogas, sem esquecer as enguias e os saborosos «rabecos». Já no Vale do Douro e respectivos afluentes, o sável e a lampreia, hoje em muito menores quantidades devido às barragens. De qualquer modo, no tempo e na época, não deixe de provar a lampreia em arroz ou «à bordalesa», o sável frito ou «em escabeche», com uma boa cebolada em azeite e vinagre de vinho. Em relação à truta: é um prazer afirmar que ainda temos rios e ribeiros de águas límpidas onde ainda (e felizmente), não entraram os químicos. É o prazer da pesca junto com a paisagem; é a procura nos restaurantes e em casa de amigos. Diz a tradição que a truta para ser boa tem que ter três efes: fria, fragosa e frita. E para os bons gastrónomos, deve nadar três vezes: na água, no azeite e no vinho. Dos peixes do mar a tradição vai para os bacalhaus: «bacalhau assado na brasa», «com batatas a murro», «à Vila Real», «bacalhau à Transmontana», «bacalhau enformado»; «bacalhau à Duriense» (espécie de Mingau), «bacalhau constipado», «à bruxa», «de roupa velha». As sardinhas e os carapaus (em tempos idos aos milhares), o prato forte das vindimas e das vessadas, hoje servem-se nos melhores restaurantes. Da caça: ainda se mantêm, quer a caça de pena como a caça de pêlo, da perdiz, tordos, pombos e patos bravos, lebres e coelhos, javalis e veados.
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Falta-nos falar dos cabritos, dos anhos e dos borregos. Tal qual a carne Barrosã. Maronesa, Arouquesa e de Miranda são produtos tradicionais com Denominação de Origem Protegida (dop), o mesmo se passa com o cabrito transmontano, o borrego terrincho e o cordeiro bragançano, de raça churra (todos dop); o cabrito do Barroso foi classificado como Indicação Geográfica Protegida (igp). Dois pratos inesquecíveis: o «cabrito assado no espeto e recheado» e o «ervilhoso guisado» (prato de borrego com ervilhas, tradicional nos tempos de Páscoa). Quanto ao cabrito assado cuidado com os «banhos» com que se vai esfregar o cabrito; idem, com a marinada onde não se deve utilizar vinhos de má qualidade, mas o melhor; entretanto, preparar o recheio com os enchidos do reco, colocados na barriga e fechados com agulha e linha. Vai a assar no espeto com brasa a preceito. Serve-se em travessa ancha, com o cabrito trinchado e o recheio à volta.
ovos com amêndoas, broas do convento e morcela doce de Valpaços e de Murça, pastelão de amêndoa, delícias do convento das Freiras de Vinhais, bolo de noz e amêndoa à moda de Carrazedo de Montenegro.
Das gulodices
Peixes Arroz de marisco, filetes de linguado, espetada e arroz de tamboril, polvo em filetes com arroz, bacalhau assado na brasa com batatas a murro, bacalhau à lagareiro, bacalhau recheado com presunto.
Iniciamos pela doçaria popular, onde há muito por escolher: leite creme queimado, aletria, mexidos, sopa seca, filhós de Jerimu, chila dourada, doce de cabaça, migas do Carvalho, biscoitos da Teixeira, biscoitos de Donsomil, bolinhos de azeite, bolos da Páscoa, formigos da Régua, pitos de Santa Luzia, ganchas de São Brás, cavacórios de São Lázaro, carolo de milhos e milhos doces, ferreirinhos e rabelos, rebuçados da Régua. Dos doces conventuais
Rabanadas com mel, ovos moles, sarrabulho doce, pastéis de Santa Clara, cristas de galo, toucinhos do Céu de Murça, doces de
O Douro vinhateiro (Peso da Régua) cardápio
Cesto de entradas Bolinhos e pataniscas de bacalhau, rissóis, bôla de carne, enchidos e fumados da região. Sopas Caldo verde, canja, sopa camponesa, sopa de legumes.
Carnes O famoso cabrito do monte assado no forno de lenha com batatinhas e arroz de forno em alguidar de barro preto (delicioso), arroz de pato à antiga, frango de capoeira em cabidela, tripas aos molhos, joelho da porca no forno, vitela assada com batatas e couve estufadas, arroz de couve-tronchuda com enchidos, posta maronesa. Doçaria Leite-creme, aletria, sonhos, arroz doce, mexidos, doce da patroa, formigos, ferreirinhas e rabelos (especialidades locais): as
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ferreirinhas com uvas passas, pinhão, amêndoa, chila e vinho do Porto; os rabelos com o formato dos barcos típicos do Douro, farinha de arroz e milho, ovos, açúcar, canela, amêndoa e vinho do Porto. E não esqueça os célebres rebuçados da Régua. A Terra Barrosã como fronteira (Chaves) cardápio
Cesto de entradas Presunto, bola de carne, pastéis de chaves; pão de unto, pão de centeio, folar de chaves, salada de chícharos com molho verde, folar de Valpaços, alheiras de Montalegre, salpicão e linguiça do Barroso. Sopas Caldo de feijões com pernil, sopa dos confrades, caldo do cozido, caldo de feijão vermelho, caldo de cebola, sopa de favas com presunto e caldo do Barroso. Peixes Truta salmonada do Beça; trutas de escabeche; trutas de boticas e peixinhos do rio Tâmega com salada, filetes de polvo com arroz escondido, arroz de grão-de-bico (garbareços) com pataniscas de bacalhau e bacalhau assado com batatas. Carnes e caça Cabrito do Barroso assado no forno, vitela assada à barrosã, cozido à barrosão, ossos de suã, sarrabulho à Moda da Minha Avó e batatas cozidas com a casca, chícharos com couves e alheiras,
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costeletas de lombo de porco de vinho e alho na panela, milhos à romana, rojões à moda de Chaves, arroz de costelinhas com salpicão e linguiça e naco de carne barrosã grelhado na pedra com batata assada e feijão verde. Doçaria Rabanadas com mel, aletria, filhós de Jerimu, tartes folhadas de chila, ovos moles; bolo de noz e amêndoas à moda de Carrazedo de Montenegro; queijo da pedra bolideira; orelhas de abade com mel e queijo de Meitide, sarrabulho doce, doce de cabaça. Para lá do Marão abraçamos o Corgo e o Tua (Vila Real) cardápio
Cesto de entradas Enchidos regionais, peixinhos da horta, bolinhos de bacalhau, patriarcas, bôla de carne, covilhetes e tripas aos molhos. Sopas Caldo de lavrador, caldo de couve com feijão, caldo de galinha; caldo de couve cegada e caldo de castanhas, sopa gata. Peixes Bacalhau na brasa com batatas a murro, arroz de polvo malandrinho com filetes do dito, massa de bacalhau, trutas do marão, bacalhau à transmontana e bacalhau na brasa. Carnes Posta de vitela maronesa, bifinhos de presunto, cabrito assado do pastor com arroz de forno; cozido com milhos, couves com
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feijão, batatas da escola, arroz de favas, galinha alourada, carne verde, anho assado com arroz de forno, tripas aos molhos, bife à marão e cabritinho estufado. Doçaria Cavacas, fatias de freixo, biscoitos, pastéis de Santa Clara, ovos queimados, pitos de Santa Luzia e ganchas de São Brás, creme queimado, sopa seca, cavacas com vinho fino, toucinho do Céu, cristas de galo, leite-creme, pão-de-ló, tarte de amêndoa, pêra bêbeda (vinho do Porto) e bolo de noz. Montanhas frias e planaltos quentes (Bragança) cardápio
Cesto de entradas Enchidos regionais; pão de trigo e centeio, pisperno cozido, alcaparras, folar, presunto assado, queijo de ovelha, queijo de cabra, linguiça, guisado de repolgas (cogumelos) com fígado de aves e bôla de sardinha de Bragança. Sopas Caldo de cebola, caldo de perdiz, caldo verde à Lavrador, caldo de cuscuz; caldo de unto e caldo de castanha, sopa à transmontana, sopa de grão de bico. Peixes Trutas de escabeche com feijão verde; peixinho do rio em escabeche com tortilha de espargos, migas de peixe, trutas recheadas, truta do rio tuela com molho de cebolada; tomatada de bacalhau, bacalhau à transmontana, trutas salmonadas, trutas de
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escabeche com centeio e alcaparras e caldeirada de peixes do rio Sabor. Carnes e caça Lombo de javali assado na brasa com batata a murro e grelos, cabrito assado (Montesinho), javali assado na brasa, caldeirada de cabrito à transmontana, butelo com cascas, posta mirandesa com batata a murro e esparregado, feijoada de lebre e alheiras de Mirandela. Doçaria Doce de ovos com amêndoa, doce de abóbora com noz, pudim de castanhas, bolo de castanha, castanhas assadas com mel; bola mirandesa, castanhas com chila, tarte de garbanços, chila dourada, bolo de mel, pão de fatia molhada, broa do convento, espera marido, morcelas doces, toucinho do Céu de Murça, delícias do convento das Freiras de Vinhais, queijo churro e bolo de garbanços de Vinhais. Receitas peso da régua
Formigos Leve ao lume 350 gr de açúcar com um pouco de água até obter ponto de pérola fraco. Retire do lume e junte-lhe quatro colheres de sopa de mel, 125 gr de passas sem grainhas, 75 gr de manteiga e um cheiro de amêndoas peladas e raladas. Volte ao lume mexendo sempre até ferver.
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Retire novamente do lume e misture-lhe 200 gr de miolo de pão às fatias muito finas e um cálice de vinho do Porto. Leve ao lume brando, até o pão ficar desfeito junte-lhe 6 ovos batidos mexendo sem parar, até cozerem os ovos. Deite numa travessa e polvilhe com canela. Cabrito do monte assado no forno de lenha com batatinhas e arroz de forno em alguidar de barro preto (delicioso) Mata-se o cabrito na véspera. Depois de limpo fica dependurado e dá-se dois banhos. Um logo que é morto, o outro mais tarde. O primeiro é mais forte, sobretudo, na quantidade de vinagre e é com os seguintes ingredientes: vinagre, sal graúdo e alho. Esfrega-se muito bem o cabrito. O segundo banho será com os mesmos ingredientes mas com menos quantidade de vinagre, acrescentando-se o vinho, pimenta, louro e onde serão também marinados os miúdos do cabrito. No dia seguinte dê mais uma esfregadela ao cabrito, com a marinada. Entretanto, faça um refogado com banha e cebola picada. Junte carne de vitela, presunto e os miúdos, todos aos bocadinhos. Junte a marinada e deixe cozer. No fim da cozedura acrescente miolo de pão, uma gema de ovo e limão. Rectifique os temperos. Esta mistura servira para rechear o cabrito. O cabrito vai ao forno com tiras de presunto em assadeira de barro onde já foram colocadas as batatinhas e é regado com a calda do arroz. Para o arroz coza duas cebolas, a cabeça do cabrito, meio quilo de carne de vaca, presunto, toucinho, junte-lhe salsa, pimenta, cravinho e sal. Coe o caldo das carnes; coza ligeiramente e leve ao forno em alguidar de barro preto.
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Folar 500 gr de massa de pão (levedado) 6 ovos 3 colheres de sopa de azeite 75 gr de banha 100 gr de presunto (dessalgado) 100 gr de toucinho entremeado 500 gr de carnes variadas sem osso (salpicão de Chaves, escalopes de vitela e de porco, lombinhos de coelho ou de cabrito e frango) banha, sal, gema de ovo e farinha q.b. Junte à massa de pão levedada os ovos e a banha derretida com o azeite. Tempere com sal e mexa tudo à mão até obter um preparado homogéneo. Adicione gradualmente a farinha até a massa ter consistência para ser tendida. À parte, frite os escalopes e lombinhos em banha, bem como as aves. Posteriormente, divida a massa (4 ou 5 partes) e forre com a maior parte o fundo e as paredes de um recipiente em forma redonda untado com banha. Assim, coloque no recipiente camadas alternadas de carnes e massa, sendo a última de massa. Com a outra parte da massa cubra e feche as beiras calcando com as pontas dos dedos a toda a volta para que haja boa junção das massas e pincele com a gema. Deixe repousar 2 horas e leve ao forno a cozer. Depois de cozido desenforme com cuidado e sirva num prato.
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Trutas de boticas 2 trutas de 1 kg cada 8 cebolas 3 kg de batatas ½ l de azeite 3 tomates 5 cenouras 3 laranjas 4 colheres de sopa de banha de porco 4 fatias de presunto sal e pimenta q.b. Numa assadeira corte 6 cebolas às rodelas que se dispõem no fundo fazendo uma cama. Coloque as trutas por cima, depois de amanhadas e por cima delas põem-se 4 fatias de presunto com o gordo. Rega-se bem com o azeite, um pouco de água e põem-se 2 colheres de banha de porco. Tempere com sal e pimenta e leve ao forno a assar. À parte, também numa assadeira coloque as 2 cebolas às rodelas, as batatas às rodelas por cima e rega-se com azeite, um pouco de água, 2 colheres de banha de porco, sal e pimenta q.b. e vai ao forno a assar. Serve-se o repasto colocando as duas trutas numa travessa com as batatas e a cebola à volta. Ornamentam-se com gomos e rodelas de laranja, gomos de tomate e as cenouras cozidas ou em puré. Cabrito do Barroso assado no forno 1 cabrito 3 cebolas 450 gr de batatas
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4 dl de azeite 4 dl de vinho branco água, alho e sal q.b. Tempere de um dia para o outro um cabrito com molho de azeite, alho picado e sal. No dia, coloque numa assadeira de barro batatas pequenas cortadas em camponesa e o cabrito por cima. Regue tudo com azeite de temperar, um pouco de vinho branco, água e cebola cortada às rodelas. Leve o preparado ao forno do pão, quente com lenha de carvalho e urze. Acompanhe o cabrito com pão de centeio e vinho tinto. Cozido barrosão ½ kg de carne de peituga entremeada com meia cura (só sal) ½ kg de vitela barrosã 1 orelha de porco com meia cura 1 focinho de porco 2 bucheiras 2 linguiças 1 salpicão 1 frango caseiro batatas, couve troncha ou repolho, cenoura e arroz de nada q.b. Coza as carnes todas juntas menos as sangueiras que são escaldadas à parte, para que com o gosto activo não estraguem o paladar dos demais ingredientes. Coza a couve, cortada em juliana, na água das carnes para ficar macia. As batatas e as cenouras à parte também cortadas em camponesa. Se possível, deve cozer as cou-
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ves, as batatas e as cenouras em panela de ferro. Sirva as carnes aos pedaços em travessas. As batatas, as cenouras e a couve separadas da carne, bem como o arroz. É bom que o repasto vá para a mesa a fumegar. Nota: as carnes com meia cura (só sal), deverão ser postas de molho em água fria na noite anterior e até irem à panela. Tenha o cuidado de durante a cozedura ver se estão boas de sal. vila real
Tripas aos molhos 500 gr de tripa de vitela (bandulho, a mais grossa e lisa) 500 gr de tripa fina para atar ou fio 250 gr de presunto ou pá 200 gr de barriga de porco fumada 1 chouriço 300 gr de cebolas vinho branco do Dão salsa, pimenta em grão, piri-piri e sal q.b. Corte as tripas em pedaços de modo a permitir que se enrolem dando duas voltas sobre o recheio. Antes de enrolar coloque pedaços de presunto ou pá e barriga fumada, podendo optar-se também por pedaços de chouriço. Coloque ainda no recheio um pequeno ramo de salsa em cada molho. Enrole e ate com a tripa de vitela, ou na falta desta com fio de embrulho. Este corta-se e retira-se antes de servir. Faça um refogado com muita cebola e quando alourada junte um pouco de água para recozer. Coloque depois os molhos já enrolados das tripas e juntam-se grãos de pimenta e piripiri a gosto.
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Deixe apurar um pouco e acerte o tempero de sal. O tacho, sempre tapado, fica em lume brando até a tripa ficar bem cozida e tenra, normalmente mais 2 horas. Durante esta cozedura, em que a tripa vai largando molho, junta-se vinho branco aos poucos para manter a base líquida. Deixe apurar no final, depois de corrigidos os temperos, e junta-se de novo um ramo abundante de salsa. Se quiser que sirva de refeição acompanhe com arroz branco, enfeitando as tripas com salsa picada antes de levar à mesa em travessa ou no próprio tacho. Bifinhos de presunto 400 gr de arroz 200 gr de feijão vermelho ou branco (já cozido) 1 cebola 1 chouriço 200 gr de presunto, ou um pouco de carne embeirada fumada sal louro 2 dl de azeite presunto para os bifinhos (fatias grandes, um pouco grossas até 5 mm) 3 ovos 200 gr de pão ralado óleo q.b. para fritar Faça um refogado com o azeite, a cebola e o louro. Ao começar a alourar junte pedaços de chouriço e presunto e carne embeirada, deixando um refogado bem apurado. junte água em quantidade para arroz solto, um pouco mais de duas chávenas de água para cada chávena de arroz.
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Quando o arroz estiver cozido junte os feijões e rectifique os temperos. Os bifinhos, se forem de presunto das terras frias transmontanas não necessitam de ser demolhados. Passam-se por ovo e pão ralado, e levam-se a fritar em óleo. Há quem prefira apenas a fritura sem ovo e pão, o que torna os bifes mais secos, ou ainda quem os prefira apenas mais grossos e grelhados. Da primeira forma parece ser a que melhor se liga ao arrozinho de feijão fresquinho e acabadinho de fazer. Cristas de galo Para a massa 500 gr de farinha 50 gr de margarina 100 gr de banha 2 ovos sal q.b. água morna Recheio 100 gr de amêndoa 3 maçãs reinetas ou outra variedade ácida 6 gemas 100 gr de toucinho gordo 1 colher de maizena Comece por preparar a massa, misturando a farinha com a margarina, a banha, os 2 ovos, um pouco de água e uma pitada de sal. Envolva todos os ingredientes até ficar uma bola. Entretanto, leve o açúcar ao lume com um pouco de água e deixe ferver até obter ponto de pérola. Junte a amêndoa pelada e ralada e a maçã e o
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toucinho também ralados na trituradora, as gemas e uma colher de farinha maizena, previamente desfeita em água. Vai novamente ao lume e deixa-se ferver. Estenda a massa e corte-a em circunferências que se recheiam com o preparado anterior. Dobre as circunferências em meia-lua, e faça pressão nos bordos para fazer aderir a massa. Dê uns cortes do lado arredondado para que depois de cozidos, os pastéis pareçam cristas de galo. Depois de prontos, colocam-se os pastéis em tabuleiros onde vão a cozer em forno quente. Quando saírem do forno, polvilhe as cristas-de-galo com açúcar. bragança
Caldo de unto 50 gr de unto 4 fatias de pão de centeio água e sal q.b. Corte a talhadinha de unto e derreta-o numa frigideira. Coloque ao lume uma panela com água a ferver e deite o unto derretido. Tempero com sal. Pode escalfar ovos na água do unto a ferver. Nesse caso, escalfe um ovo por pessoa e coloque sobre o pão antes de se deitar o caldo na malga. Butelo com cascas 1 kg de cascas (ficam de molho, num tacho com água de um dia para o outro) 1 kg de butelo 1 chouriço de sangue doce
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2 línguas fumadas 0,5 kg de costela fumada 0,5 kg de chacina fumada 6 batatas azeite, vinagre e sal q.b. Leve uma panela ao lume com as cascas e junte-lhe a água onde foram demolhadas, tempere com sal (pouco), vá acrescentando água fria. Na mesma panela introduza o butelo, a língua, a costela, a chacina e deixe cozer durante 1 hora e meia. À parte, coza o chouriço de sangue. Regue as cascas com um fio de azeite e vinagre e leve à mesa. Morcelas doces 2 peitos de galinha 1 kg de lombo de porco 3 lacas de presunto 300 gr de amêndoas pão de trigo 3,5 kg de açúcar tripa de porco (fina) banha, canela e sal q.b. Comece por cozer os peitos de galinha, o lombo de porco e o presunto, em água temperada com sal. Quando tudo estiver bem cozido, retire as carnes, que depois de limpas de peles e de gorduras, se desfiam muito bem. Entretanto, coe através de um pano de estopa a calda onde as carnes cozeram. Junte-lhe as carnes desfiadas, bem como as amêndoas peladas e raladas, a canela, o
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pão cortado em quadradinhos e a banha. Finalmente, adicione a calda de açúcar em ponto de bola mole. Deixe a massa repousar durante 1 hora e em seguida encha as tripas, ficando as morcelas com 10 cm de comprimento. Coloque-as no fumeiro durante 10 dias. Quando servir, mergulhe-as em água a ferver durante 1 minuto, para que fiquem quentes para a sobremesa.
3. Vinhos, queijos e aguardentes Rota dos vinhos verdes
Instrumento fundamental para a diversificação da oferta turística regional, neste caso da uva e do vinho verde (sub-regiões: Monção, Lima, Braga, Basto, Penafiel e Amarante), onde são produzidas as castas: Alvarinho, Loureiro, Pedernã e Espadeiro, que para a melhoria de brancos podem complementar as castas Azal, Avesso e Batoca e, para os tintos, Borraçal, Brancelho, Pedral e o Vinhão. A Rota dos Vinhos Verdes alia a esta região vinhateira toda uma cultura ancestral que agora se volta para o turista-consumidor directo, abrindo adegas e produtores-engarrafadores as suas portas, para uma visita, uma prova, um encontro, sobretudo, uma melhor informação deste vinho único no mundo. Rota que é cartaz permanente de cor, movimento, ribombar de bombos, estralejar de foguetes e som de concertinas. Rota que é um privilégio, dádiva dos deuses, porque Itinerário com uma beleza paisagística impar a que se agregam os circuitos dos solares e do turismo rural, Caminhos de Santiago, românico, do turismo activo (desportos radicais), das romarias sem sol, do artesanato e da gastronomia. barcelos
Vamos iniciar a nossa visita de familiarização pelo concelho de Barcelos, esse valioso manuscrito onde a História nos faz beber uma manancial permanente de estórias e de feitos.
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Começamos a rota por uma paragem na freguesia de Lama, na estrada de Barcelos/Prado, ao km 13, onde fica a Sociedade Agrícola Quinta de Azevedo. Contacto: Manuel Guedes. Telef.: 22/7838104, com prova de vinhos e organização de eventos. O Solar de Azevedos (quinhentista) é a mais monumental das casas solarengas do norte do País. Já na estrada Barcelos/Vila Nova de Famalicão e ao km 8, em São Miguel da Carreira, a Sociedade Agrícola da Quinta de Santa Maria, Empresa de raiz familiar a quem pertence a Quinta do Tamariz e o famoso vinho da casta Loureiro com o mesmo nome. Contacto: Maria Francisca Vinagre. Telef.: 252/960140. Prova de Vinhos e venda de produtos de Quinta. Ainda em Barcelos, a cerca de 3 km a Quinta da Franqueira no lugar de Pedrego. Contacto: Piers Galie. Telef.: 253/831606, com prova de vinhos e venda de produtos de Quinta. Antigo convento construído em 1563, com pedras do histórico Castelo de Faria está inscrito em turismo de habitação (3 quartos). ponte de lima e viana do castelo
E entramos mesmo na A3 - Braga Oeste/ Barcelos. É um percurso rápido, este, até à Ribeira Lima (15 km) na auto-estrada mais bonita do mundo, entre vinhedos e igrejas rústicas, casais e quintinhas, rios e riachos, os montes das bandas da Serra D’Arga. Saímos no nó de São João da Ribeira, a escassos 3 km de Ponte de Lima, a Vila mais antiga da Europa. A ponte (visita obrigatória), romano-medieval, soberba de formas com os seus 15 arcos ogivais. O passeio à beira rio. As torres de São Paulo e da cadeia. A Avenida dos Plátanos, a Ordem Terceira, a Igreja de N.ra S.ra da Guia. E seguimos já em direcção à Adega Cooperativa de Ponte de Lima, na Rua Conde de Bertiandos. Contacto: Edite Campos. Telef.: 258/909700. Onde se pode organizar uma visita completa à adega, provas de vinhos e compras. E, na estrada 203, a escassos
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7 km, a Quinta de Luou , em Santa Cruz do Lima. Contacto: Filipe Malheiro Reymão. Telef.: 22/616308. Casa Senhorial do século xvii e xviii, com espaçoso varandão virado ao sul, ostenta o brasão da família Páris que já no século xvi estava ligado aos Rochas de Viana do Castelo. Organiza provas de vinhos e visitas ao Solar. Quinta dos Abrigueiro (Contacto Paulo Pimenta de Castro Damásio, Arcos de Valdevez. Telef.: 258/947315); Estação Vitivinícola Amândio Galhano (contacto João Garrido. Telef.: 258/480200). monção e melgaço
Em Viana, logo de manhãzinha, visitas ao tríptico monumental (Chafariz, Misericórdia, ex-Paços do Concelho), ao casco histórico da cidade incluindo a rua Manuel Espregueira (compras) e basílica do Monte de Santa Luzia (aconselhamos a subida no funicular já totalmente reactivado e cuja panorâmica o vai deslumbrar), são obrigatórias. Depois e antes de apanharmos a EN-13 em direcção às sub-regiões de Monção e Melgaço (Alvarinhos), vamos ao Castelo de Santiago da Barra visitar o Centro de Congressos onde o antigo paiol foi aproveitado para a Messe dos Vinhos Verdes, com provas a congressistas e turistas (Contacto: Francisco Sampaio. Telef.: 258/820270). E seguimos já para Vila Praia de Âncora (Portinho), Caminha (igreja matriz e centro histórico), Vila Nova de Cerveira e o Castelo de D. Dinis (Pousada), Valença (intra e extramuros), são paragens de um Roteiro que jamais esquecerá. Em Valença do Minho não esqueça de procurar em Cerdal a Quinta da Bouça com o telefone 222/087483, que vai ser o primeiro contacto com a Rota da Ribeira Minho (provas individuais e em grupo). E ficamo-nos, manhã alta, pelo Paço do Alvarinho, mesmo no centro histórico de Monção (Telef.: 251/653215). Já em Mazedo, pela Casa do Capitão-Mor (Contacto: Silva Ramos. Telef.:
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251/651288, 968018145). E, depois, pela Adega Cooperativa de Monção (contacto: Antonino Barbosa. Telef.: 251/652167), onde podem ser solicitadas provas de vinhos individuais ou ajantaradas para pequenos ou grandes grupos, vendas de produtos da adega, visitas guiadas. A seguir e da outra banda da estrada, o Solar de Serrade, uma Casa de Turismo de Habitação; provas de vinhos na Sociedade Agrícola com vinhos da própria Quinta (Telef.: 251/654008). E seguimos adrede pela estrada Monção/Melgaço (EN-202) até Barbeita (km 6). Até à Ponte do Mouro, recordando o encontro do Mestre de Avis com o Duque de Lencastre (1386); o Senhor do Mouro, a lenda do Emir Jusão. É ali que fica a Provam (Produtores de Vinhos Alvarinhos, L.da) Contacto: João Marques. Telef.: 251/534207, com provas de vinhos e visita adega. Depois, é o encontro da cultura do vinho alvarinho com o traçado românico de igrejas e conventos, das rotas medievais, dos Caminhos de Santiago: Sanfins, Ganfei, Longos Vales, Merufe, Paderne, Fiães, Orada, Rubiães. Na EN-202 e já no Concelho de Melgaço reiniciamos o Roteiro do Alvarinho. Primeiro, às Quintas de Melgaço, sitas em Ferreiros de Cima-Alvaredo. Contacto: Pedro Soares. Telef.: 251/410020. Visita guiada à Adega, provas de vinhos, almoços e jantares para grupos, venda directa; visita à Quinta de Soalheiro, também em Alvaredo, contacto: João Cerdeira (Telef.: 251/416769), onde se organizam provas de vinhos, e a venda directa de produtos de Quinta. A finalizar, Touquinheiras, Lugar da Bouça Nova — Prado. Contacto: Clementina Araújo (Telef.: 919265801); Quinta do Reguengo (Telef.: 251/410150) e já dentro de muros de Melgaço o Solar do Alvarinho (Telef.: 251/410115). Chegamos a Melgaço, às Terras de Inês Negra, onde vamos jantar e dormir. Locais recomendados: Para dormir: Albergaria Boavista, sita em Peso-Melgaço, no sossego da estância termal
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(Telef.: 251/416464). Hotel Rural Quinta do Reguengo (Telef.: 251/410150). Na manducação: os Restaurantes Panorama (Telef.: 251/410400), Adega do Sossego (Telef.: 251/404308); Animação: Melgaço (Vila) merece já uma visita nocturna guiada. À Casa da Cultura onde, normalmente, estão presentes exposições temáticas de grande valor regional; ao Centro, do qual destaco a Torre de Menagem e a zona histórica; ao Solar do Alvarinho onde, para além de uma prova, mostra, venda, exposição das «marcas» dos alvarinhos existentes no Concelho há, ainda, uma exposiçãovenda de artesanato e produtos de Quinta. amarante, penafiel, basto, braga
Em Amarante iremos visitar a Adega Cooperativa (Contacto: António Maria. Telef.: 255 420150); Casa de Cello (Contacto: João Pedro de Araújo. Telef.: 226 095877); Caves da Cerca (Contacto: Nídia Martins. Telef.: 255 432164); Caves Moura Basto (Contacto: Francisco Xavier. Telef.: 255 423101); Casa de Oleiros (Contacto: Manuela Camizão. Telef.: 255 732375); Quinta do Assento (Telef.: 255 424208). Seguimos até Tormes: Fundação Eça de Queirós (Contacto: Anabela Cardoso. Telef.: 254 885231); Casa de Vila Boa (Contacto: Luís Lencastre. Telef.: 255 535 714); Baião: O Almocreve (Contacto: António Fonseca. Telef.: 255 551226) e Quinta de Covelas (Contacto: Nuno Araújo. Telef.: 254 882412); Mesão Frio (Paço de Teixeiró. Telef.: 254 899269). Alpendurada: Quinta Casa de São José (Telef.: 255 619738); Quinta de Tuías (Telef.: 255 523432); Casa de Vilacetinho (Contacto: Maria Luisa Girão. Telef.: 255 619744). Passando agora por Entre-Os-Rios em direcção a Penafiel: Casa de Cabanelas (Telef.: 255 720490); Quinta da Aveleda (Contacto: Noelma Baganha. Telef.: 255 5718200), Paredes: Quinta
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da Belavista (Contacto: José Augusto Leão. Telef.: 224 331732); Adega Cooperativa (Telef.: 255 780480); Quinta d’Além (Contacto: Jorge Malheiro. Telef.: 255 777637); Lousada: Casa de Vila Verde (Contacto: Luís Pinto Mesquita. Telef.: 255 821 450); Quinta da Tapada (Contacto: Rosa Ivone Nunes. Telef.: 255 820920); Quinta de Lourosa (Contacto: Joana de Castro. Telef.: 255 810480); Felgueiras: Caves Terras de Felgueiras (Contacto: Francisco Vasconcelos. Telef.: 255 312 666); Quinta de Cela (Contacto: Luís de Magalhães Simões. Telef.: 255 310 240); Lixa. Telef.: Quinta da Lixa (Contacto: Fátima Faria. Telef.: 255 490590); Quinta de Simaens (Contacto: Andreia Pinheiro. Telef.: 255 490790); Cabeceiras de Basto: Casa do Vale (Cavez). (Telef.: 22 6077300); Quinta das Carvalhas (Telef.: 253 654139); Celorico de Bastos: Casa de Campo (Contacto: Francisco Meireles. Telef.: 255 361231); Mondim de Basto: Quinta do Fundo (Telef.: 255 291381); Vila das Aves: Quinta de Vizela (Telef.: 252 871555); Vila Nova de Famalicão: Casa Compostela (Contacto: Joaquim Dias. Telef.: 252 378598); Solouro (Contacto: Rogério Silva. Telef.: 252 330280); Santo Tirso: Adega Cooperativa de Santo Tirso (Contacto: Filomena Guimarães. Telef.: 252 833897); Braga: Quinta de Juste (Contacto: Artur Anselmo. Telef.: 22 2056541); Amares: Solar das Bouças (Telef.: 253 909010); Quinta do Paço (Telef.: 253 311780); Póvoa de Lanhoso: Quinta do Minho (Contacto: Sara Feio Alves. Telef.: 253 639710); Quinta Villa Beatriz (Contacto: Carlos Guimarães. Telef.: 253 631292); Maia: Quinta de Santa Cruz (Contacto: Mário Machado Marques. Telef.: 229 406036); Porto: Casa do Vinho Verde (Contacto: Duarte Vieira. Telef.: 226 077300); Vercoope (Contacto: Maria do Carmo Marques. Telef.: 229 698180). Nota: Para outras informações agradecemos contacto com a Rota dos Vinhos Verdes (Telef. 226 077300), assim como a Rota dos Vinhos Verdes: e-mail: rota@vinhoverde.pt.
Não indicamos alojamento nem qualquer amesendação pelas Rotas de Amarante, Penafiel, Basto, Braga uma vez estarmos numa região onde há variadas Quintas e Solares inscritos em ter (Turismo no Espaço Rural), com facilidade de pernoita e com refeições tradicionais. Rota do vinho do Porto
O Instituto do Vinho do Porto, a Casa do Douro e os Órgãos regionais de turismo do Vale do Douro -Região de Turismo do Douro Sul, Região de Turismo da Serra do Marão, Região de Turismo do Nordeste Transmontano e Junta de Turismo da Régua inauguraram em 21 de Setembro de 1996 a Rota do Vinho do Porto. Após um período inicial de divulgação e selecção baseadas em critérios qualitativos pré - definidos, foram seleccionados e devidamente inscritos 54 locais, situados na Região Demarcada do Douro e freguesias limítrofes, que se encontram directa ou indirectamente relacionados com a cultura vitivinícola: Produtores engarrafadores, Adegas Cooperativas, Comerciantes de Vinho do Porto e Douro, Enotecas, Turismo em Espaço Rural e Centros de Interesse Vitivinícola. Desta forma o visitante poderá encontrar desde o pequeno viticultor ao grande produtor de vinhos da Região Demarcada do Douro-Vinho do Porto, doc Douro, Moscatel e Espumante, podendo visitar as vinhas e adega, provar e comprar vinho e participar em trabalhos vitícolas vários: vindima, pisa em lagar etc. Nos centros de interesse vitivinícola a oferta varia entre casas de relevante interesse arquitectónico, museus, enotecas sendo ainda possível a disponibilização de espaço nas quintas para a realização de eventos vários desde as pequenas reuniões empresariais às grandes festas como foi o caso do Lançamento da Rota. O Tu-
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rismo em Espaço Rural com uma componente vitícola acentuada e o artesanato regional completam esta oferta. Os serviços estão disponíveis durante todo o ano e as marcações poderão ser efectuadas através da Rota do Vinho do Porto, Associação de Aderentes, situada na Largo da Estação. Apartado 113, 5050-237 Pêso da Régua. O contacto telefónico é o 254/324774 e o fax o 254/321746. O correio electrónico: reservas@rvp.pt, ge ral@rvp.pt, rvp@ivp.pt. O vinho do Porto é um vinho doce, tinto e beneficiado, oriundo do vale quente e seco do Douro. Nele são autorizadas 90 castas das quais só cinco predominam em termos de qualidade. O solo é xistoso pouco espesso e em terraços escavados nas encostas íngremes. Os vários tipos de Porto dividem-se em duas categorias distintas: o Porto Vintage, feito exclusivamente nos anos bons e de uvas de uma única colheita, sendo engarrafado dois anos depois da colheita e amadurecido na própria garrafa; os Portos Single Quinta são Portos Vintage provenientes de uma única propriedade, são por vezes excelentes e amadurecem mais rapidamente do que os Vintage tradicionais; os vinhos Late Bottled Vintage, de um único ano, e os Vintage Character pretende ser um Porto Vintage a preços mais baixos, mas na maioria não o conseguem ser. Melhor é o Porto Crusted ou Crusting mais raro, o qual deixa um depósito na garrafa e precisa de ser decantado, tal como o verdadeiro Porto Vintage. Os outros Portos são amadurecidos em cascos de madeira e ficam prontos a beber logo que engarrafados. Os Tawny velhos, são normalmente de muito boa qualidade, e tipicamente uma mistura de colheitas. São mais leves e com mais sabor a noz do que os Vintage. O Porto branco vai desde o doce ao seco. Mini-rota 1: Baixo Corgo Peso da Régua / Santa Marta de Penaguião / Vila Real / Sabrosa / Pinhão / Lamego
Mini-rota 2: Cima Corgo Alijó / Pinhão / Sabrosa / Sanfins do Douro / Alijó Mini-rota 3: Douro Superior Torre de Moncorvo / Vila Nova de Foz Côa / Freixo de Numão / Carrazeda de Ansiães Rota dos vinhedos de Cister
Esta Rota coincide praticamente com a Região Demarcada dos Vinhos de Távora-Varosa cuja cidade mais importante é Lamego. A ordem de Cister foi fundamental nos períodos difíceis do nascimento da nação portuguesa. São João de Tarouca foi o seu primeiro Mosteiro num território que mais tarde seria Portugal. A Rota de Cister tem dois itinerários: o primeiro itinerário é chamado Caminho dos Mosteiros; e o segundo itinerário, Entre Vinhas e Castanheiros. O primeiro itinerário tem o seguinte traçado: Lamego, Fontelo, Armamar, Sanjoaninho, Goim, Salzedas, Ucanha, Tarouca e São João de Tarouca. É neste itinerário que estão os mosteiros mais importantes, concretamente, a capela românica de São Pedro de Balsemão; a igreja matriz de Armamar com a sua torre quadrangular; o Mosteiro Cisterciense de Salzedas; a Ponte de Ucanha, com uma torre original pois, para além, das suas funções defensivas, servia para cobrar as portagens aos viajantes que por ali passavam; o mosteiro de São João de Tarouca. O segundo itinerário passa por Moimenta da Beira, Rua, Fonte Arcada, Ferreirim, Vila da Ponte, Lapa, Sernancelhe, Sarzeda, Guilheiro, Antas e Penedono. Da Rota de Cister constam as seguintes Adegas: Sernancelhe, Casa da Comenda da Ordem de Malta (Telef.: 254 559189); Quei-
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mada, Casal da Viúva (Telef.: 254 655133); Ucanha, Caves da Murganheira (Telef.: 254 670185); Moimenta da Beira, Cooperativa Agrícola do Távora (Telef.: 254 582406); Solar dos Correia Alves (Telef.: 254 584020); Penedono, Estalagem de Penedono (Telef.: 254 509120); Britiande, Quinta de S.ta Cruz (Telef.: 254 699346); Hotel Rural Convento N.a S.ª do Carmo Freixinho (Telef.: 254 594080); Quinta da Roupica Dalvares (Telef.: 254 679632). Telefone da Rota dos Vinhos de Cister: 254 582428; e-mail: cvrtavora.varosa@oninet.pt.
durante a fermentação dos vinhos; e a aguardente de vinho, incolor que se destila do vinho e que permite obter a aguardente velha, o cognac, o armagnac e o brandy. Foram os egípcios que construíram os primeiros alambiques. Na Idade Media, a destilação do vinho já era considerada a «quintaessência»; a partir de 1730, torna-se habitual o «envelhecimento» de aguardentes; no sec xx evoluíram, essencialmente, na procura de novos gostos e aromas. Na Região do Vinho Verde, nas «Bagaceiras» ainda se mantém dois sistemas: caldeira ou pote (pequenos produtores); coluna e caldeira produtora de calor (grandes produtores). As aguardentes estão bem divulgadas no mercado, e representam um valor económico acrescido e complementam um bom almoço jantar, uma confraternização amiga.
Queijos dop
Os dois únicos queijos que tem dop (denominação de origem protegida), são o queijo terrincho e o queijo de cabra transmontano. Ambos pertencem à Terra Quente Transmontana (Concelhos de Mirandela, Mogadouro, Alfandega da Fé, Freixo de Espada-a-Cinta e algumas freguesias de Vila Real e Macedo de Cavaleiros). Queijo terrincho: é um quejo curado de pasta semi-fina de leite cru de ovelhas da Raça Churra da Terra Quente (Terrinchas). Queijo de cabra transmontano: é um queijo curado extraduro com o teor de humidade de 25 % e 35 % obtido após coagulação do leite de cabra. Agrupamento de Produtores Queijo Terrincho, telef.: 279 258090; Queijo Transmontano, telef.: 278 265465 Aguardentes
As duas categorias de aguardentes: aguardente bagaceira, que provem da destilação dos «Bagaços» das uvas que se utilizaram
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aguardentes mais premiadas
1. Aguardentes de vinho Alvarinha / Delicia: Adega Cooperativa Regional de Monção Adega Cooperativa de Ponte da Barca: Adega Cooperativa de Ponte da Barca Adega Cooperativa Ponte de Lima: Adega Cooperativa Ponte de Lima Cooperativa Agrícola de Felgueiras: Cooperativa Agrícola de Felgueiras Adega Cooperativa de Viana do Castelo: Adega Cooperativa de Viana do Castelo Adega Cooperativa de Amarante: Adega Cooperativa de Amarante Reitor: Caves Monteiro Touquinheiras: José Luís Araújo Ferreirinha: Sogrape
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Aguardente Velha: Palácio da Brejoeira Conde Amarante: Caves da Cerca Quinta de Tamariz: Quinta de Santa Maria Aguardente Velha Reserva 1964: José Maria da Fonseca Aguardente Velha Aveleda: Quinta da Aveleda Conde Vilar: Quinta das Arcas 2. Aguardentes bagaceiras Touquinheiras: José Luís Araújo Palhinhas: Caves Monteiro Cooperativa Agrícola de Felgueiras: Cooperativa Agrícola de Felgueiras Quinta de Alderiz: Caves Pinheiro Casa da Tapada: Casa da Tapada Aguardente Velha: Casa da Tapada Cepa Velha: Cornes Casal de Vinho: Vitorino Mesquita Morgadinho do Minho: Joaquim Miranda Campelo
Vendedoras ambulantes de frutas
Enchidos regionais
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Cabrito do monte
Cozido Ă Minhota
Louça de Barcelos
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Caves de vinho do Porto em Vila Nova de Gaia
Bacalhau
Arroz de tamboril
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Pão-de-ló
Pão de centeio e milho
Doçaria popular
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Toucinho do céu da Casa Costinhas. Guimarães
Doçaria popular, papodos
Prova de queijos
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Prova de vinhos
Vindima no Douro
Espeto de polvo
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III. O MINHO Francisco J. Gil
Matosinhos
Chocos
O Minho, que actua como fronteira natural entre Galiza e Portugal no seu último trecho, é ao mesmo tempo um elemento que vincula as gastronomias de um e outro povo. As águas deste rio, que viaja tranquilo durante os últimos quilómetros do seu itinerário, têm alimentado durante séculos a galegos e portugueses. Os vales são férteis e proporcionam umas hortas bem providas de toda classe de vegetais. Pelos campos de ambas as beiras pastam cabritos, pascem as vacas e estendem-se vinhedos de uva Alvarinho. O Minho, sem tantas pontes, fazia participar a galegos e portugueses de uma informal economia à margem das aduanas, onde se contrabandeava com amêndoas, café, carne, leite, azeite…, nos tempos do racionamento. Existe uma cozinha minhota que se nutre das suas pescarias, que bebe dos seus vinhos brancos e tintos, na qual os seus ribeirinhos intercambiam os alambiques para fazer a aguardente de bagaço. Os tintos são frescos e ácidos, os brancos são jovens, frutados. As adegas portuguesas foram pioneiras ao fazerem da vinicultura uma indústria florescente. Os galegos de Salvaterra, de Arvo (Arbo), das Neves, de Tominho e do Rosal resultaram discípulos aplicados e hoje em dia os vinhos de uma e outra beira praticam uma saudável competência ao mesmo tempo em que mantêm um afável trato irmanado. Existe uma cozinha onde os protagonistas são a lampreia, o sável, o salmão, a solha, as trutas… As enguias escasseiam devido ao excesso de pressão nas pescarias das suas crias. Ali onde a água do Minho vira salobre entram espécies do mar e acomodam-se numa água mais sossegada com fundos arenosos, como a solha.
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Esta recebia a alcunha de o porquinho do rio, pois era secada ao sol e permitia ter uma reserva de peixe em épocas de falta, como acontece com a carne do porco conservada em sal ou o bacalhau que chegava aos portos galegos e portugueses desde as frias águas da Islândia e Terra Nova. Na cozinha minhota os pratos são elaborados. O cabrito, por exemplo, não é simplesmente assado no forno. É servido de muitas maneiras diferentes, com batatas novas da Guarda, com ervilhas, com um jacto de vinho… Um dos paradigmas da cozinha minhota é a lampreia, feita à bordalesa ou bordelesa, que já se tem adaptado tanto e acomodado nas costumes da zona que simplesmente é chamada ao modo de Arvo, guisada no seu sangue e com vinho tinto. A lampreia come-se também em empada feita com massa de farinha de milho —a broa—, enrolada, frita e passada em ovo… As influências das cozinhas galega e portuguesa fusionam-se nesta faixa de terra comum. Encontraremos presente o bacalhau, o caldo verde, os callos ou dobradinha com grão-de-bico, ou cozido, ou lacón con grelos (lacão com couve galega), a matança do porco, os embutidos ou enchidos, as filhos de sangue e, sem dúvida, os mariscos que chegam aos portos onde morre o rio. Quando são elaborados com arroz, na beira portuguesa torna-se mais caldoso, mais condimentado com especiarias; enquanto que na galega é feito mais seco, mas em ambos os casos, trata-se de uma deliciosa transferência de sabores dos crustáceos a um arroz que coloca em seus grãos todo o sabor do mar. Receitas
Solha frita em unto ou banha 1 kg de solhas 150 gr de farinha de trigo
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50 gr de unto de porco 400 gr de batatas sal 1 limão Limpam-se as solhas e cortam-se em pedaços, salvo se forem pequenas. Tempera-se e enfarinham-se ligeiramente. Põe-se uma frigideira ao lume e quando estiver quente, deita-se nela uma pequena porção de unto, ou de toucinho se tivermos optado por esta gordura. Deixa-se espalhar por toda a frigideira e quando começar a fumegar, colocam-se os pedaços de solha, de maneira a ficarem torrados pela sua face exterior e pouco por fora, consegui-lo-emos com uma frigideira a temperatura muito alta e deixando o alimento nela pouco tempo. Numa panela põe-se água a ferver e nela cozem-se umas batatas de tamanho médio. Serve-se em porções individuais, com uma decoração de azeitonas pretas e rodelas grossas de batata cozida. Enguias em molho de amêndoas 1 kg de enguias de tamanho médio 100 gr de amêndoas 2 fatias de pão 3 dentes de alho 1 dl de vinho branco 1 dl de caldo de pescado 1 dl de azeite 50 gr de farinha salsa fresca sal
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Limpam-se as enguias, retirando-lhe os intestinos e a cabeça e cortam-se em pedaços. Enfarinham-se ligeiramente e guardamos. Num almofariz esborracham-se as amêndoas, os dentes de alho, sal, salsa e o miolo do pão. Coloca-se ao lume uma panela com o azeite, douram-se as enguias, acrescenta-se-lhe meio copo de vinho branco e deixa-se reduzir. Imediatamente depois despeja-se igual quantidade de caldo de peixe e a mistura de amêndoas. Tapa-se e deixa-se fazer durante um quarto de hora a lume brando, finalmente serve-se.
a salsa e o alho picados; dois cravos, três ou quatro grãos de pimenta, o sal e uma pitada de raladura de noz-moscada. Deitam-se o azeite utilizado para dourá-la, o vinho tinto, o sangue e o fígado esborrachado. Dá-se-lhe um golpe de lume forte ao fogão, até que reduza o álcool do vinho e a continuação deixa-se cozer a lume brando durante mais meia hora. Serve-se com uma guarnição de arroz branco e torradas de pão frito.
Lampreia ao estilo de Arvo (Arbo) 1 ou 2 lampreias até chegar ao quilo e meio 3 cebolas médias 2 dentes de alho 1 dl de azeite 2 dl de vinho tinto 1 raminho de salsa 3 cravos 5 grãos de pimenta negra raladura de noz-moscada sal Limpa-se a lampreia, ou lampreias, pondo especial atenção de não deixar fugir o sangue. Fazemos uns cortes nas lampreias. Reservam-se os fígados. Põe-se a macerar em vinho tinto no frigorífico durante seis horas no mínimo. Pica-se uma cebola, dois dentes de alho e um ramalhete de salsa. Trituram-se os fígados. Numa frigideira douram-se um pouco as lampreias em azeite, que se guarda. Após este primeiro passo, põe-se uma panela de barro e adiciona-se em frio a cebola,
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Trutas com presunto 4 trutas de uma ração 8 fatias de presunto 1 dl de azeite 4 dentes de alho o sumo de um limão um raminho de salsa sal farinha para enfarinhar Limpam-se e evisceram-se com cuidado as trutas e temperam-se. Abrem-se para temperá-las e põe-se-lhes uma fatia de presunto a cada uma, fecham-se e enfarinham-se. Põem-se uma frigideira ao lume com o azeite. Antes de aquecer deitam-se os dentes de alho em lâminas. Quando começarem a apanhar cor, retiram-se e fritam-se as trutas. Salmão grelhado 4 postas grossas da parte aberta do salmão 1 cl de azeite
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sal 4 batatas médias molhos ao gosto Temperam-se as postas de salmão e reservamos. Lavam-se as batatas, sem descascá-las. Embrulham-se em papel de alumínio, com um pouco de sal, e põem-se no forno a lume forte durante 30 minutos. Numa chapa de grelhar ou em frigideira, rega-se comum pouco de azeite e quando começar a reduzir, passamos as postas de salmão. A frigideira ou grelha devem estar muito quentes para o salmão fazer-se o mais rápido possível. Quando tenha apanhado cor por uma parte vira-se e retira-se quando estiver pronto. Serve-se acompanhado da batata assada com a sua casca, cortada pela metade e os molhos de que gostem os comensais: maionese de alho ou alioli, maionese de tomate ou salsa rosa, molho tártaro e maionese.
IV. GALIZA Francisco J. Gil
Introdução Existe um tópico, que foi estendido durante décadas, sobretudo através das brochuras e folhetos turísticos que mostram a Galiza como destino, onde se invita o viajante a desfrutar de um paraíso gastronómico. Um paraíso cujo cenário é enfeitado com imagens de deliciosos mariscos, abundantes e baratos, fresquíssimos pescados e, pelo geral, uma matéria-prima caracterizada e salientada pela sua qualidade absoluta. Chegou até tal ponto o usufruto deste tópico que para sublimá-lo e recalcar mais costuma acrescentar-se que a gastronomia galega se baseia numa cozinha muito elementar —cozidos, grelhados e pouco mais— que não mascara os sabores primigénios com que a natureza tem dotado tão generosamente o mar, a horta, as pradarias e as montanhas galegas. Como todo tópico, tem uma base de verdade, mas exagerada até tal ponto que esconde uma realidade muito mais complexa. A gastronomia não é uma natureza-morta de santolas, camarões, navalheiras-felpudas, lagostins, percebes ou perceves e lavagantes retratados sobre uma mesa bem surtida de pães, vinhos, pescados e sobremesas. A gastronomia galega é fruto de uma grande diversidade geográfica num território de pouco menos de trinta mil quilómetros quadrados pelo qual têm decorrido séculos de história em que os seus povoadores afrontaram a peremptória necessidade de alimentar-se convertendo-a num sinal de identidade cultural. Os folhetos turísticos falam-nos de uma Galiza de matérias primas de altíssima qualidade e abundância, mas a verdade é que durante séculos esta terra sofreu a pressão de uma alta densidade populacional. A província de Ponte Vedra (Pontevedra) era a mais densamente povoada
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Introdução 131
de Espanha a finais do xix. Nessa época e nos dois séculos anteriores, comarcas do interior nas províncias de Ourense ou de Lugo não dispunham de recursos suficientes para alimentar a tantas almas, quando hoje têm menos habitantes que os que moram numa quadra de prédios em Vigo. Assim, à gastronomia da abundância, de pratos simples porque o importante era a vianda, a cozinha das casas senhoriais, dos paços, dos mosteiros mais abastados, dos cônegos, dos catedráticos de Santiago, dos burgueses ricos de Ponte Vedra, Corunha ou Vigo, há que contrapor a gastronomia da escassez, de apanhar a substância da reduzida dose de carne com osso para fazer um caldo ou um guisado. É a cozinha da que provêm os ensopados, a dobrada com grão-de-bico, as caldeiradas. Ainda lembro ver, a inícios da década de 1970, como em Camarinhas, os arriscados percebeiros que punham a sua vida em jogo nos alcantis próximos ao cabo Vilão (Vilán) para apanhar os percebes que depois iam ser vendidos nos restaurantes de Santiago, da Corunha, de Vigo ou de Madrid, arrancavam das rochas as lapas, um molusco que nem tinha categoria de marisco, para fazer um arroz caldoso ou uma sopa. A pepitória, que não é uma receita galega é introduzida nas cozinhas mais humildes porque com um molho mais pesado permite tirar partido dos esqueletos das aves, ossos com muita pouca carne mas com sabor. Os doces são modestos: torradas de vinho, leite frita, chulas de abóbora ou sonhos de abóbora, iguarias doces, massas fritas… Outra coisa são aqueles que são elaborados em conventos e nas pastelarias urbanas, onde se impõem doces com base de amêndoas, talvez por influências árabes e judias da época medieval, mas em todo caso, porque a amêndoa, como o açúcar e os condimentos como a canela ou a baunilha e, séculos mais tarde o chocolate, eram produtos de luxo. A gastronomia popular tinha muito bem definidas as estações do ano. Havia cozinha de temporada e havia todo um leque para dias extraordinários, em que se «tiraba a casa pola xanela», isto é
que se gastava à larga, sem reparar em despesas. As comidas mais importantes do ano desenvolviam-se no Verão durante as festas populares que implicavam a reunião de familiares e amigos —ainda hoje continua a ser assim em muitos dos povos e aldeias da Galiza porque é o momento em que retornam para passarem as suas férias os familiares emigrados— e também no Inverno, no Natal e no Entrudo ou Carnaval. A produção intensiva tem vindo a democratizar o consumo de certos alimentos. É o caso do frango. Há só quarenta anos podia considerar-se um artigo de luxo, apenas para as festas. O Carpanta, uma das personagens mais populares das bandas desenhadas espanholas da década de 1960, sempre sonhava com um frango ou com um presunto nas edições especiais do Natal onde todas as histórias terminavam com final feliz, Carpanta celebrava o jantar de Natal a comer um grande frango assado e bebendo champanha. O frango cevado era e continua ser um artigo de luxo. O pavipollo, que na Galiza e em Portugal é chamado peru nunca foi competência para um bom capão de Vilalva. Na costa, a Noiteboa ou noite da consoada de Natal é celebrada com umas boas postas de bacalhau das ilhas Feroe ou da Islândia, que após trinta e seis horas a demolhar para dessalgar, é fervido com batatas e couve-flor e servido à mesa com um refogado a base de alhos feita com um bom azeite e pimentão doce (também chamado paprica). O bacalhau era antigamente um produto barato. As casas mais ricas substituíam o bacalhau por um bom ollomol —o besugo— que era apresentado na mesa prévia passagem pelo forno assado com umas batatas e adequadamente condimentado. O Inverno é também a temporada do cozido e quando está quase a terminar, chega o momento culminante do lacón con grelos, a receita emblemática do Entrudo em qualquer lugar da Galiza, seja do litoral ou do interior. Que na Galiza haja mais de quinhentas festas gastronómicas cada ano, a maioria durante o Verão, é um
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desabafo colectivo face a épocas de fome que obrigaram mais de um milhão de galegos a deixar a sua terra para encontrar sustento e futuro na América e Europa, e outro milhão que abandonou o rural para se instalar nas cidades da costa galega uns, e em Madrid, Barcelona, ou no País Vasco ou nas Canárias a maioria.
1. A cozinha do litoral Para fazer um percorrido gastronómico pela Galiza litoral, Vigo é o melhor ponto de partida. A cidade mais populosa da Galiza é também o primeiro porto de pesca de Europa e representa a essência de toda uma indústria alimentar baseada no mar. Os romanos converteram o hábito da pesca numa actividade da qual ainda restam vestígios arqueológicos, como salinas e fábricas de salga. A demanda local estava muito por baixo dos recursos que acolhia o mar de Vigo. Na segunda metade do século xviii chegam os primeiros industriais catalães que se fixaram no bairro do Areal e fizeram prosperar as fábricas de salga graças às quais se subministrava pescado a povoações do interior e foi criado um florescente comércio. À conserva dos alimentos através da salga seguiu-lhe a conserva em azeite, na segunda metade do século xix. Assim, a inícios do xx já constituía uma indústria consolidada que permitiu fazer brotar toda uma rede económica que abrangia desde a construção, a fabricação de maquinaria, o desenho e a criação de embalagens e recipientes, etcétera. O sector conserveiro promoveu a aquicultura na década de 1940, com o estabelecimento de bateias (viveiros flutuantes para a cria do mexilhão) nas Rias Baixas. A terceira revolução chega com o produto congelado, indústria da qual Vigo mais uma vez torna-se pioneira. A partir de 1960, o congelado começa a expandir-se e o seu uso cresce exponencialmente com a popularização do frigorífico com congelador nos lares. Vigo é a principal produtora de pescado congelado e de conservas de pescados de Europa e a metade dos mexilhões que se produzem
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no mundo encontram-se nas bateias das Rias Baixas. Contudo o pescado fresco constitui o principal atractivo para o viajante devido a que em nenhum outro porto é descarregada tanta variedade de espécies. A frota de pesca costeira aporta pescados capturados no próprio dia a muito poucas milhas da costa. A frota da pesca do alto regressa a porto depois de longas marés nos pesqueiros do Grand Sole, a sul da Irlanda, ou de outros pontos do Atlântico. O resultado desta actividade é um repertório de espécies de grande interesse culinário: pescada, tamboril ou pescado-sapo, robalos, pregados, linguados, besugos, cherne, bacalhau…, ou as modestas mas deliciosas sardinhas, areeiros, azevio, cavalas ou sardas, carapaus…, os cefalópodes como a lula e o choco e o rei deles, o polvo, ou crustáceos como a santola, a navalheira-felpuda, a sapateira, a lagosta, o lavagante e o pequeno mas saboroso camarão, tornarem-se protagonistas dos expositores de mercados e peixarias da cidade. Também resulta um espectáculo aproximar-se ao porto de pesca, ao Berbês mediada a noite para ver a descarga dos grandes exemplares de espadarte e tubarão.
sardinha pinga no pão». Chega uma fatia de bom pão onde se deita a sardinha para comê-la, soltando o seu suco rico em ácidos graxos muito saudáveis. Não deitemos fora a pele, que também é comestível e, depois de terminar com a peça, o pão é delicioso. Três sardinhas é uma boa dose. A petinga recebe nas Rias Baixas o nome de xouba, e parrocha nas Rias Altas. As petingas comem-se em empada, refogadas ou, simplesmente, fritas depois de enfarinhadas e acompanhadas com pimentos de Padrão (pementos de Padrón). Hoje em dia a empada é uma entrada que precede até aos mariscos. Contudo, tradicionalmente, esta era uma forma de preparar uma comida de um só prato para levar, já que a massa sobre a qual se estende o recheio converte-se num pão protector, ideal para a viagem, ou para comer no campo no meio da jornada laboral, e nutritivo. O mar oferece-nos, fundamentalmente, pescados brancos e azuis, além de crustáceos, cefalópodes e moluscos bivalves. Pelo geral, os crustáceos comem-se cozidos em água com abundante sal e um par de folhas de louro. É a forma canónica de preparar aquilo que é chamado como mariscada e que é servida numa travessa, na qual se apresentam santola, sapateira, navalheirafelpuda, lagostins e camarões. Os percebes, pela contra, servirse-ão quentes e para a lagosta e o lavagante destinam-se preparações mais elaboradas ou um acompanhamento com molhos. Para os bivalves há receitas de todo o tipo. Desde simplesmente vivos e em cru, como acontece com as ostras, prévio jactinho de limão, até elaborações específicas e autóctones segundo a zona onde se consumam como acontece com as vieiras, amêijoas e leque-variado. O longueirão toma-se, preferentemente grelhada. A verdade é que o marisco não é uma denominação zoológica, mas sim comercial, já que inclui no seu repertório todas as variedades de crustáceos e moluscos marinhos que são comestíveis.
Sardinhas e pescados miúdos
A sardinha foi a base sobre que se manteve a indústria da salga e a conserveira e ainda hoje é um pescado celebrado em numerosas homenagens gastronómicas na cidade e nos seus arredores. A primeira do ano dá-se na noite de São João, na véspera de prender as fogueiras, milhares de pessoas juntam-se para desfrutar de umas sardinhas assadas nas brasas. O lume é feito com lenha miúda, melhor se for fruto da poda das vinhas, e com esse calor, bem salgadas, cozinham-se lentamente as sardinhas. Em São João começa o Verão, a temporada em que a sardinha, como todos os pescados azuis, está no seu melhor momento: «No São João a
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Peixes brancos e pescados azuis
um valor secundário. É ai onde a imaginação dispensa a inferior qualidade do elemento a cozinhar. E assim, aquilo que inicialmente ficava reservado para fazer caldos e sopas de pescado —asas, vísceras e cabeças— propiciou a aparição de criativas soluções em forma de croquetes, empadas, ou cacholas de pescada ao forno, que é a cabeça do pescado convertida em protagonista de um prato de excepção.
Não é a cor o que decide a classificação, senão o seu conteúdo de gordura. O bacalhau é o menos gorduroso dos pescados dos pescados brancos, e a sardinha situa-se entre os mais graxos dos azuis. Para os pescados azuis, se forem pequenos, uma frigideira com abundante azeite quente, é a forma mais simples para a sua preparação. Previamente salgam-se e enfarinham-se. Também é esta a maneira mais comum de comer os azevios, os areeiros (meigas) e os pequenos carapaus, chamados também xurelos ou chinchos. O forno fica reservado para exemplares que fazem uma dose ou de maior tamanho ainda: desde o já referido carapau, sargo, besugo —ollomol na Galiza—, dourada, robalo —também chamada robaliza e róbalo se superar as duas quilogramas de peso por exemplar—, ou a modesta xaputa conhecida também como plombeta. Colocam-se sobre uma camada de cebola e pimento cortado em juliana (às tiras fininhas), com umas batatas em rodelas, previamente alouradas na frigideira com azeite e põem-se no forno, com um pouco de vinho branco, açafrão e fazem-se-lhe umas fendas ou cortes onde se colocam umas rodelinhas de limão. Também podem ser preparados ao sal. Os grandes pescados brancos —pescada, bacalhau e tamboril— podem-se preparar em caldeirada e à galega —cozidos o justo e acompanhados de batatas também cozidas e servidos com um refogado ou estrugido de azeite corado com pimentão doce e temperado com um pouquinho de vinagre, embora isto último seja opcional, segundo gostos—. Igual que é cortada a vitela para a sua venda e consumo e cada parte dela tem um uso culinário, os grandes pescados oferecem diferentes possibilidades segundo sejam feitos os cortes em rodelas —na Galiza denominam-se toros—, em filetes e em fatias. O próprio corte já proporciona uma discriminação de qualidades e deixa elementos do corte que têm
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Tamboril, rodovalho, martinho, o fim dos malditos
A variedade de espécies que é hoje em dia consumida não tem nada a ver com aquela que chegava às peixarias das grandes cidades há quarenta anos. Havia pescados que tinham quase a condição de malditos. O tamboril, ou mais comummente pescado-sapo na Galiza, era um deles. O seu aspecto terrífico e a sua enorme cabeça faziam-no pouco interessante desde o ponto de vista comercial. O tamboril apenas saia das localidades marinheiras onde se elaborava em caldeirada, guisado, em salpicão ou simplesmente panado. O mesmo acontecia com o rodovalho (curuxo ou coruxo na Galiza), um primo carnal do pregado face ao qual fica completamente excluído. Tamboril e rodovalho eram usados muitas vezes para «levar gato por lebre» ou «dar gato por lebre». Bem cozido com umas folhas de louro, a carne do tamboril, branca e com textura e consistência similar passava por salpicão de lagosta para os turistas. O rodovalho era vendido por prego. Na Galiza hoje em dia quase ninguém denomina pescado-sapo ao tamboril, mas sim rape, e as suas qualidades gastronómicas são evidenciadas na cozinha tradicional e na mais inovadora. O rodovalho finalmente conseguiu passar ao quadro honorário —consideração que implica que custe entre 20 e 30 euros o quilo— igual que o pescado-galo
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(martiño, san martiño ou san pedriño) o qual pode ser levado à mesa de mais uma dúzia de maneiras possíveis. Vigo é uma cidade gastronomicamente bem abastecida, dado que aos seus recursos naturais procedentes do porto pesqueiro há que acrescentar-lhe os que lhe oferta a relação com as comarcas próximas. Entre elas convém salientar o Rosal, uma pequena zona do Baixo Minho, que compreende a geografia do município que lhe dá nome (O Rosal) e os seus vizinhos Tominho e Óia. Assentado sobre a margem Norte do Minho, a sua orientação para o sul e a protecção que os montes lindantes fazem dos ventos dominantes proporciona-lhe um microclima particular. Poderíamos apontar que o Rosal é o trópico da Galiza uma vez que nas suas hortas são cultivadas, além de numerosas frutas e hortaliças, um inúmero de variedades próprias de climas muito mais cálidos, com a peculiaridade de poderem desfrutar aqui de uma maior contribuição de água e humidade. É o caso do kiwi, a goiaba, a mirabela, o abacate e mais espécies que frutificam em pequenas quantidades porque a maioria do seu chão cultivável encontra-se agora dedicado aos vinhedos, matéria da qual hemos-de ocupar-nos no capítulo dedicado à Denominação de Origem Rias Baixas. Nos arredores de Vigo, e nesse caminho apanhado cara o Baixo Minho, justo na sua desembocadura encontrar-nos-emos com a vila da Guarda. Famosa pelo seu porto de pesca em mar alto, dispõe de duas peixarias de grande interesse gastronómico. Uma de pesca do alto, protagonizada por palangreiros (barcos de pesca à linha com a arte do palangre) que viajam cara o Atlântico Sul à captura do espadarte. Outra de litoral que com nassas a bordo de lanchas com motor de popa (botes, chalanas e gamelas) abastece de lagostas e lavagantes a mercados galegos e de toda Espanha. A Festa da Langosta, o último domingo do mês de Junho certifica qual é a rainha dos mariscos nesta costa.
A viagem por toda a ria Vigo é um périplo por pequenas vilas marinheiras. A primeira que encontraremos ria adentro, depois de deixar a cidade é Redondela, conhecida como a vila do choco e em poucos lugares de Espanha é cozinhado este cefalópode de tantas maneiras diferentes: na sua sépia, refogado, em empada, em pizza, com arroz… Aos mediados de Maio uma festa gastronómica põe a prova a imaginação dos cozinheiros deste município. Arcade celebra um mês antes, em Abril, a Festa da Ostra. Esta pequena vila nascida ali onde a ria de Vigo e o rio Verdugo misturam as suas águas é uma das que mais marisqueiras acumula por quilómetro quadrado de toda a costa galega. Actualmente a ostra, igual que o mexilhão, também é cultivada em viveiros flutuantes que poderemos avistar quase ao longo de toda a nossa viagem pelo interior da ria de Vigo. Na península do Morraço (Morrazo), o braço montanhoso que se insere entre as rias de Vigo e Ponte Vedra, veremos sair dos portos de Moanha, Cangas e Bueu os pequenos barcos que pescam a muitas poucas milhas da costa. Não podemos esquecer que é terra também de moluscos. Ademais dos mexilhões que vemos nas bateias, ou as ostras, há marisqueiras de berbigão, amêijoa e vieira. Esta produção, extraída durante a temporada em que é levantado o veto, ocupa a milhares de pessoas, geralmente mulheres, nos areais das rias de Vigo, Ponte Vedra e Arouça. Bueu e Cambados disputam-se a fama pelas suas vieiras, a quem está dedicada uma festa a finais do mês de Outubro em Bueu. Carril faz o próprio com as suas amêijoas que já alcançam quase condição de denominação de origem. Embora já tenhamos referenciado os mexilhões galegos, que representam cinquenta por cento da produção mundial e foi uma espécie pioneira no uso da aquicultura em Europa, nunca será suficiente a obstinação por difundir e recomendar o seu consumo. O mexilhão não requer grandes esforços na cozinha: abri-los ao
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vapor numa larga e funda panela com dois dedos de água, três folhas de louro e uma boa pitada de sal. É uma acção que dura pouco mais de cinco minutos. A seguir comem-se, quando estiverem frios, depois de salpicados com umas pingas de limão, ou acompanhados de um molho vinagreta (molho típico da cozinha mediterrânea preparado a base de vinagre). Fazer um molho escabeche já pressupõe alguma ciência porque as receitas dos bons escabeches são alguns dos segredos de família melhor guardados. Até nas conserveiras sabem disso: não existe uma marca de mexilhões em escabeche que tenha o mesmo sabor que outra. O equilíbrio entre o azeite e o vinagre exige a subtileza de um afinador de pianos. Conforme remontamos a costa cara o norte, depararemos com similares espécies de pescados, mas com um jeito diferenciado de elaborá-los. Nas zonas de águas mais calmas, onde abunda o lodo e os espaços ocos entre as rochas é possível capturar grandes congros, que costumam ser cozinhados com aletria num refogado muito saboroso. Há pescados aos que lhes ficam muito bem os refogados, como acontece com o cação, também chamado perna-de-moça, um pequeno tubarão, e às suas primas as raias e às enguias. As rochas escarpadas da Costa da Morte e da faixa litoral cantábrica são próprias para o percebe. Elaboram-se algumas receitas que têm os percebes como ingrediente principal ou de acompanhamento, mas nenhuma é comprável com a simples fervura em água com abundante sal e louro, muito pouco tempo, e tomá-los quando ainda estiverem quentes. Ao colocar um percebe na boca e mastigá-lo produz-se uma explosão de sabores marinhos intensificados pela textura consistente que apresenta. Não podemos esquecer neste périplo pela cozinha litoral o rei dos pescados do cantábrico: o bonito do norte, aquele atum que é
pescado no Atlântico Norte. A época da pescaria do atum decorre desde as últimas semanas da Primavera até bem avançado o Verão. Os portos de Cedeira, Celeiro e Burela constituem a maioria da frota pesqueira galega dedicada a esta pescaria que é complementada, quando possível, com a pescaria do biqueirão ou boqueirão. Antigamente o atum não fazia parte das ementas familiares e ficava apenas reservado para os restaurantes, uma mínima parte, e para a indústria conserveira na sua maioria. No presente é cada vez mais alargado o uso do bonito no repertório gastronómico do Verão. Grelhado, em escabeche, com molho de tomate, em marmitako (guiso tradicional da cozinha basca), num guisado, em empada, ou cozido para depois preparar uma salada, todas as possibilidades contribuem ao seu uso. A costa e os vegetais
Na cozinha litoral, não tudo é pescado nem mariscos. A carne também acompanha, mas dela ocupar-nos-emos mais pormenorizadamente no apartado da cozinha do interior. Outra coisa são os vegetais, já que a horta pode encontrar-se a muito poucos metros do mar. O inseparável acompanhante de uma boa fritura de pescados miúdos —petingas, carapaus, salema, biqueirão e azevio— é uma travessa de pimentos de Padrão, próprios, mais concretamente de Hervão (Herbón), uma das freguesias deste município corunhês onde primeiro aterrou o corpo do apóstolo Santiago, segundo a tradição do santo, quando chegou à Galiza por mar. Outros pimentos não menos importantes são os mais carnosos. À chegada do mês de Abril, as feiras locais expõem para a venda as pequenas plantas de tomates, pimentos, cebolas e alfaces que são transplantadas aos terraços dos pequenos hortos para se tornar um delicioso acompanhamento de qualquer prato
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ou numa boa salada, durante o tempo estival. O cachelo ou batata cozida com a sua casca também é uma boa companhia para os peixes grelhados e o polvo. As alfaces do país são sucosas e de uma textura mais elástica que as estaladiças do tipo iceberg ou alongada —também chamada orelha-de-mula— também são plantadas escarolas. A salada, com alface, tomate e cebola é inseparável numa mesa onde são servidos pescados fritos ou à romana, mas também onde houver uma carne assada, seja de porco ou de vitela. Na Galiza, e isto é comum na costa e no interior, o tempero das saladas é feito com azeite e vinagre ligados generosamente.
Com as sapateiras já frias, abrem-se e partem-se. Este é o momento mais chato do processo já que tem de ser separada a carne da carapaça. Evidentemente, a parte mais fácil de fazer é a que corresponde com as grandes patas e de facto há quem faça este tipo de salpicão apenas com as patas grandes da sapateira. Quando dispusermos da carne limpa de qualquer vestígio de carapaça, coloca-se numa travessa e enfeita-se com uma decoração vegetal, de alface e tomate ao seu redor e põe a arrefecer no frigorífico. Prepara-se uma vinagreta, com todos os ingredientes sólidos muito picados (cebola, pimento, ovo cozido), e tempera-se com sal. Misturam-se num frasco com o azeite e o vinagre e mexe-se, até podem ser agitados até conseguir-se uma emulsão tão homogénea como for possível e que pode ser corada com os corais, se os houver. Experimenta-se, se tivesse pouco vinagre acrescentase-lhe um pouco mais. Tempera-se o salpicão com parte da vinagreta e o que ficar coloca-se numa molheira para os comensais ajuntarem mais caso desejarem.
Salpicão de sapateira 2 sapateiras de entre 1 kg e ½ cada uma sal louro Vinagreta 2 dl de azeite virgem extra ½ dl de vinagre de vinho 1 ovo cozido 1 cebola média salsa 1 pimento morrone sal Numa panela com abundante água, louro e sal colocam-se as sapateiras quando esta tenha começado a ferver. As sapateiras devem estar ainda vivas. Terão de permanecer entre 25 e 35 minutos a lume forte depois de ter começado a ebulição com eles na panela. Retiram-se da água e deixam-se arrefecer.
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Polvo à feira 1 polvo de 1,5 kg 4 batatas médias azeite virgem pimentão doce pimentão picante sal Primeiro há que conseguir um polvo. Se for fresco tem de ser maçado. Mas é um trabalho pesado que poderá ser elidido se pomos ao cefalópode entre 24 e 48 horas no congelador. Se o polvo for congelado, obvia-se o passo antes citado. Lava-se cui-
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dadosamente para evitar porcarias afixadas às ventosas e a gelatina viscosa que o recobre. Tiram-se-lhe a boca e as vísceras e fica pronto, assim, inteiro. Põe-se ao lume uma panela suficientemente grande e com abundante água. Aqui não prestam nem panela de pressão nem técnicas de cozinhar com pouca água. Terá de ser uma boa quantidade de água. Quando entre em ebulição, introduz-se o polvo uma vez e tira-se. Repete-se duas vezes mais esta operação e deixa-se finalmente ficar na panela. É fundamental esta manobra que tradicionalmente é denominada assustar o polvo, para a pele não se libertar. Ajuntam-se as batatas, cascadas e inteiras. Passados entre 35 e 40 minutos de cocção a lume forte, as batatas e o polvo já estarão cozidos. Mantém-se, fora do lume, mas ainda dentro da água quente durante quinze minutos mais e, quando for a ser servido escoa-se e separa-se para uma travessa. Corta-se em pedaços, põe-se em pratos de madeira. Também pode partir-se a cabeça e servi-la. Pode acompanhar-se cada prato com uma batata que esborracharemos com o garfo. Tempera-se com sal e uma mistura de pimentão doce e picante a gosto. Pelo geral, se houver crianças, costuma diminuir-se a quantidade de pimentão picante. Finalmente, borrifa-se um pouco de azeite virgem e serve-se.
Abrem-se as vieiras e limpam-se. É preciso elas estarem vivas. Tira-se a concha mais lisa e elimina-se da outra concha todas as vísceras do molusco, com excepção da vianda branca e a língua alaranjada que a rodeia (por acaso, o brilho e intensidade da cor dessa língua indicará a qualidade do exemplar). Reservam-se. Corta-se a cebola em brunois (corte em cubinhos pequeninos) e a aloura-se numa frigideira com azeite, tempera-se e retira-se. Pode dar-se-lhe um toque de cor com pimentão doce. A cada uma das vieiras junta-se-lhe uma pitada de pimenta branca e a salsa picada. Acompanha-se cada uma delas com um par de colheradas da cebola e polvilha-se com o pão ralado. Põem-se uns grãos de sal e leva-se ao forno, a lume forte durante sete ou dez minutos.
Vieiras ao forno 8 vieiras de bom tamanho 1 kg de cebola 1 dl de azeite 150 gr de pão ralado 2 pés de salsa fresca 1 pitada de pimenta branca sal
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Amêijoas em molho verde 1 a 1,5 kg de amêijoas 1 cebola grande ou duas médias 1 folha de louro 1 ramalhete generoso de salsa 1 dl de azeite 1 pouco de vinho branco sal Põem-se as amêijoas de molho em abundante água com sal para soltarem as areias. Numa caçarola com uma camada de água, uma folha de louro e sal, passam-se ao vapor as amêijoas, até elas abrirem. É uma operação que dura menos de cinco minutos. Numa panela douramos a cebola picada e a salsa, também picada. Ajunta-se a água da cocção das amêijoas e um pouco de miolo de pão e verte-se um pouco de vinho branco. Deixa-se engrossar e quando já tiver reduzido ligeiramente, incorporam-se
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as amêijoas. Remexe-se de quando em vez para conseguir que o molho e as amêijoas misturem os seus sabores e passados dez minutos ficam prontas para serem servidas.
Apanha-se a massa, divide-se em duas partes, e estende-se uma delas para fazer a base sobre a placa do forno, enfarinhada ou untada em azeite para evitar que fique colada durante a cozedura. Estendem-se uniformemente por toda a empanada, sobre essa cebola, os filetes das petingas. Entre os espaços que fiquem deixam-se cair uns cortes de presunto e uma tirinhas de pimento morrone. Fecha-se com a outra camada de massa modo de tampa que, previamente ter-se-á estendido com o com um rolo de cozinha. Faz-se uma trança da tampa com a base nos laterais da empada, que formam o bordo, e abre-se um buraco central que servirá de ventilação à empada. Pincela-se com ovo batido estendendo-o por toda a superfície e mete-se ao forno 30 ou 40 minutos a lume forte.
Empanada de xoubas 700 g de petingas 1 kg de cebolas 1 pimento morrone 1 pitada de pimentão doce 100 gr de presunto ou chouriço sal Massa para a empada 1 kg de farinha de trigo 5 gr de levedura água em quantidade suficiente sal Põe-se a farinha, previamente tamisada, como se fora uma montanha. Faz-se uma cratera. Esquenta-se um pouco de água e quando estiver morna dissolve-se nela a levedura e o sal. Agrega-se a água à farinha e mistura-se a massa que começaremos a ligar. Junta-se farinha e amassa-se até que a pasta já for uma massa que não fique colada nos dedos. Põe-se sobre um prato e cobre-se com um pano durante meia hora para que fermente a temperatura ambiente. Entretanto, fazem-se filetes com as petingas sem espinha, cabeça nem vísceras com extremo cuidado para não as deteriorar. Salgam-se. Numa frigideira, doura-se a cebola cortada em juliana, retira-se do lume, deixa-se arrefecer um pouco e dá-se um pouco de cor com o pimentão doce.
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Rodovalho refogado 1 rodovalho de 1,5 kg 250 gr de amêijoas 50 gr de ervilhas 100 gr de camarão sem carapaça 150 gr de cebola 1 tomate pequeno maduro 1 dente de alho 50 gr de pimento verde 50 gr de pimento vermelho 1 dl de azeite 1 dl de vinho branco 3 dl de caldo de peixe 1 molho de salsa fresco sal pimenta branca
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Põem-se de molho as amêijoas em água com sal para largarem a areia durante quatro ou cinco horas. Limpa-se e corta-se o rodovalho em pedaços de equivalente grossura. Tempera-se com o sal e a pimenta e guarda-se. Encalam-se os camarões em água durante 1 minuto. Deixa-se arrefecer e cascam-se. Põe-se ao lume uma panela com o azeite. Cortam-se em juliana a cebola e os pimentos as ervilhas e o vinho branco e deixa-se reduzir. Agrega-se o tomate triturado sem pele nem sementes. Remexe-se e acompanha-se das amêijoas e os camarões. Por último, põem-se os pedaços de rodovalho, o molho picado e o caldo de peixe. Deixa-se fazer cinco minutos a lume muito forte e baixa-se a lume brando durante um quarto de hora. Retira-se do lume e deixa-se repousar dez minutos.
Desfolha-se a couve-flor e corta-se em pedaços, mais ou menos, do duplo de tamanho que as batatas. Lava-se tudo. Põe-se ao lume numa panela de grão tamanho, com água suficiente. Deitam-se as batatas e a couve-flor. Deixa-se que ferva e cozer durante quinze ou vinte minutos. Nesse momento, incorpora-se o bacalhau, salga-se e deixa-se seguir a cocção durante mais dez minutos. Finalizado esse tempo, escorre-se a água. Numa frigideira põe-se azeite e quando já estiver a uma boa temperatura, douram-se os dentes de alho cortados em lâmina. Retira-se do lume e deixa-se arrefecer um bocado. Neste momento, acrescenta-se o pimentão doce e remexe-se. Também podemos diluir previamente o pimentão doce num pouco da água usada na cocção e deita-se depois sobre o bacalhau, a couve-flor e o resto dos ingredientes. Serve-se quente.
Bacalhau com couve-flor 1 kg (peso sem demolhar) de postas grossas de bacalhau 600 gr de couve-flor 4 batatas médias 2 dl de azeite 4 dentes de alho 1 pouco de malagueta pimentão doce sal Põe-se de molho o bacalhau durante 36 horas, no mínimo, em água fria, que mudaremos seis vezes. Se as postas forem muito grossas, prolongar-se-á a demolha a 48 horas. Finalizado o processo, o reserva-se. Cascam-se as batatas e cortam-se em metades, em quatro se forem muito grandes, ou podem ficar inteiras se forem pequenas.
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2. A cozinha do interior Não se pode falar de uma, mas sim de muitas cozinhas do interior. Todas elas enriquecem a gastronomia galega e conformam-na. O nosso ponto de partida será Ourense cidade. A escolha é obvia por tratar-se da capital da única província galega que é completamente interior. Desde os seus limites orientais, até a fronteira ocidental com a província de Ponte Vedra, é uma província onde predominam as montanhas e os rios: o Minho, o Sil, o Arnóia, o Tâmega, o Límia…, e grandes mares interiores formados artificialmente pelos açudes de exploração hidroeléctrica. A oferta gastronómica de Ourense é muito ampla. O viajante sentirá a tentação de conhecer a fundo os fundamentos da cozinha tradicional, baseada em carnes de vacum e porcino de primeira qualidade e um campo que proporciona boas hortaliças e verduras. Um passeio pelo mercado de Ourense pode mostrar-nos uma ideia dessa riqueza agrícola dos arredores da capital, pelos balcões que se estabelecem tanto dentro do recinto como nos seus arredores. A afluência será maior nos dias de feira, os dias 7, 17 e 26 de cada mês. Pelo geral, o campo na Galiza explora-se em regime de minifúndio e isto faz com que muitas das bancas de venda de cebolas, tomates, feijões, etcétera sejam regentados pelas mesmas pessoas que cultivaram esses vegetais. Nos dias de feira, em Ourense encontrar-nos-emos com dois pratos que fazem parte da quinta essência da comida popular: a carne ao caldeiro e o polvo à feira. Polvo em Ourense? Sim. E quem está a escrever que é de porto de mar e conhece à perfeição a magnífica qualidade dos polvos de Ons, de Bueu, das Rias Altas e Baixas ou da Marinha
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luguesa, nunca irá contradizer a quem assegura que o polvo à feira melhor preparado come-se em Ourense, no Carvalhinho e, pelo geral, nas feiras desta zona da Galiza interior. A carne ao caldeiro, há quem diga que é uma das receitas herdadas dos nossos antepassados os celtas e que igual que as filhós forma parte da herança comum das sete filhas de Breogán. Polvo e carne ambos cozidos em grandes panelas, quase sempre ao ar livre enquanto os paisanos realizam as suas transacções comerciais nas feiras, representam junto a empada, a opção mais adequada para uma feira ou uma festa multitudinária. É o catering galego por excelência para os eventos multitudinários, já que consta de um entrante, a empada, proteínas do mar e da terra e fecha-se com uma contundente e boíssima porção de bica. Pelo geral as festas desta natureza surpreenderão pela qualidade do produto. O contraponto é dado pelo vinho, geralmente tinto, que sempre será aconselhável ingerir devidamente diluído em gasosa.
explicações que aparecem ao respeito, a mais literária é aquela que justifica a matança como um acto festivo e de carácter social porque foi promovido pelos conversos, judeus e muçulmanos passados ao cristianismo para não ter de fugir no período de persecução, fazendo assim manifestação pública da sua cristandade. O Levítico, e copiando dele o Alcorão também, impõem entre as suas normas a proibição do consumo de carne de porco. Fazer do não cumprimento desta norma uma questão social foi a causa de que a matança tivesse adquirido tanta relevância. Mesmo a explicação anterior resultar verossímil não quer dizer que seja certa. O porco é o grande aliado do Inverno nas casas do rural galego. A sua alimentação é tão variada que pode ir desde todo o tipo de frutas e vegetais até amassadas feitas a base dos restos orgânicos da alimentação familiar: as cascas de batatas, cebolas, os restos de verdura, frutas, pão, e até de carne, reservados numa lata e que eram chamados no passado por lavagem, lavagem na Galiza. A lavagem não era apenas a da própria casa. Às vezes, quem tinha um ou dois porcos na casa e várias galinhas, acostumavam ir até as cidades onde um contado número de casas também participava nessa operação de colheita selectiva de resíduos orgânicos —muito antes de existirem campanhas institucionais— para apanhar a lavagem semanalmente. Uma mulher era quem habitualmente ficava encarregada desta operação. O recipiente era uma lata vazia de 5 litros de azeite que, uma vez cheia apanhava-se e ajudava a alimentar aos seus animais. Com uma «clientela» habitual na vila ou na cidade, assegurava uma parte importante da alimentação dos seus porcos e as suas galinhas. O que é que tiravam em limpo as donas de casa que colaboravam separando o resíduo orgânico? Pelo geral, a senhora que fazia a colheita pagava em espécie, embora modestamente, esta colaboração: por vezes esfregava as escadas da casa, ou oferecia-lhe um dos frangos bem criados e vivos pelo Natal, uma garrafa de licor café, ou umas garrafas de vinho do país. A troca
A matança
A comida vendida nas feiras não representa mais do que uma mínima parte do repertório de pratos e produtos que as terras do interior da Galiza ofertam ao viajante e desde Ourense, podemos escolher qualquer rumo, qualquer ponto cardeal cara o qual nos dirijamos que sempre nos deparará um bom repertório de alimentos de qualidade e pratos bem trabalhados. A data gastronómica por excelência em Ourense é o São Martinho. É festa local e é o momento em que começa a época da matança. A gastronomia do interior da Galiza não pode ser imaginada sem a matança do porco. Por que é que na Galiza este acto tem tanta tradição? Não acontece o mesmo com o sacrifício de nenhum outro animal, nomeadamente o novilho, os capões ou um anho. Entre as muitas
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resultava conveniente para ambas as partes. Naquela época, não havia lixo nas casas, senão a lavagem e o pó. O pó eram os resíduos inorgânicos, mas bem escassos já que todos os líquidos —vinho, leite, cerveja, gasosa, água…— chegavam a casa em embalagens restituíveis. Os papeis e cartões eram reciclados e o plástico era um produto muito escasso. É claro que, às compras ia-se com uma cesta o um saco comprado para isso e não havia a proliferação de sacos de plástico que na actualidade somam milhares de milhões anuais amandadas ao lixo cada ano só em Espanha. É assim então, como o porco, além de contribuir para a sobrevivência no rural ajudava à reciclagem urbana até a década de 1970 quando começa a era da opulência. Por isso que a matança, embora sendo uma tragédia animal, supunha uma jornada de abundância e fartura onde era realizava. A verdade é que a potência de uma casa de lavoura media-se pelo número de presuntos que pendurava na sua adega para afrontar um Inverno com poucas alternativas para a alimentação, pois o peixe, fonte de proteínas no litoral, dificilmente chegava às terras do interior. O sacrifício do porco requeria muitas mãos ao longo de vários dias. Primeiro é morto o animal por um experto magarefe ou açougueiro que deve desferir uma facada certeira para que seja mortal e ao mesmo tempo permita que o animal se dessangre enquanto o coração continua a latejar. Outras mãos ajudam a manter imobilizado o animal enquanto é realizado o sacrifício. Depois chega o momento de chamuscar as suas cerdas e limpá-las. O porco pendura-se até ficar totalmente dessangrado. O sangue é aproveitado no mesmo dia para fazer filhós ou nos dias a seguir para fazer as morcelas, com pinhões e arroz. Uma vez o porco é aberto, todo é benefício. O fígado come-se frito em bifes, cortado em pedaços e encebolado ou em molho verde. No passado a própria gordura do porco era o equiparável ao azeite actual. Durante os dias seguintes à matança lavam-se e salgam-se os presuntos, lacões ou pernis e salgam-se os presuntos defumados, os pernis, a cabeça —cacheira
ou cachucha— o rabo, os toucinhos lardo e entremeado, a costela, o unto, preparam-se as tripas ou dobrada para fazer os chouriços e o estômago para o butelo ou bucho, segundo for a zona onde estiver a ser feita a matança. Prepara-se a zorza com a qual são feitos os chouriços. A zorza (carne adubada) também pode comer-se sem ser em enchido e, de facto actualmente é um dos pratos típicos da cozinha interior. O objecto destes trabalhos é preparar uma provisão de carne com a qual fazer face aos duros Invernos nos quais a horta é quase improdutiva, as galinhas mal põem ovos, e tudo o que se come requer ser previamente comprado. Numa economia de subsistência quanto mais for poupado na aquisição de alimentos, mais disponibilidade há para salvar outras necessidades. Assim era num passado não tão longínquo. Actualmente, nas terras baixas, próximas ao Sil e ao Minho e, pelo geral onde o Inverno é húmido e benigno, quase não curam os presuntos defumados nem os presuntos, pernis ou lacões, porque o clima não ajuda, e então a maior parte da carne é destinada para a elaboração de enchidos. Os chouriços galegos têm uma fama bem merecida, especialmente nas províncias de Lugo e Ourense e na parte interior da de Ponte Vedra. Além de uma matéria-prima de qualidade, é preciso dar-lhe o justo ponto de arejo e defumado. Os mais frescos, passadas umas poucas semanas comem-se fritos que fazem boa companhia a um par de ovos. Depois já se lhes destinam outros usos: para ilustrar um caldo de legumes e/ou verduras, umas lentilhas estofadas ou como co-protagonistas de um cozido ou uma boa travessa de lacão com grelos. Também são tomados com a couve-galega ou grelos e com nabiças acompanhados por umas batatas cozidas. Com a chegada do Verão, senão foram conservados num lugar que refreie a sua natural tendência a curar, estarão para comer em cru. Merecem especial atenção os chouriços e morcelas de cebola, com os seus característicos sabor e aroma que se transmitem de maneira muito intensa ao resto dos ingredientes com que
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comparte panela. De facto, exceptuando que intencionalmente seja pretendido esse objectivo, como é o caso do caldo de feijões, favas ou feijões verdes, o apropriado é cozê-los sempre por separado, questão que será tratada quando nos refiramos ao cozido. E já agora, falando em caldo de feijões —ou fabas—, Galiza tem-nas de qualidade exemplar na província de Lugo. São as de Lourençã (Lourenzá), de bom tamanho e um sabor extraordinário se forem comidas no mesmo ano da sua colheita.
nação de origem protegida para o lacão galego, sempre que cumpra determinadas características. A primeira delas é que terá de ser de porco de raças autóctones ou já estabelecidas na Galiza. O seu engorde deve realizar-se com produtos naturais —castanhas, landras ou bolotas, nabos, etcétera— e deverá ter no mínimo seis meses de idade e pesar mais de 90 quilos. Sob esta denominação acreditada com a sua correspondente etiqueta numerada de controlo, são produzidas por volta de seis mil peças ao ano. Trata-se de lacões curados ao frio depois de um processo de salga, lavado e assentado, no qual está permitido o defumado. As peças têm um peso médio de entre três e três quilos e médio. O seu sabor é intenso, potenciado pelo sal cuja presença não deve ser excessiva e a gordura substancial que se dilui com o músculo. No momento de desmanchar o suíno, há que salientar também a androlla e o botelo ou butelo, botillo no Bierzo espanhol. Faz-se com o estômago do animal, que é recheado com porções magras de carne e costela com o seu osso, e tudo oportunamente adubado. Após o período de cura coze-se com batatas. É muito próprio da Galiza oriental e dispõe de várias festas de exaltação gastronómica, a androlla, em Návia de Suarna (Lugo) e em Viana do Bolo (Ourense), e o botelo na comarca do Valdeorras (Ourense) e a Fonsagrada (Lugo). É um prato contundente e uma amostra de que do porco tudo é proveito.
Presunto defumado e pernis ou lacões
De onde é que são os bons presuntos galegos? De ali onde faz frio no Inverno e podem curar-se ao sopro gélido e seco do vento do norte. O presunto necessita sal, mas sobre tudo baixas temperaturas. As montanhas lucenses, desde a Fonsagrada até o Courel, o sistema montanhoso central ourensão e a Paradanta pontevedresa oferecem essas condições adequadas. A Caniça tem fama de bons presuntos. Ao constituir-se antigamente como um ponto de paragem na viagem para Madrid desde Vigo ou a Vigo desde Ourense, a maioria dos estabelecimentos hoteleiros vendia centos de sandes de presunto por dia. Ali é celebrada actualmente a Festa do Presunto. Mas como já foi referido nada lhe têm de invejar os bons presuntos de Lugo e de Ourense. O importante num presunto para além da sua seca é a própria natureza do porco utilizado assim como a sua dieta. Estas questões influem nas quatro extremidades, as traseiras ou presuntos e as dianteiras ou pernis, denominadas aqui lacões. O lacão quase nunca é curado ao estilo do presunto; ou, quando menos, não costuma ser consumido cru, senão cozido, com grelos, no cozido galego ou noutro tipo de pratos, ou para tomar em fiambre, previamente cozido e desossado e até mechado (recheio de toucinho) ou trufado (recheio de trufas). Galiza dispõe de uma denomi-
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A terneira
A carne de vacum encontra-se presente em toda a Galiza. A denominação de origem que reconhece a indicação geográfica protegida de Terneira Galega abrange todo o território da comunidade e há produção tanto em explorações próximas do litoral quanto no interior. No passado, costumava-se dizer que a carne que era abatida
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em Vigo era do melhor que existia em todo o país e este facto era atribuído à circunstância de que o matadouro estivesse situado justo à beira do mar, em Alcavre (Alcabre), onde hoje é o Museu do Mar. O arejamento post mortem ao pé da baía conferia-lhe à terneira um aroma singular. Embora, as pessoas que moravam nas cidades da costa sempre apreciassem a qualidade das rabadelas, os jarretes ou as costelas comprados em Ferreira de Pantão —de onde casualmente eram a maioria dos motoristas de eléctricos em Vigo— e de outras localidades do interior de Lugo e Ourense. A carne da terneira galega é suculenta, de cor rosácea tendendo ao vermelho intenso, segundo a idade e a raça, se as peças estiverem bem cortadas e bem cozinhadas irão demonstrar que são tenras e macias. As costela e entrecostos —os entrecottes— não precisam mais tratamento que passar pela frigideira ligeiramente adubados com alho e salsa, ou por uma grelha bem aquecida. O jarrete toma-se guisado, com batatas cortadas em pedaços, o assado em panela acompanhado de cebola, pimento e cenoura, e aromatizado por um bom banho de conhaque. Nas terras do interior, tanto de Ourense como das comarcas altas de Ponte Vedra, prepara-se a richada: peça da carne cortada em quadradinhos de tamanho médios, como para um ragout (tipo de refogado), e passada pela frigideira com uma cebolada (normalmente com pimentão e cebola) e um pouco de vinho. A richada serve-se acompanhada com batatas cozidas ou com batatas fritas, segundo o gosto da zona ou o desejo do comensal. Pelo geral, a gastronomia galega evita a passagem da carne de terneira pelo forno, apenas se se tratar de uma empada. A carne assada também é feita em panela, primeiro a lume forte para cauterizá-la e que não perca o seu próprio suco e depois mais lentamente até ficar tenra, no seu ponto. A fressura da terneira é a prova de que não só do porco é tudo proveito. No repertório gastronómico galego iremos encontrar refogados para a cabeça, para o rabo e para todos os pedaços que
se encontram entre ambos extremos. A pata, a dobrada, os rins, o coração, o osso da mão (também chamada canela ou mocotó)… Tudo passa pela panela. E já agora que falamos em vitela e porco, há que apontar que na Galiza ambas as espécies estão bem fixadas quando passam pelos fogões. A prova está na variedade de ensopados como o de grão-de-bico com pata –de vitela, mas acompanhado de bocadinhos de presunto ou chouriço–, ou os chamados callos, em que mais uma vez vitela e porco partilham mesa e toalha depois de passarem pela mesma panela durante um par de horas. Mas de todos os pratos, o mais emblemático, o pai de todos os pratos, é o cozido. Os livros de receitas gastronómicas forâneos e os restaurantes que redigem as suas ementas para os turistas chamam-lhe de pote galego, uma denominação que já Álvaro Cunqueiro tinha qualificado de inapropriada no seu livro A cozinha galega, publicado em 1973. O cozido galego é um prato poderoso, de generosas doses de proteínas, de calorias, de gorduras e hidratos de carbono. Na comarca do Deça (Deza) celebram elaborar os cozidos mais completos, com mais de uma vintena de ingredientes. Lalim comemora a sua Festa do Cozido entre os meses de Janeiro e Fevereiro, em vésperas das festas do Entroido ou Entrudo. A vitela fornece a um bom cozido uma peça de jarrete que fica manteiga, pela sua textura gelatinosa e tenra, após duas horas longas de cocção. Na falta dele, é utilizada costela, a mesma que é usada na carne ao caldeiro. Um osso de canela era, pelo menos antigamente, quase de obrigada inclusão se à mesa se sentavam crianças. O tutano esborrachado com a batata cozida tem feito parte da dieta dos menores da casa durante gerações. O porco é o mais representado num cozido: a sela do presunto (conhecido aqui por codillo), orelha, costela, lacão, cabeça, chouriços, chouriço de cebola, o toucinho de febra ou entremeada e o toucinho branco ou lardo —e já vão onze ingredientes. Uma terceira carne
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entra em jogo, a da galinha. A galinha poedeira que já deixou de pôr ovos termina por enriquecer um cozido, para fazer bom caldo, ou cortada em pedaços para fazer uma canja. Se não houver galinha, pode colocar-se na panela um frango de bom tamanho. Se for galinha, pode fazer-se nos últimos quarenta minutos, no momento de adicionar os chouriços e as batatas. Além de umas boas batatas, o capítulo de vegetais inclui um repolho de verdura, grelos ou nabiças e favas ou grão-de-bico. Sobre este último ingrediente, há que referir existe uma alargada discussão entre se as favas são as indicadas para um cozido galego, enquanto o grão-de-bico do cozido madrileno. O grão-de-bico, os denominados garbanzos, são tão galegos como as favas, porque formam parte do repertório gastronómico do nosso país desde que foram introduzidos pelos maragatos (naturais duma comarca espanhola em Leão), da mesma maneira que o pexego tornou-se pêssego autóctone do Sul da Galiza, embora o seu nome, derivado do científico (prunus persicum), remita como os Reis Magos e quase todas as árvores fruteiras a que vem do oriente. Fora desta disquisição, o cozido já conta com dezasseis ingredientes. Os galegos que o elaboravam antes do século xviii, século em que é introduzida a batata, em lugar do referido tubérculo, deitavam à panela umas boas castanhas. Ainda existem lugares onde o cozido é acompanha com castanhas, e já lá vão dezassete ingredientes. O sal e a água situam-nos em dezanove e ainda não chegamos ao fim. Neste ponto convém dizer que não todos os ingredientes são cozidos ao mesmo tempo, os chouriços, como os grelos e uma parte do porco põem-se numa panela, para poder aproveitar o caldo da outra, a que leva a terneira, o presunto, o toucinho e a galinha. Com este caldo poderá ser feita a sopa prévia ou posterior ao prato principal —e dos dias a seguir. A sopa é feita com fidéus ou aletria fina, ou com outras massas de sêmola de trigo, que já fazem o vigésimo ingrediente.
Mas um cozido não é um prato, mas sim uma comida completa. Com leite, farinha e um par de conchas do caldo e um ovo, prepara-se a creme ou massa com a que são elaboradas as filhós. As filhós fritam-se numa frigideira untada em toucinho branco ou lardo. Quanto mais fina for feita, melhor. Uma vez passada pela frigideira polvilha-se com açúcar que pelo efeito do calor da filhó ficará convertido em calda. Nos paços, a filhó era feita de caldo, sem leite, e não era adoçada com o açúcar, de maneira que prestava para acompanhar a ingestão do cozido e não como sobremesa. As filhós podem ser comidas sozinhas, com mel, com chantilly, com doce ou com creme. Um cozido fica despachado numa hora. Leva o seu tempo a fazer face a uma comida tão copiosa, e as travessas entram e saem da cozinha para que sempre estejam quentes todos os ingredientes. Existe certa semelhança entre o cozido e o caldo galego. Neste último, os ingredientes, em muito menor número, servem-se numa cunca ou chávena muito desfiados ou em pequenos pedaços. O caldo toma-se com colher. Também pode fazer-se um caldo, ao dia a seguir, com as sobras do cozido. A quantidade e o número de ingredientes de um cozido aproximam-se ao hiperbólico. Esbanjamento? Nada disso. Tudo é aproveitado, reciclado. O caldo, a sopa, fiambre do lacão; com as batatas cozidas e o presunto faz-se purê ao qual depois é dada forma de pêras, enfarinham-se e panam-se e fritam-se; com a terneira, roupa velha; com o frango, pequenas empadas ou croquetes. Assim, um cozido nunca será um desperdiço. Azeite ou manteca
Da leitura de livros de cozinha de inícios do século xx ou fins do xix, como os publicados por Picadillo, Ángel Muro ou Emilia
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Pardo Bazán, podia elucidar-se que boa parte das receitas em que um ingrediente passa pela frigideira era fritado em gordura de vaca ou de porco. Onde estava o azeite? Durante séculos, a Galiza produziu azeite, mas as oliveiras foram arrancadas a partir da segunda metade do século xv. Nos primeiros anos do xx, não existiam olivais na Galiza mais que no Sul da província de Lugo, na comarca de Quiroga. Ali ainda era produzido um azeite autóctone do qual até agora existem um número reduzido de produtores, menos de meia dúzia. O mito do azeite como produto exclusivamente mediterrâneo fica sem fundamentos com apenas atravessar o Minho ou a Raia Seca e entrar em Portugal, onde as oliveiras são muito abundantes.
dadela em água quente e outra vez água fria, limão e vinagre. No caso de duvidar da eficácia, repetir o processo. Chega o momento de pôr a panela ao lume. Uma panela grande, com água em boa proporção para a dobrada ficar totalmente coberta, assim como a mão de vitela em pedaços, a sela do presunto, também cortado, e vai ao lume, durante uma hora. Depois de ferver durante esse tempo, muda-se a e torna-se a pôr ao lume. Na segunda fervura, junta-se-lhe o grão-de-bico e o resto dos ingredientes, assim como as especiarias, que já agora, são vendidas já misturadas para este prato. E deixa-se fazer lentamente. Quanto tempo? Ah?! Esse é o segredo. Uns bons callos precisam, para ficarem prontos, de três horas para frente, a lume muito brando, sem o grão-de-bico desmanchar. Finalizada a cocção, serve-se. O que ficar, para petiscar no dia a seguir, terá ainda melhor sabor.
Callos 1 kg de dobrada 2 mãos de vitela 500 gr de grão-de-bico a sela de um presunto, para cortar aos bocados 150 gr de toucinho crestado, também chamado panceta 2 chouriços muito curados, cortados em rodelas grossas 1 cebola média 1 cabeça de alhos pequena 50 gr de miolo de pão do dia anterior sal salsa 2 colheres de chá de especiarias para callos (cominho ou alcaravia, pimentão doce e picante…) Põe-se de molho o grão-de-bico desde a véspera. Lavam-se, com consciência, as tripas. Água fria em abundância, um escal-
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Fígado de cebolada 600 gr de fígado de terneira galega de qualidade suprema 2 cebolas médias 1 dl de azeite 1,5 dl de vinho branco 1 folha de louro 1 colher de chá de pimentão doce sal Corta-se em iscas (tiras finas) um bife grosso de fígado de terneira, depois de lhe ter tirado a fina pele que o recobre e os restos de veias e artérias. Salga-se. Põe-se ao lume uma frigideira com azeite. Quando estiver suficientemente quente, douramos a cebola cortada em juliana. In-
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corpora-se o fígado que se refoga no mesmo azeite com a sua cebola. Remexe-se para passar bem todo o fígado. Agrega-se o vinho branco e deixamos reduzir até o álcool se consumir. Pica-se a folha de louro (que não tem de ser muito grande) e tapa-se. No transcurso de um quarto de hora, mais ou menos, retira-se do lume, tempera-se com o pimentão doce, remexe-se e deixa-se repousar uns minutos antes de servir.
pouco e acrescenta-se o copo de vinho, que deixaremos que evapore os seus álcoois a lume médio. Cortam-se as batatas e incorpora-se à panela com as ervilhas. Cobre-se tudo com o caldo de carne e deixa-se fazer, lentamente, com a panela tapada. De quando em vez remexe-se para comprovar que não há nada a ficar colado no fundo, o que não tem porque acontecer. O tempo que deverá permanecer ao lume depende do tipo de carne utilizada. Se for um jarrete da mão, que é mais tenro, uma hora e meia será suficiente para obter um molho espesso e salsa espessa e enxundiosa com uma carne tenra. Si for da perna, tardará mais tempo, deixar-se-á uma hora e meia ou duas horas, mas assim incorporar-se-ão as batatas mais tarde, para não de desmancharem a mais.
Jarrete guisado 1 kg de jarrete de terneira galega 600 gr de batata galega 1 pimento vermelho 1 tomate grande maduro 1 cenoura 1 dente de alho 100 gr de ervilhas 1 cebola média 1 dl de azeite 1 dl de caldo de carne ½ dl de vinho branco ou tinto (q. b.) sal pimenta 2 cravos Põe-se numa panela ao lume com azeite, a cebola, o pimento, o dente de alho, picados e deixa-se dourar. Corta-se também a peça de terneira que formos refogar e deixa-se dourar junto com os vegetais antes referidos. Dá-se-lhe umas voltinhas e incorpora-se o tomate, se fora possível sem pele nem sementes, a cenoura em pedaços, os cravos a pimenta e o sal. Deixamos reduzir um
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Galo de curral em canja 1 galo de curral 1 dl de azeite 40 gr de amêndoas marconas 1 cebola 1 ovo 2 dl de caldo de ave 2 dentes de alho umas raladuras de noz-moscada ½ dl de vinho branco sal farinha salsa Chamusca-se o galo até eliminar-lhe os restos de penas. Abre-se e eliminam-se as vísceras. Deixa-se no frigorífico, pelo menos
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dois ou três dias. Há quem use o fígado para dar-lhe mais força ao molho. Desmancham-se: coxas, asas (em dois bocados), o peito e o resto da sua anatomia, todo isto em partes tão iguais quanto for possível. Enfarinham-se os pedaços do galo e doura-se numa frigideira com abundante azeite. Previamente doura-se a cebola cortada em juliana. A cebola passa-se ao almofariz e o galo à panela onde será cozinhada. Põem-se a amêndoa (ou a noz se optarmos por esta), as raladuras de noz-moscada, o alho e a salsa, o sal e o ovo cozido e picado no almofariz com a cebola. Faz-se um moído que acompanhará com parte do azeite ao galo na sua panela e põe-se ao lume. Quando começar a ebulição, agrega-se o caldo de ave, ou água senão dispormos dele. Deixa-se reduzir um pouco a lume forte e adiciona-se-lhe o vinho branco, que deixaremos que perca o seu álcool com a panela a lume forte e destapada. Passados uns minutos, baixa-se a lume brando e deixa-se fazer, tapada, durante duas horas, como mínimo, pois a carne de galo é dura e requer uma lenta cocção.
Limpa-se bem o capão. Se ainda trouxer vestígios de penas, dá-se-lhe uma chamuscada com a chama de um algodão embebedado em álcool com cuidado de não deteriorar a pele do animal que é muito delicada. Retiram-se os excedentes de gordura, mas não de deitam fora. Guardam-se. Num almofariz prepara-se o adubo, misturando as ervas aromáticas com o sal e parte da gordura que trituraremos. Besunta-se bem tanto o exterior como o interior. Com a carne magra de porco e os frutos secos faz-se uma mistura que salgamos e molhamos com o conhaque, mete-se dentro do capão. Com o forno muito quente. Põe-se o capão numa caçarola e leva-se ao forno, onde permanecerá durante duas a três horas, dependendo do tamanho, com um pouco da gordura do animal no fundo da travessa. A temperatura deve ser forte no início e ligeiramente mais moderada no restante tempo de cocção. Se se secar, acrescenta-se-lhe um pouco de água e vinho. Cada pouco tempo, por exemplo, cada meia hora, tira-se do forno, cambia-se de posição e rega-se com o suco que fica na travessa. Pode acontecer à pele descolar e ficar ar no interior, entre a pele e a carne, devido ao efeito da gordura que com o calor do forno começa a fazer bolsas de ar. Espeta-se levemente para essa gordura se libertar.
Capão assado 1 capão (pesam entre 3 e 5 quilos) 250 gr de leque variado de frutos secos: pinhões, amêndoas, castanhas 150 gr de magro de porco 1 dl de azeite 1 dl de conhaque 1 pé de salsa 2 dentes de alho salva e tomilho sal
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3. Os queijos No imaginário popular associa-se Galiza com o verde: verde das suas florestas e verde dos seus pastos. E os pastos, com vacas pelo meio, são associados ao leite e os seus derivados. A produção láctea é importante na Galiza, tanto para o consumo em fresco como para a elaboração de subprodutos: nata, iogurtes, manteiga e queijos. São estes últimos os que têm relevância gastronómica por estarem reconhecidos e amparados por quatro denominações geográficas que certificam a sua origem e o cumprimento das características que são determinantes da sua qualidade. Tetilla
O queijo de tetilla faz referência no seu nome à forma cónica das suas peças. A sua produção é feita em queijarias de toda a Galiza, se bem são a Corunha e Ponte Vedra as quais concentram a maior parte da produção. O queijo de tetilla é elaborado a partir do leite gordo procedente de vacas das raças Rubia Galega, Frisona e Pardo Alpina. O seu aspecto externo é inconfundível, com uma casca consistente, embora elástica, de menos de 3 milímetros de espessura e cor amarelo cremoso. Ao abrirmos um tetilla apreciaremos poucos olhos, distribuídos uniformemente, uma cor marfim que se torna amarelenta em contacto com o ar, e um tacto cremoso, de sabor lácteo ligeiramente ácido. O seu conteúdo de gordura é de mais de 45 por cento e as peças são comercializadas em tamanhos cujo peso
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oscila entre o meio quilo e o quilo e meio. A produção total é de 2,7 milhões de quilos.
frisona e pardo alpina e os seus cruzamentos. Embora o seu nome, as queijarias não se situam na costa, senão na Terra Chã lucense, uma comarca que abrange os municípios de Abadim, Pastoriça, Begonte, Castro de Rei, Cospeito, Guitiriz, Muras, Vilalva e Germade. Possui uma casca dura, duns 3 milímetros de espessura, de cor ocre. Ao abri-lo encontramos uma pasta cremosa, consistente, de cor mais claro que a sua casca, com olhos repartidos uniformemente pela sua superfície, e um sabor característico em que o gosto lácteo fica misturado com o defumado, que reduz consideravelmente a sua acidez. Estamos perante um queijo com uma grande personalidade, idóneo para tomar tanto de entrada como de sobremesa. O queijo de San Simón é elaborado e posteriormente curado mediante um processo de cura em câmara de entre 30 e 45 dias —dependendo do tamanho da peça, que pode ser de 400 gramas a 1,5 quilos— e defumado com fumo da combustão de madeira de vidoeiro. A sua produção é de pouco mais de 260.000 quilos.
Arçua (Arzúa)-Melide
O queijo de Arçua-Melide ou Arçua-Ulhoa, como é conhecido oficialmente a Denominação de Origem, é produzido nas comarcas da Galiza central, nas províncias da Corunha e Lugo: Arçua, Melide, a Ulhoa e Chantada. Seiscentos agricultores, ou gandeiros, provêem de leite de vaca tanto pasteurizada quanto crua às dezoito queijarias em que são elaborados 2,4 milhões de quilos por ano. As peças são de tamanho variável, oscilando entre pouco menos de um quilo de peso e 3,5 quilos. Tem uma característica forma cilíndrica na que a sua altura é sempre inferior ao seu rádio. Uma casca amarela-palha, de tacto elástico protege a sua pasta interior, cremosa, ligeiramente ácida, com um sabor que lembra a manteiga. Com etiquetas desta D. O. comercializam-se duas variedades adicionais: Arçua-Ulhoa de Granja, no qual a peça é elaborada com leite de vacas da mesma propriedade, e ArçuaUlhoa Curado, de similar processo de elaboração que os dois anteriores, tirando que antes de chegarem ao mercado permanecem na câmara de cura durante pelo menos seis meses. Queijo de San Simón da Costa
A sua aparência é de um tetilla maduro. Não é exactamente cónico como o tetilla, senão que adopta a forma de bala, com um ligeiro abarrigamento na sua parte central. Em verdade é um queijo completamente distinto ao tetilla, ainda que o seu ponto de partida for o mesmo leite gordo de vaca das raças rubia galega,
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Cebreiro
Só resta o fabrico de pouco mais de 20.000 quilos por ano, elaborados apenas por duas queijarias, e cuja denominação de origem ampara a produção de leite e queijos que se encontram nos municípios do Zebreiro (Cebreiro), Valeira, Baralha, Bezerreá, Castro Verde, Cervantes, Folgoso do Courel, Fonsagrada, Láncara, Návia de Suarna, Nogais, Samos e Triacastela. Corresponde com a montanha oriental da província de Lugo que compreende desde os Ancares até o centro mesmo do maciço do Courel, passando pelas primeiras etapas do caminho de Santiago desde Pedra Fita do Zebreiro até Samos. O queijo é produzido com leite pasteurizada das raças autóctones.
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A sua forma característica parece um chapéu de cozinheiro, cilíndrico com uma base ligeiramente menor que a sua parte superior. Comercializa-se fresco e curado. O primeiro é de cor branca, com uma pasta consistente, macia, com um ponto de acidez. O curado apresenta uma cor amarelada. Em ambos os casos são vendidos em unidades de 300 gramas a 2 kg. O queijo de Zebreiro utiliza-se tanto em entradas e sobremesas como em pratos mais elaborados.
4. Pães O pão é uma peça fundamental da gastronomia da Galiza. Elabora-se, como em todo o mundo, a base de farinha de cereais como o trigo e o centeio. A partir do xviii, o milho substitui ao milho miúdo, do qual herda o seu nome, que continuará a ser milho mesmo quando for com farinha do novo grão procedente de América. O pão branco é o pão urbano, normalmente de tipo cacete, que aqui é chamado barras. É um pão ligeiro de côdea clara e lisa. O pão rural é mais obscuro, a côdea é mais consistente e é elaborado em moletes, bolas (tipo pão redondo) ou em fogaças. O pão, no rural é elaborado de maneira a permanecer comestível durante vários dias, até uma semana. O amassado, o descanso enquanto fermenta e o tempo de cozedura é diferente. A côdea é mais grossa porque ajuda a conservar tenra mais tempo o miolo. Cada família fazia o seu próprio pão, amassando-o na casa e levando-o depois a cozer a um forno de uso comum. Ainda há exemplos de fornos comunitários, especialmente na província de Ourense. O pão por excelência é o de trigo. Galiza dispõe de uma indicação geográfica protegida, o Pão de Ceia, do qual são produzidas por volta de 300 toneladas por ano nos treze fornos que estão inscritos nesta denominação de origem. Água, farinha de trigo, fermento e sal. O fermento obtém-se de massa mãe e levedura. Ceia situa-se na estrada de Ourense a Santiago e um pão que nasceu arredor do mosteiro de Santa Maria de Osseira foi adquirindo renome por toda a Galiza, talvez pelo fluxo de visitantes ao mosteiro, por estar na rota do Caminho de Santiago, ou bem porque os carreteiros que transportavam produtos entre Santiago e
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Ourense aproveitavam para incluir entre as suas mercadorias este pão cuja vida era mais longa que a maioria dos que se faziam na Galiza. Mas não só de trigo é o fabrico do pão galego. O pão de centeio ou pão negro era um pão mais pobre, reservado para os tempos em que havia falta ou ausência total de trigo. Também era feito pão de mistura, com trigo e centeio, centeio e milho, ou com as três: milho, trigo e centeio. Se houver um pão que é comum a toda a Euro-região é o de milho. O pão de milho ou broa. É um pão suculento e muito denso. A farinha de milho usa-se, igualmente na elaboração de empadas, preferivelmente de produtos do mar: leques-variados, vieiras, petingas, ou até de lampreia, como já foi referido ao falar do Minho.
5. A batata e a castanha Outro produto também de origem americano, a batata, tem-se convertido num dos traços de identidade da gastronomia galega. E embora pelo geral seja ponderada toda a produção de batata galega, a que tem mais prestígio, por estar amparada por uma denominação de origem é a da variedade kennebec, que é cultivada principalmente nas comarcas de Bergantinhos, Terra Chã, Terra de Lemos e a Límia. Ainda que a batata entrasse na Galiza no século xviii, a sua produção alargou-se ao longo do xix e o xx. Na cozinha tradicional galega, a batata foi substituindo pouco a pouco à castanha que adquiriu outro protagonismo dentro da dieta. Passou de elemento de acompanhamento a protagonista de numerosas receitas, como o caldo de castanhas, ainda que manteve a sua função gastronómica em numerosas receitas de caça. Alargou-se o seu uso à confeitaria: pastel de castanhas, creme de castanhas, marron glacé, etcétera. A castanha forma parte da gastronomia social da Galiza, e arredor do lume são consumidas nos magustos ou magostos que são feitos no mês de Novembro, desde defuntos até Santo André, sem esquecer, naturalmente, o patrão dos Magustos que é São Martinho. Ainda que haja castanheiros por toda a Galiza, pese ao efeito negativo que teve a plaga da Tinta no passado, as grandes florestas das províncias de Ourense e Lugo. O maciço central ourensão desde Manzaneda ao Invernadoiro passando pela Serra da Queixa tem soutos de castanheiros cuja exploração é de grão importância económica para a zona.
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Na região central e oriental da província de Ourense encontra-se ainda a rota europeia da castanha, um itinerário de caminhadas que põe de manifesto a beleza das paisagens que estão associadas a este fruto que tanta importância teve para a Galiza.
6. Os doces A confeitaria faz parte inseparável da gastronomia galega. Da cozinha popular e tradicional e da cozinha senhorial dos paços e os conventos. Durante séculos a confeitaria serviu para determina as diferentes camadas sociais. A castanha, o mel, as massas adoçadas com açúcar e as frutas, conformam o repertório da doçaria rural: maçãs assadas, compotas, pêras ao vinho tinto, empada de maçã, os doces de chila ou gila —extraído da chila-catoila, uma variedade de abóbora—, as chulas (doce similar aos sonhos portugueses) de abóbora, de arroz, de miolo de pão, as bicas (torta típica de Ourense)… A confeitaria rege-se também pelo ciclo das estações e as festas anuais: roscón (bolo rei, real ou dos Reis Magos) em Reis e Semana Santa (Páscoa), orellas e flores no Entrudo, buñuelos em Defuntos… A partir de Novembro, a marmelada já está pronta para acompanhar nas sobremesas os pratos de queijos e tetillas. Outros, como as filhós mantêm-se ao longo de todo o ano. Capítulo à parte dentro da doçaria galega merece a que tem a amêndoa como base. A pasta de amêndoa, e a massa feita a base de amêndoa e açúcar proporcionam alguns dos doces mais emblemáticos da Galiza, como o bolo de Santiago, os melindres e as cocadas de Alhariz e outros muitos doces. As rosquilhas, por outro lado, têm o seu próprio itinerário, especialmente na província de Ponte Vedra: Gondomar, Ponte Areias e Silheda são famosas pelas suas rosquillas.
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O mel da Galiza
tando, um a um, os ovos que pouco a pouco vão dando cor e mais soltura a esta massa. Trás o último ovo começa-se a incorporar a farinha, que voltará a espessar a massa, mas não por isso devemos deixar de mexer porque é imprescindível que a pasta resultante seja homogénea e compacta. Finalizada a operação, entorna-se toda a massa numa forma que estará forrado de papel alimentar de confeitaria, igual ao que é usado para as madalenas, e polvilha-se com uma mistura de açúcar e canela. Leva-se ao forno pré-aquecido, e a lume forte, por volta dos 200 graus, durante 45 minutos ou uma hora.
Incluída no catálogo de produtos com denominação de origem protegida, a indicação geográfica Mel de Galiza abrange todo o território galego e conta com uma produção de algo mais de 250.000 toneladas. As abelhas procuram o pólen nas florestas e pradarias e o âmbito da sua colheita determinará se o mel é monofloral ou plurifloral. Nas florestas do interior da Galiza, onde se localiza a maior produção, o mel costuma ser monofloral, com as variedades reconhecidas de castanheira, eucalipto, de amoreira ou silvas e de azinheiras. O Porrinho, em Ponte Vedra e Quiroga, em Lugo, celebram todos os anos uma festa e feira dedicada ao mel. Bica 200 gr de massa para fazer pão 250 gr de manteiga de vaca 350 gr de farinha de trigo 250 gr de açúcar 6 ovos grandes açúcar e canela para polvilhar Num recipiente que tenhamos para misturar massas, que pode ser uma tigela de cristal ou um alguidar, põe-se a manteiga e bate-se até que perca a sua estrutura compacta que possuía ao sair do frigorífico. Quando já estiver solta, incorpora-se-lhe o açúcar e continua-se a mexer, melhor com colher ou espátula de cozinha de madeira. Sem deixar de mexer, ajunta-se a massa de pão, até fazer uma pasta compacta com os outros ingredientes. Vai-se-lhe acrescen-
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Creme de castanhas 1 kg de castanhas 1 litro de leite 5 dl de nata líquida 30 gr de manteiga sal Em primeiro lugar, há que descascar as castanhas. Tirando tanto a sua casca protectora como a pele ou casca interior. Para fazer o primeiro, podemos armar-nos com paciência e com uma faca, ainda que existam vários truques que permitirão facilitar a tarefa (como dar-lhes um golpe de forno a lume forte com um pouco de água). Para a segunda, uma vez liberta da sua primeira camada protectora, põem-se a cozer a fogo vivo numa panela com água fervendo. A partir dai, deixam-se arrefecer e procede-se a limparlhes a mencionada pele. Finalizada a primeira cocção em água, prossegue-se com a segunda, noutra panela, com leite e parte do suco da primeira coze-
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dura. Aqui ficarão tempo suficiente como para alcançarem uma textura macia. Boa parte do leite terá sido absorvida durante a cocção. O resto retira-se. Tritura-se até alcançar uma textura parecida à do puré. Mais uma vez na panela, incorpora-se esse puré, a manteiga e salga-se. Deixa-se o calor do fogo derreter e compactar o creme e, por último, agrega-se a nata líquida.
creme pastoso. Se ficar demasiado líquido, continua-se remexendo e acrescenta-se-lhe um pouco de farinha. Antes de parar, deita-selhe uma pitada de levedura em pó. Deixa-se descansar. Põe-se ao lume uma frigideira com abundante azeite. Nela doura-se a casca de limão para aromatizar o azeite antes de proceder à fritura. Feito isto, corta-se em pequenas bolinhas a massa já fermentada e deitam-se ao lume. Com o calor começarão a subir e uma vez dourados, passam-se os buñuelos (espécie de fritos ou sonhos) a um escorredor com papel de cozinha absorvente para reduzir no possível a presença de azeite. Segundo vão estando no escorredor, polvilham-se com açúcar que previamente teremos moído, só um pouco sem chegar a fazer açúcar em pó. Finalizada essa operação, recheiam-se com o creme que já estará pronto para a ocasião.
Buñuelos de defuntos Para a massa 300 gr de farinha 3 ovos 2,5 dl de água 100 gr de açúcar 20 gr de manteiga a raladura de um limão 1 pitada de levedura em pó para sobremesas Para o creme ½ litro de leite 125 gr de açúcar 1 colher de sopa bem cheia de maisena ou fécula 2 gemas de ovo 1 pau de canela 1 casca de limão Aquece-se a água e desfaz-se nela o açúcar e a manteiga. Sem esperar a que arrefeça, verte-se na tigela em que temos a farinha, que previamente teremos peneirado. Começa-se a remexer para que alcance uma textura homogénea. Durante esse processo, acrescentam-se um a um os três ovos. Finalizada a operação, obtemos um
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Empada de maçã Para a massa 500 gr de farinha 100 gr de açúcar 1 pitada de sal 1 pitada de levedura água 1 ovo manteiga para untar a lata Para o recheio 1 kg de maçãs 1 tacho de água (½ dl) 1 colher de chá de canela em pó 50 gr de açúcar
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Procede-se a fazer a massa como se fosse para uma empada convencional, mas neste caso acrescentando-lhe o açúcar ao processo de elaboração e com menos levedura do habitual. Se desejarmos repetir a amassadura, incorporar-se-lhe-á um pouco de manteiga primeiro. Reserva-se. Cascam-se as maçãs e cortam-se às rodelas. Não é preciso os pedaços ser uniformes e podem ser mais finos e pequenos que as utilizadas na tarte de maçã convencional. Misturam-se com o açúcar e a canela e a água, remexe-se bem. Num tabuleiro do forno estica-se a metade da massa e sobre ela estende-se o recheio de maçã com calda de açúcar, a água e a canela. Fecha-se com a tampa também esticada da outra metade da massa e pincela-se com ovo batido. Pode-se polvilhar com um pouco de açúcar. Abre-se-lhe um buraco no centro e coloca-se no forno com alta temperatura e pré-aquecido, durante trinta e cinco minutos, ao fim dos quais ficará pronta para se servir. Pode tomar-se fria ou morna.
7. Os vinhos da Galiza Na Galiza existem cinco denominações de origem: Valdeorras, Monte Rei, e Ribeiro na província de Ourense; Ribeira Sacra nas províncias de Ourense e Lugo, e Rias Baixas, na província de Ponte Vedra. Cada uma delas expressa, pelas qualidades que lhe fornece o terreno, o clima, as horas de sol, etcétera, uma personalidade própria. Pelo geral, em todas elas são produzidos vinhos brancos jovens, muito expressivos em aromas, cujo consumo deve realizar-se no próprio ano ou no ano a seguir do seu engarrafamento. A vida do vinho branco galego é efémera, mas enquanto dura tem brilho e esplendor. Além das demarcações vinícolas, o viajante deverá discernir entre as diferentes qualidades que em cada uma delas se produzem. Uma visita guiada às caves facilitar-nos-á esse trabalho. Para fazer a marcação das visitas, o melhor é seleccionar nos respectivos sítios web das denominações de origem as que se encontrarem na rota que o viageiro deseje realizar. Valdeorras
<www.dovaldeorras.com> De todas as D. O., Valdeorras é a mais veterana. O seu reconhecimento legal deu-se em 1945. Agrupa 44 caves e algo mais de dois mil viticultores que cultivam as suas videiras ou cepas em 1.359 hectares sobre os municípios de Rubiá, Carvalheda, Barco, Vila Martim, Rua, Petim, Larouco e Bolo. A variedade de solos é
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vasta nesta demarcação vinícola, mas predominam os xistosos e argilosos, num leque em que não faltam calcários e graníticos. Valdeorras contribui com um interessante repertório de vinhos brancos e tintos com muita tradição. Godelho e Dona Branca são as uvas principais nos vinhos brancos. O monovarietal a base de godelho é o vinho com mais predicamento. A sua graduação alcoólica coloca-se por volta dos 12,5 graus, é frutado, agradável na boca e visualmente a sua cor varia entre o ouro pálido e cor palha. Mencia é a uva rainha das tintas, que se vinifica em mostos ou massas monovarietais com muito corpo e tons entre o violáceo e o cereja e um gosto a frutos silvestres. Também são elaborados polivarietais nos que, além de Mencia utilizam-se castas como Merenzao, Sousão e Brancellao. Entre as uvas autorizadas para fazer vinho com a D. O. de Valdeorras encontram-se também a Garnacha Tintureira, Tempranillo e Gran Noir. Em 2005, teve uma produção de algo mais de três milhões de litros de vinho qualificado.
Os seus tintos são frescos, com um ponto acedo e são elaborados a partir de variedades autóctones como Brancellao, Cainho Tinta, Ferrón, Sousão e Mencia. Os brancos são paradigmáticos. Formam parte da essência da Galiza. O branco monovarietal elabora-se com uva Treixadura, é frutado, de cor ouro pálido e uma grande transparência. A sua acidez combina perfeitamente com um grau alcoólico que vai desde os 11 e os 12,5 graus para o monovarietal, ainda que a sua categoria seja mais vasta nos mostos polivarietais. Nesses ribeiros intervêm também Torrontés, Alvarinho, Loureiro e Godelho, ainda que também haja vinhos elaborados com uma parte de Palomino e Macabeu. O branco é, sem dúvida, o protagonista desta demarcação vinícola e pode prever-se como um dos melhores vinhos jovens de Europa. A produção anual supera os 10 milhões de litros, ainda quer, naturalmente, varia de um ano para outro. Um dos valores históricos desta denominação de origem é o vinho torrado, cuja recuperação está a ser realizada nos últimos tempos e dota ao panorama vinícola galego a presença de um vinho doce realizado a partir das variedades autóctones tanto brancas como tintas, que são submetidas a um processo de secagem. A vinificação do torrado realiza-se com a uva já sendo passa, o que oferece um rendimento muito baixo, mas pela contra proporciona um alto conteúdo em açúcares.
Ribeiro
<www.ribeiro.es> Quatro rios regam os vales em que se localizam as 2.685 hectares de parcelas da denominação de origem do Ribeiro: Arnóia, Ávia, Barbantinho e, é claro, o rio Minho. Ainda que a sua denominação esteja reconhecida legalmente desde 1957, os vinhos do Ribeiro dispõem de uma longa história, que se remonta ao século xvi e que o vincula com os mosteiros que há no seu território. A Festa do Vinho do Ribeiro tem capital em Riba do Ávia (Ribadavia) e é celebrada nos últimos dias do mês de Abril, ou nos primeiros segundo cada ano. Está declarada de Interesse Turístico e é uma das festas gastronómicas mais veteranas de Galiza.
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Monterrei
<www.domonterrei.com> Esta denominação foi criada em 1992 e dispõe de 650 hectares de superfície inscritas para o cultivo das variedades autóctones e autorizadas com que elaborar os brancos e tintos desta demarcação. A sua produção é a mais reduzida em quanto à quantidade:
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400.000 litros em 2006 que foram comercializados por apenas umas vinte adegas. Geograficamente compreende os municípios de Verim, Monte Rei, Castrelo de Vale e Oímbra, em vales regados pelo Tâmega e os seus afluentes. A D. O. de Monte Rei divide-se, também, em duas subzonas: Vale de Monte Rei e Ladeira de Monte Rei. Os brancos são frutados, com um ponto de acidez que os torna gostosos na boca e que equilibra o seu grau de álcool, entre 12 e 12,5 graus. Quatro são as variedades de uva branca autorizadas: Dona Branca, Verdelho (nome local da Godelho) e Verdelho Louro (denominação com que é conhecida nesta zona a Treixadura), que são as autóctones, e Palomino. As variedades tintas elaboram-se a partir das castas tradicionais Mencia e María Ardoña e a Tempranillo, que em Monte Rei é conhecida como Araúxa. Igual que noutras demarcações, Monte Rei elabora brancos e tintos monovarietais, a base de Godelho e Mencia, respectivamente, mas também se vinificam mostos polivarietais nos que a proporção na qual se realiza o coupage vai ao estilo pessoal do vinicultor. De facto, desde mediados da década de 1990 nesta e noutras denominações de origem galegas, especialmente nas da província de Ourense, começam a destacar os vinhos de autor, caracterizados precisamente pelo toque pessoal que representa em cada um deles a presença e a proporção das diferentes castas de uva que se cultivam em cada demarcação.
de Ourense e se distribuem em cinco subzonas: Amándi, Chantada, Quiroga-Bibei, Ribeiras do Minho e Ribeiras do Sil. Embora seja uma D. O. relativamente recente, os seus vinhos têm uma história milenária, especialmente, o tinto de Amándi, do que há referências já na época da ocupação romana. O Sil e o Minho viajam por esta terra canalizados entre gargantas, onde é retido o seu caudal em numerosos açudes. As cepas cultivam-se em socalcos, para aproveitar ao máximo o sol e um terreno de configuração escarpada. As variedades brancas são Godelho, Alvarinho, Treixadura, Loureira, Dona Branca, Torrontés e Palomino. As tintas, Mencia, Brencellao, Merenzao, Mouratón e Garnacha Tintureira. De todas as uvas que se cultivam nas 1222 hectares de terreno e cuja produção se aproxima aos dois milhões de litros de vinho, a variedade Mencia monopoliza praticamente 75 por cento. Estamos perante uma demarcação na que prima o tinto monovarietal cuja máxima expressão é o Mencia, um vinho com corpo, intenso em aromas, cor cereja e uma graduação alcoólica entre 12,5 e 13,5. A Festa do Vinho de Amándi, que é celebrada no mês de Março tem-se convertido num dos estímulos turísticos para adentrar nestas terras de uma paisagem que, como o vinho, não deixa indiferente a quem o descobre.
Ribeira Sacra
<www.doriasbaixas.com> Reconhecida como denominação de origem em 1988 a demarcação Rias Baixas foi-se propagando de maneira importante nos quase vinte anos de existência que tem. Na actualidade a superfície cultivada é de algo mais de três mil hectares, tornando-se assim na mais extensa das denominações galegas. Também é a que
<www.ribeirasacra.org> É a mais recente das denominações de origem galegas, reconhecida em 1995. Abrange um território que se alarga por 17 municípios do Sul da província de Lugo e o Norte da província
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Rias Baixas
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alcança uma maior produção: 14,6 milhões de litros na colheita de 2005. Se Ribeira Sacra era a demarcação do Mencia e o Amándi, Rias Baixas é a demarcação do Alvarinho. A sua uva está presente em quase todos os vinhos brancos que são vinificados na denominação, cuja geografia está dividida em cinco subzonas: Vale do Salnês, Condado do Tea, Rosal, Souto Maior e Ribeira do Ulha. Esta última subzona abrange o vale do rio que lhe proporciona o nome ao passar pelo município pontevedrês da Estrada e os corunheses de Vedra, Teo e Padrão (Padrón). As uvas reconhecidas são, além da Alvarinha já mencionada, as brancas Loureira (também chamada Marquês), Treixadura, Cainho Branca, Torrontés e Godelho. Nas tintas, as castas recomendadas são Cainho Tinta, Espadeiro, Loureiro Tinta, e Sousão. Também são autorizadas Mencia e Brancellao. O alvarinho monovarietal é elaborado em todas as subzonas. É um vinho frutado, com aromas intensos, agradável na boca, de cor ouro pálido e uma grande limpeza. Acidez e grau alcoólico harmonizam. Os alvarinhos têm um grau de álcool por litro que oscila entre os 12 e os 12,5 graus. São vinhos jovens, cujo consumo deve ser feito ao longo do ano ou nos dois seguintes como muito. Os vinhos polivarietais são os seguintes: Salnês e Vale do Ulha, com 70 por cento de Alvarinho e 30 por cento restantes feitos a base das castas recomendadas e autorizadas; Rosal, que tem 70 por cento de Alvarinho e 30 por cento restantes é conformado por Loureiro e Cainho Branco e em menor quantidade Treixadura; Condado, que com 70 por cento de Alvarinho, completa o coupage com Treixadura como segunda variedade e em menor quantidade Loureiro branca e Cainho branca; por último existem as variedades genéricas Rias Baixas, e Rias Baixas Barrica, esta última com a indicação de repousar pelo menos três meses na barrica de carvalho antes do seu engarrafamento.
Mesmo sendo a província de Ponte Vedra a mais pequena da Galiza, a denominação de origem Rias Baixas compreende até comarcas que não são lindantes. As peculiaridades do terreno e do microclima de cada uma dessas comarcas ou subzonas podem ser apreciadas no vinho. O dado mais significativo está nas subzonas que são da ribeira do Minho: Condado do Tea e o Rosal, nas que não sempre é realizada a fermentação maloláctica nas suas massas de fermentação, o qual permite uns vinhos com um ponto mais de acidez, mas ao mesmo tempo mais aromáticos e frutados. Três festas em honra do vinho são celebradas nesta denominação de origem, todas elas durante o Verão. Em Julho, a mediados de mês, a Feira do Vinho e os produtos do Rosal, que tem lugar nesse município. O primeiro domingo de Agosto, Cambados reúne na sua nobre vila a expertos e amantes do vinho de todo o mundo que combinam para celebrar uma das festas mais reputadas, a do Alvarinho. Na segunda metade do mesmo mês de Agosto, Salvaterra do Minho celebra desde 1960 a Festa do Vinho do Condado. O vinho do Condado é o anfitrião, mas não o único protagonista, pois cada vez é maior a participação de vinhos portugueses da outra beira do Minho, evidenciando a estreita colaboração e boa relação que existe entre vinhateiros de ambas as margens do rio. Outros vinhos da Galiza
À parte das cinco denominações de origem que temos referido, na Galiza há mais outras três Indicações Geográficas que não possuem a consideração de D.O. Sob o termo viños da terra, a administração reconhece a existência de três localizações com vinhos de personalidade própria: Vinhos da Terra do Barbança e Íria, Vinhos da Terra de Betanços e Vinhos da Terra do Vale de Minho-Ourense. Estes vinhos são elaborados, tanto nas suas variedades brancas
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quanto tintas, com uvas castas autóctones, adaptadas ao ambiente, ainda que sejam autorizadas algumas uvas forâneas como é o caso da Palomino e a Garnacha no vale do Minho.
8. Os licores da Galiza A tradição na elaboração de vinhos licorosos e bebidas espirituosas é longínqua no tempo nesta terra. A base é sempre o álcool etílico, procedente da destilação, mas o sabor e os aromas acrescentam-nos, por maceração, ervas, grãos de café, frutos, mel, etcétera. A alquimia deste procedimento é possível que viesse das mãos de monges dos mosteiros espalhados pela Galiza. Um deles, o de Osseira, chegou a adquirir fama internacional pelo seu licor anti-catarral fruto da maceração com folhas de eucalipto e outros elementos aromáticos, o eucaliptine. O licor ou aguardente de ginjas (licor de guindas) encontrava-se em quase todas as casas onde se deixava macerar durante anos antes de abrir as garrafas. Era o licor para todos os públicos, nos tempos duma maior permissividade no consumo de álcool em menores —por desconhecimento dos seus efeitos nocivos—: os adultos tomavam um cálice de licor de ginjas enquanto os mais pequenos podiam comer uma o duas das ginjas maceradas. O repertório de licores feitos em casa sobre uma base de aguardente ou álcool etílico no qual são macerados outros ingredientes é muito vasto. Hoje em dia, a indústria licoreira galega assimilou as tradições e elabora como subprodutos dos seus vinhos as aguardentes feitas com bagaço e os licores que têm como base a aguardente branca. Basicamente existem quatro modalidades e assim estão recolhidas na regulamentação que actualmente controla a sua produção. Aguardente ou bagaço, aguardente de ervas, licor de ervas e licor café. Estes licores gozam de uma denominação geográfica específica, criada em 1989: o Conselho Regulador da Aguardente de
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Galiza. Trata-se de uma organização que agrupa a todos os produtores de aguardente resultado da destilação do bagaço excedente da elaboração do vinho cujas vinhas, vinificação, instalações de destilação e de elaboração posterior se situam dentro do território galego. Nove subzonas produtoras de aguardente estão protegidas por esta denominação: as cinco D. O. de vinhos galegos, às quais temos de somar Porto Marim, Betanços, Vale do MinhoOurense e Ribeira do Ulha.
das numerosas plantas aromáticas e especiarias que são tradicionais neste tipo de bebidas licorosas: flor da laranjeira, canela, coentro, bela-luisa ou limonete ou lúcia-lima (herba luisa), funcho, camomila, hortelã, noz-moscada, orégão, alcaçuz ou regoliz, alecrim e tomilho. O sabor e a cor das ervas transmitem-se ao licor que, sem perder a sua intensidade e grau alcoólico (entre 37,5 e 50 graus), apresenta uma cor amarela intensa, ao mesmo tempo transparente, e um sabor doce que contribui para o seu conteúdo em açúcar, autorizado até 100 gramas por litro.
Aguardente da Galiza
Há dois tipos de aguardentes, também conhecidas pelo nome de orujo de Galiza: a aguardente propriamente, que é transparente, incolor, de intenso aroma e sabor característico resultado dos elementos dos que é destilada e que é comercializada ora recém destilada, ora ao passo dum tempo de permanência em grandes depósitos para tal efeito. A outra aguardente tem a denominação de envellecida se permaneceu um ano no mínimo envelhecendo em barricas de madeira. A intensidade do sabor torna-se mais macia pelo efeito da madeira, que lhe oferece, além disso, uma cor âmbar, tanto mais obscura quanto mais tempo tenha ficado na barrica. A graduação alcoólica, segundo a marca e o tipo, oscila entre 37,5 e 50 graus. A produção anual de ambas as variedades supera os 173.500 litros dos que 170.000 se correspondem com a aguardente branca normal e um pouco mais de 3500 litros são de aguardente velha. Aguardente de ervas
Com uma produção muito limitada, pouco mais de 200 litros a aguardente de ervas é destilada em presença de pelo menos três
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Licor de ervas
Com menos graduação alcoólica que a aguardente de ervas, entre 15 e 40 graus, e uma maior densidade pelo seu alto conteúdo em açúcar que terá de ser de cem gramas por litro no mínimo, o licor de ervas tem uma maior comercialização e demanda. Igual que na aguardente, as ervas que lhe dão o nome, a cor e o sabor têm de encontrar-se entre as já referidas no parágrafo anterior, dai que não todos os licores nem aguardentes de ervas sejam iguais, uma vez que o aroma, sabor e cor irão depender do tipo de elementos aromáticos e especiarias que se lhe incorporem. A produção anual na Galiza supera os 2300 litros. Licor café
Com uma graduação alcoólica similar à do licor de ervas, o licor café tem também como base a aguardente branca que é posta a macerar com uma quantidade de açúcar superior a cem gramas por litro e grãos de café torrado natural na quantidade que cada produtor estima conveniente segundo a sua receita. A graduação
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alcoólica é similar à do licor de ervas: entre 15 e 40 graus. A sua cor é obscura, torrada, a própria do café. A sua densidade varia segundo a proporção de açúcar, mas, em todo o caso é ligeiramente mais denso que o licor de ervas. O sue sabor é doce, com uma penetrante essência do café e o gosto final forte da aguardente. O licor café pode-se tomar ao natural ou muito frio. Na Galiza são elaborados com controlo e etiquetagem, sob esta denominação geográfica por volta de 1700 litros anuais de licor café. Contudo, além da produção oficial, regulada e controlada, existe uma produção caseira, especialmente na província de Ourense, onde é difícil que um bodegueiro particular renuncie a ter a sua própria produção de aguardente e licor café. Até existem receitas para poder fazê-lo pessoalmente, uma vez que se dispõe de uma boa aguardente e se adquire o café torrado natural numa torrefacção.
Vendedora de ostras em La Piedra, Vigo
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Mexilh천es da ria de Arousa
Mariscos
Marisqueira
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Viveiro de rodovalho
Sardinhas
Pimentos de Padr達o
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Galiza 201
Lacão com grelos
Leitão grelhado no espeto
Chávena de caldo
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Galiza 203
Garrafas com etiquetas de denominações de origem de vinhos da Galiza
Rosquilhos
Polvo à feira
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Galiza 205
P茫o de Cea
Filh贸s
Montra com queijos galegos
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Terneira galega