Industria Candanga

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cidades.df@dabr.com.br Brasília, domingo, 24 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE • 23

No Setor de Oficinas Sul, mecânicas dividem espaço com empreendimento imobiliário que desponta no setor destinado a empresas: o desvio se repete em todas as 27 áreas de desenvolvimento econômico do DF

À espera de uma revolução » LILIAN TAHAN » ANA MARIA CAMPOS » FLÁVIA MAIA o desenho dos mestres da arquitetura e do urbanismo, Brasília é um ícone do moderno, da vanguarda, do desbravamento. Foi talhada no símbolo de um avião para uns, de uma borboleta para outros. Concebida como ponto de partida para o desabrochar do Centro-Oeste, a cidade decolou em vários campos. É o centro do poder político, seus monumentos são admirados no mundo, tornou-se Patrimônio Cultural da Humanidade e um paraíso da estabilidade funcional. Mas quando se trata de produzir riquezas, ainda é um boeing no pátio. Idealizada no traço para voar, a capital da República nasceu com o estigma da paralisia no setor produtivo. A estagnação está decretada ainda no concurso do projeto urbanístico do Plano Piloto. O edital prevê, em seu item sexto, um plano de “desenvolvimento limitado” para a indústria e a agricultura “em vista do caráter político-administrativo” de Brasília. “Essa colocação, embora discreta, acabou criando uma das maiores barreiras em relação à evolução da atividade produtiva, incutiu na cultura do DF uma visão equivocada de que não temos nenhuma vocação para a indústria”, analisa o economista Diones Cerqueira, da Federação das Indústrias de Brasília (Fibra-DF). Mais de cinco décadas se passaram e as ideias inseridas no concurso para a construção da capital, que poderiam ter sido superadas com ações miradas no progresso, impregnaram de desídia as iniciativas de fomento da indústria candanga. O DF tem a maior renda per capita do Brasil. Mas depende da produção alheia. Nada menos que 92%, ou seja, nove em cada 10 produtos consumidos no DF são importados e valorizam a economia de vizi-

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nhos. E mais: de tudo o que vai à mesa na capital da República, apenas 13% têm origem local. Todo o resto vem de fora. Da riqueza que o DF produz, apenas 1,7% vem da chamada indústria da transformação, aquela em que matérias-primas dão origem a produtos. Por exemplo, do couro é feito o sapato, da celulose vem o papel; da areia, o vidro; do calcário, o cimento. Menos de 2% é um desempenho reles, o menor do país. O Produto Interno Bruto do DF de 2012 deve fechar em R$ 180 bilhões. Apenas R$ 3 bilhões têm origem na indústria da transformação.

O DF está à espera de uma revolução industrial. Reúne os atrativos para transformar a capital brasileira em um polo de desenvolvimento econômico. No miolo do país, está geograficamente bem posicionada, no Centro-Oeste, região que alavancou o PIB nacional em 2012. Não falta vontade. O DF sagrou-se a unidade da Federação com mais microempreendedores individuais. Faltam oportunidades. É a cidade com um mercado exigente, de alto padrão, sede do poder político, da cúpula do funcionalismo público, das embaixadas, com um aeroporto que serve de conexão para as principais rotas aéreas do Brasil e que pode se tornar um hub para o transporte de cargas. Mapeamento Presidente da Companhia de Planejamento do A partir de hoje, o Correio publicará uma série DF (Codeplan), Júlio Miragaya é um entusiasta dos de reportagens em que vai mapear a situação da inpotenciais que a capital oferece. Aponta a necessidústria no DF. As matérias vão mostrar os fatores dade de sistematização do desenvolvimento ecoque contribuem para o enfraquecimento do setor. nômico. Considera fundamental, por exemplo, Todas as Áreas de Desenvolvimento Econômico uma pesquisa sobre o mercado candango. “O que (ADEs) criadas como parte do incentivo oficial para as pessoas querem consumir? Nós ainda não sabealavancar o setor produtivo estão desvirtuadas, a mos”, constata Miragaya, à frente do estudo. exemplo de construções de prédios no Setor OficiEnergia é um dos gargalos. A cidade ainda tenta nas Sul de Brasília (leia mais nas resolver problemas de distribuição páginas 24 e 25). da eletricidade em escala doméstica. A série vai revelar também que, Hoje, dos 910.864 consumidores da a cada ano, o DF desperdiça metaCompanhia Energética de Brasília Vizinhos de dos recursos disponíveis do (CEB), apenas 1.725 são industriais. Nos estados do Centro-Oeste, a Fundo do Centro-Oeste (FCO) para Não há rede suficiente para manter performance é bem mais financiamento de novos negócios. parques que demandem alta tensão. arrojada. Em Mato Grosso e O problema é a falta de projetos. O “Até o fim deste ano, teremos investiMato Grosso do Sul, a proporção do R$ 488 milhões na melhoria do desinteresse do setor produtivo reé de 11,9% e 12,9%, side em um leque de razões que cosistema, o que vai reduzir os aparespectivamente. Em Goiás, a meça no preço da terra, passa pela gões”, afirma Rubem Fonseca, presiindústria da transformação insegurança jurídica, excesso de dente da CEB. Mas, na visão dele, esresponde por 15% do PIB, burocracia, ausência de infraestruse não é o insumo principal para desempenho sete vezes superior abastecer a vocação da capital. As tura e política inconsistente de inao do quadrilátero da capital. centivos. Esse caldo espanta os inideias, sim. Fonseca é de uma corvestidores e o desenvolvimento. rente que aposta na tecnologia.

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Daniel Ferreira/CB/D.A Press

Cidades + política e economia no DF

Editor: Marcelo Tokarski marcelotokarski.df@dabr.com.br Tels. : 3214-1119/3214-1113/FFax: 3214-1185 Atendimento ao leitor: 3342-1000

Apesar de ter a maior renda per capita do país, ser o centro geográfico e do poder, Brasília enfrenta desafios, como corrigir distorções nas áreas de desenvolvimento e melhorar a infraestrutura, para impulsionar o setor industrial O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli reforça a necessidade da mudança de mentalidade como gerador da evolução no setor produtivo. “Indústria não é só aquilo que gera ruído, poluição. Esse tipo de indústria não interessa. Alta tecnologia é a nossa vocação”, considera. Um dos projetos que a Fibra no DF aponta como estratégicos é o Parque Tecnológico Capital Digital, cujo edital para a construção do complexo foi lançado na praça este mês. Com área de 96 hectares, do tamanho de uma região administrativa, como a de Candangolândia, a proposta é atrair grandes empresas do ramo da tecnologia da informação, além de centros de pesquisa. Assim como um filho de pai rico, Brasília sobrevive com mesada do governo federal. Os repasses do Fundo Constitucional este ano serão de R$ 10 bilhões. Outra fonte de arrecadação vem do setor de comércio e serviços, alimentado principalmente pelo alto poder de consumo do funcionalismo público. “Brasília vive da monocultura do serviço público. Mas esse é um modelo esgotado, incapaz de resolver problemas que a falta de um parque industrial gera. A desigualdade social é um deles”, expõe o subsecretário de investimentos estratégicos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), Apolinário Rebelo. Entre as empresas que têm procurado o governo interessadas em instalar representações na capital, algumas são ramo da segurança. A SDE tem sido sondada pela indústria do carro blindado, da vigilância armada, da cerca elétrica. Essa, definitivamente, não pode ser uma vocação econômica da capital da esperança.

» Leia mais nas páginas 24 e 25


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24 • Cidades • Brasília, domingo, 24 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE

ADEs: Áreas de desvios econômicos Concebidas para atrair empresas interessadas em gerar emprego e renda, essas regiões são alvo da especulação imobiliária. Em todas, multiplicam-se quitinetes e apartamentos, muitas vezes construídos às margens da lei. A pressão por moradia afasta os empreendedores Fotos: Daniel Ferreira/CB/D.A Press

No Polo de Modas do Guará, obras estão em andamento: os prédios chegam a ter cinco pavimentos, sem autorização

Antonio Neto mora no Setor de Garagens. Quando comprou o apartamento, achou que estava no Plano Piloto, mas seu endereço fica na zona industrial do Guará

No Setor de Expansão Econômica de Sobradinho, as pessoas improvisam moradia no lugar onde deveriam funcionar lojas

mecânicos são pressionados pela demanda habitacional e voracidade dos corretores imobiliários. No endereço até então preservado da ação das construtoras, agora cresce um esa cidade em que o preço do metro pigão. O empreendimento ficou durante quadrado supera o da orla do Rio um tempo embargado pela Administração de Janeiro, a indústria que mais Regional de Brasília, mas agora desponta. prospera em Brasília é a imobiliáNa fachada do edifício, a propaganda inusiria. Nas Áreas de Desenvolvimento Ecotada para uma área destinada a comércio e nômico (ADEs), concebidas como células serviços. “Um e dois quartos, sua próxima de atração para os investimentos privaconquista”, é o chamariz da incorporadora, dos, há toda sorte de desvios. O principal que ainda oferece serviços de condomínios deles: no lugar reservado a negócios, mulde luxo. tiplicam-se ofertas de moradias. EmpreDono da Auto Mecânica Útil, uma das sários que ganharam incentivos para gemais antigas do Setor de Oficinas Sul, Edrar emprego e renda modificaram o status valdo Borges é testemunha das recentes de seus empreendimentos. Com pouco mudanças no lugar em que mantém seu ou nenhum tempo do amadurecimento negócio familiar há 30 anos. O empresário de suas firmas, perceberam que é mais lufoi ostensivamente assediado para vender crativo fechar as fábricas e montar quitisuas lojas que, juntas, formam quase uma netes ao arrepio das regras de urbanismo. quadra. “Já ofereceram muito dinheiro peNão há uma só ADE, entre as 27 criadas lo terreno, mas esse é o nosso ofício, o que na capital federal, que não tenha uma hasabemos fazer”, diz Edvaldo. bitação em situação irregular, como comNo Setor de Garagens e Concessionárias provou a reportagem do Correio ao perde Veículos, há um complexo residencial correr todas essas regiões. com mais de mil apartamentos. Um deles Os exemplos estão por toda parte. No Poocupado por Antonio Neto, que é de Natal lo de Modas do Guará, que se tornou uma (RN), mas veio para Brasília buscar uma vadas áreas símbolo do estímulo público para ga no Itamaraty. Primeiro, ele tentou aluo funcionamento de pequenas indústrias, guel, mas não conseguiu fiadores. Um dia, especialmente no ramo têxtil, o desvirtuasaindo do shopping, uma corretora de calmento é espantoso. O setor inserido em çada lhe deu a solução. Vendeu a ele pelo bairro de classe média se transformou numa preço das prestações que pagaria locação fervilhante área voltada à especulação imouma unidade em biliária. Em cima empreendimende cada loja consto no meio do Setituída como sede tor de Garagens. de uma pequena “Para mim, era empresa surgiu uma oportunidaum prédio, sem de de morar no autorização púPlano Piloto. blica, estudo de Mas, aos poucos, impacto ambienas deficiências tal, alvará que gaforam aparecenranta segurança, do. Sempre falta ordenamento urágua, temos de banístico. Não há chamar camiprevisão de estanhão-pipa. Não cionamento, caltem padaria, farçadas ou espaço mácia, nada por de circulação paHumberto de Almeida: “A fiscalização é falha” perto”, descreve ra bombeiros. AlAntonio. Quando guém de fora que recebe correspasse no setor vai pondência, a verteraimpressãode dade sobre seu endereço. Não é Setor de que o lugar é um cortiço. Garagens, como está na placa do edifício. No Polo de Modas, a 8km do Plano PiloMuito menos Plano Piloto. O CEP indica: to, os prédios chegam a ter cinco andares, ele mora na Zona Industrial do Guará II. muitos em construção. Em 10 anos desde que o lugar foi inaugurado, a população Casamuitoengraçada quadruplicou. A previsão inicial era para até 2 mil moradores, entre artesãos, costureiEm Sobradinho, no Setor de Expansão ros, designers, estilistas, operários. Mas hoje Econômica (SEES), as moradias são imesses profissionais, os poucos que restaram, provisadas. É assim na casa da faxineira estão cercados de construções residenciais Luciana Xavier. O espaço sem divisórias e precárias, mal-acabadas e improvisadas. O uma grande porta de aço central dão pistas avesso do planejamento. No centro, um oude que ali funcionava uma loja. Entretanto, tdoor com propaganda de uma corretora o que se vê pela fenda não são clientes, sintetiza o cinismo: “Eu tenho o imóvel que nem empresários. No lugar, circulam famívocê procura”. lias, como a de Luciana. Desde 2011, ela viIsolado. É como o publicitário Humberve com os dois filhos, a irmã e o sobrinho to de Almeida se sente. Ele e o sócio, Aleno cômodo sem paredes. Dividiu com lenxandre da Silva, montaram uma confecção çóis. Não há janelas. A porta é por onde cirde bolsas, necéssaires, estojos com marca cula o ar. Mesmo com as adaptações, está própria. Ultrapassaram a barreira dos dois satisfeita. O preço do aluguel no SEES anos, tempo em que a maioria das micompensa (R$ 200), mais barato que na recroempresas fecha as portas. Vendem seus dondeza, como a Vila Dnocs, uma das inprodutos até em outros estados e emprevasões mais pobres do DF, hoje beneficiagam 15 funcionários. Mas vivem no sufoco. da por projetos de moradia do governo. “Há meses em que não tiramos salários. Só Vizinho de Luciana no SEES, Aldear Cosde aluguel são R$ 4 mil”. ta tem uma loja de conserto de eletrodoHumberto conta que, embora já tenha mésticos. Só continua ali porque já tinha tentado inúmeras vezes conquistar um lote uma clientela cativa e faz serviços em domido Pró-DF — parte do programa de incenticílio. “O SEES não é morto não, é morto e vo do governo aos empresários —, nunca meio. Se eu dependesse do movimento da conseguiu o terreno. Quando olha ao redor e rua, não conseguiria me manter”, diz Alpercebe que em dois anos a configuração dear, que assistiu ao surgimento de um espacial mudou, lamenta a falta de Estado: bairro em meio às pequenas empresas. “Para nós, que produzimos dentro do que “Quem se mantém aqui são aqueles que fafoi combinado, não há incentivo. Mas olha o zem casinhas para aluguel”. Em média, o lotanto de igreja que está surgindo. A fiscalizate no SEES custa R$ 100 mil. Com alguma ção é falha”, critica Humberto. construção, o valor salta para R$ 180 mil. O aluguel de uma loja varia de R$ 500 a R$ 1 A oficina e o espigão mil. Cifras difíceis de se alcançar em pequenos negócios. O que se tornou uma praga para o emNo Gama, endereços industriais são preendedorismo no Guará está disseminaanunciados para moradia na internet. Condo nas ADEs. Em todas as regiões, há flasulta às páginas na web vai apontar apartagrantes da omissão do poder público em mentos de até R$ 500 mil, com preço míniimpedir a especulação imobiliária nos lomo de metro quadrado por R$ 3 mil. Hoje, o cais que deveriam gerar postos de trabalho. Setor Industrial é representado por duas fáNo Setor de Oficinas Sul, localizado na bricas, a Ambev, de bebidas, e Rexman, que região administrativa de Brasília e a menos produz embalagens de plásticos. de um quilômetro de dois shoppings, os » LILIAN TAHAN » ANA MARIA CAMPOS » FLÁVIA MAIA

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CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 24 de março de 2013 • Cidades • 25

Breno Fortes/CB/D.A Press

Daniel Ferreira/CB/D.A Press

Em Águas Claras, uma igreja ocupa quatro lotes da ADE Daniel Ferreira/CB/D.A Press

No Setor Industrial de Taguatinga, prostitutas e travestis oferecem seus serviços à luz do dia: sexo é o produto mais comercializado

A poucos metros do templo, a boate Zeus exibe atrações apimentadas

Daniel Ferreira/CB/D.A Press

Céu e inferno S.A.

A proliferação de igrejas também pode ser vista no Guará

Daniel Ferreira/CB/D.A Press

Igrejas, boates, hotéis e até mesmo casas de swing invadiram as áreas de desenvolvimento econômico em várias regiões administrativas do DF. Esses locais foram planejados para gerar empregos, renda e atender ao interesse público

rasília foi planejada para funcionar em zonas. Nada mais natural, portanto, encontrar hospitais no Setor Hospitalar, hotéis no Setor Hoteleiro, escritórios no Setor de Autarquias, lojas no Setor Comercial. Nos polos reservados para a produção, no entanto, essa lógica foge à regra. Há uma variedade de atividades que, em alguns casos, chega a ser bizarra. O Correio flagrou o desvirtuamento das áreas de desenvolvimento econômico (ADEs) em dois extremos. Onde deveria haver comércio, serviços e pequenas indústrias, tem pipocado igrejas, boates e até casas de prostituição. Estabelece o Programa de Apoio ao Empreendimento Produtivo do Distrito Federal em seu primeiro item: “O Pró-DF tem por finalidade ampliar a capacidade da economia local na produção de bens e serviços e na efetiva geração de emprego, renda, receita tributária”. Mas em várias ADEs, a norma básica é ignorada. Em Águas Claras, por exemplo, a Igreja Batista Evangélica de Brasília ocupa quatro lotes, que, juntos, somam 2,8 mil m². Vista do alto, a área contrasta com o tamanho dos outros. O endereço é valorizado, fica em frente ao balão do Riacho Fundo, a 15 minutos da Rodoviária do Plano Piloto. Nagib Lacerda, membro da igreja, diz que os terrenos foram alugados por uma corretora de imóveis no valor de R$ 28 mil. O lugar, onde antes funcionou uma fornecedora da Elma Chips, agora distribui bênçãos. Realiza cultos às terças, quintas, sextas-feiras e aos domingos pela manhã. Nas noites de sexta também tem programação, o Altas horas, com shows gospel. Fora desse período, o prédio com área construída de 1,7 mil m² fica ocioso, inclusive as seis vagas de garagem reservadas para os pastores. Sem nenhuma característica que remeta aos princípios das ADEs, as igrejas se tornaram uma atividade comum nesses setores em todo o DF. No Polo de Modas do Guará, praticamente cada rua tem a sua. Uma fachada com o nome, algumas cadeiras, o microfone e está montado o templo, que, em geral, fica fechado durante o dia. Vizinha de parede com a Confecção Aquarela, que exibe a placa do PróDF está a Central da Fé, na Rua 39. A menos de 100m, fica a Igreja Evangélica Missionária Deus Conosco. Poucos passos à frente, o Ministério Apostólico Aliança em Cristo, que avisa: “Lugar de bênçãos”.

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Fomento da política Área concebida para ser um centro de tecnologia, o Setor de Indústria Bernardo Sayão (SIBS), no Núcleo Bandeirante, ainda é território de algumas empresas de informática. Mas muitas se foram. É o caso da Novadata Sistema de Computadores, beneficiada pelo Pró-DF em 1997 com o compromisso de gerar 240 empregos. O dono da empresa, Mauro Dutra, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, transferiu o negócio para Ilhéus, na Bahia. Em Bernardo Sayão, um outro tipo de negócio começa a surgir. Na Quadra 3 do SIBS foi instalada a sede do Partido Liberal Cristão (PLC). A legenda busca assinaturas para se estabelecer na Justiça Eleitoral, com a proposta de representar os evangélicos. Não existe oficialmente, mas no DF já tem endereço em um terreno onde, conceitualmente, deveria funcionar um empreendimento comercial ou industrial. Imponente prédio com subsolo e mais quatro pavimentos no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (Saan) é a sede de mais uma igreja encravada em território onde a vocação foi um dia idealizada para a atividade econômica. No edifício, um banner com dimensões de outdoor conclama os fiéis ao “culto do trabalhador”.Vestidos com uniformes, os personagens da propaganda são a única referência à atividade originária do setor. O galpão, que ainda oferece aluguel de salas a R$ 3,5 mil por pavimento, fica ao lado de uma casa noturna recém-construída, mas que ainda não foi inaugurada. A boate espelhou-se na popularidade de um outro empreendimento duas quadras acima, a Vic Tória Haus. De dia, o espaço funciona como sede de um site de moda. À noite, vira fervorosa balada em palco que já ofereceu entre suas atrações Tati Quebra Barraco, Gretchen, a porn star François Sagat e o ex-RBD (grupo mexicano Rebeldes) Christian Chávez. Há dois anos sob nova direção, a casa já existia como Blue Space. Tanto a igreja quanto a boate têm alvará de funcionamento, prova de que mantêm atividade com autorização oficial, mas sinal de que o poder público sempre fez vista grossa para os desvios. O desvirtuamento das ADEs é tratado com naturalidade até entre empresários. Proprietário da Mirage Club, Américo Oliveira aposta que o Setor de Desenvolvimento Econômico do Recanto das Emas é o melhor lugar para se abrir uma casa de shows na cidade a 25km do Plano Piloto. A boate, segundo ele, funciona há dois anos em um galpão alugado por um beneficiário do Pró-DF. “O dono pagou pelo lote. Agora, aluga”, diz Américo.

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» ANA MARIA CAMPOS » LILIAN TAHAN » FLÁVIA MAIA

Em Taguatinga, o Magic Love Drive In é opção barata de motel

Fábrica de fantasias Na ADE de Águas Claras, é possível circular entre o céu e o inferninho atravessando apenas duas quadras. A Igreja Batista fica na 19 da Área de Desenvolvimento Econômico. Descendo um pouco, chega-se à porta da Zeus Night Club, uma casa privê, “exclusivamente para casais praticantes do swing e do ménage”. Batizado com o nome de um deus grego, o estabelecimento, aberto em agosto de 2011, oferece shows e eventos “para satisfazer as maiores e íntimas fantasias”. O marketing da casa é sugestivo: “Brasília também é a capital do prazer”. Na fachada da boate, o endereço é informado sem constrangimento: ADE, Conjunto 14, Lote 14, Águas Claras. Quem porventura não se sentir à vontade em um dos ambientes da casa de swing tem mais opção na Área de Desenvolvimento Econômico de Águas Claras. Na Valor de aluguel pago pela Quadra 12, foi instalado o 1001 Igreja Batista Evangélica de Noites Hotel, que oferece proBrasília por quatro lotes que moções para permanência ocupa em Águas Claras por período de duas horas. No Setor Industrial de Taguatinga, sexo é um dos produtos à venda em cada esquina. Na semana passada, o Correio circulou pelas quadras, ainda à luz do dia, e flagrou negociações entre clientes com mulheres e travestis na rua, no setor destinado para a indústria, onde fica, por exemplo, a fábrica da Coca-Cola. Na região, também há nights clubs, como o Angels, cujo letreiro é uma asa — de um lado anjo, do outro, diabo. Colada ao empreendimento, com a mesma placa de propaganda, encontra-se o Magic Love Drive In, um tipo de motel em que os casais fazem sexo em uma cadeira erótica ou dentro do carro.

R$ 28 MIL


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18 • Cidades • Brasília, segunda-feira, 25 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE

Empresas instaladas no DF enfrentam problemas estruturais a fim de ampliar os negócios. Em muitos polos de desenvolvimento, falta energia elétrica e até mesmo serviços de telefonia

Pequena e sem fôlego para crescer Carlos Moura/CB/D.A Press

» LILIAN TAHAN » ANA MARIA CAMPOS » FLÁVIA MAIA e o desenvolvimento da economia do Distrito Federal pudesse ser representado por um empreendimento, seria uma pequena empresa do ramo do vestuário ou da alimentação, com até 100 empregados, cujos salários médios giraria em torno de R$ 2,5 mil. O negócio teria sede emTaguatinga, em Ceilândia, em Brasília ou no Guará e, se fosse uma fábrica, funcionaria a plenos vapores apenas 18 dias por mês. Essa é a cara da produção no DF. Embora a capital da República e as cidades que a rodeiam estejam geograficamente bem situadas, com oferta de espaço e público de alto poder aquisitivo, o progresso econômico ainda é limitado. No quadrilátero, há 5,4 mil estabelecimentos em atividade. Praticamente a totalidade desses negócios (98%) funciona como micro ou pequenas empresas, segundo dados da Federação da Indústria do DF (Fibra-DF). Mais da metade (54%) está concentrada em apenas quatro cidades e lida com a produção de consumo imediato, como alimentos e fabricação têxtil. Trabalham com margem de ociosidade na faixa de 35%, perto de um terço da capacidade real, ou seja, os empreendimentos até poderiam produzir mais, porém, devido ao perfil das mercadorias fabricadas no DF, ficariam com a produção encalhada. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicam que, em janeiro, a utilização da capacidade instalada da indústria brasileira foi de 81,6%, ou seja, a ociosidade no cenário nacional foi 18,4%. Se há subutilização das engrenagens, sobram também áreas para novos empreendimentos. Em um dos espaços mais consolidados, o Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA), onde se situa a Cidade do Automóvel, há 367 lotes do Pró-DF. Na região, funcionam 125 empresas. Em um dos locais mais centrais do DF, no entanto, entre o Plano Piloto e Taguatinga, ainda há cerca de 200 terrenos por ocupar. A administradora do setor, Maria do Socorro Torquato, conta que há uma série de litígios envolvendo a tramitação dos processos de concessão das áreas. “Esse é um dos lugares mais coerentes com a destinação original de desenvolvimento, mas ainda há benfeitorias que precisam ser feitas para atingir todo o potencial”, diz Maria do Socorro. O acanhamento do setor industrial deve-se a uma junção de fatores. Um dos mais graves está ligado à falta de infraestrutura. Há um insumo elementar que hoje não suportaria manter um parque industrial razoável no DF. O sistema atual de distribuição da Companhia Energética de Brasília (CEB) não tem força suficiente para abastecer um setor de alto consumo. Hoje, com seus recorrentes apagões, a CEB atende a 910.864 consumidores, sendo apenas 1.725 deles em pontos industriais, apenas 0,19% do mercado. Do grupo reduzido dessa clientela, há vários casos de fábricas com dificuldades para fazer rodar as engrenagens. No Polo JK, em Santa Maria, a 26km de Brasília, a União Química Farmacêutica Nacional, um laboratório de medicamentos, precisou se valer de cinco geradores durante metade do ano passado para compensar a falta de energia elétrica. “O óleo diesel para manter os equipamentos é caro, eleva o preço do produto final e nos torna menos competitivos”, compara o presidente da empresa, Fernando Marques. À frente da maior fábrica do DF, que funciona em terreno de 22.477m², comprado por meio do PróDF, Fernando Marques é porta-voz de recorrente reclamação do empresariado que se estabelece em Brasília. Cita que enfrenta problemas de segurança pública e até da falta de saneamento básico. “Nós mesmos tratamos o esgoto e irrigamos o jardim”, conta. O empresário, que manteve estreitas relações políticas com todos os governos que já passaram pelo DF nos últimos 15 anos, não se constrange de reclamar da gestão pública que restringe o negócio. Sua empresa ganhou 80% de desconto no valor do lote. “O governo precisa entender que polo industrial não é só terreno”, exige o empresário.

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Vizinha à União Química está a fábrica de refrigerantes Cerradinho. Com 85 empregados, a indústria se encaixa no perfil das que se estabeleceram no DF. Fabrica produto de consumo imediato, água com gás, além de vários sabores de bebidas. Com financiamento público de R$ 7 milhões, a empresa vai investir na construção de uma subestação de energia elétrica que lhe dê autonomia para crescer, sem risco de ficar refém dos apagões. O dono da Cerradinho é o vice-governador Tadeu Filippelli. Se para os grandes, como a União Química, com acesso a incentivos fiscais e linhas de financiamento para a expansão dos negócios, há entraves de infraestrutura, os pequenos empresários, maioria no setor produtivo do DF, são os que mais enfrentam

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

José Luciano é o único empresário na Área de Desenvolvimento Econômico do Gama: “Fiz no peito”

Isolados no centro do país Daniel Ferreira/CB/D.A Press

dificuldades. Metade da Área de Desenvolvimento do Gama (ADE) do Gama não tem asfalto, água encanada, esgoto, nem energia. A rede elétrica até passa em alta tensão, mas não faz escala nesse setor. Na outra metade, está José Luciano Nério, o único empresário estabelecido na ADE. Ele mexe com lanternagem e pintura de ônibus, emprega 10 funcionários. Embora com estrutura mínima, ainda tem dificuldades, como telefone. Não há cabeamento para aquelas bandas. Precisou contratar um serviço especial a fim de que as ligações de clientes em número fixo fossem transferidas para o aparelho celular. “Construí sem água, sem energia. Fiz no peito”, conta. Mão de obra industrial é outro gargalo. Como a maior porcentagem da economia vem do setor de serviços, os cursos profissionalizantes oferecidos na capital da República, como os do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e do Sesc (Serviço Social do Comércio) focam na demanda do mercado e acabam não formando profissionais para os parques fabris. “Aí vem a questão do ovo ou da galinha. Para que formar mão de obra, se a atividade é praticamente inexistente? Mas também se você não tem trabalhadores qualificados, como atrair novas indústrias?”, analisa José Kobori, coordenador do MBA de finanças do Ibmec e sócio da JK Capital, empresa especializada em fusões e aquisições. O diretor da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília, Antonio Brasil Junior, conta que a UnB lança no mercado cerca de 350 engenheiros

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Subestação própria

Presidente da União Química, laboratório de medicamentos instalado em Santa Maria, Fernando Marques usa geradores para complementar a oferta de energia

Com 85 empregados, a fábrica de refrigerantes Cerradinho investe para não ficar refém dos apagões

por semestre. Dos que ficam no DF, os engenheiros civis são os que conseguem emprego mais rapidamente em função da força da construção civil na capital. Mais uma vez, o mercado imobiliário se sobrepõe. Os profissionais de automação e de tecnologia da informação (TI) também conseguem se encaixar no perfil dos postos de trabalho de Brasília. Mas os que dependem de uma atividade industrial ficam sem opção. “É o caso de quem vai trabalhar na indústria automotiva, de petróleo, aeroespacial. O setor de TI também poderia ganhar mais força no DF, mas fica aquém das potencialidades”, diz Brasil.

Como numa escala de produção industrial, que depende de várias etapas, o processo trava quando uma das fases falha. Na cadeia da fabricação, a distribuição da mercadoria é essencial. Sem logística o produto encarece, demora a chegar, perde competitividade, cria um mercado restrito. Mesmo posicionada no centro do país, a capital está isolada. O setor fabril tem dificuldade de escoamento. Está distante de grandes portos marítimos, com uma malha rodoviária sobrecarregada, cujo tipo de transporte de pneus, encarece a produção. Além disso, o DF está fora da rota ferroviária da linha Norte-Sul, que chegará na porta da vizinha Anápolis, a 100 quilômetros do DF, mas não em Brasília. O superintendente de Desenvolvimento do CentroOeste (Sudeco), Marcelo Dourado, destaca com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que o trecho Brasília-Goiânia já tem 6 milhões de pessoas. Segundo estima, essa população vai dobrar. Só vai perder para o Eixo Rio-São Paulo. Hoje, 46% da produção de grãos do Brasil parte do Centro-Oeste, mas viaja até o Porto de Santos para ser exportada, uma volta de 4 mil quilômetros. Marcelo Dourado confia que uma das saídas para a integração do DF com o resto do país se dará por meio da implantação do trem Brasília-Anápolis-Goiânia. “Precisamos recuperar mais de 100 anos de atraso. O futuro do DF passa pelos trilhos”, projeta o superintendente da Sudeco.


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Cidades + política e economia no DF

Editor: Marcelo Tokarski marcelotokarski.df@dabr.com.br Tels. : 3214-1119/3214-1113/FFax: 3214-1185 Atendimento ao leitor: 3342-1000

cidades.df@dabr.com.br Brasília, terça-feira, 26 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE • 19

Vizinhos mais atraentes Custo operacional alto, mão de obra dispendiosa e pouco incentivo fiscal afastam grandes empresas da capital e transferem o desenvolvimento para municípios próximos Daniel Ferreira/CB/D.A Press

» LILIAN TAHAN » ANA MARIA CAMPOS » FLÁVIA MAIA um dos setores pioneiros de Brasília concebidos como porta de entrada da produção, um muro separa o desenvolvimento do retrocesso; a oportunidade, da falta de perspectivas; a atividade, do desemprego; a ausência de Estado, da presença do poder público. De um lado do paredão, no Setor de Abastecimento e Armazenagem Norte (SAAN), pequenas fábricas de alimentos, empresas de concretagem, confecções, firmas de vigilância privada. Do outro, um grupo de 20 pessoas que vive do lixo, mora em barraco de madeirite, coberto por lona, sem acesso a água ou a esgoto. São os integrantes da família Ferreira. Sobrevivem das sobras. Ocupam terreno vizinho a lotes vazios do Pró-DF, programa de desenvolvimento econômico do governo local. Nunca atravessaram a linha que divide o improviso do progresso. Esse é um triste retrato da falta de oportunidade, associada, no Distrito Federal, a uma indústria ainda retraída, pouco diversificada e sem competitividade. Setor que, se trabalhado em toda sua potencialidade, poderia absorver boa parte de um exército de desocupados. O DF tem hoje o segundo maior índice de desemprego entre as regiões metropolitanas do país. São 178 mil pessoas. Perde apenas para a capital baiana, Salvador. Os números são cartesianos. Apontam que grandes investidores preferem as unidades da Federação vizinhas, com uma carteira de vantagens mais atrativas do que as oferecidas aqui, onde a terra é cara, o custo operacional é alto, com mão de obra mais dispendiosa e incentivos fiscais menos atraentes. Os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a indústria contribui com 19,2% do PIB brasileiro. No DF, essa participação é de apenas 1,7%, a menor do país. Parte da performance nacional vem do setor automobilístico, grande gerador de tributos e de postos de trabalho em larga escala.

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Próximo a lotes vazios do Pró-DF, vive a família Ferreira, que tira o sustento do lixo: vida no improviso O secretário de Governo, Indústria e Comércio do município, Orestes Guimarães, conta que o preço do metro quadrado dos imóveis no lugar dobrou depois que a montadora anunciou a ida para lá. Ele informa que, em agosto, a Stemac — maior indústria no Brasil do ramo de geradores, com faturamento de R$ 2 bilhões ao ano —, vai iniciar as atividades na cidade. Orestes relata como Itumbiara passou a atrair os investidores: “Temos uma forte participação dos governo do Estado e do município, com incentivos fiscais, seriedade no cumprimento do protocolo de intenções. Também colocamos os equipamentos da prefeitura para obras de terraplanangem, escoamento de águas pluviais, construção de lagoas para a recepção dessas águas”.

Vantagem Em 1997, a Mitsubishi chegou a cogitar a possibilidade de montar sua fábrica no DF. O presidente do conselho da montadora, Eduardo de Souza Ramos, esteve em Brasília para uma reunião

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O Distrito Federal sempre esteve fora da rota desse segmento. Dos quatro momentos de implantação das montadoras no Brasil, a capital nunca foi opção. Mais recentemente, nas terceira e quarta ondas da expansão desse setor, ocorridas nos últimos 20 anos, essa atividade entrou na Região Centro-Oeste, mas pela porta de Goiás. “Brasília nem partic ipa da disputa. Está na quarta divisão desse jogo”, considera Julio Miragaya, presidente da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan). Anápolis, entre Goiânia e Brasília, abriga a fábrica da Hyundai. Catalão, distante 313km da capital, a da Mitsubishi. Juntos, os dois parques produzem 70 mil veículos por ano, segundo levantamento da Codeplan. Em 15 de fevereiro, a Suzuki começou suas atividades em Itumbiara, município do sudeste goiano, já na divisa com Minas Gerais. Depois de uma parceria com a Mitsubishi, o início da montagem do Jimny (um modelo de jipe) passou para Catalão e o acabamento ficou em Itumbiara. A instalação da japonesa no interior de Goiás mudou características na cidade.

com o então deputado federal e empresário Paulo Octávio e com o representante da marca em Brasília, Marcos Cardoso, dono da Nara Veículos. Ex-vice-governador, Paulo Octávio lembra que intermediou o encontro de Ramos com o então governador do DF, Cristovam Buarque. “Quando o então governador de Goiás, Maguito Vilela, soube da intenção da Mitsubishi, mandou um jato vir buscar o presidente da companhia. Não perdeu tempo, ofereceu todas as condições para hospedar a montadora, certo de que seria uma vantagem para o Estado”, lembra Paulo Octávio. Em 15 de julho de 1998, começou em Catalão a primeira linha de montagem da caminhonete L200. Hoje, a fábrica produz 200 carros por dia. O município cresceu. Abriga outras indústrias, como a gigante de tratores John Beer Motors, maior empresa de sementes do mundo, a Pioneer e a produtora de fertilizantes Copebrás. O ímã do município com 90 mil habitantes — quatro vezes menor em termos de número de moradores do que a Ceilândia, no DF — é a combinação de mão

de obra, localização estratégica e incentivos fiscais. Ligado à prefeitura, o Centro de Educação Profissional (Cepac) forma 4 mil técnicos por ano. As universidades com sede no município tem potencial para injetar no mercado quase 10 mil profissionais a cada quatro anos. A chegada da industrialização gerou riquezas. O Produto Interno Bruto per capita de Catalão é de R$ 45,8 mil, maior do que o de São Paulo (R$ 32 mil), de Porto Alegre (R$ 25 mil) e a caminho de se igualar ao do DF (R$ 58,4 mil), o mais alto entre as unidades da Federação. Secretário de Comércio e Indústria do município, Geraldo Vieira Rocha, diz que as taxas de desemprego na cidade são insignificantes. “Só não trabalha quem não quer”, acredita. Gargalos no setor produtivo do DF não só deixam de atrair novos investimentos, como espantam quem já criou raízes na capital federal. A Asa Alimentos, que comprou a Só Frangos, optou por fazer sua expansão com foco na exportação em Tocantins, na cidade de Aguiarnópolis. O conglomerado também abriu unidades em várias

cidades goianas. “A tributação de Goiás e de Tocantins permite que o meu produto seja mais competitivo”, explica Aroldo Silva Amorim, presidente da Asa. No caso de Tocantins, o empresário ainda cita as facilidades logísticas, como o fato de estar próximo à Ferrovia NorteSul e àTransnordestina. Enquanto os empresários preferirem os vizinhos, famílias como a de Antônia Marluce Ferreira, que mora com marido, filhos, cunhados, netos, sobrinhos em uma invasão adjacente a lotes do PróDF seguirão na clandestinidade. Hoje, tiram o sustento com a venda do que catam dos restos despejados por moradores do Cruzeiro. Com a atividade, cada homem da família consegue R$ 600 por mês. Nunca tiveram oportunidade de ocupar um posto de trabalho na regiãoemquevivemhánoveanos, uma área de desenvolvimento econômico. “Só chamam a gente para capinar o mato aí da frente. Vale mais a pena o lixo”, diz o paraibano Flávio Ferreira, 24 anos, morador da invasão no SAAN.

» Leia mais na página 20


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20 • Cidades • Brasília, terça-feira, 26 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE

Financiamento desperdiçado Verbas do fundo constitucional criado para alavancar o crescimento do setor produtivo no Centro-Oeste são subutilizadas no DF Gustavo Moreno/CB/D.A Press

» ANA MARIA CAMPOS » LILIAN TAHAN » FLAVIA MAIA nstalado há 23 anos na Quadra de Oficinas (QOF) da Candangolândia, o empresário João Cirilo se ressente da dificuldade para fazer crescer o empreendimento de reforma de tapetes e estofados que montou. Ele era um dos oficineiros de fundo de quintal da cidade, a 15km de Brasília, quando ingressou num dos programas de incentivo do Governo do DF, então comandado por Joaquim Roriz. Ganhou um terreno onde construiu a loja e, no pavimento superior, a moradia. O problema, no entanto, é a falta de dinheiro para qualquer melhoria. “Moro aqui há mais de 20 anos, até hoje sem escritura da minha propriedade. Produzo e pago impostos, mas não consigo financiamentos para ampliar a minha empresa”, lamenta. O sonho de Cirilo é abrir uma fábrica de estofados, contratar empregados e progredir. Aos 64 anos, tem poucas esperanças de se tornar um empresário competitivo. “Já vi passar aqui na minha porta uns quatro governadores e vários políticos sempre com a mesma promessa de que as coisas vão mudar”, conta. Para pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), uma despesa de R$ 1,8 mil, ele aluga metade do espaço que poderia ser aproveitado na fabricação de tapetes a uma oficina de carros. A falta de título de propriedade é um dos fatores que levam ao entrave do crescimento de parte do setor produtivo no DF. Na capital do país, o Fundo Constitucional de Financiamento do CentroOeste (FCO), criado como mecanismo de incentivo para a abertura ou a expansão de negócios — e uma das fontes buscadas por João Cirilo para melhorar de vida — tem sido desperdiçado todos os anos. De 2007 a 2012, R$ 2,4 bilhões destinados originalmente para o Distrito Federal acabaram por financiar empresas de unidades da Federação vizinhas. O motivo é a falta de projetos viáveis na indústria e na agricultura, setores com mais possibilidade de receber recursos do FCO. Mais da metade do dinheiro que poderia abrir portas de fábricas, ampliar o capital de giro ou modernizar a produção, com a geração de emprego e renda no quadrilátero, foi distribuído para fortalecer a economia de Goiás, de Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. A perda chegou a 53,38% nos últimos seis anos. Na área agrícola, o prejuízo é grande justamente por falta de regularização das áreas rurais. Sem a propriedade, os produtores não têm condições de oferecer ga-

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Instalada no SIA, a Asa Alimentos tem as atividades prejudicadas pelas dificuldades dos fornecedores

Daniel Ferreira/CB/D.A Press

João Cirilo não consegue ampliar o negócio por não ter o título do imóvel rantias para a instituição financeira — Banco do Brasil ou Banco de Brasília (BRB). Uma das grandes fábricas do DF, a Asa Alimentos conseguiu ampliar as instalações com recursos do FCO, mas as atividades são atingidas pelas dificuldades dos fornecedores de insumos. “Sem a titularidade das terras, os produtores se tornam menos competitivos, com preços mais altos”, analisa o presidente da Asa, Aroldo Silva Amorim. Um levantamento da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), feito a pedido do Correio, mostra que o DF conseguiu, no ano passado, alcançar a melhor performance desde 2007, quando apenas 31,2% do FCO foram utilizados para financiamento de empresas locais. Em 2012, o índice chegou a 57,6%. Mesmo assim, o desempenho é um fiasco perto do que Goiás tem conseguido captar. A média histórica do estado vizinho é de 125,73%, ou seja, o empresariado goiano supera a mar-

ca inicial prevista no orçamento da União para o incentivo do desenvolvimento regional. Em seis anos, eles levaram grande parte dos financiamentos que poderiam chegar ao DF: receberam R$ 1,8 bilhão a mais.

Limitação O superintendente da Sudeco, Marcelo Dourado, explica que o DF e os estados do Centro-Oeste têm uma cota original na distribuição dos recursos. Em setembro de cada ano, esses montantes são reavaliados e realocados de forma que projetos viáveis recebam financiamentos e o dinheiro não fique sem uso. Brasília até dispunha de propostas para empresas no ramo de comércio e de serviços, mas essa linha de crédito se perdia pela limitação de 20% do montante que havia na lei do FCO para o setor. “Hoje, essa barreira não existe mais. Conseguimos, no ano passado, aprovar uma alteração legal que acaba com a limitação para comér-

cio e serviços, o setor mais forte no DF”, diz Dourado. A alteração ocorreu por meio de uma emenda de autoria do senador Walter Pinheiro (PT-BA) em medida provisória (MP) relacionada aos fundos de desenvolvimento. “O fluxo de recursos para o DF vai aumentar”, acredita o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). Essa solução, no entanto, não será suficiente para alavancar os investimentos no setor industrial, para o qual a verba está em caixa, mas nunca é aproveitada em toda a sua potencialidade. Para o presidente da Fecomércio, Adelmir Santana, a entidade foi importante no processo de convencimento dos congressistas pelo fim da restrição para o segmento. “Essa alteração trouxe benefício significativo, sem inibir os projetos da indústria e da agricultura, mas dando margem de crescimento ao comércio e serviços, principal vocação do DF”, acredita Santana. O secretário de Fazenda do DF, Adonias dos Reis Santiago, justifica que Goiás ganha a preferência do setor produtivo porque mantém dois grandes programas de incentivo, o Produzir e o Fomentar. Enquanto isso, a capital brasileira teve programas de incentivo fiscal considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal e, consequentemente, suspensos. O secretário afirma que o governo teve de mudar o modelo de estímulo. “O DF abriu mão do modelo de renúncia tributária e, agora, vai facilitar por meio de financiamentos”, afirma Adonias. A Câmara Legislativa aprovou duas leis que autorizam a prática para o setor produtivo no fim do ano passado.

Obituário Envie uma foto e um texto de no máximo três linhas sobre o seu ente querido para: SIG quadra 02 lote 340, setor gráfico. Ou pelo e-mail: cidades.df@dabr.com.br

Sepultamentos realizados em 25 de março de 2013 Campo da Esperança Ana Gomes de Moura, 85 anos Antônio Gonçalves de Abreu, 67 anos Arlete Moreira Santana, 51 anos Ermenegildo Rodrigues de Sousa, 74 anos Francelisio Van Der Broocke, 69 anos Gentil José da Silva, 64 anos José Venancio Barbosa, 75 anos Josefina de Souza Miranda, 91 anos Maria Aparecida G. de Almeida, 61 anos Taguatinga Antonia de Faria Ferreira, 75 anos Avelina Pereira Galvão, 92 anos

Davi Lucca Pereira da Silva, menos de 1 ano Francisco de Assis M. do Nascimento, 52 anos Ivene Silva de Souza, 87 anos Marcelo Antônio R. Maximiano, 46 anos Maria José Lima De Souza, 63 anos Wesley Viana de Sousa, 16 anos Gama Antonio Grigorio da Silva, 62 anos Deusdete dos Santos, 46 anos Edson da Silva Ramos, 44 anos Luan da Silva Torres, 16 anos Severina de Araújo da Silva, 83 anos Sthanley Thompson da S. Rodrigues, 14 anos

Planaltina Hildebrando Antônio Pedroso, 63 anos Olimpia Alves dos Santos, 76 anos Sobradinho Jazon Leandro de Carvalho, 68 anos Jorge Augusto Braga, 86 anos Maria Sofhia Oliveira de Sousa, menos de 1 ano Samuel de Sousa Oliveira, menos de 1 ano Jardim Metropolitano Jhonny Alves dos Santos, 28 anos Anderson Rodrigues da Silva, 33 anos Iremar Dantas De Oliveira, 53 anos

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Editor: Marcelo Tokarski marcelotokarski.df@dabr.com.br Tels. : 3214-1119/3214-1113/FFax: 3214-1185 Atendimento ao leitor: 3342-1000

Cidades + política e economia no DF

cidades.df@dabr.com.br Brasília, quarta-feira, 27 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE • 19

Contestação judicial de incentivos fiscais concedidos pelo Distrito Federal ao setor de distribuição de mercadorias é outro fator que atrasa o desenvolvimento da região. De acordo com o MP, as empresas devem R$ 10 bilhões aos cofres públicos

Ataque aos atacadistas Gustavo Moreno/CB/D.A Press

» ANA MARIA CAMPOS » LILIAN TAHAN » FLÁVIA MAIA insegurança jurídica é um dos gargalos do crescimento econômico no Distrito Federal. Empresários reclamam das incertezas na condução de políticas de incentivos fiscais e de desenvolvimento. Um dos principais exemplos da derrota de um modelo adotado para atrair novos empreendimentos, gerar empregos e aumentar a arrecadação tributária envolve o setor atacadista. Quem aderiu ao Tare (Termo de Acordo de Regime Especial), com redução do recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), hoje, amarga as consequências por ter ingressado num programa instituído pelo próprio poder público em 1999. Benefícios fiscais se transformaram em litígios e dívidas. Para alguns, um pesadelo. Um risco de quebrar. A estimativa do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) é de que 700 atacadistas, o braço distribuidor da indústria, devam aos cofres públicos R$ 10 bilhões. Criado como fator essencial para estimular um setor que, até o fim dos anos 1990, tinha participação irrisória no recolhimento do ICMS, o Tare foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em ação proposta pelo estado de São Paulo, o mais industrializado do país, em decorrência da chamada guerra fiscal. Para os ministros do STF, a renúncia fiscal deveria ser aprovada previamente pelo Conselho de Política Fazendária (Confaz). O órgão regula distorções que podem favorecer unidades da Federação em detrimento da economia de outras. Processos com teor semelhante relativos a estados como Amazonas, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Bahia e Mato Grosso do Sul também tramitam na Justiça. Os incentivos fiscais aqueceram o mercado de distribuidores no DF ao longo de 10 anos, a partir de 1999. De acordo com dados do Sindicato do Comércio Atacadista do DF (Sindiatacadista), a participação do segmento na economia dobrou. A contribuição para a arrecadação tributária cresceu 365%, ou seja, quase quintuplicou. Passou de R$ 168 milhões, em 2001, para R$ 784,4 milhões, em 2009. “No Distrito Federal, a atuação do Ministério Público é muito rigorosa porque o órgão está subordinado à União, e não ao estado. Não há uma visão de que todos precisamos trabalhar juntos em nome do desenvolvimento econômico”, acredita o presidente do Sindiatacadista,

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A Asa Alimentos, instalada no DF há quase 50 anos, é uma das empresas contestadas judicialmente por ter recebido o benefício oferecido pelo governo na cobrança do ICMS Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

vam em conta declaração dos próprios empresários à Receita do DF.

Estagnação Prejuízo O incentivo previa redução que variava de 2,5% a 4,5% nas operações de crédito e débito de ICMS feitas no DF. Para alguns estados, como São Paulo, que contestou a renúncia fiscal na Justiça, o incentivo representou um prejuízo na arrecadação tributária porque algumas empresas se estabeleceram na capital em busca das facilidades.

Cleyton Oliveira, da Mundial Atacadista, diz que o sistema precisa evoluir por conta dos incentivos fiscais. A Justiça tem dado ganho de causa ao MP em várias ações. Algumas já estão em fase de execução. Estima-se que essa etapa já envolva cifras superiores a R$ 200 milhões. As cobranças são altas até para os grandes, como a Mundial

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Fábio de Carvalho. Como consequência da decisão do STF, as promotorias de Defesa da Ordem Tributária do MPDFT ingressaram com mais de 700 ações em que exigem de cada empresa beneficiada o repasse ao Tesouro local dos montantes que deixaram de recolher

Center Atacadista — distribuidora de suprimentos para construções —, instalada em Samambaia, que deverá pagar R$ 38,9 milhões ao Tesouro. Entre as empresas que devem ICMS também está a Asa Alimentos, com um débito de R$ 16,6 milhões. Esses valores le-

O presidente da Comissão de Assuntos Tributários e Reforma Tributária da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional Distrito Federal, Jacques Veloso de Melo, representa cerca de 100 empresas. A defesa alega que os empreendedores não têm em caixa o dinheiro cobrado pela Justiça. Houve abatimento de impostos e o custo do recolhimento integral do ICMS não foi repassado. “(O incentivo) virou redução de preço”, afirma o advogado. Segundo Veloso, muitas firmas só vieram para Brasília porque se fiaram no benefício. O setor cresceu. Mas, pela insegurança jurídica, muitas já deixaram o DF. Outras nem sequer cogitam vir para cá”, disse. Veloso cita como consequência a estagnação da arrecadação do setor. O gerente-geral da Mundial Atacadista, Cleyton Oliveira, sustenta que, por causa da instabilidade dos incentivos fiscais no DF, a empresa originada na capital optou por crescer em outras unidades da Federação, onde há segurança jurídica e mão de obra mais barata. O desconto do Tare compensava, segundo ele, a manutenção do custo alto com pessoal. “O que mais atrapalha um empresário é o modelo de tributação e a confusão burocrática”, diz Oliveira.

“Crescemos muito na época do Tare. Hoje, somos responsáveis por 400 empregos diretos”, acrescenta. No Sindiatacadista, há uma discussão sobre ingressar na Justiça com ações para cobrar do governo o prejuízo. O raciocínio é de que, se há um culpado pelas regras consideradas inconstitucionais e contestadas judicialmente, o Executivo deveria arcar com a responsabilidade. Para o Ministério Público do DF, com o Tare, houve uma fraude fiscal, uma renúncia indevida que atingiu outros setores da economia. O promotor de Justiça Rubin Lemos, que atua na Defesa da Ordem Tributária, afirma que as facilidades oferecidas pela Fazenda do DF eram tão grandes que muitas empresas abriram um escritório no DF apenas para emitir notas fiscais com redução. “As mercadorias nem passavam aqui”, aposta. Nas ações judiciais, o Governo do Distrito Federal tem se posicionado contra a cobrança dos débitos de ICMS. A Procuradoria do DF sustenta que cabe à Secretaria de Fazenda calcular eventuais diferenças não pagas pelo empresariado e defende o perdão das dívidas. Num dos processos em que se discute o ressarcimento, o juiz Germano Crisóstomo Frazão demonstrou contrariedade em relação à postura dos advogados do DF: “Ora, o ente federativo se volta contra a execução que tem por finalidade o pagamento de tributos”.


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20 • Cidades • Brasília, quarta-feira, 27 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE

Um exemplo para Brasília Área criada para servir de base de apoio à capital da República proporcionou a Anápolis índices de crescimento entre os mais altos do país Daniel Ferreira/CB/D.A Press

» LILIAN TAHAN » ANA MARIA CAMPOS » FLÁVIA MAIA meio do caminho entre Brasília e Goiânia é endereço de um polo que impulsiona o desenvolvimento econômico no CentroOeste e virou referência no Brasil. Anápolis, com seus 350 mil habitantes, está a caminho de se tornar uma gigante no setor industrial. A semente do setor produtivo nessa região goiana foi plantada para dinamizar Goiânia e os arredores da capital da República. Mas a cidade ganhou personalidade e virou expoente do progresso. Em 2012, chegou a um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 13,4 bilhões, o que representa 10% de toda a riqueza produzida pelo estado, com seus 246 municípios. Nos últimos 13 anos, Anápolis multiplicou sua riqueza por oito. Em 2000, o PIB do lugar, a 140 quilômetros de Brasília, era de R$ 1,7 bilhão. Quem sustenta esse vigoroso desempenho é a indústria. Funcionam por lá 1.450 fábricas, dessas, 150 estão na região do Distrito Agroindustrial de Anápolis (Daia). Entre as empresas que buscaram o interior goiano estão várias farmacêuticas, como o Laboratório Teuto, o GeoLab, a Green Farma. Fundado em 9 de novembro de 1976, o Daia surgiu entre as iniciativas do Programa Especial

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Apesar de contar com boa infraestrutura, o porto seco de Santa Maria tem demanda menor do que a capacidade da Região Geoeconômica de Brasília. O Pergeb, como ficou conhecido o projeto, baseava-se em uma estratégia da criação de áreas de atuação a partir do DF. A primeira delas seria uma zona de preservação, com foco na contenção populacional da capital da República. Nesse contexto, o Daia funcionaria como um setor de abastecimento para suprir as necessidades de Brasília. Mas, em poucos anos, Anápolis demonstrou vocação para o protagonismo no eixo BrasíliaGoiânia, com 3,4 milhões de habitantes. Entre os elementos que fizeram o município despontar estão os trilhos da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), antiga rede federal, que, desde a década de 1940, faz a conexão do CentroOeste com o Sudeste e o Nordes-

te. “Desde essa época, Anápolis era tida como uma cidade distribuidora de produtos da agricultura. Recebíamos os manufaturados do Sudeste e distribuíamos café e cereais”, conta o secretário de Desenvolvimento Econômico do município, Air Ganzarolli, que cita a localização estratégica como engrenagem do crescimento econômico do município. A operação da Norte-Sul, que passará por Anápolis, vai ligá-la aos quatro cantos do país. Brasília está a menos de duas horas desse cidade goiana, mas continua isolada. O Pergeb falhou e a capital atraiu muito mais migrantes do que o esperado. Para resolver os problemas sociais e econômicos vindos desse excesso de pessoas, a capital federal, agora, precisa diversificar a sua

produção. Vocação administrativa, exclusivamente voltada para o setor terciário, é pouco para absorver a mão de obra ociosa. Se Brasília pretende levantar voo no setor industrial terá antes de seguir os passos da vizinha. Em pelo menos um aspecto, eles têm algo em comum. Desde 2004, o Distrito Federal entrou na rota da exportação e da importação por meio do porto seco de Santa Maria, no Polo JK. São apenas três no Centro-Oeste. Um em Anápolis e o outro em Cuiabá. Na área do DF, 80% das operações são de matéria-prima de produtos médicos, hospitalares e farmacêuticos, onde circula média de R$ 240 milhões em mercadorias por ano. Em Anápolis, essas cifras atingem R$ 4 bilhões. Exemplo a ser perseguido.

Em busca de continuidade Infraestrutura, logística, mão de obra e segurança jurídica são ingredientes para o desenvolvimento. Mas esses insumos apenas se transformam em produto de crescimento econômico com gestão. Do empresário, para fazer o negócio deslanchar. E do poder público, que precisa criar políticas de fomento. É difícil, no entanto, consolidar programas, convencer instituições e prospectar negócios sem um trabalho contínuo. Nos últimos dois anos, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do DF teve seis comandos. O primeiro a assumir o posto na gestão de Agnelo Queiroz (PT) foi um empresário de Ceilândia, José Moacir de Sousa. Entrou

com a bandeira de moralização. Propôs investigar desvios, corrigir erros do passado. Em pouco tempo, deixou a pasta, alegando que havia sido ameaçado de morte. Sua gestão foi sucedida pela de Jacques Pena, que passou seis meses no cargo. “Não tem política pública que se implante com essa descontinuidade na equipe”, considera Pena. Braço direito do governador, Abdon Henrique de Araújo passou uma temporada no cargo. Dez meses depois de nomeado, cedeu a vaga ao distrital Cristiano Araújo (PTB) para atender a um arranjo político. Foi uma disputa de poder na eleição da Mesa Diretora da Câmara Legislativa que abreviou a passagem do parla-

mentar pela secretaria. Ficou apenas quatro meses. “A troca prejudica o planejamento”, considera o deputado. No lugar de Cristiano, assumiu interinamente Catia Takahashi, uma técnica indicada por Abdon. No começo deste mês, Agnelo deu posse a Gutemberg Uchôa. Até receber o convite para atuar no GDF, era executivo da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Espera-se dele que agregue a experiência internacional à realidade no DF. Além de buscar reforço, terá como grande desafio encontrar soluções para o desvirtuamento do principal programa da pasta que assume, o Pró-DF. Uma das consequências das

sucessivas trocas no comando é sentida por empresários que precisam lidar direto com a secretaria. Caso da Federação da Micro e Pequena empresa do DF e Entorno (Famicro). De acordo com o vice-presidente da entidade, Pedro Frota, essa é uma das dificuldades do segmento para quitar as dívidas do programa. “A gente realmente deve ao governo e quer pagar. Quando entramos no Pró-DF, apresentamos as certidões negativas, não tínhamos o nome sujo, isso não nos interessa. Mas o nosso débito cresceu e, hoje, não temos condições de pagar sem negociação. Começamos o processo, muda o secretário e temos de partir do zero”, conta Frota.

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Sepultamentos realizados em 26 de março de 2013

Campo da Esperança Iraci de Medeiros Leitão, 81 anos Maria Aparecida de Melo, 68 anos Maria Felix, 82 anos Tatiana Amaral Queiroz, 32 anos

Gama Leydiane Vilela Marcal, 27 anos Martina Maria da Conceição, 73 anos Planaltina Geralda Gregório de Lima Silva, 75 anos

Maria Barbara Bonifácio, 67 anos Sobradinho Alex de Oliveira Cavalcante, 25 anos Gilberto Persch Junior 32 anos

Taguatinga Agnon Rodrigues Dias, 61 anos Anisia Gomes Andrade dos Santos, 77 anos Ecilene de Souza Rodrigues, 45 anos Francisca da Silva Nogueira, 88 anos Goncalvina de Souza Lima, 64 anos Jonathan Rodrigues Linhares, 7 anos Jorge Francisco Alves, 50 anos Luiz Henrique Moreira, 40 anos Maria Alexandrina de Souza, 82 anos Rozenilda Aparecida de Souza de Oliveira, 34 anos Sofia Maria Macedo Maia, menos de 1 ano

Jardim Metropolitano Maria Marluce Correia Lopes, 60 anos Sebastiao Pereira do Nascimento, 85 anos Francisco de Sousa Pereira, 74 anos (cremação) Carlos Antonio Albert, 80 anos (cremação)

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Cidades + política e economia no DF

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É possível crescer Parcerias entre o poder público e a iniciativa privada, além da identificação de oportunidades, são a chave para diversificar a agenda econômica e alavancar o desenvolvimento no Distrito Federal. Empreendedores relatam sucesso em negócios inovadores e sustentáveis Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - 20/2/13

» LILIAN TAHAN » ANA MARIA CAMPOS » FLÁVIA MAIA

CHURRASQUEIRAS LUCRATIVAS

rasília é uma cidade em busca de suas vocações. Nasceu predestinada à burocracia. Mas como uma cidade viva, as demandas por desenvolvimento apareceram. Experimentou tentativas de crescimento. Muitas delas fracassaram, conforme o Correio mostrou nos últimos quatro dias, ao longo da série Indústria Candanga. Outras iniciativas sinalizam que o espírito empreendedor pode superar falhas graves, vencer o atraso e criar oportunidades. Pequenos e grandes empresários mostram que há progresso possível. Mas são uníssonos em reivindicar a atuação do poder público como um aliado no processo de gestão do crescimento econômico. A parceria entre público e privado beneficia o cidadão, que passa a ter acesso a mais postos de trabalho, à diversidade de produtos, à qualidade no consumo e a preços acessíveis. O desafio é encontrar em quais atividades esse conceito de riqueza pode ser aplicado. “Temos uma inclinação às empresas do setor de serviços, mas precisamos incrementar segmentos complementares”, acredita o secretário de Desenvolvimento Econômico, Gutemberg Uchôa. Tecnologia da informação e comunicação (TIC), biotecnologia, agricultura orgânica, insumos para sustentabilidade são exemplos da chamada indústria limpa que ganha projeção internacional. Mentor do Porto Digital de Recife, Sílvio Meira, saiu do zero e chegou a um projeto de faturamento de R$ 1 bilhão (leia entrevista na página 22). “Pode dar certo em qualquer cidade, mas há que se pensar grande, para um mercado, no mínimo, nacional”, aposta Meira. Antes de abraçar o mundo, porém, o DF precisa dar as mãos ao Entorno. É impossível pensar em uma solução para a economia candanga sem envolver Goiás. Como área metropolitana, são 10 municípios. Como região integrada (Ride), 23. O Programa de Industrialização Mínima da Ride é a aposta da Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste (Sudeco). O projeto prevê a criação de polos industriais e fortalecimento dos já existentes. Um deles seria em Formosa. A cidade tem distrito agroindustrial com 18 fábricas, entre elas uma das mais importantes beneficiadoras de grãos do mundo, a Syngenta. Outras 35 empresas começam a se instalar. Alexânia (GO) também criou um distrito agroindustrial (Dial) que está em fase de prospecção de empresas. O terceiro polo do Entorno ainda não existe, mas deve ser construído em Luziânia, Cidade Ocidental ou em Valparaíso. “A ideia é que esses municípios abriguem indústrias mais pesadas como a de metal mecânica. O DF receberia os insumos dessas fábricas e produziria mercadorias de valor agregado mais elevado, como softwares”, planeja o superintendente da Sudeco, Marcelo Dourado. Brasília nasceu de uma concepção de vanguarda, mas perdeu a chance de contribuir para alavancar o desenvolvimento do país. Ideias bem executadas, talento empresarial e vontade política podem colocar Brasília nos trilhos.

Quando o perfil é de empreendedor, a cabeça não para nem no momento de diversão. Que o diga Alessandro Mendes. Um dia, ele estava reunido com os amigos e ficou observando a carne queimar na chapa de uma churrasqueira. Foi aí que ele teve a ideia de abrir o seu próprio negócio. O conhecimento de serralheria adquirido na época em que serviu o Exército foi primordial. A partir daí, buscou um ponto na Área de Desenvolvimento Econômico (ADE) de Samambaia e abriu a empresa. Atualmente, a fábrica emprega 12 pessoas e produz, em média, 30 churrasqueiras por dia, 900 por mês. Mas a quantidade poderia ser maior. “Um supermercado fez encomenda de 3 mil unidades e fica difícil cumprir os contratos porque tenho dificuldades para crescer.” Alessandro afirma que os principais problemas são: segurança, linhas de crédito e mão de obra qualificada. “Os meninos chegam aqui sem saber nada, perco tempo ensinando, não tem escolas profissionalizantes”, conta. O empresário afirma que nunca teve nenhuma ajuda do Estado. “O que eu percebo é que para nós, que somos pequenos e estamos querendo crescer, o governo não olha”.

B

Carlos Silva/Esp.CB/D.A Press - 15/2/11

Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 13/3/13

UM POLO PARA O CHOCOLATE

PRODUTO ECOLOGICAMENTE CORRETO

Brasília é a capital da arquitetura. Pode ser também a do chocolate. Por que, não? Um grupo de fabricantes locais se uniu com o propósito de convencer o poder público a dar condições para a criação de um polo do produto em Sobradinho. Seria uma forma de reunir um setor em ascensão na capital federal, mas que hoje trabalha de forma dispersa. “Brasília não é apenas a Esplanada dos Ministérios, o chocolate pode nos ajudar a mostrar isso”, considera Francisco Lacerda, um dos idealizadores do projeto, que reuniria várias fábricas cujas lojas se tornariam um atrativo. Dona da marca Kaebisch, Ana conta que o clima seco de Brasília é ideal para a produção de bombons, calcula que vende até 600 quilos por mês e chega a 3 toneladas nesta época de Páscoa. Confia que ainda há chance para crescer, desde que haja planejamento e espaço: “O polo de chocolate seria um caminho”.

Os empresários Leandro de Conto Souza, 40 anos, e Carlos Cruz, 33, apostaram que o caminho do empreendedorismo no DF passa pela sustentabilidade. Os dois têm uma empresa que fabrica produtos com foco no meio ambiente. O carro-chefe é o sanitário ecológico portátil, que pretende substituir os banheiros químicos. Com pia e vaso de louça, pode ser levado para qualquer local, pois tem um sistema próprio de tratamento de esgoto e de reaproveitamento de água. Tecnologia candanga, que só passou a ganhar corpo quando a dupla conseguiu um empréstimo de R$ 120 mil da Agência Brasileira da Inovação. “O subsídio administrativo nos permitiu transformar a ideia em produto”, conta Leandro. Agora, começam a colher os frutos. “Precisamos de financiamento, de mais espaço, pois temos que construir algumas unidades na rua. Sem isso, não teremos fôlego para continuar.”

Cadu Gomes/CB/D.A Press - 19/7/05

Arquivo Pessoal

APOSTA NA AGRICULTURA ORGÂNICA

ARENA DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Cidade de gente com alto padrão de consumo e poder aquisitivo, Brasília é um mercado de portas abertas para a agricultura orgânica. Foi por apostar nesse setor que o empresário Joe Valle saiu da falência, quando plantava com agrotóxico, para uma história de sucesso. É dono da marca Malunga, que comercializa 200 toneladas de alimentos por mês, entre hortaliças, leites, lacticínios. “Brasília reúne público que quer comer bem e tem condições para isso”, diz. A demanda está associada a uma qualidade da mão de obra no setor agroindustrial do DF: “Os produtores aqui são muito receptivos às novas tecnologias”. Na capital, há 400 agricultores vinculados a cinco cooperativas. Entre as medidas que impulsionam o setor, uma facilidade foi garantida por lei distrital, a da Agroindústria Artesanal, com adoção de critérios simplificados para o registro dos produtores.

Qualidade e preço já foram fundamentais para definir quem fica e quem está fora do mercado. Representante do escritório responsável pela construção do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, o arquiteto Vicente de Castro Mello diz que o diferencial hoje é competir pela sustentabilidade. “É um jogo em que não há perdedores”, confia. Com uma cobertura capaz de armazenar águas das chuvas e diminuir o desperdício em 80%, painéis solares e pisos impermeáveis, a obra da arena foi concebida para agregar preservação ambiental à arquitetura. O novo modelo cria demanda por insumos específicos para o setor. “Como o estádio é um palácio público, onde as pessoas vão circular e conhecer as novas tecnologias, será uma chance para que o cidadão comece a incorporar essas tendências em seu dia a dia.”

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