CMYK
cidades.df@dabr.com.br Brasília, domingo, 24 de março de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE • 23
No Setor de Oficinas Sul, mecânicas dividem espaço com empreendimento imobiliário que desponta no setor destinado a empresas: o desvio se repete em todas as 27 áreas de desenvolvimento econômico do DF
À espera de uma revolução » LILIAN TAHAN » ANA MARIA CAMPOS » FLÁVIA MAIA o desenho dos mestres da arquitetura e do urbanismo, Brasília é um ícone do moderno, da vanguarda, do desbravamento. Foi talhada no símbolo de um avião para uns, de uma borboleta para outros. Concebida como ponto de partida para o desabrochar do Centro-Oeste, a cidade decolou em vários campos. É o centro do poder político, seus monumentos são admirados no mundo, tornou-se Patrimônio Cultural da Humanidade e um paraíso da estabilidade funcional. Mas quando se trata de produzir riquezas, ainda é um boeing no pátio. Idealizada no traço para voar, a capital da República nasceu com o estigma da paralisia no setor produtivo. A estagnação está decretada ainda no concurso do projeto urbanístico do Plano Piloto. O edital prevê, em seu item sexto, um plano de “desenvolvimento limitado” para a indústria e a agricultura “em vista do caráter político-administrativo” de Brasília. “Essa colocação, embora discreta, acabou criando uma das maiores barreiras em relação à evolução da atividade produtiva, incutiu na cultura do DF uma visão equivocada de que não temos nenhuma vocação para a indústria”, analisa o economista Diones Cerqueira, da Federação das Indústrias de Brasília (Fibra-DF). Mais de cinco décadas se passaram e as ideias inseridas no concurso para a construção da capital, que poderiam ter sido superadas com ações miradas no progresso, impregnaram de desídia as iniciativas de fomento da indústria candanga. O DF tem a maior renda per capita do Brasil. Mas depende da produção alheia. Nada menos que 92%, ou seja, nove em cada 10 produtos consumidos no DF são importados e valorizam a economia de vizi-
N
nhos. E mais: de tudo o que vai à mesa na capital da República, apenas 13% têm origem local. Todo o resto vem de fora. Da riqueza que o DF produz, apenas 1,7% vem da chamada indústria da transformação, aquela em que matérias-primas dão origem a produtos. Por exemplo, do couro é feito o sapato, da celulose vem o papel; da areia, o vidro; do calcário, o cimento. Menos de 2% é um desempenho reles, o menor do país. O Produto Interno Bruto do DF de 2012 deve fechar em R$ 180 bilhões. Apenas R$ 3 bilhões têm origem na indústria da transformação.
O DF está à espera de uma revolução industrial. Reúne os atrativos para transformar a capital brasileira em um polo de desenvolvimento econômico. No miolo do país, está geograficamente bem posicionada, no Centro-Oeste, região que alavancou o PIB nacional em 2012. Não falta vontade. O DF sagrou-se a unidade da Federação com mais microempreendedores individuais. Faltam oportunidades. É a cidade com um mercado exigente, de alto padrão, sede do poder político, da cúpula do funcionalismo público, das embaixadas, com um aeroporto que serve de conexão para as principais rotas aéreas do Brasil e que pode se tornar um hub para o transporte de cargas. Mapeamento Presidente da Companhia de Planejamento do A partir de hoje, o Correio publicará uma série DF (Codeplan), Júlio Miragaya é um entusiasta dos de reportagens em que vai mapear a situação da inpotenciais que a capital oferece. Aponta a necessidústria no DF. As matérias vão mostrar os fatores dade de sistematização do desenvolvimento ecoque contribuem para o enfraquecimento do setor. nômico. Considera fundamental, por exemplo, Todas as Áreas de Desenvolvimento Econômico uma pesquisa sobre o mercado candango. “O que (ADEs) criadas como parte do incentivo oficial para as pessoas querem consumir? Nós ainda não sabealavancar o setor produtivo estão desvirtuadas, a mos”, constata Miragaya, à frente do estudo. exemplo de construções de prédios no Setor OficiEnergia é um dos gargalos. A cidade ainda tenta nas Sul de Brasília (leia mais nas resolver problemas de distribuição páginas 24 e 25). da eletricidade em escala doméstica. A série vai revelar também que, Hoje, dos 910.864 consumidores da a cada ano, o DF desperdiça metaCompanhia Energética de Brasília Vizinhos de dos recursos disponíveis do (CEB), apenas 1.725 são industriais. Nos estados do Centro-Oeste, a Fundo do Centro-Oeste (FCO) para Não há rede suficiente para manter performance é bem mais financiamento de novos negócios. parques que demandem alta tensão. arrojada. Em Mato Grosso e O problema é a falta de projetos. O “Até o fim deste ano, teremos investiMato Grosso do Sul, a proporção do R$ 488 milhões na melhoria do desinteresse do setor produtivo reé de 11,9% e 12,9%, side em um leque de razões que cosistema, o que vai reduzir os aparespectivamente. Em Goiás, a meça no preço da terra, passa pela gões”, afirma Rubem Fonseca, presiindústria da transformação insegurança jurídica, excesso de dente da CEB. Mas, na visão dele, esresponde por 15% do PIB, burocracia, ausência de infraestruse não é o insumo principal para desempenho sete vezes superior abastecer a vocação da capital. As tura e política inconsistente de inao do quadrilátero da capital. centivos. Esse caldo espanta os inideias, sim. Fonseca é de uma corvestidores e o desenvolvimento. rente que aposta na tecnologia.
CMYK
Daniel Ferreira/CB/D.A Press
Cidades + política e economia no DF
Editor: Marcelo Tokarski marcelotokarski.df@dabr.com.br Tels. : 3214-1119/3214-1113/FFax: 3214-1185 Atendimento ao leitor: 3342-1000
Apesar de ter a maior renda per capita do país, ser o centro geográfico e do poder, Brasília enfrenta desafios, como corrigir distorções nas áreas de desenvolvimento e melhorar a infraestrutura, para impulsionar o setor industrial O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli reforça a necessidade da mudança de mentalidade como gerador da evolução no setor produtivo. “Indústria não é só aquilo que gera ruído, poluição. Esse tipo de indústria não interessa. Alta tecnologia é a nossa vocação”, considera. Um dos projetos que a Fibra no DF aponta como estratégicos é o Parque Tecnológico Capital Digital, cujo edital para a construção do complexo foi lançado na praça este mês. Com área de 96 hectares, do tamanho de uma região administrativa, como a de Candangolândia, a proposta é atrair grandes empresas do ramo da tecnologia da informação, além de centros de pesquisa. Assim como um filho de pai rico, Brasília sobrevive com mesada do governo federal. Os repasses do Fundo Constitucional este ano serão de R$ 10 bilhões. Outra fonte de arrecadação vem do setor de comércio e serviços, alimentado principalmente pelo alto poder de consumo do funcionalismo público. “Brasília vive da monocultura do serviço público. Mas esse é um modelo esgotado, incapaz de resolver problemas que a falta de um parque industrial gera. A desigualdade social é um deles”, expõe o subsecretário de investimentos estratégicos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), Apolinário Rebelo. Entre as empresas que têm procurado o governo interessadas em instalar representações na capital, algumas são ramo da segurança. A SDE tem sido sondada pela indústria do carro blindado, da vigilância armada, da cerca elétrica. Essa, definitivamente, não pode ser uma vocação econômica da capital da esperança.
» Leia mais nas páginas 24 e 25