Colaboração de: Ana Estevens Soraia Silva
Cidades criativas europeias
RELATÓRIO 2 WP2 – Benchmarking de intervenções urbanas integradas no modelo da cidade criativa
JULHO 2011
ÍNDICE
Introdução .......................................................................................................................... 3 1. As alavancas da criatividade ............................................................................................. 6 2. Actividades económicas e de I&D ................................................................................... 10 3. Iniciativas culturais e artísticas ....................................................................................... 14 4. Ordenamento do território, regeneração urbana e ambiental ......................................... 17 5. Internacionalização e turismo ........................................................................................ 23 6. Governança e políticas urbanas na cidade criativa .......................................................... 25 7. A criatividade urbana em Toronto .................................................................................. 30 8. Síntese da análise de benchmarking ............................................................................... 36
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INTRODUÇÃO
O conhecimento de outras cidades europeias tidas como referências de criatividade em diversos domínios, mais associados à ciência e tecnologia ou mais ligados à cultura e às artes, permite-nos salientar o conjunto de factores que configuram um meio urbano criativo. As cidades que suportam o exercício de benchmarking partilham várias características com Lisboa (Quadro 1):
Capitalidade – 3 outras cidades – Budapeste, Dublin e Helsínquia – são também capitais de estados, estatuto que se reflecte não só na concentração de equipamentos públicos, mas também na composição do emprego.
Frente marítima – o sítio que as áreas urbanas ocupam não é um factor irrelevante. O facto de ter sido ou ainda ser um grande porto marítimo, por exemplo, cria condições que conferem a essas áreas um carácter muito particular, quer pelo tipo de actividades, quer pelos edifícios ou quer ainda pelas memórias que perduram.
Quadro 1 - Cidades analisadas no benchmarking Cidade Amesterdão Barcelona Birmingham Budapeste Dublin Helsínquia Lisboa Milão Munique
Sigla AMS BCN BIR BUD DUB HEL LX MIL MUN
Capitalidade
x x x x
Frente marítima x x
x x
O quadro 2 mostra outros traços também importantes para justificar a análise comparativa. A dimensão demográfica é um dado importante a ter em conta – define a ‘massa crítica’ de consumo e de emprego. Embora no conjunto das 9 cidades aqui consideradas haja diferenças significativas, não estamos a analisar mega cidades nem cidades de pequena e média dimensão no contexto europeu (Quadro 2). 3
Um outro traço comum a quase todas estas cidades é a significativa presença de estrangeiros, nalguns casos com uma expressiva parcela de europeus comunitários (Dublin e Munique). Isto indicia dinamismo económico, capacidade de acolhimento e comportamentos potencialmente positivos na aceitação da diferença. Com excepção de Birmingham e de Helsínquia, as outras 7 cidades partilham a importância dos museus, ou seja o capital patrimonial. A avaliar pelo público dos museus, Lisboa encontra-se a meio da tabela com mais de 4 milhões de visitantes por ano. A importância do turismo, associada à dinâmica cultural, é expressiva na maioria destas 9 cidades, situação que pode contribuir decisivamente para o desenvolvimento de meios urbanos criativos.
Quadro 2 – Breve perfil das cidades analisadas
33,2
747093
51,8
1921
53
7500
8310
8,3
16,5
1615908
36,4
2778
49
7998
10148
Birmingham
2401900
--
--
22,3
1019200
42,4
2172
7
759
1718
Budapeste
2475737
0,2
1,1
23,4
1702297
68,8
942
100
4033
6025
Dublin
1534426
5,2
5,8
22,2
471841
30,8
--
--
--
6586
Nº anual de turistas (milhares)
5,9
1,2
Nº anual vistantes museus (milhares)
Preço médio (€) apartamento/ m2
2,6
4440629
Nº museus
Peso % da cidade na área metropolitana
1443258
Barcelona
Pop residente cidade
% Estrangeiros fora EU
Amesterdão
% Pop (15-54 anos) com instrução nível 5-6
% Estrangeiros EU
Cidade
Pop residente área metropolitana
Área Metropolitana
Helsínquia
1279685
1,3
2,7
42,3
559046
43,7
2634
35
897
3082
Lisboa
2467484
0,5
4,6
14,5
489562
19,8
2006
43
4191
5976
Milão
3115392
0,6
7,1
13,7
1299633
41,7
2715
36
2665
7262
Munique
2644807
5,6
10,6
24,0
1326807
50,2
2670
44
4461
9847
Nota: Os dados não têm todos a mesma referência temporal, devido à desigual disponibilidade de informação. Todos dizem respeito ao período 2000-2010. Fonte dos dados: EUROSTAT, Urban Audit
Salientam-se duas dimensões de diferenciação destas 9 cidades. Por um lado, o nível de instrução (ensino superior), ranking em que Lisboa, a par de Milão, surge numa posição muito desfavorável o que compromete bastante a promoção da criatividade, pelo menos, enquanto factor de competitividade. Por outro lado, o peso demográfico
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da cidade principal no conjunto da metrópole. Lisboa destaca-se desfavoravelmente das restantes 8 cidades, representando apenas cerca de 1/5 da população da área metropolitana. A média das outras cidades é de 46%.
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1.
AS ALAVANCAS DA CRIATIVIDADE
Existem 6 aspectos que surgem muito associados aos meios urbanos criativos. Os 3 primeiros têm a ver com a cultura e o conhecimento: o património e memória colectiva, a comunicação, a qualificação dos recursos humanos e desenvolvimento da economia do conhecimento. Em seguida, emergem factores ligados ao território, como a existência de espaços industriais abandonados (brownfields), por um lado, e a existência de espaços verdes e de outras mais-valias ambientais e paisagísticas, por outro. Os aspectos territoriais serão focados mais adiante num ponto específico. Por último, surge o marketing urbano associado ao discurso político focado na cidade criativa.
AMESTERDÃO, 2011 PARQUE CULTURAL WESTERGASFABRIEK
O património e a memória colectiva são particularmente relevantes porque marcam a distinção de um lugar, aquilo que o diferencia de todos os outros. Este é um factor crucial da competitividade urbana (como de qualquer mercadoria), mas também da
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coesão social, na medida em que constitui a base da identidade local e dos sentimentos de pertença a uma comunidade territorial. Na construção da memória colectiva, as actividades económicas têm um peso significativo, produzindo culturas urbanas específicas. Mesmo quando as actividades entram em declínio, mantém-se, por exemplo, a cidade portuária ou a cidade industrial. Mas, a importância dos traços culturais não se circunscreve ao património e à memória. Uma cultura tolerante e liberal - como a que caracteriza historicamente Amesterdão e também outras grandes cidades portuárias, como Barcelona, onde a circulação e o encontro de pessoas de variadas origens foram, ao longo de séculos, muito intensos – propicia a emergência e desenvolvimento de meios criativos. Esta ligação tem a ver não só com a interacção e com o capital social, mas também com a atitude face ao risco – um meio tolerante não penaliza tanto o erro e o insucesso e, por isso, incita as pessoas a expressarem novas ideias e a pô-las em prática.
BARCELONA 2005, RAVAL
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A comunicação emerge claramente como um aspecto chave no desenvolvimento das ‘cidades criativas’. O inglês como língua-mãe ou como segunda língua (Dublin, Birmingham, Amesterdão) é uma mais-valia muito significativa. Por exemplo, Dublin não se poderia afirmar de forma tão expressiva na sua dimensão literária se os escritores irlandeses não usassem a língua inglesa. Na literatura como na maioria das acções do quotidiano, a possibilidade de reconhecimento passa, em larga medida, pela facilidade de ‘passar’ a mensagem e de dialogar.
Fonte: http://www.dublincityofliterature.ie/dublin-writers/honouring-dublins-writers.html (18/07/11)
A qualificação dos recursos humanos e o desenvolvimento da economia do conhecimento não promovem apenas a inovação tecnológica e o desenvolvimento económico que lhe está associado, mas facilitam também todas as outras formas de criatividade. Cidades como Birmingham, Budapeste, Dublin, Helsínquia e Munique reconhecem bastante o valor desses recursos. Mesmo no domínio da cultura e das artes, a formação e a investigação têm vindo a assumir um papel de relevo. Aliás, o traço mais significativo neste âmbito é a transdisciplinaridade, o efeito de crossfertilization, ou seja as ligações (muitas vezes insuspeitas) entre os vários saberes da ciência, da técnica e das artes.
Por último, importa realçar o papel fundamental que o marketing urbano tem desempenhado na afirmação das cidades criativas. No caso de Barcelona, o efeito marketing é muito evidente. É verdade que Barcelona acolheu Picasso, Joan Miró e Gaudi, para nomear apenas 3 dos mais reconhecidos. Mas, na imagem da cidade 8
criativa não são só os factos que impressionam. O modo como são mobilizados e difundidos através de uma estratégia ‘agressiva’ de marketing conta muito para o impacto dessa imagem.
Em algumas das cidades analisadas, foram encontradas também referências à importância do discurso político internacional sobre a cidade criativa e nomeadamente o papel de Richard Florida. É um discurso atractivo para as autoridades urbanas e, de uma forma ou de outra, a maioria das cidades ‘descobrem’ recursos para construir a sua cidade criativa (cf. Relatório 1). Trata-se porém de uma visão que merece algum debate e cautela, entre muitas outras razões porque o contexto histórico-geográfico de cada cidade é específico e crucial para definir o percurso a seguir e as estratégias a implementar. Por outro lado, porque a aplicação de um mesmo modelo em várias cidades enfraquece ou anula a relevância dos traços distintivos.
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2.
ACTIVIDADES ECONÓMICAS E DE I&D
Em várias das cidades analisadas o sector criativo representa uma parcela muito significativa do tecido empresarial e do emprego. Em todas estas metrópoles, o sector criativo ultrapassa 1/5 do emprego total.
Quadro 3 – Emprego no sector criativo nas 8 metrópoles (2000-2006) Emprego nas actividades criativas (% do emprego total)
Emprego nas actividades intensivas em conhecimento (% do emprego total)
Total – sector criativo (% do emprego total)
Amesterdão
8
18
26
Barcelona
12
10
22
Birmingham
6
19
25
Budapeste
13
16
29
Dublin
11
10
21
Helsínquia
7
17
24
Milão
14
17
31
Munique
8
21
29
Fonte – Kovács et al (2007) Comparing paths of creative knowledge regions, ACRE Report 3, University of Amsterdam, Amsterdam institute for Metropolitan and International Development Studies (AMIDSt)
No que diz respeito aos padrões de localização do sector criativo, evidencia-se alguma diversidade associada sobretudo às características de cada um dos segmentos. Alguns precisam de espaços muito amplos (p.e. a produção cinematográficas ou televisiva), outros privilegiam a intensidade de contactos, os equipamentos públicos, a identidade. Dois tipos de condições merecem, contudo, alguma atenção:
A ‘atmosfera’ dos centros históricos É referida frequentemente como um factor de inspiração ligado às memórias colectivas e ao património, mas também às redes sociais de vizinhança que aí se constituem, ilustradas, por exemplo, pelo ‘café de bairro’, pela ‘encontro na esquina’ ou pelo apoio dos vizinhos.
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As acessibilidades A proximidade a uma auto-estrada ou aeroporto é um factor decisivo para muitas actividades criativas, sobretudo para aquelas em que as redes sectoriais internacionais são mais importantes, como é o caso dos media.
Um aspecto importante é a ligação das novas actividades criativas a antigos sectores industriais. É o caso da indústria têxtil em Milão e em Barcelona que, de algum modo, se reflectiu na actual relevância da moda e design. É também o caso da indústria de óptica em Munique e a sua ligação, na actualidade, à fotografia. Nas diversas cidades analisadas, encontra-se frequentemente a constituição de clusters formados por actividades que se inter-apoiam de diversas formas: os outputs de uns são inputs de outros, partilham equipamentos, estão ligados a uma determinada universidade, etc.. Entre os clusters mais interessantes, encontra-se o dos media em Munique, incluindo publicações literárias, jornais, televisão, cinema e fotografia. Os outros clusters estão ligados a instituições universitárias, nomeadamente:
O cluster da arte, design e arquitectura em Helsínquia, ancorado desde 2010 na Aalto University que promove um conhecimento interdisciplinar associando os domínios artísticos, tecnológicos e económicos.
O Digital Hub em Dublin
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Localizado em espaços disponibilizados pela fábrica de cerveja Guinness (que com a modernização dos processos de produção, reduziu bastante a necessidade de espaço). O Digital Hub é uma incubadora de empresas criativas, uma estrutura de apoio a empresas em crescimento e um parceiro de empresas multinacionais que instalam neste espaço alguns dos seus departamentos. O Digital Hub tem diversas ligações com as universidades e centros de investigação de Dublin. De salientar também a ligação do Digital Hub à comunidade local, sobretudo através de iniciativas desenvolvidas em ligação com as escolas, mas também através de programas dirigidos aos idosos ou a pessoas com deficiência.
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Uma outra associação interessante é a do sector criativo { economia ‘verde’. As preocupações ambientais estão presentes em quase todas as iniciativas referenciadas, nomeadamente através da ligação entre os polos de actividades criativas e os parques urbanos (é o caso do Parque Cultural Westergasfabriek em Amesterdão), mas também por via da eficiência energética dos edifícios, da utilização de energias renováveis ou das práticas de reciclagem. A arquitectura e a arte pública assumem um papel de relevo no âmbito da economia criativa, sendo talvez Helsínquia o caso mais ilustrativo desta conjugação. Emergem, elas próprias, como actividades criativas – ateliers de arquitectura, de design, etc. ou surgem como marcas territoriais incontornáveis da cidade criativa. Isto leva a que as estratégias de competitividade das cidades incluam com muita frequência projectos de arquitectos mundialmente reconhecidos ou a aquisição de obras de arte (normalmente esculturas) que tornam determinados espaços emblemáticos.
Torre Agbar de Jean Nouvel
Por último, neste ponto sobre as actividades económicas, não pode deixar de ser realçada o forte laço entre o sector criativo e o turismo. A maioria das cidades analisadas são destinos turísticos muito importantes, como se referiu na introdução, onde as actividades criativas desenvolvem sinergias importantes com o turismo urbano. A ligação mais óbvia é a do sector cultural – património, museus, galerias, espectáculos – mas cada vez se torna mais importante o contributo de todo o sector criativo para o desenvolvimento turístico, nomeadamente e de forma directa, através do turismo de congressos, mas também por via de festivais de cinema, de fotografia ou de exposições de software, de artesanato organizados pelas empresas dos respectivos sectores.
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3. INICIATIVAS CULTURAIS E ARTÍSTICAS
No sector criativo, a cultura e as artes continuam a ter um papel destacado, um pouco como se fossem os ex libris do sector. Embora seja actualmente muito difícil definir as fronteiras entre o que é ou não é arte, a ideia continua a ser forte. Talvez por essa razão, o peso do passado é importante no sector criativo, encontrando-se mesmo frequentemente alguma tensão entre memória e inovação. Atrair artistas e equipamentos culturais é um desafio importante em todas as cidades analisadas. Nem sempre são explícitas as razões que justificam o desafio e os investimentos associados. Dois motivos podem ser, contudo, salientados: um mais trivial, ligado ao desenvolvimento turístico e outro, mais etéreo, relacionado com a ‘alma’ da cidade, ou seja com a capacidade inspiradora da cultura e das artes, capaz de fomentar a criatividade em muitos outros sectores de actividade. Em sociedades onde a estética e o espectáculo assumem uma importância crucial, os produtos – sejam maçãs, automóveis ou aplicações financeiras – são bastante valorizados se incluírem uma componente artística, inserida no próprio produto, na embalagem ou na publicidade. A este propósito, David Ley (2003: 2542)1 sugere que “the redemptive eye of the artist could turn junk into art”, mas não deixa de acrescentar que “the calculating eye of others would turn art into commodity”. A promoção de iniciativas culturais e artísticas dá-se normalmente por via dos eventos. Budapeste é um caso interessante no campo da música. Aproveitando uma herança histórica, a cidade organiza um número crescente de festivais de música incluindo progressivamente outros estilos para além da música clássica, nomeadamente o jazz e a música étnica. Mas, o estatuto de ‘capital de ...’ é actualmente uma das mais valias cruciais para a afirmação da criatividade urbana. Não é suficiente organizar eventos, é preciso associá-los e dar-lhes um sentido comum. Uma das iniciativas mais importante na UE é a ‘Capital Europeia da Cultura’. Este programa foi lançado pela Comissão Europeia em 1985, sendo Atenas a primeira Ley, D. (2003) “Artists, Aestheticisation and the Field of Gentrification”, Urban Studies, Vol. 40, No. 12, 2527–2544 1
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cidade a receber este título. O objectivo central visava “valorizar a riqueza, a diversidade das culturas europeias e as suas características comuns, melhorar o conhecimento mútuo dos cidadãos europeus, reforçar o sentimento de pertença a uma mesma comunidade «europeia»” (CE, 2008). Ao longo dos anos, o conceito foi evoluindo e actualmente a participação dos cidadãos, a sustentabilidade do projecto e a sua integração no plano de desenvolvimento da cidade, bem como a promoção da criatividade são também prioridades da iniciativa comunitária. Contudo, as Capitais Europeias da Cultura interpretam de modos diferentes o conceito proposto pela Comissão Europeia. Nalguns casos, é a dinamização económica da cidade que se sobrepõe a tudo o resto, noutros é privilegiada a coesão sócio-territorial e a inclusão social. Por outro lado, algumas Capitais têm focado o seu programa no património, outras nas novas expressões artísticas. Também é diverso o conceito territorial da iniciativa, nuns casos limitado à cidade, propriamente dita, noutros alargado à área metropolitana ou mesmo a toda a região envolvente. Quadro 4 – UNESCO – Cidades Culturais e Criativas UNESCO Cidade da Literatura
Edinburgh, UK Iowa City, Iowa, USA Melbourne, Australia Dublin, Ireland UNESCO Cidade do Cinema Bradford, UK Sydney, Australia UNESCO Cidade da Música Bologna, Italy Ghent, Belgium Glasgow, UK Seville, Spain UNESCO Cidade do Artesanato e Aswan, Egypt Arte Popular Kanazawa, Japan Santa Fe, New Mexico, USA Icheon, Republic of Korea UNESCO Cidade do Design Berlin, Germany Buenos Aires, Argentina Kobe, Japan Montreal, Canada Nagoya, Japan Shenzhen, PRC Shanghai,PRC Seoul,Republic of Korea Saint-Etienne, France Graz, Austria UNESCO Cidade das Artes e Media Lyon, France UNESCO Cidade da Gastronomia Popayan, Colombia Chengdu, PRC Östersund, Sweden Fonte: http://portal.unesco.org/culture/en/ev.phpURL_ID=36799&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html
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Este tipo de programas têm vindo a desenvolver-se também ao nível nacional, com ambições mais limitadas, e ao nível mundial com impactos muito fortes. Nesta segunda categoria inclui-se a Rede de Cidades Criativas da UNESCO criada em 2004, onde se inclui Dublin. Um último aspecto a realçar neste ponto é a importância crescente das organizações da sociedade civil e dos processos bottom-up nas iniciativas culturais e artísticas. Por um lado, o estado tende a delegar no terceiro sector muitas das actividades que até há pouco tempo concentrava nos serviços públicos. Por outro lado, a sociedade civil tem hoje maiores possibilidades de promover organizações eficazes. As redes sociais e a Internet são instrumentos fundamentais para esse fim. Um bom exemplo de organizações deste tipo são os eventos musicais em Budapeste, em grande parte promovidos por associações (comunidades locais, grupos de músicos, associações de imigrantes, ...). Outro caso ilustrativo é o ‘Die_urbanauten’ em Munique, grupo de jovens activistas, constituído em 2002, que funciona como um clube de debate sobre a utilização do espaço público, promovendo iniciativas e eventos no espaço público e oferecendo espaços temporários para artistas.
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4.
ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, REGENERAÇÃO URBANA E AMBIENTAL
Os espaços verdes e as mais-valias paisagísticas e ambientais são um factor importante de promoção de meios urbanos criativos. Nalguns casos, admite-se que são inspiradores, que ‘alimentam’ a imaginação, noutros prevalece uma visão mais pragmática, associando essas condições à possibilidade de as cidades oferecerem boas condições de vida e, por essa via, poderem atrair os criativos. Tanto em Amesterdão como em Helsínquia, a água – canais, ilhas, frente marítima - é um ícone da cidade. Em Barcelona e em Budapeste, as mais-valias paisagísticas e ambientais foram alvo de iniciativas de política urbana mais recente. Na capital catalã foram reabilitados mais de 4Km de praias urbanas na parte nordeste da cidade, no âmbito da realização dos Jogos Olímpicos de 1992. Em Budapeste, o programa municipal ‘Heart of Budapest’ visa melhorar as ciclovias e as |reas pedonais ao longo do Danúbio, tendo sido também criada recentemente uma praia temporária no rio (piscina de 2100 m2).
BARCELONA, 2007 PRAIA URBANA
A requalificação dos espaços públicos é uma acção fundamental, quer dos espaços verdes e aquáticos quer de áreas mais restritas como a praça ou a rua. A valorização destes espaços proporciona uma melhoria da qualidade de vida urbana, em geral, mas incentiva também as sociabilidades urbanas, tão desgastadas na maioria das grandes cidades. A praça é o lugar de encontro dos vizinhos, onde se reúnem várias gerações e 17
onde se cruzam conversas e trocam opiniões. As praças são também lugares simbólicos da memória colectiva – a Praça da Catalunha em Barcelona, a Dam Square em Amesterdão, a Piazza del Duomo em Milão, a Praça dos Heróis em Budapeste são bons exemplos.
AMESTERDÃO, 2011
Um terceiro aspecto relevante é a reabilitação das zonas históricas. Amesterdão é o melhor exemplo, no conjunto das cidades analisadas. Isto porque o extenso centro da cidade foi concebido e construído em épocas em que o contacto pessoal de proximidade era a base das relações sociais, em que os percursos urbanos eram pedestres ou feitos em transportes lentos. Apesar da grande actividade do porto de Amesterdão no séc. XVII (Século de Ouro Holandês), a comunidade local era o suporte do tecido social e económico da cidade. Os mercados eram lugares privilegiados de todo o tipo de encontros. É este ambiente urbano que a cidade criativa do início do séc. XXI procura recuperar e é por essa razão que, apesar das barreiras e dificuldades urbanísticas (o saneamento básico, o transporte, o estacionamento, o risco de incêndio, etc.), as autoridades públicas de Amesterdão têm investido tão avultados recursos na reabilitação do centro histórico. Os processos de reabilitação dos centros históricos melhor sucedidos têm sido baseados em alianças entre as autoridades locais e regionais, o terceiro sector (movimentos sociais urbanos, cooperativas, grupos de artistas, associações) e o sector 18
empresarial. Os compromissos são, neste campo, um aspecto essencial das acção. Existem diferentes interesses que colidem com frequência e, na maioria, dos casos, é a negociação mediada pelas autoridades públicas que permite encontrar as melhores soluções. A existência de espaços industriais e portuários abandonados por efeitos da crise económica dos anos 70 e 80 do século XX ou por via da reestruturação industrial constitui também um recurso importante da cidade criativa. Trata-se, na maioria dos casos, de grandes áreas com edifícios reconvertíveis para empresas, ateliers, estúdios ou mesmo salas de exposições ou de espectáculos. Em Birmingham, em Amesterdão, em Helsínquia e, mais recentemente, em Budapeste, os brownfields têm sido um recurso importante para a instalação de actividades criativas. Cable Factory, Helsínquia As Nokia Kaapeli was about to move out of the building, the city of Helsinki realised that they are about to gain ownership of a very unique building and space as well as a problem. What to do with a factory with the capacity of ten apartment houses? During the last few years of their ownership, Nokia Kaapeli hardly invested in the maintenance of the building. As the industry was moving out, Nokia Kaapeli started renting the premises at very affordable rates. Plenty of artists and businesses moved in to the Cable Factory, as they were able to secure peaceful working spaces. There were also spaces suitable for performances and exhibitions. The potential of the factory and its ideological- philosophical starting point was proven effective in practice before any official decisions were made. The administrative decision making took its time – four years to be exact. In 1987 the city of Helsinki and Nokia agreed on the procedures for the transitional period and formed a delegation to plan the future use of the factory in the ownership of the city. According to the delegation, the entire factory wasn’t worth saving. It was decided to split it into three separate units. Plans were made to build schools, hotels, museums and even a carpark to the former factory. The renovation costs were estimated to be 350-500 million Finnish Marks. The concerned tenants of the Cable Factory founded an association, Pro Kaapeli. Architechts who had worked at the Factory, created a parallel plan to save the building and the activities that were prevalent at the post-industrial Cable Factory. Pro Kaapeli also pointed out deficiencies in the planning of the area and even got the media involved. Pro Kaapeli was featured in the leading national newspapers and national TV and managed to dissolve deeply rooted prejudices against house squatters and artists who were often considered as shady. Along the same lines with Pro Kaapeli were the committee formed to create guidelines for cultural activities in Helsinki. They felt that the building and its newly found artistic community were unique and too valuable to be wiped away. The Cable Factory was to remain in its original form. This was groundbreaking. A new agreement was made with Nokia, the city counsel decided to protect the Cable Factory and its milieu and an estate company was founded. Almost all tenants were allowed to stay. The estate company, Kiinteistö Oy Kaapelitalo was founded in the fall of 1991. With this final solution established, one could say the new Cable Factory was primarly born by coincidence and later because of the tenants’ activity. Many public servants, committees and political decision makers along with Nokia are to be thanked for this, but most of all, the new Cable Factory exists because of Pro Kaapeli. The Cable Factory had great examples and forerunners in other European industrial buildings. The Cable Factory was recognised as a new, independent, European art center when it was accepted as a member of TransEuropeHalles. The usable surface area including all stories and basement is 53 348 square meters, of which 40 000 have been rented. 99% of the work spaces are in use. More than 200 000 people per year attend the events taking place in the halls, museums and dance theaters. The Cable Factory finances its own operations, in 2005 the turnover surpassed 3,5 million Euros. From the beginning of 2008 the company Kiinteistö Oy Kaapelitalo has also administered the historic power plant facilities in Suvilahti, which will develop over the coming years into its own unique cultural centre.
Hilkka Högström, translated by Niklas Nuppola (http://www.kaapelitehdas.fi/en/factory/history, 18/07/11)
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Temple Bar, Dublin Até aos anos 60 do séc. XX, Temple Bar (localizado no centro de Dublin) era uma área portuária, com pequena indústria e armazenagem, actividades nocturnas e alojamento de grupos sociais desfavorecidos A área começou a esvaziar-se com a mudança do porto mais para jusante e, nos anos 70, a companhia nacional de transportes rodoviários começou a comprar os terrenos para construir uma central rodoviária, acelerando ainda mais ao esvaziamento. A crise dos anos 70, aliada a uma forte contestação dos moradores e visitantes do bairro, adiou o projecto, pelo que a empresa decidiu alugar os edifícios enquanto ‘esperava’, trazendo para esta |rea da cidade diversos pequenos negócios criativos. Em 1988, a nova comunidade criativa da cidade fundou o Temple Bar Development Council, funcionando como lobby de pressão para que as autoridades locais alterassem o projecto rodoviário e, por pressão da Capital Europeia da Cultura em 1991, o projecto foi efectivamente abandonado. Em 1991, foi criado o Temple Bar Area Renewal and Development Act e duas empresas de capitais maioritariamente públicos: a Temple Bar Proprieties, que comprou os edifícios, e a Temple Bar Renewal, responsável pela conservação e animação dos espaços públicos. Uma das principais preocupações do plano foi a reabilitação residencial (seguindo uma linha de mix social), o que foi conseguido, pois de cerca de 200 em 1991 passou-se para 2500 residentes em 2003.
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22@bcn O projecto 22@, em Poblenou, está a ser desenvolvido numa antiga área industrial da cidade. O objectivo principal deste projecto é transformar um território simbólico da industrialização de Barcelona num pólo criativo, ligado à produção de conhecimento científico e tecnológico, à educação e à inovação. Na primeira metade do séc. XX a diversidade industrial emergiu nesta área da cidade e assim continuou, sendo ainda bastante visíveis os sinais anteriores à intervenção. Existiam cerca de 5.000 habitações ilegais e o núcleo do bairro estava degradado, faltando-lhe as infra-estruturas básicas. Apesar destes problemas, a população tinha uma forte identidade local e um grau de participação cívica muito elevado. Esta |rea era conhecida como a ‘Manchester Catalã’. A primeira intervenção no território decorreu no âmbito dos Jogos Olímpicos, com a construção da Vila Olímpica. Outra parte do projecto correspondeu à construção do anel viário Sul e à reabilitação das praias. Mais tarde, foi realizada a extensão da Diagonal até ao litoral e criaram-se alguns equipamentos de apoio ao sector cultural e criativo (p.e. Teatro Nacional da Catalunha, Centro Comercial Glories, Universidade Pompeu Fabra). Alguns artistas escolheram esta área para localizarem os seus espaços de trabalho por disporem de áreas amplas herdadas dos antigos edifícios fabris. Alguns destes espaços foram também aproveitados para habitação e para instituições públicas (p.e. Instituto Catalão de Tecnologia). Contudo, algumas associações do bairro reagiram mal à condução do projecto porque viram ameaçadas as suas relações de vizinhança e a tranquilidade do lugar. Assim, foi necessário entrar em negociação e fazer algumas alterações ao projecto inicial. Este projecto pode ser entendido como uma das peças centrais do objectivo ‘Barcelona, cidade do conhecimento’.
Para além da reabilitação e regeneração de antigos espaços urbanos, é também importante a criação de novos bairros culturais. Um bom exemplo destas iniciativas é o Kunstareal em Munique, bairro para onde está prevista a (re)localização de 15 museus e 3 universidades. O projecto está a ser planeado em colaboração entre as autoridades municipais e estatais e as universidades e museus. Este tipo de iniciativas encontra-se em várias grandes cidades europeias (p.e. em Paris e em Viena) onde se integram espaços museológicos de séc. XIX, baseados em conceitos ultrapassados, em novos espaços que vão albergar para além das velhas instituições reestruturadas, novos museus, galerias, salas de espectáculos e outros equipamentos culturais, bem como lojas e restaurantes. Por último, importa realçar a importâncias das acessibilidades – vias rápidas radiais e circulares, metropolitano, comboio e aeroportos. Muitas actividades criativas precisam de ligações rápidas com outras cidades mais ou menos distantes. Numerosas empresas localizadas em Amesterdão, nomeadamente as multinacionais ligadas aos media, precisam de garantir a deslocação rápida de profissionais altamente qualificados, o que conseguem não só através da alta conectividade do aeroporto Schiphol mas também do comboio de alta velocidade. O eixo do TGV Londres-Paris-Bruxelas-Amesterdão é um dos melhores exemplos da importância das acessibilidades na construção de meios criativos. 21
UNIVERSIDADE DE MILÃO-BICOCCA, 2008
Mas, mesmo à escala metropolitana, a acessibilidade é um factor decisivo. A Universidade de Milão-Bicocca ilustra não só um caso de regeneração de brownfields (foi construída no espaço de antigas indústrias tendo sido aproveitadas as estruturas metálicas tradicionais) mas também um planeamento em função da rede de transportes metropolitana que confere à instituição uma grande centralidade regional.
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5.
INTERNACIONALIZAÇÃO E TURISMO
Embora o sector criativo tenha uma forte componente local, ancorada na identidade, na memória e no património colectivo, nalguns segmentos o peso do investimento internacional é cada vez maior. É o caso do design, do software, dos media. Para atrair investimento estrangeiro, a centralidade, as infra-estruturas empresariais e a imagem da cidade são factores cruciais. A ligação a universidades e a pólos tecnológicos tem também um peso significativo. Contudo, o turismo é certamente a principal dimensão da cidade criativa. O ambiente urbano criativo é actualmente um factor importante de atracção turística que inclui diferentes aspectos, alguns mais clássicos como o património histórico e cultural, outros mais alternativos como a tolerância, ligada por exemplo ao consumo de drogas leves ou aos espaços gay. Amesterdão, por exemplo, apresenta-se a si mesma como a ‘gay capital of the world’. Existe na cidade uma conjugação entre aceitação da diferença e transgressão que comporta não só ‘lado’ gay mas também o consumo de cannabis (coffee-shops) e a prostituição legal e com grande visibilidade. A par deste mundo alternativo, a cidade possui alguns dos museus mais visitados no mundo e é constantemente atravessada por cruzeiros de turistas que percorrem os canais. Ou seja, num mesmo espaço, existem muito diversas ofertas turísticas dirigidas a diferentes segmentos da procura. Munique e Barcelona apresentam um perfil semelhante ao de Amesterdão, onde os espaços alternativos, muito ligados à boémia e às artes mais informais, convivem com outros muito tradicionais. O centro histórico de Barcelona ilustra muito bem esta diversidade. Os bairros culturais - como Custard Factory em Birmingham, Temple Bar em Dublin ou Design District em Helsínquia – são, cada vez mais, áreas turísticas onde a hotelaria e a restauração vão tendo uma presença importante.
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Helsinki offers an ideal place to get to know Finnish design and to buy topclass Finnish design products. The Design District is a cluster of creative businesses in the heart of Helsinki. It's a neighbourhood association that offers residents and visitors shopping, dining, accommodation and experiences. The Design District comprises nearly 200 members including design shops, galleries, workshops, museums, restaurants, hotels and design agencies. The Design District plays a large role in boosting Helsinki's reputation as a city of design. Design District Helsinki was created in 2005 from the concept of bringing together local actors of the creative industries. The purpose of the association is to make the district and its actors known as the design area and creative hub of Helsinki, thus reinforcing Helsinki's role as a design city. The Design District has established itself as one of Helsinki's most popular tourist destinations. The Design District project was planned from the very beginning in close partnership with various tourism organisations. The results of this partnership include summertime Design Walking Tours on Mondays and Fridays. The guided tours are carried out in co-operation with Helsinki Experts and the Helsinki City Tourist & Convention Bureau. Fonte: http://www.designdistrict.fi/design-district/press-releases (acedido em 18/07/11)
Ainda muito ligado à cidade criativa, surge o turismo de congressos. Com uma expressão cada vez maior, os encontros científicos multiplicam-se tendendo a concentrar-se nas cidades mais interessantes não só do ponto de vista académico, mas também cultural e paisagístico.
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6.
GOVERNANÇA E POLÍTICAS URBANAS NA CIDADE CRIATIVA
A promoção da criatividade urbana tem associados tensões e conflitos que derivam essencialmente do confronto entre diferentes interesses económicos (p.e. sector imobiliário e sector cultural) e da alteração rápida dos estilos de vida nalgumas áreas da cidade. A burocracia, por um lado, e a concorrência entre territórios metropolitanos, por outro, são dois grandes entraves à promoção da criatividade urbana e à gestão da cidade criativa. A grande maioria das instituições criativas (associações ou empresas), especialmente as do sector artístico, não é suficientemente estruturada para lidar com processos administrativos complexos como, por exemplo, aqueles que permitem aceder a apoios públicos. A segunda barreira diz respeito à relação entre os vários territórios (municípios, bairros, distritos, …) que compõem as metrópoles. Sendo circunscrições político-administrativas, a acção pauta-se frequentemente pelas exigências eleitorais, limitando as iniciativas conjuntas e os programas de longo prazo, i.e. que ultrapassam os calendários eleitorais. Estas circunstâncias limitam bastante a qualidade da gestão e das políticas metropolitanas. Tendo em conta esses constrangimentos, a cooperação, a participação e a negociação – mediadas pelas autoridades públicas – são processos essenciais para a qualidade das políticas e da gestão urbanas.
Bureau Broedplaatsen was established by the City of Amsterdam in 2000. Based at Weesperstraat 432, its staff of seven are dedicated to developing affordable workplaces for base segment of the creative industry. Principal activities • Providing creative groups with expertise in property development and redevelopment, feasibility studies, organisation and management, legal affairs, contractual issues and building construction, conversion and maintenance. • Matching supply with demand and mediating in the allocation of creative workplaces in the Amsterdam region. • Making policy and defining objectives, in consultation with all those involved in the development of art factories: housing corporations, architects, estate agencies, project developers, user groups, banks, city boroughs and other local authorities in the region. • Developing tools in support of the art factories policy, such as credit facilities, a property supply monitor, user demand research, a website to match supply with demand and step-bystep redevelopment plans. • Initiating, encouraging and supervising property development. • Distributing the one-off grants available to cover the commercially non-viable component of property development projects. This grant is worth up to €250 per square metre in the case of a building to be used as an art factory for a period of ten years. If that period is less, then the maximum amount available is reduced accordingly.
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Objective To develop suitable workplaces, in the form of art factories, studios or studio housing for artists and creative groups in the Amsterdam region. Specific targets • Create 100-150 new workplaces, with a total area of 10,000 square metres, each year. • Establish permanent art factories through long-term tenancies or transfer of the leasehold to the users. • Identify at least five buildings in Amsterdam suitable for conversion to studios or studio housing each year. • In partnership with the relevant local authority, open one art factory outside Amsterdam each year.
Fonte: Bureau Broedplaatsen, 2008. Building the basis for a creative Amsterdam Metropolitan Area. Art factories programme 2008–2012
Fonte: Bureau Broedplaatsen, 2008. Building the basis for a creative Amsterdam Metropolitan Area. Art factories programme 2008–2012
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AMESTERDテグ, 2011 BUREAU BROEDPLAATSEN
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O Programa Broedplaatsen em Amesterdão reúne efectivamente um conjunto de condições fundamentais para o efectivo apoio ao sector criativo. Não deixa contudo de apresentar alguns pontos fracos….
Amsterdam is trying to maintain non-commercial ‘bohemian’ sites with the ‘broedplaatsen’ (incubator-areas) programme, but these sites are much more restricted in their development than the former anarchistic squatter and non-commercial artist colonies (‘vrijplaatsen’ – free spaces). The latter have largely been pushed out of the city because of redevelopment plans, nuisance to neighbours or the governments’ desire to increase control over its territory (Arnoldus, 2004). Regulations and laws for fire prevention, safety and noise often frustrate the attractiveness of the broedplaatsen. Moreover, the most successful projects are seriously ‘threatened’ by commercialisation. Especially the former NDSM shipyard, the ‘flagship’ of the ‘broedplaatsen’ programme, is rapidly transforming into a hub of commercial creativity dominated by established large media companies (MTV, EyeWorks, IDTV, VNU) which leave only minor spaces for small-scale experimental artist workplaces and creative startups the place was initially intended for. (p. 850) Bontje M., Musterd S. (2009) “Creative industries, creative class and competitiveness:Expert opinions critically appraised”, Geoforum 40, 843–852.
Em todas as cidades analisadas é salientada a importância do estado (central, regional ou local) no apoio às actividades culturais. Mesmo nos contextos em que o mercado é mais desenvolvido e em que a procura cultural é significativa, o sector público surge como o garante da produção e difusão cultural. Esta situação é problemática, como se comprova na actualidade, num contexto de crise económica, sendo o sector cultural um dos mais vulneráveis aos cortes orçamentais. No entanto, já há algum tempo que se vem verificando um recuo dos investimentos e despesas públicas na cultura, limitando-se progressivamente o estado à função reguladora e mediadora. Tem sido sobretudo o 3º sector a ganhar importância e, nos sectores potencialmente lucrativos, o sector privado. Se, por um lado, esta tendência introduz muita instabilidade na maioria das actividades culturais e artísticas, por outro incentiva a participação cívica e os processos bottom-up. Em muitos casos, trata-se, de facto, de uma oportunidade para grupos sociais que até há pouco tempo estavam afastados do campo da cultura e das artes. Até porque, na sua função reguladora, as autoridades públicas passaram a encarar as actividades culturais e artísticas como veículos importantes de inclusão social e, nessa óptica, disponibilizaram apoios que antes não existiam. Resta referir 28
que uma parte significativa desses apoios tem origem nos fundos e programas comunitários que, neste como noutros domínios, tem sido potentes alavancas de inovação nas políticas. Nos países mais desenvolvidos, são também importantes os patrocínios de grandes empresas, nomeadamente do sector financeiro.
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7.
A CRIATIVIDADE URBANA EM TORONTO
No início desta análise comparativa, pensámos incluir a cidade de Toronto no benchmarking uma vez que se trata de uma referência mundial da cidade criativa. Contudo, os documentos consultados e a visita à cidade permitiram compreender que o contexto da criatividade urbana na América do Norte é bem diferente do europeu e que, por essa razão, a comparação não deveria ser efectuada. A principal diferença reside no papel dos poderes públicos e do sector privado, na relação entre eles e também na própria concepção do espaço público e do património colectivo. Enquanto na Europa são as autoridades públicas que normalmente comandam as intervenções no espaço urbano, pelo menos na qualidade de agentes reguladores, no Canadá e EUA, o sector privado tem um protagonismo muito mais forte. Existem orientações das autoridades públicas mas as intervenções obedecem sobretudo às regras do mercado. Mais adiante apresentamos um caso bastante ilustrativo – o Distillery District em Toronto – que revela bem a relação anteriormente referida. Antes de apresentarmos o caso, salientamos a seguir algumas directivas da política urbana da Federação Canadiana no âmbito da criatividade urbana. As autoridades públicas do Canadá estão bem atentas ao debate sobre a cidade criativa, incorporando também algumas das visões alternativas ao ‘mainstream’. Numa publicação das Canadian Policy Research Networks de 2004, intitulada Creative Cities: What Are They For, How Do They Work, and How Do We Build Them?, Meric Gertler 2 apresenta um conjunto de orientações das políticas urbanas especialmente relevante para a promoção da criatividade. “First, we should support the development of creative cities because they play an ever more important role in enhancing the dynamism, resilience, and overall competitiveness of our national economy. Second, we should nurture the development of creative cities because they have the potential to enhance quality of life and opportunity for a broad cross-section of Canadians. [Debates on the creative
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Gertler, M. (2004) - Creative Cities: What Are They For, How Do They Work, and How Do We Build Them? Ottawa: Canadian Policy Research Networks.
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cities remind us] the importance of adapting the creative class thesis to the Canadian context in an active and critical (rather than passive) way, by making our aspirations very clear. The goal for public policy in Canada should be – and can be – to enhance the formation of socially inclusive creative places”(Gertler, 2004:1). Nesta perspectiva, o documento referido apresenta sugestões de políticas particularmente interessantes. Ao nível nacional – incentivos fiscais, protecção da propriedade intelectual, política de integração dos imigrantes baseada na valorização da diversidade cultural. Ao nível regional e local, no âmbito do ordenamento do território: (i) “elements of the existing urban fabric that are qualitatively unique, distinctive and authentic are maintained and strengthened; (ii) “natural environmental assets are protected and, where appropriate, enhanced to take advantage of their attractiveness”; (iii) “residential and employment densities are high enough, and land uses are mixed sufficiently to support a vibrant urban economy and cultural scene”; (iv) “alternatives to automobile travel – public transit, walking, and cycling – are readily available”(Gertler, 2004:7-10). Ainda no âmbito local, é salientada a importância de reforçar as actividades culturais das diversas comunidades étnicas, reconhecendo-as como elementos ‘low profile’ mas cruciais para definir o carácter distintivo da cidade no campo cultural.
Toronto, Distillery District O Distillery District foi criado num vasto espaço urbano de 52 mil m2 no centro de Toronto, herdado de uma grande destilaria fabricante de whisky, rum e outras bebidas alcoólicas que funcionou entre 1832e 1990 – a Gooderham & Worts Distillery. Trata-se do conjunto de arquitectura industrial vitoriana mas vasto e melhor preservado na América do Norte, constituído por 44 edifícios fabris. Em 2001, a Gooderham & Worts Distillery foi comprada pela Cityscape Holdings Inc., uma companhia de desenvolvimento urbano integrado (comercial e residencial) especializada na reabilitação de espaços históricos. Em consórcio com outra companhia, a Dundee Realty, foram e estão a ser construídos 3 grandes condomínios junto ao antigo espaço industrial. 31
A perspectiva destas empresas enquadra-se nas directivas do City Council e das políticas nacionais e baseia-se sobretudo na utilização do património e do seu capital simbólico como factores de valorização dos espaços residenciais, comerciais e culturais, através da venda ou do arrendamento. Isto não significa que o Distillery District não seja um espaço dinâmico e bem concebido na óptica da promoção da criatividade. A ocupação deste espaço (Quadro 4) revela bem a atracção que ele tem sido capaz de gerar.
Quadro 4 – Actividades presentes no Distillery District, 2011 Actividades Estúdios de artistas Escritórios Cafés Restaurantes e bares Educação (escolas artísticas) Comércio Galerias Teatros e companhias de dança
Número de entidades 23 15 5 9 3 25 22 18
Fonte: Dados recolhidos em http://www.thedistillerydistrict.com (acedido em 21 julho 2011)
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Fonte: http://www.thedistillerydistrict.com/PDF/distillery_site_plan.pdf (acedido em 21 julho 2011)
Planta no Distillery District, 2010
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O condomínio residencial que já está terminado (Pure Spirit) tem 32 pisos.
Os apartamentos têm entre 160m2 – 230m2
Os preços são a partir de 800 mil euros (1,1 milhões de CAD$).
Fonte: http://urbantoronto.ca/news/2011/06/cityscape-and-dundees-clear-spiritscondo-rises-distillery (acedido em 22/07/2011)
Qual o papel das autoridades públicas neste projecto urbano? Em 1988, o Governo Federal do Canadá classificou o Distillery District como sítio de significado histórico nacional. A Cidade de Toronto tornou claro que qualquer intervenção naquela área tinha que preservar o património, pelo menos as fachadas dos edifícios. Os novos proprietários, Cityscape Holdings Inc., apresentaram um plano para a área que acolhia quase todas as orientações. Contudo, houve negociação com as autoridades públicas uma vez que a companhia pretendia demolir os edifícios mais recentes, do séc XX, para aí construir os condomínios residenciais. Esta pretensão, com algumas alterações, foi aceite pelo City Council3. Como se pode verificar no artigo publicado no Guia 2011 do Distillery District (reproduzido na página seguinte), esta área corresponde ao início de um processo recente de promoção imobiliária nas margens do Lago Ontário, onde se encontram ainda muitos espaços abandonados e um ambiente bastante degradado.
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Baseado em Kohn, M. (2009) ‘Dreamworlds of Deindustrialization’, Theory & Event 12/04.
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8.
SÍNTESE DA ANÁLISE DE BENCHMARKING
Em síntese, as políticas metropolitanas de desenvolvimento do sector criativo apontam para os seguintes elementos:
Estratégias metropolitanas
Incentivos à criatividade e à inovação – promoção do conhecimento e da criação artística o Emprego – jovens qualificados o Troca e transferência de saberes (mobilidade) o Espaços e infra-estruturas
Apoio a segmentos específicos quer em termos de actividade quer em termos de organização
Promoção da cooperação intra-metropolitana
Padrões de localização – concentração das actividades criativas (sinergias) ou dispersão (âncoras de requalificação urbana)?
Planos de cooperação entre instituições Salienta-se a colaboração nos seguintes campos:
Logística e comércio
Gestão do negócio
Conhecimento e inovação
Cultura e turismo
Espaço e infra-estruturas
Mercado de trabalho e formação
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Planos de desenvolvimento cultural Promovem principalmente:
O acesso da população aos bens culturais (acções pedagógicas)
O apoio às associações locais de arte e cultura (p.e. integração de imigrantes ou combate ao insucesso escolar)
A valorização cultural dos bairros, especialmente dos espaços públicos
Agências de desenvolvimento do sector criativo O seu principal papel é a concretização das estratégias e planos. A sua actuação é especialmente relevante nos domínios das infra-estruturas e equipamentos, da I&D, dos serviços de apoio às empresas e da promoção do empreendedorismo, p.e. através da criação de incubadoras de empresas.
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