Eparrei
Revista Online
Produção Casa de Cultura da Mulher Negra - Distribuição Gratuita
Maio 2015
Jongo da Serrinha Mãe Stella Joelzito Araújo Margareth Menezes Goya Lopes Folclore na Sala de Aula
Acompanha Suplemento CCMN 16 anos de Resistência Encarte Lendas dos Orixás para Crianças - Maurício Pestana
ccmnegra@casadeculturadamulhernegra.org.br www.casadeculturadamulhernegra.org.br Editora Alzira Rufino Jornalista Responsável Heleodora Franceline Souza MTB. 41.793 Redação/ Reportagens Alzira Rufino, Heleodora Franceline Souza ,Daniela Fernanda Gomes, Jamile Menezes de Almeida Santos, Janaína Barros, Maria Alice Guimarães Peres e Neide Diniz. Pesquisa Biblioteca CCMN (Centro de Documentação Carolina de Jesus) Isabel da Silva Aristides e Laboratório de Redação do Núcleo de Educação CCMN Traduções Joana Londirá Revisão Final Alzira Rufino e Profª Drª Mary Francisca do Careno Direção de Arte Ori Wani Ilustrações e Fotos Laboratório de Comunicação e Imagens com o Núcleo de Educação CCMN Divulgação / Assinaturas Priscila Cristina G. da Silva Colaboraram nesta edição com artigos: Profª Maria Aparecida Oliveira Lopes Fernanda Pompeu e Orixá Alabi Projeto Gráfico e Edição Group Design Fotos de Capa Jongo da Serrinha Alcino Giandinoto - RJ
Editorial
Revista Eparrei Online é uma publicação do Programa da Comunicação da Casa de Cultura da Mulher Negra ISSN1806-1060
Pensando em informação
Revista Eparrei, cinco anos de Resistência enegrecendo a comunicação. No processo de construção, uma boa dose de gênero, para uma alquimia política, social e cultural de atrizes e atores negros. É o resgate da nossa história, com a nossa cara, nossa gente, nossa cor! Esforço de uma equipe em campo, para o Jogo das Ações Afirmativas, dando nossa contribuição para implementação da Lei 10639/03. Eparrei! Escritas em fatos e fotos, por um grupo que não tem medo da intolerância, nem de pirraça. Estamos no corpo-a-corpo, no peito e na raça, são idas e vindas pelo Brasil afora, agindo e reagindo. No campo, uma equipe composta por jovens atacantes e veteranas, cujo objetivo é jogar as informações na rede. Apresentamos, neste décimo número, outras estrelas de primeira grandeza como Mãe Stella, Margareth Menezes, o Jongo da Serrinha, Neusa Borges, Maria Aparecida Bento, Urivani de Carvalho, a Ori Wani, as 14 negras indicadas para o Prêmio Mil Mulheres para o Nobel da Paz, dentre tantas outras, que compõem nossa constelação de mulheres afro-brasileiras. No jogo Orixá Alabi, Joel Zito e Eduardo Silva enriqueceram o time titular. Continuamos na prorrogação, esperando da arquibancada a sua assinatura para continuarmos no Campeonato. Estamos de olho no apito! Boa Leitura, Axé para todas (os)!
Alzira Rufino
Consultoria Jurídica Responsável Dra. Carmen Schimit Dr. Marco Antonio Romano
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Sumário 05 05 06 09 12
14 18 23 26 29 30 34 38 41 44 47 48 52 55 56 57 62
Cartas Eparrei Agenda Mãe Stella Ações Afirmativas O universo da mulher negra: corpo, família e identidade Musas do Carnaval Margareth Menezes Jongo da Serrinha Eduardo Silva Se Ligue Cojira Maria Apearecida Bento Goya Lopes - Bahia Joel Zito Araújo Neusa Borges Fala Poeta Orixá Alabi - Religião de Matriz Africana no Ylê Axé Pérolas Negras Eu me Orgulho de Ser Mulher Negra Conheça a Casa de Cultura da Mulher negra Arte Educadores e o Folclore na Sala de Aula Culinária Encartes: Lenda dos Orixás para Crianças Suplemento: Casa de Cultura da Mulher Negra 16 anos de RExistência
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Cartas a Eparrei Prezada e Aguerrida Equipe da Casa de Cultura da Mulher Negra Foi com muita satisfação e alegria que tive contato com o último número da Revista Eparrei. A revista atingiu um nível de qualidade gráfica e de conteúdo, que nos dão clareza de sua importância na reafirmação da consciência racial do povo negro. É uma grande contribuição para elevar a auto-estima da população negra, na medida em que a revista tem a preocupação de também ressaltar a capacidade de luta e resistência de pessoas da raça negra em todo o País e no Mundo, que cotidianamente e, de forma corajosa, não se contentam com o papel estabelecido e com uma garra admirável, redesenham o seu próprio destino e o dos seus. Muito Axé, para enfrentar com a mesma beleza e garra os desafios que se colocam. Vereadora PT - Cassandra Maroni Nunes - Santos - SP
Prezadas da CCMNegra, Já sou assinante. Gostaria de continuar sendo. Tenho sentido falta do encarte sobre histórias dos Orixás. Temos trabalhado com isso nas Oficinas com crianças e adolescentes. Dolores Lima - CETRAB - Centro de Tradições Afro Brasileiro - RJ Quero agradecer à Revista Eparrei pelo espaço que me foi dado na edição n°9. Na opinião das várias pessoas que leram a reportagem, a entrevista foi um sucesso! Fico feliz de ver divulgadas as minhas idéias em um veículo tão importante! Além disso, o visual da publicação, a qualidade técnica da apresentação gráfica, a diversidade e atualidade das matérias, enfim, tudo na revista me encantou. Neuza Maria Alves da Silva – Desembargadora Federal do TRF 1ª Região Brasília - DF
Sra. Editora da Revista Eparrei Dou graças aos Orixás, a Deus e a todos os Santos por essa maravilha que é a Revista Eparrei. Eu a tenho utilizado constantemente em minhas aulas, no cumprimento da Lei 10.639/03. Já pensaram em aumentar a tiragem para oferecer ao Governo Federal para que o Estado possa distribuir para os professores? Temos falta de material com linguagem que educandos do ensino médio assimilem com rapidez. O conteúdo da Revista Eparrei cumpre essa função. Profa. Maria Auxiliadora Peixoto Belém - PA Para Alzira e sua maravilhosa Equipe da Eparrei Revista e Boletim Online que continuem com esse Projeto. Obrigada por resgatar a história de nós, mulheres negras. Jovelina Jambalê - Tocantins
avulsos, para poder distribuí-la para as professoras da periferia que não conhecem a nossa força e as nossas líderes. No meu entendimento, a Eparrei mostra o que nós, companheiras e companheiros, estamos fazendo, para mudar essa história de exploração, discriminação, exclusão e racismo. Nós podemos e somos capazes! Pense com carinho, na proposta de dar um jeito de doar uns 600 exemplares para a base negra. Na luta, resistindo sempre! Axé! José Jacinto Jr. - RJ Agradecemos a esta fantástica Revista Eparrei, pois aqui em Fortaleza, é raro obtermos notícias valiosas como estas, assim como informações relacionadas ao assunto das mulheres afrodescendentes. Lú Undé - Grupo Afro Bere Bere
Cartas
Não conhecia a Revista Eparrei. Recebi- a de presente de Natal de uma amiga. Fiquei surpresa por saber que é feita por mulheres
Agenda
negras. Enquanto viver serei mais uma assinante.Ao ler a Revista Eparrei senti orgulho em ser Mulher Negra. Gilvaní dos Santos Abreu - Campos do Jordão-SP
1) XI CONGRESSO LATINO-AMERICANO SOBRE RELIGIÃO E ETNICIDADE Local: Universidade Metodista de São Paulo, Campus Rudge Ramos, São Paulo, Brasil. Data: 03 a 07 de julho de 2006 - São Paulo, SP, Brasil Tema: “Mundos religiosos: identidades e convergências” – através de conferências, simpósios e atividades culturais. Público Alvo: Pesquisadores estudiosos e interessados na temática. Promoção: Associação Latino - Americana para o Estudo das Religiões (ALER), Universidade Metodista de São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Centro Universitário Nove de Julho. Apoio: Universidade Presbiteriana Mackenzie. Informações: www.metodista.br/ev/aler2006/index.php 2) 30º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS Data: 24 A 28 DE OUTUBRO DE 2006 - Local: CAXAMBU - MG 3) I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS VIOLÊNCIA E POBREZA. A SITUAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA AMÉRICA LATINA HOJE Data: 25 a 27 de outubro de 2006 Local: Universidade Estadual do Rio de Janeiro Público Alvo: Universidades, ONGs, Estudiosos, pesquisadores na área de Direitos Humanos na América Latina. Informações: www2.uerj.br/proealc
Companheiras da Eparrei: Sei que é difícil publicar um material com essa qualidade. Sempre que vou aos eventos, vou logo procurando pela Revista Eparrei para comprar uns números
4) ENCONTRO NACIONAL DE OPERADORES EM DIREITO Data: Outubro de 2006 - Local: Hotel Mendes Panorama Organização: Casa de Cultura da Mulher Negra. Informações: ccmnegra@uol.com.br ou ccmnsantos@uol.com.br
5) ENCONTRO NACIONAL DE JUVENTUDE AFRODESCENDENTE Com previsão para 2007, este Encontro tem como objetivo central, o intercâmbio, a socialização de experiências e a construção de um documento representativo da juventude afrodescendente. Informe-se e participe! E-mail: encontro_de_juventude_afrodescendente@yahoogrupos.com.br 6) CURSO DE EXTENSÃO: INTRODUÇÃO À FILOSOFIA AFRICANA Docente: Prof. Ms. Kilwangy kya Kapitango-a-Samba Contacto: Rua Prof. Primo Ferreira, 22 – Santos/SP Fones (13) 3221-2650-E-mail: ccmnegra@uol.com.br Ministrante: Professor Kapitango-a-Samba. Natural de Angola, o docente é graduado em Filosofia e Especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior. Mestre em História da Ciência (PUCSP), atualmente freqüenta aproveitamento de créditos para doutorado na USP.
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Texto: Jamile Menezes de Almeida Santos Fotos: Nair Benedicto - Altair Lima
Mãe Stella d’Óxossi
Uma estrela de axé
Mãe Stella Mãe Stella acumula em sua vida a sabedoria, a resistência e a grandeza das negras mulheres que d’África vieram e aqui consagraram o axé dos Orixás.
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dé Kayode, o caçador que traz a alegria. Este é o nome religioso de Maria Stella de Azevedo Santos, também conhecida como Mãe Stella de Oxóssi, ou simplesmente Mãe Stella. São 30 anos à frente do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá (Casa de Força Sustentada por Afonjá), uma das mais tradicionais e importantes comunidades de religião africana do país, situada no bairro de São Gonçalo do Retiro, em Salvador/BA. Aos seus 81 anos, uma das mais notáveis personalidades baianas e com certeza das mais respeitadas ialorixás do Candomblé brasileiro, Mãe Stella acumula em sua vida a sabedoria, a resistência e a grandeza das negras mulheres que d’África vieram e aqui consagraram o axé dos Orixás. “Como em toda família tem um que leva a herança espiritual, na minha eu tive esse papel e trouxe 06 EPARREI
a herança religiosa africana. O que naquela época era algo velado, perigoso de se assumir por causa da repressão policial e católica”, relembra a ialorixá. Criada por tios desde os 6 anos de idade, quando do falecimento de sua mãe, Mãe Stella teve a oportunidade que poucas mulheres negras tinham àquela época: estudar. “Aos cuidados de tios, cresci em um ambiente saudável, regular. Tive instrução e educação em bons colégios e vivia em um universo que me dava grandes possibilidades.”, conta. Em sua adolescência, momento de grandes decisões quanto a que futuro seguir, o legado espiritual da família começou a dar sinais do que viria a ser sua filosofia e sua missão na vida. “Aos 13 anos, minha vida no colégio não respondia às expectativas, e minha
família logo via que eu tinha era que cuidar de minha vida espiritual, do meu orixá. Eu sentia que tinha que me cuidar. Vim para esta casa, onde fui iniciada pelas mãos de Mãe Senhora. Somente depois que cumpri minhas obrigações no Candomblé foi que pude evoluir, na escola, no trabalho, e depois na faculdade de enfermagem”, diz. Mãe Stella que relembra com emoção a transformação que o axé dos Terreiros trouxe para sua vida e sempre traz para a vivência de quem se consagra aos orixás. “Quando nós temos aqui dentro a necessidade de cuidar do nosso orixá, enquanto não seguimos esse impulso, não temos equilíbrio. Ficamos desarticulados. Quando me iniciei no axé, achei meu caminho. Ainda era adolescente, mas isso só aumentou a minha fé, a crença no ser humano e em minha auto-estima”, pontua a ialorixá.
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a
Mãe Stella Mulher negra e independência
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em dúvida um marco na história do Candomblé no Brasil e sua trajetória nos remete à ampla reflexão do papel das mulheres negras na evolução do mundo. Estudar, trabalhar, cuidar de casa, de si e dos outros fez e continua fazendo da história dessas mulheres uma eterna conciliação. “A mulher negra é responsável pela liberação da mulher na sociedade, seja ela de qualquer raça. As mulheres dos senhores não tinham autoridade nem liberdade pra nada. Já nós,
descendentes de africanas, não tínhamos homens responsáveis por nós. Éramos donas de nossas casas, de nossos negócios. Eu sempre trabalhei e sempre dei conta do meu axé, mantendo minha independência. Esse é o nosso papel”- enfatiza Mãe Stella. Com sua luta pela liberdade da religião e o fim do sincretismo religioso, a mais jovem ialorixá a assumir o cargo na Bahia foi também a primeira a romper com a Igreja Católica ao estabelecer para
a sociedade que “Iansã não é Santa Bárbara”, quebrando paradigmas até hoje bastante debatidos entre ambas as religiões. “Ao assumir o Ilê Axé Opô Afonjá, esse foi, sem dúvida meu maior desafio. Nosso povo ainda estava preso a algumas tradições e fiz questão de fazer certas transformações, mas sempre mantendo a essência e a raiz da religião. Uma delas foi esse rompimento do sincretismo com a fé católica. Por exemplo, naquela época o iniciado pra ser valorizado e consagrado tinha que sair do
axé e ir pra missa na igreja. Não havia necessidade disso mais.”, defende. Em 1983, na Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura, Mãe Stella deu o primeiro passo para a independência das religiões de matriz africana no Brasil, o que se tornou pauta de discussão no Movimento Negro e hoje é preservado, principalmente, pelos mais jovens na religião. “Muita coisa mudou de lá pra cá, principalmente na juventude. Eles estão preocupados com a nossa independência. Se você acredita que ir à igreja lhe faz bem, então vá. Mas não existe mais o medo de “quebrar” o axé se não for à missa. Você tinha que fazer seu santo, mas tinha que ser batizado depois! O batismo é uma consagração. Se você faz sua obrigação, você está sendo consagrado ao seu orixá. Então agora a gente não tem que ir a igreja procurar batismo. São energias diferentes que não têm nada a ver com as nossas.”, explica a ialorixá. Questionada sobre o episódio “Padre Pinto”, que tentou unir as crenças no culto de sua Igreja em Salvador, Mãe Stella é incisiva. “Isso não é conciliação, é anarquia! Um padre não tem que vir pra aqui oferecer hóstia, nem a gente têm que oferecer acarajé ou pipoca em ofertório de missa. Não tem nada a ver. Cadê a liturgia da Igreja Católica e cadê a nossa? Isso é um retrocesso e vão acabar criando é uma nova religião..” , diz. EPARREI 07
Ódio Religioso
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ropagado diária e explicitamente contra as religiões de matriz africana, o ódio difundido por seitas neopentecostais tem encontrado a resistência e a indignação de pais, mães e filhos- de- santo, que, para Mãe Stella devem, de todas as formas, se sobrepor a essa guerra. “Eu finjo que essas pessoas não existem, que estão com desespero de causa, pois não conhecem a essência do Candomblé. Não adianta associar nossa religião ao diabo, pois nem mesmo eles sabem o que é o diabo. Ninguém é obrigado a gostar do Candomblé, mas temos que saber conviver. O pior é que se apropriam de nossos símbolos e com pobreza de espírito, nos condenam ao mesmo tempo. Pro nosso banho de folha, tem a terça de descarrego, pro nosso acarajé tem o bolinho de cristão. Como pode isso?”, indignase a yalorixá. Como fruto desse separatismo e deturpação do que é ser negro, conseqüência direta do racismo que é institucionalizado nas relações pessoais, e principalmente religiosas, muitos vêem com preocupação um possível “embranquecimento” dos Terreiros de Candomblé e na mesma medida, o “enegrecimento” das seitas evangélicas. Para Mãe Stella, devemos nos preocupar com isso, mas nunca esquecer da essência da religião e de nossa responsabilidade. “Para o Orixá não existe fronteira, raça, situação financeira nem nada. Seria lindo ter nosso Ilê só do nosso povo
negro, mas assim como tem muito branco que vem aqui a fim de tirar proveito pra suas teses, também tem aqueles que vêem pela fé. Não gostaria que tivessem tantos, mas por outro lado eu digo que muitos brancos ajudam o Candomblé. Nosso povo também deve resistir, se comprometer com o axé e se valorizar para que nossa religião se fortaleça”, apela. Há 30 anos, sob a liderança de Mãe Stella, o Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá hoje é tido como centro cultural onde a comunidade pode conhecer
a história da religião e se aproximar da vivência com os Orixás, o que para ela é essencial para acabar com a ignorância quanto à crença. “O Opô Afonjá não é apenas um lugar de culto, aqui envolvemos as pessoas em nossas atividades para que elas se aproximem da casa e tenham mais respeito com a religião. Depois de minha visita à África, resolvi montar o nosso Museu Ilê Ohum Lailai (Casa das Coisas Antigas). Lá tem os pertences de outras ialorixás que contam suas histórias e a própria história do Candomblé. Pensando
em nossas crianças, criamos a Escola Eugênia Anna dos Santos, que valoriza nossas tradições africanas no currículo. Tem cânticos, trabalho com natureza e biblioteca que tematizam as coisas de axé e agora o Instituto Odé Kayode, onde nossos jovens podem ter ocupação depois da escola. Era o ideal de Mãe Aninha ver a comunidade estudando e seus filhos-de–santo e netos com anel no dedo de suas formaturas e servindo a Xangô. Sempre foi assim e até hoje continuamos com essa força.”, comemora Mãe Stella.
Mãe Stella
Futuro e preservação
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nternet, folclorização, perda de valores. Nesse quadro contemporâneo, preservar os fundamentos do Candomblé e manter as tradições tem sido uma tarefa difícil para muitos zeladores de axé. “A essência do Candomblé cabe a nós segurarmos ou não. É triste ver algumas pessoas deixando de viver no Candomblé para aprender a religião na Internet e nos livros. 08 EPARREI
Isso ficou assim porque o povo-desanto era na maioria analfabeta, pessoas simples. Daí chegavam os chamados estudiosos e pediam pra gente contar nossos segredos. Muita coisa acabou sendo dita para fora dos Terreiros, dando subsídio para eles fazerem o que quisessem. Cabe aos pais e mães-de-santo, responsáveis pelo axé, juntar seu povo e explicar os fundamentos de tudo que
se faz no Candomblé. Eu tenho esperanças nos jovens que estão chegando, que eles estudem muito e se aprofundem no axé dentro dos Terreiros e não em livros.” Quanto ao futuro da religião, Mãe Stella tem uma certeza: “Chamar de religião já é um grande passo. Mesmo que só existam cinco ou seis pessoas ligadas aos orixás, essas serão as verdadeiras. A fé está em nossa cabeça e não em
roupas de baiana, em nossas contas ou em axés cheios de gente. Por isso digo que essa religião é de uma resistência sobrenatural. Podem ter tirado muito de nós, mas superamos. O Candomblé superou e vai continuar superando tudo o que nos colocam pela frente.”
Ações Afirmativas Secretaria de Promoção de Igualdade Racial quer qualificar trabalhador doméstico em 2006
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governo federal pretende reforçar, em 2006, as chamadas ações afirmativas na área do trabalho. Entre as prioridades para o próximo ano, segundo a Ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir), está a qualificação dos trabalhadores domésticos por meio do programa Trabalho Doméstico Cidadão, lançado em novembro deste ano em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego. O Brasil possui 6 milhões de trabalhadores domésticos. Destes, 95% são mulheres, das quais 57% são negras, destaca a ministra. Segundo os dados do IBGE, apenas 25% das trabalhadoras domésticas têm carteira assinada. “O plano será desenvolvido e ampliado em 2006”, garante Matilde Ribeiro. “Os negros são os mais pobres entre os pobres, estão à margem do mercado de trabalho e, quando incluídos, são o que recebem os menores salários e são os mais desqualificados inclusive, pela falta de inserção no sistema educativo”, enfatiza a ministra. Neste sentido, também é fundamental, na avaliação da ministra, a aprovação, pelo Congresso, do projeto de lei que institui o sistema de cotas nas universidades públicas de todo o país. “Já existe um relatório favorável da Comissão de Educação, Cultura e Desporto. Estamos aguardando que este projeto de lei seja votado para fortalecer, inclusive, as experiências que já estão em curso”, diz. De acordo com a ministra, 18 universidades públicas já aplicam o sistema de cotas. Além disso, em 2005, 30 mil alunos afro-descendentes entraram em universidades particulares por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni). O programa concede bolsas de estudo integrais e parciais Para estudantes de baixa renda em instituições privadas de educação superior, oferecendo em contrapartida isenção de alguns tributos.”A demanda por ações afirmativas para reserva de vagas nas universidades públicas e privadas é histórica, é debatida pelos negros e pelos indígenas e existem experiências diversificadas pelo mundo afora”, conta a ministra. “É uma experiência, no Brasil, que causa polêmica, mas temos a consciência de que há que se fazer algo, considerando que a desigualdade racial e o racismo não são invenções de pessoas iluminadas. É uma realidade no país, que precisa ser superada”. Mylena Fiori - Agência Brasil
Parlamentares se posicionam sobre emprego doméstico
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oi aprovada com alterações, no plenário da Câmara, a Medida Provisória nº. 284/06, que autoriza empregadoras/es domésticas/os a deduzirem do Imposto de Renda o valor da contribuição paga à Previdência Social, de até um/a empregado/a doméstico/a (por declaração), calculada sobre até um salário mínimo mensal. A MP vai ao plenário do Senado na forma do Projeto de Lei de Conversão nº. 14/2006. Na próxima semana, serão novamente debatidos e votados diversos destaques propostos por parlamentares, que aprovaram o conjunto da Medida mas se mostraram não totalmente satisfeitos com a proposição. Entre as 106 emendas apresentadas à MP, foi aprovada uma que impede o/a empregador/a de descontar do salário do/a empregado/a doméstico/a o fornecimento de alimentação, higiene, vestuário e moradia, o que hoje é permitido.
Seguro-desemprego
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ambém está tramitando no Congresso o PL 105/05, que estende o direito ao seguro-desemprego para trabalhadoras/es não inscritos no FGTS, a exemplo da categoria empregada doméstica, que ainda não tem este direito plenamente assegurado. O acesso ao seguro-desemprego, de acordo com esse Projeto, estaria garantido desde que o/a trabalhador/a comprove o exercício na função em pelo menos 15 dos últimos 24 meses, contados a partir da data da dispensa sem justa-causa. O Projeto foi aprovado ontem, dia 4, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e segue para votação . Fonte Agência Câmara EPARREI 09
Capacitação de professores para ensinar cultura africana em escolas públicas
das palavras com origem africana, isso pode ser inserido na aula “de português e literatura”, disse Antonio Pinto. De acordo com a Seppir, a Lei 10.639 proporciona às crianças negras a afirmação de sua identidade e que as crianças não-negras evitem uma imagem estereotipada da História do Brasil, normalmente contada a partir do ponto de vista dos brancos. Assessoria de Comunicação Social - Seppir / PR - Vitor Abdala - Agência Brasil
Livros Animados
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ois mil professores de quatro estados do Rio de Janeiro estão sendo capacitados para ensinar a cultura e a história africana e afro-brasileira em escolas públicas do Brasil. A iniciativa faz parte do projeto “A cor da cultura”, realizado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em parceria com empresas e a sociedade civil. A capacitação teve início, em fevereiro de 2006 nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, onde 1.020 professores estão sendo preparados. Na próxima semana, serão realizadas oficinas no Rio Grande do Sul e na Bahia, completando dois mil professores.
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ue lembranças temos da África? Quais as diferenças entre meninos e meninas? É verdade que menino não chora? No programa Livros Animados, as crianças irão aprender brincando. Através dos livros, poderão sonhar, conhecer e se divertir com a história do Brasil e da África. Dez episódios especiais apresentam 22 histórias infantis baseadas em contos africanos, que foram escritas, ilustradas e animadas em computação gráfica por artistas brasileiros. As crianças aprendem ainda a inventar cores, a construir instrumentos com sucatas, a jogar capoeira e até a fazer adivinhação. Assessoria de Comunicação Social - Seppir
Durante a capacitação, os docentes aprendem a trabalhar com o material educativo preparado especialmente para o projeto “A cor da cultura”, que inclui programas de televisão, jogos e livros. Segundo o ministro interino da Seppir, Antonio da Silva Pinto, os professores deverão atuar como multiplicadores, ensinando os colegas em suas escolas. O objetivo do projeto é contribuir para a aplicação da Lei 10.639, de 2003, que determina o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas. “Não se trata de uma disciplina nova, mas de transversalizar nas disciplinas que já fazem parte do currículo, colocando elementos da formação do povo brasileiro advindos da África.” Quando o professor recebe um dicionário
Ações Afirmativas 10 EPARREI
Ações Afirmativas Jovens negros do campo terão financiamento para comprar terra própria
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ma parceria entre a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) permitiu o lançamento do Programa Terra Negra, que garantirá financiamento para a compra de imóveis rurais a jovens negros do meio rural com idade entre 18 e 28 anos. A iniciativa é inédita no país e é considerada pelo governo federal como a primeira política pública do gênero desde a abolição da escravatura, em 1888. De acordo com o secretário de Reordenamento Agrário do MDA, Eugênio Peixoto, a nova linha de crédito fundiário vai atender à população negra dispersa, sem tradição de organização e que não é descendente de quilombolas. “Pela primeira vez na história, essa população terá acesso a políticas concretas de acesso à terra”, afirma o secretário. Eugênio Peixoto explica que a linha de crédito tem juros subsidiados. As pessoas interessadas devem procurar representantes dos sindicatos de trabalhadores rurais, da extensão rural, ou das secretarias estaduais de agricultura. “Para serem atendidos, os interessados devem se organizar em grupos, identificar uma área rural e montar um projeto produtivo”, diz ele. A primeira área a ser entregue pelo projeto Terra Negra Brasil será a fazenda Dois Irmãos, com 460 hectares, no município de Guimarães (MA). Os beneficiados são 26 jovens que, juntos, formam o Clube de Jovens Juventude Caminho Aberto. Cada um deles receberá R$ 13 mil para investir na terra, totalizando um recurso de R$ 340 mil. De acordo com o subsecretário de Ações Afirmativas da Seppir, João Carlos Nogueira, o Terra Negra deverá atender entre 3 milhões a 5 milhões de negros não quilombolas que vivem no campo e não trabalham na própria terra, em oito estados, principalmente: Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia, Santa Catarina, Maranhão, Paraná, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Nogueira afirma que “ao longo da história do Brasil, a partir da abolição da escravatura, os negros nunca tiveram uma política de governo que incentivasse a permanência da família negra no campo”. Segundo Nogueira, pesquisas indicam que grande parte dos jovens assassinados no Brasil é formada por negros que migraram do campo para a cidade. O subsecretário diz também que “o jovem negro do campo é o que tem menos oportunidade de ir para as escolas agrícolas, de freqüentar os cursos de agronomia das universidades. O Terra Negra vai dar acesso à terra a quem sempre trabalhou na terra e depois da abolição ficou fora dela”. Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Manoel dos Santos, o Terra Negra se tornará “um programa de fortalecimento das comunidades negras no campo, reduzindo o êxodo rural”. Rosamélia de Abreu Da Voz do Brasil
Quilombo Axé!
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iante do isolamento das comunidades quilombolas, a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) apresenta o projeto QuilomboAxé! Um Encontro Artístico e Cultural nas Comunidades Quilombolas. Esse projeto mobilizará os mais diversos segmentos: empresários, atletas, políticos e artistas para sensibilizar a população brasileira sobre a importância e valor da contribuição dos quatro milhões de africanos escravizados e seus descendentes para o enriquecimento do nosso País. O Projeto é uma oportunidade de se promover o intercâmbio artístico e cultural entre a população urbana e a rural, resgatar valores e dar visibilidade às condições de vida atuais das comunidades quilombolas para que estas possam sair da linha de pobreza e buscar, de forma autônoma e cidadã, as soluções mais adequadas para os seus problemas cotidianos. Assessoria de Comunicação Social - Seppir EPARREI 11
Profª Maria Aparecida de Oliveira Lopes Fotos: Alcino
O universo da
Mulher Negra
Corpo, família e identidade
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o artigo anterior “O legado da mulher negra” disse que pretendia analisar as experiências das mulheres negras no século XX em São Paulo e indicar suas contribuições para a sociedade brasileira. Entretanto, narrei suas experiências, sobretudo, sob o foco da visibilidade social. Por isso, neste novo texto, para dar continuidade ao assunto anterior, ainda privilegiarei o tema ascensão social da mulher negra, embora as temáticas centrais girem em torno do corpo, da família e da identidade. Por uma questão de ordem, de encadeamento das idéias, num próximo texto, voltarei a discutir as razões que levaram a mulher negra a se tornar símbolo 12 EPARREI
da nacionalidade brasileira. Sabemos, por exemplo, que o corpo da mulher negra foi, por inúmeras razões, menos valorizado na História do Brasil. Por isso mesmo, sempre foi muito difícil para ela conquistar posições de destaque na sociedade. Do ponto de vista estético, o senso comum informa ainda que a preferência é pela mulher branca; em segundo lugar, aparece a mestiça e, por último, a negra. Normalmente, as mulheres enquadradas numa identidade negra são classificadas como exóticas e vistas como seres desprovidos de um potencial intelectual. Já a mestiça é valorizada pelos seus dotes físicos. Assim, ela é tratada literalmente como a própria síntese
do elemento social contraditório e perturbador. No âmbito da literatura, como analisou Teófilo de Queiroz, em “O Preconceito de Cor e a Mulata na Literatura Brasileira”, ela é associada às suas características étnicas e aos estereótipos. Na análise dos tipos literários das mulatas, Teófilo Queiroz assinalou: “o colorido de sua pele, distribuído por vários tons, o bem torneado de braços e pernas, mãos e pés pequenos, a cintura fina, o busto insinuante e bem moldado, a boca sensual, de dentes sadios, os bastos cabelos negros (...) “.
moral e pelas leis” e reconhecida como a mais dotada para “funções nobres”: de esposa e de mãe de família. Baseando-se nos dotes estéticos e virtuosismos femininos, o autor analisou as mestiças descritas por Gregório de Matos (Boca do Inferno), Manuel Antonio de Almeida (Memória de um Sargento de Milícias – Vidinha), João Felício dos Santos (João Abade – Maria Olho de Prata), Guimarães Rosa (A Estória de Lélio e Lina – Jini), Bernardo Guimarães (A escrava Isaura), Aluízio Azevedo (O cortiço – Rita baiana) e Jorge Amado (Gabriela).
Este autor concluiu que este tipo literário é dotado de recursos estéticos apesar de perder para a negra, “ainda presa a uma distinção do trabalho”. De qualquer forma, tanto as mestiças quanto as negras perdem para a branca, que é “preservada pela
Nas descrições de Aluízio Azevedo, Rita Baiana é a “mulata bonita, dança com sensualidade, como meneios cheios de graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher”. A Gabriela,
Este artigo é parte de uma leitura crítica que fiz do segundo capítulo da minha dissertação intitulada “Beleza e ascensão social na imprensa negra paulistana, 1920-1940”.
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Mulher Negra heroína de Jorge Amado, possui o cheiro do cravo e a cor da canela. Ambos, poderosos “apelos a exotismos apetitosos, que aguçam a gula e apelam a origens do tipo étnico a que pertence Gabriela”. Estes estereótipos relacionados ao físico e intelecto da mulher negra e mestiça fazem parte do mundo da literatura, mas também permanecem cristalizados no imaginário da sociedade brasileira e condicionam as relações familiares e sociais. Quando adentramos realmente no universo destas mulheres negras, conseguimos informações possibilitadoras da construção de uma história aquém dos estereótipos. Assim, por exemplo,
é descabido afirmar que a mulher negra não conseguiu construir família por conta da visão estereotipada que os homens negros, mestiços e brancos assimilaram do imaginário brasileiro. É inegável que o preconceito está presente nas relações afetivas. Contudo, se valorizarmos somente a visão dos homens sobre as mulheres e o papel desempenhado por eles nas famílias, construiremos uma análise unilateral das relações familiares afro-brasileiras. É como se estivéssemos analisando as relações familiares somente a partir do padrão patriarcal. É importante enfocar que os costumes da mulher negra
são diferentes da sociedade inclusiva e que a constituição da família negra é diferente da família burguesa. Essa constituição familiar, onde a mulher ocupa o lugar central, teve sua raiz na África e marcou profundamente o regime escravocrata brasileiro, assim como a constituição de outras famílias. Aliás, a família brasileira é genuinamente marcada pela presença da mulher no posto de chefia e articulação. Seria importante ainda me posicionar sobre um assunto marcado pela polêmica: o casamento inter-racial. Já observei inúmeros homens e mulheres negros, conscientes ou não da sua história, renegando o
casamento entre pessoas de tons diferentes. A meu ver, talvez seria mais flexível pregar a união entre pessoas que se identificam e se respeitam enquanto ser humano. Neste sentido, os diversos tons e características físicas poderiam se separar e unir no âmbito da subjetividade livremente. O próximo artigo terá por objetivo analisar a construção do monumento à mãe preta no Largo do Paissandu como fruto da vitória das associações negras e delineará qual o significado da inserção de determinados símbolos negros na formação de uma identidade paulistana e/ou das identidades afro-brasileiras.
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Musas do Carnaval
Destacadas pela beleza e por sua sensualidade, as passistas, madrinhas, rainhas de bateria e as porta-bandeiras ganham uma maior visibilidade neste período, mas elas não são as únicas damas do nosso carnaval. Sendo assim, aonde estão as outras mulheres ? Por Daniela Gomes Fotos Divulgação - Daniela Gomes
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E
m meio a pierrôs e colombinas, confetes e serpentinas, bundas e bebedeiras, no carnaval brasileiro de norte a sul do país a imagem que mais se destaca é a da mulher negra. Não a da mulher negra guerreira, que levanta todo dia cedo para enfrentar o trabalho e cuidar da casa e dos filhos muitas vezes sozinha. Mas a da “mulata”, que nada mais é do que é uma máquina de sexo, um convite ao prazer. Essa imagem que tem sido trabalhada durante anos e anos em nossa sociedade é muito difícil de
ser quebrada. Enquanto algumas rebolam na avenida, o número de casos de violência contra as mulheres aumentam durante o carnaval, principalmente a violência ligada ao sexo. O homem ainda vê a imagem da mulher nua, gostosa na televisão, como fruto de seus desejos mais escondidos, um ser pronto para lhe dar prazer a todo o momento. Os quatro dias de festa são visto apenas como um meio de extravasar sentimentos através de fantasias, muitas vezes deixando de lado os momentos de folia e descontração.
Destacadas pela beleza e por sua sensualidade, as passistas, madrinhas, rainhas de bateria e as porta-bandeiras ganham uma maior visibilidade neste período, mas elas não são as únicas damas do nosso carnaval. Sendo assim, aonde estão as outras mulheres? Estão espalhadas pelos barracões nas mais diversas atividades, exercendo muitas vezes funções consideradas masculinas, dedicando-se à escola 365 dias no ano, sofrendo, chorando e esperando sua paixão entrar na avenida.
Líder guerreira
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os 38 anos, a presidente da tradicional escola de samba paulistana Camisa Verde e Branco, Simone Tobias é a única mulher negra que preside uma escola no grupo especial de São Paulo. Neta do fundador da escola, a história de vida de Simone se confunde em vários pontos com a história do Camisa. Aos dois anos de idade, já participava dos desfiles e festividades, aos 13, era chefe de ala e aos 19, passista. Recebeu a presidência da escola como uma herança familiar e acredita ser uma
funções atípicas como ser chefe de ala por exemplo. “Acredito que isso aconteça pelo fato de minha família ser matriarcal, onde as mulheres são as grandes provedoras e isso acaba refletindo na quadra” - afirma a presidente.
honra representar não apenas a sua família, mas preservar a cultura negra e provar que a mulher tem capacidade de exercer qualquer função.“Na quadra do Camisa, a presença da mulher sempre foi muito marcante”, declara Simone ao relatar que em sua escola as mulheres sempre exerceram
meu filho já está envolvido e minha mãe continua aqui.” A presidente conta que na adolescência tentou esquecer a escola e desistir de tudo, mas na última hora acabou voltando atrás. “Minha mãe fez a minha fantasia escondido, pois sabia que quando chegasse o momento, eu iria querer desfilar”.
Mesmo admitindo ter tido que abrir mão de algumas coisas pela dificuldade em conciliar a vida particular e o samba, Simone afirma que muitas vezes já pensou em desistir, mas que não conseguiria.“Isso está no sangue;
Sem conseguir se imaginar longe da quadra, ela acredita que a tradição passada pela família irá acompanhá-la por muito tempo e brinca dizendo que mesmo depois de morta, sua família ainda vai querer ficar por ali. “A gente só sai daqui morto e ainda assim tem que fazer muita coisa pro espírito
apresenta com mulheres durante o ano, deixa claro que não aceita nenhum tipo de comportamento libidinoso com as garotas. “Nós não somos, um bando de louco tocando surdo para um bando de louca rebolar a bunda, o carnaval é muito mais que isso. Nós trabalhamos o ano inteiro e não é
ir embora” – diz sorrindo. Essa paixão pela escola e pelo samba faz com que a presidente se assuste, muitas vezes, com o crescente glamour em torno do carnaval. “Isso faz com que a maioria da população negra se afaste de uma festa que foi criada por nós, pois não tem dinheiro para desfilar”.
justo que se mostre o carnaval como uma fábrica de prostitutas”. Formada em pedagogia, Simone trabalha como guarda civil metropolitana e diz acreditar que na quadra possam estar a resolução dos grandes problemas sociais. “Muitas vezes a imagem do policial é vista com receio, principalmente pelas crianças, mas quando eles reconhecem que eu sou a presidente do Camisa, já sabem que não precisam ter medo, que está tudo certo”.
Outra preocupação de Simone é a imagem da mulher negra que é transmitida durante os dias de folia. Garante que toda vez que se
Carnaval
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Carnaval A dona da voz
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uando desfilava na Unidos de São Lucas, a paixão de Vânia Cordeiro pela escola era tão forte, que era possível perceber na maneira como cantava o samba enredo. A força e a potência de sua voz fizeram com que o presidente da escola reparasse na jovem e assim, em 1992, surgiu uma das poucas mulheres puxadoras de samba no carnaval paulistano. Depois da descoberta, Vânia não parou mais e em 14 anos de carnaval, sua voz sempre pôde ser ouvida, cantando o hino das escolas que defende. Única mulher a participar do grupo de intérpretes da Mocidade Alegre no carnaval 2006, Vânia afirma que apesar do preconceito por exercer uma função tipicamente masculina, seu trabalho é bastante respeitado. “Há preconceito com relação à mulher, porque a gente tem uma voz diferenciada, geralmente mais aguda” - justifica a cantora. Mesmo assim, Vânia acredita que o pioneirismo na função que exerce abriu portas para outras intérpretes 16 EPARREI
que desejam adentrar a avenida. “Acredito que hoje existe bastante respeito para comigo e outras que vierem, vão poder mostrar o trabalho com mais facilidade para se solidificar”. A mudança de escola aconteceu às vésperas do carnaval 2006. Preocupada com problemas familiares, a cantora preferiu se afastar do desfile, com medo de não conseguir ir adiante e prejudicar sua escola do coração. “Foi muito difícil porque eu nasci no parque São Lucas, estava na escola desde que era um bloco”- declara Vânia. De acordo com ela, o convite para a Mocidade surgiu depois, quando o problema já havia se resolvido e a cantora decidiu que não poderia ficar longe do carnaval. “Mesmo assim, foi complicado porque a gente troca a camisa, mas o coração não”. Orgulhosa de representar as mulheres negras, ao pegar o microfone, a sambista demonstra a vontade de estar na avenida e a empolgação em fazer aquilo que gosta: cantar.
Mas para chegar até esse momento, não basta, segundo ela, apenas ter vontade de cantar ou ser apaixonada pela escola, é preciso, dedicação, empenho e muito profissionalismo. “Can tar samba enredo é uma coisa extremamente desgastante. Você tem que ter um diafragma muito bem preparado para manter o ritmo com a bateria. São necessários muitos exercícios vocais e um descanso da voz para ter ela limpa e pronta para agüentar o pique” - declara Vânia que durante mais de uma hora auxilia o puxador oficial do samba- enredo na avenida, sem pausa para descanso, cantando forte e alto o tema que embalará a multidão. Para a intérprete, a banalização do papel da mulher negra no carnaval está diretamente ligado ao preconceito existente com relação às escolas de samba. “O carnaval sempre foi visto como uma festa profana, onde as pessoas que a freqüentam não são boas e isso só piora com essa imagem”. Para Vânia, mesmo as mulheres que
ficam mais expostas durante o desfile, não deveriam ser rotuladas, mas sim admiradas pelo trabalho duro que desenvolvem. “Essas mulheres se preparam o ano inteiro para mostrar na avenida aquilo que se propõem a fazer”. Mesmo assim, a cantora tem esperança de mudança com relação a essa postura. “Hoje a gente tem muitas atividades que visam a elevar a imagem e a autoestima da mulher no carnaval.” - afirma ela, acreditando que apesar de não ser o ideal, essa imagem ainda pode mudar. A cantora, que fora da quadra possui uma empresa de seguros, diz que para uma mudança mais efetiva na situação da mulher não apenas no carnaval, mas em todas as suas atividades, é necessário lutar pelos objetivos mesmo que eles pareçam distantes. “Uma mulher como a brasileira, que é independente, que trabalha e desenvolve uma série de atividades, tem que se impor como mulher e exigir o respeito de todos” - afirma Vânia.
Princesa das contas
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ercada de adereços por todos os lados, a jovem Amanda Fonseca desenvolve um trabalho que nem sempre é lembrado durante o carnaval, pois só é visto depois de pronto. Colando peça por peça, Amanda trabalha nos barracões montando partes das fantasias e dos carros alegóricos que entrarão na avenida. Envolvida com o carnaval de São Paulo desde os 16 anos, hoje aos 24, Amanda afirma já ter aberto mão de um relacionamento para se dedicar apenas ao carnaval. “Normalmente, a pessoa com quem você está não gosta por
causa do assédio. Então, você tem que escolher entre ter alguém e o carnaval”. Optando pelo carnaval, a jovem que é cabeleireira afirma que por ser uma profissional autônoma pode se dedicar mais constantemente aos trabalhos no barracão e declara ainda que toda a recompensa para o trabalho árduo de mais de 12 horas por dia, vem no desfile quando a escola entra na avenida.“É maravilhoso você ver a escola linda, numa boa colocação e se possível campeã é por isso que a gente trabalha”declara ela. Consciente da imagem da mulher
negra que é transmitida durante o carnaval, Amanda acredita que isso não passa de uma ilusão, pois por mais que as mulheres negras sejam vistas como objeto de desejo, no resto do ano elas não são valorizadas. “O samba vem da cultura negra, então eles dão mais ênfase às mulatas, às negras, às passistas, mas o resto do ano não é assim.” – diz ela. Aprendendo desde cedo a se valorizar como mulher negra, a jovem é sobrinha de um grande nome na luta contra o racismo: a militante Neide Fonseca, presidente do INSPPIR. Ela
afirma que justamente por valorizar sua raça, move hoje dois processos na justiça por discriminação. “Eu fui contratada para trabalhar como secretária executiva bilíngüe e ao me ver a chefe exclamou: “Olha como está o mundo hoje, até negro fala inglês”. Durante um período, suportou as agressões verbais da chefe até o momento em que conseguiu provas suficientes para entrar na justiça. “É importante mostrar o nosso valor e não ficar mais calado perante qualquer tipo de preconceito” – declara Amanda.
Até o ano que vem
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ara quem se dedica a uma escola, a agitação está apenas começando. Primeiro, a ansiedade, em saber qual a classificação de sua escola, depois a posição que ela terá no carnaval do ano que vem. O grito “é campeã!!” está entalado na garganta de todos. Em poucos meses, já se inicia a preparação para o próximo carnaval e no coração daqueles que se dedicam à escola, vai reinar um novo turbilhão de emoções até que chegue o próximo ano.
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Por Jamile Menezes de Almeida Santos Fotos: Valter Pontes
M Margareth Margareth Menezes
A Afropopbrasileira
N
o dia 13 de outubro de 1962, em Salvador, nasce a menina que 15 anos depois iria encantar o coral da Igreja da Congregação Mariana da Boa Viagem, bairro onde nasceu, com sua voz potente e promissora. Entre parcerias com músicos e compositores locais e a circulação pelos palcos teatrais da cidade, Margareth Menezes estréia como cantora profissional em 1983, quando foi assistida e ovacionada,
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pela primeira vez, por um público de 1.500 pessoas, no Circo Troca de Segredos, onde já trabalhava como atriz. No seu sétimo CD gravado em estúdio, o nono de sua discografia e à frente da MM Produções, a cantora Margareth Menezes comemora em 2006, 20 anos de sucesso, dos trioselétricos de Salvador aos palcos do mundo. Com o ritmo afro marcante em seu estilo, Maga, como é carinhosamente chamada
por amigos e fãs, é, sem dúvida, dona de uma das mais afinadas e potentes vozes da música brasileira. O reconhecimento mundial chegou ao final da década de 80, quando liderou por 11 semanas as paradas musicais da revista inglesa Billboard, levando para o mundo o canto africano Elegibô. Em sua produtora, a cantora recebeu a Revista EPARREI para falar sobre a sua trajetória.
EPARREI: Como surgiu esse encanto de Margareth com a música e com o drama ? Margareth Menezes: Isso é uma coisa que está presente em mim desde pequena. Minha família era muito festeira, muitos filhos que tinham muita alegria sempre que se reuniam. Era muita música, inclusive no próprio bairro, com serenatas, festas de largo e a musicalidade natural que já existia ao meu redor. Não digo que era um sonho de ser cantora já desde criança; na verdade, meu sonho era ser advogada. Mas a música foi algo que surgiu espontaneamente. Com 15 anos, minha mãe me deu um violão, o
que foi um momento de muita emoção pra mim. Entrei pro Coral da Igreja, cantava e tocava quando me juntava a grupinhos musicais na escola e comecei a fazer teatro, pra aproveitar meu talento para o canto e pro drama também. A partir dessas experiências, vi a possibilidade de seguir por esse caminho da arte. EPARREI: Quais eram suas influências e inspiração àquela época ? Margareth Menezes: Tive muitas influências, inclusive internacionais como Jimi Hendrix, Joplin e Pink Floyd. Já dentro de casa, meu pai e minha mãe ouviam muito era Luiz
Gonzaga, Clara Nunes, Marinês e sua Gente, Alcione, Dicró, Martinho da Vila. Era a música popular brasileira que ouvíamos. Mais pra frente, na época da rebeldia, da irreverência musical que surgia, eu ouvia muito Chico Buarque, Maria Bethânia, Caetano, Gil, Milton, com a Tropicália e de todas as questões que cercavam esse período. Com meu violão, comecei a me inspirar nesses artistas e a primeira música que aprendi a tocar foi “Gente Humilde”, de Chico e Vinícius. O samba também esteve muito presente em minha infância. Minha mãe ensinava a gente a sambar (risos), a fazer cozinhado, a fazer casinhas de palha de dendê e nos cercava com aquela cultura.
EPARREI: Com essa negritude viva em seu estilo de fora pra dentro, quais foram seus desafios no cenário artístico? MM: Essa influência, esse estilo fazem parte de minha identificação enquanto brasileira. Para mim, isso foi sempre muito natural e pelo menos aqui na Bahia, isso é o que a destaca no Brasil inteiro. Aqui não há vergonha de nossa identidade e quanto mais identidade você tem, mais internacional você é. Essa cultura afro-brasileira é algo que não dá pra dimensionar. A dificuldade na MPB se dá porque a grande parte do próprio povo não tem acesso a sua real cultura. E quando falamos de música popular
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Margareth
ou comercial, temos que nos desdobrar e sair um pouco de sua linguagem, ter um jogo de cintura maior pra podermos penetrar nesse circuito maior da MPB. Isso é algo já ditado pela mídia, pelo comércio e acaba sendo absorvido pelas pessoas naturalmente. A discriminação existe, sim, mas não é isso que me detinha nem detém a minha caminhada. Temos que passar por cima disso. É muita disputa envolvida. Meu talento é diferencial pela música que eu canto, por assumir minha raiz e a modernidade. Tenho que conhecer como funciona o campo onde trabalho, meu mercado, que aqui na Bahia é pior ainda quanto à música. O artista tem que ter consciência do que ele quer fazer. Hoje eu tenho o respaldo que tenho porque tive a seriedade de enfrentar tudo isso de cabeça erguida.
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EPARREI: Afropopbrasileiro não é só um Movimento Musical, mas uma iniciativa liderada por você junto aos principais Blocos Afros de Salvador. Como surgiu isso? MM: Sou uma cantora de música popular brasileira, baiana e que iniciou a sua trajetória cantando samba-reggae com músicas clássicas de minha carreira como Faraó, seguido de Elegibô, e outros samba-reggaes. O movimento afropopbrasileiro nasceu de verdade com o CD “Um canto pra subir” e se concretizou com “Kindala” e “Luz Dourada”, com um comportamento rítmico diferenciado, com uma visão mais pop, que mistura samba-reggae, blues em uma abrangência musical que revela minha identidade. Na verdade, ser afropopbrasileiro vai além da música. É uma questão de conscientização, de comportamento, de ter uma visão mais aberta, reconhecer a sua raiz e uni-la ao que está aí
em tecnologia. Criamos o Bloco Afropopbrasileiro, que já tem dois anos, para dar mais visibilidade e integração de pensamento e de música aos Blocos Afros aqui em Salvador. Temos planos de crescer, muitas idéias ainda para ampliar esse trabalho. EPARREI: Dos Blocos Afros ao folião negro, como você vê a participação negra na festa mais democrática e popular do planeta ? MM: Há uns 15 anos, eu, Tonho Matéria e alguns artistas colocamos a questão da discriminação racial nos Blocos de Carnaval em um programa de TV o que ocasionou uma confusão danada na época. Hoje a questão é ter a grana pra sair no Carnaval. Já os Blocos Afro estão mais organizados, têm tido maiores oportunidades. Hoje, com toda a dificuldade financeira que temos, temos que divulgar mais e
defender mais nosso trabalho. EPARREI: Os Blocos Mascarados estão há sete anos no Carnaval da Bahia. Como surgiu essa idéia ? MM: O Bloco Os Mascarados é conseqüência de um trabalho que estamos fazendo para resgatar as alegorias no Carnaval de Salvador. Ele foi criado com essa intenção porque eu venho do Teatro e sei da importância disso nessa festa. Há uma visão cultural nessa iniciativa. EPARREI: Vinte anos da música “Faraó”. O que essa canção representa para você? MM: Faraó..menina...além da música em si, tem algo mágico nela. É o primeiro samba-reggae gravado, fonograficamente, no Brasil. Eu canto em todos os shows e quando não a canto, o público pede. Ela representa a mensagem da cultura africana.
Muito da história africana que hoje sei, conheci por meio do sambareggae. Quando eu canto Faraó, eu sinto uma energia muito grande de ouvir todo aquele público ecoar com a letra e se refletir nela. Ela marca meus 20 anos de carreira, então é um momento muito forte quando a canto. EPARREI: No Festival de Verão 2006, em Salvador, você se emocionou ao falar da situação do negro no país. O que você pensa sobre isso ? MM: Primeiro, temos que saber que ser negro não é o problema e que discriminação não é problema de quem é negro. É um problema da sociedade e da visão racista. Precisamos cada vez mais conscientizar o povo brasileiro do seu legado afro e do respeito que é necessário para os afrodescendentes. A sociedade brasileira precisa se reciclar, se mobilizar pra buscar essa conscientização e reverter esse
quadro em que se encontra a população negra. Isso que acontece conosco não é justo e temos que mostrar isso. Nós, artistas, temos obrigação com isso, promovendo a conscientização. Não podemos ser referência só como jogador de futebol, músico, nem cantor. Profissão para afrodescendente, minha gente! Sei que é difícil, mas há muitos que chegaram lá e nos mostram que pode ser! Vamos estudar para ser também médicos (as), jornalistas, advogados (as) e abrir portas para nosso povo. Precisamos de educação, pois assim vamos saber driblar as dificuldades da vida. Vejo hoje o jovem afrodescendente com outra visão, buscando se infiltrar nos lugares que são importantes para a sociedade para mudarem esse quadro. Falamos em representação. Nos quadros majoritários que têm o poder hoje no Brasil...onde está a nossa representação ? E se não estamos representados, como seremos lembrados? Por
isso, essas participações são importantes de existir no comando do país. Principalmente da mulher negra, que está na base dessa escala. Nós não podemos nos achar indefesas, inferiores. Desde nossas mães negras que precisam mostrar a seus filhos essa realidade, às mães-de-santo trabalhando a identidade dentro dos Terreiros e as muitas mulheres vitoriosas que temos para nos servir de referência. EPARREI: Músicas como
“Dandalunda” e “Toté de Maiangá” trazem referências diretas do Candomblé. Qual a sua relação com a religião ? MM: A religião traz um encaminhamento moral para a vida da pessoa, transformando nossas posturas. Minha relação com o Candomblé é de muito respeito e reconhecimento dessa crença que é milenar. Tenho a minha ancestralidade, mas desde 87, eu sou criada no Centro Espírita União do Vegetal, que é uma
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visão filosófica de vida, estudando a natureza e respeitando o ser humano. Nessa religião e na vida mesmo, a gente percebe que existem simbologias dentro das religiões de matriz africana que são muito fortes e verdadeiras e que temos que respeitar. Tudo tem seu fundamento e o que eu repudio é o desrespeito. Eu não posso chegar achando que o outro não
MM: Nesse CD “Pra você”, enfatizamos mais o meu lado pop e romântico, para que o público pudesse me ouvir mais falando de amor. Acharam que eu estava deixando o axé, a música baiana e me distanciando das raízes. Isso mobilizou muito meu trabalho e foi muito importante. As pessoas esperavam um disco festivo como o “Tête-a-Tête”. Mas com este,
EPARREI: Qual balanço você faz desses 20 anos de carreira ? Planos ?
presta por não estar interagindo com a mesma religião que eu. É cruel querer deturpar a visão de uma comunidade em cima de uma religião que respeita as outras religiões milenarmente. Tenho muita reverência a todos os pais e mães-de-santo que trabalham esse respeito dentro dos Terreiros.
estou ampliando meu universo de cantora, minha veia intérprete e estou somando algo diferenciado à minha discografia. Queria mostrar mais esse meu lado compositora.
Não me considero uma grande vendedora de Cds no Brasil e ,sim, uma artista que tem um caminho de muita batalha e que vem descobrindo o Brasil aos poucos, assim como ele também vem me descobrindo.
EPARREI: Que novidades você traz em “Pra você”, seu mais recente trabalho ? 22 EPARREI
Minha voz, nesse trabalho, é mais suave e para mim ele é muito importante porque tem amplitude musical. Esse CD me apresenta para o Brasil de uma forma muito bacana.
MM: Eu, como artista baiana e brasileira, só posso dizer com esses 20 anos de carreira, que as coisas que eu tenho conquistado eu devo muito ao meu povo. O que eu tenho é o respeito pela música e o respaldo que o público me dá.
Nesses anos todos, como artista, acho que todas as dificuldades ajudaram a construir minha trajetória de maneira rica. Gosto do que faço, das pessoas que me
acompanham em meu trabalho e principalmente da abertura que a imprensa tem me dado durante esse tempo e com a seriedade que tem trabalhado comigo. Planos...tenho muitos. (risos) Estamos começando a trabalhar em um CD comemorativo aos meus 20 anos, focado no sambareggae e no afropop, além do
livro que pretendo lançar. (risos) Tenho muitas histórias para contar e se esse fizer sucesso, vou contar ainda muitas outras. (risos)
“Quando a noite descia Do som da Ave-Maria Um som de tambor se ouvia Dentro de uma senzala, Em um caminho para Minas vozes de jongueiros Se ouviam”
Por Neide Diniz Fotos: Alcino Giandinoto
(Pedro Monteiro e Darcy Monteiro)
O Canto e Dança da Resistência do
Jongo da Serrinha D
e um lado o tambor, a puíta e o chocalho de outro, a marcação das palmas, o bailado dos pés descalços, o giragira das saias rendadas, o canto da herança africana e a presença de Tia Maria do Jongo. Agora, junte tudo! Eis o Jongo da Serrinha. A última temporada do Jongo da Serrinha, no teatro carioca Carlos Gomes, no ano passado, mostrou a mais de 20 mil pessoas a resistência da cultura jongueira, vinda da África no período colonial. Nesse contexto, o brilho da ancestralidade e a força dos Gritos são referenciados em Tia Maria do
Jongo, batizada Maria de Lourdes Mendes. No auge de seus 85 anos, vive em plena atividade a dançar e a contar causos e preceitos do jongo nascido na comunidade da Serrinha, em Madureira, zona norte do Rio de Janeiro. “A minha força vem de Deus. Não bebo, não fumo, não jogo e brinco muito carnaval, desfilo todo ano!”, diz Tia Maria esbanjando alegria. Além da vivacidade, a dedicação ao jongo a postulou presidente da segunda gestão da Organização Não Governamental Grupo Cultural Jongo da Serrinha, fundada em 2000. Porém, a tradição da expressão cultural na Serrinha
existe há mais de 40 anos graças aos ensinamentos de Vovó Teresa, mãe de Mestre Fuleiro e de Vovó Maria Joana, mãe de Darcy Monteiro, ou melhor, do saudoso Mestre Darcy. Aliás, grande responsável pela criação do grupo artístico Jongo da Serrinha, no final da década de 70. E, se aqui estivesse, seria só sorrisos com o tombamento do Jongo da Serrinha como Bem Cultural de Natureza Imaterial pelo Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, concedido pelo Ministério da Cultura, em novembro de 2005. “Esse título nos honra muito e amplia a participação do Estado em fornecer
não somente infra-estrutura, água e saneamento básico, mas também memória.”, acredita a coordenadora executiva, numa análise da responsabilidade do Estado na formulação de políticas públicas. A riqueza da manifestação cultural vem dos escravos trazidos da região Congo-Angola para o trabalho nas fazendas cafeeiras do Vale do Paraíba. Com o fim da escravidão, os libertos migraram para a cidade do Rio de Janeiro em busca de trabalho e moradia. Mas emprego, apenas na Zona Portuária, assim como casa,
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Além, é claro, de ser berço do samba, “a Serrinha é mesmo um lugar muito especial. Imagine um lugar com Silas de Oliveira, Dona Ivone Lara, Mestre Darcy, Sebastião Molequinho...”, dentre tantos outros poetas do samba citados por Dyonne Boy, coordenadora executiva do Jongo. E quem duvida? Hoje, considerado ícone do jongo, o Jongo da Serrinha é respeitado como referência nacional da cultura afro-brasileira. Tido como o pai do samba, o jongo possui coreografia dançada em roda e musicalidade ritmada. Mas antes da abolição dos escravos, a melodia era cifrada, uma espécie de enigma que precisava ser
que ele quebra os tabus e passa a ensinar a crianças e jovens a arte da manifestação cultural, antes apenas permitida aos mais velhos. Hoje, a disseminação dos conceitos jongueiros conta com a Escola de Jongo e, claro, com os shows do Jongo da Serrinha por palcos que chegam a reunir cerca de 70 pessoas em cena. Com a inauguração da Escola de Jongo - sonho de Mestre Darcy – em 2001, aulas gratuitas de percussão, dança, teatro, capoeira e jongo são oferecidas a cerca de 120 alunos diariamente. O corpo docente da Escola é constituído por profissionais e por alunos
Jongo da Serrinha
somente nos morros. Surgem então, os morros da Providência, São Carlos, Mangueira e Serrinha. A localização distante do centro da cidade - no ponto final do bonde - livrou a Serrinha da política de urbanização, em outras palavras, da remoção, da gestão de Pereira Passos, no centro da cidade. O que muitos apostam como fator primordial da resistência do Jongo da Serrinha. Também vale destacar a difusão do Jongo da Serrinha pela organicidade da comunidade, fruto da participação efetiva dos líderes da Companhia dos Homens Pretos do Sindicato dos Estivadores do Rio de Janeiro.
desvendado por um integrante da roda, que se caracterizava ponto ou demanda. E para melhor assistir a perpetuação da herança da ancestralidade negra e viabilizar oportunidades aos moradores da comunidade, a ONG Grupo Cultural Jongo da Serrinha administra projetos sociais de arte e cidadania. “O jongo é um instrumento de identidade e a Serrinha se tornou um centro de referência popular”, enfatiza Dyonne Boy. Ela sublinha ainda a importância do trabalho sistemático na preservação da cultura jongueira, preocupação que Mestre Darcy já compartilhava. Tal era o receio do desaparecimento do jongo, pois
A idéia é estimular a circulação dessas informações na dinâmica de Museu Escola, local de referências educacionais da cultura negra. Na trilha desse objetivo, o Grupo Cultural, em sua mais recente conquista, comemora a implementação da Biblioteca Comunitária Resistência Cultural da Serrinha, em parceria com o Instituto C&A. A biblioteca inicia o atendimento ao público com mais de 500 títulos sobre a questão étnica negra, e as instalações são na Escola de Jongo, no alto do morro da comunidade. A ocupação é num imóvel cedido pela Prefeitura e reformado pelo Grupo Cultural Jongo da Serrinha. Também chama atenção, o fato de a biblioteca carregar o nome escolhido pelos moradores e a creche da comunidade, ou seja, o
mulheres ou idosos, basta apenas gostar de música e de dança. A Serrinha, reduto de bambas do samba, surgiu poucos anos após a abolição dos escravos, por volta de 1901, sob o sonho da liberdade. Sonho que ainda move os atuais jongueiros e certamente estimulará os que estão por vir.
Jongo da Serrinha
formados pela própria Instituição. E os cursos de qualificação artística seguem empiricamente as diretrizes da Lei 10.639, parâmentos que norteiam os projetos sociais. Recentemente, a coordenação do Jongo vislumbra a possibilidade de, dentre em breve, abrir as portas do Centro de Memória do Jongo da Serrinha. Para isso, foi concluído um mapeamento de obras, trabalhos e registros de pesquisadores e da mídia sobre o jongo e a comunidade da Serrinha. O próximo passo é a definição do espaço físico para abrigar o material com as devidas normas de acervo. E mais, almejam possuir equipamentos de audiovisual para gerar e promover o jongo, aspirações vislumbradas a partir do apoio do Estado e de iniciativa privada.
nome Tia Maria do Jongo. Apesar de abrigar muita carência e também apresentar índices de marginalidade, a presença do jongo faz a diferença entre a situação de risco e a perspectiva de vida por sua qualidade de agregar os díspares. Da dança todos participam harmonicamente, crianças, jovens, adultos, homens,
O jongo ou caxambu, como também é conhecido, constitui-se de uma dança de umbigada, trazida pelos escravos vindos de Angola e forçados a trabalhar nas fazendas cafeeiras da região centro-sul do Brasil. Nas festas de santos, os escravos costumavam se reunir para disputar entre os jogueiros sabedoria entre cantos ou pontos da demanda do jogo. Nos terreiros - como é chamado o espaço onde acontece a roda - acendia-se uma fogueira para aquecer a musicalidade tirada dos tambores e as letras relatam principalmente, o cotidiano da vida dos escravos. Ao iniciar uma roda de jongo, o ponto de abertura é uma saudação ao santo do dia e a outras entidades. E segue louvando o lugar - e todos que participam da roda. Conta-se também, que no jongo aconteciam encante, magia ou feitiço. Se a pessoa não decifrasse o ponto, poderia desmaiar, passar mal ou até mesmo morrer. E a festa só terminava com o raiar do dia. EPARREI 25
Por Janaína Barros Fotos: Ori Wani
A versatilidade do ator
Eduardo Silva “Ter um bom papel, independente de ser branco ou negro. O que importa é a versatilidade, ir lá e fazer bem. O mais legal é você pegar um personagem que não é escrito para um negro, fazer e arrasar. Isso é muito bom”.
Atuação e docência caminham juntas na vida de Eduardo Silva. Ator desde os seis anos de idade, conseguiu, enquanto ator negro, transpor as barreiras impostas pela discriminação. Atuando na sala de aula, consegue fugir do estereótipo dos personagens criados para a televisão. A docência entra como opção para a garantia do sustento da família. Em entrevista à Revista Eparrei, Eduardo Silva discorre sobre o preconceito, a exclusão e as dificuldades vividas no dia-a-dia num país onde o negro precisa ser o melhor... Em tudo.
Ser ator negro no Brasil
Foi por acaso que Eduardo Silva descobriu seu dom de atuar. Mas, desde muito cedo já era desenvolto e curioso. Descoberto por Moacir Franco, começou aos seis anos em programas na TV e nunca mais parou. Aos 12 anos, começou a fazer comerciais; aos 14 estreava sua primeira novela no SBT e aos 16 anos ingressou no teatro. Há dez anos atuando no Telecurso 2000 e no Castelo Rá-tim-Bum , em seu currículo constam novelas como “Ana Raio e Zé Trovão” e “Éramos Seis”. Participou também em “O herói do Sertão”, onde fazia o papel de Jerônimo. Dentre as inúmeras participações para televisão e teatro tem no público infantil sua platéia mais fiel. Uma
das maiores indecisões de Eduardo surgiu quando pensou em fazer Artes Cênicas, mas a instabilidade e o medo em não conseguir se manter apenas com a profissão de ator, o fez optar por Licenciatura em Biologia. “Sempre tive o sonho de viver da profissão de ator, sem ficar preocupado se iriam me escalar ou não, daí optar pela Biologia. Leciono há 16 anos e parei há pouco tempo, mas terei que voltar para garantir o salário de todo mês, porque você faz uma novela hoje e pode ficar até dois anos sem fazer nada,” explica o ator. Segundo ele, a luta por espaço ou por um bom papel é no dia-a-dia. “Se você é um ator branco médio, você continua trabalhando; se você é um cantor branco médio, você
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continua gravando. Agora, se você for um ator ou cantor negro médio, você é excluído do mercado. O negro tem sempre que estar acima da média, sempre batalhando”. Outro problema vivido por atores e atrizes negras/os no Brasil, como aponta Eduardo, são os papéis direcionados apenas para negros. “Não há uma advogada negra. Somos escalados, na maioria das vezes, apenas para atuar como ladrão, doméstica ou em novelas de época, como é o caso de Xica da Silva, em que mais da metade do elenco são atores negros, protagonizando papéis de escravos/as”. A desvalorização da cultura no Brasil fortalece esses estereótipos e permite a sua permanência em pleno século XXI. Para Eduardo, é nítida a preferência que os
Eduardo Silva produtores brasileiros têm pelos rostos “bonitinhos” e essa seria a explicação para o negro fazer somente papéis onde já está definido que o ator tem que ser negro. Embora, atualmente, os produtores estejam contratando mais atores negros, a iniciativa continua sendo insuficiente. O ator, em relação a isso, retruca dizendo que “Temos que acabar com a história de negros fazerem só papéis de negros.” Além do preconceito racial existente no meio artístico, ele afirma que a televisão está sendo invadida por outros profissionais. “Hoje em dia, qualquer um pode se tornar ator. Jogador de futebol faz filme, jogador de vôlei faz comercial, modelo vira atriz e assim por diante. É muita procura para pouca oferta” ironiza e acrescenta que o mais interessante seria “ter um bom papel, independente de ser branco ou negro. O que importa é a versatilidade, ir lá e fazer bem. O mais legal é você pegar um
personagem que não é escrito para um negro, fazer e arrasar. Isso é muito bom”. Eduardo Silva está atuando, desde março/06, no espetáculo “A vida íntima de Laura”, um texto de Clarice Lispector e também trabalhando no canal 2, em uma comédia de Marcos Caruzo, gravada no Tele Teatro. Para 2006, irá remontar um texto de Plínio Marcos, “Quando as máquinas param”, já montado em 1992. Casado com a historiadora Maria Aparecida Oliveira Lopes, Eduardo Silva tem 27 anos de carreira e já ganhou vários prêmios, entre eles, o Mambembe. Na televisão, trabalhou, de 1978 a 1985, sem parar. O ator comenta que no início de sua carreira, existiam três emissoras e os atores eram recontratados assim que o contrato terminasse. As emissoras tinham medo de perdê-los. Segundo ele, isso não acontece mais. Além da invasão, os produtores podem escolher quem quiser para seus
trabalhos, como os considerados mais bonitos, por exemplo, mesmo sem talento algum. “Os produtores têm me chamado para fazer papéis específicos para ator negro. Um ator bom tem que saber cantar, dançar, fazer drama, fazer comédia, infantil, musical, apresentar, tocar. Você pode fazer qualquer coisa, ser um ator completo”.
Uma Carreira de Sucesso Na TV, atuou em mais de 40 filmes publicitários, seriados, minisséries, programas infantis e educativos e novelas. No cinema, dos 08 longas-metragens que participou, em 1998, com o filme Vou te Encontrar Vestida de Cetim, de Pedro Alves, recebeu 2 prêmios de melhor ator nos festivais de Belém e Salvador. Nos teatros infantil e adulto, participou de mais de vinte espetáculos. Reconhecido pela
crítica especializada, recebeu 16 prêmios, entre eles, o Mambembe, o Governador do Estado, o da Apetesp, o da APCA, o Shell e o Moliére, por diversas vezes. Apaixonado pela teledramaturgia, para Eduardo todas as suas interpretações são especiais, nenhum personagem será igual aos anteriores “Quero que as pessoas percebam que o apresentador do Telecurso não tem nada a ver com o Bongô do “Rá-Tim-Bum”, que ele não tem nada a ver com a peça do “Shakespeare” que fiz, nem com Molière que fiz no teatro ou com Guaiú da “Ópera das Formigas”. A versatilidade me deixa instigado” Graças à docência, com o salário que não sofre instabilidade, ele conta que não há necessidade de aceitar determinados papéis para sobreviver; daí, a possibilidade de mostrar ao público seu talento e versatilidade.
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Eduardo Silva Cotas para Atores Negros
Segundo o ator, as cotas são indispensáveis, tanto na televisão, como no cinema ou no teatro. Não somente para negros, mas para todos os grupos discriminados, mostrando por meio das ações afirmativas a pluralidade que o Brasil possui. Para ele, a princípio, a lei vai parecer algo forçado, que, para muitos que são contra, não deveria existir, mas é o único meio, a única forma para que o negro consiga seu espaço em todos os
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âmbitos. “Espero que a lei não acabe sendo revertida de forma contrária e que os diretores não pensem em chamar um negro porque é lei. Isso é um perigo”.
Lei 10.639/03 Como educador, Eduardo considera que a lei 10.639/03 deve abranger mais, pluralizar mais para não ficar tendenciosa. “Acho que todas as etnias devem ser tratadas na escola. Precisamos também ter uma educação religiosa, que hoje se resume apenas ao catolicismo. Mas a criança que é umbandista ou
que é espírita não vê sua religião na escola. Essa batalha de se ensinar a cultura negra nas escolas é muito importante, é preciso aplicar leis para que adquira conhecimento,a reflexão e o respeito”.
Ser Negro ainda incomoda “Não dá para falar em igualdade racial se essa igualdade não é sentida, mas apenas rotulada, só está no papel. O pior de tudo é a sensação de medo por estar perto de uma pessoa negrão. O negro
incomoda até quando adquire status social, quando ele pode freqüentar um clube chique. Esse incômodo que a raça negra traz é, prioritariamente, dos brancos e isso tem que acabar”. Para o ator, o negro deve perceber, se a polícia e a maioria das pessoas aplicam a igualdade racial no seu cotidiano. .A sociedade brasileira deve adquirir a consciência de que existem negros e brancos com qualidades e defeitos “Acredito que o preconceito racial só deixará de existir, quando a sociedade adquirir o conhecimento sobre todas as raças. - finaliza.
Se Ligue Sugestões de Leitura Pinto, Elisabeth - Etnicidade, gênero e Educação. A trajetória de vida de dona Laudelina de Campos Mello (1904-1991). Vol. l e vol. 2. Campinas, Universidade de Campinas. Faculdade de Educação E-mail:lizpinto@uol.com.br Careno, Mary Francisca - Quilombo do Vale do Ribeira – Eitora Unesp Vendas: ccmnegra@uol.com.br. Borges, Eliane da Silva - Doutoranda em Ciência da Informação - UFF/ IBICT-Mestre em Comunicação Universidade Federal da Bahia – FACOM Dissertação de Mestrado:
Para Além do Próprio Umbigo: as Mulheres Negras Militantes de Salvador e a Construção do Imaginário Feminino. Salvador - 1998. Especialista em Educação a Distância e Coordenadora do Site “Mulheres negras: do umbigo para o mundo” E-mail: eborges@mulheresnegras.org Bento, Maria Aparecida & CARONE, Iray. (orgs.) Psicologia Social do Racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis/ RJ: Editora Vozes, 2002. Contato: ceert@uol.com.br Gome, Nilma Lino. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte:
Mazza Edições, 1995. Vendas: ccmnegra@uol.com.br Margarida , Rosa & PEREIRA, Edmilson de Almeida. Comedores de Palavras. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2003 (Griots contadores de histórias). Vendas:ccmnegra@uol.com.Br Rufino, Alzira. Eu, Mulher Negra, Resisto. Poemas 1988. Vendas: ccmnegra@uol.com.br Rufino, Alzira. Violência contra a Mulher – Um Novo Olhar. 2ª ed., Santos:Gráfica Vice Rei , 2000
Rufino, Alzira. Violência contra a Mulher Um Olhar da Mulher Negra- 1ª edição, Santos Gráfica Vice Rei 2004. Vendas: ccmnegra@uol.com.br Lançamento do livro: Brasileiras Guerreiras da Paz. 1ª ed., São Paulo: Editora Contexto, Diversos - Ano 2006 Teor: Biografia das 52 brasileiras indicadas para o Prêmio Mil Mulheres - Organização Projeto 1000 Mulheres para o Nobel da Paz - Editora Contexto
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Por Neide Diniz - Fotos: Arquivo Pessoal
salienta que existem honrosas exceções como Heraldo Pereira e Glória Maria, ambos jornalistas da Rede Globo. No Rio Grande do Sul, a luta pela igualdade inicia a partir das demandas do Comitê Afro-Brasileiro do I Fórum Social Mundial, em 2000. Na liderança, duas mulheres negras, Santa Irene e Jeanice Ramos, corroboram pela legitimidade dos valores étnicos negros no estado considerado o mais racista do Brasil.
Cojira
Jornalistas Pela Igualdade Racial
Q
ual o significado do perfil negro na mídia? Quantos jornalistas negros estão nas redações? Quantos ocupam cargos de chefia? E, por que o jornalismo cobre minimamente as questões da etnia negra? Muitas perguntas e um ponto em comum: o preconceito racial. Levantamentos e estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Relação Anual de Informação (Rais) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) comprovam a condição desfavorável do negro na sociedade, em especial, no jornalismo. Os dados apontam índices irrelevantes de negros no meio jornalístico, principalmente, na região sudeste e sul do país. No entanto, a raiz do preconceito pode ser compreendida pela herança da colonização portuguesa. Os mais de 300 anos de regime de escravidão ainda refletem nos dias atuais e ditam a dimensão do desequilíbrio racial. E, diante desse panorama, por iniciativa de Flávio Carrança e Noedi Monteiro, surge a Comissão 30 EPARREI
de Jornalistas Negros Pela Igualdade Racial , do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (COJIRA SP), a primeira no Brasil. A articulação, iniciada em 2000, sem a intenção de mobilização nacional – embora pareça uma idéia bastante interessante para Flávio Carrança - nomeia também, a compilação carioca que compôs a Comissão dos Jornalistas Negros Pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (COJIRA RJ). A busca pela inclusão conta também com o Núcleo de Jornalistas Afro-descendentes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul. O propósito da criação dos órgãos, dentro dos sindicatos, ou diminuir o cerceamento do negro no meio midiático com ações no âmbito da formação jornalística e na concepção das redações. A situação se agrava mais ainda, segundo o intelectual Florestan Fernandes, pelo histórico preconceito de não ter preconceito. Entretanto, uma vez
constatada e assumida a ausência da participação do negro na produção de notícia e em pautas livres de estereótipos, a solução é desenvolver estratégias que possibilitem diminuir o fosso entre o jornalista negro e o mercado de trabalho. E, propostas de ações nesse sentido, podem ser encontradas no Plano de ação da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, à Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, elaborado em Durban, na África do Sul, em 2001. Na busca por voz e vez na indústria da mídia, a COJIRA SP atua no debate com sociedade, reforça seus ideais na publicação de textos para a Internet e apóia lançamento de livros com a temática negra. Em entrevista a José Paulo Lany, do site Afro Piauense, Flávio Carranca, um dos coordenadores da COJIRA SP, entre outros afazeres, destacou a problemática da competição por cargos de chefia na redação, “o principal problema é que o preconceito não é explícito (...) há uma dificuldade adicional para os negros e maior ainda, no caso das negras”. No entanto,
Já o COJIRA RJ, nasce após discussão desencadeada pela publicação da Revista Lide, nº. 31, de janeiro/ fevereiro de 2003. A revista trazia na capa como matéria principal, “Racismo: Existe nas Redações?”. Em princípio, os jornalistas Miro Nunes e Sandra Martins iniciam a sensibilização, em seguida; a adesão de Angélica Basthi, uma das coordenadoras da Cojira RJ, formaliza a coordenação do órgão consultivo. “O que tentamos fazer aqui na cojira é unir o universo acadêmico, a militância e o mercado formal e informal em busca da democracia racial no jornalismo”, explica Sandra Martins. Ela também alerta para a dificuldade de politização do jornalista “apenas de uns quatro, cinco anos para cá e que tem melhorado com da abertura de concursos públicos, porque normalmente o jornalista trabalha em empresa privada e empresa
privada não quer um profissional que questione as metodologias de trabalho”. Embora, haja no mundo cerca de 300 mil mulheres jornalistas - só na América Latina o número aproxima-se de 60 mil - as mulheres jornalistas negras brasileiras são uma parcela ínfima no meio profissional. Outro dispositivo de unilateralidade diz respeito à abordagem das matérias. Não valorizam, por exemplo, os dados raciais e, quando não raro; apresentam produção de conteúdo eurocêntrico, o que indica claramente as ingerências dos detentores dos veículos de comunicação e obscuridade nos conceitos de contextualização dos fatos. E, à medida que o diálogo
racial ainda é uma discussão recente na comunicação, Angélica Basthi, destaca o fortalecimento dos ideais dentro dos sindicatos, aliado à falta de recursos, um dos primeiros obstáculos a vencer. E quanto à sensibilização da categoria, Basthi admite que “é muito difícil, pois a questão racial por si só constitui uma barreira, as pessoas têm muita dificuldade de entender o racismo e se assumirem negras e com o jornalista não é diferente”. Já, para o único homem na coordenação da Cojira – RJ, Miro Nunes, “todo jornalista é informado que existe racismo, mas entre a informação e a consciência há um longo caminho”. Nunes defende a presença do jornalista negro nas redações insuficiente e julga necessário o
comprometimento, inclusive do jornalista não-negro, em prol da diversidade étnica. Entretanto, a falta de cobertura jornalística à temática negra, também aponta um despreparo dos jornalistas à causa racial, ou seja, aí está mais um dos propósitos das entidades negras nos sindicatos dos jornalistas: subsidiar a capacitação de profissionais aptos a compreenderem os fatores étnicos. Na contramão do combate ao preconceito no jornalismo, estão as escolas de comunicação. A implantação da Lei 10.639 – obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira na rede de ensino - segundo Sandra Almada, jornalista e professora da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, vai favorecer
profundamente os atributos éticoraciais e a auto-estima negra. “A escola é o espaço da afirmação dos discursos sociais”, afirma Sandra, além de defender a competência como instrumento irrevogável contra o racismo. No entanto, faz questão de esclarecer que a qualificação é uma conquista árdua, “conhecimento é um bem caríssimo e o negro por vir de uma classe menos favorecida precisa de políticas reparadoras para que a competição seja justa, por isso sou a favor da cota nos mestrados, doutorados e até nas empresas”. A luta pela igualdade racial nos meios de comunicação se inscreve na história da imprensa brasileira como um marco na preservação dos direitos humanos. Cidadania e respeito já!
Principais Objetivos dos Órgãos Negros Mapear e analisar a situação dos jornalistas negros; Acompanhar e dar repercussão ao noticiário relacionado à questão racial; Orientar a abordagem da temática negra; Organizar um banco de dados do perfil negro no mercado; Estimular o aprendizado e reciclagem dos jornalistas em torno da questão racial; Promover debates, publicar e divulgar textos, apontar políticas públicas e auxiliar os universitários.
Dica de Leitura “Imprensa Negra” - Clóvis Moura e Nicolau Ferrara “Espelho Infiel – O Negro no Jornalismo Brasileiro” - Coletânea organizada por Flávio Carrança e Rosane Borges EPARREI 31
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CidaBento
Texto: Daniela Fernanda Gomes Fotos: Gal Opido e Ori Wani
sua vida no momento em que se formou no curso de Psicologia e passou a procurar emprego na área de recursos humanos. Cida afirma que tanto como candidata a uma vaga quanto como profissional responsável pela seleção de pessoal, pôde perceber não apenas a discriminação com os candidatos negros, mas também os privilégios obtidos pelos candidatos brancos. Dessa experiência, ela traçou alguns propósitos, quando assevera que “As discriminações que observei, enquanto psicóloga nos processos de recrutamento e seleção, foram decisivos para alterar minha trajetória”.
Dedicação e pioneirismo na trajetória de Cida Bento
M
ais do que uma militante, a Dra. Maria Aparecida Bento tem dedicado sua vida à causa do movimento negro e é exemplo de que com trabalho árduo e ativismo, a população negra no Brasil consegue mudar sua situação.
simplesmente aderir à militância, a professora, doutora em psicologia e co-diretora do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades de Gênero e Raça no Trabalho - CEERT fez da luta pelos direitos da população negra a razão da sua vida.
a infância, o que permitiu que Cida se tornasse uma voz respeitada dentro de casa, pois a força que demonstrava, ajudou toda a família a galgar novos caminhos. Como exemplo, cita que “Minha mãe que era servente, voltou a estudar enfermagem aos 50 anos!”.
Dedicação, essa é a palavra que resume a história de vida da militante Maria Aparecida Bento e sua relação com as batalhas do movimento negro. Mais do que
Nascida em São Paulo, Maria Aparecida é a segunda filha de oito irmãos. Enquanto a mãe trabalhava, a família ficava sob sua responsabilidade, adquirida desde
A consciência racial, adquirida durante a juventude, trouxe também para o seio da família a discussão. Segundo a psicóloga, essa consciência étnica surgiu em
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Segundo a Doutora, esses acontecimentos fizeram com que ela se indignasse e procurasse achar um porquê para essa discriminação. Abrindo mão de um cargo executivo na CESP - Companhia Energética de São Paulo, a psicóloga deixou para trás não apenas o seu posto na empresa, mas todas as regalias que o acompanhavam. “Eu estava muito bem ali, tinha um carro do ano e me desliguei da empresa para trabalhar especificamente no movimento negro. Tive uma mudança muito brusca no padrão de vida” - declara Maria Aparecida. Contudo, 15 anos depois dessa
escolha, Cida Bento diz não se arrepender da mudança. “Quando eu vejo tudo o que foi possível construir e o que ainda há por fazer, percebo que a queda no padrão de vida não representa nada se comparado com isso, por isso acho que foi a melhor escolha que eu poderia ter feito.” A linha escolhida para o trabalho do CEERT se cruza, em muitos momentos, com as escolhas da própria Cida. Seu desenvolvimento acadêmico na linha de pesquisa, demonstrado através dos dois cursos de Pós-Graduação strito sensu: Mestrado e Doutorado, foi estendido também para a linha de trabalho escolhida pela instituição. Segundo a militante, a proximidade com o movimento sindical motivou a escolha para os estudos e pesquisas das relações de trabalho.
A Fragilidade Econômica das Instituições Negras Atuando há 15 no CEERT, conhecedora que é do trabalho desenvolvido lá, ela esclarece que a instituição efetua pesquisas e auxilia empresas na elaboração de programas para trabalhar a questão racial e de gênero nos ambientes de trabalho. Segundo Maria Aparecida, através de vídeos e material informativo, o Centro auxilia instituições como empresas, sindicatos e escolas, a colocar o combate ao racismo entre suas metas..
Uma vez por ano, segundo Cida, o CEERT se reúne para realizar um planejamento estratégico, analisando as conquistas e dificuldades do ano anterior. Dentre as avaliações realizadas no último ano pelo grupo, há uma preocupação constante com a fragilidade das instituições do movimento negro. Segundo a co-diretora, por mais que a temática racial esteja ganhando cada vez mais visibilidade e as organizações negras sejam as que mais têm crescido nos últimos anos, mesmo assim as ONGS como um todo estão fragilizadas, principalmente quando se trata da obtenção de recursos. “É como se algumas instituições tivessem avançado muito e outras, principalmente as que geraram esse movimento e estão no âmbito da sociedade civil, se encontram fragilizadas.” - define a militante.
Marcha Zumbi + 10 No contexto da marcha Zumbi + 10 acontecida no dia 20 de novembro de 2005, Cida esperava que a discussão da unidade em torno de uma só data fosse mais aprofundada: A respeito do movimento negro, ela comenta que embora dividido, ele continua mantendo bandeiras muito ricas como o estatuto da igualdade racial, a questão da intolerância religiosa, o genocídio dos jovens negros, a violência contra as mulheres negras
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simples, sintética, tocante, buscando provocar sensibilização quem sabe envolvimento de brancos e negros.” De acordo com Maria Aparecida, para que essa real implementação da lei 10639 aconteça, é necessário que as organizações pressionem primeiramente o Mec para que essa disciplina seja implementada e segundo, pressionar o Ministério Público para que ele questione as prefeituras e elas respondam quais ações efetivas têm sido tomadas.
entre outros e o governo precisa responder a isso, tendo que ser capaz de discutir o movimento a respeito das duas marchas e dar um retorno à sociedade” – como afirma Maria Aparecida. Refletindo sobre os principais tópicos da marcha, Maria Aparecida ressalta a importância do debate acontecido como, por exemplo, a demonização das religiões de matriz africana. Para a psicóloga essa perseguição acontece devido à existência de um desejo de expropriação de ritos, símbolos desses cultos que são extremamente ricos. “Eles tentam nos atingir, pois não possuem esse rico material que nós temos.” Questionada sobre o que fazer quanto a isso, Maria Aparecida responde enfaticamente: “Devemos ir pra justiça sem parar não dar trégua até educá-los para que respeitem a liberdade de crença e a nossa religiosidade”.
Na busca da liberdade através da educação, o CEERT instituiu o Prêmio Educar para Igualdade Racial. Segundo a co-diretora, o prêmio começou a ser pensado como um concurso que ajudaria a mapear as iniciativas de professores no país que buscavam trabalhar as diferenças raciais e étnicas. “Queríamos encontrar o que chamávamos de heróis anônimos, ou seja, pessoas que sem nenhum apoio desenvolviam experiências significativas na alteração da realidade da desigualdade racial.” - declara a pesquisadora. De acordo com Maria Aparecida, o prêmio envolve todas as fases da educação e alcança hoje todos os estados brasileiros. Através das mais variadas linguagens artísticas, os professores realizam trabalhos que têm como foco a auto- estima das crianças, a recuperação da memória social e a preservação da cultura e da história real dos negros no Brasil. Mesmo com tantos ganhos, Maria Aparecida afirma que a criação e a manutenção de um prêmio como esse, desgasta muito a instituição, pois o trabalho é feito com recursos limitados e há uma grande dificuldade de receberem apoio significativo dos órgãos públicos e das empresas. “Eu tenho observado que embora o impacto de nossas ações esteja gerando todo tipo de órgãos e recursos institucionais, quando estes órgãos vão liberar ou apoiar a liberação de polpudos recursos, normalmente é para
Cida afirma ainda que a principal razão para essa intolerância é o preconceito racial. “O nosso simbolismo é da cultura negra e o que diz respeito ao negro é sempre um alvo de discriminação”. Declara a militante.
Educação Anti-racista Para a co-diretora do CEERT a real implementação da lei 10639 que institui o ensino de história africana nas escolas deve diminuir o preconceito e as ações discriminatórias que o acompanha. Uma das pioneiras a escrever sobre a temática racial para as escolas, Maria Aparecida afirma ter sido esse um de seus maiores desafios e um dos grandes aprendizados de sua vida.“Escrever de maneira
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Cida Bento
Cida Bento
dos materiais a promoção de diálogos entre a população e especialistas da área. “Esse é o caminho, mas faltam organizações para fazer isso, precisamos conversar mais e perceber que essa é uma temática que precisa aumentar, não só no Ceert, mas em todas as organizações”.
Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão organizações de brancos que vão trabalhar com o tema racial, e subcontratam negros.” - declara a militante que considera o fato lamentável. A professora afirma ainda que assim como a criação da Lei 10639 só foi possível após muita pressão por parte do movimento negro, a real implementação da lei só acontecerá quando houver uma nova pressão por parte das organizações .”Isso é uma prova de que quando a população pressiona a coisa anda”
Jovens no ensino superior e a Saúde dos afro-descendentes Segundo Maria Aparecida, apesar da luta por Cotas, o jovem negro ainda tem demorado em se apropriar dessas conquistas. Para ela, isso ocorre pelo fato da informação vir da grande mídia, na qual o movimento negro ainda não tem voz. “Falta recurso para ir para a grande mídia e formar a opinião do jovem negro, explicando o porquê das cotas, e trazer cada vez mais a população para pressionar os governantes por ações mais efetivas.”
No âmbito pessoal, a Dra. Cida Bento afirma estar em um momento de pensar muito o futuro, mas se considera uma pessoa que está sempre desenhando mudanças também em sua trajetória pessoal. A paixão pela luta anti- racista foi passada para o filho, estudante de Direito que possui uma grande ligação com a causa do movimento negro. Cida espera que o filho Daniel não encontre as dificuldades e ingratidões que ela enfrentou atuando na militância negra. Mas não é apenas a família quem reconhece a importância do trabalho dessa negra guerreira. No último dia 21 de março, Dia de Combate à Discriminação Racial, a Doutora Maria Aparecida Bento foi condecorada com a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo. Segundo ela, esse foi o momento em que se deu conta da importância da cidade de São Paulo em sua trajetória. “Fiquei muito honrada, agradeci muito, relembrei a importância da minha família , da dimensão religiosa em minha vida e compartilhei com o movimento negro que forjou em mim a militante”.
Dentre outras dificuldades da população negra, ressaltadas pela pesquisadora, está a questão da saúde. Segundo ela, a sociedade brasileira em geral tem sofrido com as dificuldades de nosso sistema de saúde e com isso a população negra é a que mais sofre, apresentando um maior número nos casos de AIDS, hipertensão arterial severa, e diabetes. Cida acredita que em uma área com uma situação tão grave, ainda são poucas as organizações que têm realizado um trabalho mais efetivo com o tema. Para ela, é necessário produzir materiais, não apenas discutir, mas tornar visível o resultado dessas discussões, além
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Por Jamile Menezes de Almeida Santos Fotos: Valter Pontes - Altair Lima
GoyaLopes Apostando na ancestralidade como resgate étnico
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eterminada. Assim se define a designer têxtil Goya Lopes que, em 1976, apostou em uma área que até então era por muitos desconhecida: o Design. Para ela, a arte foi algo desde cedo identificado e estimulado pela família. “Quando eu tinha 7 anos, morávamos na França. Meu pai estudava e trabalhava como engenheiro civil. E nessa idade, fui identificada por uma professora através de um desenho que fiz em sala. Daí fui estimulada desde cedo e esse potencial foi trabalhado por meu pai, que era sensível e culto. Ao saber do meu talento, ele sempre me motivava e me dizia que ali eu tinha um caminho a seguir.”
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De volta à Bahia, Goya graduouse em Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia, quando resolveu aprofundar seu talento e seguir para o exterior, após ser contemplada com uma bolsa de estudos em Design na Universitá Internazionale Dell’Arte di Firenze, na Itália. Em 1986, Goya acreditou em seus sonhos e os projetou com começo, meio e fim, completando, agora em 2006, 20 anos da sua grife Didara (bom, na língua yorubá). “No final dos anos 70, quando estava na Itália, vi surgir como fruto da globalização uma tendência mundial ao étnico no modo geral. Daí cresceu uma necessidade pelo individual, pela originalidade e pela identidade. Hoje, ou você tem preço ou é diferente. Percebia a influência desse interesse aqui na Bahia e construí a Didara, o que viria a ser meu projeto de vida”, conta a designer. A determinação e a visão ampla, marcadas em cada passo de
sua trajetória, fazem da artista hoje um exemplo de afroempreendedorismo de sucesso. “Depois de 20 anos, tenho hoje duas lojas, uma no Pelourinho e outra no Aeroporto de Salvador e tenho uma equipe de 30 funcionários diretos e sete indiretos em Cooperativas, mas ainda tenho muito a caminhar para atingir todas as metas do Projeto.”, comemora Goya. Com exposições nacionais e internacionais de seus produtos étnicos, a designer têxtil une em suas criações a paixão pela pesquisa e o amor pela ancestralidade, produzindo um estilo único de temática africana aliado às raízes regionais. “Isso foi uma questão de resgate próprio de minha ancestralidade, era uma coisa que vinha dentro de mim desde o início. E também, por uma questão de tendência. São culturas fortes que dentro da sua essência têm um processo de expansão que não é cartesiano, fechado nem racional. O étnico em geral veio
de uma alegria de vida para ficar. Já o afro tem um potencial muito maior nesse sentido de vibração do que as outras culturas. Ela coloca a pessoa nessa evolução vibrante, a cultura envolve tudo ao seu redor nessa expansão.”, explica ela. Identificado pelo governo federal como potencial para exportação, o produto de Goya, com suas cores e estampas afro, já decoraram o salão do Itamaraty, em Brasília (95) e a Fundação Ford, nos EUA em 2000, dentre tantas outras homenagens e premiações. “Minha produção era diferente, pois eu tinha a ousadia de usar estamparia, algo que agora está sendo vendida largamente. Era uma produção de vanguarda, então os especialistas me deram muito crédito e reconhecimento. A receptividade foi muito boa. As pessoas, a princípio perguntavam se era criação indiana ou africana, mas depois identificavam que era diferente, original. “, conta.
Diferencial Apesar da temática ser hoje bem difundida, ter um Goya Lopes é exclusividade. “Mesmo sendo uma marca universal, é um trabalho que tem uma personalidade, tem uma unidade que o identifica. Eu trabalho na verticalidade, crio e vendo ao consumidor. Isso é algo que normalmente um designer não consegue. Ele cria e vende para uma indústria que não valoriza o seu trabalho, não quer construir junto com ele. Essa é a diferença que aponta meu trabalho como diferenciado. Eu tenho um investimento na cultura afro-brasileira. Meu produto tem toda uma característica afro-baiana e brasileira, mas tem a universalidade da contemporaneidade com uma personalização muito forte.”, diz Goya. O reconhecimento do trabalho da artista também é fruto de sua investida no social. È o chamado Design Social, que envolve ações na área do design e fabricação de roupas junto à comunidade, com geração de renda e valorização de identidades.
GoyaLopes “Em 98, fui convidada pela primeira -dama Ruth de Cardoso como designer, para trabalhar em associações de mulheres e desenvolver um produto com a identidade de cada local. Depois dessa experiência, passei a trabalhar com artesãs de cooperativas em Salvador e no interior através de um trabalho de resgate da auto-estima das comunidades e despertar de um ofício também. Ao mesmo tempo em que
elas estão sendo desenvolvidas profissionalmente, estão reforçando suas capacidades. Eu dou trabalho e as ajudo como design a terem um produto próprio. Garanto a qualidade do meu produto e terceirizo a produção. Porque não adianta despertar a comunidade e deixá-la na mesma, não ter continuidade.”, diz. Com um sonho antigo em ser arqueóloga, Goya nutre pela história um interesse
maior, dando grande importância à pesquisa em seu processo de criação. “A primeira fase é a de percepção e observação. Alguma coisa me chama a atenção, e de repente eu intuo que ali tem algo a ser desvendado. Daí passo para o fato, para a pesquisa, quando estudo a temática e parto pra composição da obra. É um caldeirão de idéias.”, explica a designer. EPARREI 39
GoyaLopes Afro-empreendedorismo
Essa é a denominação que marca a trajetória de Goya Lopes, que vê na educação e na perseverança do povo negro o potencial para o sucesso. Para a designer, a falta de sorte não deve ser motivo de esmorecimento ou desistência dos que começam.”As pessoas preferem sempre o caminho mais fácil e imediato, em detrimento de um maior esforço pessoal.”, afirma. Ser empreendedor e acreditar em suas idéias são alguns pontos que a artista destaca para alcançar o respeito e o reconhecimento. “O que eu digo sobre isso é algo que muitas pessoas não gostam de escutar. O empreendedor não tem sorte, tem o trabalho e o esforço para seguir. Já existe uma situação histórica de não ter espaço para nós, negros, mas o que tem que ser compreendido é que temos o potencial e precisamos nos educar para nos auto-conhecer e planejar nossas metas. Não achar que não podemos diante dos outros. O potencial é grande, mas temos que nos esforçar sempre mais.”, completa Goya. Com sua marca Didara consolidada como uma vertente afro-baiana e afro-brasileira reconhecida, Goya aposta na amplitude de suas idéias e pretende inovar em outras
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áreas. “Didara vai continuar sendo um trabalho afro-brasileiro, centrada nesse estilo étnico. E eu, hoje, tenho duas marcas que é a Didara Design Goya Lopes e a marca Goya Lopes Design Brasileiro. Esta entra num mercado de moda brasileira que pode atender às tendências mais amplas da moda e não só à afro-centrada. As duas ainda estão juntas, mas eu pretendo trabalhar em cima dessa separação.”, explica. “Uma mulher determinada, de visão a longo prazo. O imediatismo não me contempla e tudo o que eu planejo tem começo, meio e fim. Meus projetos estão sempre ligados ao que eu quero para a minha vida. Sou mulher, negra, empresária e se hoje sou bem sucedida, foi pelo caminho que tracei pra mim. Ainda assim, tenho muito o que caminhar.” Com essa certeza, Goya Lopes encanta em sua simplicidade, auto-estima, inteligência e criatividade, apostando na ancestralidade como resgate étnico através de suas produções, mas sem desviar o olhar para a contemporaneidade, que torna única a sua criação
Texto: Maria Alice Guimarães Peres / Fotos: Ori Wani
Joel Zito
Luz, Câmera e Ação com Entrevista à Urivani Carvalho
J
oel Zito Araújo, cineasta, somando, em mais de 20 anos de carreira, vários documentários – entre eles o polêmico “A Negação do Brasil” (que, inclusive, resultou num livro), onde analisou e denunciou a ausência do negro na televisão brasileira, a partir das telenovelas - e uma primeira investida no campo da ficção, o premiado “As Filhas do Vento”, que conquistou seis Kikitos no Festival de Gramado, uma história que contou a partir da sua própria origem - a família construída por sua mãe. Uma mulher negra que o levou a abraçar a causa dos afrodescendentes e o coloca entre os diretores brasileiros que têm o negro como origem e objetivo. “Nasci numa família de brancos e negros. Meu pai era branco e minha mãe uma negra mestiça. Se meu pai, por ter sido músico na juventude, abriu as portas da arte para mim, foi ela, minha mãe, a inspiração de tudo, na sua condição de mulher negra, seu
sofrimento por ser negra e estar separada de meu pai. Compreendi tudo isso quando tinha trinta anos de idade e automaticamente tive não só a consciência da questão racial, como abracei a causa.” A mãe de Joel Zito era filha de um negro e uma “negra-índia”, neta de um trabalhador da estiva no porto de Salvador que conseguiu construir um pequeno patrimônio que o levou a ser um pequeno e respeitado fazendeiro no extremo sul da Bahia. “Foi ali que ela conheceu meu pai, filho de fazendeiro branco, os dois com 17 anos de idade. Mas com a morte do meu avô, a família perdeu sua condição financeira, depois veio a separação do meu pai, quando eu tinha seis anos de idade, e minha mãe teve de partir para o sustento da minha avó, trabalhando como lavadeira, faxineira e depois como operária numa fábrica de vidro, já em São Paulo. Quanto a mim, fui criado pela família branca paterna., classe média no norte de Minas Gerais. Fui cercado de muito carinho, mas fiquei dividido entre
o mundo negro e pobre da minha mãe e a classe média e branca do meu pai. No início da adolescência, inclusive, convivi com o terrível sentimento de vergonha e nunca contei aos amigos do colégio que tinha uma mãe negra, semianalfabeta, lavadeira na periferia.” Ele confessa que essa divisão o levou à rebeldia, “com a sensação de estar traindo uma pessoa fundamental na minha vida. Acho que já ali, ainda que inconscientemente, assumi o mundo da minha mãe, a questão racial e a visão que tenho do mundo feminino. Foi isso, certamente, que me tornou o que sou e criou em mim um enorme respeito pelas mulheres.” A ligação com o cinema, ele acredita ter surgido na infância, freqüentando os três cinemas da cidade mineira onde nasceu e foi criado. “Ia ao cinema todos os dias e o curioso é que, já adulto, descobri um diário que escrevi ainda adolescente. Em lugar de relatar o que acontecia no dia a
dia, me limitei a comentar os filmes que via.” E Joel Zito assistiu de tudo, desde as aventuras de James Bond, o agente 007, até Federico Fellini e Michelangelo Antonioni. “De faroeste a Maciste, via o que chegava naquela cidadezinha de 60 mil habitantes.” Mas o cinema não estava nos planos profissionais de Joel Zito. Quando rumou para Belo Horizonte foi para prestar vestibular e freqüentar o curso de psicologia. “Acontece que ao entrar para a universidade, descobri que havia na cidade um movimento de cine clubes, ao qual me liguei imediatamente e acabei mesmo fundando um cine-clube na minha faculdade. Era no final dos anos 70, ainda no período da repressão da ditadura militar, e ali participei do movimento que levava o cinema aos bairros operários. Acho que nesse momento descobri a possibilidade de me tornar roteirista e diretor.” Joel Zito confessa que é até contraditória a sua escolha, “afinal venho de uma cultura oral, ouvindo EPARREI 41
na primeira infância as histórias de Pedro Malazartes, depois acompanhando os “causos” nas rodas adultas. Daí ser curioso o meu encanto pela imagem.” Já cooptado por essa “imagem”, Joel Zito – Joel é o nome de batismo, Zito o apelido familiar carinhoso, daí ter juntado os dois para assinar como cineasta – foi para os Estados Unidos, com uma bolsa de estudos, para fazer um trabalho sobre o cinema e a televisão norte-americanos. E lá teve duas descobertas importantes, primeiro um documentário que analisava a presença do negro no universo da imagem norteamericana e depois a constatação de que os negros representam, nos Estados Unidos, apenas 11% da população. “No dia em que vi esse documentário pensei: nunca me passou pela idéia de que uma boa forma de refletir as relações raciais
no Brasil é mostrar como o negro está representado na televisão. Voltei dos Estados Unidos, no final de 1994, com o projeto de realizar alguma coisa parecida com aquilo. Só que, quando comecei a pesquisar, senti que a melhor forma de fazê-lo, em lugar de abranger toda a televisão e cinema, era me limitar à televisão e, dentro dessa mídia, ao que considero a segunda paixão nacional, logo depois do futebol, a telenovela.” O resultado foi “A Negação do Brasil”, que aborda conceitos que Joel Zito considera fundamentais. “O Brasil tem muita vergonha do seu componente racial não branco, especialmente os negros e os índios, ou seja, a população deste país tem muita dificuldade de se ver como uma sociedade multirracial. Por essa razão me propus a promover a discussão dessa realidade.”
Enquanto o país não tiver orgulho de sua composição multiética, multirracial e multicultural, não vai discutir a cidadania de maneira ampla. “Em A Negação do Brasil, que depois transformei em livro editado pelo Senac, deixo clara essa contradição de um país que é marcadamente multirracial, no qual a população e a cultura negra tiveram e têm um papel importantíssimo no jeito de ser da população e na sua cultura, e no entanto, a imagem desse povo tanto na televisão como no cinema, não revela essa participação quase que igualitária. A produção de imagem no Brasil está presa a uma estética do branqueamento. Vejam só, as apresentadoras dos programas infantis são loiras, a maior parte dos apresentadores de telejornais são brancos. Enfim, o país acredita
que ser Primeiro Mundo é ser branco. Estamos portanto negando aquilo que deveria ser o nosso objeto de maior orgulho, que está exatamente no fato de sermos um país multirracial.” Joel Zito alerta para o dado histórico de que essa “ideologia do branqueamento” surgiu na política do país no final do século XIX, quando “foi proibida a entrada de imigrantes da África e da Ásia, realizando campanhas na Europa que iludiram muitos imigrantes, principalmente da Itália, com promessas que nunca foram realizadas, que objetivavam esse “branqueamento”, a ponto de um representante do governo brasileiro, no início do século XX, afirmar, durante um congresso em solo europeu, que “graças a Deus, em 100 anos, devido à política oficial, não haveria mais negros
Joel Zito 42 EPARREI
no país”. Essa política chegou aos anos 40 do século passado, sob o governo de Getúlio Vargas, que manteve a tal proibição. Claro que essa deixou de ser uma política de estado, mas se transformou num elemento cultural, a valorização do elemento racial branco.” A pesquisa de Joel Zito o leva a diferentes questionamentos, “se a televisão está preocupada com o consumidor, porque não respeita a existência de 5 milhões de consumidores da classe média negra? O que está por trás disso, o racismo? Não acredito numa deliberação dos produtores de telenovelas ou comerciais que afirme, olha só pode ter 10% de papéis para atores negros e desses 8% devem ser empregados domésticos ou motoristas. Mas essa estética predomina há mais de 100 anos, pesa muito.” Ele coloca outros exemplos para fortalecer sua idéia: “no Dia das Mães não se vê na publicidade nenhuma mãe negra recebendo
Joel Zito
presentes de filhos negros. E isso deveria parecer estranho para todos nós. Afinal o negro é um consumidor no Brasil e mesmo que você diga que a população negra seja majoritariamente pobre, ela consome sabonete, perfume, sorvete, enfim uma série de coisas.” Joel Zito vai mais além e aponta a televisão brasileira como “desrespeitosa” para com o contingente não branco da população brasileira, “em especial a maioria negra. Estou falando em termos absolutos”, ele afirma, “claro que existe uma coisa aqui, outra acolá, mas como regra a televisão desrespeita o desejo do componente racional negro de ver coisas positivas sobre si mesmos.” Joel Zito estende seu olhar crítico também para a política cultural que “no Brasil ainda vive tateando a questão racial. Continua a ser uma política constrangida em um mundo branco que não quer ceder em nada para os negros. Embora o Ministério da Cultura
e várias secretarias culturais busquem aproximação com a população negra, o fazem sempre de forma envergonhada, evitando a cumplicidade. Por isso sou francamente a favor das cotas tanto nas universidades como na televisão e em todos os espaços. A elite brasileira é conservadora e imobilista e somente através de pressão e a promulgação de leis é que conseguiremos mudar a mentalidade.”
A última vez que contou, eram 18 cineastas negros, revela Joel Zito, “embora apenas eu tenha feito longa-metragem nos últimos 15 anos, mas logo deixarei – felizmente – de ser o único. Em breve, acredito firmemente, teremos novos e bons filmes de cineastas negros. Seremos mais fortes enquanto segmento populacional, enquanto grupo racial-étnico, enquanto fontes alimentadoras da cultura brasileira.” A contribuição que pode dar para a implementação da Lei 10639/03
está no seu próprio cinema. “Da minha parte tenho projetos com histórias da África e da diáspora negra espalhada pelo mundo. Estou captando recursos para rodar “Ceiça e Elisa: Uma aventura na África Contemporânea”, com Maria Ceiça, minha mulher, e Elisa Lucinda, a história da Rainha Ginga (Nzinga) e ainda o projeto sobre o turismo sexual, a exploração do corpo do negro e de crianças e adolescentes em Salvador. Ainda um filme surpresa, que estou roteirizando sobre o homem negro.” E as mulheres negras? “São as mais radicais e revolucionárias”. São triplamente exploradas, sacaneadas e abusadas. Portanto, dou todo apoio. Não esqueça que minha mãe foi a inspiradora da personagem Ju, interpretada por Lea Garcia no meu filme “As Filhas do Vento”.
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NeusaBorges Neusa Borges e o desafio de ser
Mulher e Negra Por Neide Diniz - Fotos: Arquivo Pessoal
Q
uem é que não se lembra de Dona Diva? A personagem ciumenta de seu filho,em América, novela de Glória Perez, trouxe mais uma vez Neusa Borges aos olhos do público em mais de 40 anos de carreira entre teatro, cinema e televisão. No entanto, longos períodos sem atuar lhe renderam sérias dificuldades financeiras e o atual momento não é diferente. Após o sucesso de seu último trabalho na TV, acreditava que seria contratada pela Rede Globo, 44 EPARREI
mas isso não aconteceu e apesar de ser uma das protagonistas do filme “Polaróide Urbana” de Miguel Fallabela, com previsão de estréia em 2007, a situação de Neusa é constrangedora. A sua esperança é se estabelecer no mercado com a repercussão que o filme pode alcançar e enfim dar uma guinada em seus contratos momentâneos, “participar do filme foi um presente, foi um trabalho muito gratificante!”. Ela também não vê a hora de mostrar a força de sua interpretação nas telonas de
todo o país. Mas até lá, a resposta de Neuza aos seus objetivos e realizações e somente uma: “voltar a trabalhar já!”. Neusa considera que a realização profissional artística no Brasil é cada vez mais inatingível e se pergunta, “quem hoje em dia faz 40 anos de carreira?” e, em seguida, responde: “ninguém!”. E conclui: “todo mundo só quer ser artista, sem contar que se passar dos 30 anos de idade é considerado velho”. A visão crítica é ainda mais enfática em relação às conquistas dos
NeusaBorges
negros na mídia e na sociedade, “estamos engatinhando em tudo ainda, precisamos ser mais unidos” e arremata: “o negro não se valoriza e agora está pior, quando conquistam alguma coisa vão embranquecendo”. Defende, ainda, a seguinte teoria: “o dia que exterminarem os índios vão exterminar os negros” e acrescenta que isso não está muito longe. A postura rígida diante das questões raciais resulta de sua luta diária do desafio de ser mulher e negra “é muito difícil, vivo numa arena matando vários leões, sou muito mais triste do que feliz”. Mesmo depois dessa declaração, um sorriso largo e uma gargalhada gostosa preenchem a entrevista ao falar da família. “A única coisa boa que Deus me deu foi minhas duas filhas, o resto é carregar cruz”. Mas muita gente que se encanta com o brilho de Neusa Borges nas novelas não sabe que ela começou sua carreira como bailarina e depois cantora e não desejava ser atriz. E só fez o teste com 400 candidatos para o musical “Hair”, espetáculo que inaugurou sua vida profissional, por causa da música. No entanto, confessa que hoje não canta nem no banheiro. Seu magnetismo no palco em “Hair”, EPARREI 45
NeusaBorges no final da década de 60, dirigido por Ademar Guerra intimou o diretor a dizer na noite de estréia: “nasce uma estrela!”. Porém, mesmo seduzido pelo potencial artístico de Neusa ressaltou, “você é muito talentosa, mas vai sofrer muito porque é negra”. Ela, entretanto, de cabeça erguida e com a voz dotada de orgulho sentenciou, “sou preta, mas sou gente e luto por meus direitos”. Enfática e cheia de atitude, é difícil encontrar outra definição para a postura tão ostensiva da
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pisciana que não revela a idade e vive no Rio de Janeiro, mas que tem na bagagem o nascimento em Florianópolis e a formação em São Paulo, onde durante quatro anos ficou em cartaz com “Hair”. O primeiro de uma lista de papéis marcantes no teatro passando por “Capital Federal”, “Deus Lhe Pague”, “Teatro de Cordel”, “Opera do Malandro” entre outros. Na televisão, algumas novelas como, “Escrava Isaura”, “O Rei do Gado”, “O Clone” e “Indomada”, dentre as mais de 30 inscritas no seu
currículo, sublinham o jogo cênico do universo feminino negro. Já no cinema, inicia em 1975, com “A Carne” e de lá pra cá foram oito filmes. A máxima da luta de Neusa Borges e, por conseguinte, de todos negros é não ter data nem hora para findar. A ancestralidade negra morreu lutando por dias melhores e ainda temos muito pela frente para ver raiar o sol da democracia racial.
Fala Poeta! s Eu me levanto Angela Davis
Você pode escrever a minha história com o seu amargor e mentiras Você pode me atirar na lama. Mas, ainda assim como poeira eu me levanto. Você acha que a minha sensualidade incomoda? Por que você está tão cheio de rancor, tão entristecido e desanimado? Porque eu vou caminhar como se eu tivesse poços de petróleo na minha sala de estar. Como a lua e o sol, com a certeza das marés e com esperança. Pulando bem alto, ainda assim eu me levanto Você quer me ver quebrada e com a cabeça e os olhos baixos Com os ombros caídos Com as lágrimas e enfraquecida pelo meu choro A minha dureza ofende você? Não fique tomando isso como se fosse uma coisa ruim Porque eu sorrio como se tivesse minas de ouro em meu quintal
Você pode me atirar as suas palavras Você pode me cortar com seu olhar Você pode me matar com o seu ódio Mas, ainda assim como o ar eu me levanto Minha sensualidade incomoda você? Isso vem como surpreza Eu danço como se eu tivesse diamante no ponto de encontro das minhas coxas Fora da vergonha da história, eu me levanto bem alto Encontro o passado que está enraizado na dor Eu me levanto. Eu sou um oceano negro Indo bem alto e longo, inchando eu seguro as marés E deixando de lado as noites de terror e de medo Eu me levanto ao nascer da manhã que é maravilhosamente clara Eu me levanto trazendo os presentes que meus ancestrais me deram Eu sou o sonho e a esperança do escravo Eu me levanto... “ EPARREI 47
Religião de Matriz Africana no Ylê Asè Por Orisà Ala Bi Fotos: Ori Wani
Religião O
Griot é um nome de origem Bambará, para personagens africanos denominados contadores de história que acumularam na memória, séculos de fé, costumes, lendas, contos e lições de sabedoria. Ele chega ao Ylê Asè, para repassar alguns ensinamentos para as crianças que estão se iniciando nas religiões de matriz africana. No terreiro, um alvoroço só, todos se prepararam para esperá-lo, já que ele falará sobre os deuses africanos no Brasil. Em coro saúdam o Griot: -Mutumbá! -Mutumbá Axé! -O senhor está voltando da África, ela é muito longe daqui?
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-É muito longe sim, África é um continente. Vejam aqui no mapa, quantos países nós temos no Continente Africano. Aqui no Norte temos o Marrocos, Argélia,Tunísia, Líbia e o Egito. No Sul, Angola, Zâmbia, Zimbabwe, Moçambique, Namíbia, Botswana, Lesoto, Swazilândia e África do Sul. No Leste, o Sudão, Etiópia ,Éritreia, Djibuti, Somália, Quênia, Tautania ,Malauoi. No Oeste, Mauritânia, Senegal, Zâmbia, Guiné Bissau, Guiné Conacry, Serra Leoa, Libéria, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria, Camarões, Gabão e Alto Volta e no centro, Mali, Nígeria, Chade, República Centro Africana, Uganda, Kuanda,Burundi, República Popular do Congo e República Democrática do Congo. Eu estou chegando daqui, da Nigéria.
- Baba, quantos negros vieram para o Brasil? Quem trouxe a nossa religião? Na África, os rituais e os Orixás são cultuados como os Orixás do Brasil? - Lá tem evangélicos que nos perseguem, como aqui? - Calma! um de cada vez. A palavra é para ser ouvida sem pressa, o apressado sempre come o angú crú. Vamos aprender um pouquinho de cada vez, muita água no pote pesa e você não consegue carregar. Foi assim... Foram quase quatro milhões de africanos que desembarcaram no Brasil. Temos várias religiões em África: o cristianismo, islamismo o budismo
e várias vertentes que cultuam os orixás. Existem sim, muitos evangélicos, católicos e outras religiões, mas, antigamente não era assim.Todos esses africanos trouxeram para o Brasil a espiritualidade, as tradições, a forma de comercializar e o seu conhecimento científico. Isso fez com que o Brasil crescesse muito no período em que nossos antepassados trabalhavam escravizados. Vamos então verificar a herança religiosa que eles deixaram para nós, seus descendentes. Somos todos descendentes de africanos, que aqui chegaram de diferentes lugares.Vamos fazer uma comparação, olhem aqui no Mapa do Brasil: Se o que nós chamamos de
estados fossem os países do continente africano seria assim: Que a Região Leste fosse povoada por um grupo que falasse a língua Sudanesa e tivesse seus costumes, formando um grupo étnico. Que na região Nordeste falassem as línguas nilóticas, e tivessem outros costumes. Que na Região Sul, falassem a língua Bantus e no Centro Oeste outra língua com seus costumes e assim por diante. Há uma infinidade de línguas faladas pelos mais diversos grupos étnicos em todo continente africano desde o princípio do mundo. Ainda estão descobrindo muito sobre nós. Viu? Nós herdamos esse conhecimento, essa cultura, essa religião e seus costumes, que nós mantemos
em segredo e que nos foi e é transmitida pelas zeladoras e zeladores dos Orisás no Ylê Asè. São elas as nossas sacerdotisas e sacerdotes, as Yá e os Babas. Em algumas partes do continente africano, o culto aos Orixás é realizado entre os membros de uma família biológica, ou seja, pais, tios, irmãos que cultuam o mesmo Orisà. Aqui no Brasil, a família religiosa é composta de irmãos do santo e na maioria das vezes, não possuem parentesco e cada um cultua o seu Orisà. Ylê Asè são os lugares criados para cultuar os Orixás, que aqui os afro-brasileiros chamam também de terreiros de candomblé. Nas comunidades de Terreiros está
a história dos antepassados, os ensinamentos, a existência e a continuidade que é passada para todos os integrantes. Os Orixás possuem uma ligação conosco desde que nascemos, todo ser humano tem um Orixá para protegê-lo. Aqui, no nosso Ylê Asè, nós aprendemos a estabelecer e preservar essa ligação com os nossos ancestrais. Recebemos essa riqueza dos grupos yorubanos, bantus e gêges, viu? Nossa ligação com o Orixá se dá através do contato com a natureza, cujo desenvolvimento, nos dá energia, o asé, nos aproximando de Ólorum que é o deus criador. Nossos Orixás são a união das energias de todo os elementos que
fazem parte da natureza e para cada elemento da natureza existe um Orixá, viu? - Baba, isso tem a ver com a reencarnação? - Pois bem, nós descendentes das religiões de matriz africana acreditamos na força dos nossos antepassados, acreditamos no poder da natureza e cuidamos dos espíritos de pessoas das nossas famílias que já passaram para outra margem da vida. Acreditamos que os nossos ancestrais são os intermediários entre Ólorum e nós, os seres humanos. Todos os Orixás tiveram sua passagem pelo nosso mundo, após fatos heróicos ou divinos, encantaram-se e retornaram ao Orum, deixando para nós, os segredos e seus
Religião EPARREI 49
Religião Oxossi - Senhor das florestas, seu habitat natural, onde vive e caça. É a divindade da harmonia e do equilíbrio ecológico Ossain - Divindade das folhas medicinais Dono do segredo das folhas, é considerado o médico do candomblé. Logun Edé. Dorme nas profundezas dos rios, é protetor da pesca e também da caça. ensinamentos, para que possamos crescer espiritualmente e ajudar outras pessoas.
- Baba, por que aqui no Brasil os santos recebem tantos nomes? - Pois então, fica assim, observem:
Nós temos sempre que ter muito orgulho, pois fomos escolhidos para servir os nossos Orixás. Não podemos em hipótese alguma sentir vergonha, ou nos intimidarmos por pertencer a uma religião milenar de matriz africana, viu? - Baba então nós somos pessoas muito especiais?
Os herdeiros da tradição religiosa Yorubá chamam os ancestrais de Orixás.Os de tradição Bantus chamam de Inquices. Os de Tradição Gêge (Ewe fon) de Voduns. - Que bom, Baba. As Yás , as Yabassés e os Ogâs daqui do Ylê Asé falaram que o senhor vai nos ensinar quem são os Orixás.
- Com certeza! No nosso Ylê Asè aprendemos a sentir a manifestação dos nossos Orisàs.Nós confiamos no efeito das oferendas para os nossos ancestrais, da mesma forma que os budistas e os católicos acreditam nas suas oferendas e promessas. 50 EPARREI
- Isso mesmo. Hoje nós vamos conversar um pouco sobre os nossos ancestrais divinizados, isto é, alguns de nossos Orisàs. Há muito tempo atrás, os Deuses e Heróis andavam na terra com os Homens. Eles viviam na cidade de Ilê-Ifé é esse o lugar de origem
dos primeiros povos africanos. É um lugar sagrado, aonde os Orixás chegaram, criaram e povoaram o mundo e depois ensinaram para seus descendentes, desde o início da civilização, a forma do culto.
Vamos falar de alguns Orixás yorubanos conhecidos no Brasil: Exu-É um Orixá mensageiro entre os seres humanos e os demais Orixás. É o senhor dos caminhos. É ele quem faz com que os ritos sejam recebidos. Esse orixá é cultuado dentro do Ilé Asè e nos lugares públicos como estradas, encruzilhadas, jardins praças públicas e matas. Ogum - é um Orixá que também é o senhor dos caminhos, é o Deus da guerra
Obaluaiyê - Orixá que possui o segredo da saúde e da doença. Na natureza representa a terra e o sol. Iroko - representa a história do ylé asè assim como de seu povo. Representa a ancestralidade, nossos antepassados, pais, avós, bisavós, tataravôs. Representa também o seio da natureza. Xangô - Deus do raio, do trovão, do
Mutumbá - *Benção Africana Ylê Asè - Casa de candomblé Yá - Mãe Baba - Pai Yabassè - Mãe responsável pela comida Ogã - tocador de atabaques Orun - Céu
fogo. Orixá da justiça. Yansã - Orixá dos ventos, raios e tempestades e dona dos Eguns. Oba - Orixá guerreira misteriosa também protetora das matas. Ewà - Orixá guerreira protetora dos astros do sistema solar e do sêmen. Oxum é considerada a orixá da fertilidade e da fecundidade. É a Orixá da vaidade. Oxumaré - É um orixá que representa o Arco Íris. Protetor das Chuvas.
Yemanjá - Rainha do mar. É a protetora da maternidade.
(rezas), Ofos (encantamentos) e oríkìs (louvações).
Nanã - Na natureza é a Orixá protetora dos pântanos da vida e da morte.
Baba o que é então candomblé?
Osalà - Orixá responsável pela criação do mundo é o protetor da humanidade. -Baba como podemos falar com os nossos Orixás? Sim, através da linguagem falada ou cantada é que conversamos com os Òrìsàs. Temos a comunicação expressa através dos orins (cânticos), àdúràs
Candomblé é uma religião. A nossa religião se aprende através da transmissão oral, dentro do Ilê Asè. Preservamos nossos rituais, cânticos e liturgia com o idioma religioso que os nossos antepassados nos ensinaram. Pela maneira de falar, cantar, dançar e percutir os tambores, reconhecemos a nossa nação.
-Ah, Baba, foi muito curtinho eu quero aprender mais coisas. Eu quero saber das comidas, das roupas e das danças dos Orisàs. -Só com o tempo e a prática é que vocês tudo aprenderão. Não se apressem, existe o tempo do aprender e do ensinar. Olhem, lá vem a Yabassè com o nosso Ajeun.
E então crianças, tiraram suas dúvidas?
Afrodísio dos Santos Rufino está há quarenta anos a serviço dos Orixás. Trata com zelo e carinho, o ensino e a prática do candomblé EPARREI 51
Pérolas Negras
Por Fernanda Pompeu* Fotos: Nair Benedicto / Premio Mil Mulheres
L
ançado em março de 2006, o livro Brasileiras Guerreiras da Paz, coordenado por Clara Charf pela editora Contexto, em São Paulo/SP, traz o perfil de cinqüenta e duas compatriotas indicadas para o Prêmio Nobel da Paz- 2005. Entre elas, há quatorze negras. Brilhantes em suas áreas e comunidades, elas formam um dinâmico mosaico de atuações, influências e sentidos de mundo Mãe Stella de Oxóssi e Mãe Hilda Jitolu dirigem dois dos maiores terreiros de candomblé do Brasil: o Ilê Axé Opô Afonjá e o Ilê Axé
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Jitolu, respectivamente. As duas baianas são líderes espirituais conhecidas no mundo inteiro. Mãe Stella defende o candomblé de origem e mantém, em seu terreiro, uma escola onde as crianças aprendem iorubá. Mãe Hilda foi quem abençoou, em 1974, a criação do Ilê Aiyê, primeiro bloco 100% afro-brasileiro. A escritora e poeta Alzira Rufino fundou, em Santos/SP, a Casa de Cultura da Mulher Negra. Alzira trabalha contra a violência doméstica e contra o racismo que discrimina a população negra. No
departamento de Comunicação da CCMN, é editora do Boletim Eparrei Online e da Revista Eparrei.
a Comissão de Combate às Discriminações e Preconceitos, no Rio de Janeiro.
Quem saiu do morro Chapéu Mangueira, no Rio de Janeiro, para a alta esfera política de Brasília foi Benedita da Silva, primeira senadora negra e primeira mulher a governar o estado do Rio de Janeiro.
Ativista anti-racista e feminista de primeira grandeza é Nilza Iraci. Ela é comunicadora e uma das fundadoras do Geledés, uma das mais importantes organizações de mulheres negras do país.
Do mesmo jeito, Jurema Batista foi vereadora por três mandatos e deputada estadual. É uma das criadoras do Nizinga Coletivo de Mulheres Negras e preside
Longe do poder instituído, mas não da luta, está a sindicalista Creuza Maria Oliveira. Ainda na juventude, descobriu o valor da união da categoria. Fundadora do Sindicato de Trabalhadores Domésticos da
Na mesma área, temos Lenira Maria de Carvalho, uma das criadoras do Sindicato de Trabalhadores Domésticos do Recife. Durante a última Constituinte, que desembocou na Constituição de 1988, ela defendeu os direitos trabalhistas das empregadas domésticas. No campo, Raimunda Gomes da Silva, a Dona Raimunda do Côco, ganhou fama nacional e internacional como líder das quebradei-
ras de côco babaçu. Participou da fundação da Federação de Trabalhadores Rurais do Tocantins.
cantora, é diretora do Centro de Informação e Documentação do Artista Negro.
No Sertão de Pernambuco, Vanete Almeida, líder camponesa, aprendeu, desde cedo, a derrubar preconceitos, a começar pelo machismo dos sindicalistas rurais. Hoje, coordena a Rede de Mulheres Rurais da América Latina e do Caribe.
Outra celebridade é Ruth de Souza, primeira atriz negra a ficar nacionalmente famosa. Foi uma das fundadoras do lendário Teatro Experimental do Negro.
Celebridade do mundo da arte, Zezé Motta dispensa apresentação. Ao lado da carreira de atriz e
Por fim, o livro Brasileiras Guerreiras da Paz traz uma médica e uma quilombola. A primeira é Fátima Oliveira, coordenadora da Rede Feminista de Saúde e uma grande batalhadora pela
Pérolas Negras
Bahia, sua grande luta é contra o trabalho infantil.
atenção à saúde das mulheres negras. A segunda, é Procópia dos Santos Rosa, líder quilombola. Guerreira absoluta, conseguiu levar para dentro do quilombo uma escola pública. Também deteve a construção de uma barragem que, se feita, inundaria a terra dos kalungas. Essas quatorze mulheres valorosas representam milhões de outras guerreiras negras que no seu dia-adia, tecem uma cara mais humana para o Brasil.
*Fernanda Pompeu é escritora e facilitadora de Oficinas de Redação E-mail: fpompeu@uol.com.br EPARREI 53
Discriminar é crime.
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Fotos: Alcinoo
Eu me orgulho de ser
Mulher Negra
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Conheça a
Casa de Cultura da Mulher Negra
Uma importante referência da Cultura Afro-brasileira na Baixada Santista. A CCMN oferece, em sua sede, biblioteca com diversos títulos da Cultura Negra, Restaurante com Comidas Típicas e Boutique com Roupas Étnicas. Agende uma visita com seu grupo e conheça de perto as nossas raízes étnicas.
Rua Professor Primo Ferreira, 22 - CEP 11045-150 - Santos/SP Telefax: (13) 3221-2650 / 3223-2493 - E-mails: ccmnegra@uol.com.br www.casadeculturadamulhernegra.org.br 56 EPARREI
Arte Educadores e o Folclore na Sala de Aula
P- Você não acha que é o próprio negro que discrimina outro negro?
A
o longo de nosso trabalho em arte educação, temos travado uma batalha árdua na transformação dos professores em educadores, fazendo-os entender que enquanto formadores de opinião, precisam trabalhar com a cultura espontânea de maneira aproveitável. Esperando contribuir para uma ação política em Educação, socializamos o debate do último Curso de Capacitação para ArteEducadores, realizado na sede da Casa de Cultura da Mulher Negra, em maio de 2006. P- Você poderia nos explicar por que a comunidade negra não concorda quando falamos que a maior contribuição do negro foi no campo do Folclore? R- De um lado, porque nos deparamos com a comunidade negra que não deseja mais ver a sua cultura relegada ao Folclore no sentido pejorativo da palavra; do outro, os professores que insistem
em continuar repassando conceitos equivocados estabelecidos pela chamada cultura erudita. A não aceitação possui fundamento: - Sabemos que houve uma ideologia em educação para formar professores, mestres e doutores com essa filosofia racista, que tem se reproduzido ao longo dos tempos e que veicula conceitos racistas introduzidos na Academia. Na verdade, eles visam à perpetuação do poder de determinada classe social; logo, o que não for fruto do ensino formal, passa a ser rotulado como folclórico ou popularesco.
R- Crianças não nascem racistas, o racismo é construído no seio das famílias brancas e negras. Ao se adquirir preconceito em relação ao negro, costuma-se construir uma imagem ruim sobre esse segmento. Essa imagem é o estereótipo. Dependendo de como essa imagem foi introjetada no subconsciente das famílias negras, ou não-negras, forma-se um ciclo negativo, reforçado muitas vezes pela escola, o que estimula o alunado a construir uma posição, ou introjetar no imaginário infantil imagens depreciativas, ou não, em relação ao povo negro. P- Não considera um exagero você falar que todo ser humano é portador da cultura espontânea e que reproduz os estereótipos adquiridos? Não. Se adquiri pensamentos estereotipados, vou reproduzir
o que aprendi. Nem tudo na cultura espontânea é estereótipo depreciativo. O que estamos discutindo é o compromisso de não reproduzir ou estimular o não aproveitável em cultura espontânea, formal ou erudita com relação à população negra.Temos que ter consciência de que é nas séries iniciais e principalmente, nas atividades em Educação Artística que a criança negra se depara ,pela primeira vez, com a discriminação: i) nunca são escolhidas para representar papéis de reis ou heróis; 2) ouvem constantemente palavras negativas ligadas a sua cor, a determinados cortes ou forma de trançar o cabelo. Elas soam como xingamentos; iii) a maioria dos coleguinhas não as aceitam como par na Quadrilha Junina. Com relação às festas Juninas, lembro-me de minha mãe que não permitia que eu participasse, já que achava horrível ter que passar carvão nos meus dentes para parecerem estragados, ou
- Sabemos que o povo negro é raça formadora da humanidade, pois foi no continente africano que nasceu a civilização, sendo o berço dos povos atuais. Análises do DNA mitocondrial encontrados nos achados paleoantropológicos atestam isso. EPARREI 57
preconceitos adquiridos ao longo do tempo e rever alguns conceitos. Gostaria que resumisse Tradição e Folclore.
enfeitar o meu chapéu com pipoca e remendar meu vestido novo. Ela me dizia que, para contrapor a essa concepção e contradizê-la, nas festas do São João, meus avós que eram do sertão da Bahia, se preparavam e economizavam dinheiro, durante seis meses, para usarem as melhores roupas nas festas do ciclo junino. P- Você poderia clarear minhas idéias e resumir o que é Folclore? - Vou dar uma repassada rápida, no conceito de cultura, para ver se conseguimos iluminar nossas idéias: Recebemos, primeiramente, um conjunto de conhecimentos por meio do condicionamento do inconsciente, no convívio com nossos familiares e amigos; a) através do contexto da cultura de massa, repassada pelos meios de comunicação: tv, jornais e outros c) através da cultura formal que é transmitida por escolas, universidades, igrejas, ou seja, a chamada cultura erudita. Essa é hegemônica e se sobrepõe às
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demais. A primeira informação reinterpretada ou imitada que adquirimos de forma sistemática em nosso ambiente informal, transmitida pelos nossos avós, pais, irmãos, amigos e grupos, a Academia definiu como cultura espontânea ou Folclore. Este é considerado como uma ciência sócio-cultural, que estuda a cultura espontânea do homem da sociedade histórica. A introdução da lei 10639/03 a ser trabalhada pelos professores de Educação Artística, no Ensino Fundamental e Médio, é o início da reformulação desses pensamentos equivocados. Daí, se acreditar na nova geração de educadores que estão hoje aqui, comprometidos com uma educação de qualidade. P- Você falou, no início de sua palestra, que somos todas vítimas de um ensino ultrapassado; que para cumprir os conteúdos em Arte-Educação, precisamos nos despir dos pré-conceitos e dos
R- O vocábulo tradição, em latim, significa entrega, transmissão, narração, história. Embora se ensine que a tradição não é uma característica da cultura espontânea, na maioria dos fenômenos da cultura afro brasileira ela está presente .
Bloco de Perguntas - Poderia definir o conceito de Mitologia e Religião? - Qual o problema em organizar um desfile dos Orixás no dia do folclore? Como vocês, negros, não aceitam que as crianças organizem uma exposição com oferendas, se vemos todos os dias nas esquinas as macumbas? - E as questões dos valores, como fica?
- Por que você não concorda com a figura do Saci na Escola? - Depois que inventaram essa Lei de Racismo, fica muito difícil educar as crianças. Qual é o problema em fazer o papel do Saci Pererê, se é tão engraçadinho e as crianças adoram? - Quiseram processar uma colega, porque dramatizou com os alunos, na Semana do Folclore, as anedotas e os apelidos de Negros. No ano passado, trabalhei as anedotas de português e apelidos. Isso faz parte do conteúdo de Folclore? - Isso não foi nada. Afastaram minha colega da sala de aula por causa de uma cantiga de roda folclórica de domínio público, não é um abuso? - A escravidão faz parte da história da humanidade, não podemos mudá-la. Há mães de crianças brancas que não se importam de pintar o filho de preto para fazer o papel de escravo?
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Sobre o Candomblé Sobre os Valores Ao longo de nosso trabalho em arte- educação, temos travado uma árdua batalha para que os professores se transmudem em educadores, pois enquanto formadores de opinião, precisam trabalhar com a cultura espontânea de maneira aproveitável. É muito sério lidar com um conteúdo sem estabelecer parâmetros. Não podemos misturar o que é, com o que não é, ou que alguns professores acham que seja. Candomblé não é primitivismo, nem é uma seita, mas, sim, um conjunto de preceitos, regras, ritos e práticas que permitem aos fiéis, as possibilidades de encontro com a natureza e com os seus semelhantes. Se você não pertence ao candomblé, não é sacerdotisa, como pode querer ensinar na sala de aula o que não conhece?
Cada povo tem suas raízes, sua cultura, seu modo de encarar a vida. Na faculdade, aprendemos a identificar os arquétipos correspondentes aos orixás, a descrição de seus elementos enfim, a finalidade é de ampliar nosso saber. Não se esqueçam de que o conteúdo desse conhecimento é passado no Ensino Superior, na disciplina de Antropologia. No que se refere a valores, é preciso respeitar a faixa etária na qual os conteúdos podem ser melhor assimilados. Os meios de comunicação de massa têm contribuído para deturpar os valores étnicos e éticos. Esse ensino eurocêntrico , o fanatismo religioso de determinados grupos evangélicos, essa intolerância a que chamamos de discriminação religiosa são setores da sociedade que quase sempre ignoram a igualdade de direito. Isso é muito
sério! Enquanto educadores, não podemos destruir valores religiosos adquiridos no seio da família. Religião implica em sentimento de amor, fé e aceitação (ou não) da existência de algo ou alguém eterno e de ação perene sobre o mundo. Mitologia não é o estágio primitivo da religião. É o acervo de mitos: projeções culturais que personificam fantasias humanas de poder, beleza, feiúra, assombro, autoridade, etc., com vivência limitada ao seu campo de atuação. Aparecem, agem e somem. O mito é crendice. A religião implica numa atitude de vida, em acreditar na figura do Orixá que acompanha a pessoa. No trato com o sagrado, com as religiões de matriz africana, o professor deve perceber que não pode organizar desfiles com alunos fantasiados de Saci Pererê, de Yemanjá, Oxum, Mula sem Cabeça e querer justificar que está trabalhando os Mitos, a diversidade e a pluraridade na Semana do Folclore. O que é isso? Nunca soube que professoras
promovessem desfiles com crianças fantasiadas de Nossa Sra. Aparecida, Nossa Sra. de Fátima, de Buda e dos Profetas bíblicos. Alguém aqui presente já assistiu?
Alunos chegam para pesquisar em nossa biblioteca a Festa de Yemanjá, de Cosme Damião e outros orixás como Crendice e a Romaria para Aparecida do Norte como Religião. E mais, são professoras de Educação Artística que passam esses conceitos para crianças da 5ª série do Ensino fundamental. Isso é muito sério! Observamos que na festa de Yemanjá, religiosas (os) estão ali realizando um ato religioso, de fé. As pessoas que se dirigem para assistir à festa espontaneamente levam flores, trajam-se de branco e solicitam a proteção de Yemanjá, (acreditando ou não) é que vão caracterizar o fenômeno da cultura espontânea. Na Romaria à Aparecida do Norte, religiosos (as) também num ato de fé pagam promessas. No entanto, a maioria se refere à Festa de
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Nossa Sra. Aparecida, ou da procissão de São Pedro, como uma festa religiosa. Por que as festas religiosas de matriz africana não? No candomblé, assim como os adultos, muitas crianças são iniciadas, desempenham funções importantes, ocupam cargos na hierarquia do culto, manifestam orgulho de sua fé e são respeitadas pela família religiosa. Ao chegar à escola são obrigadas a esconder sua fé. Os professores levam essas crianças a questionarem suas famílias, passando–lhes conteúdos equivocados. Você já passou num ronco; sabe quais são os fundamentos ? Isso sempre acontece no Mês do Folclore.
Outro exemplo Recebemos na CCMN a denúncia de uma mãe contra uma professora que aplicou a nota mais baixa para sua filha porque em sorteio, a menina não cumprira o que se havia estabelecido como prenda, ou seja, servir um prato com abóbora para os convidados
na barraca de Comidas Folclóricas. Detalhe: a mãe da criança havia enviado um bilhete solicitando a substituição do prato porque era quizila do orixá da filha. A docente recusou-se a aceitar a substituição, afirmando que ali era uma escola e não um terreiro de candomblé. Antes de classificar qualquer aspecto da nossa cultura como Mitos, Lendas ou Festas folclóricas, é necessário compreender em que contexto foram formulados esses conceitos e qual a sua finalidade
Sobre o Saci Pererê Não podemos nos esquecer de que estamos trabalhando com crianças que estão na fase das operações concretas, logo para uma criança negra ou branca dramatizar a figura do Saci Pererê, um mito de uma perna só, que bebe cachaça, fuma cachimbo e faz maldades é um conteúdo não aproveitável para o ambiente escolar. Não concordo com a idéia de que já que se tem que trabalhar mitos, podemos reinterpretar a situação,
Arte
elevando a figura do Saci como duende ou de se utilizar a figura do Saci para trabalhar a questão dos deficientes.
Jogos de Expressão Corporal Pulando Corda: “Dança negrinha, Não sei dançar Pega no chicote que ela dança já!” As escoriações no corpo e no psique das duas alunas negras que foram linchadas no recreio não virou domínio público, pois esse abuso, sofrido durante o recreio, a mãe não quis divulgar na mídia. E nós é que somos as radicais? Isso a mídia sempre faz questão de passar para a população. Não podemos mais concordar com determinadas cantigas de roda, de ninar, cantos mnemônicos, determinados jogos e brincadeiras como: a fatídica Cantiga do Boi
da cara Preta, a do Homem do Saco, a d’A Negrinha da Sé da Cara Queimada;
Anedotas depreciativas e frases de caminhão do tipo “negro quando não suja na entrada, suja na saída”, ou “negro parado é suspeito, negro correndo é ladrão” só podem ter um resultado destruidor de qualquer trabalho para recuperar a da auto-estima de crianças negras e brancas. Não podemos mais perpetuar no ambiente escolar a desconstrução sem uma memória positiva, sem conhecer o destaque do seu povo, as conquistas no campo das artes, das ciências, da matemática, da linguagem oral e sistema de escrita dos povos africanos entre outros ramos do conhecimento, as crianças negras terão, como nós tivemos, dificuldades em formar imagens construtivas de nossos iguais. Isso aconteceu e acontece com as famílias negras e brancas. Daí, a reprodução do estereótipo sobre o qual falamos no início. Que povo escravizado poderá fazer um bom conceito de si? A lei 10.639/03 é fruto da luta antiracista do Movimento Social Negro, um início para a transformação do ensino formal. Necessitamos do apoio de todos os professores nessa caminhada.
Urivani Rodrigues de Carvalho é Arte- Educadora com Especialização em Artes Cênicas e Psicodrama. Possui inúmeros certificados em Comunicação Visual e Cultura Africana. Atua, há 12 anos, no Núcleo de Educação da CCMN. Diretora de Arte da Revista Eparrei, lecionou durante 10 anos na rede oficial de ensino. Ex - conselheira da Apeoesp, Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo , da Comissão Municipal de Folclore e Artesanato de Santos. Coordena grupos de estudos com professores do Ensino Fundamental e Médio das redes Municipal, Estadual e Particular das 09 cidades que compõem a Baixada Santista. Recebeu, ao longo de sua carreira, como Arte- Educadora, diversos prêmios por sua atuação na Casa de Cultura da Mulher Negra e nas escolas que lecionou. 60 EPARREI
A distância não é mais motivo para você não conhecer a Casa de Cultura da Mulher Negra.
A distância agora ficou menor. Acesse o nosso site e conheça um pouco da nossa cultura, nossa ideologia e os nossos direitos. Manifestamos o que pensamos através dos nossos costumes e de nossa tradição, que herdamos de nossos ancestrais. A informação faz parte da nossa luta pelos nossos direitos.
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Culinária
Pesquisa e coleta de dados do Núcleo de educação da CCMN
Culinária Mineira Foram as mães negras de todo Brasil que nas plantações introduziram os legumes e hortaliças para complementar a alimentação de sua família, já que o angu de fubá, cozido na água e acompanhado de caldo de feijão, era o que sustentava uma pessoa durante uma jornada de trabalho desumana. Os primeiros negros que chegaram nas Minas Gerais tiveram que adquirir o hábito de consumir a farinha de mandioca e a de milho; dos colonizadores foram forçados a consumir o aguardente que se tornou uma forma de se proteger da friagem em trabalhos nas minas úmidas e nos garimpos dos rios. O modo como adaptaram as receitas com o jeito negro de temperar, resultou nas receitas apreciadas por todos. Em Minas, come-se com fartura e a comunidade negra do interior é muito acolhedora, pois sabe receber bem os convidados. Conheça, a seguir, algumas receitas da terra do famoso pão de queijo e do tradicional Queijo de Minas, patrimônio imaterial do Brasil:
O Cafezinho da Vó Felisbela de Almeida “Uai”! Não sei por que todo mundo gosta desse café. Aprendi com minha mãe que aprendeu dos tempos antigos. É que na roça não tinha coador não, eu ficava vendo e hoje faço assim: “Você apanha a lenha, acende e deixa ficar em brasa viva. Bota a chaleira para ferver água com 62 EPARREI
Como preparar
um pedaço de rapadura,um tantinho que dê pra adoçar sem ficar muito doce. Aí pega o café no pilão já torrado e moído e coloca de três até seis colheres de café. Coloca uma brasa dentro que para assentar a borra no fundo.Depois é só beber.”
Entrada Batida de amendoim: 1 lata de leite condensado A mesma medida (lata) de cachaça 1 xícara de amendoim sem casca moído ou substituir por paçoca. Gelo picado a gosto Açúcar a gosto
Preparo Bata no liquidificador todos os ingredientes com o gelo picado. Sirva em seguida com torresmo.
Salada de Feijão Verde 1 kg de feijão verde 04 tomates l/2 folha de louro 01 cebola Semente de coentro moída, azeite de oliva, pimenta malagueta seca
moída e sal a gosto. Cozinhe na água o feijão com a folha de louro sem deixar desmanchar e deixe esfriar. Tempere com 03 pitadas de coentro 01 pitada de pimenta malagueta moída,azeite e sal a gosto. Decore com rodelas de cebola e tomate. Coloque na geladeira e sirva frio com uma dose de cachaça de alambique ou batida de amendoim.
Bambá de Couve (Serve 10 pessoas) Ingredientes: 1 colher de sopa de óleo 4 paios grandes cortados em rodelas 1 kg de costelinha de porco salgada. 1 colher de sopa de azeite de oliva 2 litros de caldo de carne 1 xícara de fubá 2 cebolas picadas 2 maços de couve rasgada 2 ovos Sal a gosto
Ferva bem a costelinha para tirar o sal. Doure as rodelas de paio com a costelinha e separe. Ferva o caldo de carne, adicione o fubá (dissolvido em água fria) mexendo até engrossar. Junte a cebola e a couve e deixe cozinhar, por 15 minutos. Quebre o ovo e o coloque na panela junto com o sal. Misture bem e coloque numa tigela. Decore com as rodelas de paio e as costelinhas e sirva.
Sobremesa Pudim de Queijo Ingredientes 2 xícaras (de chá) de queijo fresco amassado 1 lata de leite condensado 2 medidas (lata) de leite 3 ovos 2 colheres sopa de açúcar 2 colheres de sopa de farinha de trigo
Como preparar Coloque açúcar na forma de pudim.Leve ao fogo até caramelizar. Reserve. No liquidificador, bata todos os ingredientes. Despeje em uma forma de pudim previamente caramelizada e leve para assar, em banho–maria cerca de 50 minutos.Espere esfriar, coloque na geladeira, desenforme e sirva.
Lei 10.639 Revista Eparrei fazendo a sua parte!
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