Eparrei Online - Edição Março / 2014

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Professores : As edições abaixo estarão disponíveis no site em abril, maio, junho e julho de 2014.

A cada edição uma comemoração !

O possível estamos fazendo agora o impossível demora um pouco mais

Alzira Rufino


Editorial

EPARREI

O ano de 2014 traz a revista impressa disponível gratuitamente em nosso site para que professores

Revista Eparrei é uma publicação do Programa de Comunicação da CASA DE CULTURA DA MULHER NEGRA

possam aplicar a Lei 10.639/03 na sala de aula.

www.casadeculturadamulhernegra.org.br

Revista atemporal que continuará com o compromisso de também mostrar a nossa história na área de comunicação. Editora Alzira Rufino

Boa Leitura

Jornalista responsável Fernanda Marciano MTb 36563

Alzira Rufino

Redação / Revisão Alzira Rufino Fernanda Marciano Maria Alice Guimarães Peres Maria Rosa Pereira

Dois anos da Revista Eparrei!

Digitação Luiza de Barros Mainard

Atravessando África-Brasil, oceanos de comunicação levando a cada braçada consciência além-mar, uma historiografia em poucas páginas. Desmontando grampos, conversando e convidando para o dendê da palavra.

Fotos Andréa Vargas Ori Wani Djamila Ribeiro Capa Ori Wani

Reminiscências africanas do fazer do mar-mar, do céu-céu e canoas que atravessam as chuvas, ventos e calmarias e querem chegar a um porto onde amarremos as nossas cordas.

4ª Capa Bellamy / Navis Published Steven Gilbert Morris The Mandela Series

Fluir nesse espaço cético para dentro de uma comunicação negra, fazer dos navios negreiros ondas de eletricidade choque.

Consultora Jurídica responsável Drª Carmem Schmit Colaboraram com artigos nesta edição: Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Alzira Rufino Projeto Gráfico e Edição Groüp Design Assessoria de Arte Urivani R. Carvalho Impressão Gráfica Vice Rei

Capa e Diagramação para versão online: Urivani R. Carvalho Agradecimentos Lucas Martins - ecreative@ecreative.com.br

Equipe da CCMN Benedita Canuto Cleonice Tereza de Freitas Djamila Ribeiro Dr. Marco Antonio Romano Drª Miriam Aparecida Della Costa Drª Tatiana Ferreira Evangelista Santos Drª Silvia Mara dos Santos Silva Fernanda Marciano Francisco Flávia Monteiro Janaína Cândida dos Santos Marizaléia E. Santos Profª Urivani R. Carvalho Profª Maria Rosa Pereira

Coordenadora geral

Atrevimento. Aprendizado do acordar e se assustar. Dar “gracias a la vida” por conseguir assoprar a cada dia a informação como se fôssemos crianças numa festa de aniversário de 2 anos. Vai um brigadeiro aí?...

Tiragem desta edição 1.500 exemplares

Contratados /Freelance Profª Elci Branco Juraci Marques Orixá Alabi Profª Maria Aparecida Varella Maria Alice Guimarães Peres

Dois anos de Eparrei! Estamos num tira-teima de quê, pra quê, com quem? Sabemos.

Trazemos para a festa, Ruth de Souza, N’zinga/Coletivo de Mulheres Negras, Emanoel Araújo, Mazza, Petronilha, Abdias Nascimento, Vanda Menezes, Fátima Oliveira, pessoal da Rádio Favela FM, Zora e Dora de BH, Mulheres do Acmun e religiosas/os de matriz africana em luta contra a intolerância religiosa. Para assinar a Revista Eparrei contate-nos. Valor da assinatura anual:

R$ 45,00

ccmnegra@uol.com.br Telefax: (13) 3221.2650

Ações afirmativas já!

Alzira Rufino Editora alzirarufino@uol.com.br EPARREI 3


Sumário - Cartas a Eparrei e Agenda - Ruth de Souza - N’zinga - Ações afirmativas - Emanoel Araújo - Maria Mazzarello - Artigo

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“Cultura e História dos negros nas escolas-dificuldades e encaminhamentos” Profª Drª Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva

27 - Profissões: 29 33 35 36 38 39 44 46 48

Dora / Claudia Ribeiro / Profissionais negras e negros

- Abdias do Nascimento - Vanda Menezes - Se ligue - Intolerância religiosa - Eu tenho orgulho de ser mulher negra - Entrevista: Fátima de Oliveira - Um gosto de Zora - Rádio Favela – Uma onda negra no ar - II Encontro de Mulheres Negras Lai Lai Apejo em Porto Alegre 50 - Artigo “Não podem adiar mais os nossos sonhos” A caminho de Durbam +5 - Alzira Rufino

53 - Poesia 54 - Culinária

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Cartas a Eparrei LÉLIA “A revista Eparrei onde relembra a grande Lélia é emocionante. Também relembrei o momento que a conheci. Devemos sempre lembrar de sua força, para não nos deixar desistir”. Graça, Salão Afro N`zinga Brasília; 26/09/03 E-mail: afronzinga@bol.com.br

“A Eparrei, além de colocar o povo negro atualizado sobre o que está acontecendo e de trazer uma reflexão de consciência e valorização negras em alto nível de abordagem, já se configura como documento importante para a história do povo negro e da mulher negra em particular. A revista está simplesmente excelente”. Ana Garcia / Acervo Lélia Gonzalez/ RJ; 22/06/2003 E-mail: leliagonzalez@leliagonzalez. org.br; Telefax: (21) 2215-0797

“Foi com grande emoção que recebi a última edição de EPARREI. A homenagem à Lélia foi merecida e as lembranças da Rosália calaram fundo. Ver a foto do Pestana, da Zezé Mota e a matéria enxuta sobre cotas mostra o amadurecimento do MN, mas sobretudo a tenacidade das guerreiras de amor que o representam. Uma das principais bandeiras de Lélia foi a defesa da multidiversidade e foi uma das fontes inspiradoradoras para a criação do SOS-Racismo no IPCN, junto com a falecida Beatriz Nascimento, Cristina Ramos e a falecida Doutora Marlene de Oliveira, discutimos muito o que seria criar uma base de movimento que não só abordasse as características étnicas, como

Agenda EXPOSIÇÃO Arte da África Data: 13 de outubro de 2003 e 4 de janeiro de 2004 Local: Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro A exposição segue para Brasília no dia 19/01/2004 e São Paulo dia 28/01/2004. As obras fazem parte do acervo do Museu Etnológico de Berlim, que possui uma das maiores coleções de arte africana do planeta, com cerca

de 75 mil peças. Destas, 268 estarão na exposição brasileira em salas divididas por temas como Tronos, Palácio de Benin, Influências Estrangeiras, Figuras Ancestrais, Figuras de Ritual, Figuras de Poder, Objetos do Cotidiano, Máscaras e Instrumentos Musicais. Além da exposição, outros eventos traçarão um vasto panorama da cultura africana com a produção recente em teatro, música e cinema.

também o viés sexual, cultural e de classe. O que hoje se discute nas esquinas nos custou muita dor de cabeça para colocar no mundo, mas a tenacidade e o carinho de pessoas como Lélia, trouxeram a luz em momentos em que pensamos que estávamos a criar um discurso esquizofrênico. O Tempo mostrou que estávamos certos. Pois na realidade estávamos a atacar a esquizofrenia de nossa invisibilidade. Eparrei, mostra o caminho do que é trabalhar com memória viva”. Marcos Romão /Alemanha 10/10/03; E-mail: romao@mamaterra.de www.mamaterra.de

“Recentemente, me tornei assinante da revista Eparrei e estou maravilhado com as matérias que nela são abordadas. Portanto, hoje faço questão de divulgá-la na Universidade e na minha comunidade”. Natalino Neves Silva, Estudante de Pedagogia na UFMG BH, MG E-mail: natalneves@bol.com.br

“A revista Eparrei me serve de bálsamo e inspiração. Muitas das vezes quando estou pra baixo pego a revista para ficar olhando e ela me revitaliza”. Marcia Vieira - Org.de Mulheres Negras Maria do Egito; Aracaju/SE; 29/07/2003; E-mail: marciavieira.s@bol.com.br

“Sra Editora: Gostaria de parabenizá-la em nome de toda a sua equipe pela publicação da Revista Eparrei, da qual me tornei assinante recentemente. Os artigos publicados revelam a preocupação com a formação e informação de forma idônea e competente”. Yone Gonzaga/MG 22/09/2003

III FÓRUM MUNDIAL DA EDUCAÇÃO Data: 29 a 31 de julho de 2004 Local: Porto Alegre Contato: Site: www.forummun dialdeeducacao.com.br E-mail: organizacao@forumm undialdeeducacao.com.br III CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISADORES NEGROS E NEGRAS Data: 5 a 9 de setembro de 2004

Local: São Luís do Maranhão Comissão organizadora: Álvaro Roberto Pires - logunede@uol.com.br / Cláudia Rejane Martins Gouveia - nzinga@uol.com.br / Carlos Benedito Rodrigues da Silva carlosbene@terra.com.br / Silvane Magali magalisilvane@bol.com.br

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Lady Ruth? Texto: Maria Alice Guimarães Peres e Fernanda Marciano Fotos: Andréia Vargas

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o primeiro ano de escola foi dado à menina um livro sobre etnias onde o branco era retratado como bonito e inteligente e o negro como um ser inferior, por ter o cérebro atrofiado. Entre lágrimas, a menina negra jurou provar que a descrição estava errada e seria sempre a melhor no que fizesse. Muitos anos depois, com uma carreira artística premiada na televisão, cinema e teatro, a atriz Ruth de Souza ainda exige: “só concordo em tirar nota 10”. Em seu apartamento no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, cercada por livros e fitas de vídeo, Ruth recorda mais de 50 anos de trabalho e a emoção de ter sido a primeira negra a pisar no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. “Através do meu trabalho tento dignificar a imagem da mulher negra que, infelizmente, ainda sofre muito. Precisamos ter uma postura de cidadã, criar um escudo invisível que nos defenda e faça lutar sem nos abatermos”. A paixão pela arte começou com a mãe, uma mulher sensível que ouvia óperas e a levava ao cinema. “Íamos às quintas feiras, na Sessão das Moças, quando o ingresso era mais barato. Morávamos em Copacabana e minha mãe, que lavava roupa para as pessoas do bairro, sempre conseguia ingressos para concertos no Instituto Nacional de Música“. Aos 17 anos, Ruth decidiu dar um novo rumo à sua vida. Lendo uma revista, soube de um grupo em formação, na Casa do Estudante do Brasil, pelo dramaturgo, ator e escritor Abdias do Nascimento e o ator Agnaldo Camargo. Era o Teatro Experimental do Negro. “O TEN foi criado em 1945, porque Abdias, homem dinâmico, “brigão” e inteligente, queria mostrar que os/as negros/as podiam ser atores e atrizes. O grupo ensaiava “Imperador

Jones”. Fiz um teste e ganhei um pequeno papel, a velhinha que atravessava a cena”. “Estreamos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. O TEN teve muita importância, afinal éramos um grupo de negros e negras representando peças do grande teatrólogo norte-americano Eugene O´Neill que, quando soube que não tínhamos dinheiro para pagar os direitos autorais, mandou-nos uma carta liberando para o Teatro Experimental do Negro todos os seus textos”. Ruth recorda que o começo da carreira coincide com o início de um grupo de pessoas que construiu muita coisa. “Paschoal Carlos Magno, que considero um verdadeiro pai, iniciava o Teatro dos Comediantes com Sergio Brito, Sergio Cardoso, Nathalia Timberg entre os atores. Nelson Rodrigues encenava os primeiros textos, assim como Jorge Amado publicava os primeiros romances. Estávamos sempre juntos e eu quase nem falava, procurava observar os comentários dessas pessoas que já tinham muito a ensinar”. Entre os amigos, ela lembra com saudade dos pintores Aldemir Martins e Di Cavalcanti, Vinicius de Moraes, o cenógrafo Santa Rosa, Anibal e Maria Clara Machado que depois fundou O Tablado. “Passávamos horas no Bar Vermelhinho falando sobre teatro, cinema, literatura. Era um tempo em que as pessoas liam muito, conversavam, eram mais abertas e francas”. Com cinco anos de carreira, Ruth ganhou bolsa da Rockfeller Foundation e foi estudar teatro nos Estados Unidos. “Dá para imaginar? Naquela época, o fato de uma jovem negra ir estudar no exterior foi notícia em todos os jornais”. Nos Estados Unidos estudou dramaturgia, sonoplastia, direção e ficou maravilhada com os artistas da Broadway. De volta ao Brasil, foi convidada

pelo cineasta Alberto Cavalcanti para trabalhar na companhia Vera Cruz que iria se transformar numa indústria de cinema e ali participou em mais de trinta filmes. Por sua atuação em “Sinhá Moça”, Ruth foi a primeira brasileira a ser indicada para um prêmio internacional, disputando o Leão de Ouro, no Festival de Veneza de 1954. “Concorri inclusive com Katherine Hepburn que considero como a melhor atriz de cinema. Perdi por dois votos mas essa indicação deu muita força a meu nome”. A carreira conta com inúmeros trabalhos no teatro, mas Ruth destaca “Happy End para uma Negra”, com direção de Luiz Carlos Maciel, quando foi indicada para o prêmio Molière. Contratada da Rede Globo há 40 anos, atuou em novelas e mini-séries, mas considera como a melhor a interpretação de Carolina de Jesus no “Quarto de Despejo”. “Conheci Carolina e foi uma experiência fascinante. Mas, no geral, todos os trabalhos me deram muita alegria e isso é essencial para a vida artística.” Respeitada e orgulhosa da carreira, Ruth recebeu a Comenda da Ordem do Rio Branco, em 1988, e foi premiada pelo Ministério da Cultura. “Foi uma festa de gala no Teatro Municipal. Fiquei extremamente comovida ao ver a platéia, em

pé, me aplaudindo. Ao agradecer, expliquei o quanto era importante receber o prêmio naquele espaço que tinha sido tão marcante na minha vida, o lugar aonde estreei, na data que coincidiu com o fim da Segunda Guerra Mundial, dia oito de maio de 1945”. A atriz se considera privilegiada por nunca lhe ter faltado trabalho quando não está gravando novela, está fazendo teatro ou num set de filmagem. “Isto é raro não só aqui, mas no mundo. Desde que comecei no Teatro Experimental do Negro nunca fiquei parada. Mas isso é uma benção de Deus, além de sorte, tenacidade, teimosia e paciência para “engolir muito sapo”. É difícil convencer as pessoas de que você é capaz”. Ruth finaliza sua participação em “As Filhas do Vento”, longa metragem com argumento e direção de Joelzito Araújo, com elenco negro, que está sendo rodado em Lavras Novas, antigo quilombo próximo de Ouro Preto, Minas Gerais. “É um lugar deslumbrante, com 900 habitantes, onde estivemos por 27 dias, numa convivência maravilhosa com as pessoas do lugar. Ainda faltam algumas cenas e logo estaremos terminando o trabalho”. Mesmo com uma carreira contínua, a atriz considera que são muito poucos negros que conseguiram se realizar em

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alguma atividade. “Dá para imaginar o que Benedita da Silva, mulher negra, favelada, sofreu para chegar hoje a ocupar um Ministério? Não entendo de política, mas tenho por ela uma grande admiração pela dignidade que nos passa”. Ela considera que tudo é mais difícil para a comunidade negra. “E alguns companheiros complicam ainda mais. Recentemente cobrei de um autor negro. Em determinado trecho do livro ele comparou as mulheres a automóveis, colocando a mulher negra como um fusca velho e a branca, um mercedes último tipo. Encontrei com ele e fui logo perguntando como havia tido a coragem de escrever isso. Essas coisas não perdôo: homem negro analisar a mulher negra dessa forma é o mesmo que ofender a própria mãe”. Ruth também se aborreceu com os diretores de uma revista de circulação nacional que publicou uma edição sobre os 40 Anos de Televisão e “não teve a coragem de incluir a participação de um ator negro ou de uma atriz negra. E olhe que a nossa colaboração é

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enorme, desde Grande Otelo até os dias de hoje, e não tivemos uma foto na publicação”. Ela sempre coloca a necessidade de termos autores negros/as escrevendo novelas e criando personagens interessantes, e não somente bandidos ou seguranças. “Sou das poucas atrizes que representou juízas e professoras. Tive a sorte de fazer bons personagens e atribuo isso não só ao talento como à postura. Há quem me chame de Lady Ruth. E sou mesmo!” Mas nem sempre o respeito é o tratamento dispensado a essa mulher que passa a vida entre ensaios, espetáculos e estudos. “Muitas pessoas não têm limites e acham que devo contar toda a minha vida. Uma vez recebi uma carta onde a pessoa me perguntava se eu queria trabalhar na casa dela lavando e passando roupa. Nunca escondi que minha mãe sustentou três filhos trabalhando dignamente como lavadeira. Não é desprezo pela profissão, mas é impossível essa pessoa não saber que o meu trabalho é outro. Além de tudo, ainda escreveu para que

eu perguntasse à Alcione se ela queria ser a cozinheira. E pergunto: qual a graça nisso? Considero que o racismo muitas vezes leva a pessoa a pensar: se aquela negra venceu por que eu não?” O que mais choca a atriz nessas intromissões é o fato de se considerar uma pessoa reservada, que cuida da casa, da família e do trabalho. “Tenho uma profissão muito difícil, não se pode baixar a guarda. Mas, agradeço a Deus por ter sentimento e consciência. Trato a todos da mesma maneira, do diretor ao menino que varre o estúdio, tenho sempre uma palavra de carinho e respeito, mas não me pisem no pé. Nunca discuti ou briguei com uma pessoa, mas o meu escudo invisível sempre mostra aonde é que se deve parar”. Morando há mais de vinte anos no mesmo apartamento, suas paixões são os livros e as fitas de vídeo. Na coleção, desde “Tarzan, filho das Selvas”, “o primeiro filme que vi”, até musicais e os grandes sucessos de Holywood. Com os amigos, entre eles Elke Maravilha e Lea Garcia, são programadas algumas sessões. “O nosso cineminha de domingo está interrompido por compromissos das pessoas. Mas é uma delícia, nos juntamos, fazemos um lanche e nos sentamos no chão para assistir o que mais gostamos”. Ruth adora fazer amigos, trocar idéias, mas declara que não encontra a mesma vontade entre os colegas negros e isso de certo modo a entristece. “O palco hoje está muito distante da pesquisa e do estudo. Se a mulher é bonitinha e sabe rebolar, nem precisa se esforçar muito”. As críticas também atingem as jovens atrizes negras que ela comenta, entre risadas, estarem muito “clonadinhas” nas atrizes brancas. “Até tentei uma vez conversar, me ofereci para colaborar no que pudesse, mas não estão interessadas”. Ela lembra o tempo


de juventude quando a forma de trabalho era muito diferente. As pessoas para fazer carreira tinham de ser sérias e para entrar num grupo era necessário ter talento e se esforçar muito ““. Várias vezes a atriz se pergunta se está desatualizada ao ver as pessoas vestindo a moda atual, com roupas rasgadas. “Sou do tempo do Rio cheio de charme, em que as mulheres se arrumavam para ir ao teatro e ao cinema. Hoje, vejo as moças com uma moda tão feia, mas quando pergunto sobre isso, me respondem que é ”fashion”. Ela também considera de mau gosto alguns programas de televisão que “provocam uma curiosidade grosseira nas pessoas, como se estivessem olhando a casa do vizinho pelo buraco da fechadura”. Citada no livro “As Grandes Mulheres do Século” e selecionada entre as 16 atrizes que deram depoimentos para um canal de televisão pago, Ruth coloca que hoje tem poucos mas valiosos amigos, como Beth Mendes, a quem chama carinhosamente de Betinha. “Ela é um doce de coco, tenho uma foto dela bem pertinho de mim, no meu quarto. Vivo sozinha, tenho poucos amigos, mas muito valiosos. Fazer amizade hoje está difícil, as pessoas têm medo de contar suas alegrias e sucessos. Quando acaba uma encenação e se desmonta o cenário, as pessoas rapidamente se despem de seus personagens e da convivência com os colegas”. Elegante, Ruth comenta que ainda que tenha vivido grandes paixões preferiu não casar. A companheira é a gata Doga, que circula pela casa sem perder a dona de vista. É no silêncio que a atriz gosta de estudar seus personagens e preparar as cenas. Mas a inspiração também vem na observação das pessoas do bairro, “uma pessoa alegre tem um andar diferente de quem está passando por um mau momento. Nós, negros e negras, temos que estar mais atentos/as porque nas manifestações artísticas até hoje ainda há reflexos da personagem Mamie, de ”E o Vento Levou”, aquela negra gorda e sorridente que sabe fazer comidinhas gostosas. Veja a “Tia Anastácia” do “Sítio do Pica Pau Amarelo”. É puro racismo do Monteiro Lobato, que coloca a preta velha na cozinha. O tempo passa, as coisas

mudam, mas ainda são esses papéis que querem nos destinar”. Quando recebe um trabalho, Ruth conta que espreme vírgulas e pontos e até analisa no que pode alterá-lo. Recentemente, foi convidada por Roberto Farias para participar de “Retratos Brasileiros”, uma produção para a tevê. “Quando ele me entregou o script, explicou que a mulher do protagonista já estava destinada a uma outra atriz e eu seria a amante. Cheguei em casa, contei as cenas e vi que as duas personagens estavam bem divididas, me preparei para ficar com o outro papel e ganhei. Quando tudo acabou, Roberto me contou: ao iniciarmos a gravação, entrei com tal dignidade no estúdio que jamais poderia ser a amante. Fiquei contente que

tivesse percebido, havia feito de propósito. Sei lá que cara tem amante”. Sorridente, Ruth posa ao lado de seus prêmios, incluindo os dois Sacis que recebeu na década de 60 por “Sinhá Moça” e “Terra sempre Terra”. Com emoção, folheia álbuns de fotografias que também contam a história da televisão, do cinema e do teatro brasileiros. Depois de três horas de conversa, a grande dama do palco não mostra cansaço. “Adoro conversar sobre a vida que tive e que continuo tendo. A cada dia surge uma coisa nova. Mês passado fui homenageada por artistas transformistas. Foi lindo, tudo dentro de uma delicadeza indescritível. A felicidade que sinto nessas ocasiões não tem palavras que possam contar”.

Participando de grandes montagens do teatro brasileiro, entre 1945 e 1999, Ruth de Souza iniciou sua carreira com um texto de Eugene O´Neil, Todos os Filhos de Deus têm Asas. Históricas montagens contaram com sua participação. Entre elas: Terras do Sem Fim, de Jorge Amado; Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes; Zumbi, de Guarnieri, Boal e Edu Lobo. Ruth de Souza sempre esteve ligada ao cinema nacional. Por seu desempenho no filme Ângela, com direção de Tom Payne, recebeu o prêmio de atriz coadjuvante, da Associação de Críticos Cinematográficos do Rio de Janeiro e da Associação de Críticos Cinematográficos de São Paulo. Em 1951, recebeu o prêmio Saci, por sua participação em Sinhá Moça que teve o mesmo diretor. Sua carreira inclui mais de trinta filmes. Entre eles, O Cabeleira, Bruma Seca, A Morte Comanda o Cangaço e O Assalto ao Trem Pagador. Em 2001, filmou O Aleijadinho, e está concluindo sua participação em As Filhas do Vento, com direção de Joelzito Araújo. Na televisão, Ruth trabalha desde 1965, quando estreou com A Deusa Vencida, na extinta TV Excelsior, e no ano seguinte já estava na TV Globo participando de inúmeras novelas, entre elas Mandala, Rainha da Sucata, Cara ou Coroa. Mais recentemente, marcou seu desempenho em O Clone. Vários foram também os seriados como Quarto de Despejo, Quero Meu Filho e Memorial de Maria Moura. Pela sua contribuição ao cenário artístico brasileiro, recebeu, em 1998, a Comenda do Grau de Oficial da Ordem do Rio Branco da República Federativa do Brasil.

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Negra demais para ser s贸 mulher, Mulher demais para ser s贸 negra.

N麓zinga


Texto: Maria Alice Guimarães Peres Fotos: Andréa Vargas

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a sala, vários/as professores/as conversam, aguardando o início das aulas. De repente, um deles, novato e branco, se dirige a uma mulher negra e pergunta: Onde está o meu café? Sorrindo, ela responde: “Essa informação não sei lhe dar. Mas quero me apresentar. Sou Benilda Regina Paiva de Brito, professora de Direitos Humanos da Faculdade de Direito desta Universidade”. Coordenadora geral do N´zinga – Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte, Benilda considera esta situação como comum. “Para as pessoas racistas, o nosso destino já está traçado. Qual poderia ser a função de uma mulher negra na sala dos/as professores/as da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais? Ou faxineira ou servente. Não há diferença entre a Benilda, professora universitária e a senhora que cata latinhas na porta das casas. Para o olhar racista, ambas são negras, mulheres e analfabetas. A questão de ser mulher negra é um enfrentamento cotidiano na nossa realidade”. Graduada em Pedagogia e Psicopedagogia, com especialização em Direitos Humanos e Políticas Públicas, a professora está fazendo Mestrado em Psicologia e coordenando sua entidade em seu segundo mandato. As atividades do N´zinga tiveram início em 1986, quando quinze mulheres, participantes de várias entidades, começaram a perceber que o movimento negro tratava a questão do racismo com o mesmo enfoque para homens e mulheres, e, que o movimento feminista lidava com essa questão de uma forma geral. “Discutimos as nossas especificidades e concluímos que éramos negras demais para sermos só mulheres e mulheres demais para sermos só negras”. A entidade foi formalizada em 94 mas foi a partir de 2000, com o apoio da Fundação Ford, que foi estruturada a sede e projetos foram desenvolvidos. Nas primeiras reuniões, o grupo concluiu que precisava de maior e melhor escolaridade. “A opção por uma profissão foi uma decisão de pauta. Tínhamos um acúmulo na discussão racial, mas nos faltava especialização para termos uma interlocução com a sociedade”. Foram então listados cursos que interessavam para uma ação política e hoje o grupo é formado por pedagogas, assistentes sociais, advogadas e historiadoras, profissionais de vários perfis e formação.

Os Programas

A entidade trabalha atualmente com três programas: Combate ao Racismo, Saúde e Direitos Reprodutivos da Mulher Negra, Combate à Violência Racial e Doméstica, além de projetos voltados para a geração de renda e cooperativismo. ‘Sempre atuamos no sentido de denunciar as relações machistas, mas com recorte racial. Esse trabalho de resistência, de garantir a identidade, fazendo o diferencial das mulheres negras do restante da população brasileira, é uma marca e uma história do N´zinga”. Recentemente, a entidade trabalhou com 750 mulheres negras de Belo Horizonte, em um curso de Formação Profissional, qualificando não só para a profissão, mas também resgatando a identidade. Os depoimentos das participantes ao concluir o curso emocionaram o grupo. As mulheres declararam

que nunca haviam se sentido tão fortes, corajosas e seguras. O N´zinga desenvolve atividades em várias Vilas da cidade. “Quando somos procuradas, as mulheres querem um trabalho relacionado com a realidade do lugar. Mas, o combate à violência permeia todas as nossas ações. Os órgãos que trabalham nessa área são unânimes em afirmar que o maior número de denúncias são feitas pelas mulheres negras. A violência faz interface com toda a vida da mulher. Uma pessoa que apanha, não rende no seu trabalho, não consegue criar os filhos, tem uma autoestima detonada, além de uma escolaridade comprometida”. Segundo Benilda, há uma grande demanda para o atendimento psicológico. Isso não é novidade para quem trabalha com o racismo “precisamos ser

corajosas e fortes para vencê-lo. As atitudes racistas causam danos psíquicos comprometedores na vida das mulheres e o estar junto se torna fundamental porque a mulher atingida percebe que não está sozinha, mas que tem companheiras na mesma situação. Uma outra linha de pesquisa que desenvolvemos é como o movimento social negro trabalhou e trabalha na ótica da violência contra a mulher negra. Temos vários registros em que o movimento diz que a mulher negra não deve denunciar o seu parceiro negro porque a polícia e a sociedade já são violentos com esse homem negro. Mas, em nenhum momento, o movimento diz que já que temos de partir da cumplicidade racial, esse homem não deve bater na sua companheira negra. Trabalhamos para mudar essa situação”.

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Violência contra mulher negra e contra mulher branca Para Benilda é muito interessante tipificar as formas de violência, tanto a física, como a psicológica e a sexual e, caracterizar dentro de cada realidade racial. Ao fazer oficinas, ela sempre comenta, que se matematicamente fosse possível calcular que tipo de lesão corporal a mulher negra trazia do tronco, da senzala e do pelourinho, que estatística teríamos hoje? “Esse recorte é importante, emocionalmente, no infanticídio no período da escravidão, na violência sexual que sofríamos quando servíamos de iniciação para os filhos dos senhores, nos atos destrutivos efetivados no rapto em África para nos jogar no Brasil. O que diferencia o movimento de mulheres negras dos demais movimentos sociais é a História. Não podemos nos afastar dos dados históricos para analisar a realidade em que estamos hoje inseridos/as. O comportamento de quem vem de uma trajetória histórica de violência é diferente de quem a está vivendo agora. É este diferencial que o N´zinga faz quando discute a questão do racismo. Isto sem contar as imagens negativas e os estereótipos”. A professora trabalhou na Casa Abrigo Sempre Viva, que atende mulheres vítimas de violência. Do ponto de vista político, a casa é igual a outras que existem no Brasil. Ela se diferencia na estrutura porque tem quartos individuais e capacidade para atender 18 famílias, resgatando a identidade e a cidadania. A triagem é feita no Centro de Apoio à Mulher Benvinda, um serviço que dá orientação jurídica, psicológica e social. Por seis anos, Benilda coordenou o Centro e constatou que o maior número de denúncias enfocava a violência contra a mulher.

A Professora A cada início de ano letivo, Benilda causa surpresa em seus novos alunos. A pergunta é sempre a mesma: Você é a professora de Direitos Humanos? “O teste que fazem comigo é permanente e cotidiano. As questões não são para melhorar o conteúdo mas para pôr em prova a minha capacidade”. Segundo a professora, esse estranhamento também parte de alguns colegas de profissão. Muitas vezes, ao apresentá-la para alguma pessoa, vão logo acrescentando títulos, formação e especializações. “Eles/as precisam passar rapidamente o meu curriculum para justificar o porquê de estarem ao meu lado”. Além das aulas na PUC-Minas, Benilda coordena o Núcleo de Inclusão Racial, formado por professores/as, alunos/as, funcionários/as e militantes do movimento negro, com a finalidade de discutir políticas de ação afirmativa, dentro da Universidade. No ano passado, ela considera que foi dado um passo significativo, quando o Núcleo conseguiu que 50 alunos/as negros/as que foram aprovados/as no vestibular, tivessem gratuidade integral em seus cursos. “Estrategicamente, foi mais fácil garantir a permanência na Universidade do que o percentual de cotas. Este processo é lento, as pessoas têm muita resistência, mas estamos garantindo o que seja possível”. O Núcleo é também responsável pela criação de um departamento para incentivo à pesquisa e obtenção de financiamento para trabalhar a questão das ações afirmativas dentro Universidade.

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Cotas A professora não vê muito sentido em discutir as cotas por elas mesmas, mas sim, como uma das estratégias de implantação de políticas públicas de ação afirmativa. “O Brasil vive hoje um momento privilegiado. Já conseguimos enfocar, mostrar, apresentar estatísticas provando que esta sociedade trata de forma diferenciada a negros/as e brancos/as. Estou convencida de que não existe nenhum argumento contrário à política de cotas que não se defina como racismo”. Segundo Benilda, se analisarmos historicamente a participação do povo negro no Brasil, perceberemos que a educação já nos foi negada desde a época da Lei do Ventre Livre que garantia direito à liberdade e acesso à educação às crianças que nascessem. O Brasil só desperta para essa discussão, que o movimento negro já fazia há muito tempo, com a Conferência de Durban. A partir daí, a sociedade brasileira consegue entender e até concordar com outros tipos de cotas, como para índios, portadores de deficiências, para mulheres. Mas, no tocante ao povo negro é mais difícil, porque ninguém quer admitir que é

racista. “Quando existe o medo de escurecer a Universidade, ou de possibilitar a entrada de negros/as nesse espaço tão embranquecido historicamente, isto significa o pavor de dividir o poder. E conhecimento é poder”. Para a professora, quando o Ministério da Educação afirma que somente 2% dos universitários que se formam são pessoas negras, está comprovando que existe uma reserva de 98% para brancos. A reserva de cotas para negros/as não é um privilégio mas um direito. Analisando o quadro de 480 professores da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, Benilda constatou que somente um deles é negro. “Como o nosso modelo universitário é eurocêntrico, nenhum/a especialista se preocupou em analisar porque o Brasil, segundo maior país de população negra do mundo, só tem um professor negro trabalhando em um departamento de uma Universidade que é considerada como o berço da intelectualidade brasileira. O modelo de saber que temos é de um branco ensinando para uma platéia branca”. Quanto ao argumento de que os/as negros/as que entrarem na Universidade, através da reserva de cotas, sofrerão um processo racista mais endurecido, Benilda

rebate: “eles/as não irão sofrer, já sofrem. Mas com as cotas, teremos um coletivo. Uma coisa é sofrer racismo sozinho/a, outra é ter um grupo que está junto, discutindo esse cotidiano”. Para ela, o movimento negro terá que se debruçar sobre dois campos dessa questão: o jurídico, porque é um enfrentamento pesado, e, o psicológico porque os danos provocam seqüelas para o resto da vida e podem levar o/a universitário/a a abandonar o curso. “O que existe de positivo hoje é um desmascaramento e os racistas terão que dizer que não querem o conhecimento para o povo negro”. A coordenadora do N´zinga entende que as políticas de ação afirmativa devem começar no ensino fundamental. A entidade lançou um almanaque afrobrasileiro com 300 páginas, com atividades e sugestões para subsidiar os/as professores/as das escolas municipais a trabalharem a questão do racismo nas salas de aula. “Queremos uma pedagogia pluriracial e estamos entregando esse material para que os/as educadores/as possam trabalhar a identidade das crianças negras. Costumo dizer que a escola é um palco privilegiado para fortalecer ou erradicar o racismo. Acreditamos que é possível erradicá-lo e estamos trabalhando para isso”.


A Seppir

A criação da Secretaria Especial para a Promoção da Igualdade Racial é vista pela professora como um momento privilegiado e perigoso. “Ela vai dar visibilidade ao nosso acúmulo de trabalho, mas um vacilo certamente jogará por terra toda a história que foi conseguida”. “Tenho preocupações quando se cria uma Secretaria que não começa com uma estrutura adequada, um orçamento disponível. Se não estivermos articulados/as, bem afinados/as no conjunto – por mais diversificado que seja o movimento negro – certamente seremos engolidos/as”.

Educação e Geração de Renda Oficinas, cursos e seminários compõem a atividade do núcleo de educadoras do N´zinga. O grupo trabalha a educação sob a temática das relações raciais, voltado para a formação de professores/as, propondo a confecção de material pedagógico. “A motivação está maior com a lei que obriga a inclusão da temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino brasileiro”, diz uma das coordenadoras do núcleo, Patrícia Santana. “Depois de nove anos de trabalho, conseguimos articular um grupo de educadores/as negros/as dentro da rede municipal e a Universidade Federal de Minas Gerais já ofereceu um curso de extensão para esses/as professores/as”. Segundo Patrícia, no início do trabalho com os/as educadores/ as é feita uma sensibilização, abrindo espaço para as pessoas relatarem suas experiências. “As pessoas têm uma grande necessidade de colocar o que percebem e o que sentem em relação à discriminação na escola. Esse momento de escuta é muito importante porque a partir daí, desenvolvemos conceitos sobre racismo, como ele ocorre no Brasil, como ele se dá no espaço escolar. Temos incorporado uma reflexão sobre o que pode ser feito para combater o racismo, desde atividades até à produção de material. Levamos algumas sugestões mas também fazemos com que os/as professores/as se tornem autores/as de algumas alternativas de trabalho”. No início do curso, alguns/as professores/as brancos/as colocam que há exagero no trato das questões ligadas ao racismo. Mas, no decorrer das discussões,

eles concordam que a situação é séria. “Um dado que elucida são as estatísticas, quando colocamos a discriminação relacionada ao desemprego, ao analfabetismo, ao índice de pobreza que atinge a população negra”. Em 2000, Patrícia fez uma pesquisa para o concurso O Negro e a Educação, que resultou no levantamento do que estava sendo feito sobre a questão, dentro da rede municipal de Belo Horizonte. “Fiquei surpresa ao constatar que das 180 escolas, as 30 que desenvolviam um trabalho efetivo tinham professores/as negros/as. Nos seminários que realizamos, partimos da experiência desses/as educadores/as que nos relatam as estratégias que utilizaram para vencer as barreiras” Uma das preocupações do grupo é com os/as profissionais que atuam no ensino médio, encarregados/as de discutir com os/as alunos/as negros/ as as questões do vestibular. “Precisamos trabalhar a autoestima casada com o incentivo, a valorização e a desmistificação de que o/a negro/a não tem capacidade intelectual para ter um estudo superior. Precisamos amparar os/as nossos/as jovens porque não basta que eles/as entrem na Universidade. As dificuldades continuarão porque muitos/as deles/as não vão ter acesso a livros e nem têm computador em casa”. Com formação em Recursos Humanos, Andrea Ferreira voltou esse conhecimento para o movimento popular e hoje coordena no N´zinga um trabalho sobre a inclusão produtiva da mulher negra. “Nossa atividade se volta para descobrir aonde está a discrepância no mercado

de trabalho em que a mulher negra não consegue se inserir e descobrir alternativas para resolver essa questão”. Andrea cita que essa discrepância passa por dois momentos. “O primeiro é o estereótipo, a boa aparência tem uma fórmula e a cor da pele conta muito. O segundo, por todos os motivos que se conhece, da falta de oportunidade à evasão escolar, a mulher negra chega despreparada para o mercado de trabalho”. A coordenadora comenta toda a dificuldade que enfrenta uma menina negra, oriunda de uma fraca escola pública, concorrendo a uma vaga de secretária com uma menina branca, bilíngüe, que tenha acesso a toda a tecnologia. “Existem algumas políticas públicas que são implementadas na tentativa de acabar com esse degrau, mas elas ou são vãs ou são hipócritas. Cito como exemplo os cursos profissionalizantes do Fundo Auxílio ao Trabalhador –FAT. Eles têm uma carga horária reduzida e certamente não formam essa clientela para o mercado de trabalho”. A entidade está selecionando uma amostragem na Região Noroeste de Belo Horizonte que é considerada como a primeira em contingente negro na cidade. “Dentro dessa mostra, vamos mapear essas pessoas e identificar quais os problemas que estão impedindo a inserção no mercado. Depois, vamos fazer o trabalho de formação política e profissional. Estamos reunindo material para fundamentar o que entendemos como a real alternativa ou pelo menos, uma alternativa mais palpável para conseguir essa inclusão produtiva”.

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Programa de Combate ao Racismo A professora de História Aparecida dos Reis, integra o N’zinga há 17 anos. Começou fazendo parte da coordenação provisória, representando o Coletivo e atualmente coordena o programa de “Combate ao Racismo”. Sua área de atuação é nas escolas, onde vem desenvolvendo medidas na luta contra o preconceito e a discriminação na sala de aula. Experiente no trabalho de educação e racismo, Cida Reis, em parceria com alguns Movimentos Sociais Negros, tem trabalhado efetivamente nas denúncias contra o racismo no ambiente de trabalho. Em breve essa iniciativa será implantada junto à Comissão de Direitos Humanos e agências que atuam na questão. O objetivo é estar discutindo uma maior inclusão do negro no mercado. Outra área que a professora acha que deve ser intensificada pelo grupo é a atuação nas universidades, já que acredita que o profissional da educação se forma e vai para a sala de aula sem clarezas. “O professor vai para a sala de aula com a maior boa vontade, mas não sabe como atuar. Quando eles começam a contar sobre as atividades realizadas me dá vontade de chorar, porquê ao invés de ajudar, reforçam a baixa auto-estima do aluno. É muito importante capacitar esses profissionais desde o ensino fundamental até a graduação”, finaliza.

Professoras coordenam pré-vestibular para negro/as e carentes em Itabira/MG Ângela Nunes, pedagoga e Jatael Senhorinha, professora de português estão à frente da coordenação do pré-vestibular Alvorada, um cursinho alternativo para negro/as e carentes da cidade de Itabira, no Estado de Minas Gerais. O projeto surgido da união do Movimento Negro e da Pastoral de Consciência Negra existe há cinco anos e atende as pessoas que não têm condições de pagar um curso preparatório para entrar na universidade. “Nós sentíamos uma necessidade de ingressar um número maior de alunos/as negros/as nas universidades. Víamos alunos que chegavam na 5ª série e paravam de estudar porque tinham que trabalhar o dia inteiro e não agüentavam ir para a escola à noite, então nós, como professores, tínhamos que procurar fazer um trabalho na área educativa que levasse esse aluno/a negro/a a ingressar na faculdade”, ressalta Jatael. Nas reuniões ocorridas uma vez por mês, temas atuais como cotas e ações afirmativas são debatidos entre os alunos com idade que variam de 18 a 50 anos.

Segundo Ângela o resultado está sendo satisfatório, já que o número de alunos/as do cursinho que entram nas universidades vem crescendo e comemora o fato recente de um aluno ter entrado em 9º lugar em uma universidade federal. “Temos feito um trabalho intenso para preparar e dar subsídios a essas pessoas que nos procuram, porque em Itabira temos apenas duas faculdades que são caras e não fornecem bolsas de estudos. Esse ano melhorou um pouco por causa dos 30% das bolsas que a PUC está oferecendo para os alunos/as negros/as, oriundos de cursinhos alternativos”. De acordo com Ângela a procura é grande, tanto que as aulas estão sendo reforçadas aos sábados para que todos possam estar participando e atribui o sucesso ao empenho e credibilidade que as professoras passam durante o curso. A taxa para o pré-vestibular é irrisória, apenas 10% do salário mínimo para custear despesas com apostilas, transporte e lanche.

A Diretoria Com a Coordenação Geral da Professora Benilda Regina Paiva de Brito, a diretoria do N´zinga – Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte está constituída por Patrícia Santana – vice coordenadora; Cida Reis – coordenadora do Programa de Combate ao Racismo; Andrea Ferreira que coordena programas voltados à área de cooperativismo e geração de renda.

N´zinga - Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte Rua Hermilio Alves, 34 - Santas Tereza - Belo Horizonte - MG CEP 31010-070 - Tel: (31) 3222-2077 - E-mail: nzinga@ibest.com.br

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Ações Afirmativas A

s políticas afirmativas não se reduzem ao estabelecimento de cotas

“A política de ação afirmativa não exige, necessariamente, o estabelecimento de um percentual de vagas a ser preenchido por um dado grupo da população. Entre as estratégias previstas, incluemse mecanismos que estimulem as empresas a buscarem pessoas de outro gênero e de grupos étnicos e raciais específicos, seja para compor seus quadros, seja para fins de promoção ou qualificação profissional. Isto não significa que uma dada empresa deva ter um percentual fixo de empregados negros, por exemplo, mas, sim, que esta empresa está demonstrando a preocupação em criar formas de acesso ao emprego e ascensão profissional para as pessoas não ligadas aos grupos tradicionalmente hegemônicos em determinadas funções (as mais qualificadas e remuneradas) e cargos (os hierarquicamente superiores). Paixão, Marcelo e Sant’Anna, Wania. (1998) “Muito Além da Senzala: Ação Afirmativa no Brasil”, Observatório da Cidadania. IBASE/Instituto do Terceiro Mundo, No.2, p. 111-120.

O que justificaria a adoção das ações afirmativas para afro-descendentes no sistema educacional de nosso país? “Três são os argumentos que sustentam a necessidade de tais medidas (ações afirmativas) no caso brasileiro. O primeiro deles refere-se à própria exigência de uma educação voltada para valores e para a promoção da diversidade étnico-racial. (...)O segundo argumento é de ordem políticosocial. Se se pretende uma sociedade mais democrática, com a transformação de organizações, políticas e instituições, o título universitário ainda remanesce

como um passaporte para a ascensão social e para a democratização das esferas de poder, com o “empoderamento” dos grupos historicamente excluídos. Para ampliar o número de afro-descendentes juízes, advogados, procuradores, médicos etc., o título universitário é essencial. (...) Por fim, há o argumento jurídico, pois a ordem constitucional, somada aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil, acolhem não apenas o valor da igualdade formal, mas também da igualdade material. Reconhecem que não basta proibir a discriminação, sendo necessário também promover a igualdade, por meio de ações afirmativas. Se, ao longo de nossa história, para os grupos vulneráveis a raça sempre foi um critério de exclusão, que seja hoje um critério de inclusão da população

afro-descendente”.

Flavia Piovesan, professora de direitos humanos do Programa de PósGraduação da PUC-SP, Procuradora do Estado de São Paulo. Trechos de artigo publicado na Folha de SP.

O que é mérito?

“Será que a menina de 17 anos que tem todo o apoio familiar, que desde os 12 anos já fala inglês, tem auto-estima alta, e que pode cumprir sua trajetória numa boa escola tem mais mérito do que uma outra menina de 17 anos que nasceu na periferia, cujo pai se evadiu e que desde cedo ajuda a mãe a cuidar da prole, mas mesmo assim não perdeu nenhuma série na escola pública? Numa sociedade de exclusão como a nossa, temos que redefinir o que é mérito”. Prof Hélio Santos. Seminário sobre Ações Afirmativas, promovido pela Universidade Federal de SP, em Jornal da Paulista

ESTATÍSTICAS DA DESIGUALDADE RACIAL Indicadores em 2001 Taxa de mortalidade infantil - até 5 anos de idade

Brancos %

Afro-descendentes %

45,7 por mil

76,1 por mil

Analfabetismo - Meninas de 10 a 14 anos

1,3 %

4,5 %

Analfabetismo - Meninos entre 10 e 14 anos

2,4 %

8%

Analfabetismo - Homens de 15 a 44 anos

5,2 %

15,7 %

Analfabetismo - Mulheres de 15 a 44 anos

4,1 %

12,1 %

Analfabetismo - Mulheres de 60 anos e mais - na região sul

21,9%

50,8 %

R$ 481,60 (média)

R$ 205,40 (média)

22,4 %

47 %

Indigentes

8,4 %

21,2 %

10 % mais pobres do Brasil

32,3 %

69,3 %

Rendimento Familiar Pobres

Fonte: “Dossiê “Assimetrias Raciais no Brasil: alerta para a elaboração de políticas”, da Rede Feminista de Saúde ( www.redesaude.org.br ), elaborado pela pesquisadora Wânia Sant’Anna, utilizando o recorte racial/étnico das Pesquisas Nacionais de Amostra por Domicílio (PNADs), da década de 1990 até o ano de 2001, e da recente base de dados disponibilizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) no livro “Desigualdades Raciais no Brasil – um balanço da Intervenção Governamental”.

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Ações Afirmativas em curso CÂMARA DOS DEPUTADOS

Aprovado fundo de financiamento de ações afirmativas A Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias aprovou em agosto /2003 a proposta (PLP 217/01) de criação do Fundo Nacional para o Desenvolvimento de AÇÕES AFIRMATIVAS (FNDAA). O projeto, de autoria do deputado Luiz Alberto (PT-BA), prevê a utilização do Fundo preferencialmente para o desenvolvimento de ações voltadas à população negra, em especial os segmentos situados abaixo da linha de pobreza, indicada pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e que tenham no registro de nascimento a denominação de pretos, negros ou pardos.

Cotas nas Universidades e Fundações Portaria de 9 de setembro/ 2003, da Secretaria Especial para Promoção de políticas de Igualdade Racial (SEPPIR) e do Ministério da Educação, cria Grupo de Trabalho para elaborar proposta para o estabelecimento de políticas públicas de ação afirmativa que permita o acesso e a permanência de negros nas instituições federais de ensino superior. A Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e a Assembléia Legislativa assinaram em setembro/2003 um acordo de cooperação técnico-científica para a criação do curso pré-vestibular comunitário. O Núcleo de Estudos Afrobrasileiros/UDESC, sob a coordenação do Prof Paulino de Jesus Cardoso foi um dos articuladores do projeto e é responsável pela seleção dos monitores. A UDESC implantou, em 2001, o programa Diversidade Étnica no Ensino Superior, o primeiro de ação afirmativa de uma universidade pública no Sul do Brasil. Através dele 40 afrodescendentes estudam Pedagogia na modalidade à distância. Recentemente, uma comissão foi formada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão para estudar a reserva de vagas para estudantes egressos de escolas públicas. Possibilidades de acesso e a manutenção de alunos afrodescendentes na universidade também vêm sendo conversadas pela UDESC. A Universidade de Brasília (UnB) é a primeira universidade federal a criar o sistema de cotas para o ingresso de negros no ensino

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superior. A decisão, tomada em junho/ 2003, pelo Conselho Universitário da UnB, reserva 20% das vagas na universidade para alunos negros. Já no caso dos índios, esse limite não ficou definido. A universidade possui 63 cursos de graduação, tem 25 mil alunos matriculados em graduação e pós-graduação e somente 2% são negros. A primeira faculdade do país destinada a negros terá 45% de afro-descendentes. A maioria dos estudantes -55%- será de outras raças. A quantidade de negros da Faculdade Zumbi dos Palmares foi definida com base no Censo 2000 do IBGE, que aponta a proporção de 45% de negros e pardos na população brasileira. A faculdade, que vai começar com um curso de administração de empresas, foi lançada oficialmente no dia 13 de maio de 2003.O curso tem autorização para 400 vagas, mas vai iniciar-se experimentalmente com 200. A mantenedora da escola é o Instituto Afro-Brasileiro de Ensino Superior, criado pela ONG Afrobrás (Sociedade AfroBrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural). No Mato Grosso do Sul, por intermédio de Lei estadual, institui-se reserva de vagas para negros e índios na universidade estadual UEMS. Os 80 professores indígenas aprovados no primeiro vestibular indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR) começaram as aulas do curso de licenciatura Intercultural Indígena, criado para dar uma formação superior e específica para os índios formados no magistério. Os novos alunos já são professores nas escolas indígenas de Roraima e terão aulas durante o período de férias dos estudantes das aldeias. O curso, que reúne indígenas

das etnias Macuxi, Wapixana, Taurepang, Wai-Wai, Ingarikó e Mayongong, inclui ainda estudo à distância, realizado enquanto os novos universitários dão aulas nas aldeias. A licenciatura indígena terá a duração de cinco anos e oferece cursos nas áreas de Ciências Sociais, Comunicação e Artes e Ciências da Natureza.

Por proposição da Uiala Mukaji - Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco- a Fundação Joaquim Nabuco acaba de adotar o sistema de reserva de 40% das vagas para afro-descendentes nos cursos promovidos pela instituição, a começar pelo mestrado profissionalizante em gestão de políticas públicas.

Estados e Municípios As cotas já são lei para concursos públicos das prefeituras de Jundiaí/SP, Cubatão/SP, Piracicaba/SP, Uberlândia/MG, Bebedouro/SP, Jaboticabal/SP e Porto Alegre/RS...

Línguas indígenas

O município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, aprovou uma lei em 22 de novembro de 2002 adotando as línguas indígenas como oficiais no município, assim como a língua portuguesa.

São Paulo

O governo do Estado assumiu a discussão sobre cotas para estudantes negros nas três universidades estaduais de São Paulo. A Secretaria Estadual de Justiça criou a Comissão para a Análise de Programas de Ações Afirmativas para a População Afrodescendente. Em audiência com uma delegação de advogados norte-americanos, em setembro, o Procurador-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Luis Antonio Guimarães Marrey, afirmou que determinará que se faça um estudo para adoção de medidas de Ação Afirmativa na própria Procuradoria do Estado. “Uma vez recebi uma ação de impugnação a uma lei da cidade de Cubatão, que reserva 20% das vagas no serviço público para negros e afrodescendentes. No entanto, recusei impugná-la judicialmente”. Fonte: Assessoria de Imprensa da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania SP

FERIADO EM 20 DE NOVEMBRO

Os Municípios de Campinas, Limeira, Hortolândia, Ribeirão Pires, Santa Bárbara D’Oeste no Estado de São Paulo, União dos Palmares em Alagoas, Cuiabá em Mato Grosso e Porto Alegre no Rio Grande do Sul instituíram o Dia 20 de Novembro - Dia da Consciência Negra - como feriado municipal. O Estado do Rio de Janeiro, durante o governo de Benedita da Silva, aprovou o feriado a nível estadual.

A d G d n f P


Ao mesmo tempo, prepara-se para a implantação de dois museus, o Museu Nacional de Arte Afro-Brasileira, em Salvador, a convite do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, e o Museu de Arte Afro-Brasileira, que ele mesmo propôs à prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, para ocupar o Pavilhão “Manoel da Nóbrega”, no Ibirapuera, colocando ali, em comodato, seu acervo pessoal, o mesmo espaço onde ele foi o curador de dois segmentos da Mostra do Redescobrimento, em 2000, o de Arte Popular Brasileira e O Negro na Arte. Texto: Maria Alice Guimarães Peres e Nádia Vernes de Almeida

Negras

Memórias

Retrato gentilmente cedido pelo autor: photo©2003 by eduardo castanho

O IMAGINÁRIO DE EMANOEL ARAÚJO

Precisamos nos conhecer melhor, valorizar esse Brasil real que vai desde a contribuição de uma vendedora de acarajé até o intelectual. Todas as pessoas têm uma contribuição a dar. Desejo que a Eparrei tenha vida longa!” Escultor, gravador, desenhista e pintor, Emanoel Araujo montou grandes exposições para tornar pública uma infindável pesquisa sobre a questão negra so o ângulo das artes plásticas. Entre elas, A Mão Afro-Brasileira EPARREI 17


Foto: Pablo di Giulio

Precisamos nos conhecer melhor, valorizar esse Brasil real que vai desde a contribuição de ma vendedora de acarajé até o intelectual. Todas as pessoas têm uma contribuição a dar. Desejo que a Eparrei tenha vida longa!” Escultor, gravador, desenhista e pintor, Emanoel Araujo montou grandes exposições para tornar pública uma infindável pesquisa sobre a uestão negra sob o ângulo das artes plásticas. Entre elas, A Mão Afro-Brasi

N

ascido em Santo Amaro da Purificação, no interior da Bahia, numa família de três gerações de ourives, originária de cafuzos e mulatos, Emanoel Araujo levou a experiência de marceneiro e linotipista para a Escola de Belas Artes da Bahia, onde se formou um artista gráfico da xilogravura, depois um escultor de formas que chegam ao monumental, com madeira e metal, e em todas essas manifestações colocando as raízes negras de sua origem e de sua cultura. Hoje, com trânsito internacional em museus e universidades, e depois de ter cuidado por 10 anos da Pinacoteca do Estado de São Paulo, que transformou num dos mais importantes museus da América Latina, Emanoel Araujo vem de uma brilhante exposição de arte negra, “Negras Memórias, Memórias de Negros, o Imaginário Luso-Afro-Brasileiro e a Herança da Escravidão” que ocupou a galeria do Sesi em São Paulo no primeiro semestre,

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e aterrisa com esse acervo em Belo Horizonte, complementado pelo segmento “Mãe África e a mãe negra no Brasil”. Ao mesmo tempo, prepara-se para a implantação de dois museus, o Museu Nacional de Arte Afro-Brasileira, em Salvador, a convite do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, e o Museu de Arte Afro-Brasileira, que ele mesmo propôs à prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, para ocupar o Pavilhão “Manoel da Nóbrega”, no Ibirapuera, colocando ali, em comodato, seu acervo pessoal, o mesmo espaço onde ele foi o curador de dois segmentos da Mostra do Redescobrimento, em 2000, o de Arte Popular Brasileira e O Negro na Arte. Simpático, Emanoel Araujo recebeu a revista Eparrei em seu atelier na Bela Vista, em São Paulo, e confessou que não é um ativista político, ligado a organizações da causa negra, mas sim um pesquisador e um defensor da cultura negra e seu reconhecimento.

“Trabalho numa linha de resgate da memória e essa atividade passa ao largo de Ministérios, órgãos e entidades. “Nunca tive contribuição formal dessas instituições. Inclusive considero todas muito arredias, não sei se é uma questão política ou partidária. Não consigo entender muito bem as ações das pessoas que estão extremamente ligadas ao poder. Não me fica claro o que as pessoas fazem. É impenetrável para alguém, como eu, que está de fora, sem pertencer a alguma organização, ou movimento político. Não se fica sabendo o que acontece, ou seja, a história continua mal contada até hoje, mesmo agora que temos um ministro negro na pasta da Cultura e um negro ocupando a Fundação Palmares”. Emanoel afirma que com isso não quer parecer injusto. “Pode ser um desconhecimento meu por não estar articulado, por estar vivendo muito mais uma situação de um pesquisador do que de um articulador político. Não me considero um ativista

negro, mas um sujeito interessado na memória e na história”. Nada disso, porém, impede Emanoel Araujo de continuar um importante resgate da cultura negra, “O Brasil oficial se recusa a ver o Brasil real, mas a nossa sorte é que esse Brasil real é muito forte, mesmo passando fome ele resiste”. Ele reconhece que a História do Negro é muito nebulosa, tanto no que diz respeito à mulher como ao homem. “Primeiro porque o assunto fica na tradição oral, algumas figuras que foram importantes adquirem um lado folclórico, uma certa forma de minimizar essa contribuição. É preciso que se faça uma grande pesquisa, científica e profunda, e isso cabe ao próprio negro, uma vez que esteja ao seu alcance, porque só ele pode tirar todo o laivo folclórico e estereotipado do tema. Veja, por exemplo, a Chica da Silva, tudo o que sabemos sobre ela tem um lado meio mitológico, jocoso. Assim como ela, Chico Rei, Rita Cebola, Thebas, Luiza Mahim, enfim há toda uma história a ser contada e essas figuras têm de participar de uma historiografia oficial”. A preocupação de Emanoel Araujo é ainda maior quando ele afirma, “conheço um decreto do Presidente Lula que vai incluir em todos os níveis de ensino a História da África e a História do Negro, e eu pergunto, que história é essa? Porque não sabemos de onde ela vai surgir, já que realmente nunca houve um documento sobre esse assunto”. E ele é categórico quando afirma, “é preciso que haja pessoas, grupos e associações que pesquisem. Eu tento fazer isso de uma forma mais aberta, já que minha área de atuação é as artes plásticas”.“Temos de ter um certo cuidado e uma certa veneração por tudo isso, por essa cultura”. Emanoel cita especificamente a área em que


atua, as manifestações artísticas, “um universo muito fechado para o homem negro, imagine então para a mulher negra. Mas é fundamental a participação da mulher negra na preservação da memória, assim como na questão sagrada dos cultos afrobrasileiros e das festas populares como o Maracatu. O Brasil tem grandes personalidades. Falando especialmente da mulher, podemos citar Dona Santa de Pernambuco, fundadora do Maracatu Elefante, grande figura mítica. Todas as mães de Santo da Bahia, como Mãe Senhora Dona Menininha do Gantois, Dona Olga de Alaketu, e citando as mais antigas, como Dona Pulquéria, dona Aninha, figuras fundamentais para a preservação dos cultos afro-brasileiros na Bahia”. “Nas artes plásticas é raro encontrar o elemento negro, porque, evidentemente, essa é uma manifestação artística elitista. No teatro temos Ruth de Souza, Lea Garcia, a Zezé Motta. Mas tudo isso é esparso. Tivemos o TEN (Teatro Experimental do Negro) que foi muito importante e depois não frutificou porque essa questão está vinculada à questão social e econômica de uma sociedade que não sustenta essas manifestações intelectuais ou artísticas. Esse movimento liderado por Abdias do Nascimento passa ao terreno do “já aconteceu”. Vivemos numa sociedade multicultural, miscigenada, mas mais disposta a colocar uma pedra nessa questão negra no Brasil”.

Emanuel Araújo reconhece, porém, que ”há uma longa e extensa história de resistência e de pessoas que foram fundamentais na preservação da nossa memória. Tudo o que temos é frágil, existe uma estrutura mas sem respaldo. Veja as mulheres da Irmandade da Boa Morte de Cachoeira. Mesmo vivendo na Bahia com mais visibilidade, estão isoladas, nas festas que realizam hoje há muito mais gente de fora do que participantes da própria cidade. Essas comunidades acabam se fechando e o que dá pena é que as manifestações passam a ser restritas, tendendo a morrer quando morrerem os seus preservadores. Essas mulheres eram ricas, tinham jóias, porém a necessidade foi fazendo com que vendessem tudo aos poucos, se desfizessem das posses para sobreviver”. Ele volta a afirmar a necessidade de ter uma “veneração por tudo isso” e conclui que considera algumas pessoas como “entidades”, caso de Clementina de Jesus e Carolina Maria de Jesus. “São entidades que a despeito de tudo, de toda a estrutura contra, de todo o preconceito, existiram e existem. Isso é fantástico e o Brasil se torna um país interessante por isso mesmo, sem encontrar paralelo em nenhum outro país do mundo. Nem nos Estados Unidos, país rico, que tem uma comunidade negra rica, culta e educada, há personagens como Mestre Valentim, exemplo de pessoa que contribuiu de maneira

tão eloqüente na preservação da tradição e raiz que são indeléveis”. ‘Quando se vê uma vendedora de acarajé, nota-se que além de tirar o seu sustento, ela está preservando uma tradição de alimentação, de cultura. Há uma camada da população que desconhece tudo isso, questão de inconsciência, de usufruir de uma determinada coisa e não procurar saber sua origem, ou fazer de conta que não sabe”. Emanoel Araujo reconhece que “este país cuidou muito pouco de sua história e da sua cultura. O que existe é um Brasil oficial que desconhece o Brasil real. O oficial em um certo sentido nunca considerou a questão da África. Em qualquer país do mundo civilizado há museus africanos ligados também à história brasileira”. Ele insiste em dizer – e afirma que daí a sua luta para implantação dos novos museus – que essa é uma outra conquista a ser feita, não só abordando o Brasil, mas também os povos de língua portuguesa como Cabo Verde, Angola e Moçambique. “Veja a história que temos em relação aos “retornados” que depois da Abolição da Escravatura voltaram à África. São africanos que retornaram como brasileiros, se estabeleceram em Lagos, no

Benin e em outros lugares. Quase nada se sabe sobre isso. No entanto há lá uma arquitetura, um “quartier” brasileiro na Nigéria, que lembra a Bahia, famílias com sobrenome Da Silva, Souza. Famílias que foram politicamente poderosas na África e que saíram daqui educadas e iniciaram

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Foto: Pablo di Giulio

“Mercúrio” escultura no Instituto Rio Branco / DF - Site: MRE

Precisamos nos conhecer melhor, valorizar esse Brasil real que vai desde a contribuição de uma vendedor de acarajé até o intelectual. Todas as pessoas têm uma contribuição a dar. Desejo que a Eparrei tenha vid longa!” Escultor, gravador, desenhista e pintor, Emanoel Araujo montou grandes exposições para torna pública uma infindável pesquisa sobre a questão negra sob o ângulo das artes plásticas. Entre elas, A Mão Afro-Bra


lá uma série de ofícios como os de carpinteiro, marceneiro, construtor, pedreiro. Mas o que se conhece é muito pouco. É preciso um esforço para tornar possível essa visibilidade. Precisaríamos tornar o Brasil visível na África e a África visível no Brasil”. Quando o assunto é as ações afirmativas, Emanoel é incisivo: “as cotas são fundamentais para que se crie uma sociedade mais justa, é a única forma de forçar uma inclusão social. Não adianta pensar que se tem meia dúzia de ricos e um bilhão de pobres. Quanto mais pessoas educadas e cultas, melhor para todos”. A Revista Eparrei é avaliada positivamente. “O surgimento de uma nova publicação é sempre entusiasmante. E, principalmente porque ela não tem um caráter comercial, mas é uma publicação que toca na alma das coisas de uma forma mais profunda. Precisamos nos conhecer melhor, valorizar esse Brasil real que vai desde a contribuição de uma vendedora de acarajé até o intelectual. Todas as pessoas têm uma contribuição a dar. Desejo que a Eparrei tenha vida longa!” Escultor, gravador, desenhista e pintor, Emanoel Araujo montou grandes exposições para tornar pública uma infindável pesquisa sobre a questão negra sob o ângulo das artes plásticas. Entre elas, A Mão Afro-Brasileira em 1988; Os Herdeiros da Noite em 1995; Arte e Religiosidade no Brasil, 1997; Negro de Corpo e Alma, segmento da Bienal do Redescobrimento em 2000.

Retrato gentilmente cedido pelo autor: photo©2003 by eduardo castanho

Precisamos nos conhecer melhor, valorizar esse Brasil real que vai desde a contribuição de ma vendedora de acarajé até o intelectual. Todas as pessoas têm uma contribuição a dar. Desejo que a Eparrei tenha vida longa!” Escultor, gravador, desenhista e pintor, Emanoel Araujo montou grandes exposições para tornar pública uma infindável pesquisa sobre a uestão negra sob o ângulo das artes plásticas. Entre elas, A Mão Afro-Brasi

“Será lenda a nossa participação na construção da história deste país e da identidade de seu povo? Ou será que, ao contribuírem para a formação de uma identidade nacional que dá cara nova às velhas tradições de uma cultura européia, ao mesclar o imaginário europeu e lusitano a outras matrizes de um imaginário africano, precisamente por isso o establisment transforma esses negros em brancos? Ou a cor não importa? Mas, se não importa, por que os negros não têm acesso às principais instituições que garantem reconhecimento, prestígio e poder no Brasil? Por que as universidades têm tão poucos negros nos seus quadros, enquanto as cadeias, os presídios e as ruas estão povoados desses cidadãos de segunda classe, todos pobres, todos pretos”. “Queremos resgatar entre os negros uma imagem que nos sirva de padrão de orgulho por nossos heróis. Queremos que eles nos sejam devolvidos em carne e osso, em sangue e espírito, como pessoas reais que puderam até alçar-se à condição de mito, mas não mais como lendas perdidas numa nebulosa história. Precisamos ter orgulho dos feitos de nossos homens e mulheres que, a despeito do estigma herdado da escravidão, marcaram seu lugar na nossa história, como cientistas, engenheiros, poetas, escritores, doutores, escultores, pintores, historiadores, músicos. Queremos que os nossos sejam reconhecidos”. “Penso na ambigüidade desta nossa história de que são vítimas os negros, numa sociedade que os exclui dos benefícios da vida social, mas consome os deuses do candomblé, a música, a dança, a comida, as festas de negros, esquecida de suas origens. E penso também que, ao invés de registrar o fracasso dos negros frente às inumeráveis injustiças sofridas, esta história termina por registrar sua vitória e sua vingança, em tudo o que eles foram capazes de incorporar à cultura brasileira. Uma cultura que guarda, através de sua história, um rastro profundo de negros africanos e brasileiros, mulatos e cafusos, construtores silenciosos de nossa identidade”. Trechos extraídos do catálogo da exposição “Negras Memórias, Memórias de Negros, o Imaginário Luso-Afro-Brasileiro e a Herança da Escravidão”.

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Mazza

editando para a negritude A

cena está registrada na memória como imagem de cinema. O cenário é o gabinete da diretora de uma escola de irmãs salesianas que atende crianças sem recurso. A mãe e a menina, arrumadinhas, esperam a superiora. Elas vêm pedir permissão para matricular a garota negra no curso ginasial. Uniforme e material já estavam prometidos, faltava apenas a autorização.

Texto de Maria Alice Guimarães Peres Fotos: Andréa Vargas

A cena está registrada na memória como imagem de cinema. O cenário é o gabinete da diretora de uma escola de irmãs salesianas que atende crianças sem recurso. A mãe e a menina, arrumadinhas, esperam a superiora. Elas vêm pedir permissão para matricular a garota negra no curso ginasial. Uniforme e material já estavam prometidos, faltava apenas a autorização.

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A irmã diretora chega e nem senta à mesa. Vai logo falando: “o que a senhora quer para a sua filha é o ideal, mas não vai ser bom para ela fazer o curso com nossas outras alunas. Afinal, a senhora já deve saber, sua menina vai ser o que, quando crescer? Vai arrumar emprego como doméstica, não é mesmo? Então a senhora faz assim, deixa passar mais um pouco e quando ela estiver mais velha matricula na classe das domésticas, no curso noturno”. Maria Mazzarello, 62 anos, narra a cena e confirma: “está congelada dentro de mim”. Formada em Jornalismo, Mazza

como é mais conhecida, foi a primeira mulher negra com mestrado em Editoração pela Universidade de Paris, e dirige uma editora de sucesso, a Mazza Edições, voltada para os assuntos negros. Ela ainda fala da surra que levou da escola até em casa. “Foram dez quadras apanhando, mas não lembro da dor e sim da profunda humilhação que minha mãe acabara de sofrer. Isso me acompanha a vida toda”. Nascida na Zona da Mata, interior de Minas Gerais, região do café e do açúcar, onde viveram muitos escravos, Mazza teve avó nascida na Lei do Ventre Livre. É filha

de lavadeira cujo marido ficou doente cedo e criou os 9 filhos dentro da bacia com roupa, “mas na mão de cada um colocou sempre um livro. Comecei a ler muito cedo”. “Aquela cena na escola foi um dos motivos que levou minha mãe a vir conosco para capital, assim que meu pai morreu. E quando chegamos aqui ela disse – agora vocês vão estudar!” Aos 13 anos trabalhava de dia e estudava à noite. Aos 18 conheceu a primeira gráfica. Foi ser brochurista e ao mesmo tempo estudante da segunda turma de Jornalismo, na Universidade Federal de Minas

Gerais – UFMG. Era 1964 e junto com amigos universitários, “todos com 20 anos”, abriu a Livraria do Estudante e a Editora do Professor, onde Chico Buarque de Holanda cantou “Pedro Pedreiro” pela primeira vez. Um ponto de encontro onde se discutia literatura e política, acompanhadas de uma cachacinha e um torresminho. “Um negócio ousado, tanto que a repressão tratou de fechar em 1968”.

A Questão Negra

O Futuro é o Livro “A partir daí não teve mais jeito. Percebi que meu caminho era esse e então abri, a duras penas, uma livraria que tinha uma pequena gráfica no fundo. Como tudo mundo dizia – ”vamos na grafiquinha” – batizei com esse nome mesmo, “Grafiquinha Editora”. Quatro anos depois Mazza juntava-se a pessoas remanescentes da universidade e professores cassados, que tinham sido presos, inclusive, e abria a Editora Vega, “ainda no auge da repressão”, trabalhando com o livro didático por dez anos, de 68 a 78. “Quando começou o movimento de abertura política, ali aconteceram muitas reuniões, inclusive o núcleo do PT em Minas começou na Vega. Foi quando nós, os fundadores da editora, decidimos seguir outros caminhos. Eu ganhei uma bolsa de estudos para fazer mestrado na França, veja só. Fui e encontrei uma Europa que vivia os últimos 22 EPARREI

momentos de ditadores como Franco, na Espanha, e Salazar, em Portugal”. Mazza observou o que estava sendo editado e o que serviria “para uma pequena editora, porque sabia que ao voltar era isso mesmo que queria fazer”. Com o título de Mestre conquistado, recebeu a oferta de uma bolsa para o doutorado, mas seu destino mesmo seria o Brasil. Aqui grandes editoras fizeram propostas profissionais para essa mulher negra que chegava da França com título em Editoração, “mas pensei – não tenho nenhum dinheiro, porém não abandono minha idéia”. Ficou sabendo que o espaço ocupado pela Vega estava vago e abandonado. Recuperou e instalou sua casa no andar superior. Preparou o térreo e procurou parceiros que não surgiram. “Quer saber? Então vai comigo mesmo!” Era 1981 e hoje a Mazza Edições tem 22 anos.

Foi na Europa que Mazza se defrontou com as questões negras. “Comecei a perceber que a negritude estava em discussão por aqui, porém as notícias estavam lá. Foi quando as perguntas começaram a surgir para mim – se o movimento negro está começando, como esse pessoal vai publicar seus textos? Na Alemanha, vi uma série de publicações de grupos negros e assim que terminei o mestrado minha cabeça estava aqui. Cheguei decidida a trabalhar com uma editora na qual tivesse participação ativa, com a negritude como proposta e temática de títulos”. A primeira publicação da Mazza Edições foi uma série que tinha como título “Essa História eu não Conhecia”, que propunha contar a história do negro pela nossa ótica, dirigida às escolas, principalmente as instaladas na periferia. “Fiz uma publicação simples, para ser vendida por preço irrisório para professores/as. A idéia não foi minha, tinha visto coisas semelhantes na Europa. Editei quatro folhetos e não consegui ir mais adiante porque não consegui dividir o trabalho entre as pessoas

que fariam o texto e eu cuidando da parte editorial”. Mazza confessa que brigou muito com o movimento negro. “A começar pela questão financeira, o pessoal encomendava a publicação e depois não pagava, o que me impedia de dar mais passos na própria questão da negritude. Acabei criando um relacionamento engraçado com o movimento. Não pertenço a nenhuma corrente em especial, mas a minha editora está a serviço de todos. Aqui é uma casa aberta para a negritude”. Mas ela não conseguiu ser apenas uma editora ligada à questão do negro. “Tive de procurar edições de peso e também abri a Mazza para publicar outros autores, novos, sem importar cor ou credo, para buscar um resultado que pudesse manter a empresa financeiramente”. Ela, porém, faz uma diferença, “quando lanço um título de autor negro ou relacionado à questão negra, faço uma festa, um auê. Agora para editar, hoje, sozinha, preciso ter a certeza do retorno. Há materiais de primeira linha que sou obrigada a buscar parcerias para editar.”


O Novo Governo “Venho de uma experiência que é ruim por um lado e boa por outro”, conta Mazza com relação à Secretaria Municipal Para Assuntos da Comunidade Negra, que existiu em Belo Horizonte de 1998 a 2000, onde foi secretária adjunta. “A Diva Moreira, secretária, fez um trabalho bom, ocupamos muitos espaços, mas ficou evidente que só criaram a Secretaria para ganhar eleição. Fomos, mais uma vez, bucha de canhão. Um dia chegamos para trabalhar e não havia Secretaria nem mais nada”. A Secretaria Nacional para Promoção da Igualdade Racial, Mazza vê com as mesmas reservas, “é um espaço, mas não espero nada. Nosso pessoal briga muito em lugar de estar mais unido. Devíamos esquecer as facções e trabalhar em torno de questões objetivas como as cotas, a mulher negra. Enquanto movimento, não temos organização, perdemos um tempo enorme com discussões que queimam uns e outros. Os problemas, para se vencer, demandam tempo e união”. E coloca uma questão concreta: “o Ministério da Educação compra uma quantidade imensa de livros das grandes editoras, títulos que não valem nada. Agora vão ser editados um monte deles sobre a questão da negritude, tendo em vista as mudanças no curriculum escolar. E o governo vai voltar a comprar das grandes editoras. Não estou querendo que eles comprem os livros da Mazza pelos meus belos olhos, mas porque o material é bom, vindo direto do movimento e dos autores negros”.

O Hábito da Leitura Para manter uma editora num país com tão poucos leitores, Mazza analisa que é preciso ter muita coragem. Para ela, nós, como negros/as precisamos batalhar para que se crie o hábito da leitura. “Na Europa é possível sobreviver com uma pequena editora porque se você faz uma publicação com uma tiragem de 1000 exemplares, 500 deles são canalizados para bibliotecas. Isto já paga o seu custo e com o que é vendido você sobrevive para o próximo trabalho. No Brasil, nem bibliotecas temos e isso vira uma bola de neve: maus professores, má educação, maus leitores”. Ainda que considere sua editora essencialmente negra –“minha cara é negra”, ela sente que entre os títulos que vende, o percentual de livros ligados à negritude é menor do que os outros. “Atribuo essa questão ao racismo. Esta temática está muito mal resolvida

no Brasil e grande parte do poder aquisitivo é branco. O próprio negro não está motivado e muitas vezes escuto um dos nossos dizendo: “Ô Mazza será que é preciso bater tanto nessa tecla?” Mazza insiste que para sobreviver neste país, o/a negro/a tem que ser melhor do que os/as outros/as. “Para a mulher negra a batalha é ainda maior, ela não pode ceder nem baixar a guarda. Tenho certeza de que esta luta sem quartel ainda vai durar uns 100 anos”. Os exemplos de discriminação racial são citados em grande número. Mas um deles, ela não esquece porque envolveu uma das pessoas que mais admirou, Etelvina Lima, uma intelectual mineira que criou a biblioteca da Universidade Federal de Minas Gerais. Quando ainda estava na Editora Vega, Mazza trabalhou em sua tese de doutorado e

isso as tornou muito amigas. “Etelvina morava no mesmo edifício do Automóvel Clube de Belo Horizonte, um dos mais elegantes da cidade e eu tinha a chave da casa dela. Um dia, encontro o síndico no hall do prédio que me avisa que eu deveria usar o elevador de serviço. Concordei por achar que havia algum defeito no social. Qual não foi minha surpresa quando vi dois moradores usando esse elevador. Subi no elevador de serviço e cheguei na casa de Etelvina com as veias do pescoço arrebentando. Contei o caso para ela que ficou indignada e imediatamente quis descer comigo para tirar satisfação do síndico. Quando lá chegamos ela disse gritando: “O senhor sabe quem é essa moça? Ela é formada pela Universidade de Paris!” “Quando ela disse isso, quase morri de novo e fui logo

esbravejando: Logo você, Etelvininha, uma pessoa que eu admiro tanto, dando uma de racista? Ela se admirou: “Você está doida”? Então gritei de novo: “Quer dizer que eu posso subir pelo elevador social porque sou formada pela Universidade de Paris? E a outra negra que vier atrás e não tiver título?” Conversamos muito sobre isso e ela concordou que o ranço do racismo fica arraigado nas pessoas.

A Biblioteca Comunitária A admiração por Etelvina Lima levou Mazza a colocar seu nome na Biblioteca Comunitária, inaugurada em dezembro de 2001, mantida pela Fundação Dona Peninha, nome de sua mãe. O espaço da Fundação é amplo e arejado, com estantes que guardam livros raros, que podem ser consultados por jovens de comunidades próximas que vêm estudar e pesquisar. Ali também acontecem pequenas encenações teatrais e trabalham grupos de contadores de estórias. Os estudantes que se preparam para o vestibular, muitas vezes se juntam na Fundação para ouvir palestras e aulas. Mazza considera que esta é uma forma de colaborar com os/as jovens moradores/as de vilas que ficam próximas da Fundação. “Muitos/as deles/as dizem que preferem vir estudar aqui porque não têm ambiente em suas casas. E eu pergunto: que casas são essas? Esses/as meninos/as em sua maioria dividem um cômodo com uma família numerosa, seus pais e mães estão desempregados, eles/as estudam em escolas públicas sucateadas. Precisamos melhorar a situação do nosso povo, nos unir para defender a reserva de cotas para negros. As pessoas que estiverem sendo chamadas para o governo precisam esquecer as divisões e levar as nossas questões enquanto prioridade”. Mazza Edições: Rua Bragança, 101 - Pompéia - CEP: 30.280-410 - Belo Horizonte / MG - Fone: + 55 (31) 3481-0591 www.mazzaedicoes.com.br - info@mazzaedicoes.com.br EPARREI 23


Cultura e História Artigo de Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva1

dos Negros nas Escolas

DIFICULDADES E ENCAMINHAMENTOS Este texto é dedicado à jovem Quênia Lopes de Moraes que, nos seus 19 anos de vida, com coragem e persistência, vem empreendendo luta contra o racismo e desqualificação do povo negro, questionando nossa arrogância e prepotência de professores universitários e abrindo caminhos para uma universidade multicultural e pluriétnica, em que a diversidade seja devidamente reconhecida e valorizada.

A adoção de políticas de ações afirmativas compensatórias e de reconhecimento, destinadas à população negra, entre elas o ensino de história e cultura dos negros nas escolas, tem estimulado práticas das mais variadas conotações. De um lado há iniciativas de militantes do Movimento Negro, como a do músico e compositor Pernambuco que reuniu renomados sambistas gaúchos e constituíram, eles, o Grupo Temático Pedagógico Ponto Z (Z de Zumbi), por meio do qual compõem e divulgam sambas com temáticas retiradas da história e experiência dos negros brasileiros, visando incentivar e oferecer referências positivas às

crianças e jovens. De outro, vemos aumentado o número de professores, negros e não negros, que buscam informações e formação para compreender as relações raciais no Brasil, tornando-se capazes de analisar e criticar textos, materiais, métodos de ensino, bem como de intervir no sentido de promover educação positiva das relações étnico/raciais. Um exemplo, entre múltiplos que felizmente crescem no Brasil, é o de professores da rede pública da cidade de São Carlos/SP, que com o apoio da Secretaria Municipal de Educação e do Núcleo de Estudos afrobrasileiros da Universidade Federal de São Carlos têm produzido materiais de ensino

para combater o racismo e toda sorte de discriminações. De outro ainda, e é com tristeza que registro, denúncias apresentadas em processos judiciais, em pedidos de providências às Secretarias de Direitos Humanos, de Promoção de Políticas da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação, mostram que crianças e jovens, da educação infantil ao ensino superior, são vítimas de racismo e discriminações, seja por incompetência e, muitas vezes é difícil de se acreditar que não seja por ações deliberadas, já que estas são desencadeadas, justificadas e/ou apoiadas por educadores. A cinco séculos da chegada compulsória dos primeiros africanos escravizados ao Brasil, e a 115 anos da abolição do regime escravista, apenas começam a ser formuladas políticas educacionais que contemplam os descendentes daqueles escravizados, a quem, como a seus antepassados,

continuam sendo negados direitos de cidadania, inclusive o de freqüentar estabelecimentos de ensino em que a cultura e a história de seu povo seja devidamente respeitada e ensinada. Premidos mais por determinações legais do que por sentimentos humanitários ou pruridos éticos, educadores abrem os olhos para questões desde sempre postas na nossa realidade social, mas hoje legitimadas por textos legais que buscam cumprir compromissos de combate ao racismo e a discriminações assumidos pelo Brasil em conferências mundiais2. Diga-se de passagem, que não faltaram denúncias e propostas do Movimento Negro, ao longo do século XX3, tampouco consistentes aportes teóricos gerados a partir da realidade dos excluídos, como tão bem fez Paulo Freire4, assim como outros estudiosos e educadores que seguem princípios por ele explicitados.

Docente da Universidade Federal de São Carlos; Conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE); participante da coordenação do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFSCar 1

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Hoje, temos de um lado nos Parâmetros Curriculares Nacionais acanhada proposta de tratamento da questão da pluralidade cultural, que omite as tensas e dolorosas relações étnico/raciais no Brasil, não propõe encaminhamentos visando reeducá-las, e além do mais se constitui em versão atualizada do discurso da democracia racial. Temos de outro lado, a determinação legal de que se inclua cultura e história afro-brasileira e africana nos currículos escolares, o que está a exigir de todos mais do que boa vontade, para ser implementada. O que vinha sendo da exclusiva responsabilidade das famílias negras e do Movimento Negro, fortalecer a auto-estima de crianças e de jovens negros e informá-los sobre sua cultura e história, agora deve ser assumido também pela escola. Cabe, entretanto, aos estabelecimentos de ensino ainda mais, devem, eles, também criar condições para que brasileiros de todas raças/etnias conheçam a cultura e história dos negros até então mantidas à margem, e desta forma explicitamente critiquem, combatam atitudes, comportamentos, ideais, idéias racistas e discriminatórias. A tarefa não é simples. Muitos professores se encontram ética e pedagogicamente despreparados. Informados, como todos os brasileiros, por ideologia que apóia compreensões e atitudes que marginalizam negros, índios e muitos outros grupos, ignoram, ou melhor dizendo não admitem a constituição multirracial e multicultural de nossa sociedade. Então, mostram-se insensíveis e ferem, com postura, palavras, textos, materiais didáticos, métodos de ensino, a dignidade, a identidade, a auto-estima de seus alunos que consideram inferiores, incapazes. Há os que pensam reconhecer a diversidade que compõem a nação brasileira, porque se apropriam de alguns traços culturais de grupo que desprezam, talvez para ocultar o seu sentimento e dificultar o julgamento quando agem de maneira racista, discriminatória. Jogar capoeira, se fazer ver na companhia de pessoas negras, usar adereços, indumentárias,

penteados de inspiração africana, não são indicativos de reconhecimento da história, cultura, dignidade dos negros. Tudo isto é, pois, insuficiente, para cumprir o previsto no Art. 26A da Lei 9394/96, das Diretrizes e Bases da Educação Nacional que determina obrigatoriedade do ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana, no ensino básico, bem como o Art.227 da mesma Lei que reza ser dever da família, da sociedade e do Estado [estes por meio da escola entre outras instituições] assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de colocálos a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão[grifo nosso]. Numa sociedade multirracial e multicultural como a brasileira, em que hierarquias discriminatórias e idéias preconcebidas regem relações sociais, relações raciais, os professores têm de saber identificar e controlar os preconceitos e estereótipos que marcam suas concepções, ações, procedimentos pedagógicos. A omissão dos currículos de formação de professores relativamente à pedagogia de combate ao racismo e a discriminações lhes tem impedido de ter acesso a informações e procedimentos necessários para criticar concepções, ações que contrariam os proclamados objetivos de educação transformadora, de sociedade justa, de formação do cidadão, contidos reiteradamente nos planos pedagógicos das escolas e nos planos de ensino dos professores. Como se vê, a alteração provocada pela Lei 10639/2003 à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional requer dos professores mais do que adesão expressa em palavras, isto é, assumida no discurso, mas desprovida de compromisso humano e social. Em 1997 escrevi texto5 a partir de estudos e da minha experiência como mulher negra, militante do

Movimento Negro, professora, pesquisadora na área de relações raciais e educação, especialista em planejamento de sistemas de ensino, com o objetivo de oferecer algumas referências, na nossa perspectiva de comunidade negra, tanto para formação de professores como para elaboração de currículos. Hoje avalio que àquelas indicações, ainda atuais, outras têm de ser ajuntadas. É o que faço a seguir, salientando que tais indicações precisarão ser ampliadas. Um passo necessário na direção de destruir as pesadas relações raciais que perpassam a sociedade, marcam a vida nas escolas, nas universidades e atuam em detrimento das pessoas negras, está em reconheceremos, professores, os preconceitos, as concepções que orientam o modo como conduzimos o ensino que proporcionamos, a maneira como interagimos com nossos alunos negros, assim como com outros socialmente postos à margem. Para iniciar é importante que nos perguntemos: O que penso sobre as pessoas negras? Que apreciações costumo tecer a respeito de seus modos de viver, pensar, vestir, comportar-se? Como avalio sua participação na construção da nação brasileira? De onde vêm as idéias que faço deles? Do que sempre ouvi, desde criança? Do convívio próximo, buscando conhecer-lhes o jeito de viver? Dos livros e manuais escolares? De mensagens vindas da mídia? O que sei sobre cultura e história dos negros? Vejo-os como descendentes de africanos originários de nações política e culturalmente proeminentes? Ou unicamente como descendente de escravos? Como constitui esses conhecimentos, onde colhi as informações que serviram de base? Se avalio que meus alunos negros são incapazes, indolentes, desinteressados o que já fiz para mudar esta situação? Como ajo diante de situações de discriminação vividas por meus alunos? Finjo não ter visto? Aconselho que os ofendidos não liguem para a ofensa e nada digo ou faço em relação aos ofensores? Ou a estes simplesmente afirmo que isto não se faz, sem dizer o que se faz?

²Convenção da UNESCO de 1960, relativa a combate ao racismo em todas as formas de ensino; Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminações Correlatas, realizada em 2001. ³GONÇALVES, Luiz Alberto O. & Silva, Petronilha B. G. e. Movimento Negro e Educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro. ANPED, p. .... 2000. 4 FREIRE. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, 1978.

SILVA, Petronilha B. G. e. Vamos acertar os passos? Referências afro-brasileiras para os sistemas de ensino. In: LIMA, Ivan Costa & ROMÃO, Jeruse. As Idéias Racistas, os Negros e a Educação. Florianópolis, Núcleo de Estudos Negros, 1997. p. 3956. p. da citação 50. 5

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As respostas a estas perguntas vão nos ajudar, enquanto professores, a identificar os preconceitos que necessitamos controlar e superar. Reconhecer no que erramos, ajuda a corrigir o percurso das relações com os alunos, leva a educar-nos, no convívio com eles, para relações sociais e raciais positivas. Silêncio, omissão, indiferença dos adultos, inclusive nossa de professores diante do sofrimento de crianças e jovens discriminados, ridicularizados deixam marcas profundas, muitas vezes cicatrizes que nunca fecham. Hoje, graças ao apoio legal e à agilidade do Ministério Público, estudantes negros e suas famílias, a ele recorrem quando professores e estabelecimentos de ensino, não tomam conhecimento das denúncias e queixas que fazem, minimizamnas ou desqualificam-nas. Em resposta, ao que consideram uma afronta, desastrosamente, professores e estabelecimentos de ensino não têm se mostrado competentes para reconhecer o que precisam retomar, reformular. Muitos só fazem aumentar o sofrimento, não medindo esforços para tornar o agredido em agressor. Infelizmente nossa formação de professores, por mais reflexivos que tenha nos feito, não nos ajuda a quebrar grilhões de preconceitos, a nos reconhecermos em falha e a recompor atitudes, palavras, procedimentos pedagógicos. Das denúncias de situações de racismo e discriminações que me têm chegado enquanto Conselheira do CNE, creio que todas teriam sido resolvidas no interior das escolas, claro que em clima de tensões, se os professores ouvissem os alunos, seus pais e juntos buscassem solução para garantir os direitos

do aluno-cidadão. Processo difícil e doloroso, mas com amplas possibilidades de êxito. Professores sabemos repetir que Paulo Freire destacava a importância do diálogo na educação, de o professor ouvir atentamente e desprovido de idéias preconcebidas seus alunos e de então dizer sua palavra de mestre. Mas, na maior parte das vezes somente conseguimos dar atenção aos alunos que dizem o que queremos ouvir. Temos ouvidos bloqueados para as diferenças sociais, étnico/ raciais, para as diferenças de experiência de vida de nossos alunos. Tendemos a reconhecer apenas aquelas que coincidem com as dos grupos a que nós próprios pertencemos. E isto, sem dúvida, é antiético e por isso antipedagógico. Voltemos aos passos que precisamos empreender. Há um, apontado reiteradamente pelos movimentos sociais como fundamental, que consiste no esforço para a ação educativa das escolas articular-se às suas lutas, a fim de fazer face aos desafios da diversidade na educação. Temos, pois de perguntar, no presente caso ao Movimento Negro: Que prioridades indicam para combater o racismo e as discriminações, nas escolas? O que esperam dos professores, neste sentido? Como podem, desejam colaborar com a escola? O que sugerem seja ensinado sobre história e cultura dos negros? Respostas a perguntas como estas, se constituirão em aportes úteis para a elaboração de planos pedagógicos e planos de ensino. Não se trata de o Movimento Negro dar lições para professores, mas de com eles colaborar, numa tarefa imprescindível para construção de uma sociedade democrática6. Outro passo ainda: Diante dos textos, materiais, métodos

de ensino, é preciso indagar: O conteúdo deste material poderá ferir a dignidade, a identidade de algum aluno? Este procedimento de ensino poderá desencadear palavras, atitudes, gestos agressivos? - Por que então adotá-los? - Trata-se e um texto clássico? - Contém informações fundamentais para o tema estudado? Se contiverem afirmações, argumentos que possam ser traduzidos em agressões, sentimentos de inferioridade, como trabalhálos para evitar sofrimento, mas despertar indignação, formulação de críticas, avaliações, provocar encaminhamentos positivos? - Como explorar o material em pauta? Em que data e contexto foi, ele, produzido? Por quem (identificando-se gênero, raça/ etnia, classe social e outras circunstâncias de vida do autor)? Com que objetivo foi produzido? De que fontes se valeu, o autor, para escrever seu texto? Experiência pessoal? Observação de situações, fatos? A partir de que ponto de vista redigiu-o? Foi dirigido a que audiência? Que tipo de informações visava e ainda visa divulgar? Que conhecimentos pretende desencadear? Como deve ser entendido, hoje e aqui na perspectiva de uma sociedade multicultural, multiracial? Que questionamentos e proposições gera? O dia a dia na sala de aula nos assaltará com outras e variadas questões que o contexto social e cultural onde estiver inserida a escola, a universidade em que trabalhemos, por meio de nossos alunos e suas famílias, instigarão. Proponho que utilizemos espaços com a Revista EPARREI, para trocarmos indagações, respostas, experiências e desta formas irmos construindo pedagogias antiracistas e antidiscriminatórias. Bom trabalho e boa luta para todos nós!

Profa Dra. Petronilha da Silva Contato por e-mail: dpbs@power.ufscar.br

Neste sentido leia-se; SILVA, P. B. G. e & BARBOSA, L. M. A., org. Pensamentos Negros em Educação; Expressões do Movimento Negro. São Carlos, EDUFSCar, 1997. 6

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Dora

PROFISSÕES

resgatando a auto-estima negra através do cabelo

A

os oito anos de idade a cabeleireira mineira Dora Alves perdeu os cabelos ao usar uma pasta de alisamento. A experiência mal sucedida foi um trampolim para ela se interessar pela profissão exercida há 40 anos. Através de receitas caseiras com produtos naturais, Dora passou a criar fórmulas que não danificavam os fios, e começou testando as descobertas em seu próprio cabelo, contando também com a ajuda da mãe, que “serviu de cobaia”. “Minha mãe sempre falava que tinha primas com cabelos lisos, então ela tinha o sonho do alisamento dos seus cabelos permanecer. Fui conscientizando-a de que se pode ter cabelo bonito sem a necessidade de alisar. Eu tinha medo porque o meu cabelo caiu e o uso da pasta também fez com que o meu couro cabeludo ficasse queimado. Na época eu sofri muito por não ter a consciência que tenho hoje da minha negritude, então eu ficava com vergonha”. O trabalho de conscientização partiu de dentro de sua própria casa, com os dois filhos: Flávia Alves, de 28 anos, dona de um estúdio de beleza e Henri Alves, 26 anos, que também seguiu os passos da mãe. A partir daí, Dora foi capacitando vizinhos e amigos do Bairro Maria Goretti, na cidade

Dicas de Dora para cabelos afro Na hora de pentear

Texto: Fernanda Marciano Fotos: Andréa Vargas

de Belo Horizonte, onde vive há mais de 30 anos. “Trabalho a auto-estima das meninas negras, coloco na passarela, mas conscientizo que a carreira de modelo é muito curta, por isso tem que aprender uma profissão. Não podemos ficar de braços cruzados esperando as coisas acontecerem. Temos que mudar o rumo da história”. Preocupada com a valorização da própria raça, a cabeleireira repassa seus conhecimentos, profissionalizando jovens e adultos/as negros/as. Ana Catarina é um exemplo disso. “Comecei a partir do meu próprio cabelo, quando passei a fazer tranças gostei do resultado e resolvi fazer um curso com Dora. Atualmente Catarina dá aula de tranças e pretende fazer um curso na Faculdade Duddley, nos Estados Unidos. Com o salão montado há dez anos, a cabeleireira trata todos os tipos de cabelo, desde o liso até os cabelos crespos, trançados, com dreads (tipo rastafári). Artistas como o cineasta Pilar, Cida Moreno e Sônia Siqueira vêm do Rio de Janeiro para cuidar do cabelo com Dora. Para a cabeleireira, o exercício da profissão requer uma boa dose de psicologia, pela sensível relação entre cabelos crespos e autoestima. Procurada, freqüentemente, por

pessoas com problemas de baixa estima, depressivas por causa do cabelo, Dora acredita que os pais têm uma responsabilidade muito grande no processo de construção da auto-estima dos filhos. “O negro sempre foi lindo, maravilhoso. Sempre esteve na moda. Temos que trabalhar isso”. A atuação de Dora Alves junto ao público negro foi um dos alvos da tese de doutorado da pedagoga mineira Nilma Lino Gomes, intitulada “Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos em Belo Horizonte”. A tese comprova que falar de beleza negra no Brasil é o mesmo que falar das relações raciais, das manifestações do movimento negro e da construção da identidade da raça negra. Diversas vezes premiada por sua criatividade, Dora foi escolhida para fazer a assistência de maquiagem do elenco do filme “Uma Onda no Ar”, de Helvécio Ratton, em parceria com a Rádio Favela, em reconhecimento ao seu trabalho com a comunidade.

Ao contrário do que as pessoas pensam o cabelo crespo é extremamente sensível, mas quando bem tratado tem como grande vantagem a versatilidade. O cabelo crespo pode vir a ser: alisado, trançado, anelado ou natural, em black power e dreadlocks. Ao pentear divida o cabelo em mechas passando o pente inicialmente pelas pontas para desembaraçar o cabelo. Depois penteie novamente, passando o pente da raiz até às pontas, trazendo a oleosidade natural do couro cabeludo, lubrificando assim, todo o fio.

Receita para manter a vitalidade dos cabelos crespos

Misture numa vasilha duas polpas de abacate, uma colher de tutano. Bata essa mistura durante dois minutos. Aplique no couro cabeludo, coloque uma touca de alumínio ou plástico por vinte minutos, depois enxágüe.

Limpeza e assepsia

Use produtos que contenham fórmula química para limpar, retirar as células mortas e desobstruir os poros. Esse tipo de cuidado previne a queda e estimula o crescimento.

Salão Dora Cabeleireiros Av. Amazonas, 1049Shopping São Vicente, Loja 58/ BH - Tel: (31) 3224-4163 EPARREI 27


Herança Texto: Fernanda Marciano Fotos: Andréa Vargas

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Política

advogada Claudia Ribeiro costuma dizer que da mãe, Dona Oscarina, herdou a formação, do pai, Cláudio, a consciência política. Sindicalista e membro do Partido Comunista, Cláudio Ribeiro, foi preso político no DOI/CODI e no navio Raul Soares, anistiado no final do ano de 78. “Eu só vim a conhecer o meu pai quando tinha doze anos. Achava que ele tinha nos abandonado, não sabia que durante muito tempo ele tinha ficado preso”. “Era impossível não ter uma bagagem política com o pai que eu tinha. Já a minha mãe era uma pessoa muito forte e extremamente dedicada aos nove filhos. Lavava roupas e fazia salgados para fora para manter o nosso sustento”. Embora tenha relutado em seguir os passos do pai, já foi candidata a vereadora e está sendo sondada para se candidatar nas próximas eleições, mas acha que pode contribuir muito mais como advogada. “Eu vejo um problema, uma injustiça e não sossego enquanto não resolver”, explica. Trabalhando atualmente na Área Penal, ela conta que a maioria de seus clientes são negros, de baixa renda e que estão cometendo o primeiro crime. O curioso é que na faculdade não gostava de Direito Penal. “Achava que bandido tinha que ir para a cadeia e pronto. Hoje penso que a pessoa que comete um crime tem que ser julgada, presa e condenada, mas tudo de acordo

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com a lei. Além disso, gosto de trabalhar com pessoas à margem da sociedade, porque eu me sinto um pouco marginalizada”. A advogada acredita que o preconceito hoje só está mais disfarçado. “Eu tenho que provar que sou uma boa advogada. Porque sou mulher e negra, então já vem aquela descrença por parte das pessoas”. Constantemente passa por situações inusitadas. Há algumas semanas, quando esteve numa delegacia de polícia para ver o andamento do inquérito da morte de um cliente, “um policial perguntou para mim se eu era mãe dele. Falei que não e ainda perguntei para ele se eu parecia ter idade para ser mãe dele. Mas é claro que não era pela idade que ele estava perguntando isso, é claro que era pela cor”. Um outro episódio ocorreu dentro do Fórum em São Vicente, quando foi averiguar um processo de pensão alimentícia. “Eu fiz uma pergunta relativa ao processo e a mulher olhou e disse para mandar a advogada ir lá pessoalmente porque só ela poderia ver. Disse a ela que eu era a advogada e a mulher ficou se desculpando e dizendo que eu era bem jovenzinha, por isso não pensou que eu fosse advogada. Isso aí eu já deveria ter uns 28 anos”. Para Claudia, o preconceito racial marca os/as negro/as desde crianças, por isso acha importante os pais e as escolas trabalharem a questão no início do processo

de alfabetização. “Tenho exemplo disso em casa. A consciência racial que eles têm hoje, fui eu que dei. Eu tinha um sobrinho que dizia que queria ser japonês porque não gostava de preto e o pior é que o meu irmão achava engraçado e não falava nada. Uma vez eu estava assistindo ao filme Malcolm X com a minha sobrinha e o expliquei para ela de uma forma mais infantilizada para que pudesse entender; ela gostou tanto que repetiu a história para os irmãos. Quando que uma criança vai ouvir isso na escola? Nunca, por isso eu acho muito importante a Lei que inclui a obrigatoriedade de ensinar a História e Cultura Afro-brasileira nas escolas, para que seja passada uma outra realidade do negro, senão aquela já conhecida do pobre coitado que foi roubado na África. As pessoas acham que a história do negro é só essa”. A advogada também se preocupa com a organização das mulheres: “Acho que as mulheres hoje deram um grande avanço, mas aquelas mulheres que tiveram a oportunidade de estudar, com melhores condições de vida. Sempre trabalhei com mulheres carentes e penso que devemos chegar até essas mulheres pobres, brancas e negras, sem noções de cidadania, porque percebo que elas estão a anos-luz da gente, infelizmente ainda não foram alcançadas. Esse deve ser o papel das organizações”.

PROFISSIONAIS NEGROS / NEGRAS

ADVOCACIA Zélia Maria Leite OAB/SP 80.277 Av. São Carlos, n.º 2205, sala 610, São Carlos/SP. Fone (16) 274-8658 E-mail : zeliamarialeite@uol.com.br Sousa & Falleiros Advogados Rua Pires de Ávila, 117, Guaianazes, São Paulo, SP. Fone/Fax: (11) 6554-3154 Av. Armando de Sales Oliveira, 703, Suzano, SP Fone/Fax: (11) 4748-2466 E-mail: sousa.falleiros@uol.com.br

PSICOLOGIA Amma-Psique & Negritude Maria Lucia da Silva e Marilza de Souza Martins Rua Hawai, 62 – Sumaré 01259-000 Capital São Paulo Fone: (11) 3864.4848 E-mail: ammapsi@uol.com.br Maria de Jesus Moura Rua do Hospício, 981 - apto 11 Boa Vista Recife/PE Fone (81) 3222.1436 / Cel. 9962.0521 E-mail: jesusmoura@bol.com.br Rosilene Gomes Tel. (11) 3785-5125 / cel.9854-9441


ABDIAS do

Nascimento O rebelde da causa negra Texto: Maria Alice Guimar達es Peres Fotos: Ori Wani

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os 89 anos, Abdias do Nascimento é um jovem militante do movimento negro, cheio de força e vitalidade. Dramaturgo, ator, diretor de teatro, autor de vários livros, exDeputado Federal e ex- Senador da República, acompanhou com emoção, em junho, o lançamento da edição facsimilar de “Quilombo”, jornal que liderou na década de 40, estabelecendo um novo patamar na discussão dos problemas raciais no Brasil. Na sala de seu confortável apartamento no Rio de Janeiro, ele recebeu a equipe “Eparrei” para conversar sobre o movimento negro, o Teatro Experimental do Negro – TEN

– que fundou em 1945, e sobre as dez edições do jornal que ajudou a despertar a consciência dos negros e de seus valores. “Esta nova edição do “Quilombo” – diz Abdias – representa um documento histórico e uma marca das conquistas dos negros, enquanto produtores culturais. Vivíamos um momento de redemocratização, de mudança de ditadura para um processo democrático, e nele o Teatro Experimental do Negro e o jornal “Quilombo” exerceram um importante papel”. Nascido em Franca, interior de São Paulo, em 1914, Abdias do Nascimento foi um dos fundadores da Frente Negra Brasileira, movimento

que se iniciou em São Paulo em 1931, Secretário de Defesa da Promoção das Populações AfroBrasileiras do Rio de Janeiro, Deputado Federal eleito em 1983 e Senador da República em 1997. Com vários livros publicados, lecionou na Escola de Artes Dramáticas da Yale University, nos Estados Unidos, foi professor visitante no Departamento de Línguas e Literaturas Africanas da Universidade de Ifé, na Nigéria, é professor benemérito da Universidade do Estado de Nova York e um dos fundadores do Movimento Negro Unificado, que nasceu em 1978 e se espalhou pelo país. Militante fundamental no combate à discriminação

racial no Brasil, conta que sua identidade foi construída lutando contra a sociedade que quer associar o negro à vadiagem e à contravenção. Muitas vezes chamado de radical e rebelde, reconhece: quem trata desses problemas acaba estigmatizado, porque negro bem vindo é aquele que não reclama “e aceita as patacoadas da democracia racial”. O envolvimento com a causa negra – relata – aconteceu em criança, quando recebeu a primeira grande lição de solidariedade racial ao ver a mãe defender um menino negro órfão que estava sendo espancado por uma mulher branca.

O Movimento Negro O professor analisa que a luta do movimento negro é antiga e as gerações mais novas precisam saber disso. Não se considera a primeira voz porque desde Palmares os negros e os seus descendentes lutam contra a discriminação racial, contra a injustiça e a erradicação dos direitos humanos e civis. “Nos tempos Pós-Abolição, a partir da década de 20, posso ter sido uma voz até mesmo isolada na luta porque houve tempos em que a população vivia anestesiada, sofrendo uma repressão muito grande, desestruturada não só como grupo humano, mas como pessoa. A nossa gente foi muito humilhada, desintegrada e, sendo a luta mais difícil, tornou-se mais esmaecida. Nessa hora, estive na linha de frente, denunciando e combatendo as injustiças. Sob esse aspecto, em um período de exceção para o negro no Brasil, pode-se falar que fui o primeiro. Mas de uma maneira relativa porque não podemos pensar que o negro ficou apático, ou se desinteressou pela sua sorte. Ele sempre tentou uma mudança. O movimento negro tem muitas faces, mas sempre é uma continuidade da grande luta de libertação cujo maior líder e referência básica é Zumbi dos Palmares.”

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Mais de 50 anos depois do lançamento do “Quilombo”, o ex-Senador vê a necessidade de intensificar a luta e ampliála, ainda que concorde que o movimento negro está fazendo isso muito bem. “Alguns/ algumas militantes se queixam da dispersão, multiplicidade de organizações e orientações, porém tudo isso é necessário, fruto da vitalidade do movimento que precisa de muitas frentes e muitas caras. Tenho percorrido o Brasil e sentido que o objetivo de todas as organizações é o mesmo, mudam as táticas de procedimento e comportamento, porém é sempre o mesmo tambor que bate convocando todos e todas à luta para derrubar as barreiras que ainda tolhem o nosso povo e partir para a conquista da plena liberdade, igualdade e justiça social”. A reserva de cotas para negros Abdias considera uma questão que vem sendo discutida há muito tempo, talvez com outras palavras. “Em 1945, participei da Convenção Nacional do Negro e neste encontro já defendíamos políticas públicas a favor dos negros e requeríamos que o racismo e a discriminação racial fossem considerados crimes de lesa-humanidade.” Quando foi deputado, em 1983, apresentou


projetos de lei sobre cotas, assim como no Senado da República, em 91/93, adaptou e modernizou projetos sobre o tema. “Falo sobre isso desde 1940 e também sobre a compensação aos negros pela escravidão, que é uma questão de justiça. Ruy Barbosa já defendia a indenização para os negros”. O Professor se preocupa com as políticas públicas de ação afirmativa, “elas abrangem um campo muito maior e podem ficar obscurecidas com esse amplo debate sobre as cotas. Não são a única coisa que a comunidade negra está pleiteando, mas item de um grande leque de reivindicações. O que precisamos é de instituições negras de ensino para que os nossos jovens aprendam a amar seu povo e tenham a ótica correta da sua história. Mas o debate sobre as cotas é proveitoso, assim como o projeto do Senador Paulo Paim para aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, porém ainda temos um grande caminho de lutas”. Segundo o professor, uma outra política de ação afirmativa é o estímulo a empresários negros. “É uma necessidade! Temos um Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e o financiamento para o empreendedor negro seria uma medida para diminuir a desigualdade racial no Brasil”. As mudanças vão acontecendo, mas Abdias comenta que os herdeiros de senhor de engenho da sociedade escravocrata, dominante durante o tempo da escravidão, nunca perderam o poder, os mecanismos e instrumentos para dominar a comunidade negra. “Por tudo isso, o negro tem de ver que não importa uma ou outra conquista tópica, ele tem de conquistar o poder neste país. Ele é maioria e não pode continuar sendo figura secundária. Enquanto for dominado politicamente, economicamente, culturalmente, educacionalmente, sempre será explorado. Essa mudança, só com o poder vai acontecer”.

Segundo o professor, não é uma lei que impede um negro de ser discriminado na entrada de um edifício ou mesmo faça com que tenha direito a um emprego no mesmo nível de um branco. Essas conquistas não vão resolver a situação. “A luta e as dificuldades são maiores quando se trata de poder, ninguém quer entregá-lo, sobretudo a um negro. Se ainda fosse a um norte americano ou europeu seria admissível, mas largar para um negro? Pois se eles querem que a gente desapareça, como vão nos entregar o poder? Mas o movimento negro está levando as questões de maneira positiva, só espero que se torne mais audacioso, ainda está muito comportado. Não quero dizer com isso que seja um movimento medroso, negro não tem dessas coisas, mas precisa se soltar mais nas reivindicações, fazer barulho, exigir, levantar bandeiras. Não podemos deixar tudo se transformar em água morna.’ Representante do Brasil em vários foros internacionais de discussão sobre o racismo, Abdias se entusiasma com a conquista da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial, além da eleição de senadores e deputados negros. “Não podemos parar a luta. A sociedade brasileira é hipócrita e não devemos bobear porque senão tudo recomeça”.

A Militância do Artista Em 1944, convidado para uma série de palestras pela América do Sul, Abdias assistiu em Lima, Peru, a um espetáculo teatral em que um ator branco representava pintado de preto. “Nesse momento refleti sobre a situação do negro no Brasil e decidi que quando retornasse criaria um teatro negro, para fortalecer os valores da cultura tradicional africana e combater o racismo”. O dramaturgo explica que o TEN – Teatro Experimental do Negro – não era só um grupo que queria representar, mas uma frente de luta, polo de cultura de libertação do nosso povo. “Não queríamos que toda a história do negro no Brasil e tudo o que ele construiu permanecesse de forma acidental na cultura brasileira. O objetivo principal era mostrar a importância de sermos africanos”. “Todos estavam acostumados a colocar que o teatro nasceu na Grécia, mas mil anos antes já havia textos dramáticos no Egito Negro. Precisávamos então criar personagens baseados na mitologia africana porque foi a partir da África que essa cultura se expandiu e foi copiada pelos gregos. A raça negra tem mitologia e filosofias bem fundamentadas e isso era o que queríamos mostrar”. Além de montar espetáculos teatrais, o grupo do Teatro Experimental do Negro promovia cursos de alfabetização. “Queríamos que os negros soubessem ler e escrever para conseguir melhores condições de vida e maior competitividade no mercado de trabalho”. Foram também organizadas duas conferências nacionais sobre o negro, um congresso e a luta para que a discriminação racial fosse considerada crime, além do estabelecimento de políticas públicas. Lista parcial das peças encenadas pelo TEN (Teatro Experimental do Negro)* Palmares (de Stela Leonardos), 1944; O Imperador Jones (de Eugene O’Neill), 1945; Todos os filhos de Deus têm asas (de Eugene O’Neill), 1946 O moleque sonhador, (de Eugene O’Neill), 1946; Aruanda (de Joaquim Ribeiro), 1948; Filhos-de-santo (de José de Moraes Pinho), 1949; Calígula (de Albert Camus), 1949; Rapsódia negra (de Abdias do Nascimento), 1952; O filho pródigo, (de Lúcio Cardoso),1955; Sortilégio (mistério negro) (de Abdias do Nascimento), 1957; Fonte: IPEAFRO

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Arte e Política A ponte entre arte e política é vista como permanente. “Não existe essa dicotomia, a política está presente em todos os momentos da vida. Quando se faz uma escultura produzimos um espelho da comunidade, servindo a seus ideais. Quando faço teatro, pintura ou sou professor universitário, militante, trata-se de uma coisa só. Em qualquer caminho estou sempre reproduzindo minha comunidade, apenas me expresso de acordo com a necessidade daquele setor e daquele momento. Ao participar de alguma conferência, geralmente me perguntam como quero ser apresentado. Respondo que estou ali defendendo a minha raça. Se o artista negro não pratica algo politicamente válido em benefício da raça está saindo dos trilhos, não é nem um negro autêntico, nem político ou artista da comunidade. É importante as pessoas refletirem sobre isso.” No sentido da civilização ocidental, comenta que precisamos observar para sabermos lidar com as divisões absurdas entre arte e política. Mas se satisfaz ao constatar que algumas organizações negras já entenderam o conceito e estão com a prática correta. “Cito o Ilê Ayiê, na Bahia, que está fazendo Carnaval mas também agindo politicamente com um grande projeto pedagógico visando a cidadania de jovens negros”.

As Mulheres Negras Quando fala sobre mulheres negras, o rosto abre num largo sorriso para recordar a importância da mãe, “guerreira que se sacrificou pelos filhos, a família e a comunidade. Sempre lembro da dignidade com que lutava e enfrentava a sociedade branca racista do lugarzinho em que nasci, onde essas coisas têm maior impacto”. Filho de um sapateiro que mal ganhava para sustentar sete filhos e de uma doceira que trabalhava para ajudar nas despesas, Abdias considera que a mãe foi um exemplo de valentia e coragem. “As mulheres negras sempre tiveram em mim um admirador e um aliado. Elas são as grandes heroínas deste país e para elas rendo homenagens e gratidão”. Para ele, a mulher negra sempre foi o sustentáculo da família brasileira, sobretudo da família negra que sem ela já teria desaparecido. “Na chamada Abolição, o negro ficou na rua da amargura e a mulher negra, com muito sacrifício, dor e lágrimas, fez com que a família negra não fosse esmagada pelas forças do poder da sociedade dominante. Ela sempre foi muito injustiçada, tanto pela sociedade que a explorava, como também sofreu muito na própria sociedade negra. Os homens negros têm culpa nisso porque introjetaram certos estereótipos da sociedade dominante e, de certa forma, ajudaram a exploração da mulher negra. Esse homem negro tem de ser reeducado para valorizar essa mulher e respeitá-la em sua integridade. Não falo somente na questão formal de gentilezas e etiquetas, mas respeitando a mulher negra naquilo que formam os seus ideais e aspirações”. A defesa da mulher negra é reforçada pelo estudo das culturas africanas onde sempre teve importância de igualdade, tanto na condução dos negócios de Estado, como na guerra e na economia. “Aqui, quando se fala em cultura africana, as pessoas pensam que se resume em tocar tambor e dançar. Precisamos recolher essa grande lição que a História nos traz e praticar as coisas boas que os nossos antepassados nos ensinam”. Para Abdias, os negros foram a verdadeira fonte da chamada cultura ocidental. E, com orgulho, cita sua mulher, a professora Elisa Larkin do Nascimento que desenvolve várias pesquisas e publicações provando que a ciência, a arte e a cultura do Ocidente têm suas origens na África negra. “Temos nossos valores mais próximos de nossas verdades. Isso precisa ser assumido pelos nossos artistas negros. As imagens européias não são as únicas referências. Precisamos mostrar a nossa verdadeira história e não uma versão caricatural e folclórica. Mas sei bem o quanto isto é difícil. São mais de 500 anos de lavagem cerebral e distorção cultural que os negros sofrem no Brasil”. Além dos textos para teatro, Abdias também expressa nossa mitologia e valores religiosos através das artes plásticas. Nas paredes de sua casa, muitos quadros revelam a preocupação em retratar os cultos, lendas e símbolos afro-brasileiros. “Precisamos trabalhar essas questões através de nossas obras nos diversos setores”.

A preocupação com a Mídia O fato do movimento negro não ter representatividade nos meios de comunicação é uma das suas preocupações. “Não temos acesso ao sistema midiático e precisamos de um canal público de televisão e rádio. Veja a nossa participação nas tevês! Depois de tantos anos de luta ainda somos muito poucos. As oportunidades surgem mais vezes para aqueles e aquelas que já foram cooptados pelas forças dominantes”. Depois de tantos anos escrevendo textos dramáticos, Abdias jamais foi convidado por alguma emissora para desenvolver um trabalho. “Mas tudo isso faz parte de um processo. Para atingir nossos objetivos, precisamos nos organizar cada vez mais. Como construímos este país, não é nenhum absurdo que a comunidade negra tenha seus próprios canais de comunicação. Com emoção, ouvimos a avaliação de Abdias do Nascimento sobre a Revista “Eparrei”. “Essa publicação está exercendo um papel muito importante não só pela qualidade gráfica como pelo seu conteúdo. Ela é vital não só para o movimento negro, mas para todas as pessoas. A “Eparrei” merece apoio, admiração e a solidariedade de todo/a afrodescendente brasileiro/a”.

Obras de ABDIAS NASCIMENTO publicadas:

O Brasil na mira do Pan-Africanismo, 2002 O Quilombismo,: 2002 Orixás: os Deuses Vivos da África, 1995 Africans in Brazil, co-autoria com Elisa Larkin Nascimento, 1991 Brazil : Mixture or Massacre, 1989 Combate ao Racismo – 6 volumes – Câmara dos Deputados, 1983-86 Axés do Sangue e da Esperança: Orikis, 1983 Sitiado em Lagos, 1981 Sortilégio II: Mistério Negro de Zumbi Redivivo, 1979 O Genocídio do Negro Brasileiro, 1978 O negro revoltado, de Abdias do Nascimento, Edições GRD,1968 TEN – Testemunhos, organizado por Abdias do Nascimento, Edições GRD,1966 Antologia Dramas para negros e prólogo para brancos, organizada por Abdias do Nascimento e editada pelo TEN, 1961 Sortilégio, 1959 Foram vários os prêmios e honrarias recebidos por Abdias do Nascimento. Entre eles:Tributo da Universidade Internacional da Flórida, 1987; Doutor Honoris Causa, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Prêmio Mundial Herança Africana, Biblioteca Pública de Nova York, 2001; Ordem do Rio Branco, no grau de Oficial, 2001; Prêmio UNESCO, categoria Direitos Humanos e Cultura de Paz, 2001 IPEAFRO (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-brasileiras End. Rua Benjamin Constant, 55 s. 1101 20241-150 - Rio de Janeiro, RJ Tel (21) 2509-2176 - E-mail: larkin3@ig.com.br

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Vanda

de Alagoas

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lagoas, um pequeno Estado do Nordeste brasileiro teve o privilégio de formar a primeira SecretariaExecutiva da Mulher. Como titular, uma mulher negra, Vanda Menezes, feminista e ativista do movimento negro que tem uma longa trajetória na luta dos movimentos sociais. Psicóloga, membro de um governo que conta com doze mulheres no primeiro escalão, Vanda está há um ano radiografando o Estado de Alagoas para conhecer as demandas e poder minimizar os problemas e oferecer qualidade de vida às mulheres. “As questões que sempre defendi como militante são as mesmas que estou colocando enquanto membro do Governo. A única diferença é que hoje posso fazer. Agora sou vitrine, passei anos como pedra, reivindicando, exigindo, discutindo, sugerindo e hoje estou tentando aplicar tudo o que sonhei. A ousadia é grande, mas eu sou ousada. Como já disse o Presidente Lula, se a pobreza do país tem a cara feminina, o combate a ela assim o será”. Cercada pela sua equipe, Vanda está visitando cada município do interior para conhecer a realidade de perto. Em cada cidade, é instalado um fórum de discussões junto às mulheres organizadas, e, em alguns locais, com clubes de mães, mulheres canavieiras, enfim, quem possa informar sobre as necessidades. A pesquisa já informou que o problema das mulheres do campo são muito semelhantes ao das mulheres da periferia da capital, Maceió, com o agravante das distâncias. “Constatamos a falta de documentos, a cesariana

desnecessária, a morte materna por falta de assistência adequada, mulheres morrendo por diabetes na gestação”, disse a Secretária. Acompanhando esse trabalho, a equipe está trocando informações com outras Secretarias e fazendo um levantamento de todos os projetos e programas. A Secretaria-Executiva da Mulher vai trabalhar com saúde, educação, assistência social, defesa social e justiça. “Estamos participando da elaboração do Projeto Plurianual 2004/2007, para colocarmos os problemas da mulher em todos os projetos e programas”. O entrosamento entre os diversos Secretários de Estado é visto por Vanda como fundamental. “Alguns ainda mostram estranheza, afinal quando se fala em Secretaria da Mulher, quase ninguém imagina que sua titular seja uma negra”. O trabalho feito em conjunto tem trazido bons resultados. Quando Vanda vai a Brasília e percorre os diversos Ministérios para conhecer os financiamentos que existem voltados para a mulher, considerase uma facilitadora. “Quando vou ao Planalto para propor que o Ministério da Habitação tenha uma linha de crédito para mulheres chefes de família, não estou atropelando as ações dos secretários do meu Estado, mas ajudando já que moradia é um dos maiores problemas que temos. Ao discutir sobre casa-abrigo, estou junto com o Secretário de Defesa Social, vendo a possibilidade de trazer recursos para a Segurança Pública que nos dá segurança enquanto mulheres”. Vanda analisa o Secretário de Defesa Social como uma pessoa aberta que troca muitas idéias

Texto: Maria Alice Guimarães Peres Fotos: Djamila Ribeiro

O Início da Militância Vanda entra para o movimento negro aos 18 anos, mas desde pequena não conseguia ver injustiça. Filha de pai negro e mãe branca logo cedo aprendeu o porquê da cor de sua pele, do cabelo encarapinhado e “que eu não devia abaixar a cabeça para ninguém e só respeitar a quem me respeitasse, fosse branco, preto, velho ou criança”. A mais nova entre cinco filhos, a família vem de uma tradição de matriarcado, mas que vivia uma igualdade de gênero. O pai era da Marinha Mercante e a responsabilidade de criar os filhos coube à mãe. “Mas ele sempre nos ensinou que não havia nenhum problema em homem varrer uma casa ou lavar uma roupa. Minha mãe tinha total liberdade para sair e voltar para casa na hora em que fosse possível, sem cobranças da parte dele”. Aos 18 anos, Vanda entra para o movimento negro com mais 32 companheiros que se reúnem por conta da discriminação contra um colega, estudante de Medicina, barrado num baile de formatura em um clube fechado em Maceió. A atitude racista provocou indignação e a partir desse ato, passam a acontecer encontros na Universidade Federal de Alagoas e em 1979 é formada a Associação Cultural Zumbi. Para financiar os estudos na Faculdade de Psicologia, Vanda faz concurso e entra para a Polícia Civil. Era 1980, a repressão ainda era forte e era preciso que os companheiros não divulgassem sua participação no movimento. Mas nada impediu que ela estivesse presente em uma grande manifestação pela desapropriação e tombamento da Serra da Barriga em que se reúnem membros da Associação e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, da Universidade. “Começamos a trabalhar em conjunto, entidade negra, Neab, Estado, até que em 1985 se forma o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do qual assumi a cadeira de conselheira. Em 93, formamos o Fórum de Entidades de Mulheres”. Na Polícia, trabalha no Presídio de Mulheres sempre discutindo as questões de gênero e raça e por esse motivo é expulsa. Vai então para a Delegacia de Menores para, como psicóloga, trabalhar no Estatuto da Criança e do Adolescente até que em 93, vai para o Sindicato da Polícia Civil, onde assume a presidência por nove meses. “Foi uma das experiências mais interessantes que vivi. Enquanto Sindicato, tivemos boas relações com a Polícia Militar e a Polícia Federal e pudemos discutir a humanização dos/as policiais”. Sempre levando as questões ligadas às mulheres e aos negros, Vanda sai em 1996 com a certeza da missão cumprida, quando foram conseguidas melhores condições de trabalho. “Tenho hoje o respeito da corporação e a experiência me deu conhecimentos para exercitar e discutir os nossos problemas com o Poder Público. Através do Sindicato, conheci a engrenagem e percebi que ali havia seres humanos que tinham se embrutecido com a violência”.

com o movimento feminista. Ele implantou no Instituto Médico Legal os quesitos cor, sexo, idade “e isso facilita a visão de como morrem nossas mulheres e homens negros. Essa é também a filosofia do Governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, que tem muito claro que se incluir mulheres e negros, retira a exclusão social que em nosso Estado é de mais de 50%”.

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As Mulheres Negras

O Trabalho no Executivo Como membro do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, Vanda participa de um embate com um delegado de polícia que estava pedindo carteira de saúde às profissionais do sexo. “O movimento e o Conselho entram nessa discussão porque essa solicitação era inconstitucional e nos comprometemos a fazer um trabalho com essas mulheres.” Nesse embate estava também Cátia Borni, atual prefeita de Maceió, que já trabalhava para o município. “Como estava com o salário atrasado no Estado, ela me convidou para participar do trabalho e me tornei assessora no programa municipal de DST/AIDS. Conseguimos provar que nenhuma daquelas mulheres estava infectada”. Em 2000, Vanda é convocada para coordenar a Saúde da Mulher em Maceió. “Alagoas foi o primeiro Estado do Nordeste a implantar o prénatal humanizado e o programa Saúde do Adolescente para o qual capacitamos 45 profissionais de saúde nessa área. Implantamos também um trabalho de atendimento a mulheres vítimas de violência”. No ano passado, o Governador de Alagoas fez uma consulta a mulheres que poderiam fazer indicações para a titular da Secretaria-Executiva da Mulher e o nome de Vanda predominou. “Convidei algumas companheiras para formar a equipe e iniciamos o trabalho. Estamos ouvindo as mulheres e a cada reunião que fazemos minhas costas pesam mais por saber o quanto teremos que fazer. Mas está sendo muito prazeroso ouvir os problemas e necessidades e começar a trabalhar as políticas públicas”. Vanda considera que o governador criou um desafio ao Brasil criando duas políticas específicas: a Secretaria da Mulher e a Secretaria de Proteção a Minorias que engloba homossexuais, negros, indígenas e portadores de deficiência física, com dotação orçamentária para esses segmentos.

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Vanda analisa que este é um momento histórico, com a existência de uma Rede Nacional de Entidades Negras que “pensa políticas e discute as nossas questões específicas. Precisamos ter consciência desse momento e precisamos nos amparar e fortalecer”. O quadro de violência existente é uma das preocupações e ela analisa que hoje existem todos os mecanismos: delegacia, casa-abrigo, centro de referência, conselho, fórum. “Capacitamos, monitoramos, discutimos e nem assim conseguimos minimizar essa situação. Tenho certeza de que se não empoderarmos as mulheres não conseguiremos resolver o problema”. Vanda conta uma situação vivida em Maceió que em agosto de 2000 teve uma grande cheia. A chuva fez que 108 mil pessoas ficassem desabrigadas. A Prefeita foi a Brasília e conseguiu financiamento para 2000 casas que ela colocou no nome das mulheres. “O que acontecia antes? Eles batiam e jogavam as mulheres na rua. Com a casa sendo delas, eles batiam e as mulheres avisavam: Muito bem, pode cair fora. Está provado que temos mais cuidado com a nossa cria, com a nossa vida”. A Secretária se entusiasma quando participa de seminários e encontra mulheres que ainda não estão no cenário nacional mas que de forma anônima estão desenvolvendo seus trabalhos. “Isso nos traz a renovação necessária para que possamos estar no governo, nas instâncias do poder, mas também ter um controle social de qualidade. É importante que se possa ter um espelho, uma relação de força tendo essas mulheres como monitoras e avaliadoras do nosso trabalho”. A implantação da Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial é vista como um passo que nunca havia sido dado, uma reivindicação de décadas do movimento negro. “O nosso caminho de conquistas é longo mas a SEPPIR é um bom início, além da Matilde Ribeiro ser uma mulher de luta”.

As Cotas Vanda se posiciona com muita força em relação à reserva de cotas para negros/as nas universidades: “Quem é contra elas é racista. Quando lutamos para colocar nossas companheiras e companheiros negros nos cursos superiores provocamos todo esse tremor porque passamos a disputar o poder”. E faz uma comparação: enquanto o tráfico de drogas estava nos morros do Rio de Janeiro não houve muita preocupação. “Há quantos anos os filhos das nossas companheiras negras morrem no tráfico? São meninos de 14, 15 anos com armas nas mãos. Mais recentemente, quando o tráfico desceu para o asfalto, aí o problema apareceu. Enquanto o genocídio era negro, as pessoas estavam sossegadas. É o caso da reserva de cotas. Eles não querem dividir os 100% que têm e nós pagamos para eles estarem lá”. Segundo a Secretária, o caso étnico no Brasil não é igual ao de gênero. “Queremos igualdade de gênero e equidade de raça. E não basta somente dar as cotas, é necessário garantir a permanência dos jovens dentro da universidade. E também precisamos dar cotas para os negros estrangeiros porque a África construiu este país”.


Se ligue CDs

Publicações

O Canto dos Escravos

Série Memória Eldorado; coleção de 14 vissungos (cantigas) em dialeto bengüela, recolhidos em Minas Gerais, interpretados por Clementina de Jesus, Tia Doca da Velha Guarda da Portela e Geraldo Filme. Acompanha o CD texto explicativo sobre os vissungos.

CD Okan Awa - Cânticos da Tradição Yorubá Interpretações de Inaicyra Sons da Bahia-2000, Atração Fonográfica-2002 Neta de Mãe Senhora, filha de Mestre Didi, Inaicyra realizou estudos e pesquisas na Universidade de Ifé e Ibadan na Nigéria. E-mail: inaicyra@iar.unicamp.br www.inaicyra.hpg.ig.com.br/ index.html

Ritmos nos Quilombos

Ritmos e músicas que celebram o Quilombo Frechal do Maranhão, pesquisado e gravado pelo grupo Officina Affro de São Luís/ Maranhão. Mais informações através do site: www.officinaaffro.cjb.net/

Poptical- ED Motta

Primeiro trabalho do músico na gravadora Trama, o CD reúne uma mistura de soul, bossa nova e jazz. Músicas como “Tem Espaço na Van”, de Seu Jorge, “Quem Pode Surpreender?”, de Zélia Duncan, encabeçam o CD. Lançamento de 2003.

Paula Lima

Universal-2003; Segundo CD solo da cantora, conta com regravações como a música “Meu GuardaChuva”, sucesso na voz de Jorge Ben e “Foi Para o Seu Bem”, cantada por Tim Maia nos anos 70.

Memórias de um gato

Autor: Luiz Carlos Lisboa, Editora Summus, 2001. Memórias de um africano muçulmano, estudioso de teologia islâmica e filosofia que participou da Revolta dos Malês, na Bahia e teve uma vida aventurosa em diversos países.

Ponciá Vicêncio (romance)

Autora: Conceição Evaristo; Mazza Edições/BH, 2003 Contato com a autora: conceicaoevaristo@hotmail.com

Caderno de Textos Contando a História do Samba

Rebelião escrava no Brasil - A história do levante dos malês em 1835

Publicação do projeto que recebeu o prêmio Ceert – Educar para a igualdade racial” para o Ensino fundamental. Mazza Edições Contatos: Elzelina Dóris: (31) 3443.5943 / 99743289 e-mail: elzedoris@ig.com.br; www.projetohistoriadosamba.hpg. com.br

Autor: João José Reis, edição da Companhia das Letras, preço: R$ 58,00 (680 páginas) Segunda edição revista e aumentada com novas pesquisas e um caderno de fotos. Contato com o autor: E-mail: jjreis@ufba.br

Inscreva-se nas listas raciais: Mulheres Negras

mulheresnegras-subscribe @yahoogroups.com

Chica da Silva, a mulher que inventou o mar (infantil) Autora: Lia Vieira, ilustrações de Iléa Ferraz, OR Produtor Editorial Independente, RJ, 2001; Pedidos: Lia Vieira: liavieira@uol.com.br

Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes - O outro lado do mito Autora: Júnia Ferreira Furtado, editora Companhia das Letras, R$ 48,50.

A Família de Santo nos Candomblés JejesNagôs da Bahia

Um estudo de relações intragrupais Autor: Vivaldo da Costa Lima; Editora Corrupio; 216 páginas,

Internet Discriminação Racial

discriminacaoracial-subscribe @yahoogroups.com

O Sortilégio da cor - Identidade, raça e gênero no Brasil

Autor: Elisa Larkin Nascimento Edição : 2003 ; 416 págs. Selo Negro Edições - R$ 51,50

Atabaque

atabaque-subscribe @yahoogrupos.com.br

Negros e Políticas Públicas

negrosepoliticaspublicas-subscribe @yahoogrupos.com.br

Educafro

educafro_nucleossubscribe @egroups.com

BlackChat

blackchat-subscribe@egroups.com

Homens Negros

homensnegros-subscribe@ yahoogrupos.com.br

Questão Racial

questaoracial @nossogrupo.com.br

Consciência Negra

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Intolerância

Texto: Isabel Clavelin

Terreiro: espaço sagrado e de resistência da cultura negra

Religiosa T

razidas para o Brasil como elemento cultural da população africana escravizada, as religiões negro-africanas ao longo de 503 anos sofrem com a intolerância. Foram classificadas como heresia e feitiçaria durante o poderio da Igreja Católica, sobreviveram usando como estratégia o sincretismo religioso (associação dos orixás com santos católicos), persistiram às tentativas de aniquilamento dos valores da população negra, como na década de 30 (século XX) com ordens de fechamento dos terreiros e de prisão aos praticantes de candomblé, batuque, macumba e umbanda, proferidas pelo presidente Getúlio Vargas. Mesmo com as interdições do sistema, as religiões de matriz africana tornaram-se alvo para a exploração do turismo, principalmente na Bahia, e fonte de renda para aproveitadores. Mas mantêm-se vivas, são transmitidas de geração a geração e conduzidas com seriedade por referências como Mãe Beata de Iemanjá e Ekéde Maria Moura. A 36 EPARREI

Fotos: Luana Castro

valorização e o respeito que desejam são indicados de forma simples e direta. “As pessoas têm que saber que o terreiro no Brasil mudou. Terreiro não precisa que ninguém fale em nome dele até porque ele já tem intelectualidade. As mulheres de terreiro já aprenderam a falar em nome dessa comunidade”, informa Maria Moura. Reconhecido como espaço social, os terreiros podem ser locais de resgate da cidadania e conscientização. Esse trabalho é resultado da inserção de ialorixás em grupos e entidades comprometidas com o bem estar social. “Terreiro é um ambiente em que todo o movimento visa a saúde, porque cultuamos os orixás. O orixá gosta do corpo do seu filho perfeito. A ialorixá e todos os participantes devem estar embuídos na questão saúde e, principalmente, com a natureza. Nós temos um trabalho de preservação ecológica: nós precisamos da água, das pedras, das ervas, do fogo, do ar. Precisamos e queremos que tudo esteja sadio”, comenta Mãe Beata. Além de ser um ambiente sagrado, os terreiros são locais de preservação cultural. Neles são contadas as histórias dos orixás e da ancestralidade, conhecidas as ligações entre Brasil e África, e encontradas explicações acerca da humanidade e de autoconhecimento. “A gente tem certeza que as mulheres de terreiro são as grandes detentoras da cultura dos afro-descendentes desse país. Por causa da intolerância religiosa e de outros setores, o trabalho de nós, ativistas dessa área, tem sido muito difícil porque independente de a gente ter o problema da intolerância ainda surgem as igrejas eletrônicas, que não têm história, não têm tradição e vêm levando nossos filhos de santo”, analisa Maria Moura. Garantida na Constituição Federal, a liberdade religiosa dos terreiros de norte a sul do Brasil é atacada com leis do silêncio e preservação de animais. Aprovada por unanimidade pelo Legislativo gaúcho, a lei 11.905 de autoria do deputado estadual Manoel Maria (PL-RS) abriu precedentes para que as casas de matriz africana fossem as principais atingidas pela lei de proteção aos animais. Segundo Baba Diba, do Ile Asè Yemonja Omi Olodo, o primeiro projeto de lei “falava claramente em proibir uso dos animais em feitiços, despachos e rituais religiosos. Essa parte foi vetada. No entanto foram criados códigos mascarados, com interpretação dúbia, que em casos de denúncia levam o babalorixá para os tribunais, ficando pela interpretação do juiz”. Como reação, uma comissão de religiosos de matriz africana procurou o governador Germano Rigotto para que fosse posto algum adendo na lei quando essa entrasse na pauta de votação. Na audiência, o governador disse ser quase impossível atender ao pedido e sugeriu que fosse elaborado outro projeto, o qual foi feito pelo deputado Edson Portilho (PT-RS). Baba Diba lembra que, após a aprovação da lei 11.905, os terreiros começaram a sofrer represálias por parte de evangélicos acompanhados pela Polícia Militar.


A articulação dos religiosos originou a Comissão em Defesa das Religiões de Matriz Africana, presidida por Mãe Norinha de Oxalá. Os encontros ocorrem às quintas-feiras, às 19h, nos Altos do Mercado Público, Centro de Porto Alegre. As “visitas das polícias aos terreiros” também são freqüentes em Minas Gerais. “Em Belo Horizonte estamos com muitas casas depredadas, pessoas recebendo ameaças, três casas fechadas pela polícia, além de abaixo assinados para retirar os terreiros históricos”, relata Makota Celinha (Célia Gonçalves Souza), da Executiva Nacional do CENARAB - Centro de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira. Na capital mineira há um terreiro tombado, num total de 3.500 casas de umbanda em Minas Gerais e 148 terreiros em Belo Horizonte. Para Makota Celinha, a intolerância religiosa é também uma demonstração de racismo. “Os judeus e muçulmanos sacralizam os animais que vão consumir. Então por que o animal do candomblé é diferente dos outros?”, compara. Conforme a coordenadora geral da Assessoria de Gestão Estratégica da Fundação Cultural Palmares, Sandra Silveira, a preservação das religiões de matriz africana é prioridade e faz parte de toda e qualquer ação da Fundação.

Política e axé Coordenador geral do Egbé Òrun Àyuê, Jayro Pereira de Jesus faz um alerta: “a questão da intolerância religiosa nos país deve ser tratada como um problema de segurança pública nacional já que vem estabelecendo no imaginário da população sentimento de afrotheofobia, por acusar as comunidades-terreiro como lócus de culto e celebrações aos demônios”. Conhecido pelo orukó Olorode Ogiyán Kalafor, Jairo destaca a importância de “ações de níveis políticos na busca de unidade dos adeptos para a efetivação de manifestações de massa que soe como denúncia internacional, jurídica, recorrendo ao poder judiciário por violação à Constituição como atentado à liberdade de culto e à diversidade religiosa”, complementa.

As estratégias políticas vão de manifestações públicas, como a ocorrida em Belo Horizonte em 27 de abril, a audiências com governos e estruturação de comissões. Essas iniciativas visam sensibilizar a sociedade para a seriedade dos cultos de matriz africana, desconstruindo os preconceitos que rodeiam essas religiões. Diva Moreira, consultora de Questões Raciais e de Gênero do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), ressalta: “quando nesta época é necessário realizar um ato contra a intolerância religiosa é um sintoma da incapacidade humana de conviver com a diferença”. Do alto de sua sabedoria e tranqüilidade, Mãe Beata expressa o compromisso de tornar o terreiro um espaço sagrado e politizado. “Nós, de Criola, temos essa responsabilidade e nos mobilizamos a todo momento para colocar essa questão a toda a pessoa que faz parte da cultura afro-brasileira. O terreiro é a morada dos orixás. Orixá é natureza e precisamos de tudo em harmonia”, explica.

O CENARAB é uma entidade nacional, presente em vários Estados Brasileiros: SP, SE, MG, RJ, RS, PA,SC, BA, DF. Rua da Bahia, 1148 - 19 andar - sala 1908 – Centro Belo Horizonte MG - CEP 30.160-011; Contato: Makota Célia - Tel. (31) 3434-3388 / 9919-8368

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ME ORGULHO EU DE SER MULHER NEGRA

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S E Ç Ã O

M U L H E R

Fátima de Oliveira Médica, secretária executiva da Rede Feminista de Saúde; diretora da União Brasileira de Mulheres; do conselho diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução; integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; autora de publicações(*) sobre saúde da mulher negra, bioética e engenharia genética.

EPARREI: Como você vê as primeiras iniciativas do governo Lula de políticas para a raça negra? FÁTIMA: Acredito que a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), criada em 21/03/03, órgão de assessoramento à presidência da República, é uma grande promessa. Em si é uma carta de intenções. Espero que aconteça o milagre, que o pedido seja ouvido, sobretudo considerando-se que está como ministra Matilde Ribeiro, uma feminista e anti-racista, inegavelmente, de longa data, na qual confio e sei que é comprometida com as idéias feministas e anti-racistas. Então, estou dizendo que a grande iniciativa do governo Lula foi indicar Matilde Ribeiro para essa tarefa monumental, que é a elaboração e a articulação para implementar políticas de promoção da igualdade racial. Não podemos esquecer que não foi criada uma “Secretaria do Negro”, mas um lugar no governo para dar visibilidades à problemática da discriminação e do preconceito raciais e do racismo. Logo, urge alçar a um lugar importante na SEPPIR os problemas que se abatem sobre as outras etnias, embora a população negra seja majoritária. E para confirmar o dito popular que se alegria de pobre dura pouco, a de negro então, nem se fala, há boatos midiáticos, da pena informadíssima da colunista Dora Kramer (9 de setembro), dizendo que: “Entram na lista

dos candidatos a perder o título de ministros os titulares das secretarias especiais da Pesca, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres. Todas devem passar para ministérios das áreas afins”. O que indica perda de prestígio, pois ficarão sem status de ministério. Com qual cara a ministra Emília Fernandes vai ficar? E a ministra Matilde Ribeiro? Aceitarão, cordeiramente, o rebaixamento? Os peixes, até podem calar, mas... E nós? EPARREI: Em relação à mulher, quais são as ações urgentes que o governo precisa adotar? FÁTIMA: O enfrentamento da condição da cidadania de segunda categoria da mulher em nosso país é urgente. É preciso que sejam cumpridos os compromissos assumidos pelo Brasil nas Conferências do Sistema Nações Unidas, além do cumprimento da constituição brasileira, a mais avançada do mundo em relação aos direitos da mulher. Direitos na lei não significam, automaticamente, direitos na vida. Ainda temos uma vida muito difícil. O Colegiado da Rede Feminista de Saúde (RFS) definiu como para diálogos prioritários o Ministério da Saúde (MS), a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM) e Secretaria Especial de Políticas da Igualdade Racial (SEPPIR), aos quais solicitou audiências, ocorridas, respectivamente, em 27 de maio, 9 de maio e 12 de junho. A ministra Emília Fernandes foi muito receptiva aos pontos

expostos pela Rede Feminista de Saúde; demonstrou preocupação com o recrudescimento dos discursos favoráveis ao controle de natalidade em nosso país, afirmando que tais posturas devem ser combatidas e que a sua pasta estará vigilante no sentido de se contrapor a tais idéias; demonstrou muita sensibilidade com as preocupações do movimento feminista relativas ao debate em curso sobre a descriminalização do aborto; e nos informou que a sua gestão está comprometida com os nossos anseios e perspectivas de gestão democrática da SEPM e do CNDM, assim como de encaminhar devidamente as nossas solicitações de apoio irrestrito, que já existe, à Área Técnica de Saúde da Mulher. A coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Maria José de Oliveira Araújo, respondeu positivamente ao convite do Colegiado da RFS e no dia 5 de maio expôs suas idéias e planos para implantar, em todo o país, o PAISM – Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, diretriz do governo para a saúde da mulher desde 1985, através de um Plano Nacional de Atenção à Saúde da Mulher, que prevê que todas as ações em saúde da mulher serão recortadas por: mulheres negras, indígenas, trabalhadoras rurais, lésbicas e portadoras de deficiência. O ministro Humberto Costa, velho amigo das feministas, reafirmou que em sua gestão saúde da mulher é uma prioridade.

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EPARREI: Políticas para a mulher negra, o que priorizar? FÁTIMA: Em 12 de junho a Rede Feminista de Saúde (RFS) foi recebida em audiência pela ministra Matilde Ribeiro, da SEPPIR. Manifestamos nossa expectativa positiva em relação à SEPPIR e a sua importância para a luta feminista e antiracista. A ministra manifestou a sua concordância com o inteiro teor da pauta apresentada pela RFS, ao dizer que ela não apenas era inteiramente pertinente para a ação política da SEPPIR, mas merecia um espaço oficial de “encaminhamento/ monitoramento”. Para tanto, propôs a formação de um Grupo de Trabalho composto pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Ministério da Saúde, Secretaria Especial de Políticas para a Mulher, Rede Feminista de Saúde e outras articulações de mulheres, que serão convidadas a participar. EPARREI: A seu ver, a quantas anda a implementação do Plano de Ação de Durban no Brasil? FÁTIMA: Não andou quase nada. Precisamos tensionar nossa pressão política, de

modo organizado. É nosso papel. Nesse sentido, a Rede Feminista de Saúde publicou o Dossiê “Assimetrias Raciais no Brasil: alerta para a elaboração de políticas”, elaborado pela pesquisadora Wânia Sant’Anna, disponível em www.redesaude.org.br, que retrata a situação de afrodescendentes. O referido Dossiê estabelece um diálogo entre os dados das PNADs da década de 1990 até o ano de 2001 e os Megaobjetivos do “Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 – Orientação estratégica de governo, um Brasil de todos: crescimento sustentável, emprego e inclusão social”.A conclusão de um trabalho de tamanha envergadura é a situação de extrema vulnerabilidade da população negra em todos os Estados e que “as carências sociais do país não guardam relação com o crescimento populacional”. Depois do Dossiê “Assimetrias Raciais no Brasil: alerta para a elaboração de políticas, a sociedade brasileira, mas em especial parlamentares, governos e todos (eu disse todos!) os movimentos sociais não poderão mais se abster de ver o que secularmente praticaram e tentaram esconder: crueldade!

EPARREI: O debate sobre ações afirmativas concentrou-se nas cotas de acesso à universidade. O processo não deveria ser ampliado a todas as áreas? FÁTIMA: Quando falamos em “área social” do governo nos referimos a necessidades que o governo deve prover. Os exemplos clássicos são saúde e educação. Mas o campo é amplo e engloba o mundo vasto dos DhESC (direitos humanos, econômicos, sociais e culturais). Grosso modo, políticas públicas significam a materialização de deveres do Estado que os governos devem transformar em gestos para garantir bem-estar a toda população ou a setores dela. No Brasil, o combate ao racismo exige que o Estado assuma, em palavras e atos, que somos um país racista que precisa deixar de sê-lo. Urge que o governo entenda, por sensibilidade ou por dever de ofício, que políticas universalistas são insuficientes para abolir o racismo. E seja determinado e lance as bases de uma revolução cultural que ressoe nos usos e costumes, nos mitos e nos ritos que sustentam o racismo. Tenho dito que falar em acesso de negros à universidade é coisa proibida e herética. Aptidão para a universidade é concluir o segundo grau. Só o fim do vestibular democratizará a universidade brasileira! O resto, é remendar a exclusão: a falta de vagas. Cabe ao Estado assegurar acesso universal à escola de todos os graus. Eis a luta estratégica. A conclusão do segundo grau é a única condição legal e a exigência moralmente sustentável para acesso à universidade! Até à eqüidade, as cotas étnicas são direito à reparação e um modo pedagógico de obrigar os brancos ao aprendizado de coletivizar privilégios que usurparam de afrodescendentes. EPARREI: Qual deve ser o papel das ONGs neste processo de ações afirmativas? FÁTIMA: Enfrentar o debate político. Não podemos nos intimidar!

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EPARREI: E a comunicação, qual o papel da grande mídia e da mídia negra no processo de construção da cidadania negra? FÁTIMA: Imenso. Muito maior do que supomos. Os meios de comunicação constituem um grande poder. Precisamos aprender a enfrentá-los e a usá-los a nosso favor. EPARREI: As mulheres negras estão num processo crescente de organização e de empoderamento político. Como você vê a evolução das ONGs de mulheres negras? FÁTIMA: Muito positivamente, mas penso que precisamos saber articular melhor para comprometer mais o feminismo com as nossas demandas e propostas. Há uma hegemonia branca no feminismo mundial. Na América Latina, não é diferente, logo o feminismo enquanto movimento ignora o inteiro teor da luta anti-racista. O que é lamentável, pois em países como o Brasil, com expressiva população negra, a não incorporação da perspectiva anti-racista pelo feminismo entrava seus propósitos libertários. Nas preparatórias da III Conferência Mundial contra o Racismo, o setor que emergiu com grande visibilidade política em âmbito mundial foram os afrodescendentes. Isto é, a descendência da diáspora africana em todos os recantos do mundo. Os afro-brasileiros constituem uma parte aguerrida deste setor, tanto no plano nacional quanto internacional. Mas as mulheres negras, fizeram toda a diferença. EPARREI: No seu entender, o que está faltando para mudar concretamente as estatísticas que apontam a mulher negra como o segmento com a pior qualidade de vida no Brasil? FÁTIMA: Compromisso e vontade política dos governos em âmbito nacional, estadual e municipal. Tenho a opinião que enquanto os governos municipais não se conscientizarem do seu papel, não andaremos muito. Vivemos é no município, portanto é o município que precisa criar espaços para o exercício cotidiano da cidadania.


EPARREI: Quais são os desafios de uma mulher negra à frente da Rede Nacional Feminista de Saúde? FÁTIMA: Em primeiro lugar, se dar conta que o enfrentamento da violência moral decorrente do racismo é a regra. Exigem de mim, cotidianamente, nas mínimas coisas, o que jamais exigiriam de uma branca: provar que sou competente para ocupar aquele lugar. E olhem que fui eleita por unanimidade e sou a única filiada da RFS que pode dizer que foi convidada (eu disse: CONVIDADA!) duas vezes para concorrer à secretaria executiva. Pensando bem, não foi à toa, não é? A exigência cotidiana da competência, eu a vejo como uma espécie de terrorismo moral, mas que infelizmente está muito presente em nossos meios feministas e tem, lamentavelmente, suplantado a solidariedade. Toda e qualquer tentativa de linchamento moral é sempre uma a faca que agride reputações ilibadas e a dignidade humana, companheira inseparável da VIOLÊNCIA MORAL. Dar conta do recado dificilmente é reconhecido como competência e responsabilidade, mas como autoritarismo, acusação freqüentemente levantada contra mim, ao longo da vida, sempre que ocupo um lugar de destaque, seja no trabalho, seja no movimento feminista. Acusação difícil de ser sustentada, sobretudo porque sou uma pessoa muito gregária, sei e gosto de trabalhar em equipe. Sou aberta ao novo. Gosto de aprender e de e socializar o que sei. Acho, tenho convicção de que precisamos ser milhões. Invisto nisso. Acredito na formação de

novos quadros políticos como uma necessidade absoluta. Então aprendi, a duras penas, há muito tempo, não foi agora que a pecha de autoritária é uma acusação cuja única base só se sustenta em relação à minha pessoa tendo como alicerce o racismo. E faço questão de dizer isso. Não me intimido. Sou uma pessoa que defende com firmeza e convicção suas opiniões, além do que tenho o trabalho e o cumprimento dos compromissos políticos como valores que cultivo. Mas há gente que não gosta disso. Respeito, porém nada me obriga a concordar e a renegar meus princípios. Entendido isso, o resto é trabalho, trabalho e trabalho... Desde de eleita secretária executiva da RFS essa é uma pergunta recorrente, em todas as entrevistas (Quais são os desafios de uma mulher negra à frente da RFS?). Tenho uma resposta pronta e vou dá-la à Eparrei. Logo após ter sido eleita, em maio de 2002, em entrevista concedida à International Women´s Health Coalition (organização feminista sediada em Nova Yorque, EUA), respondi à pergunta: “Por que é significativo o fato de a Rede Feminista de Saúde ser atualmente dirigida por uma mulher afro-brasileira?” Disse: “Em primeiro lugar, estamos legitimamente em um lugar que nos pertence também, pois ajudamos a construí-lo. Em segundo, somos metade das brasileiras e, embora não sejamos ainda metade das filiadas da Rede Feminista de Saúde, nas alternâncias de poder devemos ser contempladas. Embora a minha eleição não tenha se dado em um contexto de ação afirmativa, mas pela minha participação enquanto feminista antiga, ou algo semelhante, que

expressa domínio da política da Rede, defendo que devemos nos preocupar em desenvolver uma política de ação afirmativa mais arrojada. Há anos a RFS está, conscientemente, trilhando tal caminho. Pessoalmente não tenho um projeto para a Rede. Como secretária executiva, a minha tarefa é implementar as decisões da política definida pela Rede em seus Encontros bianuais, tarefas que, necessariamente, devem ser acompanhadas e compartilhadas com o Conselho Diretor. Mas tenho um desejo pessoal radicalíssimo, que é aprimorar, ao máximo, a compreensão, no conjunto da Rede Feminista de Saúde, que o formato organizativo REDE é, antes de qualquer outra coisa, uma articulação política entre “pares” (iguais), portanto os sucessos, dificuldades e insucessos de uma gestão em uma Rede devem ser creditados, sempre, ao conjunto de sua direção, extensivamente ao conjunto de suas filiadas. Penso que não será uma empreitada fácil ter como meta administrativa e política radicalizar na prática do funcionamento horizontal – alicerce do formato Rede, na medida em que fomos socializadas em um país presidencialista, cuja cultura do chefe – aquela pessoa que manda e tudo pode, é fortíssima. Ao mesmo tempo em que a “cultura presidencialista” também é um álibi cômodo que desresponsabiliza pessoas e instituições do cumprimento de seus deveres individuais em um trabalho coletivo. É um desafio, mas gostaria de enfrentar e estabelecer tal mudança cultural com muita determinação e solidariedade, pois sou fascinada com o formato organizativo REDE.

EPARREI: Enquanto médica plantonista em pronto-socorro de BH, como você analisa o papel do setor saúde no combate à violência doméstica? FÁTIMA: Os serviços de saúde, em particular as urgências e emergências, são os equipamentos públicos que possuem as maiores probabilidades de ajudar uma mulher a quebrar o ciclo da violência. Todavia precisam estar habilitados para tanto. Há pelo menos uma década estamos repetindo, como um mantra, que “a violência é também uma questão de saúde pública”, pois são conhecidos os efeitos da violência doméstica na saúde, apesar da invisibilidade deles para a quase totalidade dos profissionais da área, que não os reconhecem. Lidar com as conseqüências da violência no cotidiano é a rotina insensível dos serviços de saúde. No mundo. Mas o que é que explica que os serviços e os profissionais não se deram conta e ainda não percebem esse fenômeno constante e insidioso? A naturalização e a banalização da violência contra a mulher. Aproveito para dizer para um público mais amplo do que aquele que esteve em Santos (SP) no “Seminário nacional violência contra a mulher & saúde – um olhar da mulher negra” (19 a 21/06/03) que os desafios são: a violência institucional; as características operativas de invasão da privacidade do PSF e desestabilizar a cultura patriarcal machista, tão arraigada que permite a um governo indicar e bancar para altos cargos da República personalidades cujo currículo também contém um passado de violência doméstica,

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e se contenta com cartas e declarações que amenizam o ocorrido e ainda diz: “mas a mulher o inocentou.” O que o governo poderia fazer? O governo eu não sei. Mas nós, não podemos silenciar. EPARREI: Autora de publicações na área da bioética e da engenharia genética, você poderia esclarecer para as leitoras e leitores de EPARREI, como os novos rumos da genética podem afetar a vida das mulheres das populações não-brancas? Quais os aspectos positivos e quais devem ser objeto de preocupação? FÁTIMA: Bem, sobre as pesquisas sobre o genoma humano, as raças e o racismo. Uma das decorrências mais importantes das pesquisas sobre o genoma humano é, indubitavelmente, a consolidação da constatação científica que geneticamente não há raças humanas. A genética molecular pré-pesquisas do genoma humano afirma que considerando-se o DNA como o material hereditário e o gene como unidade de análise biológica é impossível dizer se estas estruturas pertencem a uma pessoa negra, branca ou amarela, pois o gene carrega possibilidades de caracteres e não os caracteres. Embora as pesquisas sobre o genoma humano ofereçam ferramentas científicas de combate ao racismo e hipóteses de coisas boas, tais como: diagnóstico mais preciso das doenças genéticas (os “kits de diagnósticos genéticos” e a dita

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“medicina preditiva”) e talvez até a cura de algumas delas, é preciso lembrar que as promessas de curas com certeza permanecerão décadas como promessas. Há possibilidades concretas de que a aplicabilidade dos novos saberes pode servir a intentos eugenistas, desde a discriminação intra-útero (e até na “proveta”!) à modificação da espécie humana e ao estabelecimento da discriminação genética, que repousa em bases racistas e sexistas históricas, todas em geral sob a aura do fatalismo genético – a idéia reducionista e equivocada de que os genes não só podem tudo, como são oráculos infalíveis e funcionam sempre sem interação ambiental! Integro a luta pela criação de espaços que possibilitem às pessoas comuns compreenderem o significado das mudanças carreadas pelas biociências, em especial pelas biotecnologias que manipulam e transformam a vida biológica, cujas repercussões na vida social e política são ainda uma incógnita. EPARREI: Viena+10, Rio+10, Cairo +10, Beijing + 10, Durban+5. E a mulher negra como fica, doutora? FÁTIMA: Precisamos nos preparar para enfrentamentos políticos e ideológicos na arena do Sistema Nações Unidas. Vivenciamos um recrudescimento do fundamentalismo em todo o mundo. Não vamos nos intimidar. É preciso enfrentar a onda fundamentalista, seja ela de caráter religioso, cultural, político,

científico ou econômico. As idéias fundamentalistas expressam posicionamento políticos, logo precisamos encará-las no campo da luta política. As conquistas do campo dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos correm riscos casos e realizem reuniões governamentais de Cairo +10 e Beijing +10. Defendemos a idéia de uma “Celebração das conquistas do Cairo”. O momento político é adverso. Não vê Bush, o Papa João Paulo II, lépidos e fagueiros quando o assunto é legislar sobre os corpos de todas as mulheres do mundo? Os fundamentalismos aparecem como pensamento, verdade e moralidades únicas. Precisamos combatê-los, em nome da democracia e da liberdade! Na audiência da Rede Feminista de Saúde com a ministra Emília, ela reafirmou que o governo brasileiro está comprometido em respeitar e implementar as definições das Conferências do Cairo (1994) e de Beijing (1995) e que a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres manterse-á vigilante no sentido de preservar e afinar o diálogo com as mulheres em luta em nosso país para que possa cumprir a sua missão de responder positivamente às necessidades e anseios das mulheres. É esperar, mas vamos agindo. EPARREI: Em que as reformas que estão sendo votadas podem nos afetar enquanto mulheres e enquanto população negra? FÁTIMA: Eu, particularmente acho que as Reformas do Estado que estão propostas


(Previdência, Tributária e Política) não respondem às nossas necessidades. É explícito, por exemplo, o caráter fiscal da Reforma da Previdência, que em si demonstra que o objetivo é estabelecer o Estado mínimo e cada vez menor... O que significa poucas probabilidades de uma opção preferencial pelos problemas dos pobres e da pobreza. EPARREI: Estamos perdendo a juventude negra para o tráfico, consumo de drogas, aids... O que fazer? FÁTIMA: Drogadização, assim como pauperização, feminização e enegrecimento da aids são questões contemporâneas complexas para as quais não há uma receita, como as de bolo, portanto precisamos encará-las com a devida seriedade e ir construindo as respostas. EPARREI: No ano que vem haverá eleições nos municípios, que é onde tudo começa. A lei diz que 30% das candidaturas têm que ser de mulheres. Como garantir uma porcentagem dessas cotas para candidatas negras a vereadoras? FÁTIMA: Lutando, combatendo o machismo e o racismo endêmicos e estruturantes dos partidos políticos. As negras que estão nos partidos e que desejam ser candidatas e as que não desejam, precisam criar uma corrente de solidariedade para enfrentar o poder patriarcal, masculino e branco. Não há outra saída. EPARREI: O que espera de nossas(os) representantes nas diversas instâncias de poder: SEPPIR, Palmares, Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico, Ministério de Ação Social, UNESCO, PNUD e outros?

FÁTIMA: Que cumpram o seu dever e que, cotidianamente, relembrem seus compromissos com a luta anti-racista e os refaçam, pois a solidão e a sedução do poder são brutais. O poder pode ser um descaminho. EPARREI: Você não acha que há muito blábláblá, discursos, conversa fiada e falta de ação? FÁTIMA: Ainda vivenciaremos durante muito tempo essa fase do blábláblá... para o bem ou para o mal. O enfrentamento do racismo exige uma mudança de padrão cultural no âmbito do Estado, dos governos, das instituições públicas e da sociedade. Mudar mentalidades, leva tempo... EPARREI: Deixe uma frase para leitoras e leitores de EPARREI FÁTIMA: Que procurem entender o que é feminismo, pois não se compreende o inteiro teor da liberdade quando não se é feminista e que lutem para que o feminismo assuma cada vez mais uma postura anti-racista.

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Um gosto de Zora E

Texto: Maria Alice Guimarães Peres Fotos: Andréa Vargas

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ngana-se quem imagina que a cozinheira é uma mulher sem vaidade, com o rosto marcado pelo trabalho pesado. A culinarista mineira Zora Santos desmente essa imagem. Modelo na década de 70, quando morou em Paris e desfilou alta costura, ela é uma pesquisadora da arte culinária e uma mulher linda e cheia de força. O interesse pela cozinha foi herdado da mãe e das tias que inventavam pratos e como Zora diz brincando: “eram cozinheiras negras que trabalhavam com o que achavam na geladeira e no armário. Minha mãe nunca passou aperto quando, de surpresa, chegava visita em casa. Ela sofisticava um quiabo, criava um molho saboroso e sempre fazia sucesso”. Zora saiu do Brasil com 20 anos e na França se descobriu como negra. Foi lá que percebeu que a profissão de cozinheira era respeitada. “Via pessoas fazendo pratos maravilhosos e ganhando dinheiro com isso. Foi uma surpresa porque no Brasil, a profissionalização não existia, a cozinha fazia parte da vida das mulheres”. Quando teve o primeiro filho,

ela começou a se interessar pela comida mineira. Não entendia bem aquela história contada pelas senhoras, que, quando perguntadas sobre o cardápio que estava sendo servido, respondiam que era uma receita de família. “Pesquisei e concluí que a tal receita da família era de negros, porque quem sempre fez a comida foram as nossas mães e tias, mulheres negras”. Daí, vieram as buscas aos ingredientes, os temperos, as ervas e folhas, a contribuição do português, que resultaram na comida afro-mineira, adaptada para os dias de hoje. A gordura de porco passou a ser usada em menos quantidade e foram acrescentados alguns ingredientes da culinária africana. Zora prepara almoços e jantares que serve em buffets ou empresas e tem também um restaurante itinerante que é uma barraca montada em eventos. “Ainda é difícil convencer as pessoas. Estou falando de pastel de angu e elas estão sonhando com canapé de salmão. Mas depois que o cliente participa da degustação dos pratos, não resiste. Trabalho de uma forma diferenciada, sem garçons. O


serviço é feito por mulheres negras em trajes étnicos e, dependendo da festa, participam músicos percussionistas”. Sorrindo, ela se declara gulosa e a preferência é pelos caldos. Em Minas são famosos os de feijão e mandioca, mas ela inova misturando abóbora com leite de coco ou maxixe com carne seca. Entre os pratos quentes, preparados em panela de pedra, criou o frango afro-mineiro, com sabor exótico, mistura de frango com açúcar mascavo e amendoim torrado, servido com purê de inhame com requeijão. A carne de porco acompanhada de geléia de jaboticaba também está entre os mais escolhidos para jantares. Durante cinco anos, Zora pesquisou ervas e folhas pelo interior de Minas Gerais e em suas comidas há manjericão, alecrim e hortelã. As folhas do limão temperam os peixes e a cansansão, uma planta muito utilizada para fazer cercas vivas, é considerada como o carro chefe. “Hoje, busco informações da comida africana de Angola e do Congo. O cará que comprovadamente ajuda no equilíbrio do hormônio feminino é muito explorado. Faço salgadinhos usando inhame e batata doce que agradam muito os clientes de coquetéis. A alimentação tende a ser mais light, e por isso a maionese é substituída pelo iogurte”.

AS QUITANDAS MINEIRAS Broas, biscoitos, bolos e pãezinhos compõem a famosa quitanda de Minas, menina dos olhos da culinarista. Em

homenagem à mãe ela criou a broa Maria Queiroz, feita com milho e torresmo de bacon. “Foi na quitanda mineira que entrou a contribuição portuguesa na comida africana. E apareceram os biscoitinhos de coco, os amanteigados, doces em calda e os licores de frutas”. Para um jantar completo, são preparados desde os aperitivos de entrada, aos pratos quentes, sobremesas e bebidas. Zora sempre tenta convencer os clientes a trocar os refrigerantes pelos chás que são servidos fumegantes no frio e bem gelados no verão. “Quem provar chá de canela com alecrim e manjericão nunca mais vai querer outra bebida”. Para ela, a arte culinária é uma cultura transformadora, o primeiro contato que se tem com a vida de um país que se visita. “Mas no Brasil, isso ainda não é levado a sério. Tenho sonhos em relação à Fundação Cultural Palmares, um apoio efetivo para que pudesse passar o que sei para outras pessoas. Além disso, a formação de uma rede em que participassem pequenos/as agricultores/as, que trabalhassem com produtos sem agrotóxicos e que proveriam esta cozinha experimental. Na Europa já há projetos que apóiam pessoas que se especializaram em alguma área da culinária. Aqui, está faltando esse passo para que aquela senhora do interior que criou uma receita maravilhosa de um doce em calda, possa sobreviver desse trabalho, tendo como escoar e poder vender a sua produção”. Por algum tempo, Zora trabalhou em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte, dando cursos. O projeto foi encerrado e hoje ela

dá aulas em buffets que incluem as quitandas e as combinações de pratos. Até o final do ano, ela pretende reformar sua casa e montar um restaurante. Por enquanto, atende até 15 clientes numa bem montada varanda. “Tenho muitos planos, mas a luta é grande. Ser mulher negra no Brasil significa trabalhar 48 horas por dia, enfrentando desafios. Minha vida é igual à de muitas mulheres negras: solteira, mãe de três filhos, 50 anos. E ainda querendo fazer comida sofisticada? É muita coisa, você não acha?”

SERVIÇO Zora Santos Rua Itamaracá, 283 – Belo Horizonte telefones: (031) 24230689 / 96474151 E mail: zorasantos@hotmail.com.br Jantar completo: R$ 45,00 por pessoa Coquetel: R$ 18,00 por pessoa

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Uma Onda

Negra noAr “Você está na favela. Você está ouvindo a Rádio Favela FM 106.7.” Do alto do morro da favela Nossa Senhora de Fátima - uma entre as 11 favelas do Aglomerado da Serra, de Belo Horizonte, a Rádio Favela fala para uma comunidade que vai muito além dos 100 mil moradores da área. Seu sinal chega a atingir cerca de 90 municípios, além de Belo Horizonte.

Falando o “favelês”, linguagem da periferia com suas gírias, divulgando músicas do próprio morro e dos morros vizinhos, a Rádio Favela, desde as primeiras transmissões, fez um estrondoso sucesso entre os moradores da favela e em toda a região metropolitana da capital mineira. Segundo pesquisas oficiais, é a terceira mais ouvida na Grande BH. Segundo o povo nas ruas, a primeira. Este sucesso de público é confirmado pela

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intensa demanda: atualmente, a equipe da Rádio Favela recebe cerca de 700 telefonemas por dia. A programação é das mais democráticas. O rádio funciona como um serviço de utilidade pública. Qualquer pessoa, a qualquer horário, pode usar as ondas da emissora. Opiniões e denúncias são feitas ao vivo. Manifestações, protestos, são noticiadas no momento em que estão ocorrendo, bastando ligar para a rádio, pedir a divulgação

e entrar no ar, ao vivo. Através dos seus serviços, encontram-se crianças perdidas, documentos, chamam-se ambulâncias. A programação começa às quatro horas da madrugada e vai até às vinte duas horas. Programas musicais e informativos são alternados ( Arapuca Caipira, Samba Favela, Uai Rap Soul, Quilombo Favela, Bolero do Lero Leiro , Sábato Italiano, Fala Meninada , Ciência na Favela, entre...). No final de cada hora,

há notícias atualizadas sobre os acontecimentos do Brasil e do mundo. Uma atração da Rádio é Dona Mariquinha, uma mulher negra de 79 anos que participa ativamente das atividades da Rádio desde a sua fundação. Ela colabora como locutora, aos domingos. Entre os programas com grande participação de jovens, está UAI RAP SOU, produzido e apresentado por Misinha (filho de Misael e locutor desde os 9 anos de idade, hoje

Foto da Favela: Nina Kos

Texto: Silvia Lorenso e Maria Rosa Pereira Fotos: Fernando Macalé, produtor da Rádio Favela


ele tem 17). Outro ponto de destaque da Rádio é a participação de presidiários “o pessoal do outro lado do muro. Freqüentemente chegam cartas dos presídios; o pessoal denuncia maus tratos, pede para mandar um alô para a família e amigos e dá retorno sobre algum assunto discutido no ar”, comenta Nerimar Teixeira – um dos diretores. Para a comunidade, foram as cobranças ao vivo da Rádio Favela que trouxeram asfalto e água para os milhares de moradores do Aglomerado da Serra. Porém o principal trabalho da Rádio é educacional e preventivo quanto ao envolvimento com o tráfico, uso de drogas, roubo e violência e inclui temas como a desnutrição, Aids, câncer de mama. “Essa rádio não toca música não, toca é idéia”, repetem os locutores.

Fotos da equipe da RÁDIO FAVELA 1. Misael Avelino - vestido de azul (presidente da Rádio Favela FM) 2. Sílvia Lorenso - produtora e apresentadora do programa 3. Raul Rodrigues - de blusa cinza (produtor e apresentador) 4. Nerimar Teixeira - de blusa preta (Vice-presidente da Rádio

Difícil Começo Fundada, em 1981, por iniciativa de um grupo de moradores da favela, a rádio tinha uma especificidade: seus principais fundadores eram todos negros, orgulhosos de sua raça e, através da rádio, combatiam a discriminação racial. A idéia era criar um espaço de lazer para os jovens através da música e cultura negra e conscientizar os jovens quanto aos problemas ligados ao tráfico de drogas que estava se instalando no local. Como não havia energia elétrica na favela, a rádio começou a funcionar com um transmissor a bateria e um toca-discos a pilha. Até se tornar conhecida e receber prêmios das Nações Unidas, a Rádio Favela de Belo Horizonte chegou a sofrer mais de 100 batidas policiais. A Agência Nacional de Comunicação (Anatel) pediu o fechamento da rádio pirata por falta de concessão para uso do sinal e por interferência em outras rádios da cidade. Por três vezes mandou lacrar os seus transmissores interrompendo o funcionamento da rádio. Misael Avelino dos Santos e Nerimar Fernandes, dois dos seus fundadores, e o grupo de locutores da Favela FM, peregrinavam de morro em

morro, de barraco em barraco, sempre com a programação no ar. Chegaram a mudar de endereço cerca de 30 vezes. Nessa estratégia tiveram o apoio de toda a comunidade, que silenciava sobre a localização da rádio para dificultar a ação dos policiais. Foram difíceis anos de ameaças, perseguições e truculências, período em que Misael foi preso e processado sete vezes. No ano de 1999 a equipe de diretores, funcionários e voluntários criaram a Fundação Educativa Favela FM e a Rádio alcançou a concessão para funcionar como Emissora Educativa no final de janeiro de 2000. Segundo Misael Avelino “ foi a primeira emissora considerada pirata - mas na verdade o termo correto é comunitária – do mundo a receber uma concessão oficial”. Para obter esse reconhecimento oficial, muito contribuíram os dois prêmios que recebeu da ONU, em 1987 e 1988, pela sua contribuição preventiva contra o consumo de drogas e da violência e a crescente visibilidade internacional da rádio. 0 Sindicato de Jornalistas da Alemanha considerou a experiência da Favela FM como uma revolução na mídia do Terceiro Mundo.

Fundação Educativa Quando a Rádio surgiu, como veículo comunitário de comunicação, ela ocupava um barraco que, ao mesmo tempo era a casa de um dos criadores, em meio a um caminho de becos e esgotos a céu aberto. Cabiam apenas 3 pessoas, a estrutura era bastante precária, funcionando com a ajuda de moradores e parceiros que acreditavam na idéia (doações de LP´s, fitas cassete, alimentação...) Atualmente, a Rádio tem sede própria e funciona no mesmo prédio da Fundação Educativa Favela FM. Um espaço de três andares, com três estúdios, outros cômodos que acomodam todo o acervo e duas salas de aula, onde acontecem as atividades de um programa de acompanhamento escolar para crianças. A equipe da Rádio tem 6 funcionários que atuam na locução, mais dois do setor administrativo, duas professores trabalhando nos projetos com as crianças, 10 voluntários: 5 mulheres e 5 homens, além da diretoria. A Fundação Educativa Favela FM, é responsável por atender,

no momento, 40 crianças de 6 a 14 anos, com intensa trajetória de exclusão social. “Estamos disputando essas crianças com os traficantes de drogas e com o pessoal do asfalto (inclusive pessoas que doam recursos para projetos como Criança Esperança) que as tratam como subraça, como escravas e se, se não fizermos algo imediatamente, essas crianças continuarão crescendo sem expectativa de uma vida digna”, alfineta Misael Avelino. “Pretendemos atender mais 40 crianças, “a depender dos patrocínios que conseguirmos angariar. As atividades variam do reforço escolar, incentivo ao esporte e lazer a atividades culturais. Os alunos são levados em cinemas, teatros, exposições, restaurantes, falam no ar nos programas diversos, principalmente no programa Fala Meninada!. Enfim, aprendem a ver o mundo a partir de outro ângulo. Dessa forma, aprendem noções de exercício da cidadania, melhoram a auto-estima, autoimagem”.

Rádio tem programa diário sobre relações raciais O Programa Quilombo Favela nasceu em novembro/2002, por ocasião do Dia Nacional da Consciência Negra. Atualmente, a equipe caminha para a realização de programas em escolas e praças da cidade e pretende estabelecer uma rede de informações, via internet, com entidades, veículos de informação e pessoas – na área racial – para fazer circular informações ausentes nos veículos comerciais e viabilizar a cobertura de eventos sobre relações étnico-raciais. O programa pode ser sintonizado pela freqüência 106,7 FM, em BH e Região Metropolitana, de segunda a sexta-feira, de 17h às 18h, com produção e apresentação de Sílvia Lorenso e Raul Rodrigues, sob a coordenação de Misael Avelino. O contato para participação e envio de materiais pode ser feito através dos e-mails: radiofavelafm@radiofavelafm.com.br e silvialorenso@bol.com.br Tel: (31) 3282-1045 - www.radiofavelafm.org.br

O Filme Uma Onda no Ar

Um destacamento policial sobe as ruas estreitas de uma favela. Enquanto os traficantes se preparam para a guerra, uma rádio pirata orienta os moradores para se protegerem em suas casas. Mas o objetivo da polícia não é reprimir o tráfico de drogas e sim calar a rádio. Realizado com atores iniciantes e lançado em 2002, o filme foi premiado em diversos festivais de cinema e já se encontra nas locadoras de vídeo de todo o país.

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Mulheres Negras trocam exp e ri ê n c i a s n o L a i L a i

Apejo II

Texto: Isabel Clavelin

Fotos: Luana Castro

Ativistas da América Latina, Estados Unidos e África discutiram políticas de saúde durante três dias

D

e 4 a 6 de setembro de 2003, cerca de 200 mulheres negras vinculadas a organizações nãogovernamentais participaram do Lai Lai Apejo II - Mulheres Negras: Direitos Sexuais e Reprodutivos, DST, HIV e Aids, em Porto Alegre. O encontro, realizado pela Associação Cultural de Mulheres Negras - ACMUN em parceria com Criola e Universidade Spelman College/Atlanta-EUA, contou com a presença de representantes da Unesco, Ministério da Saúde, Programa Nacional de Saúde da Mulher, Coordenação Nacional de DST e Aids, Ministério da Cultura/Fundação Palmares, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Rede Feminista

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de Saúde e órgãos da saúde do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. A idéia de estabelecer uma intensa conversa entre o movimento de mulheres negras e instâncias governamentais se concretizou em novembro de 2002, quando a ACMUN promoveu um encontro nacional. Na oportunidade, 150 mulheres negras de todo o Brasil apresentaram suas ações aplicadas em comunidades e mantiveram contatos sistemáticos entre si e com órgãos governamentais. “Nosso sonho era levantar um debate sobre a grande incidência de DST e Aids em mulheres negras. Fomos atrás e conquistamos a

parceira do Ministério da Saúde, da Secretaria do Estado da Saúde e Coordenação Estadual de DST e Aids. Conseguimos reunir forças para conhecer os trabalhos de outras ONGs e discutir políticas específicas para as mulheres negras”, conta Jaqueline Oliveira, sócia-fundadora da Associação Cultural de Mulheres Negras - ACMUN. Coordenadora de Criola, Lúcia Xavier classifica: “esse encontro é fruto de uma provocação para que tanto sociedade quanto Estado possam remover as barreiras que o racismo impõe”. Com uma visão estratégica, o Lai Lai Apejo (em iorubá significa ‘encontro para sempre’) objetiva o aumento de intervenção das


Na foto à direita, Sara Gonzales - Mundo Afro /Uruguai, Dazon Diallo - Sisters Love / EUA, Dalila Sousa - Spelman College/Atlanta - EUA, Drª Isabel Cruz - UFRJ

mulheres negras nas esferas decisórias de políticas de saúde nacional e, a partir da segunda edição, se direciona para uma ação internacional. “Considero o Lai Lai Apejo II como uma grande vitória para o movimento de mulheres negras brasileiras. Nos permite construir uma rede internacional, construir laços, reconhecer identidade, semelhanças e diferenças entre o que acontece conosco aqui no Brasil e em outras regiões com nossas irmãs”, destaca Edna Roland, coordenadora para Assuntos de Combate à Discriminação Racial da Unesco na América Latina e Caribe. À frente da coordenação do Mundo Afro/Uruguai, Beatriz Ramirez afirma: “esse processo de fortalecimento é uma questão de sobrevivência para nós, mulheres negras”. Ultrapassando as fronteiras entre Estados Unidos e África do Sul, a SisterLove, Inc. aproxima-se das mulheres negras da América Latina. “Essa conexão entre organizações de mulheres negras resulta em trabalho, troca de experiências e amizade. Estamos aprendendo todas juntas”, avalia Dázon Dixon Diallo, presidente da SisterLove, Inc. Considerado como um marco para a luta das mulheres negras brasileiras, o Lai Lai Apejo II indica o avanço para o fomento de novas parcerias como observa Ana Maria da Silva Soares, secretária adjunta da Rede Feminista de Saúde. “Ter 200 mulheres negras reunidas é aumentar a quantidade de vozes a falar e diminuir a dor de tantas outras, como nossas ancestrais que já morreram sem assistência adequada de saúde”, completa. Compartilhando os saberes na mini-conferência Violência Doméstica, a presidente da Casa de Cultura da Mulher Negra e editora da revista Eparrei, Alzira

Rufino, considera “as campanhas de prevenção da Aids só serão mais bem sucedidas se levarem em conta o problema da violência doméstica”. Destacando a amplitude desse segundo encontro, Kátia Souto, assessora técnica da Coordenação Nacional de DST e Aids, ressalta: “o Ministério da Saúde entende como fundamental o fortalecimento e o empoderamento dessas organizações da sociedade civil para o exercício do controle social. Há muito para se construir no atendimento qualificado na ponta. Vimos aqui a importância da capacitação dos profissionais de saúde com recorte de raça e gênero porque essa discriminação passa também como violência institucional, na forma e na qualidade do atendimento”. Presente em todo o encontro, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres mostrou-se sensibilizada às demandas das mulheres negras brasileiras. “A nossa compreensão é de que a luta das mulheres tem tudo a ver com a luta dos povos afro-descendentes. Queremos estabelecer um grande elo de debate até porque esse país tem uma dívida social, política e econômica com a maioria da sua população, a maioria negra. Vemos uma grande cumplicidade das mulheres que estão no Governo Federal, a própria Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, de construir políticas na área da saúde, educação, combate à violência e de construção de poder para as mulheres. A questão de gênero tem esse olhar atento de tirar as mulheres índias do silêncio e colocar as mulheres negras realmente nos espaços de poder e de decisão”, afirma a ministra Emília Fernandes.

ACMUN - Associação Cultural de Mulheres Negras Rua João Alfredo, 496 - Cidade Baixa CEP 90.050-230 - Porto Alegre - RS Tel: (51) 3212-6895 - E-mail: acmun@portalch.com.br

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Não podem adiar mais os nossos sonhos... Artigo de Alzira Rufino

A caminho de Durban+5 D

urban foi e está sendo um processo de aprendizado da nossa capacidade de ações e concretizações. Dois anos, ou mais, que engenheiras e engenheiros da construção encaminharam este estressante processo para que mais de 600 pessoas estivessem no ar, no mar, na terra de Durban, África. Ações coordenadas, superando as nossas diferenças e indiferenças num espaço comum.

No processo de preparação da Conferência no Brasil, muitos/as não perceberam a importância de se ir a Durban com uma delegação expressiva. Priorizavase a qualidade na mão de alguns e algumas. Por que uma delegação de 600 e não de 50, ou menos? Ora, por que enfiar a massa nessa história? Porque era um fato único, Conferência mundial contra o racismo não acontece todo o dia e precisava ter atores e atrizes

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com a cara do povo brasileiro discriminado. Mostrar para o mundo que somos muitos/as e que o racismo brasileiro não está só na cabeça de alguns/as. Essa luta é propriedade nossa, de todo um povo. Se com 600 pessoas na delegação conseguimos pouca visibilidade no cenário de Durban, o que dizer de uma representação tímida? Não se faz um comício, uma passeata sem povo. Não se toca um violão sem cordas. A organização dos palestinos em Durban mostrou o poder de pressão de um grupo coeso, agindo em uníssono. É óbvio que o Brasil, ao levar a maior delegação à Conferência Mundial de Durban, deu um recado mais forte, e mais forte teria sido se não tivesse havido tantas reuniões a portas fechadas, informações retidas nas mãos de alguns/algumas, negociações não

debatidas e a história contada pela metade.

Tivemos alguns acertos e inúmeras falhas nesta caminhada: abuso de poder, informações truncadas, falta de habilidade de mexer a massa. É evidente também que a pouca comunicação e informação, as falhas de infraestrutura para a participação brasileira na preparação e durante o evento foram uma imaturidade que não temos o direito de repetir, a não ser por burrice e incompetência, mas isso também foi um aprendizado. Pé que não dá topada, não cria calo. Sabemos que o processo de construção não se faz de uma maneira fácil e rápida. Ainda temos que aprender a negociar nossas idéias e nossas ações de uma maneira mais harmônica e conjunta,

respeitando as habilidades de cada um/a na planta da obra. Socializar e democratizar são verbos para serem conjugados por todos/as ainda hoje e sempre. Evitar desentendimentos pessoais em processos de importância. Não podemos mais egoisticamente excluir nossos/as desafetos/as pessoais. Numa Conferência em país estrangeiro, sentimos isso. Precisamos repensar a nossa estratégia nos passos que daremos adiante para que a implementação da Plano de Ação de Durban não tenha morte súbita sem diagnóstico. Política se faz com a razão e sentando na mesma mesa, governo, movimentos, Ongs, legisladores/as, para podermos ter um fio condutor, plugar e agilizar este processo. Repetindo a mesma frase, fazer política não só com o fígado, mas com a cabeça, trabalhando


O IPEA-Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, confirma: somos 68% de todos os pobres do país e precisamos de ações urgentes, para mais da metade da população dos sobreviventes do racismo, da pobreza brasileira. É preciso que “urgenciemos” o processo brasileiro para que nossos/as legisladores/as, OAB, organizações negras, de mulheres, sindicatos, façam um olhar de lupa nos capítulos, parágrafos, incisos, recomendações, disposições transitórias e comecem a tirar do papel esse processo. O papel tudo aceita.

a união e as diferenças numa mesma mesa. Conduzindo este processo de uma maneira mais madura, conseguiremos chegar a um consenso que precisaríamos estar fortalecendo. Reuniões, discussões, desacertos, esperanças, dúvidas, nos levaram a acreditar que é preciso coragem para mostrar ao mundo que nós negros/as desta parte do planeta chamada Brasil estamos com o nosso grito na garganta e para desmistificar representantes que passaram para o mundo que o Brasil é um país em que existe a democracia racial. O pouco envolvimento da sociedade e das organizações não-negras numa Conferência tão importante mostrou-nos que quando falamos de racismo e políticas afirmativas ainda estamos por nossa própria conta. O presidente Mbeki Thabo referiu-se à sociedade sul-africana pós-apartheid, na abertura da

Conferência de Durban, dizendo: “Podemos não estar uns contra os outros – na luta contra o apartheid - mas também não estamos uns com os outros”. As palavras se aplicam bem à sociedade racial brasileira hoje. O Brasil, ao lado da Guatemala e de Honduras, figura entre os países com mais elevados níveis de discriminação e injustiça racial no mundo. Está lá no documento preparado pela Anistia Internacional para a Conferência Mundial contra o Racismo e a Discriminação. Também está no documento da Anistia, o que já sabemos: “Apesar da lei anti-racista aprovada no País desde 1997, poucos casos de racismo chegam ao tribunal”.

Na etapa final da Conferência e com o impacto da discussão das cotas, conseguimos fazer com que o grande público, a mídia, superficialmente discutissem o racismo. As falas das autoridades na hora do palanque e dos holofotes devem ser usadas, reproduzidas, incluídas em nossas cobranças. Não poderemos deixar que estes documentos de promessas façam parte do museu, do centro de documentação das coisas definitivamente passadas. Isto é responsabilidade nossa,

mas não podemos cometer os mesmos erros de quem tem acesso a estas informações, trancando-as no seu guarda-roupa à chave, dizendo-se proprietário/a das informações, do documento. Se não houver cumplicidade entre as entidades negras, nós não chegaremos a lugar nenhum. É tempo de ensinar o que sabemos fazer bem e aprender o que nos falta. Conhecer o que cada um/a está fazendo em sua região, trocar conhecimentos. E isso só coletivamente se consegue. Essa sensibilização tem que sair das reuniões do movimento e ir para a rua, para o pagode, hiphop, rap, para onde o povo negro está. Há muito/a jovem aí. Se os partidos políticos se organizam, se as igrejas se organizam e obtêm respostas, nós, raça negra, maioria da população, também podemos. Para isso, primeiro, é preciso superar o caciquismo, as desconfianças, sentar com humildade numa mesa de reunião e trabalharmos juntos para que a coisa dê certo, porque do jeito que está, tá ruim, tá ruim.

Virando o jogo, com pesquisas fundamentadas, desnudamos a posição social, econômica da população afro-descendente no Brasil.

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Tivemos o processo de Viena, dos direitos humanos, tivemos o processo de Beijing, recentemente a Conferência Mundial contra o Racismo, avançamos, mas ainda é pouco. Falta conjunto. Isso requer comunicação e unidade de ação. O que diremos em Durban+5? Estamos num ano eleitoral e precisamos de candidaturas e plataformas partidárias compromissadas. Já é tempo para que a reserva de cotas para candidatas mulheres seja estendida a candidatos/as afro-descendentes. Nossa mobilização será necessária para podermos enfrentar as dificuldades que nos aguardam. Política não se faz sozinho/a. Vamos abrir o leque de compromisso com educadores/ as, famílias, igrejas, terreiros, sindicatos. Vamos passar da falação, para a pressão. Exigindo, boicotando, excluindo do nosso voto, do nosso consumo. Negociar com nosso poder de maioria. Vale lembrar: o sistema de cotas e outras ações afirmativas reivindicadas pelas organizações negras não vão beneficiar uma minoria, mas uma população afro-brasileira de mais de 72 milhões de habitantes, a segunda maior população negra do mundo depois da Nigéria. Não vamos só falar como maioria, vamos agir como a maioria de fato que somos. Pré-condição: para termos poder político, o povo afro-descendente precisa estar no mesmo trem. Ser informado e convidado a participar. E, mais uma vez, falamos de comunicação e informação. Precisamos de ousadia com responsabilidade. Nossas ações ainda são muito tímidas. Fazer um

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grande estardalhaço, escandalizar com estatísticas, campanhas, grandes marchas, vigílias, panfletagens, acionar nossos/ as representantes municipais, estaduais e nacionais. Envolver jornalistas, publicitários/ as, empresários/as na luta contra a discriminação e a intolerância, a favor das políticas afirmativas. Falando não de-nós-para-nósdo-movimento, mas falando do movimento para a comunidade afro-brasileira e sociedade. Nossos/as comunicadores/as precisam deixar de querer sombra e água fresca, sapato folgado e jornal sem letra. Vamos trabalhar, gente boa! Não dá para colocar as informações no cofre. Informação é poder, é política, é fermento. Sem comunicação, a massa não cresce... Um sonho que se sonha junto, não é um sonho apenas, é realidade. Por outro lado, nosso poder político precisa do nosso poder econômico. Mais uma vez, falaremos da urgência de nos fortalecermos economicamente. Não se elegem candidatos/as negros/as apenas com idéias, palavras e boas intenções. Não teremos empresários/as negros/as compromissados/as se não percebermos a importância de uma economia negra forte e apoiarmos as iniciativas de quem se joga na competição de

mercado com coragem. Não podemos jamais esquecer que as raras empresas negras têm tudo jogando contra. Se nós não as apoiarmos, quem apoiará? E se não sabemos administrar uma empresa, formal ou informal, temos que aprender com urgência. Sinal dos tempos. Aliás, num tempo em que as agências de cooperação estão se dirigindo para outras prioridades fora do Brasil, precisamos pensar em alternativas de fortalecimento econômico das próprias Ongs negras, inclusive. Ao concluir, não posso deixar de mencionar que, resgatando nossas ancestrais africanas, as mulheres negras estão evidenciando a sua liderança na hierarquia da organização quilombola. É urgente aumentar o número de mulheres negras, no legislativo e executivo, dando voz, hoje, a essa vasta população feminina (36 milhões e trezentas mil) que é negra. Quando as cotas de candidaturas femininas serão, finalmente, repartidas? A adoção de uma cota para mulheres negras deverá, a médio prazo, contribuir para o desenvolvimento de novas lideranças que poderão

dar representação política às mulheres negras dentro da esfera do poder. Não podem adiar mais os nossos sonhos... Incansáveis, ousadas, superando limites, nós, mulheres negras, somos a metade da população feminina brasileira e, hoje mais que ontem, amanhã mais que hoje, conhecemos o nosso lugar. (1) Adaptação de artigo publicado na Revista Estudos Feministas, CFH/CCE/ UFSC / 2002 (2) Escritora, fellow da Ashoka, profissional de saúde, editora da Revista Eparrei e presidente da Casa de Cultura da Mulher Negra E-mail: alzirarufino@uol.com.br


MNU

Olha-me p’ra estas crianças de vidro cheias de água até às lágrimas enchendo a cidade de estilhaços procurando a vida nos caixotes do lixo. Olha-me estas crianças transporte animais de carga sobre os dias percorrendo a cidade até aos bordos carregam a morte sobre os ombros despejam-se sobre o espaço enchendo a cidade de estilhaços.

Eu sei: “-havia uma faca atravessando os olhos gordos em esperanças havia um ferro em brasa tostando as costas retendo as lutas havia mordaças pesadas esparadrapando as ordens das palavras” Eu sei: Surgiu um grito na multidão um estalo seco de revolta Surgiu outro outro e outros aos poucos, amotinamos exigências querendo o resgate sobre nossa forçada miséria secular.

Paula Tavares (Angola) (O lago da lua, Lisboa, 1999)

Miriam Alves ( Cadernos Negros, vol 9, Org.Quilombhoje, Editora dos Autores, SP, 1986)

Diálogo Nos tragam água não esse ácido indiferente. Pensamos nos pós dos nossos deuses africanos e estamos preparados para os punhais que vocês embalam em algodão para não sentirmos o corte impositivo autoritário sentimos a dor não do corte mas do movimento dele sutil sorridente. Preocupa-nos a posição não de muro mas muralha no muro ainda se fazem desenhos e coisas muito leves e bonitas botamos adubo energético nas pedras elas florescem nas fendas de sua porcentagem árida nos tragam água não esse ácido indiferente a união ressuscita-se apesar do vinagre e fel, poetas, e se tem um dia para isso. Alzira Rufino (Cadernos Negros vol 21, Org. Quilombhoje, Editora Anita, SP, 1998)

Poesi

Novembro sem água

Salve, Mulher Negra

Rainha Jinga de Angola, soberana quilombola. Aqualtune, Aqualtene do Palmar, sangue real de bravos. Felipa do Pará, chefe de negros livres, não escravos. Luiza Mahin e preta Zeferina, o que a baiana tem de heroína. Salve, mulher negra, nesses exemplos dignos! Harriet Tubman também: liberdade leste-norte para escravos leste-sul. Quantas guerreiras, África liberta, em tuas trincheiras alertas? Quanta anônima guerreira brasileira, sul-centro-norte-americana, cotidiana! Salve, mulher negra, na luta que nos irmana. Oliveira Silveira (Cadernos Negros vol.3, Org.Quilombhoje São Paulo, 1980, Editora dos Autores)

Para ouvir e entender “Estrela” Se o Papai Noel Não trouxer a boneca preta Neste Natal Meta-lhe o pé no saco! Cuti ( Cadernos Negros, vol 9, Quilombhoje, SP, 1986)

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Culinária necessário para retirar todo o sangue da carne e deixar o sabor melhor. Enxugue o leitão, coloque-o em uma vasilha (não use alumínio). Bata todos os temperos no liqüidificador. Regue a carne e deixe-a nesse tempero até o dia seguinte.

Assar

As receitas, passadas por ZORA SANTOS de Belo Horizonte, resgatam delícias de Minas Gerais LEITÃO À PURURUCA ( Para 8 pessoas)

Ingredientes

Água suficiente para cobrir o leitão 1 leitão de aproximadamente 6 kg 1 xícara de (chá) de vinagre branco 4 colheres de (sopa) sal 1⁄2 pimentão vermelho 1⁄2 pimentão verde 1 maço de salsa 2 cebolas grandes 1 garrafa de vinho tinto seco 5 dentes de alho 3 folhas de louro 1 galho de alecrim 1 galho de manjericão 4 cravos-da-índia moídos 1 pitada de noz-moscada 1 xícara de (chá) de azeite 1 pitada de pimenta-do-reino branca 1 colher de (chá) de pimenta calabresa seca Limpe o leitão e coloque em uma vasilha com água, vinagre e um pouco de sal. Deixe pelo menos 1 hora. Esse procedimento é

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Enxugue o leitão com pano ou papel absorvente. Coloque-o numa assadeira com uma generosa porção de azeite ou óleo de milho e 3 copos de água. Cubra-o bem com papel alumínio, tendo o cuidado de proteger bem as orelhas e o rabo. Leve ao forno e por baixo da grade coloque uma assadeira com salmoura para evitar que a carne resseque. Deixe em forno quente ( 350ºC) por 30 minutos, depois diminua o fogo para 180ºC para assar lentamente. Retire o leitão do forno várias vezes e regue-o com o molho que vai se formando na assadeira. Leva de 3 a 4 horas. Logo que o leitão começar a mudar de cor, tire o papel alumínio, deixando as orelhas e o rabo cobertos. Unte o leitão com a gordura que se formou na assadeira, aumente o fogo e leve o leitão ao forno para sua pele começar a pururucar. Para ficar pronto, esse peso de carne leva de 5 a 6 horas. Uns 15 minutos antes de tirá-lo do forno, retire o papel alumínio das orelhas e do rabo. Existe um outro método que também dá um bom resultado para o leitão ficar pururuca: Coloque uma panela com bastante gordura em fogo bem forte, até que comece a fumegar. Com uma concha vá jogando a gordura bem quente na pele, que começa a estalar. De um jeito ou de outro para o leitão ficar pururuca, ele não pode assar demais, não pode queimar. Coloque-o em uma travessa, enfeite a gosto e sirva acompanhado de arroz, farofa e um suculento tutu de feijão.

CALDO DE MILHO

05 espigas de milho cozido 600ml de leite

1⁄2 pacote de creme de cebola 1⁄2 molho de couve picadinha 02 dentes de alho laminados Retire os grãos de milho com uma faca afiada e leve ao liquidificador com o leite e o creme de cebola. Bata bem e leve ao fogo em banho maria por 15 minutos. Frite o alho na manteiga, refogue a couve, salpique com gengibre ralado e misture ao creme. Sirva quente com queijo ralado. CALDO DE LOCOMOTIVA DA RFFSA Fritar o bacon( picadinho) Colocar lingüiça picadinha Em seguida colocar o alho, carne de porco cozida e desfiada. À parte, bater no liqüidificador mandioca e feijão. cozidos. Misturar no refogado de carne. Se ficar grosso colocar água até no ponto. DOCES e QUITANDAS MINEIRAS Em Minas, ainda é tradição, pelo menos no interior, fazer o lanche da tarde – a merenda -. E é sempre bom ter as “latas” cheias de quitanda. ZORA

Rosquinha Mineira

500 g de açúcar 1⁄4 de queijo minas (meia cura) ralado 5 ovos 200 g de manteiga Caldo de limão e canela em pó Depois de tudo bem misturado, amassa-se com polvilho peneirado, até ficar em ponto de enrolar. Modelar as rosquinhas e colocar em tabuleiro untado e polvilhado com polvilho e assar em forno brando.

Pé de moleque

1 rapadura 1⁄2 litro de água 1⁄2 litro de leite fervido 1 quilo de amendoim inteiro, torrado e limpo. Derreter a rapadura na água, colocar o leite fervido e deixar dar ponto de puxa mole. Tirar do fogo, colocar o amendoim e bater até endurecer. Espalhar em mesa polvilhada com farinha de

mandioca, espalhar com uma espátula para definir o tamanho dos doces. Cortar no formato desejado.

Bolo de Maçã e Nozes

( Da região de Nova Lima) 4 xícaras de maçãs raladas 1 xícara de passas brancas 2 xícaras de açúcar branco 2 xícaras de açúcar mascavo 1 xícara de nozes moídas 1⁄2 xícara de óleo 2 ovos inteiros 1 colher (chá, mal cheia) de bicarbonato de sódio 1 colher de sopa de baunilha 1 colher de sopa de canela 1 pitada de sal 2 xícaras de farinha de trigo. Misturar tudo sem bater, deixando a farinha por último. Assar em forno quente. E aconselhável forrar a forma com papel manteiga untado.

Bolo de mandioca

1 1⁄2 kg de mandioca ralada 5 ovos 250 g de açúcar refinado 250 g de manteiga 250 g de coco ralado 1⁄4 de queijo minas ralado 2 copos de leite 1 colher ( sopa )de Royal 1 pitada de sal Canela em pó à vontade Colocar um pouco de água na mandioca ralada, espremer a massa em um pano, um pouco de cada vez, até ficar seca. Misturar a mandioca, o coco, o queijo, manteiga, açúcar, canela e os ovos batidos em neve, e por último, o leite com sal e o pó Royal. Assadeira untada e forno quente. Colocar calda depois de assado. Para cestas, assar em forminhas de empadas ou de papel.

Broa de Fubá

2 xícaras de farinha de trigo 2 xícaras de fubá 2 xícaras de açúcar 4 ovos 1 colher de royal 1 xícara de margarina 1 xícara de leite (ou coalhada) Pedaços de queijo minas curado


“Não ceda ao medo”


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