Artes e Ofícios, Bauhaus

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DAS ARTES E OFÍCIOS E DAS ARTES DECORATIVAS AO CONCEITO E REALIDADE DO DESIGN INDUSTRIAL

“Arts and Crafts” “ Deutescher Werkbund” “Bauhaus”


Desde os finais do século XVIII e ao longo do século XIX a Europa Ocidental sofreu um processo de mecanização da indústria que, comparativamente com os antigos métodos artesanais, resultou num aumento de produção de objectos. Esse aumento do número de objectos produzidos industrialmente levou, por sua vez, a uma diminuição do preço com que podiam ser vendidos no mercado, tornando-se, portanto, acessíveis a um público mais vasto. No entanto, o processo mecanizado de produção acarretou também um aspecto negativo: a diminuição da qualidade artística desses objectos, agora produzidos seriadamente por máquinas e não pelas mãos de um só artesão. Foi logo na primeira grande Exposição Industrial de Londres, em 1851, que se tomou consciência deste problema. Os responsáveis políticos dos países mais industrializados (Inglaterra, França e Alemanha) lançaram medidas para melhorar a qualidade estética dos objectos, incidindo as mais importantes no domínio de reformas do ensino técnico, com especial incidência no ensino do desenho. Em Londres fundava-se o Museu de Artes Decorativas de South Kensington que, além da sua função de divulgação destas artes, apoiava também o ensino das escolas técnicas. Mais tarde, surgiram museus com idênticas funções, em Paris e em Viena. Do mundo artístico as principais críticas vieram do teórico de arte inglês, John Ruskin (1819-1900) e do seu discípulo William Morris (1834-1896).


Objectos de prata e tapeçaria apresentados na Grande Exposição de Londres, em 1851. Observe-se o excesso decorativo e a utilização de formas ornamentais inspiradas nos revivalismos clássico e barroco.


O MOVIMENTO DE ARTS AND CRAFTS (Artes e Ofícios)

William Morris, ao contrário do seu mestre Ruskin, não se ficou só por uma análise teórica deste problema. Além de ter escrito várias obras e proferido inúmeras conferências sobre arte e a sua relação com a sociedade, teve ainda uma intervenção prática nesta área. Juntamente com outros artistas, fundou empresas de produção artesanal: a “Morris, Marshall & Faulkner”, em 1862, depois, em 1881, uma outra em Merton Abbey, no Surrey, e, finalmente, em 1890, A “Kelmscott Press”. É com a fundação da “Art Workers Guild”, em 1883, e, em 1888, da “Arts and Crafts Exibition Society”, que organiza as exposições que ficaram conhecidas sob o nome de “Arts and Crafts”. William Morris e os seus companheiros criticavam o mau gosto revelado pelos produtos industriais e atribuiam essa falha ao facto de o operário, ao contrário do artesão ou do artista, não se encontrar ligado directamente ao processo de fabrico dos objectos. Recusavam, portanto, a produção mecanizada e propunham uma produção artesanal (regresso ao método medieval). Defendiam ainda a unidade das artes, isto é, davam igual importância a todas as áreas artísticas, condenando a separação que até aí se fazia entre Artes Maiores e Artes Menores. Propunham o repensar das formas e decoração dos objectos de modo a adaptá-los à sua época, produzindo-se, deste modo, uma ARTE DO POVO PARA O POVO. Recusavam as formas revivalistas clássicas e barrocas, optando pela arte tradicional de cada país como fonte inspiradora (daí a opção por influências medievais).


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“Red House”, Philip Webb, 1858-60. Habitação de William Morris inspirada na arquitectura rural inglesa de origem medieval. Observe-se: a planta irregular determinada pelos espaços interiores com as suas diversas funções, não se submetendo, portanto, a uma caixa mural exterior; a utilização de materiais como a madeira, a pedra e o tijolo com os seus aspectos naturais, sem revestimento.


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Armário desenhado por Philip Webb em 1861- 62, pintado com cenas da vida de S. Jorge por William Morris. Os artistas do movimento de Arts and Crafts defendiam a unificação das belas artes e das artes decorativas, daí a colaboração de arquitectos e pintores na produção de uma peça de mobiliário


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Sala William Morris no Victoria and Albert Museum de Londres. Objectos de uso comum produzidos por vários artistas ( pintores e arquitectos) do movimento Arts and Crafts: vitrais de Burne-Jones, biombo de Jane e William Morris, decoração do piano de Kate Faulkner e o revestimento das paredes e armário de Philip Webb.


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Cadeira produzida pela “Morris and Co.” Estrutura de madeira inspirada no mobiliário tradicional e estofos de tapeçaria de lã com motivos florais e pássaros


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Papel de parede “Trellis” desenhado por Morris e Webb, em 1862, com motivos vegetalistas e pássaros Cadeira da série “Sussex” desenhada e produzida pela Morris and Co.


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Papel de parede “Michaelmas Daisy” desenhado pela “Morris and Co.” e produzido em 1912. Motivos vegetalistas estilizados. Cadeira “Sussex” da “Morris and Co.”


Página do título e primeira página de “The Works of Geoffrey Chaucer”, impressas pela Morris’s Kelmscott Press, em 1896.


Foi importante a actividade do movimento de “Arts and Crafts” no repensar da arquitectura em articulação com as funções dos espaços vivenciais. No entanto, a maior contribuição deste movimento foi a renovação formal e decorativa do mobiliário e dos objectos para que melhor se pudessem adaptar à vida do homem do seu tempo. Teve também consequências positivas o questionar das ideias estabelecidas sobre o papel da arte e dos artistas na vida da sociedade, condenando principalmente o conceito académico de “arte pela arte”, isto é, de arte sem qualquer função prática. Contudo, este projecto continha em si aspectos contraditórios que impediram a concretização de um dos seus principais objectivos: tornar-se uma “Arte do Povo para o Povo”. Ao negar o recurso à produção industrial, utilizando materiais de qualidade que eram transformados em morosos processos artesanais, o custo dos objectos ficava de tal modo dispendioso que se tornavam inacessíveis à maioria da população. Apesar deste insucesso, não se poderá deixar de considerar que as ideias e a prática de William Morris e dos seus companheiros se constituíram numa primeira etapa do processo que levou à criação de uma nova arte: O DESIGN.


DEUTSCHER WERKBUND Entretanto, os efeitos das reformas do ensino técnico começaram a fazer-se sentir especialmente na Alemanha, politicamente apostada num desenvolvimento industrial que a fizesse ombrear com a Inglaterra e a França. Paralelamente, nos finais do século ,desenvolveu-se o movimento Arte Nova ou Modernismo, que se caracterizou pela rejeição total de qualquer inspiração revivalista, pela procura de novas expressões formais e pela construção de uma nova estética. Foram artistas com uma formação de belas artes e ligados a esse movimento que, contratados para dirigirem as oficinas dessas escolas técnicas, muito contribuíram para a reorientação desse ensino num sentido da produção industrial. Em 1907, criava-se na Alemanha a “Deutscher Werkbund” (Associação de Artes e Ofícios) constituída por doze representantes das principais empresas industriais e artistas artesanais. Tinha como objectivo a cooperação da Arte, da Indústria e do Artesanto com o fim de, através da formação, da propaganda e da união de todos os membros, melhorar a actividade comercial e, especialmente, atingir um “trabalho de qualidade”. Tinha associada uma escola onde foram professores alguns dos mais conhecidos artistas do Jugendstil (Arte Nova). Além de colaborar com outras escolas alemãs, promoveu uma série de exposições fixas e itinerantes. Mas, talvez o mais importante papel desta associação tenha sido o facto de as indústrias que a constituíam terem começado a contratar artistas para projectarem os seus produtos. Deste modo, foi possível reconciliar a Arte e a máquina, nascendo assim o DESIGN INDUSTRIAL.


O arquitecto Peter Behrens, membro da Deutscher Werbund, concebeu a maior parte dos produtos da fábrica alemã AEG. Entre eles: uma ventoinha de mesa e um cartaz de lâmpadas (1907)


BAUHAUS Em 1919, por proposta do arquitecto alemão Walter Gropius, fundem-se duas escolas em Weimar, na Alemanha: A Escola de Artes e Ofícios e a Escola Superior de Belas Artes, dando origem à STAATLICHES BAUHAUS. No manifesto e programa da nova escola, também elaborado por Gropius, descobrem-se influências das ideias de William Morris – a unidade das artes, e a sua ligação com os ofícios --, assim como uma nova concepção de Arte muito próxima da defendida pelo Construtivismo russo e holandês. Segundo Gropius, “construir” deveria ser uma actividade simultaneamente social, intelectual e simbólica. Para que tal fosse possível propunha que se juntassem campos e disciplinas artísticas até aí separados, contribuindo mutuamente os diferentes artistas e artesãos para a criação da estrutura do futuro que deveria integrar todas as intervenções na forma de um objecto (que já não poderia ser considerado simplesmente uma escultura, uma pintura ou uma arquitectura).


MANIFESTO DA BAUHAUS de Walter Gropius, 1919 • com xilogravura de Lyonel Feininger


PLANO DE ESTUDOS



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“Casa Sommerfeld”, Walter Gropius e Adolf Meyer, Berlim 1920-21. Mestre da obra o aluno Forbat Foi o primeiro grande projecto conjunto executado pela Bauhaus, entendendo-se o edifício como uma “obra de arte unificada”


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“Casa Sommerfeld”, átrio. Relevos em madeira do corrimão da escada do aluno Joost Schmidt. Poltronas do aluno Marcel Breuer


“Casa Sommerfeld”, porta de entrada e revestimentos dos aquecedores, do aluno Joost Schmidt


“Casa Sommerfeld”, cortinado da aluna Dörte Helm


A formação ministrada na Bauhaus desenvolvia-se em três vertentes: artesanal, de desenho e científica. Mas a novidade do seu método assentava no papel dado ao artesanato, encarando-o como um projecto global para o qual todas as outras vertentes tinham que contribuir. Os professores passaram a ser designados por mestres, dividindo-se em Mestres de Forma e Mestres Artesãos, que dirigiam em comum as diferentes oficinas. Deste modo, procurava-se acabar com a barreira tradicional entre artista e artesão, fomentando também uma formação mais vasta e integrada. Os alunos eram designados por aprendizes progredindo na sua formação até às categorias de oficiais e, finalmente, de jovens mestres. O plano curricular começava por um curso preparatório, o “Vorkurs”, inicialmente dirigido pelo pintor e teórico Johannes Itten. Seguiam-se as oficinas de encadernação, tipografia, tecelagem, carpintaria, vitral e olaria, etc., que ocupavam a maior parte do horário escolar. Havia ainda as “aulas de forma” e, entre outras disciplinas, o “desenho do nú”, o “desenho técnico” e colóquios sobre diversos temas. Existia ainda, extracurricularmente, uma oficina de teatro que contribuia muito para fortalecer o espírito da escola entendida como um todo. Grandes nomes da arte europeia ensinaram na Bauhaus: além de Gropius, Meyer e Itten, Paul Klee, Wassily Kandinsky, Moholy-Nagy e Theo Van Doesburg. No entanto, a função destes artistas nada teve que ver com o ensino da sua especialidade artística, mas sim com o estudo da forma.


Esquerda – Klaus Barthelmess: Desenho do Nú do Curso de Schlemmer, 1922 Direira – Rudolf Lutz: Desenho do Nú do Curso de Itten, 1921. Observem-se as perspectivas diferentes de representação da imagem humana manifestadas pelos dois professores


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Estudo de contrastes por M. Mirkin, 1920. O catálogo de 1923 descreve assim este trabalho:”Efeito contrastante, combinado contraste de matéria (vidro, madeira, aço), contraste de formas expressivas (serrilhado-liso); contraste rítmico. Exercício para o estudo das semelhanças na expressão aquando do emprego simultâneo de meios diferentes de expressão”


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Estudos do Curso de Paul Klee da aluna Gertrudt Arndt, 1923-24. Exercícios que faziam parte do ensino do “manuseamento dos instrumentos formais”, usando formas geométricas e as suas relações.


TRABALHOS PRODUZIDOS NAS DIFERENTES OFICINAS


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Cadeira de Marcel Breuer, 1923. Observe-se a influência do “De Stijl” trazido por intermédio de Theo van Doesburg.


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Oficina de mobiliário – quarto de vestir de senhora para a Casa “Am Horn”, Marcel Breuer, 1923. Observe-se a utilização de formas construtivistas de influência De Stijl.


Oficina de Cer창mica - Bule de Theodor Bogler, 1923


Oficina de Tecelagem – tecido gobelino de abertura de Lore Leudesdorff, 1923


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Oficina de metal – bule de Marianne Brandt, 1924


Oficina de metal – candeeiro de mesa, Karl J. Jucker e Wilhelm Wagenfeld, 1923- 24


Oficina de vitral – vidros coloridas em grelha metálica, Josef Albers, 1922


Atelier de encadernação e tipografia – capa de livro em madeira e pergaminho, Anny Wottitz, 1923


Oficina de encadernação e tipografia – Cartaz para a Exposição da Bauhaus de 1923 de Joost Scmidt


Sendo a Bauhaus uma escola estatal dependente do governo, o problema de dar continuidade ao projecto revolucionador do ensino levou Gropius a intentar garantir uma certa independência económica. Procurou que as oficinas da escola produzissem também para o mercado exterior e tentou também criar uma sociedade que promovesse e vendesse os produtos da Bauhaus. Estas ideias, porém, não agradaram a todos os Mestres. Por outro lado, com a subida ao poder de um partido de direita, em 1924, a situação da escola e, em especial, a orientação de Gropius ficou comprometida. No ano seguinte os mestres da Bauhaus abandonaram Weimar e intalaram-se em Dessau onde Gropius contava com um bom apoio político-cultural. Nessa cidade tiveram mesmo a possibilidade de conceber e fazer construir os próprios edifícios da escola e as instalações para mestres e alunos, tendo estes nas diferentes oficinas contribuído para o projecto e a realização de equipamentos, mobiliário, etc.. A Bauhaus recebeu ainda a encomenda de várias obras municipais e privadas o que lhe permitiu uma experimentação prática das principais teorias defendidas.


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Bauhaus em Dessau (ala das oficinas), Walter Gropius, 1925- 26. Edifício onde a funcionalidade não só é observável na organização dos seus diferentes espaços como se detecta na própria animação das fachadas.


Casas dos Mestres da Bauhaus em Dessau, Walter Gropius, 1925- 26


Interior das Casas dos Mestres da Bauhaus em Dessau O mobiliário foi desenhado por professores e alunos. Destaca-se a famosa cadeira em tubo metálico de Marcel Breuer cujas linhas ainda hoje têm perfeita actualidade.


Em Janeiro de 1928, Gropius pede a demissão do cargo de director da Bauhaus devido às enormes pressões políticas. É substituído pelo arquitecto suíço Hannes Meyer que orientou o ensino da escola segundo o princípio de satisfazer “as necessidades do povo primeiro, luxo depois”. Em 1930 é demitido também por razões políticas. A partir de então o cargo de director vem a ser ocupado pelo Arq.º Mies van de Rohen que levará a escola a dedicar-se cada vez mais à arquitectura, perdendo, assim, alguns dos aspectos que tinham tornado revolucionadores o seu ensino e actividade artística. Funcionando já em Berlim, a Bauhaus vem a ser fechada em 1933, quando Hitler assumia definitivamente o seu poder.


Objectos projectados no atelier de design de interiores ao tempo de Meyer: mesa e cadeira desdobráveis, candeeiro de mesa e vários padrões de papel de parede


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