AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (12626) Nº 060043774.2020.6.06.0079 (PJe) - PACUJÁ - CEARÁ
RELATORA: MINISTRA CÁRMEN LÚCIA
AGRAVANTE: FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA JUNIOR, LINCELICA MARIA RIBEIRO MAGALHAES, WASHINGTON LUIS ALCANTARA LIMA, BRAZ RODRIGUES ALVES DE BRITO, LUCIRAY JEFFERSON RODRIGUES DE SOUSA, THALLYTA MIRANDA DE ABREU, RAIMUNDO RODRIGUES DE SOUSA FILHO, RAIMUNDO RODRIGUES DE SOUSA, JOSE SILVA DE ABREU
Advogado do(a) AGRAVANTE: ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535-A
Advogado do(a) AGRAVANTE: ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535-A
Advogado do(a) AGRAVANTE: ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535-A
Advogado do(a) AGRAVANTE: ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535-A
Advogados do(a) AGRAVANTE: HERCILOURDES VASCONCELOS DIASCE0029216, ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535-A
Advogados do(a) AGRAVANTE: HERCILOURDES VASCONCELOS DIASCE0029216, ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535-A
Advogados do(a) AGRAVANTE: PEDRO HENRIQUE DO NASCIMENTO FERNANDES - DF67583, ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535-A
Advogados do(a) AGRAVANTE: HERCILOURDES VASCONCELOS DIASCE0029216, ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535-A
Advogado do(a) AGRAVANTE: ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535-A
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
DECISÃO
Trata-se de Agravo interposto por Raimundo Rodrigues de Sousa Filho e José Silva de Abreu, Prefeito e Vice-Prefeito de Pacujá/CE, contra a decisão por meio da qual a Presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará inadmitiu o Recurso Especial.
Na origem, a Corte Regional negou provimento ao Recurso Eleitoral
e manteve a condenação dos Recorrentes à cassação dos diplomas, à declaração de inelegibilidade por 8 anos e ao pagamento de multa no valor de 50 mil UFIRs, tendo em vista a prática de captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico:
ELEIÇÕES 2020. RECURSOS ELEITORAIS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PRELIMINARES. BUSCA E APREENSÃO DE CELULARES. ANÁLISE TÉCNICA. RECEPÇÃO E TRAMITAÇÃO DE EVIDÊNCIA (CADEIA DE CUSTÓDIA) E/OU EMISSÃO DE HASH (LACRE DIGITAL), PLATAFORMA WHATSAPP WEB, ESPELHAMENTO. INÉPCIA. NULIDADE. PARTICIPAÇÃO DIRETA. PRESCINDIBILIDADE. ANUÊNCIA. PROXIMIDADE. OS INDÍCIOS DEVEM SER IGUALMENTE ADMITIDOS COMO MEIO DE PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO, VEDADA APENAS A MOTIVAÇÃO BASEADA EM PRESUNÇÕES SEM NENHUM LIAME COM OS FATOS NARRADOS NOS AUTOS. PROVAS ROBUSTAS. RECURSOS CONHECIDOS COM PARCIAL PROVIMENTO DOS INVESTIGADOS NÃO CANDIDATOS E NÃO PROVIMENTO DOS CANDIDATOS.
1 - PRIMEIRA PRELIMINAR: DA INÉPCIA DA INICIAL POR AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. REJEIÇÃO.
A Exordial descreve os fatos com todas as suas circunstâncias em relação a cada investigado, de forma a permitir o exercício regular do contraditório e da ampla defesa por cada parte, eis que discorreu claramente acerca dos ilícitos imputados, delineando inclusive uma organização familiar e uma “estrutura paralela” dentro da Administração Municipal, para fins de subsidiar o oferecimento de vantagens em troca do voto.
Para o TSE, são elementos capazes de comprovar, além de qualquer dúvida razoável, a ciência do candidato quanto à operação de captação ilícita de sufrágio: (i) o local e a forma em que ocorreu a oferta e promessa de vantagens em troca de votos, (ii) o envolvimento, direto ou indireto, de pessoas ligadas ao candidato por vínculos político e familiar, por exemplo; o que poderá ser apurado melhor no mérito. Não se vislumbra, portanto, inépcia no caso em tela, pois há pedidos claros, compatíveis, determinados e objetivos, assim como a causa de pedir e da narração dos fatos decorre logicamente a conclusão, na forma do art. 330, I, §1º, incisos I a IV do CPC. Dessa forma, não se trata de denúncia genérica, como alegado.
2 - SEGUNDA PRELIMINAR: DA NULIDADE DA PROVA POR QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA E USO DE WHATSAPP WEB. REJEIÇÃO.
Na espécie, as provas acostadas foram obtidas de celulares legalmente apreendidos a partir de autorização judicial, por meio de busca e apreensão. Os Recorrentes, em nenhum momento, apresentaram questionamento direto, especifico e objetivo sobre o conteúdo dos diálogos, imagens e mensagens, bem como prova de adulteração/manipulação da prova obtida, seja por alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência pontual para fins de invalidade. Não houve, também, demonstração de prejuízo por parte da defesa, a qual não demonstrou negativa de acesso à prova da acusação, por exemplo.
Nesse contexto, a despeito da jurisprudência do STJ quanto a invalidade da prova advinda de utilização de WhatsApp Web para espelhamento das conversas realizadas no aplicativo, em razão de conexão do aparelho com a internet e consequente facilidade de manipulação dos dados, certo é que tal posicionamento foi emitido para efeito de prova em processo penal. Ademais, a ação teve todos os atos emanados dos celulares licitamente apreendidos e com prévia autorização de quebra de sigilo de seu conteúdo. Além disso, a exemplo da imputação de quebra de cadeia de custódia alegada, não houve igualmente nenhuma indicação precisa e específica de qualquer alteração nas conversas e imagens extraídas, tendo a Inicial apresentado nexo entre os diálogos e documentos.
3 - MÉRITO. BRAZ RODRIGUES ALVES
DE BRITO. Os documentos e as conversas envolveram promessas e entrega de bens e serviços para viabilizar transferência de títulos eleitorais e compra de passagens aéreas em troca de votos. Quanto aos títulos, depreende-se que, pelo menos, o requisito da ocorrência do fato desde o registro da candidatura até o dia das eleições não se encontra presente, eis que os diálogos são nos meses de abril e maio de 2020. De acordo com a jurisprudência, ausente um dos elementos do art. 41-A, da Lei Eleitoral, não resta caracterizada a referida ilicitude. Ademais, como considerou a sentença, as transcrições revelam muito mais um auxílio a determinados eleitores com procedimentos junto a Justiça Eleitoral. Razão pela qual também não caberia a condenação em abuso de poder. Por outro lado, alguns diálogos são explícitos em enfatizar acordos para compra de passagens e deslocamentos terrestres com intuito eleitoreiro. Existência de mensagens que trazem o envolvimento de pessoas, como a investigada TALLYTA, que seria responsável pelo depósito de dinheiro para a compra de passagens aéreas, e SILMARA que organizava os traslados dos eleitores quando chegavam de viagem ao município.
THALLYTA MIRANDA DE ABREU. Os documentos comprovam transferências realizadas de sua conta para diversas pessoas e trazem as imagens de cartão de crédito de LUCIRAY
JEFFERSONRODRIGUES DE SOUSA, o que vai ao encontro também dos áudios e conversas antes apresentados em relação ao demandado BRAZ RODRIGUES ALVES DE BRITO. O batimento de diversas provas traz o fim
especifico de obtenção de votos, para vários investigados, inclusive. As imagens de anotações em agenda revelam associações de nomes de pessoas a benesses variadas, algumas contendo, até mesmo, referência expressa a votos, que reforça todas as evidências até aqui reveladas. As passagens aéreas em sua quase totalidade coincidem com a permanecia dos eleitores na cidade de Pacujá na data do pleito. Ocorre que THALLYTA e LUCIRAY não foram candidatos no pleito de 2020, razão pela qual não possuem legitimidade para figurar no polo passivo da demanda fundada no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997, embora referido ato ilícito possa ser levado a efeito por terceiro não candidato e configurar abuso de poder econômico.
FRANCISCO ANTÔNIO DE OLIVEIRA JÚNIOR. Os documentos apresentam, em sua maioria, diálogos que se referem a atos de campanha eleitoral, mais especificamente visitas às casas de eleitores. Em outras mensagens permanecem as manobras para compras de passagens para viabilizar os votos, em especial quando se constata, mais uma vez, a participação de THALLYTA em tais operações, o que só reforça todas as tratativas já analisadas anteriormente. Na ocasião, há menção ao candidato majoritário, a quem o candidato JÚNIOR BRITO deveria procurar para custear as aquisições. A referência é percebida de todo o contexto dos diálogos, e em algumas mensagens de forma expressa, como sendo decisivo para o aperfeiçoamento das promessas.
LINCÉLICA MARIA RIBEIRO MAGALHÃES. As inúmeras provas relacionadas revelam seu envolvimento em diversas operações para promessa e fornecimento de benesses aos eleitores. São operações que envolvem o contato com os eleitores locais - além de outros estados ou municípios – e a transferência ou depósito de dinheiro nas contas dos viajantes, via encaminhamento de dados pessoais.
Muito embora nas conversas não tenha a participação direta do investigado RAIMUNDO FILHO, a análise de todo o conjunto probatório é clara em evidenciar seu vínculo familiar, político e econômico com os demais investigados e terceiros, que transparecerem ter autorização plena ou no mínimo uma ajuda daquele para a efetivação das promessas e entrega de bens ou vantagens em troca de voto a eleitores, ora identificados, ora não. Aliás, neste ponto convém destacar que desde 2006 o TSE tem dispensado até a identificação nominal dos eleitores envolvidos, considerando que basta a atuação do candidato para a caracterização do ilícito (REspe 25.256, ReI. Mm. Francisco Cesar Asfor Rocha, j. 16.2.2006).
Nota-se que a preparação para o deslocamento dos viajantes, até o município de Pacujá, conta com a convocação de motoristas e veículos para efetuar o traslado dos mesmos e que, para possibilitar o grande número de transportes, é cogitada a utilização, até mesmo, de veículos da prefeitura, então aliados políticos de muitas gestões. As passagens enviadas possibilitam a presença no dia da eleição. Há
envolvimento com eleitores do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. É o que se depreende da agenda apreendida em seu poder, com uma relação de vários eleitores associados a quantias e outras vantagens, assim como carnês das parcelas devidas a título de contribuição dos sindicalizados.
JOSÉ SILVA DE ABREU. As conversas com o contato “Alex Novo” denotam os ajustes para fornecimento de dinheiro. De igual forma, vê-se oferta de 2 (dois) votos a Zé Antônio, por parte de “Camila Prima” em troca de conserto de seus óculos.
Os áudios mostram um conjunto probatório suficientemente denso a evidenciar tanto a compra de votos por parte de terceiro não candidato, quanto a ciência do candidato em relação ao ilícito. Se alguns áudios e imagens podem ser vistos apenas como indícios, no caso concreto, os mesmos apontam a participação indireta de candidato, sua anuência, seu consentimento e em muitos a autorização da própria infração eleitoral. O que de longe trata-se de presunção.
WASHINGTON LUIS ALCÂNTARA LIMA. As conversas revelam que as negociações em relação ao voto dos eleitores são declaradas diretas, sem rodeios. O eleitor expõe o que deseja em troca do seu voto e o candidato a vereador aceita a condição ou, quando muito, ajusta a contraprestação em sua forma, quantidade ou valor. Muitas vezes o sufrágio é tratado mesmo como se fosse um leilão, quando é referido que será realizado para quem lhe proporcionar a melhor proposta. Um verdadeiro comércio, no qual o voto é a mercadoria. Verifica-se também a clara associação entre o candidato a vereador e o candidato a prefeito, ambos beneficiários das promessas acordadas, assim como ligação com RAIMUNDO RODRIGUES DE SOUSA (não candidato e pai do prefeito RAIMUNDO FILHO), que se revela como financiador dos compromissos.
As conversas captadas revelaram também o engajamento do médico LUCIRAY JEFFERSON RODRIGUES DE SOUSA, circunstância que lhe proporcionava especial atuação para viabilização de consultas, exames e cirurgias, além da contribuição no fornecimento de demais benesses.
4 - Não há como acolher a tese de defesa quanto a mera presunção da parte de RAIMUNDO FILHO em relação aos acordos realizados com os eleitores da municipalidade, sobretudo quando o próprio candidato a vereador WASHINGTON demonstra seu contato direto com o mesmo. Paralelo a isso, verifica-se a participação do pai do candidato majoritário, como se depreende da conversa pessoal entre o candidato Washington e aquele, em que o assunto abordado é justamente a viabilidade de transporte de eleitor, dinheiro, passagens, além de cobranças de custeio de promessas não honradas.
5 - Forçoso reconhecer o envolvimento incontestável de todos os Investigados nas condutas voltadas ao fornecimento de vantagens aos eleitores de Pacujá com o especial fim de agir, consistente na vontade de obtenção de seus votos. O conjunto probatório permite a conclusão do preenchimento dos requisitos necessários à configuração dos tipos constantes da sentença. Diante da robustez das provas produzidas pela parte autora, não há como não reconhecer a prática da captação ilícita de sufrágio. Não resta dúvida quanto aos fatos indicados na Inicial, os quais caracterizam, ainda, abuso de poder econômico. A gravidade das condutas salta aos olhos e se mostrou apta a comprometer a legitimidade do pleito de 2020, seja pela forma, data, valores e quantidades envolvidas e empreendidas tanto direta como indiretamente pelos candidatos, como por terceiros a favor daqueles. O que permite segundo o inciso XIV, do art. 22 da LC 64/90, penalizar também com inelegibilidade os atores das infrações e não candidatos, como THALLYTA MIRANDA DE ABREU e RAIMUNDO RODRIGUES DE SOUSA, familiares do investigado RAIMUNDO FILHO, e LUCIRAY JEFFERSON RODRIGUES DE SOUSA, a corroborar a tese de um movimento orquestrado para a prática ilícita.
6 - As evidências e as circunstâncias averiguadas nos autos comprovam a montagem de um grupo voltado a captação ilícita de sufrágio dentro da campanha dos investigados, beneficiários diretos e inequívocos dos ilícitos. É certo que laços familiares, afinidade política ou a existência de correligionários nos atos não acarreta, por si só, a ciência de todos os atos de campanha praticados por terceiros, porquanto, do contrário, a responsabilidade no que tange ao art. 41-A da Lei nº 9.504/97 não seria subjetiva, mas, sim, objetiva. Neste caso, entretanto, a organização entre os demandados - na maioria familiares -, eleitores e terceiros permitem concluir que a afinidade foi fator preponderante e necessário para a efetivação de tantos fatos que afrontam a legislação, estando a condição de autores ou de eventual beneficiário sopesada com prudência e cautela.
7 - Recursos de RAIMUNDO RODRIGUES DE SOUSA FILHO (prefeito), JOSÉ SILVA DE ABREU (vice-prefeito), FRANCISCO ANTÔNIO DE OLIVEIRA JÚNIOR, LINCÉLICA MARIA RIBEIRO MAGALHÃES, WASHINGTON LUÍS ALCANTARA LIMA e BRAZ RODRIGUES ALVES DE BRITO (vereadores), conhecidos e não providos. Recursos de RAIMUNDO RODRIGUES DE SOUSA, THALLYTA MIRANDA DE ABREU e LUCIRAY JEFFERSON RODRIGUES DE SOUSA conhecidos e de ofício parcialmente providos tão apenas para afastar a condenação por captação ilícita de sufrágio a eles impostas, cassando igualmente a multa aplicada, porém mantendo a sanção de inelegibilidade prevista no artigo 22, XIV, da LC nº 64/1990, pela condenação em abuso de poder econômico.
Embargos de Declaração foram rejeitados.
No Recurso Especial (ID 158495595), Raimundo Rodrigues de Sousa Filho sustentou, em síntese: i) violação aos artigos 275 do Código Eleitoral e 489, § 1º, IV e 1.022 do CPC, tendo em vista a ausência de enfrentamento, pela Corte Regional, dos argumentos deduzidos nos Embargos de Declaração, pois "o acórdão cingiu apenas em afastar os vícios com o exclusivo argumento de que o Embargante estaria buscando o revolvimento de análise de fatos e questões já decididas"; ii) "sucede que referida contradição se revela essencial para esclarecimento para fins de integração da fundamentação do julgado tendo em vista que no tocante a tal ponto - extração de elementos dos celulares apreendidos com inobservância do modo determinado na decisão de busca e apreensão mormente na realização de perícia da prova apreendida por órgão diverso daquele designado para tal fim - diferentemente do que apontou, o acórdão afastou a ilegalidade sem precisar de modo claro e motivado suas razões"; iii) não foi sanada a omissão decorrente do argumento segundo o qual houve quebra da paridade de armas, "ante a realização de quebra de sigilo realizada pelo próprio membro do parquet (autor da ação), sem a participação de um técnico pericial"; iv) ilicitude das provas, consubstanciadas em prints de conversas obtidas no aplicativo whatsapp, pois "a cadeia de custódia foi rompida em razão de o próprio Ministério Público haver extraído as mensagens do whatsapp nos celulares apreendidos, quando, na verdade, a decisão que autorizou a busca e apreensão determinou a remessa do material para análise da equipe técnico-pericial do órgão (GAECO/MPCE, em Fortaleza). Além disso, afirmam a inexistência do lacre digital e a utilização indevida do whatsapp web para espelhamento das conversas"; v) "a quebra de sigilo de dados realizada por uma das partes, mesmo quando envolvam um membro do MP, e parte da ação, sem a participação de um técnico pericial, é condição suficiente para deslegitimar a prova produzida, posto que não fora posta a disposição da defesa para acompanhamento e participação na realização da coleta de dados, isto é, na mesma condição de igualdade da parte autora"; vi) violação ao artigo 158-A do Código de Processo Penal, uma vez que "inexistiu indicativo de análise técnica, e ainda formulário de registro de receptação e tramitação e/ou emissão de hash (lacre digital), de sorte a violar a cadeia de custódia a qual deve ser submetida a prova ou vestígios"; vii) ilicitude da prova, tendo e vista que "o membro ministerial em posse dos aparelhos apreendidos, desativou o "modo avião", realizou conexão com internet e fez o espelhamento de tela do aplicativo do Whatsapp por meio do Whatsapp Web, o qual lhe deu amplo acesso e permissibilidade aos conteúdos de diálogos e áudios do aplicativo de mensagens instantâneas"; viii) por meio do espelhamento realizado no Whatsapp Web, passa-se "a ter amplo acesso e interação imediata na conversa instantânea", viabilizando, ainda, a alteração dos conteúdos; ix) "a maneira como fora realizada poderia se assimilar na forma de uma interceptação telefônica, no entanto, registre-se, que nem mesmo a interceptação prevê tal possibilidade de acesso pleno e imediato do momento real de conversas por meio de mensagens de aplicativos"; x) o espelhamento "permitiu ao membro ministerial não só o acesso ao conteúdo das conversas , mas a possibilidade de interação direta na conversação, podendo ali receber mensagens, alterar ordem cronológica dos diálogos com a exclusão de mensagens antigas (registradas antes do emparelhamento) ou recentes (registradas após), sejam as enviadas como as recebidas, e até mesmo enviar novas mensagens, ensejando a
manipulação da prova"; xi) o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA firmou entendimento a respeito da ilicitude das provas obtida por meio do Whatsapp web (RHC 99.735); xii) violação ao artigo 41-A da Lei 9.504/1997, em razão da ausência de participação do Prefeito nos fatos atribuídos, de modo que, "nos exatos termos do julgado, se tem a conclusão de que não haveria provas de sua responsabilidade indireta, mas que por se tratar de fatos envolvendo parentes do ora recorrente, este estaria interligado aos fatos e restaria demonstrado seu consentimento"; xiii) inexistência de demonstração da efetiva consumação da conduta praticada por José Silva de Abreu.
José Silva de Abreu, Vice-Prefeito, no Recurso Especial (ID 158495599), reiterou os argumentos concernentes à negativa de prestação jurisdicional, à ilicitude dos elementos de convicção e à quebra da cadeia de custódia da prova, ressaltando, ainda, a ausência de comprovação das condutas atribuídas, pois "inexiste nos autos a comprovação da efetiva consumação do atendimento ou promessa de atendimento aos pleitos dos eleitores, isto é, da consumação do ilícito apontado".
A Presidência da Corte Regional inadmitiu os Recursos, sob as seguintes alegações: i) ausência de violação aos artigos 275 do Código Eleitoral e 489 e 1.022 do CPC; ii) incidência do enunciado 28 da Súmula desta CORTE, tendo em vista que "o acórdão apresentado paradigma é decisão em recurso ordinário em Habeas Corpus, na qual é sanada questão ligada à legitimidade do conjunto probatório da lide"; iii) "as teses que abordam ausência de individualização das condutas - assim como as alegadas ausência de perícia técnica, quebra de cadeia de custódia, ausência de robustez, contaminação ou ilicitude de provas - devem ser desconsideradas neste decisio, por não serem adequadas a esta etapa recursal"; iv) incidência do enunciado 24 da Súmula.
Por meio do Agravo (ID 158495614), os Recorrentes sustentaram: i) ficou demonstrada a violação aos artigos 275 do Código Eleitoral e 489 e 1.022 do CPC; ii) "não obstante tratar-se de paradigma decisão em recurso ordinário e Habeas Corpus, as teses aventadas entre o paradigma e o acórdão recorrido são exatamente idênticasprova obtida mediante espelhamento via Whatsapp Web"; iii) não incidência do enunciado 24 da Súmula, uma vez que "apenas se está a discutir o reconhecimento se o meio empregado para obtenção da prova é LÍCITO ou ILÍCITO". No mais, reiteraram as teses alusivas à ilicitude e à quebra de cadeia de custódia das provas.
Por meio de manifestação datada de 27/1/2023, Raimundo Rodrigues de Sousa Filho reiterou, nestes autos, o pedido de concessão de efeito suspensivo ao Recurso formulado no âmbito da Tutela 0601884-40, que se encontra pendente de julgamento. Assim, reafirma o argumento concernente à ilicitude da prova, enfatizando que "ficou comprovada a quebra da cadeia de custódia, em claro e imensurável prejuízo à defesa, já que o espelhamento em nuvem, conforme efetivamente realizado pelo órgão de acusação, permite a manipulação das provas, sendo possível, ainda que em tese, excluir ou incluir trechos de conversas, bem como recortar diálogos de modo que o contexto se mostre mais interessantes à acusação".
Nesse contexto, aponta a existência do periculum in mora, uma vez que a Corte Regional designou o dia 5/2/2023 para a realização de eleições suplementares aos cargos de Prefeito e Vice no município de Pacujá.
Os autos vieram-me conclusão, em razão do pedido de liminar, nos termos do art. 17 do Regimento Interno.
É o relatório. Decido.
A concessão das medidas liminares de urgência somente poderá ocorrer quando houver a demonstração cabal da presença de seus tradicionais requisitos, conhecidos como “fumus boni iuris” e “periculum in mora”, os quais, ao menos em sede de cognição sumária, fundada em juízo de probabilidade, devem estar presentes para seu deferimento.
Nesse sentido, conforme a orientação jurisprudencial do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a concessão de medida cautelar, “quando requerida na perspectiva de recurso extraordinário interposto pela parte interessada supõe, para legitimar-se, a conjugação necessária dos seguintes requisitos: (a) que tenha sido instaurada a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal (existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de origem ou resultante do provimento do recuso de agravo), (b) que o recurso extraordinário interposto possua viabilidade processual caracterizada, dentre outras, pelas notas da tempestividade, do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição, (c) que a postulação de direito material deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade jurídica e (d) que se demonstre, objetivamente, a ocorrência de situação configuradora do “periculum in mora”” (AgR-Pet. 8.607, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 31/8/2020).
De início, quanto ao alegado dissídio jurisprudencial, é certo que a utilização, como paradigma, de acórdão emanado da Justiça Comum não se mostra apto a viabilizar o Recurso Especial com fundamento no artigo 276, I, b, do Código Eleitoral. Nesse sentido: "Não é possível a utilização de decisão do STJ como paradigma de dissídio jurisprudencial eleitoral. Nos termos da alínea b do inciso I do art. 276 do Código Eleitoral, é cabível recurso especial eleitoral quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais" (AgR-REspe 0600132-82, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 8/9/2021).
No tocante ao vício de fundamentação, depreende-se que a Corte Regional, nos Embargos de Declaração, consignou que "o Acórdão atacado enfrentou, em tópico específico, a legalidade da prova constante nos autos, que foi apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, autor do feito":
Observa-se, ainda, que o Acórdão atacado enfrentou, em
tópico específico, a legalidade da prova constante nos autos, que foi apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, autor do feito. Quanto a esse aspecto, salientou que:
“(…) Na espécie, as provas acostadas no presente feito foram obtidas de celulares legalmente apreendidos a partir de autorização judicial, por meio de busca e apreensão. Os Recorrentes, em nenhum momento, apresentaram questionamento direto, objetivo e específico sobre o conteúdo dos diálogos, mensagens e imagens, bem como prova de adulteração/manipulação da prova obtida, seja por alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência pontual para fins de invalidade da prova alcançada. Não houve, também, demonstração de prejuízo por parte da defesa, a qual não demonstrou negativa de acesso à prova da acusação, constrangimento de partes, por exemplo.
Como bem apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral (ID 19006078), o fato da prova em referência não ter sido extraída pelos técnicos do Ministério Público (GAECO/MPCE), mas pelo próprio Promotor Eleitoral, não implica desobediência a ordem judicial, cuja determinação foi a extração dos dados dos celulares apreendidos ser efetuada por aquele órgão. (…)”
Dessa forma, não há como reconhecer as omissões indicadas pelo Embargante
Assim, ao menos em juízo de cognição sumária, verifica-se que o acórdão recorrido procedeu ao enfrentamento dos argumentos suscitados de forma adequada, revelando-se em conformidade com o art. 93, IX, da Constituição Federal, o qual exige "que a decisão judicial seja fundamentada; não que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide; declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão" (ED-AI 481.132, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 1º/4/2005), "sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas" (AgR-ARE 1.056.580, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 21/11/2017).
Em relação ao mérito, a Corte Regional apontou que "o fato de a prova em referência não ter sido extraída pelos técnicos do Ministério Público (GAECO/MPCE), mas pelo próprio Promotor Eleitoral, não implica desobediência a ordem judicial, cuja determinação foi a extração dos dados celulares apreendidos ser efetuadas por aquele órgão".
De fato, uma vez que a obtenção dos celulares e a extração dos dados nele contidos foi previamente autorizada por decisão judicial, a extração do conteúdo, posteriormente juntado aos autos, diretamente pelo Promotor Eleitoral não configura
ilegalidade apta a revestir de ilicitude a prova, pois tal procedimento não apresenta repercussão em relação à integridade das conversas armazenadas.
No que concerne à ilicitude e à quebra da cadeia de custódia da prova obtida pelo Ministério Público por meio do espelhamento dos aparelhos celulares no Whatsapp Web, o acórdão recorrido afastou o argumento com base nos seguintes fundamentos: i) "a despeito da jurisprudência do STJ quanto a invalidade da prova advinda da utilização de WhatsApp Web para espelhamento das conversas realizadas no aplicativo, em razão de conexão do aparelho com a internet e consequente facilidade de manipulação dos dados, certo é que tal posicionamento foi emitido para efeito de prova em processo penal, o que não é o caso da AIJE em comento"; ii) "a ação teve todos os atos emanados dos celulares licitamente apreendidos e com prévia autorização de quebra de sigilo de seu conteúdo"; iii) "não houve igualmente nenhuma indicação precisa e específica de qualquer alteração nas conversas e imagens extraídas do aplicativo WhatsApp, tendo a Inicial apresentado nexo entre os diálogos e documentos"; iv) "eventual irregularidade na cadeia de custódia não conduz automaticamente à invalidade da prova; faz-se necessário, para tanto, que haja a comprovação do prejuízo à parte, o que não se vislumbra no caso dos autos"
No caso, como visto, é incontroverso que os dados contidos nos aparelhos celulares, os quais subsidiaram a condenação dos Recorrentes, foram obtidos pelo Ministério Público por meio do emparelhamento no Whatsapp Web.
A utilização do espelhamento para acesso aos dados, porém, diferentemente da mera extração das conversas, constitui circunstância apta a gerar repercussões jurídicas distintas no tocante à validade da prova, uma vez que tal plataforma viabiliza que um dos interlocutores não apenas acesse a íntegra do conteúdo armazenado, mas, também, permite a posterior adulteração das mensagens, autorizando, por exemplo, a exclusão e o envio de mensagens, sem que eventual manipulação gere qualquer vestígio.
Nesse sentido, ao analisar a validade da prova obtida com a utilização do Whatsapp Web, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA enfatizou que "o emparelhamento entre celular e computador autoriza o usuário, se por algum motivo assim desejar, a conversar dentro do aplicativo do celular e, simultaneamente, no navegador da internet, ocasião em que as conversas são automaticamente atualizadas na plataforma que não esteja sendo utilizada", de modo que "tanto no aplicativo, quanto no navegador, é possível, com total liberdade, o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas (registradas antes do emparelhamento) ou recentes (registradas após), tenham elas sido enviadas pelo usuário, tenham elas sido recebidas de algum contato. Eventual exclusão de mensagem enviada (na opção "Apagar somente para Mim") ou de mensagem recebida (em qualquer caso) não deixa absolutamente nenhum vestígio, seja no aplicativo, seja no computados emparelhado, e, por conseguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de prova em processo penal, tendo em vista que a própria empresa disponibilizadora do serviço, em razão da tecnologia de
encriptação ponta-a-ponta, não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários" (RHC 99.735, Rel. Min. LAURITA VAZ, Sexta Turma, DJe de 12/12/2018). No mesmo sentido: AgR-RHC 133.430, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe de 23/2/2021.
Embora a Corte Regional tenha assentado que tal entendimento concerne à utilização da prova no âmbito do processo penal, é certo que inadmissibilidade da utilização de provas ilícitas (Art. 5º, LVI, da Constituição Federal), enquanto garantia que integra a noção do próprio devido processo legal, não possui sua eficácia restrita ao processo penal, projetando-se seus efeitos a todas as esferas, de modo que “não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes” (ARE 1.316.369, Red. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, Pleno, julgado em 9/12/2022).
Na mesma linha, bem ressaltou o eminente Ministro CELSO DE MELLO que "a ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância do poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sobre pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo" (HC 103.325, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 30/10/2014).
Nesse contexto, ao menos em juízo de estrita delibação, a circunstância de meio utilizado pelo Ministério Público para obter as provas viabilizar a posterior manipulação do conteúdo, sem deixar qualquer vestígio, compromete o controle sobre a integridade da prova e, consequentemente, em relação à sua cadeia de custódia, repercutindo na sua própria validade.
Isso porque, conforme aponta a doutrina, “a cadeia de custódia fundamenta-se no princípio universal de ‘autenticidade da prova’, definido como ‘lei da mesmidade’, isto é, o princípio pelo qual se determina que ‘o mesmo’ que se encontrou na cena é ‘o mesmo’ que se está utilizando para tomar a decisão judicial’ (PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. 2ºª Ed. Rio de Janeiro: Marcial Pons, 2021, p. 151). Desse modo, a aparente impossibilidade de assegurar a higidez das conversas cujos prints foram juntados aos autos, além de comprometer a confiabilidade das informações, inviabiliza o adequado exercício do contraditório, tendo em vista a incerteza de que os diálogos juntados efetivamente correspondem aos arquivos originais.
Nesse contexto, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL firmou a compreensão no sentido de que, "se há a caracterização de um cenário de dúvida sobre a confiabilidade e a fidedignidade de atos dos atores envolvidos com a persecução penal, deve-se adotar medidas para resguardar a legitimidade de tal atuação" (Rcl. 32.722, Rel.
Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 29/11/2019), o que, no caso, uma vez que eventual manipulação no conteúdo extraído não deixa vestígios, mostra-se inviabilizado.
Portanto, em razão da impossibilidade do efetivo controle da prova, o argumento suscitado pelos Recorrentes reveste-se de plausibilidade jurídica, pois, "em casos de descumprimento da norma que estabelece a manutenção da cadeia de custódia da prova, não resta outra opção à autoridade judicial além de declarar a ilicitude da prova produzida em virtude da violação ao dispositivo previsto pelo art. 5º, LVI, da CF/88 ("são proibidas, no processo, as provas obtidas por meio ilícito"), tendo em vista a ausência de garantias epistêmicas que possibilitem a averiguação da validade da prova" (HC 214.908, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 4/11/2022).
O periculum in mora, por sua vez, revela-se demonstrado em razão da iminente realização de eleições suplementares, designadas para o dia 5/2/2023, de modo que, em prestígio à segurança jurídica, bem como à estabilidade das relações locais, deve ser asseguranda a manutenção do status quo até o exame da matéria pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, ainda que pelo Presidente da Câmara Legislativa em substituição aos eleitos.
Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE a liminar, apenas para o fim de SUSPENDER a realização de novas eleições até o julgamento do mérito do Recurso por esta CORTE.
Publique-se. Intime-se. Comunique-se com urgência o TRE/CE.
Após, encaminhe-se o processo à eminente Relatora.
Brasília, 31 de janeiro de 2023.
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Presidente