Justiça Eleitoral PJe - Processo Judicial Eletrônico
01/12/2021
Número: 0600003-70.2021.6.06.0105 Classe: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO Órgão julgador: 105ª ZONA ELEITORAL DE CAPISTRANO CE Última distribuição : 08/01/2021 Valor da causa: R$ 0,00 Assuntos: Cargo - Prefeito, Cargo - Vice-Prefeito, Abuso - De Poder Econômico, Abuso - De Poder Político/Autoridade Segredo de justiça? SIM Justiça gratuita? NÃO Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO Partes
Procurador/Terceiro vinculado
CAPISTRANO DE TODOS 12-PDT / 25-DEM / 43-PV (IMPUGNANTE)
MARCOS VICTOR VASCONCELOS PAIVA (ADVOGADO) ROSBERG MYKAEL OLIVEIRA DA NOBREGA FERNANDES (ADVOGADO)
Em segredo de justiça (IMPUGNADO)
MARCOS ANTONIO SAMPAIO DE MACEDO (ADVOGADO) FLORA MATUSA DINIZ MATEUS DOS SANTOS (ADVOGADO)
Em segredo de justiça (IMPUGNADO)
JOSE ABILIO PINHEIRO DE MELO (ADVOGADO)
Em segredo de justiça (IMPUGNADO)
MARCOS ANTONIO SAMPAIO DE MACEDO (ADVOGADO) FLORA MATUSA DINIZ MATEUS DOS SANTOS (ADVOGADO)
PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DO CEARÁ (FISCAL DA LEI) Documentos Id.
Data da Assinatura
Documento
10027 30/11/2021 12:11 Sentença 1391
Tipo Sentença
JUSTIÇA ELEITORAL 105ª ZONA ELEITORAL DE CAPISTRANO CE
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (11526) Nº 0600003-70.2021.6.06.0105 / 105ª ZONA ELEITORAL DE CAPISTRANO CE IMPUGNANTE: CAPISTRANO DE TODOS 12-PDT / 25-DEM / 43-PV Advogados do(a) IMPUGNANTE: MARCOS VICTOR VASCONCELOS PAIVA - CE41123, ROSBERG MYKAEL OLIVEIRA DA NOBREGA FERNANDES - CE43309 IMPUGNADO: ANTONIO SOARES SARAIVA JUNIOR, CLAUDIO BEZERRA SARAIVA, MANOEL DE FREITAS VIANA Advogados do(a) IMPUGNADO: MARCOS ANTONIO SAMPAIO DE MACEDO - CE15096, FLORA MATUSA DINIZ MATEUS DOS SANTOS - CE24872 Advogado do(a) IMPUGNADO: JOSE ABILIO PINHEIRO DE MELO - CE14899 Advogados do(a) IMPUGNADO: MARCOS ANTONIO SAMPAIO DE MACEDO - CE15096, FLORA MATUSA DINIZ MATEUS DOS SANTOS - CE24872
SENTENÇA
I - RELATÓRIO
Trata-se de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo ajuizada pela COLIGAÇÃO "CAPISTRANO DE TODOS (PDT/DEM/PV), em face de ANTÔNIO SOARES SARAIVA JÚNIOR, CLÁUDIO BEZERRA SARAIVA E MANOEL DE FREITAS VIANA, onde requer que seja desconstituído o mandado dos impugnados. Alega a Coligação que o impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior, que ostentava, na época do período eleitoral, a condição de Prefeito Municipal de Capistrano, aproveitou-se do cargo para realizar obras e serviços sem a realização de licitações, bem como sem procedimento legal para dispensa de licitação, sendo tais obras realizadas no periodo eleitoral e com objetivo eleitoreiro, gerando, ainda, prejuízo ao erário. Cita, para tanto, oito situações, quais sejam: 1) O início da construção de um bueiro na comunidade de “Iú”, obra esta que, além de não ter sido terminada até a data da interposição da AIME, não possui nenhuma placa indicando a empreiteira responsável, nem o orçamento e previsão de término, em desacordo com a lei nº 8.666/93, vigente na época dos fatos; 2) A retomada da pavimentação da estrada que dá acesso a localidade de Cajuás exatamente durante a campanha eleitoral, sem indicação de empresa empreiteira, orçamento, previsão de término e sem o devido licenciamento ambiental, visto se tratar, supostamente, de área de preservação ambiental; 3) A invasão de uma propriedade particular também no período eleitoral na comunidade de “Cabeça da Onça”, onde foi construído um poço profundo, sem a observância da Lei nº 8.666/93,
Num. 100271391 - Pág. 1
com o único objetivo de angariar votos; 4) A construção de poço artesanal na localidade de “Riacho do Padre”, na propriedade particular de Sr. Raimundo Almeida da Silva, conhecido como “Novim”, como acordo político, também sem qualquer procedimento licitatório e devidas cautelas necessárias para realização de tais obras; 5) Construção de poço profundo na propriedade particular do pai do impugnado Manoel Freitas, na localidade de Chapada, próximo a pessoas da família daquele candidato, como forma de beneficiá-los, em desacordo com as leis nº 8.666/93 e nº 8.429/92 nas redações vigentes na época; 6) Construção de passagens molhadas na comunidade de Bananeiras, onde os obreiros não foram pagos pelo trabalho, além da não observação do processo licitatório; 7) A realização de cirurgias de cataratas como trocas de voto conseguidas por cabos eleitorais do prefeito, sendo realizadas apenas no dias de sábado e; 8) Oferecimento de quantia de dinheiro para eleitores como forma de comprar votos, implicando na captação ilícita de sufrágio. A inicial veio acompanhada dos documentos de Ids. 70667151 e 70667152. Contestação apresentada pelo impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior (ID 84589103), onde este alega a inexistência de conduta ilícita e de agravamento das oito situações elencadas pela parte impugnante, requerendo a improcedência ao fim da AIME. Refuta as alegações da inicial do seguinte modo: 1. Em relação ao bueiro localizado na comunidade de Iú, há dois processos de dispensa de licitação datados do ano de 2020, nos termos exigidos pela lei de licitações, havendo, contudo, que seguir o cronograma de execução– financeiro, estando a obra já finalizada; 2. Quanto à estrada dos Cajuais, trata-se de manutenção não construção, integrando tal feito o plano de ação anual de recuperação de estradas vicinais, sendo realizado no ano de 2020 por pregão eletrônico para contratação de máquinas para tal fim; 3. Os poços construídos nas localidades de Cabeça da Onça, Riacho do Padre e Chapada, narrados nos pontos 03,04 e 05 não foram realizadas pelo Município de Capistrano ou pelo impugnante, não possuindo qualquer relação com o pleito; 4. A construção da passagem molhada, narrada no ponto 06, na verdade, trata-se de bueiros com concretagem e realizados os devidos procedimentos licitatórios para suas construções; 5. Em relação às cirurgias de cataratas, existe no Município, dede 2017, a realização de tais serviços ofertados pela Secretaria Municipal de Saúde, sendo realizadas pela empresa COPERVIDA – COOPERATIVA DE ASSISTÊNCIA, na medida em que não há médicos especializados no Município com as especialidades médicas necessárias; 6. Por fim, que nunca houve o oferecimento ou promessa de qualquer bem ou vantagem pelo contestante a qualquer pessoa em troca de voto. Já o impugnado Manoel de Freitas Viana, em sua contestação, requereu, preliminarmente, o reconhecimento da ilegitimidade passiva por não ter colaborado para tais eventos e, no mérito, disse que não possui qualquer relação com a construção do poço profundo na localidade de Chapada, sendo o responsável pela construção o Sr. Antônio Joel de Freitas, seu irmão, apontando que não há arcabouço probatório que aponte a participação do Município e do prefeito Antônio Soares Saraiva Júnior, requerendo, ao fim, a improcedência da ação (ID 83489106).
Num. 100271391 - Pág. 2
Por fim, o impugnado Cláudio Bezerra Saraiva reiterou os argumentos já trazidos pelo impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior, refutando as ilegalidades apontadas, também requerendo a improcedência da AIME (ID 84589249). Decisão de Saneamento e Organização do processo de ID 85311492, onde foi refutada a preliminar de ilegitimidade passiva, sendo designada a realização de Audiência de Instrução e Julgamento. Iniciada a fase de instrução processual, em que foram ouvidas as testemunhas do impugnante e requeridas as seguintes diligências: 1 - o requerimento à Secretaria de Saúde sobre a lista de pessoas beneficiadas pelas cirurgias de cataratas nos anos de 2018, 2019 e 2020; 2 - a remessa dos procedimentos licitatórios referentes as obras e cirurgias apontadas na exordial, além da comprovação da capacidade contributiva das testemunhas Antônio Joel Freitas e Raimundo Almeida Silva, o que foi deferido por este Juízo (ID 89154494). Diligências realizadas juntadas nos eventos IDs 91313872, 91521260, 91544545, 91663984,91729020, 91817989, 92908819, 92048105). Foram apresentadas as alegações finais dos impugnados e do impugnante. Manifestação Ministerial no D 99243282 pela procedência, no sentido de ser determinada a cassação dos diplomas dos investigados e declaração da inelegibilidade na forma da lei complementar nº 64/90. É o que importa relatar. DECIDO. II – FUNDAMENTAÇÃO A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) pode ser conceituada como a ação que tem como objeto “eliminar, tanto quanto possível, vícios que deformem ou desnaturalizem o mandado popular” (Costa, Tito. Recursos em matéria eleitoral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992). Ela tem por fundamento legal o art. 14, §10 e 11 da Constituição Federal, que assim dispõe:
“Art. 14. [...] § 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. § 11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária
Num. 100271391 - Pág. 3
Vejamos, também, a lição do doutrinador José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 2020) sobre a AIME: “Seu objetivo é tutelar a cidadania, a lisura e o equilíbrio do pleito, a legitimidade da representação política, enfim, o direito difuso de que os mandatos eletivos apenas sejam exercidos por quem os tenha alcançado de forma lícita, sem o emprego de práticas tão censuráveis quanto nocivas como são o abuso de poder, a corrupção e a fraude.”
Feitas tais considerações Iniciais, detém que a AIME possui três fundamentos possíveis, quais sejam, o abuso do poder econômico, corrupção e fraude. Ressalte-se que o abuso de poder político pode ser configurado também quando ligado diretamente ao poder econômico, sendo modalidade daquele. O Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento nesse sentido, in verbis
“(...) 3. O abuso de poder econômico entrelaçado com o abuso de poder político pode ser objeto de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), porquanto abusa do poder econômico o candidato que despende recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral. Precedentes: REspe no 28.581/MG, de minha relatoria, DJe de 23-9-2008; REspe no 28.040/ BA, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 1o-7-2008 [...]” (TSE – AAI no 11.708/ MG – DJe 154-2010, p. 18-19).”
No que concerne a presente ação, vislumbra-se, diante dos oito fatos apresentados, ao menos quatro violações com abuso do poder político e, consequentemente, econômico, de forma que o acolhimento parcial dos pedidos é, no meu entender, medida de justiça. Para melhor elucidação das questões aqui suscitadas, da mesma forma que a instrução foi conduzida, passarei a análise detida e individual de cada uma das condutas questionadas. FATO 01: BUEIRO DO IÚ No que concerne ao primeiro ponto, referente à construção de um bueiro na localidade de Iú, entendo que há nos autos elementos suficientes para formar o convencimento deste magistrado pelo acolhimento do pedido. Prefacialmente, percebe-se que a justificativa apresentada pelo impugnante Antônio Soares Saraiva Júnior, sobre a referente obra, é de que esta advém de dispensa de licitação referentes aos processos nº 03.03.01/2020/2020 e 08.26.01/2020/2020, os quais possuem como objeto a manutenção dos referidos bueiros, sendo necessário seguir o cronograma físico-financeiro e não podendo ser executada durante a quadra invernal, período indicado por ele mesmo como sendo “de janeiro a junho” (pg. 06 no ID 84586103). Ocorre que o documento juntado no ID91727647, referente especificamente ao processo nº 03.03.01/2020/2020, demonstra que a empresa contratada MPR – Construções Eireli ME
Num. 100271391 - Pág. 4
celebrara o contrato com o Município justamente no período da quadra invernosa, na data de 03 de março de 2020, e teve seus serviços prestados em junho e 2020, período indicado na contestação como não viável para tal tipo de obra e pretérito ao pleito eleitoral, conforme observase nos processos de despesas orçamentárias nos IDs 91544630, 91433633 e 91546174 . Além disso, detém que nas imagens acostadas na Inicial e na própria contestação, as quais, frisese, não foram impugnadas, é possível constatar que não há nenhuma placa que indique previsão, valor da obra e a empreiteira contratada, ficando implícito, também, em sede de contestação, que a finalização das obras foi posterior ao mês de junho de 2020, o que me leva a crer que a construção do referido bueiro não integra os processos de dispensa de licitação indicados na contestação e correlacionados aos autos a título de diligência. Percebe-se, na prova carreada pelos impugnados, que não há especificação, no referido contrato, sobre quais seriam os locais que receberiam o serviço indicado, ou seja, em útlima medida, não há prova suficiente de que a obra realizada na localidade de Iú estaria abarcada pelos indicados processos licitatórios. Não bastante isso, corroborando com o fato levantado na exordial, de que a construção teria sido feita informalmente, malferindo, assim, os principios da legalidade, moralidade e publicidade da administração pública, estão os depoimentos colhidos em sede de instrução, das testemunhas Joel da Silva Morais, Vagner Alves e Emílio Bezerra, indicados os dois primeiros pelo impugnante e o último pelo impugnado. Com efeito, em seu depoimento, Joel da Silva Morais, arrolado pela parte impugnante, ouvido na condição de informante, disse que, após o comício realizado pela oposição, já no período eleitoral, foi dado início a construção do bueiro, no início de outubro; sendo que tal obra sempre foi associada como uma obra do prefeito e do vice-prefeito como candidatos, não como uma obra do Município de Capistrano. Disse que quem recebeu o material para a construção da obra foi o indivíduo de nome “Pelé”, apoiador e cabo eleitoral da chapa “Júnior Saraiva e Cláudio Saraiva”. Também informou que ocorreram outras obras no período da campanha e que não havia nenhuma placa indicando dados sobre a obra, valores, período ou sobre a empresa responsável por sua realização, bem como, após a eleição, passou pela obra e constatou que não estava finalizada. A testemunha arrolada pelo impugnante, Vagner Alves da Silva, relatou em juízo que trabalhava no depósito de Construção na época dos fatos e que realizou a entrega de material de costrução na localidade de Iú para a pessoa de nome “Pelé”, mas quem recebeu foi sua esposa, de nome Marta, porém não tem conhecimento de qual seria o destino do material. A testemunha do impugnado, Emílio Bezerra Cunha, Secretário de Obras, consignou, em seu depoimento, que lembra da construção do Bueiro, a qual passou por processo de licitação, obra esta que foi realizada pela empresa contratada, porém não se recorda do valor e que não costumam colocar placas informativas no local porque não há como estipular uma previsão para a finalização da obra, depoimento este que, repiso, vem desacompanhado de documentos básicos que comprovem a regularidade da obra questionada. Ademais disso, a justificativa de não se colocar placas na obra por não se saber ao certo o prazo para sua finalização é, no mínimo, desrespeitar deliberadamente os os princípios constitucionais da legalidade e da publicidade, indicados no art. 37 da Constituição Federal de 1988, na medida em que o art. 54, §1º da Lei nº 8.666/93, vigente no período, diz claramente que “os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.”
Num. 100271391 - Pág. 5
Outrossim, apesar da contestação indicar a existência de um “cronograma” financeiro/executivo a ser seguido, não foi carreada aos autos tal prova, nem qualquer documento que demonstre que a construção do Bueiro do Iú estivesse prevista para o segundo semestre de 2020. Cumpre sublinhar, por necessário, que, para configurar o abuso de poder econômico/político, não há necessidade do pedido explícito de voto para configuração do ilícito, bastando tão somente a caracterização do fim de agir em obter a vantagem desejada, qual seja, a promoção pessoal do então candidato Júnior Saraiva à reeleição e seu vice Claudio Bezerra Saraiva, circunstância que, a meu ver, amolda-se ao caso em tela. No presente caso, o que se vê é uma obra que foi iniciada no período eleitoral, de forma informal e, conforme apontado pelo informante Joel da Silva Morais, desde o seu início, atribuída ao prefeito e ao vice-prefeito como forma de promoção pessoal e eleitoral, e não de cumprimento de projeto elaborado pela Administração Pública do Município de Capistrano. Nesse sentido, colho o presente julgado do Tribunal Superior Eleitoral:
DIREITO ELEITORAL. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL POR ABUSO DO PODER POLÍTICO. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DE EMÍDIO BICALHO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DE FARIAS MENEZES DE OLIVEIRA. 1. Recursos especiais eleitorais contra acórdão do TRE/MG, que, reformando parcialmente sentença, manteve a cassação dos diplomas do prefeito e viceprefeito do Município de Dionísio/MG, eleitos no pleito de 2016, bem como a condenação de ambos à inelegibilidade por 8 anos, em razão da prática de conduta vedada e da configuração do abuso do poder político, determinando, ainda, a realização de novas eleições. 2. Julgamento conjunto de representação por conduta vedada (Rp nº 412-26) ajuizada em desfavor do candidato a prefeito eleito (Farias Menezes de Oliveira) e do candidato a vice-prefeito reeleito (Emídio Braga Bicalho) e de AIJE por abuso do poder econômico e político (AIJE nº 422-70) ajuizada contra esses candidatos, o prefeito à época dos fatos (Frederico Henriques Figueiredo Coura Ferreira) e o pai deste último (José Henriques Ferreira). 3. Hipótese em que o então prefeito teria feito uso promocional da entrega efetiva de lotes a 195 famílias em programa social da Prefeitura Municipal, com a alteração do cronograma para que a imissão na posse se desse em período próximo às eleições municipais - embora as obras de infraestrutura no local ainda não estivessem concluídas -, com o objetivo de beneficiar o candidato a prefeito apoiado e o então vice-prefeito, candidato à reeleição para o mesmo cargo. I - RECURSO DE EMÍDIO BRAGA BICALHO 4. É intempestivo o recurso especial eleitoral interposto após o fim do tríduo legal. O recorrente não se desincumbiu do ônus de comprovar a alegada indisponibilidade do sistema da Justiça Eleitoral, de modo que seu recurso não deve ser conhecido. II - RECURSO DE FARIAS MENEZES DE OLIVEIRA Representação por conduta vedada 5. Em relação à Rp nº 412-26, o acórdão regional entendeu configurada a conduta vedada do art. 73, IV, da Lei nº 9.504/1997, relativa ao uso promocional de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social, pelo prefeito à época dos fatos. No entanto, a representação foi ajuizada apenas contra os candidatos beneficiados. 6. De acordo com o entendimento deste Tribunal, aplicável às Eleições 2016, nas ações que versem sobre condutas
Num. 100271391 - Pág. 6
vedadas, há litisconsórcio passivo necessário entre o agente público tido como responsável pela prática das condutas e os beneficiários dos atos praticados. 7. A ausência de inclusão do agente público responsável no polo passivo impõe a extinção, com resolução do mérito, da representação, nos termos do art. 487, II, do CPC. Como consequência, ficam afastadas as multas aplicadas pela prática de conduta vedada. AIJE por abuso do poder político 8. Em relação à AIJE nº 422-70, o acórdão regional concluiu pela configuração do abuso do poder político, com a condenação do prefeito à época dos fatos e de seu pai à inelegibilidade, bem como dos candidatos eleitos à cassação dos diplomas e à inelegibilidade. 9. É dispensável a formação do litisconsórcio passivo necessário quando o agente pratica a conduta vedada ou o ato abusivo na condição de mero mandatário do beneficiário que integra a demanda. Precedentes. Portanto, desnecessária a inclusão do funcionário da prefeitura responsável pela entrega dos lotes no polo passivo da presente ação. 10. O acórdão regional enfrentou devidamente os argumentos apresentados pelo recorrente. Não há qualquer omissão ou contradição, o que afasta a alegada violação ao art. 275 do Código Eleitoral e ao art. 1.022 do CPC. 11. O TRE/MG entendeu configurado o abuso do poder político, com gravidade suficiente para afetar a normalidade e a legitimidade do pleito, por considerar que houve manipulação do cronograma de entrega com finalidade eleitoreira, uma vez que não havia justificativa para a imissão na posse dos beneficiários dos lotes a cerca de duas semanas do pleito quando as obras de infraestrutura não estavam concluídas. A modificação dessas conclusões exigiria o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE). 12. A inelegibilidade constitui sanção de natureza personalíssima, de modo que não se aplica ao mero beneficiário dos atos abusivos, mas apenas a quem tenha contribuído, direta ou indiretamente, para a prática de referidos atos. No caso, os candidatos recorrentes foram condenados apenas na qualidade de beneficiários da conduta configuradora de abuso de poder. Não ficou comprovada sua contribuição, direta ou indireta, para a prática dos atos abusivos, de modo que não há como aplicar-lhes a sanção de inelegibilidade. III - CONCLUSÃO 13. Recurso de Emídio Braga Bicalho não conhecido e recurso de Farias Menezes de Oliveira parcialmente provido para (i) extinguir a Representação nº 412-26 e (ii) afastar a sanção de inelegibilidade imposta aos recorrentes no âmbito da AIJE nº 422-70. Prejudicado o agravo interno nos autos da Ação Cautelar nº 0604265-94.2017.6.00.0000. 14. Mantida a decisão de cassação dos diplomas dos recorrentes, de modo que deve haver a convocação imediata de novas eleições diretas para os cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Dionísio/MG, a partir da publicação deste acórdão, independentemente do trânsito em julgado da decisão. Precedentes. (TSE - AC: 06042659420176000000 DIONÍSIO - MG, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 30/05/2019, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 27/06/2019) (grifo nosso)
Desse modo, constata-se, pelo arcabouço probatório produzido, que a construção da obra conhecida como “Bueiro do Iú”, foi realizada de forma improvisada, sem procedimento licitatório e com objetivos pessoais/eleitorais, configurando, portanto, abuso de poder político e econômico,
Num. 100271391 - Pág. 7
com o objetivo de angariar votos para os candidatos a prefeito e a vice-prefeito, causando desequilíbrio à disputa eleitoral Municipal de 2020, de sorte que, o acolhimento do pedido, neste ponto, é medida que se impõe.
FATO 02: ESTRADA DO CAJUÁS
Situação semelhante se apresenta com relação à pavimentação da estrada que dá acesso a comunidade de Cajuás, onde foi alegado, pela coligação autora, que se trata de mais uma obra iniciada durante a campanha eleitoral, com a intenção de angariar votos e sem observância dos ditames legais e constitucionais necessários, com as mesmas falhas apresentadas na obra do item 01, quais sejam, a ausência de placa informativa, a não finalização da obra, além da ausência de processo licitatório. Em sede de contestação, os impugnados aduziram que não se trata de construção da estrada, mas sim de sua manutenção, sendo que foi realizado o pregão eletrônico de registro de preço nº 02.01.01/2020 para a contratação de empresas especializadas em prestação de serviços de locação de máquinas pesadas, resultando vencedora a empresa “Colinas.” Todavia, no caso, o que foi imbricado nos autos apenas faz menção a serviços de roçada manual de estradas vicinais, incluindo, no caso, a estrada do Cajuás. Trata-se do procedimento de Tomada de preços nº 07/07.01/2020 (evento ID 91811949), com publicação do certame em julho de 2020, sendo contratada a empresa “Construtora Nova Hidrolândia EIRELI” (ID 91815199), divergente do que foi apontado em sede contestatória. Não obstante, detém que, conforme ID 91815199, o 1º boletim de medição constante do processo de pagamento foi em data próxima ao período eleitoral, em 26 de outubro de 2021, não havendo prova nos autos sobre o início da obra, o que demonstra, a meu ver, indícios sobre seu cunho eleitoral. Quanto à contratação da empresa “Colinas Construções Transportes e Serviços Eireli”, indicada em contestação como a responsável pela manutenção da estrada da comunidade de Cajuás, observando o evento ID 91521260, onde constam os processos de despesa orçamentária do ano de 2020, do período de março a dezembro, não há qualquer menção sobre a estrada do Cajuás. Somado ao fato de que especificamente durante os meses de setembro, outubro e novembro, período em que estava sendo executada a obra, o único item discriminado como locado é um caminhão, conforme denota-se nos IDs 91521285, 91521286 e 91521287, o que se mostra, por óbvio, insuficiente para realizar a manutenção de estradas, visto que, não precisa ser especialista para se deduzir, faz-se necessário mais do que a utilização de apenas 01 (um) caminhão para tal tipo de serviço, sendo necessário, por exemplo, retroescavadeiras e máquinas do tipo “Patrol” para sua devida execução, o que demonstra a incongruência por parte dos impugnados em sede contestatória sobre a natureza e realização desta obra em particular. Corroborando com a tese de que se trata de obra de caráter eminentemente eleitoral, com o objetivo de favorecimento pessoal dos candidatos a prefeito e vice-prefeito, vê-se, pelas publicações realizadas nas redes sociais de Antônio Joel Freitas, irmão do candidato conhecido como “Manoel do Cajuás”, também integrante do polo passivo desta AIME e do Secretário de Obras Emílio Bezerra, imbricadas na exordial (pgs. 07 e 08 do ID 70647250), a finalidade de captação de sufrágio, sendo relevante registrar que tais publicações não tiveram sua veracidade contestada.
Num. 100271391 - Pág. 8
Com efeito, constata-se, na primeira publicação, que não se trata de apenas uma manutenção, mas de uma “reabertura” da estrada, conforme texto publicado, destoando, mais uma vez, da tese defensiva. Há parabenização direta ao prefeito Antônio Soares Saraiva Júnior, candidato à reeleição naquele período, 10 (dez) dias antes das eleições, o que demonstra vinculação da obra à pessoa do candidato e não à Prefeitura de Capistrano. Da mesma forma, a segunda publicação trata a obra como um dos “maiores sonhos”, trazendo o caráter de uma obra de proporções maiores do que uma simples manutenção rotineira de estradas. Em complemento, ambas as fotos capitaneadas são de maquinário diverso do que foi locado da empresa “Colinas Construções Transportes e Serviços Eireli”, o que comprova a realização da obra por outra forma e às vésperas do período eleitoral, com o intuito de ocasionar influência política direta naquela comunidade, ocasionando, assim, assimetria dentro da disputa política em virtude da utilização da máquina pública em benefício pessoal/eleitoral. Quanto aos depoimentos colhidos em Juízo, em relação ao sr. Antônio Joel Freitas, ouvido na condição de informante, por ser irmão de um dos impugnados, verifica-se uma série de contradições, visto que diz, primeiramente, que a estrada já existia fazia muito tempo, que teria sido realizada apenas uma manutenção no final do inverno e no ínicio do verão, o que implicaria no período de julho/agosto e que não verificou a existência de placa porque não foi até o final da via; todavia, ao mesmo tempo, reconhece como sua a publicação realizada no dia 05 de novembro de 2020, onde este fala expressamente em “reabertura” da estrada e não em manutenção, em período divergente ao apontado inicialmente por ele. Quanto ao depoimento da testemunha Francisco de Paulo Viana de Freitas, este confirmou que o que foi feito no período indicado foi a “estrada antiga”, que ligava a localidade de Cajuás à sede de Capistrano, pela localidade “San Soucy”, visto que o caminho mais utilizado anteriormente era pelo “Cajuás de Baixo” e que não havia nenhuma indicação de placa com informações sobre a obra. Por fim, no depoimento do Secretário de Obras do período, sr. Francisco Emílio Bezerra, sustentou a versão de que se tratava de estrada recuperada, que iniciaram com as máquinas pertencentes ao Município e que só depois procederam a licitação; que foi realizado após o período de inverno e que é prática comum da Secretária de Obras fazer a recuperação de todas as estradas após esse período, o que foi feito em 2019 e repetido em 2020. Disse , ainda, que é seguido um planejamento anual feito pela Secretária de Obras, o qual é realizado todos os anos. Entretanto, não foi imbricado aos autos qualquer documentação que comprove a existência de tal planejamento anual, nem indicação de um quadro geral de quais estradas seriam recuperadas. Ademais, se a estrada que liga a comunidade de Cajuás à sede de Capistrano pela localidade de “San Soucy” fosse apenas uma obra de manutenção/recuperação que ocorre todos os anos e que, segundo o Secretário, ocorreu em 2019, não se justificaria a realização de postagens feitas por ele mesmo e pelo Sr. Antônio Joel de Freitas como “uma grande conquista” e como a “realização de um sonho”. Sabe-se que em Municípios do interior, com localidades distantes do centro comercial e de difícil acesso, políticas públicas voltadas a constantes recuperações de estradas são cruciais para assegurar o direito à população de livre locomoção, além de garantir o crescimento econômico. Entretanto, a reabertura de estrada que já não era utilizada há muito tempo como meio de acesso a população local durante o período eleitoral, com publicações feitas por apoiadores do candidato à reeleição dias antes das eleições, demonstram que o objetivo era o de captar votos daquela comunidade.
Num. 100271391 - Pág. 9
Destarte, a utilização de recursos para a reabertura da estrada com finalidade eleitoral configura abuso de poder econômico/politico, configurando-se este “por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou de fonte privada, vindo a comprometer valores essenciais a eleições democráticas e isentas"(AgR-RO 8044-83, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 5.4.2018). Tal circunstância, no meu sentir, colocou em risco o equilíbrio no pleito eleitoral que se realizou, comprometendo sua legitimidade e equilibrio, pois tal obra pública foi desvirtuada para trazer benesses eleitorais pessoais aos promovidos Antonio S. Saraiva Junior e Claudio Bezerra Saraiva, de forma que o acolhimento do pedido, aqui, é medida de rigor.
FATO 03: CONSTRUÇÃO DE POÇO PROFUNDO NA LOCALIDADE DE CABEÇA DA ONÇA
A Coligação autora alega que houve a construção de um poço profundo em propriedade particular pelo impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior, com o objetivo de angariar votos da população residente no local, obra esta realizada sem procedimento licitatório adequado e sem nenhuma informação referente à obra em si. Em contestação, o impugnado ateve-se a relatar que não possui qualquer relação com a construção do poço em epígrafe e que as fotos juntadas na exordial tratavam-se de atos de campanha. Em diligência realizada junto a Prefeitura Municipal de Capistrano, referente à construção de poços, esta se manifestou no ID 91311479, no sentido de que realmente não houve qualquer procedimento licitatório em face de que “se esquiva de enviar certames e pagamentos relativos à perfuração de poços profundos, tendo em vista que no exercício de 2020 não foram realizadas obras de gênero pelo ente público, e, por conseguinte, não houve execução orçamentária nesse sentido.” Torna-se importante assinalar, neste ponto, que o que comprova a participação do candidato Antônio Soares Saraiva Júnior na realização da construção do poço profundo, com objetivo eleitoreiro, são a simagens carreadas aos autos que demonstram os impugandos realizando atos de campanha no local de construção do referido poço, em conjunto com os depoimentos colhidos em juízo, os quais explano a seguir. O proprietário da terra onde foi construído o poço profundo, José Valtemir Magalhães, disse que não sabe informar quem construiu o poço em sua propriedade, pois não autorizou a construção; que quando chegou em sua propriedade o poço já estava cavado, porém sem estar estruturado; que o prefeito e o vice-prefeito, após a entrada desta ação, em meados de abril, foram a sua procura dizer que nada tinham a ver com o poço; disse que o senhor Toinho do Sinelson era o caseiro do seu terreno; ao final, voltou atrás e disse que o poço foi feito por algum “Político.” Já a testemunha do Juízo, Francisco Antônio Abreu, conhecido como “Toinho do Sinelson”, caseiro da propriedade, confirmou que quem construiu o poço na propriedade foi o candidato a prefeito Júnior Saraiva; que quem presenciou os fatos foi seu filho que estava lá; que era uma antiga promessa do candidato; que quando se aproximou o período eleitoral, o candidato a cumpriu; que todos da comunidade vinculam a construção a ele; que contou tudo ao senhor José Valtemir, que se limitou a dizer que tratava-se de invasão; que depois o Cláudio e o Júnior Saraiva entraram em contato diretamente com a testemunha para tentar uma negociação entre ele e Aurilene, sua vizinha. Disse, por fim, que de seu conhecimento foram construídos dois poços, um no Cajuás e outro nas Vargens de Palmeiras.
Num. 100271391 - Pág. 10
Denota-se, assim, que o proprietário da terra, Sr. José Valtemir, esquiva-se para não entrar em detalhes quanto à construção e o acesso ao poço construido em sua propriedade, não sendo, contudo, verossímil, a meu ver, que haja uma construção em uma propriedade particular e o dono nem mesmo procure saber quem realizaou tal obra. Cumpre ressaltar, por necessário, que a obra de perfuração de um poço profundo é uma obra de porte médio, com a necessidade de caminhão, perfurador, etc, em que é há barulho e movimentação de pessoas, às vezes, por dias, de sorte que, repiso, é difícil crer que haja a perfuração de um poço na propriedade de uma pessoa e esta estaja totalmente alheia a tal fato. Não obstante, o proprietário da terra afirmou que logo que a ação foi impetrada, os impugnados, agora prefeito e vice-prefeitos empossados, foram a sua procura, como forma de dar satisfação de que não realizaram a obra, isso após 06 (seis) meses da construção, o que demonstra, no mínimo, uma tentativa de interferência destes no depoimento da testemunha. Cumpre ainda mencionar que o sr. Toinho do Sinelson, ao visualizar as imagens na exordial juntadas ao fato 03, confirmou que a propriedade que o sr. Júnior Saraiva e Cláudio Saraiva estavam nas fotos era a do sr. José Valtemir, reconhecendo sobretudo pelas bananeiras, além de ter indicado as demais pessoas que estavam na foto como apoiadoras do prefeito. Por sua vez, não foi constatado nenhuma divergência política que implicasse a incidência do crime de falso testemunho do Sr. Toinho do Sinelson, visto que, além de ter sido indicado por este Juízo Eleitoral para ser ouvido devido a sua citação no depoimento do sr. José Valtemir, o seu partido, quando vereador, era o mesmo do vice-prefeito da chapa impugnada. Disso resulta, segundo entendo, que resta demonstrada a construção do referido poço vinculada aos candidatos a prefeito e vice-prefeito, durante o período eleitoral, como forma de, pessoalmente, beneficiarem-se da conduta, resultando, assim, em abuso do poder econômico/politico. Nesse sentido, colho os seguintes julgados: “A realização de obras de eletrificação e a perfuração de três poços tubulares, não constantes de nenhum projeto já em andamento, e cuja execução se dera a poucos dias das eleições de 2008, configuram condutas vedadas pelo art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97. (...)” (Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 6-45.2008.6.18.0057, TRE/PI, Rel. Haroldo Oliveira Rehem. DJe 09.08.2011) [grifei].
“TSE-0011397) AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. CANDIDATO A PREFEITO. DEPUTADO FEDERAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. PERFURAÇÃO DE POÇOS. INFLUÊNCIA POLÍTICA. RECURSOS PRÓPRIOS. PROVAS ROBUSTAS E INCONTESTES. DESPROVIMENTO. 1. No decisum monocrático, mantiveram-se sentença e aresto do TRE/CE no sentido da inelegibilidade dos agravantes (Deputado Federal à época dos fatos e seu filho) por abuso de poder em favor da candidatura deste ao cargo de prefeito de Cascavel/CE em 2016, haja vista a perfuração de inúmeros poços, entre dezembro de 2015 e maio de 2016, com fins eleitoreiros, utilizando-se recursos próprios ou públicos (neste caso, a partir da influência política do primeiro agravante junto ao Departamento Nacional de Obras Contra a Seca DNOCS). 2. A moldura fática do aresto não deixa dúvida que a influência
Num. 100271391 - Pág. 11
política do primeiro agravante naquele órgão foi decisiva para perfurar os 15 poços visando beneficiar a candidatura de seu filho, conforme prova robusta: reuniões com o coordenador regional e o diretor-geral, inclusive com a presença do candidato (que sequer ocupava cargo público), postagens no facebook enaltecendo o Deputado pela indicação de cargos e, ainda, mensagens na rede social vinculando seu nome às benfeitorias. 3. Inúmeros outros poços foram perfurados com recursos próprios por meio da contratação da empresa H²O. Segundo a Corte a quo, além do testemunho do proprietário da pessoa jurídica nesse sentido, há postagem do primeiro agravante no facebook referindo-se a número superior a 30 poços, provas de seu comparecimento nas inaugurações das obras e também documentos do DNOCS informando que suas benfeitorias não foram realizadas por essa empresa. 4. Inexiste afronta ao art. 368-A do Código Eleitoral, uma vez que sentença e acórdão não se fundaram apenas em testemunho isolado, mas em ofícios de órgão público, fotografias, vídeos, postagens dos próprios agravantes nas redes sociais, além de outros depoimentos. 5. No tocante aos valores pagos pelo Deputado à empresa, o sócio-gerente relatou que "[...] os poços cavados para o Deputado [...] custaram em torno de R$ 12.000,00 cada (...), mas teriam ainda os complementos (chafariz, bomba, instalação), que somariam o montante aproximado de R$ 18.000,00 a R$ 20.000,00" (fl. 421). Assim, considerando que o TRE/CE reconheceu o registro de 30 perfurações (fl. 421), chega-se a aproximadamente R$ 540.000,00 gastos com recursos privados com finalidade eleitoreira. 6. A perfuração dos poços, seja com recursos públicos ou privados, restou plenamente demonstrada, de forma que concluir em sentido diverso esbarraria no óbice da (Súmula 24/TSE). 7. A moldura fática do aresto evidencia a conotação eleitoral e o comprometimento da legitimidade do pleito, visto que: a) nas inaugurações dos poços havia veículos contendo a caricatura do Deputado Federal e o número 11, usado pelo filho no prélio municipal, além de fogos de artifícios e locutores enaltecendo o parlamentar; (…) 8. Inegável a gravidade dos fatos, haja vista a construção e entrega de 30 poços, em Município com aproximadamente 70.000 habitantes, com elevados gastos (inclusive com recursos próprios), além de inaugurações com festejos e ampla publicidade por meio de veículos adesivados e nas redes sociais. 9. (…) 11. Agravos regimentais desprovidos. (REspe-Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 34087 (0000340-87.2016.6.06.0007), TSE/CE, Rel. Jorge Mussi. j. 13.08.2019, DJe 01.10.2019) [grifei]. Tal circunstância, no meu sentir, colocou em risco o equilíbrio no pleito eleitoral que se realizou, comprometendo sua legitimidade, pois tal obra foi desvirtuada para trazer benesses eleitorais pessoais aos promovidos Antonio S. Saraiva Junior e Claudio Bezerra Saraiva. Assim, o acolhimento do pedido atinente a tal ponto é medida de justiça.
FATO 04: CONSTRUÇÃO DE POÇO PROFUNDO NO RIACHO DO PADRE Sobre a construção do poço da localidade de Riacho do Padre, a parte autora alega que foi construído na propriedade do sr. Raimundo Almeida da Silva, conhecido como “Novim”, um poço profundo pelo candidato impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior. Em sua contestação, o impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior sustentou que não possui participação na construção de nenhum dos poços citados nos fatos 03, 04 e 05.
Num. 100271391 - Pág. 12
Em sede de depoimento em juízo, o senhor Raimundo Almeida da Silva disse que quem construiu o poço profundo em sua propriedade foi ele mesmo, custando o valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais). Ocorre que, ao analisar os rendimentos mensais da testemunha (ID 92048107), durante o ano de 2020, verifica-se que seu rendimento mensal é de um salário mínimo, referente a sua aposentadoria. Ademais disso, não foi carreado aos autos nenhum comprovante atinente à construção do referido poço, demonstrando assim, ao menos em principio, ser desarrazoado, pela renda auferida pelo Sr Raimundo Almeida, a construção e manutenção de um poço artesanal sem haver o comprometimento do seu sustento. De toda sorte, por tais provas carreadas aos autos, não é possivel, ao meu ver, concluir que os requeridos tenham participado na construção do poço profundo no Riacho Doce. Com efeito, embora cause estranheza a forma da contrução do referido poço profundo, fato é que não há nos autos provas minimamente consistentes para demonstrar a participação dos requeridos em tal fato, de forma que a rejeição do pedido, neste ponto, é medida de rigor.
FATO 05: CONSTRUÇÃO DE POÇO PROFUNDO NA CHAPADA
Quanto a construção do poço da Chapada, a parte autora alega que foi construído pelo impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior um poço profundo na propriedade do pai do impugnado Manoel de Freitas. Em sua contestação, o impugnado Manoel de Freitas sustentou que quem realizou a construção foi seu irmão Antônio Joel de Freitas, portanto, uma obra privada. Analisando as provas imbricadas aos autos, constato que há apenas uma publicação realizada por Antônio Joel Freitas sobre a construção do referido poço, construção esta que foi tratada não como uma obra privada, mas sim como algo para o bem da população, para o benefício de todos. Há, na referida publicação, comentário parabenizando tanto o candidato a prefeito e impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior, como o candidato à vereador e impugnado Manoel de Freitas pela conquista, afirmando que: “sem esses três não seria possível” e tratando como “uma grande conquista da comunidade de Chapada”, o que demonstra, na realidade, o caráter público e eleitoreiro da construção do poço e a possível participação dos três requeridos em tal obra. Todavia, conquanto tal publicação demonstre indícios de que o referido poço foi construído com a participação dos requeridos com fins pessoais e eleitoreiros, tal prova, isoladamente, no meu entender, não é suficiente a embasar o acolhimento do pedido. Com efeito, sem que tal prova seja confirmada com outros elementos probatórios, penso que a publicação imbricada, por sí só, revela-se frágil para demonstrar que hove, de fato, a participação dos requeridos na construção do questionado poço e que tal obra teria fins eleitorais. Em ultima medida, há insuficiência de provas aptas ao convencimento deste juízo para acolhimento do pedido em tela.
Num. 100271391 - Pág. 13
Disso resulta, segundo entendo, que a rejeição do pedido, neste particular, é medida de justiça.
FATO 06: CONSTRUÇÕES DE PASSAGENS MOLHADAS NA LOCALIDADE DE BANANEIRAS
A parte autora alega que foram construídas duas passagens molhadas na localidade de Bananeiras, as quais foram custeadas com recursos do candidato a prefeito à reeleição e impugnado, Sr. Antônio Soares Saraiva Júnior. Alega que foi utilizado como servidor ‘laranja” o Sr. Ernesto da Silva Silveira, bem como utilizada a mão de obra da comunidade sem a realização do devido pagamento. Em sua contestação, o impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior alega que, na verdade, trata-se de bueiros com concretagem, referentes a dois processos de dispensa de licitação no ano de 2020, sendo vencedora a empresa “MPR”, com a obra já concluída, sendo a obra construída também no período equivalente ao da campanha, como no caso dos fatos 01 e 02, por conta de cronograma já pré-estabelecido e devido a quadra invernosa no estado do Ceará. Contudo, da mesma forma que na situação do Bueiro do Iú, narrada no fato 01, a empresa MPR Construções Eireli ME celebrou contrato para realização da reforma e manutenção dos bueiros em março de 2020, referente ao processo de dispensa de licitação nº 03.03.01/2020/2020 (ID 91727647), sendo seus serviços cessados em junho e 2020, conforme os processos de despesas orçamentárias juntados no ID 91533630, 91533633 e 91536184, sendo, inclusive, juntada, no último ID, a nota fiscal com a discriminação dos serviços da seguinte forma: “referente a 2ª e última medição dos serviços e manutenção de diversos bueiros nas localidades e sede do Município de Capistrano/CE, de acordo com o contrato nº 03.03.01/2020.” Sublinhe-se que a nota fiscal onde consta essa informação, à pg. 05 do citado ID, é datada de 23/06/2020, reforçando que os serviços foram cessados realmente em junho/2020, período pretérito a campanha. Em complemento, da mesma forma que as demais obras aqui narradas, não há, nas imagens juntadas na exordial e na contestação, nenhuma placa com indicativos de valor, previsão de término e da empresa realizadora, não obedecendo, assim, os ditames da administração pública e ferindo diretamente o princípio da publicidade elencado no art. 37 da Constituição Federal. Outro detalhe discrepante é, mais uma vez, a não apresentação de cronograma e planejamento de execução, apesar de citado em sede contestatória, além da não indicação sobre a reparação e reforma específica de tal bueiro de concretagem. Somado a isso, vê-se que o depoimento de Ernesto da Silva Pereira foi totalmente contrário ao que foi explanado na contestação, uma vez que ele disse que foram as pessoas da localidade que construíram as passagens molhadas indicadas; que se tratava de uma obra da comunidade, mas que não sabe onde conseguiram as verbas; que não havia vínculo algum com a prefeitura, que o sr. Júnior Saraiva nunca esteve lá; que trabalhava alguns dias na obra, mas que nunca recebeu nada; que foi com o intuito mesmo de ajudar a comunidade. Ocorre, aqui, uma clara contradição nas informações apresentadas, visto que, caso a obra fosse realizada pela empresa MPR Construções Eireli ME, seria com mão de obra contratada e especializada, com os obreiros recebendo sua devida remuneração, além de ser uma obra imediatamente vinculada, ao menos como sustentam os requeridos, à Administração Pública Municipal e não associada à utilização de mão de obra da comunidade.
Num. 100271391 - Pág. 14
Depreende-se, diante das provas produzidas nos autos, que a justificativa da quadra invernosa não se sustenta, dado que a contratação dos serviços da empresa MPR Construções Eireli ME foi justamente durante ta periodo, não havendo nenhuma comprovação de que a empresa ainda estaria atuando em obras do Município no período de setembro a novembro de 2020. Todavia, malgrado haja demonstração de indícios sobre irregularidades na realização da obras aqui indicadas, percebo que, pelo capitaneado aos autos, não ficou suficientemente demonstrada a participação de algum dos requeredios, com finalidade eleitoral, em tal obra. Com efeito, analisando as provas carreadas aos autos, repiso, diferentemente do fato anterior nº 01 - citado - não há comprovação de que tais obras tenham sido realizadas por algum dos requeridos e com objetivo eleitoreiro. O que há, no meu sentir, são apenas indicações de que as obras teriam sido realizadas ao arrepio da lei, possivelmente pela Prefeitura de Capistrano e durante o processo eleitoral, porém sem sustentação probatória minimamente consistente para indicar a participação de algum dos requeridos. Disso resulta, segundo entendo, que a rejeição do pedido neste particular é medida de justiça.
FATO 07: CIRURGIA DE CATARATAS
A Coligação autora afirma que houve o favorecimento de inúmeras pessoas com a realização de cirurgias de catarata em troca de votos, cirurgias estas arranjadas por cabos eleitorais atuantes na Secretaria Municipal de Saúde. A parte impugnada, em sede contestatória, disse que esse serviço é ofertado desde 2017 pelo Município de Capistrano, através do processo licitatório nº 2017.03.13-01, sendo contratada a empresa COOPERVIDA – COOPERATIVA DE ASSISTÊNCIA para a realização de tais serviços médicos, em face da carência de estrutura adequada e de profissionais no Município. Alega que praticamente o mesmo número de cirurgias foi realizado nos anos de 2018, 2019 e 2020. Ocorre que, na documentação apresentada pela Secretaria Municipal de Saúde, referente a alguns meses do ano de 2020 (IDs 91522915, 91522918, 91522920, 91522921, 91522923 e 91522924), não há a especificação de que os gastos seriam com as cirurgias de catarata, englobando, conforme o Ofício nº 066/2021 (ID 91296051), todos os procedimentos relacionados a área oftalmológica. Entretanto, apesar de não haver a discriminação de valores específicos, é notável que os maiores gastos ocorridos durante o ano de 2020 foram, coincidentemente, nos meses de setembro, outubro e novembro, meses correspondentes ao período eleitoral, nas quantias de R$ 340.319, 31 (trezentos e quarenta mil trezentos e dezenove reais e trinta e um centavos), R$ 330.574, 21 (trezentos e trinta mil quinhentos e setenta e quatro reais e vinte e um centavos) e R$ 313.394, 86 (trezentos e treze mil trezentos e noventa e quatro reais e oitenta e seis centavos), respectivamente. Não bastasse isso, ao fazer uma comparação dos meses de fevereiro e julho de 2020, onde o lapso temporal é ainda maior, sendo fevereiro o mês anterior a decretação do lockdown no Estado do Ceará, há uma crescente de valores inferior à comparação de agosto para setembro. Exemplificando: de fevereiro a julho de 2020, quando subtende-se que houve o retorno da realização de cirurgias, devido a reabertura das clínicas no mês de julho de 2020, o aumento dos
Num. 100271391 - Pág. 15
gastos foi na ordem de R$ 349,73 (trezentos e quarenta e nove reais e setenta e três centavos); já de agosto para setembro, meses subsequentes no calendário, o aumento de gastos foi de 77.313,43 (setenta e sete mil trezentos e treze reais e quarenta e três centavos). Ou seja, no comparativo, em um intervalo de um mês houve um aumento de 22.106,50% a mais que no intervalo de 05 (cinco) meses anteriores. Em complemento, também percebe-se que os meses de fevereiro, julho e agosto de 2020 tiveram valores gastos praticamente idênticos, respectivamente de R$ 236.034,38 (duzentos e trinta e seis mil trinta e quatro reais e trinta e oito centavos), R$ 236.384, 11 (duzentos e trinta e seis mil trezentos e oitenta e quatro reais e onze centavos) e R$ 236.081, 43(duzentos e trinta e seis mil oitenta e um reais e quarenta e três centavos), de forma que o aumento de gastos foi registrado justamente no trimestre em que foi realizada a campanha eleitoral, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2020. Sublinhe-se que, em depoimento da sra. Débora Soares, coordenadora da Central de Regulação de Juízo, esta diz que houve o acréscimo por conta da pandemia, devido à diminuição do serviço, mas que nos meses de outubro e novembro não houve alteração nos números de cirurgia, sendo a média de 08 a 10. Constata-se, entretanto, que as declarações dadas pela enfermeira não coincidem com os números apresentados pela Secretária Municipal de Saúde, conforme explanado acima, dado que, caso realmente tivesse ocorrido o aumento da fila durante a pandemia, os mêses de julho e agosto de 2020, meses de retorno das atividades, deveriam ter sido, ao menos em princípio, os com os maiores valores e números de cirurgias, porém não é o que se vê, na medida em que, há que se reforçar, o aumento dos gastos se deu exatamente nos meses de campanha eleitoral (setembro, outubro e novembro); E mais, não foi citado nenhum aumento nos valores de cirurgias no meses de outubro e novembro que justificassem o aumento de despesas de forma exorbitante se comparado aos demais meses. Cumpre mencionar, ainda, que não foi indicada a realização de nenhuma cirurgia no mês de dezembro/2020, cirurgias estas que cessaram mês de novembro, coincidentemente o mês em que ocorreram as eleições. Ademais, a foto apresentada na inicial, em que pacientes se encontram junto à enfermeira responsável, fazendo gestos de nº “55” com as mãos, numeração atribuída à chapa dos candidatos Júnior Saraiva e Cláudio Saraiva, logo após a realização da cirurgia, ainda na clínica, demonstra que tais cirurgias podem ter sido, de fato, utilizadas como forma de angariar votos. Para corroborar com tal raciocínio e concluir a convicação deste magistrado, há o importante depoimento do sr. Pedro dos Santos, onde afirma que desde o ano de 2018 está na fila de cirurgia para catarata, sem nenhum retorno da Secretária Municipal de Saúde, apesar de já ter procurado diversas vezes; que durante as eleições de 2020 foram pessoas em sua casa, entre elas a companheira do vice-prefeito, Cláudio Saraiva, conhecida como “Beta”, que prometeu que se ele votasse em seus candidatos a sua cirurgia seria realizada, o queo Sr. Pedro se opôs a fazê-lo, de sorte até a data da audiência ainda está aguardando a realização da cirurgia. Nesse desiderato, penso que há prova suficiente nos autos para comprovar a conduta grave por parte do candidato à reeleição e impugnado Antônio Soares Saraiva Júnior e do candidato a Vice Prefeito Claudio Bezerra Saraiva, no sentido de se utilizarem da máquina pública para captar ilicitamente eleitores, realizando cirurgias de catarata como “moeda de troca” para votos nas eleições municipais do ano de 2020.
Num. 100271391 - Pág. 16
O Tribunal Superior Eleitoral tem reconhecido o abuso de poder político nesse tipo de conduta, especificamente pelo desvio de finalidade, conforme transcrevo o seguinte julgado:
RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AGRAVO. ELEIÇÕES 2012. VEREADORES. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. MÉRITO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. DISTRIBUIÇÃO DE REMÉDIOS, RECEITAS E ATESTADOS. VIABILIZAÇÃO DE CIRURGIAS. GRAVIDADE DOS FATOS CONFIGURADA. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO. (...). 2. Mérito. 2.1. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, o abuso do poder político caracteriza-se quando determinado agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros. 2.2. A partir da moldura fática contida no acórdão regional, verifica-se que nos gabinetes de todos os recorrentes e do secretário municipal de saúde, além da residência do recorrente Luciano de Azevedo Leite e de sua mãe, foi apreendida enorme quantidade de documentos relacionados a atendimentos médicos, cirurgias, receituários, atestados e remédios, além de cadernos e agendas que revelam verdadeiro cadastro de pessoas beneficiadas e de outras ainda a serem contempladas. 2.3. Os referidos documentos não são apenas indiciários e demonstram o desvirtuamento do exercício do cargo pelos recorrentes, os quais se utilizaram de sua influência política para distribuir à população carente verdadeiras benesses, sem quaisquer intermediários, de modo a obterem na eleição que se aproximava o apoio das pessoas beneficiadas. 2.4. Os parlamentares não apresentaram qualquer justificativa plausível para o armazenamento de tamanha quantidade de remédios e documentos, limitando-se a apontar a ausência de provas que demonstrassem de modo inequívoco o ilícito cometido. 2.5. Em conclusão, os gabinetes dos recorrentes na Câmara Municipal de São Pedro da Aldeia e a residência do vereador Luciano de Azevedo Leite e de sua mãe funcionaram como verdadeiro centro de distribuição de benesses de natureza médica no decorrer de 2012. 2.6. A gravidade da conduta é inequívoca (art. 22, XVI, da LC 64/90). Além das circunstâncias já referidas - esquema praticado por longo período de tempo, atuação direta por parte dos recorrentes, distribuição de grande quantidade de medicamentos e receituários e viabilização de cirurgias - é de se ressaltar também o caos na saúde pública no Município, de modo que a população passou a depender do assistencialismo dos vereadores para obterem tais serviços. 3. Agravo interposto por Carlos Cesar Carvalho Machado ao qual se nega provimento, mantendo-se a inelegibilidade imposta. 4. Recursos especiais eleitorais interpostos por Jorge Antônio Lessa Tavares, Aguinaldo Sodré, André Luiz Leite dos Santos e Luciano de Azevedo Leite aos quais se nega provimento, mantendo-se as sanções de cassação do diploma e de inelegibilidade. 5. Ações cautelares e mandado de segurança respectivos com pedidos julgados improcedentes. (TSE - RESPE: 00003323020126190059 SÃO PEDRO DA ALDEIA - RJ, Relator: Min.
Num. 100271391 - Pág. 17
João Otávio De Noronha, Data de Julgamento: 04/02/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 60, Data 31/03/2016, Página 4)
Portanto, assim agindo, os impugnados Antônio Soares Saraiva Júnior e Claudio Bezerra Saraiva interferiram, com abuso do poder político/econômico, diretamente no equilíbrio na disputa eleitoral da eleições Municipais de Capistrano do ano de 2020, o que resulta no acolhimento do pedido autoral quanto a tal ponto.
FATO 08: CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO
Com relação ao último fato, o impugnante alega que houve a prática de compra de votos em quantia exorbitante, juntando prints de vídeos de pessoas supostamente recebendo valores. Em contestação, os impugnados ressaltam que nunca houve qualquer promessa ou oferecimento de qualquer bem ou vantagem em dinheiro em troca de voto. Quanto a este fato, vê-se que, malgrado haja nos autos as imagens de vídeos com pessoas com dinheiro nas mãos, não há comprovação de qualquer relação ou participação dos impugnados. Ademais disso, os depoimentos colhidos em audiência são inconclusivos, carecendo de elementos mínimos que comprovem a ilicitude nos fatos, pois, enquanto a testemunha Alexandre da Silva Queiroz disse que o vídeo era apenas uma “brincadeira” sua com a primeira dama da época e que o valor mostrado era na verdade pertencente a ele mesmo, fruto do seu trabalho, a testemunha Antônio Raimundo disse que o dinheiro mostrado por ele, na verdade, era fruto de uma aposta direcionada a qual candidato venceria o pleito eleitoral. Ao arremate, reforço que, como muito bem salientou o MP, no particular, não há nos autos prova minimamente consistente que demonstre que houve qualquer abuso de poder político e econômico por parte dos impugnados, o que, por consequência, resulta na rejeição do pedido autoral quanto ao pedido em liça. Por conseguinte, nos termos do art. 489, §1º, inciso IV do Código de Processo Civil, dou por enfrentados todos os argumentos capazes de infirmar minha convicção, de forma que entendo ser o acolhimento parcial dos pedidos medida de rigor.
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, com base na fundamentação supra, resolvo o mérito para ACOLHER PARCIALMENTE OS PEDIDOS, reconhecendo os ilícitos de abuso de poder econômico-político praticados pelos impugnados ANTÔNIO SOARES SARAIVA JÚNIOR (fatos 01, 02, 03 e 07) e CLÁUDIO BEZERRA SARAIVA (fatos 01, 02, 03 e 07), cominando-lhes as sanções de CASSAÇÃO DE SEUS DIPLOMAS e de inelegibilidade para as eleições que se
Num. 100271391 - Pág. 18
realizem nos 8 (oito) anos subsequentes às eleições de 2020, nos termos do art. 22, XIV da Lei Complementar nº 64/90, bem como REJEITAR o pedido autoral em relação ao impugnado MANOEL DE FREITAS VIANA (fato 05). Declaro nulo os votos atribuídos aos referidos candidatos com os diplomas cassados no pleito de 2020, nos termos dispostos no art. 224, §3º do Código Eleitoral, determinando a realização de novas eleições, com o trânsito em julgado da referida sentença. Determino que seja desabilitado o atributo de segredo de Justiça dos autos ao PJE, nos termos do §11, art. 14 da Constituição Federal (Art. 223, §1º da Resolução do TSE nº 23.619/2019), uma vez que, nas palavras do Ministro Felix Fischer, “o trâmite da ação de impugnação de mandato eletivo deve ser realizado em segredo de justiça, mas o seu julgamento deve ser público (TSE, CTA. Nº.1716, Publicação: Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 21, Tomo 1, Data 11/02/2010). Remetam-se os autos ao Ministério Público Eleitoral para os devidos fins. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Capistrano, data da assinatura no sistema. MAURÍCIO HOETTE Juiz Eleitoral da 105a ZE
Num. 100271391 - Pág. 19