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Ação de Investigação Judicial Eleitoral n° 2554-43.2014.6.06.0000 – Classe 3 Protocolo n.º 49.221/2014 Promovente: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL Promovidos: CID FERREIRA GOMES, ESTADO DO CEARÁ, DEPARTAMENTO ESTADUAL DE RODOVIAS DO ESTADO DO CEARÁ, CARLO FERRENTINI SAMPAIO, ANTÔNIO GILVAN SILVA PAIVA, JOSÉ SÉRGIO FONTENELE DE AZEVEDO, JOSÉ NELSON MARTINS DE SOUSA, CAMILO SOBREIRA DE SANTANA, MARIA IZOLDA CELA DE ARRUDA COELHO. Corregedora: Desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira
EMENTA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÃO 2014. ART. 22, LC Nº 64/90. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE PASSIVA E NULIDADE DAS PROVAS. REJEITADAS. REPASSE DE VERBAS MEDIANTE CONVÊNIOS CELEBRADOS ENTRE O ESTADO E DIVERSOS MUNICÍPIOS. NÃO COMPROVAÇÃO DA FINALIDADE ELEITOREIRA. CONDUTA VEDADA E ABUSO DO PODER POLÍTICO NÃO CARACTERIZADOS. CONJUNTO PROBATÓRIO FRÁGIL. IMPROCEDÊNCIA. I - As circunstâncias do caso concreto revelam a impossibilidade do chefe do executivo estadual não ter conhecimento dos fatos, mormente quando editou dois decretos disciplinando a matéria. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam rejeitada. II - Os documentos referentes aos convênios entre as entidades estadual e municipal são públicos. O Ministério Público possui a prerrogativa de requisitar informações e documentos de autoridaMissão: velar pela regularidade dos serviços eleitorais, assegurando a correta aplicação de princípios e normas.
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des da Administração Pública, realizar inspeções e diligências investigatórias, consoante o disposto na Lei Complementar nº 75/93, artigo 8º, incisos II e V. Preliminar de ilicitude da prova rejeitada. III - O objetivo primordial da AIJE consiste em analisar a existência de provas do abuso de poder e de sua gravidade para afetar a normalidade e legitimidade das eleições, bens jurídicos tutelados pela presente ação. Inteligência do artigo 22, da LC nº 64/90. IV - As proibições dispostas no artigo 73, VI, “a” da Lei nº 9.504/97 são aplicáveis apenas nos três meses que antecedem o pleito. V - O conjunto probatório coligido aos autos não revela irregularidade na formalização de convênios e na transferência dos recursos aos municípios convenentes, mas o exercício das atribuições administrativas do gestor público, em observância ao Princípio da Continuidade do Serviço Público. VI - A prova dos autos é frágil acerca da existência do desvio de finalidade no repasse de verbas. VII - As sanções de cassação do mandato e inelegibilidade são medidas extremas que exigem do julgador uma convicção fundada em suporte fático-probatório robusto e conclusivo. VIII - Ação de Investigação Judicial Eleitoral que se julga improcedente.
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ACÓRDÃO
ACORDAM os Juízes do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DO CEARÁ, por unanimidade, julgar improcedentes os pedidos formulados na presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral, nos termos do voto da Relatora, parte integrante deste. Fortaleza-CE, 15 de fevereiro de 2016.
Corregedora Regional Eleitoral
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RELATÓRIO Relatório constante dos autos, em conformidade com o inciso XI do artigo 22 da Lei nº 64/90.
VOTO PRELIMINARES Passo, então, à análise das questões preliminares, suscitadas em caráter prejudicial ao exame de mérito.
I - Ilegitimidade Passiva do Promovido Cid Ferreira Gomes.
É cediço que a Lei Complementar nº 64/90, em seu artigo 22, inciso XIV, determina que a declaração de inelegibilidade poderá recair sobre o representado e quantos hajam contribuído para a prática do ato, estabelecendo: “ Art. 22(...) XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato (...)”. (grifo nosso).
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Nesse mister, os apoiadores que, em tese, promoverem atos abusivos em prol de candidato devem figurar no polo passivo da lide. Aduziu o investigado Cid Ferreira Gomes a ausência de legitimidade para figurar no polo passivo, visto que todos os atos de formalização e repasse de recursos dos convênios foram de iniciativa exclusiva dos Secretários de Estado, sem que sequer tivesse ciência de sua prática. Na presente ação, as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto revelam a impossibilidade do promovido Cid Ferreira Gomes estar alheio aos acontecimentos em tela, haja vista que as Secretarias Estaduais se encontram diretamente subordinadas à figura do Governador. A jurisprudência se encaminha no mesmo sentido: “(...) Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, haja vista que as secretarias estaduais estão diretamente subordinadas à figura do Governador, tendo em conta que a desconcentração ocorre exatamente dentro da mesma pessoa jurídica, em sistema hierárquico, no qual o recorrido detinha o posto mais alto, descabendo argumentar simplesmente o desconhecimento em relação às obras realizadas em sua gestão para o efeito de se omitir de responder pela execução das mesmas. No contexto, em tese, enquanto responsável pelas obras realizadas pelo Estado durante seu governo, e como se está tratando da suposta influência dessa atuação sobre o resultado do pleito no município, o recorrente é legitimado para compor o rol de demandados na AIJE”. (AIJE - Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 26360 - Redenção do Gurguéia/PI , Acórdão de 03/03/2015, Relator FRANCISCO HÉLIO CAMELO FERREIRA ,Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 043, Data 11/03/2015, Página 9)-Negritei
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Ademais, o próprio suscitante, enquanto investido no cargo de Governador do Estado, praticou atos diretamente relacionados à matéria tratada nos autos, uma vez que editou dois decretos (nº 31.488/14 e nº 31.532/2014) regulamentando as transferências de recursos financeiros por meio de convênios e congêneres no período eleitoral de 2014, tendo o autor destacado, inclusive, que esses decretos revelam “nitidamente o propósito em realizar abuso de poder político por meio do emprego da máquina pública e de seus recursos em benefício das candidaturas da situação”. Pelo exposto, rejeito a presente preliminar.
II – Nulidade das provas - ilicitude por derivação - Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. Relatam os promovidos que o então Procurador Regional Eleitoral, Dr. Rômulo Conrado, teria ingressado, sem anuência do Secretário das Cidades, em uma área restrita da Secretaria e realizado registros fotográficos furtivos, através de telefone celular próprio, viciando a documentação probatória acostada à Ação Cautelar nº 1239-77.2014, apensa aos presentes autos. Destacaram que, baseada nas provas constantes dos autos da referida Ação Cautelar – fotografias obtidas de forma ilícita – fora deferida liminar determinando o acesso imediato e a retirada de cópias dos 41 (quarenta e um) convênios da Secretaria das Cidades, fazendo com que incidisse sobre esses documentos a ilicitude por derivação – Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada - motivo pelo qual requereram a nulidade dessas provas e o desentranhamento das referidas peças processuais.
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Observo, às fls. 403/409, que o então Corregedor, Des. Antônio Abelardo Benevides Moraes, enfrentou a questão quando do julgamento da Ação Cautelar apensa, destacando a necessidade de se resguardar a prova documental e de se alcançar a verdade real dos fatos. Segue trecho da referida decisão: “Assim, restou evidente a necessidade de autorizar ao Promovente o imediato acesso aos documentos relativos aos noticiados convênios, por estarem diretamente vinculados ao que se pretende provar no bojo da investigação judicial eleitoral e a fim de se evitar risco de adulteração dos mesmos. Além disso, não se afigura plausível nenhuma negativa de acesso e análise dos documentos solicitados, diante dos princípios da publicidade e transparência e do acesso à informação pública, assegurados no inciso XXXIII1 do art. 5º da Constituição Federal e na Lei nº12.527/2011. Por fim, não há que se falar em restituição de todos os documentos e arquivos digitais à Secretaria das Cidades, bem como em vedação do uso de cópias dos respectivos documentos pelo Promovente, uma vez que se trata de prova documental pública e obtida por meios lícitos, inclusive, já utilizada para o ajuizamento da ação de investigação judicial a que se destinava garantir a efetividade.”
É de se reconhecer que os documentos referentes aos convênios da Secretaria das Cidades são públicos, e, ainda que obtidos de maneira pouco convencional, essa obtenção não se revestiu de ilicitude, sobretudo porque o Ministério Público da União possui a prerrogativa de requisitar informações e documentos de 1
Art. 5º (...) XXXIII: todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (...) Missão: velar pela regularidade dos serviços eleitorais, assegurando a correta aplicação de princípios e normas.
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autoridades da Administração Pública, realizar inspeções e diligências investigatórias, consoante o disposto na Lei Complementar nº 75/93, artigo 8º, incisos II e V. Assim, o ato de inspecionar pode ser definido como um exame destinado a verificar, in loco, pelo membro do Parquet, auxiliado ou não, o concreto cumprimento da lei, constituindo uma etapa da atividade de fiscalização do Ministério Público. Quanto à retirada de cópias dos 41 (quarenta e um ) convênios da Secretaria das Cidades, não evidencio o nexo de causalidade entre as provas coletadas e a suposta ilicitude das fotografias obtidas em diligência. O fundamento da decisão liminar exarada na Ação Cautelar foi a existência de indícios de suposta prática de abuso de poder político, bem como a necessidade de esclarecimentos dos fatos e de melhor análise dos processos relativos às transferências voluntárias. Ademais, como as cópias de tais convênios foram obtidas mediante concessão de liminar, entendo que sua fonte originária tornou-se independente das primeiras provas juntadas, quais sejam, as fotos obtidas via celular, afastando a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, ao caso em comendo. Por essa razão, rejeito, também, esta preliminar.
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MÉRITO
Os fatos narrados na inicial remetem, em suma, à transferência voluntária de recursos do Estado do Ceará a Municípios do interior por meio de diversos convênios firmados pelas Secretarias Estaduais e pelo Departamento de Estadual de Rodovias, durante o período eleitoral de 2014, implicando em suposto uso da máquina administrativa em prol da candidatura dos promovidos Camilo Santana e Izolda Cela, o que configuraria abuso de poder político e econômico consubstanciado na prática de conduta vedada, em infração ao disposto no artigo 73, VI, “a”, da Lei nº 9.504/97, que dispõe: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...) VI- nos três meses que antecedem o pleito:
a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública.” Negritado
A princípio, cumpre distinguir que na Ação de Investigação Judicial Eleitoral, cujos bens jurídicos tutelados são a legitimidade e a normalidade da eleição, se busca combater os atos de abuso lato sensu. Assim, qualquer prática de abuso de poder político, econômico ou uso indevido dos meios de comunicação,
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que possam interferir na higidez do pleito, podem ser objeto dessa ação (independentemente de adequação típica prévia). Já em sede de Condutas Vedadas, cuja tutela recai sobre a igualdade de oportunidades entre os candidatos e a moralidade administrativa, exige-se, para sua configuração, a prévia descrição do tipo, ou seja, devem ser analisadas pelo princípio da estrita legalidade, conforme definido pelo Tribunal Superior Eleitoral: “a) (...) A conduta deve corresponder ao tipo definido previamente. A falta de correspondência entre o ato e a hipótese descrita em lei poderá configurar uso indevido do poder de Autoridade, o que é vedado; não ‘conduta vedada’, nos termos da Lei das Eleições (Recurso Especial Eleitoral nº 24.795 – Rel. Luiz Carlos Madeira –j.26.10.2004); b) com relação às condutas vedadas, é imprescindível que estejam provados todos os elementos descritos na hipótese de incidência do ilícito eleitoral” (Agravo de Instrumento nº 5.817 – Rel. Caputo Bastos – j.16.08.2005). Negritados.
Ante as considerações tecidas, restando claro o objeto da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, passa-se ao exame minucioso dos elementos essenciais da demanda, à luz do acervo probatório produzido nos autos, com fundamento no princípio da livre apreciação das provas, disposto no art. 232, da LC nº 64/90.
2Art.
23, LC n. 64/90. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral. Missão: velar pela regularidade dos serviços eleitorais, assegurando a correta aplicação de princípios e normas.
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I – DA CONDUTA VEDADA No caso dos autos, verifica-se inexistir qualquer controvérsia sobre a não ocorrência da sobredita conduta vedada, tendo em vista que as proibições dispostas no mencionado artigo delimitam-se, exclusivamente, aos três meses que antecedem o pleito, e que os repasses referentes aos convênios apontados na inicial, ocorreram integralmente em período legalmente permitido, ou seja, antes do dia 5 de julho de 2014. Observa-se ainda, que o próprio autor reconheceu esse fato, afirmando, à fl. 18v, que o pagamento da primeira parcela dos convênios sob apuração foi realizado nos dias 03 e 04 de julho, fora do período vedado pela Lei Eleitoral (art. 73, VI, “a”, da Lei nº 9.504/97). Ademais, a Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado – CGE, por meio do ofício nº1.190/2014, juntado às fls.105/106, corroborou essa informação, nos seguintes termos: “Afirma-se ainda que de acordo com as informações constantes dos autos complementadas por consultas ao sistema SACC relativa aos 80 (oitenta) convênios objeto do processo em questão, até o dia 24/09/2014, nenhuma transferência de recurso foi efetuada após o dia 05/07/2014.” Negritado
Impende ressaltar ainda, que houve o desmembramento do presente feito e os mesmos fatos foram analisados sob a vertente da conduta vedada nos autos da Representação nº 2645-36.2014, sendo a ação julgada improcedente3 ante a ausência de repasses durante o período vedado.
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Acórdão publicado em 26/11/2015 no Diário de Justiça Eletrônico, nº 221, página 12-13
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Desse modo, não se vislumbra razão plausível que exija, em sede de AIJE, uma abordagem mais profunda dessa questão, restando afastada a subsunção do fato ao tipo previsto no artigo 73, VI, “a”, da Lei das Eleições.
II – DO ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO Infere-se das informações e documentos acostados aos autos, que o Ministério Público Eleitoral cingiu sua argumentação às seguintes premissas:
a) maioria dos convênios celebrados, às pressas, pelo Poder Executivo, cujos os procedimentos licitatórios e a execução das obras sequer haviam se iniciado, além da ausência de relação entre os objetos dos convênios e situações de emergência ou de calamidade pública; b) mais de 80% desses municípios eram governados por partidos políticos que integravam a coligação do Promovido Camilo Santana ou pertenciam à sua base aliada; c) magnitude dos valores repassados e diferença desses valores no período de 2007 a 2014. No tocante à primeira alegação, o que se depreende do conjunto probatório acostado é que a formalização dos convênios, ora examinados, observou o disposto na Lei Complementar Estadual nº 119/2012, alterada pela de nº 122/2013, que regulamenta a matéria no âmbito do Poder Executivo Estadual, e exige a prévia apresentação, pelo convenente, de um Plano de Trabalho com o respectivo Cronograma de Desembolso. Colaciona-se o conteúdo que interessa da referida Lei Complementar:
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“Art. 1º Esta Lei Complementar define as regras a serem observadas pelos órgãos e entidades do Poder Executivo Estadual, para fins de transferência de recursos financeiros para entes e entidades públicas, pessoas jurídicas de direito privado e pessoas físicas, para execução de ações em parceria, mediante convênios e quaisquer instrumentos congêneres. §1º Subordinam-se ao regime desta Lei Complementar: I – os órgãos públicos integrantes da administração direta; (...) Art. 2º Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como: (...) XVIII - Plano de Trabalho: parte integrante do convênio ou instrumento congênere, que contém a descrição detalhada das metas, etapas ou fases do objeto a ser executado, definindo todos os aspectos físicos e financeiros da sua execução; XIX - Liberação de Recursos: aporte financeiro realizado pelo concedente na conta específica do convênio ou instrumento congênere, conforme cronograma de desembolso do Plano de Trabalho; Art. 8º(...) §1º O Plano de Trabalho previsto no caput deverá conter, no mínimo: (...) V- cronograma de desembolso; (...) Art. 10. A aprovação ou seleção de Plano de Trabalho, proposto por entes e entidades públicas, para fins de transferência de recursos financeiros por meio de convênios e instrumentos congêneres, deverá observar as condições e exigências estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias. (Nova redação dada pela Lei Complementar nº 122/2013). (...) Art. 24. A liberação de recursos para a conta específica do convênio ou instrumento congênere deverá obedecer ao cronograma de desembolso do Plano de Trabalho e estar condicionada ao atendimento pelo convenente e pelo inMissão: velar pela regularidade dos serviços eleitorais, assegurando a correta aplicação de princípios e normas.
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terveniente, quando este assumir a execução do objeto, dos seguintes requisitos: I – regularidade cadastral; II – situação de adimplência; III – comprovação de depósito da contrapartida, quando for o caso. Art. 25. Os recursos financeiros serão mantidos em conta bancária específica do convênio ou instrumento congênere, em instituição financeira pública, cuja movimentação somente poderá ocorrer para pagamento de despesas previstas no Plano de Trabalho, mediante ordem bancária, para ressarcimento de valores ao concedente ou para aplicação no mercado financeiro. (Nova redação dada pela Lei Complementar nº 122/2013). (...) Art. 30. A execução do convênio ou instrumento congênere será acompanhada e fiscalizada pelo concedente, de modo a garantir a regularidade dos atos praticados e a adequada execução do objeto, sem prejuízo da competência dos órgãos de controle interno e externo, na foram do Regulamento. (...) Art.32. (...) Parágrafo Único. O acompanhamento da execução será realizado tendo como base o Plano de Trabalho e o correspondente cronograma de execução do objeto e de desembolso de recursos financeiros. (Nova redação dada pela Lei Complementar nº 122/2013). Negritado.
Conclui-se da leitura dos dispositivos acima, que não existe na legislação a exigência de se realizar previamente o procedimento licitatório ou se iniciar a execução física da obra para que se tenha o primeiro repasse de recursos para a conta específica do convênio, o que se exige, na verdade, é a observância estrita do chamado Plano de Trabalho e de seu respectivo cronograma de desembolso, que distribui o repasse de recursos ao longo do tempo de vigência do acordo.
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Como bem esclarece a defesa dos Promovidos Camilo Santana e Izolda Cela, às fls. 2.517/2.518, a vedação legal reside no repasse antes ou após a vigência do convênio, pois, estando vigente, é lícito o repasse. Atentam, ainda, para o fato de que “após cada prestação de contas, se realiza o repasse de nova parcela do convênio, mas que se faz necessário, primeiro, fazer o primeiro repasse, para que haja prestação de contas, pois não há como executar a obra ou serviço, e consequente prestação de contas das mesmas, se não houver o adiantamento da primeira parcela do convênio”. Em seguida, às fls. 2.518, traçando um paralelo com o procedimento adotado pela União, frisa que “nos casos de contratos de repasse, a ordem bancária é emitida, porém o recurso fica bloqueado, somente sendo liberado após os procedimentos licitatórios e apresentação da documentação à mandatária, ou seja, mesmo nesse modelo, há o repasse antes do início da execução física, pois para a abertura de qualquer processo licitatório, ou seja, processo administrativo, já tem que se ter previamente os recursos e a dotação orçamentária específica.” A possibilidade da execução da obra ter início após a liberação dos recursos referentes à primeira parcela também encontra previsão no “Manual de Convênios, Contratos de Repasse e Instrumentos Congêneres,” do Ministério do Desenvolvimento Agrário – Versão 2014, juntado aos autos, que prevê a possibilidade de se “dar início à execução do objeto após a liberação da primeira parcela, conforme cronograma de desembolso”. A mesma previsão consta na “Cartilha Sistemática Simplificada de Repasses do Orçamento Geral da União”, juntada aos autos, às fls. 2.332/2.350. Desse modo, a Administração Pública Estadual não incorreu em irregularidades nesse tocante, considerando que foi cumprida a exigência de apresentação, pelos municípios convenentes, do referido Plano de Trabalho com o
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Cronograma prefixado para o desembolso dos recursos, todos com a primeira parcela prevista para antes do dia 5/7/14, conforme se extrai das cópias dos convênios juntadas aos autos (anexos de 1 a 13), todos estes firmados antes do período vedado, e com respaldo na legislação estadual e eleitoral vigentes. Ademais, do ponto de vista da repercussão político-eleitoral, o fato das obras sequer terem iniciado minimiza, em tese, o efeito de propaganda positiva em prol do governo do estado nos municípios convenentes. Nessa lógica, melhor serviriam ao suposto propósito eleitoreiro, se tais convênios tivessem sido celebrados com mais antecedência, de modo a permitir o uso dos valores repassados na realização das obras durante o período eleitoral, proporcionando, assim, maior visibilidade aos gestores públicos envolvidos e seus candidatos. Destaca-se, ainda, que os mencionados convênios visavam à implementação de políticas públicas dotadas de previsão orçamentária e, portanto, passaram, também, pelo crivo do Poder Legislativo. Cabe aqui salientar, que não se pode ter como configurado o abuso de poder em decorrência do exercício regular das atribuições administrativas do gestor público, o que há de se coibir é o desvio de finalidade. Transcrevem-se os pertinentes ensinamentos de Adriano Soares da Costa: “Abuso de poder político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato. Sua gravidade consiste na utilização do munus público para influenciar o eleitorado, com desvio de finalidade. (...) O que deve ser afastado é o abuso do poder político, não o seu uso legítimo.(...) Sem improbidade, não há abuso de poder político.(...)”. (Instituições de Direito Eleitoral, Adriano Soares da Costa, 7ª edição, Rio de Janeiro, 2008, p.353.) Negritado
O Tribunal Superior Eleitoral já assentou entendimento acerca da necessidade de os Chefes do Poder Executivo, mesmo quando candidatos à reeleiMissão: velar pela regularidade dos serviços eleitorais, assegurando a correta aplicação de princípios e normas.
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ção (que não é o caso dos autos), prosseguirem com seus atos de gestão, pois a paralisação de obras e a não prestação de serviços pela Administração Pública causará, inexoravelmente, prejuízos à coletividade. Vejamos: (...) “A legislação eleitoral não proíbe a continuidade dos programas sociais, nem a realização de atos regulares de gestão, que tenham por finalidade prestigiar e promover programas sociais de duração continuada. Em verdade, a exceção do artigo 73, §10, da Lei das Eleições visa essencialmente resguardar o princípio da continuidade dos serviços públicos, inviabilizando a interrupção de serviços essenciais à população. (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ELEITORAL Nº 45526 – Araruama/RJ, Acórdão de 21/7/2014, Rel. Flávio de Araújo Willeman, Publicação: Diário da Justiça Eletrônico do TRE/RJ, Tomo 171, Data 28/7/2014, Pág. 15/22.) Negritado.
Desse modo, não se pode impedir, sob o argumento de proximidade com o período eleitoral, que o Chefe do Poder Executivo prossiga com seu governo e com o inerente uso da máquina administrativa que detém, sob pena de inviabilizar o atendimento do interesse público e o próprio exercício da cidadania, que se obtém mediante a continuidade dos atos de administração. Nesse sentido também preleciona o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo: “O princípio da continuidade do serviço público (...) é um princípio derivado que decorre da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa (...) oriunda do princípio fundamental da “indisponibilidade, para a Administração, dos interesses públicos. (...) Uma vez que a Administração é curadora de determinados interesses que a lei define como públicos e considerando que a defesa, e prosseguimento deles, é, para ela, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impõe e prevalece em quaisMissão: velar pela regularidade dos serviços eleitorais, assegurando a correta aplicação de princípios e normas.
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quer circunstâncias. (...) O interesse público que à Administração incumbe zelar encontra-se acima de quaisquer outros e, para ela, tem o sentido de dever, de obrigação.” Negritado. Curso de Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Melo, 30ª edição, São Paulo: editora Malheiros, 2012, p.84.
No que se refere à ausência de assinatura do ordenador de despesas em alguns documentos da Secretaria das Cidades e sua aposição posterior, a defesa dos promovidos afirmou tratar-se de mera atecnia formal, verificada, tão somente, nos processos que tramitavam em meio físico e que já se encontravam regularmente autorizados e pagos por meio do sistema informatizado S2GPR, com a pertinente ciência e autorização do ordenador de despesas. O Coordenador Administrativo-Financeiro da Secretaria das Cidades, Sr. Ronaldo Lima Moreira Borges, que também é ordenador de despesas (conforme Portaria nº 473/2013), prestou, à fl. 449, informações detalhadas sobre o trâmite dos processos de pagamento dos convênios e termos de ajuste. Em seus esclarecimentos afirmou que as etapas de empenho e liquidação desses convênios se efetivam pelo mencionado sistema S2GPR, mediante autorização específica do ordenador de despesas com uso de senha, login ou token. Por fim, asseverou: “Isto posto, podemos verificar que, no processo de pagamento da primeira parcela, o desembolso é autorizado de forma eletrônica pelo ordenador de despesa. A partir daí são impressos os documentos comprobatórios (nota de empenho, liquidação e despesa) para posteriormente serem assinados.”
Desse modo, considerando que, atualmente, parte do trâmite dos processos ocorre, via de regra, de forma eletrônica, conclui-se que a falta de assinatura em alguns documentos físicos na data em que vistoriados pelo Parquet, pode ter Missão: velar pela regularidade dos serviços eleitorais, assegurando a correta aplicação de princípios e normas.
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significado apenas uma mera falha de formalização, que veio a ser devidamente sanada pelos responsáveis, não competindo ao julgador presumir qualquer ilicitude ou fraude, sem que se tenha a devida comprovação. Destarte, não se sustenta o argumento de “pressa indevida” na realização dos trâmites burocráticos, conforme alegado pelo autor na inicial. No que tange à natureza do objeto dos convênios, é bem verdade que a maioria está relacionada a obras em vias e praças públicas, o que, na ótica do autor, não justificaria a urgência em repassar esses recursos justamente nos meses que antecedem o pleito eleitoral. Entretanto, em que pese a proximidade com o pleito, a celebração desses convênios não pode ser considerada ilegal, uma vez que obedeceu a data limite estabelecida pela legislação eleitoral. Entendeu o legislador que o prazo de três meses antes do pleito é o limite razoável para a transferência voluntária de recursos públicos, seja mediante a celebração de convênio ou qualquer outro meio idôneo, não se podendo interpretar como eleitoreiro o ato realizado dentro desse prazo simplesmente pela natureza da obra ou do serviço a ser realizado. Caso contrário, estaria o Poder Judiciário se imiscuindo na discricionariedade dos gestores públicos, a quem compete decidir acerca da conveniência e oportunidade de celebrar determinado ato administrativo, que somente poderá ser revisto no caso de comprovado desvio de finalidade, uma vez que gozam de presunção de legitimidade. Além disso, o Departamento Estadual de Rodovias – DER, no ofício nº 1.066/2.014, às fls. 458/459, destacou que os convênios por ele celebrados possuíam caráter de urgência e imprescindibilidade, pois visavam prestar auxílio aos municípios do interior afetados pela seca, senão vejamos:
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“Convênio é o instrumento de interesse recíproco, público e comum e mútua cooperação, e considerando a importância das Políticas Públicas e Transportes do Estado do Ceará, que objetiva o desenvolvimento sócio-econômico regional visando a redução da pobreza, as passagens molhadas, assim como as estradas vicinais que fazem parte desse arranjo, uma vez que integram a rede de transporte do interior, proporcionando à população o acesso aos serviços básicos de educação, saúde e maior variedade de bens de consumo, aos pontos de comercialização de produtos e também, permite às populações afetadas pela estiagem e/ou secas, o abastecimento de água, o escoamento da pequena produção agrícola local, acesso a diversos bairros e áreas periurbanas no entorno do município e importante meio de ligação entre áreas rurais e urbanas.(...) as estradas vicinais e as passagens molhadas servem como meio de execução de diversos programas federais, estaduais e municipais, entre eles: Abastecimento d’água através de caminhões pipas às comunidades mais afastadas da Sede do município, transporte do Programa Merenda Escolar, Transporte Escolar, transporte dos profissionais dos Programas de Desenvolvimento e Combate à Fome – Fome Zero.” Negritado.
Embora a emergência e calamidade possam ser evocadas como uma excepcionalidade apta a justificar o repasse de verbas durante os três meses que antecedem o pleito, no caso em apreço, a celebração dos convênios e a transferência dos recursos se deu antes mesmo do período defeso em lei, e não como uma exceção, portanto, não poderia ser alcançada pela vedação do artigo 73, VI, “a”, da Lei nº 9504/97. A segunda premissa alegada pelo autor refere-se ao fato de que mais de 80% (oitenta por cento) dos municípios beneficiados com o repasse voluntário de verbas era governado por prefeitos de partidos políticos integrantes da coligação de Camilo Santana ou da sua base aliada.
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Quanto a esse tema, imperioso tecer, preliminarmente, breves esclarecimentos acerca do conceito de transferência voluntária de recursos. A Lei Complementar nº 101/2000, chamada Lei de Responsabilidade Fiscal estatui: “Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.” Negritado
A doutrina assevera: “(...) a União repassa a Estados e Municípios, e os Estados repassam aos Municípios, a cota de cada um, como o Imposto de Renda, o IPVA, etc. E ainda há a cota do Fundo de Participação de Estados e Municípios. Esses repasses são obrigatórios, determinados por lei e não dependem, pois, da vontade do governante. No entanto, há as chamadas transferências voluntárias, aquelas a que a União e os Estados não estão obrigados. Resultam, ao contrário, de entendimento entre os governos Federal, Estaduais e Municipais, visando à execução de obra ou serviços nestes.” Negritado. (Édson Resende de Castro, Curso de Direito Eleitoral, 7ª edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2014, p.320/321). “As transferências voluntárias são aquelas que não decorrem de expressa determinação legal, como as decorrentes da repartição da receita tributária. Tais transferências normalmente são feitas mediante a celebração de convênios entre as Autonomias Públicas –União, Estados e Municípios -, através da Administração Direta ou Indireta, com a finalidade de serem aplicadas em obras, serviços, projetos etc., executados pelos entes conveniados ou por meio de terceirização. Apenas podem elas fugir à vedação legal se forem os recursos Missão: velar pela regularidade dos serviços eleitorais, assegurando a correta aplicação de princípios e normas.
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destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, bem como os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública.” Negritado. (Adriano Soares da Costa, Instituições de Direito Eleitoral, 7ª edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p.576/577).
Assim, conclui-se que a transferência voluntária consiste no repasse de verbas que um ente da federação faz a outro, não estando a isso obrigado, por lei ou pela Constituição. Reveste-se, pois, de gratuidade e discricionariedade, não estando sujeito o ente público a qualquer medida que o force ao repasse. Nessa perspectiva, inobstante a ausência de tipicidade formal apta a configurar a prática de conduta vedada, deve-se ressaltar que a Administração Pública Estadual precisa se revestir de impessoalidade e isonomia ao usar do seu poder discricionário na escolha dos municípios que irão se beneficiar com as transferências voluntárias de recursos, sobrepondo o interesse público em detrimento do político-eleitoral, evitando, assim, incorrer em abuso de poder. No presente caso, restou demonstrado que o Estado do Ceará celebrou 80 (oitenta) convênios com municípios cujos Chefes do Poder Executivo tanto pertenciam a partidos apoiadores do então candidato Camilo Santana, como a partidos adversários. É bem verdade que a maior parte dos municípios contemplados era administrada por agremiações partidárias aliadas ao referido promovido, mas deve-se considerar o fato de que o candidato Camilo Santana conseguiu agregar 18 (dezoito) partidos políticos em sua coligação ao pleito majoritário, denominada “Para o Ceará Seguir Mudando”, enquanto os demais candidatos agregaram juntos apenas 13 (treze) legendas. Ademais, os repasses também contemplaram municípios como Crato, Icó, Horizonte, Jardim, Morada Nova, Pedra Branca, Parambu, Senador Sá e
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Juazeiro do Norte, onde os prefeitos eram ligados à principal coligação adversária, denominada “Ceará de Todos”, e militavam em desfavor da candidatura de Camilo Santana. Impende ressaltar, ainda, que o poder discricionário do Estado na celebração de convênios que visem a transferência voluntária de recursos não é amplo e irrestrito, mas, como vimos, encontra limites na própria Lei Complementar Estadual nº 119/2012, que condiciona a formalização do referido instrumento à apresentação pelo município convenente de uma proposta contendo os projetos, planos de trabalho e cronograma prefixado de desembolso de recursos que estejam em conformidade com as políticas públicas desenvolvidas pelo Governo e adequadas à realidade de cada município. Dessa forma, inexorável concluir, do exame minucioso dos autos, que a realização dos convênios com os municípios do interior do estado constituiu ato administrativo formalmente lícito, tendo sido observados os requisitos exigidos na legislação eleitoral e estadual, bem como na Lei Federal nº 8.666/93 (Lei das Licitações), sem que se tenha verificado nos autos qualquer fato concreto que comprovasse, sem margem de dúvida, o desvio de finalidade. Portanto, esses atos não podem ser considerados abusivos pela simples razão de terem sido praticados próximo ao período eleitoral. Assim tem se posicionado a melhor jurisprudência: INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – ANÁLISE RESTRITA AOS LIMITES DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA CORREGEDORIA - ABUSO DE PODER POLÍTICO, ECONÔMICO E DE AUTORIDADE – CELEBRAÇÃO, PRORROGAÇÃO E APOSTILAMENTO DE CONVÊNIOS EM PERÍODO PRÓXIMO À CAMPANHA ELEITORAL - ATOS TIPICAMENTE ADMINISTRATIVOS – INEXISTÊNCIA DE CONOTOAÇÃO ELEITOREIRA – IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. Em sede de AIJE – Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a apreciação da CorregedoMissão: velar pela regularidade dos serviços eleitorais, assegurando a correta aplicação de princípios e normas.
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ria restringe-se a eventual abuso de poder perpetrado pelos representados, porquanto as infrações imputadas com assento na Lei nº 9.504/97 compete a Juiz Auxiliar da Corte. O fato da celebração, prorrogação ou apostilamento de convênios haver ocorrido em período próximo à campanha eleitoral não vicia, por si só, a legitimidade das avenças que, pelo exame dos autos, revelam tão somente atos tipicamente administrativos. Não demostrado, de forma inequívoca, o uso eleitoreiro dos ajustes celebrados e, por conseguinte, o comprometimento do equilíbrio da disputa eleitoral e da higidez do processo democrático, não há como ser acolhida a tese de abuso de poder econômico, político e de autoridade. Improcedência da representação. (TRE-RN – AIJE: 483096 RN, Relator: SARAIVA SOBRINHO, Data da Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Data 3.2.2011, Pág. 6/7).Negritado.
Por fim, quanto ao argumento de que os valores repassados foram excessivos e aptos a justificar a ocorrência de abuso de poder político e econômico, entendo que este não encontra fundamento. É que, ao se examinar o conjunto probatório acostado, verifica-se, inicialmente, que a quantidade de convênios formalizados em 2014 sofreu um decréscimo, se comparado ao ano de 2010, conforme destacado pelo Governo do Estado do Ceará e rechaçado pelo Promovente com a frágil argumentação de que “poderia” ter havido abuso de poder político também em 2010, por se tratar de ano eleitoral. Quanto à tese do Ministério Público Eleitoral de que os valores dos convênios firmados em 2014 foram superiores aos estipulados em anos anteriores, consoante procurou demonstrar por meio dos gráficos acostados às fls. 2.578/2590-v de suas alegações finais, causa espécie a discrepância entre os valores totais dos convênios constantes nesses gráficos quando comparados aos valo-
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res da tabela apresentada na petição inicial, às fls.10/12-v, uma vez que aqueles se mostram muito superiores a estes. A título de exemplo, cito o valor do convênio celebrado com o Município de Horizonte, onde na tabela de valores da inicial constava o montante total de R$ 155.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a ser repassado, em consonância com o que consta no Termo de Convênio referente àquele município (juntado no Anexo 10 destes autos), valor este bem menor que os R$ 6.675.421,25 (seis milhões, seiscentos e setenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e um mil reais e vinte e cinco centavos) informado à fl. 2.582, em tabela anexa às alegações finais, e sem a correspondente comprovação nos autos. Essa situação se repete em diversos outros valores de repasses apontados pelo autor, trazendo relevante margem de dúvida quanto aos montantes descritos nos gráficos das alegações finais, uma vez que, os valores apresentados na inicial estão em perfeita concordância com os valores constantes nos Termos de Convênio anexados aos autos. Contudo, ainda que se tome por base esses valores exorbitantes apresentados nas alegações finais, estes, por si só, não inquinam de nulidade os convênios celebrados, atribuindo-lhes a pecha de eleitoreiros, haja vista que, a partir desses mesmos gráficos, percebe-se que diversos municípios foram beneficiados com repasses ainda maiores em anos não eleitorais, como 2009 e 2011, a exemplo de Cariré, Itapajé, Jardim, Independência, Quixelô, Sobral, São João do Jaguaribe e Uruoca. Impende reiterar que a análise do abuso de poder requer o exame simultâneo da conduta sob os aspectos da finalidade eleitoral e da gravidade apta a macular a legitimidade da eleição, exigindo para sua configuração substrato
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probatório seguro e conclusivo, sendo inadmissível qualquer presunção de veracidade ante a supremacia do interesse público. Nesse sentido: (...) 2. No caso dos autos, não há evidência de que o agravado tenha se valido do cargo de conselheiro municipal de saúde para viabilizar cirurgias de laqueadura. Ademais, a mera elevação do quantitativo de cirurgias realizadas durante o período eleitoral em comparação com meses anteriores não é suficiente, por si só, a ensejar sua condenação, pois o abuso de poder não pode ser presumido. Negritado. (TSE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 25820, Acórdão de 19.8.2014, Relator Min. João Otávio de Noronha, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 163, Data 2.9.2014, Pág. 102).
Saliente-se que a cassação de um mandato parlamentar e a decretação de inelegibilidade pela Justiça Eleitoral, desconstituindo a vontade soberana do povo manifestada nas urnas, é medida extrema que exige um suporte fáticoprobatório robusto. Nesses termos preleciona José Jairo Gomes: “para ensejar a cassação de registro ou diploma, e a decretação de inelegibilidade, o abuso de poder deve estribar-se em fatos objetivos, adequadamente demonstrados nos autos por meio de provas seguras, robustas, produzidas validamente sob a égide do due process of law, respeitados o contraditório e a ampla defesa. Afinal, trata-se de grave restrição imposta ao exercício de direito político e, pois, fundamental.” Negritado. (Direito Eleitoral, José Jairo Gomes, 10ª edição, São Paulo: editora Atlas, 2014, p.557.)
A jurisprudência é pacífica nesse entendimento:
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“Para condenação em sede de IJE, exige-se prova robusta da conduta abusiva, cuja potencialidade lesiva possa comprometer a lisura e a normalidade da disputa eleitoral, a fim de que a soberania do voto não sucumba diante de fato cuja veracidade a prova dos autos não é capaz de garantir.” Recurso conhecido e desprovido. (TRE-CE, Recurso Eleitoral nº 14748, Acórdão nº 14748 de 4.2.2009, Relatora: DESA. GIZELA NUNES DA COSTA, DJ, Tomo 37, data 26.2.2009, pag. 159). Negritado “No julgamento da AIJE, o objetivo fulcral consiste em analisar a existência de provas do abuso de poder e de sua gravidade para afetar a normalidade e legitimidade das eleições, bens jurídicos tutelados pela presente ação. Inteligência do art. 22, da LC n. 64/90. Exige-se do julgador uma visão criteriosa no momento da fixação da sanção de inelegibilidade, sendo necessário que sua convicção esteja fundada em um conjunto probatório firme e irretorquível, o que não ocorreu no caso em tela. Precedentes do TSE.” TRE-CE, RE – Recurso Eleitoral n. 1512-73/2012, Acórdão nº 151273 de 28.9.2015– Fortaleza/CE, Relatora: Dra. Joriza Magalhães Pinheiro. Negritado. (...) “Para a configuração do uso indevido dos meios de comunicação ou abuso do poder econômico, exige-se prova robusta, cuja gravidade seja suficiente para macular a normalidade e legitimidade do pleito, o que não vislumbrado na espécie. Provimento negado. RE- Recurso Eleitoral nº 30759 – alvorada/RS, Acórdão de 2/4/2013, Relator (a) DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Publicação- DEJERS – (Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 58, Data 4/4/2013, p. 4 )
Sabe-se que é ônus processual da parte autora a demonstração, mediante elementos probatórios hábeis, dos fatos constitutivos de seu direito (CPC, art. 333, “I”). No caso em tela, o autor não se desincumbiu do dever de provar que os
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repasses de verbas aos municípios convenentes foram realizados com finalidade meramente eleitoreira, visando beneficiar a candidatura do promovido Camilo Santana. Desse modo, caberia ao autor comprovar o desvio de finalidade, demonstrado que os valores repassados foram desviados para fins meramente eleitoreiros, o que não restou evidenciado nos autos. A simples afirmação, em face da proximidade do pleito, de que os valores dos contratos foram exorbitantes, não se mostra suficiente, no meu sentir, para concluir como eleitoreiros os convênios celebrados entre o órgão estatal e os municípios convenentes. O que se depreende dos autos são meras presunções do ilícito, desprovidas de elementos comprobatórios aptos a amparar um juízo de certeza quanto à ocorrência do abuso de poder político e econômico, tornando inadequada, na situação em análise, a intervenção da Justiça Eleitoral. Nesse sentido: “(...) Apurado que o uso promocional praticado pelo agente público trouxe proveitos eleitorais indevidos que causaram, ainda que minimamente, desequilíbrio entre os candidatos, mas sem gravidade suficiente para afetar a regularidade do pleito, não resta configurada a prática do abuso de poder político (Lei Complementar n.64/90, art. 22). No expressivo dizer do Ministro Caputo Bastos, “a intervenção da Justiça Eleitoral deve ter como referência o delicado equilíbrio entre a legitimidade da soberania popular manifestada nas urnas e a preservação da lisura do processo eleitoral (TSE, Respe. N.23.073, de 28.6.2005 ). RDJE – RECURSO CONTRA DECISÕES DE JUÍZES ELEITORAIS n.1696 – Bom Retiro/SC Acórdão 24582 de 23.6.2010. Relator SÉRGIO TORRES PALADINAO DJE, Tomo 116, Data 30.6.2010, Pg. 8/9) Negritado.
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“Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo. Preliminares. Afastadas. Convênios. Ano anterior às eleições. Abuso de poder político de conteúdo econômico. Fraude. Corrupção Eleitoral não caracterizada. 1- O aumento do número de convênios celebrados com entidades sem fins lucrativos no último mês do ano anterior às eleições não caracteriza, por si só, abuso de poder político de conteúdo econômico. 2 – Para caracterização de abuso do poder econômico e abuso de poder político de conteúdo econômico impõe-se a demonstração da finalidade eleitoral. 3 – Só há abuso do poder econômico quando o ato tem ao menos potencialidade para influir na convicção do eleitorado. 4 – A celebração de convênios em benefício de grande parcela da população do Estado não caracteriza, por si só, corrupção ou fraude eleitoral.” (TRE-RO – AIJE: 436 Ro, Relator: João Adalberto Castro Alves, Data e Publicação: DJE/TRE-RO – Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 223, Data 01/12/2011, Pág. 4). Negritado.
Assim sendo, inexistindo provas firmes e irretorquíveis da ocorrência de abuso de poder político ou econômico, VOTO pela IMPROCEDÊNCIA dos pedidos formulados na inicial. É como voto. Fortaleza/CE, 15 de fevereiro de 2016.
Desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira Corregedora Regional Eleitoral
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