Alfabetização e Letramento

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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO I


ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO I


Alfabetização Apresentação e letramento I

Apresentação Um conteúdo objetivo, conciso, didático e que atenda às expectativas de quem leva a vida em constante movimento: este parece ser o sonho de todo leitor que enxerga o estudo como fonte inesgotável de conhecimento. Pensando na imensa necessidade de atender o desejo desse exigente leitor é que foi criado este produto voltado para os anseios de quem busca informação e conhecimento com o dinamismo dos dias atuais. Com esses ideais em mente, nasceram os livros eletrônicos da Cengage Learning, com conteúdos de qualidade, dentro de uma roupagem criativa e arrojada. Em cada título é possível encontrar a abordagem de temas de forma abrangente, associada a uma leitura agradável e organizada, visando facilitar o aprendizado e a memorização de cada disciplina. A linguagem dialógica aproxima o estudante dos temas explorados, promovendo a interação com o assunto tratado. Ao longo do conteúdo, o leitor terá acesso a recursos inovadores, como os tópicos Atenção, que o alertam sobre a importância do assunto abordado, e o Para saber mais, que apresenta dicas interessantíssimas de leitura complementar e curiosidades bem bacanas, para aprofundar a apreensão do assunto, além de recursos ilustrativos, que permitem a associação de cada ponto a ser estudado. Ao clicar nas palavras-chave em negrito, o leitor será levado ao Glossário, para ter acesso à definição da palavra. Para voltar ao texto, no ponto em que parou, o leitor deve clicar na própria palavra-chave do Glossário, em negrito. Esperamos que você encontre neste livro a materialização de um desejo: o alcance do conhecimento de maneira objetiva, concisa, didática e eficaz. Boa leitura!

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Alfabetização Prefácio e letramento I

Prefácio A palavra alfabetização refere-se ao processo pelo qual se aprende a ler e escrever, é a compreensão e assimilação dos signos linguísticos. Ler e escrever possibilitam a comunicação entre o sujeito e os outros. No entanto, embora um indivíduo alfabetizado tenha desenvolvido a técnica da leitura, isso não quer dizer que ele possua o domínio do letramento. Saber ler não significa ter o hábito de ler. E é justamente aí que o processo de letramento é inserido. Uma pessoa letrada é propensa a desenvolver o hábito da leitura. A condução dessa prática envolve uma importante inserção no meio social e das letras, o que permite ao indivíduo conhecer os vários tipos de expressões textuais. Despertar o gosto e o hábito da leitura é complexo. Não depende, necessariamente, do mediador (que, no geral, é o docente que está próximo do aprendiz). O letramento está vinculado a um conjunto de técnicas, ações e procedimentos que envolvem todos os personagens de um cenário comum. A fim de que o funcionamento desse processo seja entendido, vamos oferecer um material completo, abrangente e didático que tratará da ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO (I) de modo detalhado. O contexto histórico do tema está delineado na Unidade 1, em que assuntos como a história da escrita, a criação e origem do alfabeto e a educação no Brasil são explorados. Outros temas também são ressaltados, como o processo da alfabetização no Brasil, a história do analfabetismo e os diferentes papéis da alfabetização no contexto histórico social. As características do desenvolvimento das crianças de 0 a 6 anos, a importância do brincar no desenvolvimento infantil, a construção da linguagem e a alfabetização na perspectiva do letramento são alguns dos assuntos tratados na Unidade 2. A importância do bom planejamento para práticas de alfabetização e letramento, a avaliação e a rotina nas salas de alfabetização, bem como a ligação entre recreação, educação física e arte são temas abordados na Unidade 3. A Unidade 4 vai tratar da criança e a leitura, da leitura no processo de alfabetização, do processo de construção da escrita e do desenvolvimento da oralidade, além de outros assuntos concernentes à elaboração e produção de texto. Esperamos que, em um futuro próximo, o hábito da leitura seja uma realidade próxima de nossa cultura. Bons estudos!

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Unidade 1 – Da história da escrita à alfabetização

UNIDADE 1 DA HISTÓRIA DA ESCRITA À ALFABETIZAÇÃO Capítulo 1

A história da escrita e a criação do alfabeto, 10

Capítulo 2

A origem do alfabeto, 14

Capítulo 3

A educação no Brasil, 16

Capítulo 4

O processo da alfabetização no Brasil, 18

Capítulo 5

A história do analfabetismo, 22

Capítulo 6

A importância dos diferentes papéis na alfabetização, 24

Glossário, 26

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Alfabetização e letramento I

1. A história da escrita e a criação do alfabeto Como meio de representação, a escrita consiste na codificação de sinais gráficos que permitem registrar a linguagem falada. Na Pré-História, o homem buscou alternativas para estabelecer comunicação com o outro; porém, sua representação gráfica não demonstrava organização e não seguia nenhum padrão preestabelecido. Por essa razão, não poderia ser considerada um tipo de escrita. Durante o Período Paleolítico, ou da Pedra Lascada, os humanos, diferenciando-se de outros animais, começaram a utilizar utensílios feitos com chifres de animais ou rochas, formando objetos pontudos para desenvolver a caça e se protegerem de outros grupos nômades. Essa é considerada a maior era histórica da humanidade, pois compreende cerca de três milhões de anos, tendo durado, aproximadamente, até o ano10.000 antes de Cristo. A habilidade de desenhar desenvolveu-se entre os anos 30.000 e 25.000 a.C., quando a cultura da antiga Idade da Pedra passou ao estágio do Paleolítico Superior, que abrange o fim do Paleolítico Médio e início do Neolítico. O homem começou a desenvolver a pintura rupestre nas cavernas, o que viabilizou o entendimento de sua cultura. Além disso, ele estabeleceu a comunicação com o outro, exprimindo seus desejos, anseios e necessidades. As pessoas viviam em grupos de dezenas ou até algumas poucas centenas de indivíduos, dependendo da caça e da pesca, feitas pelos homens, e da coleta de produtos vegetais, realizada pelas mulheres. Com o tempo, o número de animais de uma região diminuía em virtude das espécies abatidas e dos que fugiam. Igualmente, o número de produtos coletados já não era mais o mesmo, tornando o local menos propício para sustentar a vida desses grupos. Quando isso acontecia, eles mudavam para outras áreas, de modo que pudessem obter mais sucesso com a caça e a coleta. Em virtude desses aspectos, eles eram nômades. A descoberta que marca o Neolítico é o surgimento da agricultura e da pecuária de espécies produtivas, favorecendo a permanência humana em um mesmo local, por tempo indeterminado e com um número maior de pessoas. Essa transição permitiu que os humanos deixassem de ser nômades, passando, então, ao sedentarismo.


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Unidade 1 – Da história da escrita à alfabetização

Com o passar do tempo, por meio do cultivo da terra e a domesticação de animais, os homens sentiram a necessidade de novas formas de registros, utilizando-se de símbolos.

A pictografia foi base para as escritas cuneiformes e dos hieróglifos.

Nenhum dos meios de comunicação do homem primitivo tinha intenção de representar a linguagem oral. Eles utilizavam a pictografia, uma forma de escrita pela qual ideias eram transmitidas por meio de desenhos.

Pictograma é um símbolo que representa certo objeto ou conceito por meio de desenhos figurativos. Por seu caráter universal, e por ser autoexplicativo, é utilizado até os dias de hoje. Por volta de 4.000 a.C., os sumérios da Mesopotâmia desenvolveram a escrita cuneiforme. Para escrever, utilizavam a argila e, quando queriam que os registros fossem permanentes, as tabuletas de argila úmida eram cozidas em um forno, resultando em incisões em forma de cunha. Posteriormente, quando necessário, poderiam ser reaproveitadas. A escrita cuneiforme possuía mais de dois mil sinais e um grau de dificuldade muito elevado. Era utilizada para diversos fins, como registros de bens, cálculos e transações comerciais. Depois de certo tempo, o sistema sumério cuneiforme foi adotado por outros povos, desse modo, todos os estados da Mesopotâmia utilizavam esse tipo de escrita para se comunicar, trabalhar e gravar seus pensamentos. A escrita cuneiforme era de difícil compreensão e eram poucas as pessoas que a dominavam. Por volta de 3.200 a.C. os egípcios começaram a utilizar os hieróglifos, escrita feita com sinais ou caracteres pictóricos. Nessa escrita, cada sinal representava um objeto. Ela tinha

Escrita cuneiforme


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grande importância no desenvolvimento de atividades de cunho sagrado e era estritamente utilizada para a impressão de mensagens em túmulos e templos. Os escribas, parcela privilegiada da população, dominavam a leitura e a escrita dos hieróglifos. Formavam-se nas escolas palacianas, onde os mais bem preparados obtinham cargos fundamentais para o Estado. O escriba poderia contabilizar impostos, contar os servos do reino, fiscalizar as ações públicas e avaliar o valor das propriedades. Em troca, recebia diferentes compensações materiais. Esse sistema de escrita era tão complexo que foi considerado um grande mistério durante vários séculos. Ela só começou a ser desvendada quando Napoleão Bonaparte invadiu o Egito, no século XIX.

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ARA SABER MAIS! A Campanha do Egito foi uma campanha militar realizada durante a Revolução Francesa, sob o comando de Napoleão Bonaparte. Naquela ocasião, os franceses pretendiam ocupar o Egito para utilizar o seu território como plataforma a partir de onde avançariam para a Índia. Dali, com o apoio de forças locais, atacariam o domínio britânico disposto naquela região. A campanha militar foi acompanhada de uma campanha científica, que contou com a participação de numerosos nomes dos meios acadêmicos franceses e foi considerada um sucesso, ao contrário da campanha militar. A Pedra de Roseta foi encontrada durante esta campanha. Parte de todo esse contexto pode ser visto no documentário “A obsessão de Napoleão” (“Napoleon’s Obsession: The Quest for Egypt” – TV Movie – april 2000), dirigido pelo americano Peter Spry-Leverton. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=fuPxEj7F_cI>. Acesso em: 24 out. 2015

A escrita egípcia poderia ser tanto em colunas quanto em linhas e iniciava-se tanto da direita como da esquerda. Para identificar a direção da leitura, deve-se observar para que lado os sinais estão voltados. Pela sua complexidade, essa escrita se subdividiu em dois tipos: a hierática e a demótica. A escrita hierática era a simplificação da hieroglífica. Já a demótica era utilizada para escritos de menor importância. A escrita egípcia servia tanto para atender às necessidades da vida prática como para fins religiosos. Os sacerdotes precisavam da escrita para registrar orações, cerimônias e detalhes da vida dos deuses e faraós.


Unidade 1 – Da história da escrita à alfabetização

Os egípcios utilizavam o papiro, que era flexível e leve. Ele deu à humanidade um dos principais instrumentos de seu progresso: o papel. Certamente, o mais prático: era flexível e leve. O papiro era fabricado a partir do caule da planta e cortado em pedaços. Eram feitas incisões para retirar a casca verde e permitir a separação das películas, em lâminas extremamente finas e manuseadas com cuidado para que não se rompessem. Depois eram estendidas em uma tábua inclinada sobre as águas para serem molhadas constantemente. Uma primeira camada de tiras era alinhada horizontalmente, e sob ela, uma segunda camada, em posição vertical, formando, assim, uma trama. A água do rio Nilo e o esmagamento das fibras a martelo ativavam a goma natural presente na planta, que unia as tiras. Depois de comprimidas, batidas e polidas com pedra-pomes, o conjunto ficava macio e polido o suficiente para receber a escrita. As peças eram coladas umas às outras, formando grandes rolos sustentados por hastes de madeira ou marfim em suas extremidades, amoldando o volume. O papiro em rolo era um dos principais bens de exportação do Egito antigo e elemento principal da contribuição faraônica à civilização.

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A fase ideográfica caracterizou-se pela escrita através de desenhos chamados ideogramas, símbolos gráficos ou desenhos que formavam caracteres separados, dando forma à representação de objetos, ideias ou palavras completas, associados aos sons com que eram nomeados no respectivo idioma. Por isso, eram necessários tantos símbolos como ideias ou objetos a transmitir. Um exemplo de escrita ideográfica são os caracteres chineses e japoneses, que nunca evoluíram para a escrita alfabética, permanecendo os mesmos até hoje. Esses desenhos foram perdendo alguns dos traços mais representativos das figuras apresentadas e tornaram-se uma simples convenção da escrita. As letras do nosso alfabeto originaram-se desse tipo de evolução.

Modelo de escrita chinesa

2. A origem do alfabeto Alfabeto, palavra de origem grega (alfabetos) através do latim (alphabetum), significa um conjunto de letras para escrever. O idioma fenício já trazia Alef e Bet, as duas primeiras letras, embora nós utilizemos o alfabeto latino, composto de 26 letras. A história de nosso alfabeto nos remete à metade do segundo milênio antes de Cristo e a um povo de origem semita – os fenícios. Esse povo se caracterizava por uma cultura comercial marítima intensa e chegou a formar colônias por todo Mediterrâneo até a península Ibérica, o ponto mais ocidental da Europa. Com o objetivo de facilitar a comunicação e, consequentemente, o comércio, surgiram, na cidade

Alfabeto ocidental


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fenícia de Biblos, as primeiras manifestações escritas que acabariam por formar o alfabeto fenício, que se espalhou Mediterrâneo afora. A língua fenícia era representada por 22 sinais gráficos, apenas consoantes, com a finalidade de transmitir sons em vez de apenas ideias, sentimentos e necessidades. A utilização dos sinais fonéticos surgiu do anseio de distinguir a semelhança dos sons empregados em palavras diferentes. Está na origem de muitas outras escritas, como a árabe, a hebraica, a aramaica, a talmúdica, a púnica (de Cartago) e, sobretudo, a escrita grega, da qual se derivou a latina, origem do alfabeto que hoje usamos. Os semitas do Oriente Médio puseram em prática a ideia de formar uma escrita com poucos caracteres e com formas gráficas de fácil desenho. Em Roma, foi criado o alfabeto apenas com letras maiúsculas. Essas letras eram usadas em pergaminhos (substituto do papiro), e, também, na escrita da Bíblia. Com a divulgação desse alfabeto, os gregos se apropriaram dele e o adaptaram para sua língua. Uma das grandes contribuições dos gregos foi a inserção das vogais. Para isso, eles excluíram alguns caracteres usados para sons guturais, que não existiam na língua grega, e aproveitaram para representar os fonemas vocálicos. De modo semelhante, os gregos criaram símbolos para representar os fonemas aspirados que não existiam na língua dos fenícios.

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ARA SABER MAIS! Os gregos revolucionaram o método da escrita também no que diz respeito à direção: da esquerda para a direita e de cima para baixo. Ao contrário do sistema de escrita japonesa (introduzido no século IV, quando a língua e escrita chinesa foram incorporadas no Japão), que utiliza um estilo chamado tategaki (escrita vertical), com caracteres também escritos de cima para baixo, porém, feitos da direita para a esquerda.

A escrita grega foi adaptada pelos romanos, constituindo o sistema alfabético greco-latino. Depois de inúmeras transformações, o alfabeto tomou a forma que conhecemos atualmente. O mais utilizado no mundo é o latino, derivado do grego, considerado o primeiro alfabeto verdadeiro, no qual as vogais tinham a mesma importância das consoantes. O alfabeto latino é o sistema de escrita alfabética mais utilizado no mundo, pois foi adotado por um considerável número de diferentes línguas, em especial por aquelas que não tinham desenvolvido o seu próprio sistema, como no caso de países colonizados pelos europeus.

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3. A educação no Brasil A educação infantil no Brasil colonial era considerada do seguinte modo: até os 7 anos de idade caracterizava-se a infância. Do nascimento até os 3anos de idade, temos o período de criação, ocasião em que a criança era alimentada com leite humano, da mãe ou da ama. A partir dos 4 aos 7 anos, a criança acompanhava a vida dos adultos e nada lhe era exigido, como trabalho, estudo e cumprimento dos deveres religiosos. Desde o início da colonização, a educação era restrita aos meninos, e frequentemente ministrada por padres ou pessoas que sabiam mais. A instrução era somente para os filhos dos indígenas ou dos colonos. Os filhos dos colonos eram encaminhados à Companhia de Jesus ou limitavam-se a cuidar dos negócios dos pais. A educação feminina estava relacionada aos cuidados da casa, do marido e dos filhos. As mulheres brancas, ricas ou pobres, negras escravas e as indígenas não tinham acesso à leitura e escrita. Escapavam do analfabetismo as meninas que eram enviadas muito jovens para os conventos de Portugal ou das Ilhas Atlânticas. Quando os pais tinham muitas filhas, preferiam encaminhá-las ao convento para não terem de dividir suas propriedades com os genros. Os conventos eram tidos, então, como verdadeiras prisões. Os indígenas consideravam as mulheres como suas companheiras e não um ser inferior, portanto, entendiam que as oportunidades educacionais deveriam ser iguais. Diante disso, um indígena pediu que Padre Manuel da Nóbrega ensinasse à sua mulher a ler e a escrever, o que foi considerado por ele uma ótima ideia. O religioso acreditava que essa ação, posteriormente, poderia desencadear um processo de maior respeito às mulheres que viviam na colônia. Essa ideia acabou por não se concretizar, infelizmente, porque foi considerada ousada demais por outros grupos. No século XVI, não existindo escolas, as meninas eram educadas em casa. Só com a presença da Corte, a partir de 1808, começam a serem observadas mudanças significativas na educação das meninas. Surgia, então, o interesse e a procura, por parte das famílias, por preceptoras, sobretudo aquelas que moravam longe do centro. A procura era basicamente por inglesas, irlandesas ou escocesas e que fossem católicas romanas. O ensino de meninos e meninas acontecia de forma simultânea. Em 1813, D. Catarina Jacob abriu uma “academia para instrução de meninas”, o que tornou claro a divisão social da época. A camada social mais afluente aprendia língua portuguesa e inglesa, todo tipo de costuras e bordados, bem como o manejo da casa. Às outras mulheres, na sua grande maioria escravas, eram transmitidos ensinamentos práticos de como melhorar o serviço doméstico aos seus senhores.


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No Rio de Janeiro, várias técnicas como o cuidado com flores ou a criação de enfeites, corte e costura de vestidos, feitura de rendas, entre outras atividades, eram ensinadas às moças que precisavam se preparar profissionalmente para ganhar a vida. A partir do fim do século XVIII até o XIX, o país passou por algumas mudanças significativas. Diante da invasão estrangeira à Portugal, a sede do reino transferiuse para o Brasil e, com ela, a burocracia civil, eclesiástica e militar. D. João VI permitiu a abertura de escolas de primeiras letras em todo o país, ocasião em que se multiplicaram as escolas secundárias de artes e ofícios. No entanto, ele deu maior atenção às escolas de educação superior, sem afetar a permanência das demais, que ainda funcionavam nas casas de professores, ou em outros espaços, que em nada favoreciam a aprendizagem. Havia uma notória diferença entre as escolas primária, secundária e superior. A educação pública na monarquia não era nem acessível a todos os brasileiros nem organizada, mas sim um modelo elitista e excludente. No período em que o ensino público foi editado, o Brasil encontrava-se fortemente influenciado pelas ideias republicanas, o que reverteria o poder monárquico. Entretanto, nada aconteceu como planejado. Os professores ganhavam mal, os estabelecimentos de ensino não possuíam condições físicas e materiais e o ensino era descontextualizado. Pensou-se, então, em um ensino obrigatório, atribuindo maior responsabilidade à família em relação aos filhos. Foram criados os períodos noturnos para aqueles que não tinham possibilidade de frequentar o período diurno. Os níveis de ensino no Brasil eram divididos em três estágios: no primário, eram trabalhadas as matérias de leitura, escrita, cálculo, desenho, geografia, lições das coisas; no secundário, eram praticadas escrita, caligrafia, gramática, definições, etimologias, estudos das raízes, aritmética, escrituração mercantil, geometria, trigonometria, álgebra, levantamento de plantas, desenho de arquitetura, astronomia, física, química, análises, higiene, história natural nos seus diversos ramos, música, lição das coisas e línguas latina, francesa e alemã; e, finalmente, no superior, os conteúdos do secundário, de forma científica e completa. As escolas profissionalizantes contemplavam tanto uma educação geral quanto conhecimentos específicos, centrados no tipo de formação. O magistério ficava a cargo das mulheres por sua maneira maternal de lidar com as crianças e era considerado um sacerdócio. Em algumas ocasiões, havia até mesmo um preconceito por parte das famílias, acreditando que esse tratamento poderia afeminar os meninos que estudavam com essas professoras.

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4. O processo da alfabetização no Brasil A educação no Brasil, desde o século XX, ganhou importância e a escola passou a ser vista como instituição para escolarização das pessoas. A leitura e a escrita eram restritas a poucos. Com o tempo, essas práticas passaram a ser um pouco mais sistemáticas, organizadas e intencionais, contudo, totalmente desvinculadas dos usos sociais.

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TENÇÃO! A história da alfabetização no Brasil estava diretamente ligada aos aspectos econômicos, sociais, culturais, políticos e educacionais no país.

A educação no Brasil baseava-se no método tradicional de ensino. Esse modelo tratava o conhecimento como um conjunto de informações transmitidas pelo professor, onde o aluno era um mero receptor delas. O adulto era considerado superior, acabado e pronto, e o aluno a tábula rasa, que necessitaria do “depósito” de todas as informações possíveis, ou seja, não trazia nenhum conhecimento consigo. O método era centrado no professor, e a aula acontecia apenas na sala, de modo totalmente mecanizado: o professor ensinava a matéria e o aluno reproduzia o conhecimento. O professor, então, corrigia e, assim, repetidamente, as aulas aconteciam. Os alunos aprendiam através da repetição e do uso da memória. Além disso, havia a prontidão para a alfabetização, ou seja, os alunos eram preparados e treinados, e a criança deveria empregar na tarefa as habilidades exigidas pela situação. Somente depois de atividades relacionadas à coordenação motora, discriminação auditiva e visual ou, ainda, do traçado de letras, poderia ser iniciado o processo de alfabetização. O método tradicional tem seu processo condicionado em partes. Primeiramente, se ensinam as vogais; em seguida, as consoantes; depois, a junção, formando as sílabas e as palavras, para se chegar à construção de frases e, por último, à construção de textos. A produção de textos se inicia somente depois do domínio da maior parte das famílias silábicas. O aluno não participa do processo e da construção de sua aprendizagem, e isso faz com que a sua bagagem seja desconsiderada. Aplica-se, basicamente, a cartilha e concentra-se na codificação e decodificação da escrita. Discutia-se muito acerca das práticas de alfabetização, que envolvia os métodos sintéticos, analíticos e analítico-sintéticos. O método sintético é considerado, por muitos estudiosos, o mais cansativo para as crianças, pois é baseado apenas na repetição, mantendo-se fora da realidade delas, além de totalmente descontextualizado.


Unidade 1 – Da história da escrita à alfabetização

Tal método consiste na correspondência entre o som e a grafia, entre o oral e o escrito, por meio do aprendizado letra por letra, posteriormente, sílaba por sílaba e, depois, palavra por palavra. O método sintético pode ser dividido em três tipos: alfabético, fônico e silábico. No alfabético, as crianças decoram as letras do alfabeto, depois as sílabas e, em seguida, as palavras. Nesse processo, as crianças soletram as sílabas até decodificarem as palavras. Permite-se a utilização de cartilhas. A mais conhecida, e talvez utilizada por muitos, é a Caminho Suave. As críticas baseiam-se na repetição de exercícios e a falta de respeito aos conhecimentos prévios que as crianças trazem ao ingressar na escola. O fônico nasceu de uma crítica ao método alfabético. No método fônico, primeiro são ensinadas as formas e os sons das vogais. Depois, são ensinadas as consoantes, tornando-se, aos poucos, mais complexas. As letras são aprendidas como fonemas. Primeiro são trabalhadas as sílabas mais simples e, depois, as mais complexas. Para amenizar a falta de sentido e tentar dar algum significado aos alunos, foram criadas algumas variações, com diversas formas de apresentação dos sons, como, por exemplo: uma palavra significativa, uma palavra ligada à alguma imagem, um personagem associado a determinado fonema ou, ainda, uma história ou onomatopeia. Já o método silábico se caracteriza pela apresentação visual de sílabas prontas, sem forçar a articulação das consoantes com as vogais e sem destacar as partes que compõem a sílaba. A apresentação é feita da mais fácil para as mais complexas. Primeiro, apresentam-se desenhos e palavras-chave relacionadas às sílabas iniciais. As famílias silábicas são compostas por consoante e vogal e, logo após, reorganizadas, formando novas palavras. Aos poucos são introduzidos pequenos textos, porém, não há uma preocupação com seu sentido, já que o foco concentrase nas sílabas. O método analítico, também conhecido por “método olhar e dizer”, defende que a leitura é um ato global e audiovisual. Com base nesse pressuposto, o trabalho era realizado a partir de unidades completas para depois dividi-las em partes menores, ou seja, partia de frases para palavras e depois para as sílabas. Esse método tem por objetivo levar as crianças a compreender o sentido do texto. Incentiva os alunos a prestarem mais atenção às questões de pontuação, estimulação da leitura e livre organização e exposição de ideias na produção de textos. O método analítico é divido em: palavração, sentenciação e processo de contos.

Palavração: como o próprio nome diz, parte-se da palavra. Primeiro, existe o contato com os vocábulos em uma sequência que engloba todos os sons da língua. Depois da aquisição de certo número de palavras, inicia-se a formação das frases, ou seja, a palavra é apresentada ao aluno, algumas

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Alfabetização e letramento I

vezes acompanhada por imagens, porém, a atenção concentra-se nos detalhes da palavra como sílabas, letras e sons. A palavra passa pelos processos de composição e decomposição. Isso possibilita ao aluno autonomia para defrontar-se com palavras novas.

Sentenciação: a unidade inicial do aprendizado é a frase, que, depois, é dividida em palavras, das quais são extraídos os elementos mais simples, as sílabas. Ou seja, depois que a unidade for reconhecida e compreendida, ocorrerá a decomposição em palavras e, por último, sílabas. Para ler e escrever novas palavras, é necessário comparar e isolar os elementos conhecidos dela. É importante que frases curtas, com sentido completo, sejam utilizadas, e que apresentem uma sequência de dificuldades de forma crescente.

Como ampliação do método de sentenciação, o método de contos, ou global, é composto de várias unidades de leitura que têm começo, meio e fim, sendo ligadas por frases com sentido para formar um enredo de interesse da criança. Ou seja, baseia-se em pequenas histórias, letras de músicas e outros, para chegar até as palavras, sílabas e, com essas sílabas, formar palavras. O objetivo principal é levar a criança a entender que a leitura é a descoberta do que está escrito. Depois de alguns anos e avaliação dos métodos apresentados, muitas escolas decidiram mesclar os dois métodos, dando origem ao analítico-sintético. Assim, o professor poderia partir da palavra para a frase, com a intenção de formar um texto e, posteriormente, retirar uma palavra e decompô-la em sílabas; da própria frase, retirar uma palavra para formar a sílaba, ou, ainda, do texto, retirar uma palavra-chave e destacar uma sílaba. Em relação ao ensino de leitura e escrita, as práticas de alfabetização eram baseadas em diferentes métodos de ensino, como os citados anteriormente, e desenvolveram-se a partir do século XVII no contexto de mudanças históricas no qual a maioria da população era analfabeta. A prática de leitura era enfatizada no processo de decodificação, haja vista a necessidade de expansão da escolarização da população. Até meados da década de 1980, a discussão sobre os métodos de alfabetização estava diretamente ligada às formas mais eficazes de se ensinar a ler e escrever. Os métodos utilizados até então (sintéticos, analíticos e sintéticos-analíticos), apesar de diferenciarem-se no ponto de partida, baseavam-se na codificação e decodificação dos processos de leitura e escrita, além de necessitarem da prontidão para que tal aprendizagem acontecesse. Partiam do pressuposto que os alunos não tinham conhecimento nenhum sobre leitura e escrita e que cabia ao professor a transmissão desse conhecimento. Nessa época, esses métodos passaram a ser questionados, em decorrência da urgência de mudanças na educação, para enfrentar o fracasso da escola na


Unidade 1 – Da história da escrita à alfabetização

alfabetização de crianças, com o objetivo de limpar a imagem, prevalente, até então, de instituição excludente. A concepção construtivista nasceu justamente nessa época, e é importante ressaltar que o construtivismo não é um método e sim uma teoria, uma proposta, que, de modo algum, é incompatível com outros métodos de ensino. Essa concepção estava baseada nos estudos da psicogênese da língua escrita apresentados por Emília Ferreiro (1985). Mudou-se o eixo das discussões. A abordagem focada simplesmente nos métodos foi deixada para trás e passou-se a se preocupar com o processo de aprendizagem e com os campos conceituais, possibilitando reflexões acerca dos métodos tradicionais de alfabetização e questionamentos sobre o uso de cartilhas. A partir daí, surgiu uma campanha massiva a fim de convencer a todos que o construtivismo resolveria todos os problemas relacionados à evasão e abandono escolar. No entanto, ocorreram alguns desencontros entre teoria e prática. A falta de preparo de muitos professores para lidar com a nova situação foi um fator negativo, pois acreditavam que os erros dos alunos não poderiam mais ser corrigidos. A teoria construtivista defende que o importante nas séries iniciais é o aluno exercitar a escrita a seu modo e que, somente numa etapa avançada, os conhecimentos de ortografia ou gramática deveriam ser introduzidos. O construtivismo baseia-se na ideia de que o saber não é algo pronto e acabado, e sim processo de construção e criação. O aprendizado é o resultado da interação do sujeito com o objeto de conhecimento através da ação. Iniciaram-se, então, as discussões entre as duas vertentes: os que defendiam o ensino tradicional e os que defendiam a teoria construtivista. Acreditava-se também que o aluno era capaz de se alfabetizar sem o uso de cartilhas ou atividades de repetição. O construtivismo parte da ideia que a criança já traz consigo certos conhecimentos, e que, a partir deles, outros poderiam ser construídos. Professores e alunos constroem juntos os conhecimentos por meio de interações sociais. Essa linha foi institucionalizada no Brasil mediante os Parâmetros Curriculares Nacionais. Os PCNs propõem um currículo com base no domínio das competências básicas e que esteja em consonância com os diversos contextos de vida dos alunos. A teoria construtivista defende que a criança, antes de entrar na escola, traz alguns conhecimentos, como a linguagem verbal, e que a partir desses conhecimentos preexistentes é que ela tem a possibilidade de criar algo novo. A construção do conhecimento poderá acontecer de forma individual ou coletiva. A língua falada, a escrita e a leitura estão unidas e acontecem em um único processo.

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ALFABETIZAÇÃO E LETREIRAMENTO I

Destinado a professores de educação infantil, este livro apresenta em quatro capítulos quais são as formas de alfabetização de crianças de 0 a 6 anos. Nessa obra, iremos aprender sobre textos, linguagem, composição oral e composição escrita, que fazem parte do processo de alfabetização. São ainda abordadas diferentes situações e ambientes em que o letramento pode ocorrer – recreações, educação artística, educação física – e como a história da escrita, o analfabetismo e a alfabetização estão interligados no curso da história da educação.

ISBN 978-85-221-2356-8


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