Fernando González Rey é doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia Geral e Pedagógica de Moscou e doutor em Ciências (pósdoutorado) pelo Instituto de Psicologia da Academia de Ciências da União Soviética. É autor de Pesquisa Qualitativa em Psicologia – Caminhos e Desafios, La psicología: princípios y categorías, Personalidad, salud y modo de vida, Problemas epistemológicos de la psicología, Comunicación, personalidad y desarrollo e Epistemologia cualitativa y subjetividad. É co-autor de mais quatro obras e colaborou em diversos livros. Tem mais de 70 artigos publicados em revistas internacionais especializadas nas línguas espanhola, inglesa, portuguesa e russa.
Outras Obras ø Introdução à Psicologia – Temas e Variações Wayne Weiten
ø Pesquisa Qualitativa em Psicologia – Caminhos e Desafios Fernando González Rey
F
ernando González Rey apresenta aqui uma discussão atual sobre os processos e as formas de organização da psique humana. Assume o conceito de subjetividade sob uma perspectiva dialética complexa dentro de uma representação histórico-cultural, que se estende a diferentes perspectivas da psicologia contemporânea. Analisa o curso histórico da construção do conhecimento psicológico e oferece uma proposta para superar a fragmentação e as dicotomias que têm dominado o campo. Transita pelas teorias mais significativas do pensamento psicológico moderno, incluindo as tendências atuais, como o behaviorismo social, o enfoque sociocultural e a teoria das representações sociais. A perspectiva da psicologia que se apresenta em Sujeito e Subjetividade abre diferentes projeções interdisciplinares na construção do problema da subjetividade. Atravessa praticamente todas as esferas da atividade humana, sendo de interesse para todo profissional que trabalhe no campo das ciências humanas e leitura recomendada a estudantes, professores e profissionais de psicologia.
ISBN 13 978-85-221-0323-2 ISBN 10 85-221-0323-2
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9 788522 103232
capa_sujeito final sexta-feira, 3 de maio de 2013 09:00:12
ø Psicologia – Das Raízes aos Movimentos Contemporâneos Berenice Carpigiani
ø A Psicoterapia Diante da Drogadicção – A Vida nos Drogados Valdemar Augusto Angerami Camon
ø Psicoterapia FenomenológicoExistencial Valdemar Augusto Angerami Camon (organizador)
ø Teorias da Personalidade Duane P. Schultz e Sydney Ellen Schultz
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
González Rey, Fernando Luis Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural / Fernando Luis González Rey; tradução Raquel Souza Lobo Guzzo; revisão técnica do autor. -– São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.
Título original: Sujeto y subjetividad. ISBN 978-85-221-1589-1.
1. Psicologia - História 2. Psicologia social 3. Subjetividade 4. Sujeito (Filosofia) I. Título.
02-5547
CDD-153
Índices para catálogo sistemático: 1. Subjetividade e sujeito: Processos mentais: Psicologia 153 2. Sujeito e Subjetividade: Processos mentais: Psicologia 153
Sujeito e Subjetividade: uma aproximação histórico-cultural Fernando Luis González Rey
Tradução: Raquel Souza Lobo Guzzo Revisão Técnica: Fernando Luis González Rey
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Sujeito e Subjetividade: uma aproximação históricocultural Fernando Luis González Rey
Gerente Editorial: Adilson Pereira Editora de Desenvolvimento: Eugênia Pessotti Produção Gráfica: Patrícia La Rosa Título do Original: Sujeto y subjetividad Tradução: Raquel Souza Lobo Guzzo Revisão Técnica: Fernando Luis González Rey Copidesque: Patrícia Cecília Incola de Gumucio Vadillo Revisão: André Maurício de Andrade Ribeiro e Ornilo Alves da Costa Júnior Composição: DesignMakers Ltda. Capa: Lummi Produção Visual e Assessoria Ltda.
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Sumário
Prefácio ......................................................................... IX Capítulo 1 - Primeiro período do Desenvolvimento da , , , , , , , , , , , , , , ,Psicologia: suas conseqüências para a , , , , , , , , , , , , , , , , , ,construção do pensamento psicológico.... 1 1.1 - O surgimento da psicologia como ciência: , , , ,a instauração do empirismo................................................. 1 1.2 - A psicanálise européia e suas diferentes escolas , , , ,de pensamento...................................................................... 19 1.3 - A psicanálise e a inauguração de um novo campo da , , , ,construção do pensamento psicológico................................ 20 1.4 - O impacto de Lacan no desenvolvimento do tema da , , , , subjetividade na psicanálise e no desenvolvimento da , , , , psicologia............................................................................. 35 1.5 - Teoria social e a psicanálise em transição........................... 48 1.6 - A psicologia humanista: seu aporte no caminho do , , , ,desenvolvimento da teoria da subjetividade........................ 58
Sujeito e Subjetividade
Capítulo 2 - A emergência da subjetividade , , , , , , , , , , , ,na psicologia............................................... 69 ,2.1 - O conceito de subjetividade na construção , , , , , ,do pensamento psicológico.................................................... 69 2.2 - A psicologia soviética e as bases para o desenvolvimento , , , ,de uma teoria da subjetividade numa perspectiva , , , ,histórico-cultural.................................................................... 76 A subjetividade em autores de cosmovisão marxista geradores de núcleos teóricos específicos: Castoriadis e Guattari.................. 96 Aportes concretos de Castoriadis no desenvolvimento do tema da subjetividade.............................................................................. 98 A obra de F. Guattari e sua contribuição na delimitação do campo da subjetividade.................................................................. 111
Capítulo 3 - A subjetividade e as teorias de inspiração , , , , , , , , , , , , ,social na psicologia..................................... 121 3.1 - Breve introdução sobre a dicotomia do social e do , , , ,individual na história do pensamento psicológico................. 121 3.2 - A teoria das representações sociais: uma análise a partir , , , ,da subjetividade social............................................................ 123 3.3 - As representações sociais e o construcionismo social: , , , ,para uma conciliação ou para o desenvolvimento de , , , , ,campos diferentes................................................................... 140 3.4 - O construcionismo social: significado e crítica...................... 148 3.5 - Objeto e realidade: a confusão do construcionismo social.... 152 3.6 - As conseqüências da morte do sujeito que levanta o , , , ,pensamento construcionista.................................................. 161 3.7 - A crise das teorias e a ênfase metodológica no , , , ,construcionismo social........................................................... 169
Sumário
3.8 - O enfoque sócio-cultural: sua significação na , , , ,psicologia atual................................................................... 175 Definição geral da tendência sócio-cultural na psicologia......... 175
3.9 - Fundamentos teóricos do enfoque sócio-cultural: , , , ,categorias principais........................................................... 179 3.10 - A crítica ao enfoque sócio-cultural a partir de um , , , , ,marco histórico-cultural................................................... 187
Capítulo 4 - A subjetividade e seu significado , , , , , , , , , , , ,atual na construção do pensamento , , , , , , , , , , , ,psicológico............................................... 199 4.1 - O conceito de subjetividade social e seu significado , , , ,para as diferentes esferas de psicologia.............................. 199 A subjetividade social como via para o estudo da sociedade............................................................................. 211 A questão do sujeito em uma perspectiva histórico-cultural... 221
4.2 - A compreensão do sujeito dentro de uma teoria , , , ,histórico-cultural da subjetividade..................................... 234 4.3 - A subjetividade individual: seu sentido e seus limites , , , ,na construção do pensamento psicológico......................... 241 A esfera afetiva na subjetividade individual............................... 241 A personalidade como configuração da subjetividade individual.................................................................................... 254 O desenvolvimento da subjetividade em uma perspectiva histórico-cultural como transformação epistemológica............ 265
Bibliografia................................................................... 275 O autor.......................................................................... 289
Prefácio
A presente obra defende um conceito de subjetividade que teórica, epistemológica e metodologicamente não tem relação com a forma pela qual esse conceito surgiu em algumas das correntes filosóficas da modernidade. A subjetividade neste livro é um complexo e plurideterminado sistema, afetado pelo próprio curso da sociedade e das pessoas que a constituem dentro do contínuo movimento das complexas redes de relações que caracterizam o desenvolvimento social. Esta visão da subjetividade está apoiada com particular força no conceito de sentido subjetivo, que representa a forma essencial dos processos de subjetivação. O sentido exprime as diferentes formas da realidade em complexas unidades simbólico-emocionais, nas quais a história do sujeito e dos contextos sociais produtores de sentido é um momento essencial de sua constituição, o que separa esta categoria de toda forma de apreensão racional de uma realidade externa. As criações humanas são produções de sentido, que expressam de forma singular os complexos processos da realidade nos quais o homem está envolvido, mas sem constituir um reflexo destes. Em outras palavras, esses processos são uma criação humana, os quais, integrando os diferentes aspectos do mundo em que o sujeito vive, aparecem em cada sujeito ou espaço social concreto de forma única, organizados em seu caráter subjetivo pela história de seus protagonistas. Essa dimensão dos fenômenos humanos, que nos tempos atuais assumem importância cada vez maior,
Sujeito e Subjetividade
tem sido rechaçada por tendências que, preconceituosamente, a associam mecanicamente à visão racionalista e individualista que dominou a filosofia moderna do sujeito. Pretendo resgatar a forma na qual a construção da subjetividade tem avançado no movimento histórico da psicologia, por meio de linguagens diferentes que exprimiram épocas também diferentes, mas que têm desenvolvido questões que encontram novas formas de expressão e se articulam com novas construções, gerando cada vez maior inteligibilidade sobre a subjetividade humana e sua representação nas diferentes atividades e contextos da experiência humana. É difícil negar o tema da subjetividade em um momento histórico em que um maior conhecimento da natureza e do mundo evidencia, de forma cada vez mais clara nos diferentes campos de atividade humana (saúde, economia, educação, política), o enorme poder dos processos subjetivos. Em um mundo no qual um rumor ou uma especulação subjetiva causa impacto demolidor em uma economia que, em sua versão globalizada, é cada vez mais sensível a movimentos subjetivos , é difícil ignorar este momento dos processos humanos. Se a modernidade foi mais sensível ao controle e à objetividade, já que a própria vida moderna desenvolveu a possibilidade desse sentido subjetivo, no que teve de ilusão e distorção na apreciação humana do mundo, o advento pós-moderno (termo ainda em discussão) acrescentou com força o protagonismo subjetivo e desvaneceu toda ilusão de objetividade universal. Este livro tem o objetivo de apresentar uma visão diferente da psicologia, capaz de romper com toda a reificação essencialista do fenômeno psicológico e que enfatiza a complexidade da organização simultânea e contraditória dos espaços sociais e individuais na compreensão da configuração da subjetividade. A crítica de uma psicologia individualista, incapaz de perceber a configuração histórica e social do sujeito e seus cenários sociais, tem conduzido ao domínio de psicologias narrativas que têm reificado as práticas discursivas e a linguagem, omitindo processos e formas de organização, tanto do sujeito como da sociedade que não têm carater narrativo. Esta tendência tem conduzido a uma perspectiva da qual o sujeito, suas emoções e as diferentes formas de organização social se apresentam somente como fluxos discursivos, eliminando todo processo ou forma de organização definidos por uma natureza diferente da discursiva. X
Prefácio
O conceito de subjetividade, sob a perspectiva da qual a assumimos, abre uma "zona de sentido" na construção do pensamento psicológico, orientada para significar a organização complexa do sistema de sentidos e significações que caracteriza a psique humana individual e os cenários sociais nos quais o sujeito atua. A subjetividade representa uma construção teórica de valor ontológico, ao passo que é um conceito orientado para gerar visibilidade sobre as formas da realidade que o conceito delimita. Represento a crítica à ontologia como a crítica ao essencialismo determinista e realista que caracterizou muitas correntes do pensamento moderno, porém não como a negação da existência dos processos e formas de organização da psique e da sociedade. Apesar de sua complexidade, esses processos e essas formas de organização podem ser acompanhados na construção teórica, como aconteceu com as diferentes formas de organização dos fenômenos estudados pela mecânica quântica em seu momento histórico, os quais romperam com a representação coisificada do fenômeno físico, para dar lugar a outra representação sobre a organização do mundo e do próprio conhecimento. Ontologia não é sinônimo de "coisa", mas de realidade constituída em formas particulares, como acontece com os sistemas complexos que têm aberto as representações humanas a formas novas de realidade que seriam inimagináveis há algumas décadas. Em termos de conhecimento, é impossível isolar o fenômeno estudado dos processos implicados na produção do conhecimento, o que, de forma alguma, significa que a delimitação do espaço da realidade construído pela teoria não participe do próprio processo de conhecimento. A definição do tema da subjetividade tem a pretensão de gerar visibilidade sobre processos da psique humana e da sociedade que têm sido subestimados até o presente momento, tanto na construção teórica quanto no desenvolvimento de práticas e políticas sociais. A subjetividade representa um momento no caminho do conhecimento de "fontes ontológicas ocultas", como indica D. Eribón ao caracterizar o esforço de Foucault de descobrir as formas de pensamento cristalizadas que estão por trás do funcionamento das instituições humanas. A consideração do aspecto subjetivo das diferentes formas de organização da sociedade e das diferentes práticas e experiências humanas dá oportunidade a um nível de integração interdisciplinar nas ciências sociais, no qual a psicologia entraria com uma nova zona de sentido no estudo dos XI
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fenômenos antropossociais, garantindo assim um aspecto particular de produção de conhecimentos que enriqueceria as diferentes representações e práticas que hoje circulam no conhecimento social. No desenvolvimento das posições apresentadas neste livro, resumo anos de investigação e produção teórica, já que nos meus anos como pesquisador sempre me direcionei ao compromisso teórico e epistemológico das investigações psicológicas concretas. Creio que um dos déficits que a psicologia latino-americana tem sofrido é a pouca atenção a núcleos de produção teórica própria. Ainda percebemos em nossos países forte tendência à reificação das teorias tradicionais, assim como à fixação das novas modas que entram no mercado das idéias; no entanto, nem sempre a assunção dessas posições, o que é totalmente legítimo no campo da ciência, vem junto de uma elaboração crítica dos núcleos que as assumem. A função crítica das teorias, a meu ver, passa pela incorporação permanente da crítica às próprias produções e não se limita à crítica dos outros. O pensamento revolucionário e crítico não pode colocar-se acima da crítica, pois isso implica na chance de sua reificação, e do conseqüente dogmatismo das posições assumidas, condição suficiente para que aquilo que foi revolucionário em um momento concreto se converta em conservador. Finalmente, caro leitor, apresento nesta obra núcleos teóricos próprios que estão em pleno processo de desenvolvimento e, portanto, continuarão se enriquecendo de forma permanente nas minhas pesquisas e na atividade docente. Espero que a leitura deste livro possa estimular um diálogo entre nós, e que tenha alguma repercussão em seu atual trabalho.
XII
Capítulo 1 Primeiro período do Desenvolvimento da Psicologia: suas conseqüências para a construção do pensamento psicológico 1.1 - O surgimento da psicologia como ciência: a instauração do empirismo Desde o aparecimento da psicologia como ciência, a questão da subjetividade representou um tema discutido pelos pioneiros desse movimento; só que o termo empregado era consciência, o qual se representava mais como entidade, constituída por funções concretas, do que como sistema complexo de natureza subjetiva. No laboratório de Leipzig, onde Wundt desenvolvia seu trabalho, mantinha-se uma preocupação, por ele próprio enfatizada, com a defesa da especificidade do objeto da psicologia como ciência, em relação ao qual Wundt mostrou um interesse muito maior que a maioria dos psicólogos que o sucederam. Wundt, apesar de sua orientação profissional no estudo das funções psíquicas, não planejou nunca o caráter hegemônico do experimento para todas as áreas da psicologia, e considerou a psicologia experimental como um campo concreto do conhecimento psicológico. Ele pensava que os processos complexos do pensamento humano não eram suscetíveis ao método experimental, assim como os aspectos sociais dos processos mentais, para os quais deveria existir um campo particular da psicologia, denominado Volkerpsychologie. Wundt propunha-se especificar o lugar do experimento dentro do desenvolvimento da ciência psicológica. 1
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Com relação à especificidade do objeto de trabalho da psicologia para Wundt, K. Danziger (1990) aponta: "O mundo da ciência física de acordo com Wundt tem sido criado ignorando 'o aspecto subjetivo da percepção'. Isto faz possível o universo da causalidade física, mas também implica que se os elementos descuidados fossem ser cientificamente investigados, emergiria uma ciência que 'supriria à física na investigação do conteúdo total da experiência'. Esta ciência era a psicologia" (pág. 39). Na posição de Wundt, podemos ver sua preocupação pela especificidade da ciência psicológica, a qual expressou em toda a sua extensão em seu conceito de causalidade psíquica, como um tipo de fenômeno diferente da causalidade física. Ainda que esta causalidade psíquica nunca tivesse sido muito claramente definida por ele, o fato de planejar a expressão como alternativa à representação mecanicista de causalidade foi de grande importância. Wundt, de acordo com R. Farr (1998), "estabeleceu três tarefas essenciais para a sua vida: a) uma psicologia experimental; b) uma metafísica científica; c) uma psicologia social" (pág. 55). O interessante é que Wundt não logra integrar esses diferentes projetos, pois de fato não pode integrar consciência com cultura, planejando o estudo das funções primárias da consciência por meio do experimento, e reservando seu Volkerpsychologie para o estudo dos produtos mentais criados por uma comunidade humana, como a religião, a linguagem, os mitos, dentre outros. Nesta divisão, Wundt manteve-se nos marcos das dicotomias cartesianas, ao não poder explicar a origem social da consciência, fenômeno que será posteriormente abordado pelo pragmatismo norte-americano. Wundt não pretendia uma independência da filosofia, se não pelo contrário, via no desenvolvimento da psicologia um caminho para o avanço da mesma (Danziger, 1990, Koch e Leary, 1992). A forte influência da tradição filosófica alemã distanciou Wundt de uma visão da psicologia próxima às ciências naturais. Wundt enxergava o avanço da psicologia no contexto do progresso de outras ciências sociais, e tinha interesse no estudo das formas de vida coletiva. Para Wundt, o desenvolvimento da psicologia em seus aspectos mais sociais deveria apoiar-se na história. O lugar do histórico no pensamento de Wundt está fortemente determinado pelo legado de Vico e em particular de Herder, que foi influente no pensamento alemão do século XVIII. 2
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Esta consideração do rol da história na formação do psíquico influenciou por diferentes meios, e em diferentes momentos, o desenvolvimento da psicologia como ciência sob diferentes perspectivas, que vão desde Jung até a psicologia histórico-cultural. Contudo, Wundt não traçou de forma específica os meios pelos quais o histórico se converte em psicológico e limitou-se a afirmar a importância do histórico para o desenvolvimento da psicologia como ciência. A mente é para Wundt um fenômeno histórico e evidencia isso quando afirma (1916): "É verdade que muitas vezes tenta-se explicar as formas complexas do pensamento sobre a base da mera introspecção. Essas tentativas, contudo, em geral não tiveram êxito. A consciência individual é totalmente incapaz de nos oferecer a história do pensamento humano, pois ela está condicionada por uma história anterior, a respeito da qual ela não pode, por si mesma, dar-nos nenhum conhecimento" (pág 3). A visão histórica de Wundt foi um poderoso antecedente para definir o caráter histórico dos processos psicológicos complexos do homem, os quais vemos em sua especificidade como uma produção subjetiva, uma das teses centrais no presente livro. Apesar da importância que Wundt outorgou à Volkerpsichologie, nunca treinou ninguém em sua prática, e este campo de profunda inspiração acadêmica foi eclipsado na tendência posterior da psicologia, quando sua forte orientação nas ciências naturais e a busca de métodos suscetíveis a um mercado profissional transcenderam o interesse pelos problemas teóricos. Como veremos adiante, esta tendência à profissionalização da psicologia foi, particularmente, influente na psicologia norteamericana no início do século XX. De fato, nenhum dos discípulos de Wundt seguiu seu legado de fundar uma Volkerpsichologie. Para Wundt, a atividade de investigação implicava em um salto de experimento ao nível teórico, o qual estava muito relacionado com a tensão entre o objeto e o método de investigação, que tinha sido claramente percebido por ele (Danziger, 1990). Para Wundt, o estudo da causalidade psicológica deveria ser realizado com sujeitos capazes de expressar uma informação introspectiva, pois a causalidade psicológica funcionava somente dentro de uma experiência humana consciente e completa. Ainda que Wundt fosse firme defensor do experimento na prá3
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tica investigativa, para ele o experimento não era estranho à capacidade integral de expressão dos sujeitos estudados, e no plano teórico ele sempre manteve uma orientação mentalista. Como expressa Danziger (1990): "Esta profunda dualidade na prática investigativa de Wundt foi individualmente um reflexo de seu fracasso em se separar de suas raízes filosóficas e fisiológicas divergentes" (p. 38). Apesar do papel de Wundt no surgimento da psicologia como ciência independente, o auge das ciências naturais impôs, particularmente nos Estados Unidos, um modelo de ciência que dominou a forma com que os discípulos norte-americanos de Wundt desenvolveram suas idéias ao retornar ao continente americano. Neste sentido, a orientação experimental no estruturalismo de Tichener manifestou uma franca tendência ao positivismo, destacando-se o caráter ascético das práticas experimentais, enquanto J. Cattell, outro dos discípulos norte-americanos de Wundt, destacava a "nova psicologia" como um rápido avanço para uma ciência quantitativa, e Stanley Hall projetava-se nos grandes estudos estatísticos, sob a influência de Francis Galton. O modelo de uma ciência psicológica baseada em evidências empíricas, e que havia sido útil em suas aplicações práticas, foi-se distanciando cada vez mais das inquietudes teóricas de seu fundador, e do cenário alemão em que surgiu, associando-se definitivamente ao contexto norteamericano, que, segundo alguns historiadores (Koch, 1992, Hardy Leahey, 1996), marca o surgimento da psicologia moderna. Segundo Leahey, "é apropriado começar a história da psicologia moderna em 1892 porque neste ano se fundou a American Psychological Association (APA); apesar de a Alemanha garantir os primeiros graus científicos em psicologia, foi nos Estados Unidos que a psicologia tornou-se profissão. Para bem ou para mal e algumas vezes por razões estranhas, a psicologia moderna é essencialmente a psicologia norte-americana" (1996, pág. 284). A americanização da psicologia enfraqueceu sua orientação acadêmica, e fortaleceu a orientação prática da psicologia como profissão. No entanto, isso não representou um movimento monolítico, como quase nada na história, senão um processo complexo que teve formas muito diversas de expressão, diferentes em aparência, porém muito relacionadas entre si. A psicologia mundial foi adotando uma tonalidade norte4
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americana fortemente influenciada pelo funcionalismo, que compreendia a consciência como um instrumento de adaptação, e pelo pragmatismo, orientado à busca da utilidade do conhecimento em relação a suas aplicações práticas. Apesar de tanto James quanto Dewey terem sido grandes teóricos, o lugar da teoria foi perdendo-se nas formas que seu legado encontrou na psicologia norte-americana. Tichner foi o baluarte mais forte da tradição de Wundt na psicologia norte-americana. Criticou todos aqueles conceitos de Wundt relacionados com a inferência e com o que não era diretamente observável, como o conceito de percepção, com o qual reforçou a orientação objetiva do método experimental. Os experimentos de Tichener orientaram-se muito mais na busca de elementos sensoriais que nos processos mentais como a atenção. Para ele, as sensações elementares em suas interconexões formam as percepções complexas, as idéias e as imagens. Apesar de Tichener ter mantido seu compromisso com a orientação mentalista iniciada em Leipzig e ter sido um crítico das posições do behaviorismo, o elementarismo objetivo de sua posição no estudo das sensações, e a marcada objetividade de suas posições experimentais, de fato representaram um momento a mais na evolução da psicologia norte-americana para o behaviorismo, pois Tichener tentou representar a mente como uma soma de unidades objetivas de procedência psíquica; entretanto, o behaviorismo viu essas unidades objetivas no comportamento. A herança de Tichener influenciou também o desenvolvimento da psicologia cognitiva norte-americana. Dentro do momento histórico em que desenvolveu sua obra, Tichener teve pouco impacto explícito dentro da nascente psicologia norte-americana. O funcionalismo influenciou muito as preocupações da psicologia com as questões da educação e da adaptação social do homem, para o que contribuiu com o desenvolvimento de práticas profissionais na vida social, criando as condições para um rápido desenvolvimento da psicologia como profissão, para o que não estava preparada a psicologia acadêmica. A visão funcionalista enfatizava o caráter social das funções psicológicas; contudo, esta ênfase foi cada vez mais orientada à possibilidade de modelar de forma ideal o indivíduo, a partir de influências sociais dirigidas por ideais sociais adequados. Dewey, fortemente influenciado pelos ideais da ilustração francesa, foi evoluindo para uma concepção da educação como 5
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processo de controle social, o que de fato conduzia à representação de uma consciência formada por influências externas, em razão das exigências de uma melhor adaptação social. O funcionalismo liderado por Dewey era uma das formas do pragmatismo norte-americano, que teve em James, Dewey, Peirce e Mead seus principais expoentes. Apesar de sua visão de consciência como processo mental, os autores pragmáticos ressaltaram em sua definição a função que ela desempenhava e não seus conteúdos. O pragmatismo advoga a aceitação de tudo que tenha conseqüências práticas com êxito, venha da lógica ou do empirismo, não obstante, de forma indireta, reforce o sentido do empírico, do que se comprova em seus fatos. Estas duas fortes influências do contexto norte-americano criaram as bases para a aparição do behaviorismo e, simultaneamente, para uma psicologia muito mais comprometida com as necessidades de mercado do que com as necessidades acadêmicas. Koch escreve sobre esse período (1992): "Os psicólogos americanos se orientaram muito mais para uma psicologia comparativa e para o associacionismo britânico que para qualquer dos pioneiros alemães; liam seus próprios filósofos, que formavam tradições próprias como o pragmatismo, e, pouco depois, o neo-realismo e o realismo crítico como guia conceitual" (pág. 23). O próprio Stanley Hall, discípulo de Wundt, escreveu em 1912: "Precisamos de uma psicologia usável, isto é, dietética, eficiente para pensar, viver e trabalhar, ainda que os pensamentos de Wundt sejam cultivados nos acadêmicos com muito mais êxito, eles nunca poderão ser aclimatados aqui, porque eles são antipáticos ao espírito e ao temperamento americano" (retirado de Blumenthal, 1986, pág. 214, Hardy). A psicologia norte-americana ia adaptando-se às condições de seu desenvolvimento, que, apesar de sua especificidade, gradualmente se constituíam na maior marca da psicologia mundial. Os trabalhos de Thorndike em 1898 representaram os primeiros experimentos sobre comportamento animal e um momento muito importante na definição ulterior da psicologia norte-americana, apresentando princípios fundamentais que estiveram na base do desenvolvimento do behaviorismo, tendência dominante da psicologia norte-americana desde 1930 até 6
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a década de 60. Como aponta Koch: "... a investigação adquiriu uma orientação biológica e 'objetiva' no método; o foco da teorização foi a "'associação de idéias britânica que se converteu ao princípio norte-americano de 'associação de estímulo e reação'" (pág. 23). A psicologia norte-americana vai forjando suas próprias bases teóricas, que a separam radicalmente da nascente psicologia alemã, a qual ficava relegada completamente em seu impacto sobre o curso da psicologia mundial da primeira metade do século XX. A combinação de influências teóricas no desenvolvimento da nascente psicologia norte-americana foi muito variável, destacando a tendência experimental objetiva, marcada pelo estruturalismo de Tichener, e a tendência à quantificação de Cattell, o funcionalismo de Dewey e o pragmatismo de James, o que se sintetiza de certa forma na emergência das investigações de Thorndike, que introduzem a orientação biológica nas investigações psicológicas. Outra das tendências que influenciou fortemente a psicologia norteamericana no começo do século XX foi o uso de instrumentos suscetíveis à medição de traços característicos de populações, o qual desloca o critério de legitimidade do conhecimento do cenário de laboratório para o cenário social. As necessidades de mercado levaram os psicólogos a uma forma de produção de conhecimentos diferente da institucionalizada como científica nos meios acadêmicos. A instrução de medições sobre sujeitos coletivos teve em sua base diferentes necessidades, contextualizadas tanto dentro do cenário científico, como no contexto geral dentro do qual se ia desenvolvendo a psicologia norte-americana. Entre as influências do desenvolvimento científico, temos o fato de que nas práticas experimentais centradas no estudo de indivíduos não se chega facilmente a generalizações, o que dificultava o estabelecimento de leis que permitissem identificar regularidades no comportamento de determinadas populações. Os conceitos de lei e população iam ganhando espaço no mundo acadêmico sob a forte influência darwiniana, que foi muito significativa no desenvolvimento da psicologia como ciência. Neste caso, a visão de populações organizadas em leis que orientam de forma automática a evolução das espécies, entrou na psicologia por meio de leis que permitem explicar de forma geral o comportamento de grandes populações. Uma fonte de inspiração instrumental dessa nova tendência de produção de conhecimento psicológico foi representada pela antropometria 7
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de Galton, baseada na utilização de instrumentos que permitiam comparar as realizações de indivíduos e classificá-los em relação à média de comportamento do grupo. A extensão da influência de Galton na psicologia norte-americana foi imediata. Pelos procedimentos desenvolvidos por Galton fazia-se possível chegar a certos aspectos da conduta e realização humanas que não eram asequíveis ao experimento. Essa tendência, gestada pelas próprias demandas de representações que iam encontrando um espaço no desenvolvimento do pensamento científico, acompanhou-se das vantagens que ofereciam os métodos de base estatística para o desenvolvimento da prática profissional. A significação destes aspectos determinava-se por procedimentos essencialmente estatísticos. Desta forma, a estatística entrava com força como um dos recursos definitivos da legitimidade científica. No modelo de Galton, diferente do reconhecido modelo experimental, o investigador tenta atribuir relações em situações sobre as quais não se tem controle, definindo estas relações pela estatística. A opção introduzida por Galton enfatizou ainda mais o caráter instrumental e ateórico da produção psicológica nos Estados Unidos, e esteve na base da orientação psicométrica empírica da psicologia americana, que foi outra das formas caracterizadas por sua orientação empírica em toda a primeira metade do século XX. Como aponta Dazinger (1990): "Gradualmente, todavia, emergiu um novo tipo de doutrina oficial. Esta estabeleceu a forma ideal da prática de investigação como aquela que combina os aspectos manipulativos dos procedimentos experimentais, com os objetos estatisticamente constituídos da investigação" (pág. 111). O modelo galtoniano foi responsável pela criação de rótulos dentro do exercício da psicologia, que não estavam associados a definições teóricas, nem a fontes resultantes da investigação, senão a formas de execução que, por sua capacidade diferenciadora de uns indivíduos em relação a outros, eram consideradas como responsáveis de uma qualidade geral que resultava definida totalmente pelo instrumento utilizado, e pelo critério estatístico que servia de base às conclusões. Esta foi uma tendência que marcou profundamente o uso da quantificação em psicologia, o que será visto mais adiante em detalhes. O uso da quantificação estatística foi um novo fator na institucionalização ateórica da psicologia norte-americana, para a qual o definitivo da 8
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psique era aquilo que poderia ser estatisticamente significativo em grandes grupos, sobre o qual poderiam extrair-se leis psicológicas. As unidades usadas para a construção do conhecimento psicológico tinham uma natureza absolutamente estatística, o que conduziu a uma compreensão do indivíduo como elemento padronizado em dimensões que somente variavam quantitativamente de um indivíduo a outro. Esse novo conceito, que se foi estendendo na psicologia norte-americana e ganhando cada vez mais adeptos, eliminou a condição singular dos sujeitos concretos, assim como especificidade qualitativa das entidades grupais, que passaram a ser agregados de indivíduos. Portanto, o problema não somente foi o individualismo metodológico da psicologia norte-americana, o qual é apontado freqüentemente como responsável pelo não surgimento de uma psicologia social autêntica, senão também pela ausência de uma definição qualitativa do singular, que desapareceu junto com a especificidade qualitativa do social. O individual, em sua real significação qualitativa, esteve tão ausente da elaboração psicológica como o social. Portanto, o problema era do domínio unilateral de uma dimensão quantitativa ateórica, sobre a consideração da especificidade qualitativa do fenômeno psicológico, a qual foi ignorada, tanto no nível individual como no social. Essa tendência teve forte oposição entre psicólogos renomados da época, que já advertiam sobre seus perigos para o desenvolvimento da nascente disciplina. Neste sentido, A. Binet, W. Stern e E. Boring enfatizaram a necessidade de não perder o indivíduo como unidade para a construção do pensamento psicológico e advertiram sobre os perigos da produção ateórica e em série, que começava a se observar dentro da psicologia. Porém, a importância prática do novo enfoque unida à própria situação que atravessava a psicologia como ciência, a qual não expressava núcleos sólidos e coerentes de produção teórica que lhe dessem respeito e a uma demanda no mercado social conduziram para que esta nova forma de produção de conhecimentos fosse se consolidando de forma gradativa no período compreendido entre a Primeira e a Segunda guerras mundiais, as quais representaram momentos de demanda importante para esse tipo de enfoque. 9
Sujeito e Subjetividade
Como aponta Danziger (1990): "Esses progressos (referindo-se às técnicas de base estatística) tiveram certas vantagens inegáveis para a vida interna da disciplina. Na primeira metade do século de sua existência, a psicologia moderna havia falhado na criação de um corpo teórico que fosse simultaneamente preciso, poderoso (no sentido de uma capacidade ampla de aplicabilidade) e geralmente aceitável à maioria dos trabalhadores deste campo (...) Este objetivo era difícil de justificar sobre uma base racional e teórica, dada a ausência de consenso neste nível. A única alternativa possível para esse acordo módico, que era necessário para salvar o status científico deste campo, foi encontrado no nível da metodologia" (pág. 152). A hipertrofia do aspecto metodológico foi-se institucionalizando em uma visão estreita, governada pelo absoluto predomínio do empírico e do instrumental, a qual foi se institucionalizando e rechaçando categoricamente o teórico em sua capacidade generativa e o qualitativo como acientífico. Portanto, a negação do qualitativo esteve desde seu começo ligada à negação do teórico, razão pela qual ambas as dimensões devem estar em estreita unidade no desenvolvimento de uma mudança de paradigma como o que temos proposto a partir do livro Epistemología cualitativa y subjetividad (1995). O desenvolvimento progressivo dos métodos extensivos, orientados ao estudo de sujeitos coletivos, apoiou-se em categorias existentes na vida social e administrativa, tratando de legitimá-las por um ponto de vista científico, a partir da significação estatística. Desta forma, o "metodologismo" implicado nesta versão da psicologia foi ganhando um forte espaço na definição dos diferentes campos da psicologia aplicada, aumentando cada vez mais o abismo entre a psicologia básica e a aplicada, o qual somou-se ao conjunto de elementos que reforçaram o desenvolvimento da fragmentação da psicologia. A extensão dos procedimentos estatísticos se adaptou de certa forma aos princípios funcionalistas e pragmáticos que influenciaram desde o princípio a psicologia norte-americana, embora tendo se separado da produção teórica de seus fundadores, pois até mesmo os trabalhos de Stanley Hall, que tinham uma forte marca estatística, foram posteriormente desconsiderados por serem portadores de muita elaboração irrelevante. 10
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A tendência definida pelo uso de instrumentos suscetíveis à produção de resultados estatisticamente comparáveis consolidou-se durante a década de 1930 nos âmbitos oficiais da psicologia norte-americana, e reforçou-se extraordinariamente durante a Segunda Guerra Mundial, período de auge no desenvolvimento dos testes psicológicos. A aparição do behaviorismo contribuiu ainda mais para o reforço da representação empírica da ciência psicológica e definiu o mesmo caráter empírico e instrumental da psicologia aplicada na investigação básica, com a única diferença metodológica de ênfases no experimento. O conceito de investigação básica teve uma definição metodológica, instrumental e ateórica, que é ainda uma forte tendência nas instituições acadêmicas. A tendência de enfatizar o empírico e desconsiderar a teoria teve muitas fontes diferentes na nascente psicologia norte-americana, que marcou com muita força o desenvolvimento da disciplina em nível mundial. Ao desenvolver a proposta de behaviorismo radical, Skinner acaba com o determinismo mecanicista de Watson, mesmo se mantendo em uma posição metodológica positiva, e introduz o conceito de condicionamento operante, e, por meio dele, apresenta explicações teóricas inacessíveis ao plano experimental constatativo de fato. A quantificação não foi só patrimônio da psicologia norte-americana nas versões que temos mencionado. Ela apareceu também com particular força dentro da psicologia experimental européia. As investigações sobre as sensações táteis referidas aos umbrais de discriminação de dois pontos, desenvolvidas sob a direção de G. Fechner na Alemanha, tiveram um caráter essencialmente quantitativo, em que se pretendia quantificar de forma direta as funções mentais. No curso destas investigações apareceu freqüentemente um fenômeno que chamou muito a atenção dos investigadores, e cuja análise é muito ilustrativa da representação metodológica dominante no grupo de Fechner: os juízos paradoxais. Os sujeitos estudados eram estimulados em um ponto da pele, ou em dois pontos, com certa distância entre eles, com o objetivo de discriminar a sensibilidade tátil. Neste tipo de investigação era esperado que, quando dois pontos diferentes, entre os quais mediava uma pequena distância, fossem estimulados, os sujeitos perceberiam como um só ponto. Porém, o que não era esperado, é que a estimulação em um só ponto fosse percebida em dobro, ou seja, como se fosse a expressão da estimulação de dois 11
Sujeito e Subjetividade
pontos, o que ocorria em um certo número de casos. Não obstante, a freqüência destes erros decrescia abruptamente na medida em que ditas experiências se repetiam. Essa psicologia experimental dedicada aos estudos das sensações praticamente não tinha construções teóricas de certa independência em relação ao momento empírico, dependendo para toda a afirmação dos resultados concretos e imediatos dos experimentos. Esta condição levou, diante do surgimento dos juízos paradoxais, à busca de modificações técnicas e hipóteses complementares, no lugar de questionamento de elementos de uma natureza diferente, que pudessem estar intervindo no resultado das medições numéricas (Danziger, 1990). É interessante que Alfred Binet, um dos pioneiros da investigação qualitativa orientado ao estudo do singular, e que, contudo, é principalmente conhecido pela parte quantitativa de seus extensos testes de inteligência, decidiu aplicar estas experiências em uma de suas filhas Madeleine. Binet desenvolveu toda uma parte qualitativa na investigação associada à construção dos testes de inteligência acima referidos, na qual trabalhou também com suas filhas. Neste caso, ao aplicar uma série de estimulações táteis em sua filha, esta lhe relatou, depois da última sessão, que conhecia naquele momento melhor como a sensação funcionava, explicando a seu pai que, quando a sensação era "grande", ela pensava que se estimulavam dois pontos, pois o impacto sobre a pele era demasiado abrangente para representar um só ponto (Danziger, 1990). Nesta expressão casual apareceram elementos que mediavam a resposta dos sujeitos e estavam definidos em um nível subjetivo mais além dos elementos puramente sensoriais associados ao exercício experimental. O tipo de quantificação desenvolvido nesta tendência experimental de estudo das sensações levava à atribuição de pontuações para os estímulos, assim como para as respostas. Contudo, ao atribuir pontuações às respostas, tinha-se de restringir as categorias das mesmas, e terminava-se associando-as de forma direta e biunívoca com o caráter dos estímulos, separando a função avaliadora do sujeito da mesma, com a qual depreciavam-se expressões essenciais para compreender a fundo a natureza do processo psicológico que estava tendo lugar. Este foi um dos grandes problemas que teve a quantificação dos processos psicológicos, pois como eles não se expressam de forma espontânea em uma dimensão quantitativa, o número acabava sendo imposto pelo investigador, e perdia-se uma 12
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parte qualitativa da informação que era essencial para a compreensão dos processos estudados. Esta tendência adquiriu um caráter particularmente dramático quando se tentou quantificar processos de natureza mais complexa, como a personalidade e a motivação. Posteriormente, dessas tentativas de definir numericamente processos psíquicos internos, os investigadores passaram a avaliar processos mais complexos por meio de formas de ação, que supostamente eram uma expressão da natureza daqueles. O campo das medições foi gradualmente passando à medição de ações que eram definidas como relevantes para julgar determinadas capacidades. A partir desse momento, o centro de atenção da medição psicológica passou das funções à realização de ações públicas comprometidas com determinada capacidade. Este princípio foi usado nos estudos de Ebbinghaus sobre memória, e nos estudos de Kulpe sobre o pensamento sem imagens na escola de Wuzburg, representando ambos uma tendência à positivisação da psicologia européia, que ia contra a posição defendida por Wundt de que as funções psíquicas superiores não podiam ser objeto de investigação experimental. Essa tendência de quantificar determinadas capacidades por meio de realizações indiretamente vinculadas a elas alcançou posteriormente uma elevada difusão por meio das provas de inteligência. Um ponto fraco dessa orientação foi o gradual compromisso com as formas empíricas das capacidades e a falta de elaboração teórica sobre elas, que conduziu à avaliação de capacidades por sua equivalência com um conjunto de ações, perdendo de vista a construção teórica do que era medido, assim como os aspectos culturais das realizações estudadas que implicavam resultados diferentes em segmentos diferentes da população. A psicologia seguia, por diferentes direções, em uma institucionalização acelerada do instrumentalismo. Como assinala Danziger (1990), "Esta forma de colocar a questão (refere-se ao predomínio das definições metodológicas sobre as teóricas) tinha a vantagem de converter uma questão fundamental sobre o projeto científico da psicologia em uma questão essencialmente técnica, que poderia ser resolvida pela adoção de várias convenções, que governaram o uso de certos dispositivos técnicos" (pág.149). 13
Sujeito e Subjetividade
Dentro desse contexto geral, que foi se tornando o desenvolvimento da psicologia, começaram a aparecer sistemas teóricos abrangentes que dominaram com grande força a produção do conhecimento e que seguem dominando até nossos dias. Esses sistemas de pretensões universais e hegemônicas produziram formas de institucionalização que dificultaram as opções criativas que não estavam de acordo com eles, o que implicou uma firme e dogmática proliferação de doutrinas praticamente incomunicáveis entre si, que dominaram o panorama da psicologia no século XX. Esta foi outra das tendências que marcaram fortemente a fragmentação do pensamento psicológico. O desenvolvimento desses sistemas teve, sem dúvida, bases muito variadas, o que conduziu à fragmentada, porém saudável, policromia da maioria dos dogmas institucionalizados. A psicologia, a partir dessa perspectiva, substancializou-se em "objetos" diferentes e incompatíveis, que deveriam ser aceitos por aqueles que assumiam um ou outro marco teórico. Essa tendência unida ao positivismo dominante na ciência ocidental durante o século XX conduziu ao estabelecimento de "verdades" aceitas, que serviram mais como ponto de partida de práticas diferentes, tais como momentos de constituição e desenvolvimento de uma macroteoria psicológica. Nos Estados Unidos apareceu em 1913, como resultado das diferentes influências que convergiam na psicologia norte-americana, o behaviorismo, que foi um dos grandes sistemas que marcou o desenvolvimento da psicologia no século XX. O behaviorismo considerou de forma explícita a criação de uma psicologia à imagem e semelhança das ciências naturais. Nesse sentido, J. Watson, seu fundador, expressou (1913): "A psicologia como uma representação condutista é puramente um ramo objetivo da ciência natural. Seu objetivo teórico é a predição e o controle da conduta. As formas de introspecção não constituem uma parte essencial de seus métodos (...) O condutista no seu esforço de obter uma resposta unitária do comportamento animal não reconhece uma linha divisória entre o homem e a besta. A conduta do homem, com todo o seu refinamento e complexidade, forma somente uma parte do esquema condutivo total da investigação" (pág. 158). Na definição citada, Watson acaba com as formas que até esse momento tinha assumido a psicologia como ciência, põe fim inclusive ao funciona14
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lismo, que tanta influência teve no desenvolvimento do próprio behaviorismo, pois o considera como uma psicologia de consciência. Por outro lado, Watson rechaçou também o estruturalismo de Tichener, pois ainda que este se considerasse como um seguidor metodológico das ciências naturais, continuava defendendo a consciência como seu objeto de estudo. De acordo com Koch (1964), o behaviorismo clássico apóia-se em cinco princípios fundamentais, que são: 1) o objetivismo, 2) a orientação estímulo-resposta, 3) caráter periférico, 4) ênfases na aprendizagem por associação, 5) ambientalismo. Na opinião de Kendler (1992), o que fica destes cinco princípios, depois de sete décadas de vida do behaviorismo, é somente o objetivismo. O behaviorismo executa o estudo objetivo da conduta, por meio das respostas que aparecem diante da manipulação de estímulos físicos, igualmente objetivos, o que implica a associação entre estímulo-resposta, princípio essencial na explicação da aprendizagem, parte essencial no desenvolvimento das diferentes funções psíquicas tanto no homem como nos animais, pois compartilham princípios idênticos de aprendizagem. O behaviorismo representou uma clara definição metodológica sobre o objeto de estudo da psicologia. Com sua aparição, se aprofundava o status metodológico-instrumental da psicologia como ciência. Contudo, como todos os sistemas que surgiram ao longo da história da psicologia, o behaviorismo esteve longe de ser uma teoria monolítica, convertendo-se, no caminho de seu desenvolvimento, em uma complexa família de teorias. Durante a Primeira Guerra Mundial, época em que os testes e o uso de medidas em psicologia alcançaram maior expansão, a questão que se estabeleceu não era se o behaviorismo era legítimo ou não, mas sim, a forma que deveria assumir. Assim, na década de 1920, apresentaram-se diferentes tendências na definição do behaviorismo (Hunter, 1923; Lashley, 1923). Depois da Segunda Guerra Mundial, Watson orientou o behaviorismo para uma nova direção, assumindo com mais força o conceito de reflexo condicionado de origem pavloviana. Contrário ao delineado pelos eugenistas, Watson negou o caráter hereditário que os eugenistas atribuíam a um grande número de funções humanas, e atribuiu aos reflexos condicionados a responsabilidade essencial para os comportamentos humanos. 15
Sujeito e Subjetividade
Como mencionado anteriormente, o behaviorismo foi-se diferenciando em diversas tendências, que foram enfatizando aspectos diferentes das variáveis inicialmente consideradas de estímulo, resposta e associação, que demonstraram ser insuficientes para a complexidade dos fenômenos que foram aparecendo no campo do comportamento humano. Neste sentido, o behaviorismo subjetivo estabelece a explicação objetiva da conduta por meio de modelos da mente. Ao introduzir o conceito de condicionamento operante, Skinner rompe com o determinismo mecanicista, presente tanto no behaviorismo metodológico, como no mentalismo existencialista, e abre uma representação da psique que enfatiza o processual, o histórico, no nível de contingências produzidas na história do comportamento, e o casual, o que representa a introdução de aspectos importantes na representação da psique. No entanto, Skinner rechaça por completo a definição de psique como qualitativamente diferente da dimensão comportamental, e mantém o comportamento sujeito a contingências provenientes do ambiente físico, pois em sua definição de ambiente os eventos estão representados em termos físicos. Neste sentido, ele é claro quando expressa (1999): "Nas formulações mentalistas, o ambiente físico é deslocado para a mente e se converte em experiência. O comportamento é transferido para a mente como propósito, intenção, idéias e atos de vontade" (pág. 91). É interessante que Skinner se refira à interiorização de um ambiente físico, quando na realidade o fenômeno subjetivo, como definido neste livro, não se interioriza e sim se configura em um ambiente cultural, não físico. Essa representação de interiorização baseada no trânsito do externo ao interno nos remete à interiorização de operações como objetos, que são definitivamente comportamentais, proposta por A. N. Leontiev. A teoria de Kantor oferece um modelo mais complexo de behaviorismo ao estabelecer um campo psicológico composto por segmentos de conduta que constituem sistemas de fatores integrados, os quais incluem uma função de estímulo e resposta. Com essa interpretação, um objeto pode ter diferentes funções de estímulo, assim como um sistema reativo particular. Essa colocação levou outros psicólogos a pensarem em campos complexos de contingências que facilitavam uma interpretação histórica do comportamento (E. Ribes). Todavia, qualquer variante dentro das tendências con16
Fernando González Rey é doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia Geral e Pedagógica de Moscou e doutor em Ciências (pósdoutorado) pelo Instituto de Psicologia da Academia de Ciências da União Soviética. É autor de Pesquisa Qualitativa em Psicologia – Caminhos e Desafios, La psicología: princípios y categorías, Personalidad, salud y modo de vida, Problemas epistemológicos de la psicología, Comunicación, personalidad y desarrollo e Epistemologia cualitativa y subjetividad. É co-autor de mais quatro obras e colaborou em diversos livros. Tem mais de 70 artigos publicados em revistas internacionais especializadas nas línguas espanhola, inglesa, portuguesa e russa.
Outras Obras ø Introdução à Psicologia – Temas e Variações Wayne Weiten
ø Pesquisa Qualitativa em Psicologia – Caminhos e Desafios Fernando González Rey
F
ernando González Rey apresenta aqui uma discussão atual sobre os processos e as formas de organização da psique humana. Assume o conceito de subjetividade sob uma perspectiva dialética complexa dentro de uma representação histórico-cultural, que se estende a diferentes perspectivas da psicologia contemporânea. Analisa o curso histórico da construção do conhecimento psicológico e oferece uma proposta para superar a fragmentação e as dicotomias que têm dominado o campo. Transita pelas teorias mais significativas do pensamento psicológico moderno, incluindo as tendências atuais, como o behaviorismo social, o enfoque sociocultural e a teoria das representações sociais. A perspectiva da psicologia que se apresenta em Sujeito e Subjetividade abre diferentes projeções interdisciplinares na construção do problema da subjetividade. Atravessa praticamente todas as esferas da atividade humana, sendo de interesse para todo profissional que trabalhe no campo das ciências humanas e leitura recomendada a estudantes, professores e profissionais de psicologia.
ISBN 13 978-85-221-1589-1 ISBN 10 85-221-1589-3
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capa_sujeito final sexta-feira, 3 de maio de 2013 09:00:12
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ø Psicologia – Das Raízes aos Movimentos Contemporâneos Berenice Carpigiani
ø A Psicoterapia Diante da Drogadicção – A Vida nos Drogados Valdemar Augusto Angerami Camon
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