Psicopatologia Aprendizagem

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PSICOPATOLOGIA DA APRENDIZAGEM


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A994p

Azevedo, Tássia Lopes de. Psicopatologia da aprendizagem [recurso eletrônico] / Tássia Lopes de Azevedo. – São Paulo, SP : Cengage, 2016. 10 Mb : il. ; PDF.

Inclui bibliografia. ISBN 13 978-85-221-2255-4 ISBN 10 85-221-2255-5

1. Aprendizagem - Psicopatologia. 2. Educação inclusiva. 3. Linguagem - Psicopatologia. 4. Distúrbios de aprendizagem. 5. Distúrbios de comportamento. 6. Desenvolvimento motor - Distúrbios. 7. Desenvolvimento cognitivo - Distúrbios I. Título. CDU 37.015.3 CDD 370.1523 Índice para catálogo sistemático: 1. Aprendizagem: Psicopatologia

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(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)


PSICOPATOLOGIA DA APRENDIZAGEM


Psicopatologia da aprendizagem

© 2016 Cengage Learning Edições Ltda.

Autora: Tássia Lopes de Azevedo

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios empregados, sem a permissão por escrito da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106, 107 da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Gerente editorial: Noelma Brocanelli Editoras de desenvolvimento: Gisela Carnicelli, Regina Plascak e Salete Guerra Coordenadora e editora de aquisições: Guacira Simonelli Produção editorial: Sheila Fabre Copidesque: Sirlene M. Sales Revisão: Vania Ricarte Lucas

Esta editora empenhou-se em contatar os responsáveis pelos direitos autorais de todas as imagens e de outros materiais utilizados neste livro. Se porventura for constatada a omissão involuntária na identificação de algum deles, dispomo-nos a efetuar, futuramente, os possíveis acertos. Esta editora não se responsabiliza pelo funcionamento dos links contidos neste livro que possam estar suspensos.

Diagramação: Alfredo Carracedo Castillo Capa: Estúdio Aventura Imagens usadas neste e-book por ordem de páginas: Yongcharoen_kittiyaporn/Shutterstock; Denis Kuvaev/Shutterstock; Gladskikh Tatiana/Shutterstock; Marzolino/ Shutterstock; Everett Historical/ Shutterstock; Denis Kuvaev/Shutterstock; Ruslan Guzov/Shutterstock; Olimpik/ Shutterstock; Suzanne Tucker/ Shutterstock; Aleutie/Shutterstock; Anita Ponne/Shutterstock; CLIPAREA l Custom media/Shutterstock; Sebastian Kaulitzki/ Shutterstock; Andrea Danti/Shutterstock; PathDoc/Shutterstock; Pitju/Shutterstock; 82049359/Shutterstock; Kletr/ Shutterstock; Tatyana Vyc/Shutterstock; PathDoc/Shutterstock; Kotin/ Shutterstock; Rawpixel/Shutterstock; Alex Brylov/Shutterstock; 3445128471/ Shutterstock; ChameleonsEye/ Shutterstock; williammpark/Shutterstock; yykkaa/Shutterstock; Robert J. Gatto/ Shutterstock; Asier Romero/Shutterstock; Ollyy/Shutterstock; Pressmaster/ Shutterstock

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Apresentação

Apresentação Um conteúdo objetivo, conciso, didático e que atenda às expectativas de quem leva a vida em constante movimento: este parece ser o sonho de todo leitor que enxerga o estudo como fonte inesgotável de conhecimento. Pensando na imensa necessidade de atender o desejo desse exigente leitor é que foi criado este produto voltado para os anseios de quem busca informação e conhecimento com o dinamismo dos dias atuais. Com esses ideais em mente, nasceram os livros eletrônicos da Cengage Learning, com conteúdos de qualidade, dentro de uma roupagem criativa e arrojada. Em cada título é possível encontrar a abordagem de temas de forma abrangente, associada a uma leitura agradável e organizada, visando facilitar o aprendizado e a memorização de cada disciplina. A linguagem dialógica aproxima o estudante dos temas explorados, promovendo a interação com o assunto tratado. Ao longo do conteúdo, o leitor terá acesso a recursos inovadores, como os tópicos “Atenção”, que o alertam sobre a importância do assunto abordado, e o “Para saber mais”, que apresenta dicas interessantíssimas de leitura complementar e curiosidades bem bacanas, para aprofundar a apreensão do assunto, além de recursos ilustrativos, que permitem a associação de cada ponto a ser estudado. Ao clicar nas palavras-chave em negrito, o leitor será levado ao Glossário, para ter acesso à definição da palavra. Para voltar ao texto, no ponto em que parou, o leitor deve clicar na própria palavra-chave do Glossário, em negrito. Esperamos que você encontre neste livro a materialização de um desejo: o alcance do conhecimento de maneira objetiva, concisa, didática e eficaz. Boa leitura!

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Prefácio

Prefácio O ser humano é complexo. É através do indivíduo que as emoções se traduzem, que as sensações assumem forma, que as palavras se personificam. É, portanto, no âmbito dessa complexidade, que cada ciência e cada instituição deve orientar a dinâmica de seu trabalho. Ajudar o indivíduo quando ele sente raiva ou quando está frustrado, apaixonado, deslumbrado, vazio ou incompleto não é tarefa fácil. O profissional que lida com o ser humano nessas condições assume papel de extrema importância, porque será ele a peça fundamental que vai ajudar o indivíduo a equilibrar as emoções e tudo o que tem relação com sua vida: família, amigos e escola. Mas qual é a incumbência da instituição educadora? O que cabe a ela administrar? Neste e-book, procuramos identificar esses pontos e, para isso, elaboramos um estudo abrangente. Na Unidade 1, o leitor terá acesso a um conteúdo que vai explorar os principais conceitos da psicopatologia e os déficits relacionados a cada problema passível de ser enfrentado pelo educador. Na Unidade 2, o foco é voltado para a estrutura motora: suas principais vertentes e dificuldades. Na Unidade 3, falamos sobre os aspectos relacionados à linguagem e toda a problemática que a envolve. E, finalmente, na Unidade 4, alguns comportamentos são analisados, como os violentos, os amenos, os homicidas e as consequências que causam cada um deles. O conteúdo oferecido neste e-book traz respostas a perguntas que permanecem durante muito tempo na mente do educador e ratifica questões que precisam ser cuidadosamente ponderadas por todos aqueles que estão envolvidos com a educação. Este é um conteúdo essencial a você, professor, e tem por objetivo auxiliar sua trajetória como educador. Boa leitura!

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Unidade 1 – A psicopatologia e a escola

UNIDADE 1

A PSICOPATOLOGIA E A ESCOLA

Capítulo 1 Apresentação, 11 Capítulo 2 O que é psicopatologia?, 11 Capítulo 3 O conceito de normalidade em psicopatologia, 12 Capítulo 4 Breve história da psicopatologia, 14 Capítulo 5 A educação inclusiva e a psicopatologia, 16 Capítulo 6 Identificando as principais psicopatologias da

aprendizagem, 20

Capítulo 7 Entendendo a psicopatologia, 23 Capítulo 8 Principais psicopatologias detectadas nos alunos em

contexto escolar, 25

Capítulo 9 Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, 26 Capítulo 10 Transtorno específico de aprendizagem, 27 Capítulo 11 Transtorno de oposição desafiante, 28

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Psicopatologia da aprendizagem

Capítulo 12 Transtorno do espectro autista, 29 Capítulo 13 Transtornos do desenvolvimento intelectual, 30

Conclusão, 31 Glossário, 32


Unidade 1 – A psicopatologia e a escola

1. Apresentação A disciplina de Psicopatologia da Aprendizagem trata de quatro assuntos relacionados ao tema em questão: (1) A psicopatologia e a Escola; (2) Psicopatologia das condutas motoras e das funções cognitivas; (3) Psicopatologia da linguagem; e (4) Psicopatologia das condutas agressivas e distúrbios de comportamento. Esta primeira unidade contempla discussões acerca da “Psicopatologia e a Escola”. Muitos já devem ter lido ou escutado que a escola deve garantir, de fato, os direitos dos alunos que apresentam alguma demanda relacionada à saúde mental, ou seja, uma psicopatologia. Devem, também, ter refletido sobre como a psicopatologia pode interferir no aproveitamento e desempenho do aluno. Por se tratar de um campo vasto, o estudo da psicopatologia e sua relação com a escola abrangem diversas reflexões, tais como: o que é psicopatologia; como identificá-la; como a sua história se construiu; e como é vista a educação inclusiva neste campo. Esta primeira unidade busca se aprofundar nessas reflexões, com o objetivo de compreender e construir um pensar crítico sobre o assunto.

2. O que é a psicopatologia? Psicopatologia é o estudo das causas e da natureza dos transtornos psíquicos, isto é, analisa os problemas relacionados ao funcionamento das funções mentais, bem como os componentes psicológicos das perturbações somáticas. Trata da natureza essencial da doença mental, suas causas, mudanças estruturais e formas de manifestação. Condutas psicopatológicas consistem em sintomas de configuração e duração variadas, que incidem em dois tipos de transtornos mentais: (1) orgânicos, que são aqueles que apresentam causas físicas evidentes; e (2) funcionais, que significam padrões comportamentais atípicos, sem claros indícios de alterações orgânicas cerebrais. A investigação da psicopatologia é a vida psíquica compreendida, que se manifesta por meio de condutas sensorialmente percebidas e nas exteriorizações das diferentes formas de linguagem. Para isso, é necessário interpretar qualquer forma de manifestação da pessoa, como expressões, gestos e comportamentos (PAIM, 2008). Para identificar a existência de casos de psicopatologia, deve-se investigar a história clínica de forma minuciosa e fazer um resumo detalhado dos fatores sociais, psicológicos e biológicos que podem contribuir para o surgimento de um transtorno mental particular. Portanto, a psicopatologia pode ser identificada por sinais comportamentais, vivências subjetivas e queixas relatadas pela pessoa e sua família.

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Psicopatologia da aprendizagem

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IQUE ATENTO! A psicopatologia é uma área de conhecimento interdisciplinar que visa se aprofundar nos estados psíquicos relacionados ao sofrimento mental.

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URIOSIDADE! A psicopatologia é uma área de conhecimento multidisciplinar, que envolve um conjunto de discursos com variados objetivos, métodos e questões.

Este campo tem como principal base a Psiquiatria. Porém, também envolve o conhecimento de outros áreas, como: Biologia, Neurociência, Psicologia, Antropologia, Sociologia, Filosofia, Linguística e História.

3. O conceito de normalidade em psicopatologia O conceito de saúde e de normalidade na psicopatologia são questões complexas, uma vez que cada ser humano está inserido em crenças e culturas distintas. É claro que, ao tratar de situações em que as alterações mentais e comportamentais são acentuadas e de longa duração, a diferenciação entre o normal e o patológico não é tão complexa (DALGALARRONDO, 2008). Porém, existem casos limítrofes que oscilam entre a constatação do “saudável” e do “patológico”, o que torna difícil a identificação e compreensão de ambos os estados. Tal condição viabiliza dilemas como: o que é considerado normal? o que é patológico? onde termina a saúde e inicia a doença? Uma forma de responder a tais questionamentos é através da identificação do conceito de normalidade na psicopatologia, por meio de definições acerca do que é saúde e o que é doença mental. Desta forma, no Quadro 1, serão apresentados alguns exemplos de definições sobre os critérios de normalidade. O que é considerado normal e o que é considerado patológico?


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Quadro 1 - Critérios de normalidade Saúde pela ausência da doença É a presença da saúde pela ausência da doença, ou seja, não há sinais e sintomas de alterações mentais exacerbadas. Saúde ideal Neste caso, a normalidade se estabelece por uma norma ideal que é socialmente construída e referendada. Saúde pelo critério estatístico A normalidade consiste em características (peso, comportamento, sono etc.) observadas com mais frequência. Embasada em determinadas distribuições estatísticas na população em que se vive. Saúde pelo bem-estar É a normalidade não apenas como ausência de doença, mas sim considerando o bem-estar físico, social e mental do indivíduo. Saúde funcional É baseada em aspectos funcionais, não necessariamente quantitativos. É considerado patológico quando o sofrimento pode interferir na harmonia biológica do indivíduo e/ ou atingir seu grupo social. Saúde pelo processo Considera os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial de acordo com as mudanças em cada período etário. Saúde subjetiva A normalidade se dá pela percepção subjetiva do próprio indivíduo sobre o seu estado de saúde e bem-estar. Saúde como liberdade A normalidade, neste caso, é vista pela possibilidade de liberdade existencial. Caso esta liberdade não esteja presente, considera-se a chegada da doença. Saúde operacional Neste critério procura-se trabalhar operacionalmente com as definições sobre o que é normal e patológico. *Nota-se: Todo o conteúdo desta tabela foi adaptado para este livro e obteve como base os significados dos critérios por Dalgalarrondo (2008).

Como mostra o quadro, há diversos critérios adotados para normalidade e anormalidade na psicopatologia. Porém, a escolha de um significado para tais critérios depende de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas do profissional. A normalidade, em suas diversas constituições, se transpõe de forma flexível, demonstrando que seu significado se transforma de acordo com as condições individuais. Portanto, pode-se afirmar que o limite entre o normal e o patológico é impreciso. Por exemplo: duas pessoas podem se submeter a situações de risco, semelhantes ou iguais, porém o que vai determinar o normal e o patológico é a reação que cada uma delas terá diante da sua realidade.

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Portanto, é para além do corpo que se deve olhar, pois o que adoecerá não são apenas partes ou totalidades anatômicas. O adoecimento vai além dos limites do corpo, envolvendo um mal-estar que pode, também, estar inserido nos diversos contextos sociais (CANGUILHEM, 2010). Os critérios de normalidade e patologia variam de acordo com a função dos fenômenos específicos com os quais se trabalha, e também de acordo com a opção teórica do profissional. Portanto, o campo da psicopatologia permite o uso e a associação de vários critérios de normalidade, desde que se mantenha uma postura crítica e reflexiva sobre como utilizá-los para compreender o ser humano.

4. Breve história da psicopatologia A história da doença mental enquanto fenômeno psicossocial caminha junto com a trajetória do homem. Em diferentes tempos, em vários séculos e décadas, encontram-se indícios de pessoas que sofreram alteração comportamental no que se refere ao descontrole emocional, a ponto de causar estranheza em seus semelhantes. A psicopatologia surgiu nos hospícios, com a institucionalização e segregação de pessoas ditas loucas, que apresentavam comportamentos atípicos, atitudes estranhas, personalidades desagradáveis ou incomuns e, até mesmo, “possessões demoníacas”. Na Idade Média, a loucura era considerada uma espécie de “possessão demonía­ ca” e, na Modernidade, época do Racionalismo, passa a ser vista como perda da consciência de si.

Ilustração de 1868 de um antigo prédio psiquiátrico em Paris.


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Institucionalização/segregação de pessoas com transtornos mentais.

Com os cuidados médicos e uma visão mais humanizada sobre a doença mental, a “loucura” passa a ser considerada psicopatologia, e não mais “possessão” ou perda da razão. Embora o surgimento da psicopatologia tenha se dado nos hospícios de alienados, aos poucos, este ramo da ciência foi ganhando autonomia, tornando-se um conhecimento independente da psiquiatria. Sendo assim, oferece indispensável colaboração aos profissionais de todos os grupos de ciências humanas e da saúde. Cada época histórica, no entanto, trata de maneira única os fenômenos caracterizados, avaliando aspectos culturais, sociais e políticos do período.

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URIOSIDADE! A psicopatologia é um fenômeno de caráter único do ser humano. Nos animais, pode haver alteração de comportamento, mas isso não é derivado de uma psicopatologia, pois o animal não põe em questão seu ser, ou seja, não há sentimentos como a culpa, o inconformismo, a raiva, o vazio, portanto, não há sofrimento psíquico.

A história da psicopatologia é determinada por fatores biológicos e sociais, tendo o seu desenvolvimento durante a primeira metade do século XIX. No início do século XIX, a psicopatologia se baseava em informações obtidas a partir da observação da manifestação do comportamento, atuando na interface entre a filosofia e a psiquiatria clínica.

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Partindo para o século XX, houve o encontro da psicopatologia com a fenomenologia, havendo uma aliança entre os campos. Com sua ênfase na subjetividade e descrições neutras, a fenomenologia tornou-se a parceira ideal para a psicopatologia. A contribuição deste campo levou a uma pluralidade de pontos de vista psicopatológicos, que tiveram fortes influências dos métodos de Karl Jasper (1883 – 1969) e Ludwig Binswanger (1881 – 1966). Assim, a influência da fenomenologia fez com que a psicopatologia evoluísse para além de meras descrições de sintomas.

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TENÇÃO! A psicopatologia é o campo que descreve, define e classifica sinais e sintomas de doenças mentais. Esse campo prosperou no século XIX e, no início do século XX, com fundamental contribuição de Karl Jaspers e sua abordagem fenomenológica.

5. A educação inclusiva e a psicopatologia Para falar de inclusão, é importante entender a trajetória desde o início deste movimento até os dias de hoje. O movimento mundial denominado de educação inclusiva teve grande visibilidade no final da década de 1970, ganhando forças a partir de 1980. Obteve amplo crescimento, no entanto, no início do ano de 1990, por meio do documento elaborado durante a conferência mundial de educação para todos, na cidade de Jomtien, na Tailândia (Unesco, 1990). Na luta para que os direitos da educação se estabelecessem a todos, concebeu-se na Conferência Mundial de Educação Especial de Salamanca, em 1994, a resolução da Organização das Nações Unidas – Declaração de Salamanca (Unesco, 1994). Com a Declaração de Salamanca de 1994, todo aluno passou a ter direito à educação, com a garantia ao oferecimento de um nível adequado de aprendizagem. Ao destacar a valorização da individualidade de cada educando, independente de apresentar necessidades especiais ou não, a Declaração de Salamanca obteve avanços significativos. A história sobre o movimento da educação inclusiva mostra que alguns países buscam atender alunos com alguma necessidade especial nos sistemas educativos em geral. Esta ideia vem evoluindo com a extensão da educação inclusiva como uma reforma que visa responder à diversidade entre todos os estudantes. Países desenvolvidos, como os Estados Unidos da América, Canadá, Espanha e Itália foram os pioneiros na implantação de escolas e classes inclusivas. Na década de 70, em países escandinavos, a Europa iniciou o processo de educação inclusiva, gerando classes e escolas para esse propósito.


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Movimentos mais radicais para inclusão ocorreram na Itália. Na Espanha, entretanto, o processo foi mais gradual. Nos Estados Unidos e Canadá, ocorreram alguns movimentos que deram início à educação inclusiva. Em relação a outros países como Alemanha, Holanda, Luxemburgo e França, as experiências para a prática inclusiva foram criadas de maneira isolada. Os movimentos a favor de práticas inclusivas na educação obtiveram força a partir do final dos anos 80, ganhando destaque na década de 90 e expandindo até os dias de hoje. O Brasil ganhou visibilidade no século XIX ao inspirar-se na experiência Europeia. Embora iniciativas isoladas e precursoras tenham ocorrido anteriormente à década de 90, apenas nesta época a educação inclusiva obteve marcos importantes que, de fato, colaboraram para sua evolução. No século XVIII e em meados do século XIX, os indivíduos que apresentavam qualquer necessidade especial, como deficiência ou doença de saúde mental, eram protegidos em instituições residenciais e segregados socialmente. Em razão da preocupação com o desenvolvimento educacional, surge, no final do século XIX e meados do século XX, a inserção de classes especiais dentro de escolas regulares, visando oferecer à pessoa deficiente uma educação segregada. Com o objetivo de garantir o acesso e permanência de pessoas com qualquer tipo de necessidade especial no ensino regular, o Ministério da Educação (MEC) passou a fomentar a política de construção de sistemas educacionais inclusivos. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por meio da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, garante a oferta de atendimento educacional especializado (AEE) na rede regular de ensino àqueles detentores de deficiência (BRASIL, 1990). No final do século XX, houve um movimento cujo objetivo era integrar indivíduos portadores de deficiência em ambientes escolares, com a preocupação de oferecer subsídios educacionais os mais próximos possíveis daqueles garantidos às pessoas “normais”. Porém, nesta fase, a educação se baseava no fato de que o aluno deveria ser alfabetizado até o limite de sua capacidade. Ainda que, na década de 90, as discussões fossem ampliadas, nota-se, pelas descrições históricas, que existiram poucos avanços no que se refere à efetivação da construção dos contextos educacionais inclusivos. Em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE), por meio da Lei no 10.172, de 9 de janeiro daquele ano, reafirmou a importância da garantia de vagas em estabelecimentos de ensino regular para alunos com diferentes tipos e níveis de

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necessidades especiais e assegurou a Educação Especial como modalidade de educação escolar (BRASIL, 2001). No ano de 2006, surgiu o Plano Nacional de Educação e Direitos Humanos e, posteriormente, em 2007, chega o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). No primeiro documento, existem temas relacionados às pessoas com deficiência e currículos escolares, tendo este sido elaborado pelo MEC, Ministério da Justiça, Unesco e Secretaria Especial dos Direitos Humanos. O PDE aborda questões pautadas na infraestrutura das escolas, no que diz respeito a salas com recursos multifuncionais, acessibilidade das edificações escolares e formação docente. O Decreto no 6.571, em 2008, dispõe que o AEE deve estar integrado ao projeto pedagógico do ensino regular e obriga a União a prestar apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino no oferecimento da modalidade (BRASIL, 2008). Como complemento, a Resolução no 4 CNE/CEB, de 2009, orientou o estabelecimento do AEE no sistema regular de ensino no contraturno e, preferencialmente, nas salas de recursos multifuncionais. A Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2012). O último Plano Nacional de Educação, vindo com a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, definiu as bases da política educacional brasileira para os próximos 10 anos. Com relação à educação inclusiva, ele busca universalizar (preferencialmente no sistema regular de ensino) o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado para crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. As limitações encontradas nestes documentos dizem respeito ao termo “preferencialmente”, que surge, na maior parte, sobre a educação inclusiva, e abre brechas para que pessoas com alguma necessidade especial permaneçam, muitas vezes, matriculadas apenas em escolas especiais.

Aluno com necessidade especial.

Vivenciamos um momento em que se fala, mundialmente, sobre inclusão escolar na rede regular de ensino. A legislação é explícita quanto à obri-


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gatoriedade em acolher e matricular todos os alunos. Porém, não é suficiente apenas esse acolhimento. O aluno com alguma necessidade especial, mais especificamente com algum tipo de psicopatologia, que é a população investigada nesta unidade, deve ter condições efetivas de aprendizagem e desenvolvimento de suas potencialidades. Os sistemas de ensino devem se organizar para que, além de garantir essas matrículas, assegurem, também, a permanência de todos os alunos, sem perder de vista a intencionalidade pedagógica e a qualidade do ensino. Os fundamentos teórico-metodológicos da Educação Inclusiva baseiam-se na concepção de educação de qualidade para todos e no respeito à diversidade dos educan­dos. Para isso, é imprescindível uma participação mais qualificada dos educadores para o avanço desta importante reforma educacional, que objetiva o atendimento das necessidades educativas de todos os alunos, com ou sem necessidades especiais. É um grande desafio fazer com que a Inclusão ocorra sem se perder de vista que, além das oportunidades, é preciso garantir o avanço na aprendizagem, bem como o desenvolvimento integral desta população.

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ARA SABER MAIS! Quer se aprofundar nos documentos e leis relacionados à Educação Especial? Consulte os links:

• Declaração de Salamanca: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2015. • MEC/SEESP: <http://peei.mec.gov.br/arquivos/politica_nacional_educacao_especial.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2015. • Lei 8.069: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 18 abr. 2015. • Lei 10.172: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 18 abr. 2015. • Decreto 6.571: <http://www.ebc.com.br/decreto-no-6571-de-17-de-setembro-de-2008dispoe-sobre-o-atendimento-educacional-especializado>. Acesso em: 18 abr. 2015. • Lei 12.764: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764. htm>. Acesso em: 18 abr. 2015. • Lei 13.005: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/125099097/lei-1300514>. Acesso em: 18 abr. 2015.

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6. Identificando as principais psicopatologias da aprendizagem Por uma série de circunstâncias relacionadas às questões biopsicossociais, milhares de crianças, adolescentes e jovens precisam de uma atenção educacional específica, adaptada à sua necessidade pessoal e social. Aqueles cujas respostas psicoeducacionais e sociais exigidas por sua situação não são respondidas devido à falta de profissionais qualificados, ou em razão de meios inadequados, entre outros fatores, acabam, com frequência, não evoluindo em questões socioeducativas. A escola é um ambiente que ultrapassa seu papel acadêmico, influenciando no pleno desenvolvimento e bem-estar do aluno. Os sintomas advindos da psicopatologia exercem considerável impacto ao indivíduo, não só pelo fato da presença característica do distúrbio, mas, também, pela virtude da discriminação, que muitas vezes os impedem de participar de atividades escolares. As psicopatologias podem interferir no ambiente escolar, dificultando o desempenho daqueles que a possuem. Essa dificuldade pode surgir devido aos critérios e diagnósticos não tratados, que em grande parte possibilitam déficits psíquicos em: (1) comunicação, e (2) aspectos motores, (3) sociais, (4) emocionais e (5) comportamentais. Problemáticas advindas da psicopatologia, muitas vezes, dificultam o acompanhamento do ritmo normal de ensino-aprendizagem por parte do aluno, o que tornam necessárias intervenções educacionais específicas. Mas, como podemos identificar que o aluno possui algum tipo de psicopatologia que interfere na aprendizagem sem que exista um laudo com o diagnóstico concreto?

Diversas psicopatologias envolvem a aprendizagem.

Cada pessoa possui um ritmo diferenciado de desenvolvimento e amadurecimento da aprendizagem, que devem ser respeitados. Porém, aqueles alunos que apresentam não só ritmos distintos de aprendizagem, mas, também, características sintomáticas, que podem afetar as questões acadêmicas (de ensino e aprendizado), e interferir no campo social, de interação e de necessidades mais elementares da vida cotidiana, devem ser observados e receber a atenção necessária. Além disso, é


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muito importante trocar informações com a família sobre aspectos fenomenológicos observados. Em relação às psicopatologias que envolvem a aprendizagem, há uma série de especificidades que necessitam ser levadas em consideração. Para melhor compreender, vamos listar, a seguir, algumas queixas e características advindas de possíveis psicopatologias, como: (1) agitação; (2) ansiedade; (3) teimosia; (4) mentiras; (5) agressividades; (6) expressão de sentimentos de maneira inadequada; (7) dificuldade de interação/relacionamento; (8) déficits acadêmicos; (9) medos; (10) angústia; (11) falta de apetite; (12) problemas com sono e vigília. Essas são apenas algumas características que podem ser observadas em uma suposta doença mental. O campo da psicopatologia inclui um vasto número de fenômenos humanos diferenciados, associados a um diagnóstico de doença mental. Ao identificar sintomas característicos da psicopatologia, dois aspectos básicos devem ser considerados (DALGALORONDO, 2008): • As características dos sintomas – São as estruturas básicas dos sinais e sintomas. Essas estruturas são semelhantes em problemáticas da mesma classe. • Conteúdo – É a consistência da alteração estrutural dos sinais e sintomas. Este aspecto, geralmente, é individual e depende da vivência de cada um. Portanto, a característica é a forma dos sintomas (alucinação, ideia obsessiva, labilidade afetiva etc.), e o conteúdo é o que pode ser utilizado para preencher a alteração estrutural (conteúdo de culpa, religioso, de perseguição etc.).

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TENÇÃO! Para memorizar, observe o exemplo: um escolar de família muito religiosa possui grande ansiedade e medos constantes e exacerbados de novas situações, chegando a desmaiar algumas vezes. Para lidar com seus temores, procura a religião, rezando sempre antes de alguns atos. Características dos sintomas – ansiedade, medo e desmaios. Conteúdo – Consistência do medo, da ansiedade, religião e crenças.

Ainda de acordo com Dalgalarrondo (2008), é importante observar além das características e conteúdo, o aspecto global do escolar, considerando sua postura, expressão corporal e atitudes psicológicas específicas e gerais. Para que não haja consequências devido a precipitações errôneas, é necessário observar o caso de forma detalhada e trocar informações com profissionais relacionados da área. As observações globais do indivíduo são necessárias e importantes, pois a pessoa adoece na sua totalidade. As funções psíquicas não funcionam de forma

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Psicopatologia da aprendizagem

isolada e as alterações psicopatológicas não são compartimentalizadas desta ou daquela função. Cada ser é único e, ao apresentar uma peculiaridade e subjetividade individual, desenvolve suas aptidões e/ou seus déficits e necessidades de maneira singular. A família também é um grande aliado neste desafio, trazendo informações adicionais sobre a interação e desenvolvimento do aluno no ambiente domiciliar, o que pode enriquecer as estratégias utilizadas para lidar com esta criança ou adolescente no ambiente escolar. A escola, ao possuir clara finalidade social, cultural e educativa em sua origem e posterior evolução, deve oferecer seu apoio para aqueles que têm necessidades derivadas da inabilidade da psicopatologia, a fim de motivar seus alunos a atingirem os objetivos que foram delimitados a eles, e interiorizarem normas sociais e valores culturais da sociedade onde vivem (GONZÁLES, 2007). Ao reconhecer as diferenças psicopatológicas que devem ser pedagogicamente atendidas, as escolas podem e devem colaborar de maneira eficaz para compensar qualquer forma de desigualdade, oferecendo respostas concretas para que esses sujeitos possam atingir os fins educacionais adequados à sua idade e capacidade. A fim de superar a condição da psicopatologia, a escola pode e deve oferecer a ajuda necessária de acordo com a condição de cada um, dentro do contexto educacional o mais normalizado possível. Com a finalidade de atingir a integração e inclusão de fato, o sistema educacional deverá proporcionar ao aluno o apoio necessário para sua escolarização, considerando, até mesmo, estratégias para o rompimento de suas necessidades. Para tal, é preciso romper paradigmas e estabelecer um ambiente educacional em que a segregação de alunos não seja considerada. A escola, para garantir o acesso aos direitos fundamentais do aluno, deve aceitar e valorizar as diferenças, incluir, acompanhar e oferecer tudo aquilo que o escolar necessita para seu desenvolvimento. É dever da escola oferecer ajuda necessária a todo aluno que precisa.

Vimos, até o momento, que o contexto da educação exerce papel


Unidade 1 – A psicopatologia e a escola

fundamental para a escolarização, interação e desenvolvimento do aluno com psicopatologia. Porém, as características desta população têm se mostrado um desafio para professores e outros profissionais que atuam na área. O sucesso no processo da educação escolar depende da integração entre os profissionais das áreas da educação e da saúde, além da interação com familiares dos escolares com psicopatologia. Para além, é importante que os profissionais que atuam na comunidade escolar tenham condições de conhecer as especificidades da psicopatologia e sejam capazes de identificar as necessidades que a mesma atribui. Para que a educação inclusiva aconteça de modo satisfatório, é importante considerar a formação inicial e continuada do educador e dos profissionais das demais áreas que lidam com essa população. Profissionais que se envolvem com a psicopatologia no âmbito educacional devem se capacitar para atuar nesta área, direcionado por conhecimentos científicos, e não apenas com base em experiências vividas ou por reações meramente expressas como resultado do acaso. Portanto, além de se aprofundarem no tema em questão, caberá aos profissionais planejarem e aplicarem ações mais completas, podendo tomar como base inicial os dados aqui descritos.

7. Entendendo a psicopatologia Todo ser humano possui uma história que é caracterizada pela soma das ações de suas vivências cotidianas. Aquele que não apresenta respostas adaptativas pode apresentar algum tipo de psicopatologia. Para ilustrar esta linha de pensamento, vamos começar com um estudo de caso de um aluno da 1ª série do Ensino Fundamental com problemas de adaptação ao contexto escolar ao qual estava inserido. Em seguida, abordaremos sua trajetória pelo discurso psicopedagógico que vigora em alguns ambientes escolares. Matheus ingressou para 1ª série do Ensino Fundamental com 6 anos e meio de idade. Nos primeiros meses de aula, a escola se queixou com a família sobre o comportamento do aluno, alegando que a criança apresentava comportamentos diferentes dos demais colegas: ele era bastante desatento, impulsivo, agressivo, e apresentava dificuldades na socialização. O aluno brigava diariamente com os colegas e professores. A mãe acreditava que o comportamento de Matheus era devido à idade da criança. Mesmo desconfiada de que tal comportamento era uma fase do garoto, levou-o a um médico psiquiatra que atende na rede pública. A criança recebeu diagnóstico de transtorno de atenção e hiperatividade (TDAH) com transtorno opositivo desafiador (TOD) associado.

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Marli (mãe) explicou à escola que os pais estavam passando por uma separação e que havia muitas brigas entre o casal. Posteriormente ao laudo médico e relatos da mãe sobre os problemas familiares, a escola, professores e alunos passaram a temer a criança e a esperar ações agressivas e impulsivas por parte dela. O aluno, ao vivenciar essa dinâmica escolar, passou a apresentar comportamentos agressivos mais intensos. Após um ano nesta escola, a criança foi transferida para outra instituição de ensino regular. Dentro de quatro anos, Matheus passou por três escolas. Na última tentativa de incluir a criança, a proposta não foi alfabetizá-lo, mas sim permitir que ele vivenciasse o Transtorno de Atenção e Hiperatividade associados a Transtorno Opositivo Desafiador. processo de socialização, com o intuito de “trabalhar” a sua “adaptação”. Tal proposta pedagógica falhou e foi justificada pela gravidade da problemática do aluno. Desta forma, a criança foi encaminhada para uma escola especial. Na escola especial, Matheus passou a se expressar de forma introvertida, era retraído, demonstrava medo da nova rotina e se comunicava respondendo apenas o que lhe era perguntado, soltando frases curtas e objetivas. Em atividades lúdicas, demonstrava pouca interação com os brinquedos, outras crianças e adultos. Apesar das dificuldades, os processos cognitivos de Matheus se mantinham preservados em relação a reconhecimento de letras e números, noção sequencial e de quantidade (conservação e reversão), orientação espaço-temporal, desenhos com formas e coordenação fina em atividades de recorte e colagens. Nas reuniões escolares quinzenais com a mãe, percebeu-se certa fadiga e desânimo com as constantes demandas da escola. Além disso, Marli relatou grandes preocupações com o futuro do filho: expressava sua angústia, demarcada pela suposição de que seu filho fosse depender financeiramente e emocionalmente de sua família por um longo tempo.


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ARA SABER MAIS! Podem haver outros transtornos associados ao TDAH? Pesquisas mostram que a maioria das pessoas com TDAH apresentam um ou mais distúrbios associados. A comorbidade mais comum é o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD). Desordens como depressão, ansiedade, tiques e a Síndrome de Tourette também podem ser observadas em pessoas com TDAH.

Algumas considerações sobre o caso O caso ilustra um paradoxo entre a inclusão e a exclusão, o que, atualmente, podemos encontrar em alguns contextos escolares. Pode-se notar esse paradoxo, por exemplo, na tentativa da escola de socializar o aluno, eximindo-o do seu direito à aprendizagem acadêmica, e ao encaminhá-lo para outras escolas ou uma instituição especial, alegando a gravidade da problemática da criança. Neste caso, a escola mostrou uma visão assistencialista ao lidar com uma situação desafiante. Aceitou a inserção da criança no ambiente educacional, porém, apenas acatou as observações médicas (diagnóstico), sem, no entanto, buscar alternativas que mitigassem os problemas do aluno, auxiliando-o no contexto escolar. Ao destacar a problemática do aluno, acabou por contribuir para a formação de mecanismos que excluíssem o próprio sujeito e sua singularidade. A partir do caso apresentado, interessa-se pensar no efeito do processo de segregação pautado no diagnóstico, eximindo a subjetividade e potenciais que a criança possui. Neste e em outros casos, é importante reconhecer a dificuldade e a problemática do aluno, e até seu diagnóstico advindo de uma psicopatologia. Desde que isso auxilie na resolução das necessidades, e supere barreiras para que ocorra a inclusão efetiva. Portanto, a educação e a formação individual para identificação, realização pessoal, integração e promoção social são determinadas pela igualdade de oportunidades. Assim, este caso procurou ilustrar uma experiência escolar com o quadro psicopatológico de uma criança que desvia do padrão, quando o contexto escolar não cumpre com sua proposta.

8. Principais psicopatologias detectadas nos alunos em contexto escolar A infância e a adolescência são fases do desenvolvimento que implicam mudanças físicas, psicológicas, cognitivas e socioculturais, tendo como finalidade a aquisição da autonomia e identidade. As variações de contextos sociais e interpessoais compõem inúmeros desafios que podem se tornar fatores de risco para a saúde e para o ajustamento social e emocional desta população.

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O período escolar abarca diversas oportunidades e escolhas que envolvem ampla atividade psicológica. Esta fase constitui um período crítico de desenvolvimento emocional, gerando comportamentos que podem interferir na saúde mental do indivíduo. Portanto, é importante que os profissionais da educação e da saúde, pais e familiares criem condições para que as crianças e jovens desenvolvam suas competências pessoais e sociais, para que se tornem capazes de: • resolver seus problemas harmoniosamente; • tomar decisões quando necessário; • conduzir conflitos interpessoais, de expressão e comunicação; lidar com frustrações e emoções. O desenvolvimento dessas competências auxilia em condutas “saudáveis” que visam a capacidade de escolhas e manutenções positivas para a saúde e bem-estar. De acordo com Dejours (1992), a saúde é a capacidade de buscar um projeto de vida que direcione o bem-estar. Neste sentido, cabe ao sistema educacional construir respostas preventivas perante as características e dimensão dos problemas de saúde mental. Jaspers (2003) afirma que a psicopatologia como uma ciência autônoma procura compreender, aprender e refletir sobre o que ocorre na alma humana. Portanto, o campo da psicopatologia é fundamentado na observação e sistematização de fenômenos psíquicos do ser humano, e auxilia, incansavelmente, profissionais que atuam com elementos da saúde mental. Neste tópico, serão brevemente citadas e explicadas algumas psicopatologias possíveis de serem encontradas em crianças, adolescentes e jovens em contexto escolar. Será utilizado como referência o Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais (DSM-5, 2014).

9. Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade Muitas vezes tendemos a associar o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) a um elevado problema comportamental de caráter “indisciplinar” de uma criança sem limites e sem modelos educacionais aceitáveis. Na verdade, ao se tratar de déficit de atenção e hiperatividade, estamos nos referindo a um quadro de sinais e sintomas de base neurológica que pode resultar em problemas relevantes ao desenvolvimento biopsicossocial. De acordo com o DSM-5 (2014), este transtorno é caracterizado por persistentes características de desatenção e/ou hiperatividade que interferem no funcionamento e desenvolvimento do indivíduo, com níveis que variam de leve a grave.


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De acordo com alguns aportes teóricos, o TDAH se manifesta mais frequentemente em meninos com idade anterior aos sete anos, podendo, no entanto, o diagnóstico ocorrer mais tardiamente (BIRD et al., 1998). Os ambientes domiciliar e escolar, por ser um local de grande interação das crianças e adolescentes, são locais propícios para identificar as manifestações dos sinais e sintomas do TDAH. Os alunos manifestam suas necessidades escolares e sociais por meio de descuido em atividades escolares e outras tarefas, como: desorganização, dificuldade em concretizar alguma tarefa, erros grosseiros em atividades acadêmicas, déficits na realização de atividades de vida diária (higiene, vestuário e alimentação) e comprometimento na interação social. São alunos que apresentam facilidade em se distrair, além de dificuldade em se manter quieto. Normalmente, por conta dos déficits da psicopatologia, esses alunos apresentam fracasso escolar motivado pela falta de concentração e inquietação em hábitos de estudo. Quanto às repercussões escolares, alunos com TDAH, muitas vezes, demonstram dificuldade na integração da linguagem, problemas de leitura (compreensão e expressão), de escrita, de coordenação (déficits visomotores), dificuldade na execução de tarefas matemáticas e menor capacidade de aprendizagem geral (GONZÁLEZ, 2007). A perturbação e dificuldade apresentadas irão variar de acordo com a idade e o nível de desenvolvimento do sujeito.

10. Transtorno Específico de Aprendizagem O Transtorno Específico de Aprendizagem (TEA) muitas vezes é interpretado, para aquele que não o conhece, como preguiça, desleixo e falta de vontade de aprender. Porém, não se trata disso. O TEA é uma dificuldade na aprendizagem e no uso das atividades acadêmicas, com alteração em um ou mais dos processos cognitivos básicos que envolvem o entendimento e/ou uso da linguagem oral ou escrita. Pode se manifestar pela falta de habilidade de se expressar ou de compreender a leitura/ escrita, dificuldade em dominar a ortografia ou de realizar cálculos matemáticos. Esses sinais e sintomas devem persistir por, pelo menos, 6 meses antes de serem identificados como possível TEA. São observadas no TEA interferências significativas no desempenho acadêmico, como a expressão de habilidades acadêmicas abaixo do esperado para a idade cronológica do indivíduo. As dificuldades de aprendizagem se iniciam no período escolar e se manifestam completamente diante de exigências pelas habilidades acadêmicas (DSM-5, 2014).

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TENÇÃO! No caso do TEA, as dificuldades acadêmicas não podem ser explicadas por outros transtornos mentais ou neurológicos (por exemplo: a deficiência intelectual), adversidade psicossocial, falta de proficiência na língua de instrução acadêmica ou instrução educacional inadequada.

De acordo com o DSM-5 (2014), estão envolvidos no TEA a Dislexia e a Discalculia. Em suma, a Dislexia é referenciada pela dificuldade de aprendizagem caracterizada por problemas no reconhecimento preciso ou fluente da palavra, na interpretação e ortografia. A Discalculia (termo alternativo) é considerada um déficit no processamento de informações numéricas, nas aprendizagens de fatos aritméticos e realização de cálculos precisos ou fluentes. Escolares com TEA compartilham o fardo de baixo desempenho escolar e, muitas vezes, são rotulados como alunos “incompetentes”. Alunos com TEA não precisam ser rotulados ou receber especulações sobre seu desempenho. Necessitam, sim, de apoio e orientação profissional, para que superem as barreiras impostas por suas dificuldades, e ressaltem suas potencialidades.

11. Transtorno de Oposição Desafiante Ao se deparar com um aluno de humor raivoso e comportamento desafiador, podemos acreditar que essa criança, adolescente ou jovem tem vários problemas no lar e não recebe o limite e a atenção necessária para conter seu comportamento. Este fato pode ser verídico. Porém, esse indivíduo, independente dos fatores de risco, pode apresentar sinais que vão muito além de uma questão de limites e educação no lar. O aluno pode apresentar Transtorno de Oposição Desafiante (TOD). O TOD é classificado pela presença de um padrão de humor raivoso e irritável, condutas desafiantes ou índole vingativa. Para diferenciar o TOD de má educação e falta de limites advindos da conduta familiar, é preciso observar com cautela a duração dos comportamentos questionáveis e perceber se o aluno apresenta, por no mínimo 6 meses, pelo menos quatro dos sinais seguintes: (1) perda da calma com frequência; (2) frequentemente sensível e facilmente incomodado; (3) raivoso e ressentido; (4) questionador das figuras de autoridade; (5) desafiador acintoso e contrário à obediência; (6) incomodado com outras pessoas; (7) maldoso ou vingativo mais de uma vez em tempos recentes (DSM-5, 2014). A característica principal deste transtorno é a conduta persistente e repetitiva de comportamentos que infringem os direitos ou normas sociais do próprio indivíduo e de outrem.


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Esta perturbação comportamental pode se manifestar nos diversos contextos (escolar, domiciliar e social) do indivíduo. No âmbito escolar, devido às alterações comportamentais, o aluno pode sofrer dificuldades de aprendizagem e socialização. Tais características do TOD podem acarretar no aprendizado ineficiente e até suspensão ou expulsão escolar.

12. Transtorno do Espectro Autista O Transtorno do Espectro Autista (TEA) envolve diversos déficits demarcados por perturbações do desenvolvimento neurológico. Esses déficits aparecem em múltiplos contextos e se manifestam em fatores sociais e de comunicação, como por exemplo: (1) dificuldade na reciprocidade socioemocional; (2) problemas com o uso da comunicação não verbal para interagir socialmente; e (3) déficits no ajuste do comportamento para interação social. Considerado um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD), o TEA tem influência genética e seus sintomas são manifestados devido às alterações em estruturas encefálicas. A seriedade dos sintomas se dá na comunicação social e em padrões comportamentais restritos e repetitivos (DSM-5, 2014). Devido às alterações de comportamento e dificuldades significativas na comunicação e interação social, alunos com TEA podem apresentar dificuldades escolares, de aprendizagem e no desenvolvimento pessoal, como déficits no domínio da linguagem e no uso da imaginação para lidar com brincadeiras/jogos simbólicos, dificuldade de interação, comportamentos inapropriados e ausência no domínio da linguagem. Esses déficits podem, consequentemente, interferir no processo de aprendizagem das atividades escolares, sociais e de vida diária. A fim de minimizar os déficits sociais, comportamentais e de comunicação, é importante envolver o aluno em situações de interação com o próximo e nas atividades. É importante explorar as potencialidades do aluno, respeitando sempre seus limites. Além disso, a utilização de algumas técnicas,

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) envolve déficits demarcados por perturbações do desenvolvimento neurológico.

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como preparar o aluno nas mudanças de rotina, ampliar o seu tempo para a realização das tarefas, ser claro em explicações e oferecê-las quantas vezes for possível, devem ser consideradas, desde que estas sejam eficazes para o progresso escolar e social do estudante.

13. Transtornos do Desenvolvimento Intelectual O Transtorno do Desenvolvimento Intelectual (TDI) é popularmente conhecido por Deficiência Intelectual (DI). O TDI pode surgir em diferentes níveis (leve, moderado, grave e profundo), proceder de modo independente, ou ter associado outro transtorno mental ou físico. Esse transtorno se manifesta ao longo do desenvolvimento humano, por meiode alterações intelectuais, cognitivas e adaptativas que podem limitar o indivíduo nas suas atividades diárias, como a comunicação, participação social e independência em múltiplos ambientes (casa, escola, trabalho e comunidade). Com relação à escola, as dificuldades dos alunos com TDI podem aparecer claramente nas aprendizagens acadêmicas, por meio de déficits nas funções intelectuais que envolvem o raciocínio, a resolução de problema, o planejamento e organização de ideias, os pensamentos abstratos e as alterações na coordenação ou função motora. Esses déficits, portanto, podem resultar em fracasso no desenvolvimento cognitivo, psíquico, físico e sociocultural. O aluno com TDI não precisa ser identificado ou caracterizado por suas limitações significativas. Ele necessita de apoio educacional e social contínuo. Para isso, a escola deve propor modificações de forma que possibilite ao aluno um ensino de qualidade, promovendo medidas que o auxiliem no acesso e compreen­ são do conhecimento, de acordo com suas capacidades. Além das psicopatologias apresentadas, existe uma extensa lista que caracteriza e explica os sinais e sintomas clínicos de cada uma delas. Seria possível refletir páginas e páginas sobre cada quadro clínico, entretanto, o propósito não é tornar-se especialista em cada problemática, mas sim refletir sobre as psicopatologias mais frequentes no contexto escolar.

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ARA SABER MAIS! Para saber um pouco mais sobre os transtornos relacionados à saúde mental, consulte o Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais (DSM-5): American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders – DSM-5. 5 ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.


Unidade 1 – A psicopatologia e a escola

Conclusão Esta Unidade procurou contribuir com reflexões acerca do campo da Psicopatologia no contexto educacional. Buscou percorrer um caminho que detalhasse a interface entre a Psicopatologia e a escola, com o objetivo de compreender os passos para a inclusão efetiva desta população. O aluno com psicopatologia, devido à dificuldade no funcionamento das funções mentais, pode apresentar especificidades que devem ser pedagogicamente atendidas. Ao compreender as desigualdades psicopatológicas, devemos pensar em formas de compreender o indivíduo, sem ressaltar suas diferenças. E, a partir de um olhar crítico, oferecer respostas para que essa população consiga atingir fins educacionais adequados à sua idade e capacidade. No entanto, com o intuito de continuar a percorrer essa caminhada, na próxima unidade, continuaremos a investigar as questões do campo da psicopatologia, porém, com enfoque nas condutas motoras e funções cognitivas.

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Glossário – Unidade 1 Atípico – Aquilo que não é típico, que não é comum. Biopsicossocial – É a compreensão do homem por meio de três fatores, o biológico, o psicológico e o meio social. Cognitivo – Ato ou efeito de processar conteúdos mentais que fazem parte do desenvolvimento intelectual. Aquisição de conhecimento. Déficit – É a falta de algo. Em termos médicos, déficit é um distúrbio que causa desenvolvimento inadequado de aptidões mentais, físicas e sociais. Hospício – Instituição que acolhe pessoas com transtornos mentais. Esse termo, atualmente, é denominado como hospital psiquiátrico. Labilidade afetiva – Mudanças bruscas de humor ou de estado de ânimo, sem motivos aparentes. Instabilidade afetiva. Paradigma – Adotar a referência de um modelo estabelecido. Psicopatologia – área de estudos que está na base da psiquiatria e tem por objetivo estudar os sofrimentos e transtornos mentais. Psíquico – Diz respeito ao cérebro e seu amplo funcionamento. Segregar – É o ato de separar, isolar ou expulsar o indivíduo do convívio em diferentes contextos. Transtorno – Desordem na área psíquica. É o ato ou efeito de transtornar, causando desarranjo ou distúrbios psíquicos relacionados a uma resposta emocional. Visomotor – Movimentos coordenados entre o sentido da visão e função motora da mão.


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