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2. A história da tecnologia contada por suas ferramentas

2. A história da tecnologia contada por suas ferramentas

No presente capítulo, mapeamos a evolução das ferramentas ao longo da história do homem e de seus antepassados. Tratamos inicialmente das ferramentas para dar forma à madeira. Em seguida, daquelas capazes de trabalhar os metais. Em ambos os casos, começamos com os manuais, passando então às máquinas. Estas se tornam possíveis quando o homem se libera da limitação de ter apenas os seus músculos para ajudá-lo e passa a contar com o vento, a água, o vapor, a eletricidade e o petróleo.

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A história das ferramentas nasce profundamente imbricada à trajetória de sua principal e definitiva matéria-prima: os metais. De fato, é a metalurgia a maior responsável por criar boas ferramentas, que trazem dramáticas mudanças na qualidade da vida, inicialmente nos países que se industrializavam. No capítulo sobre materiais, o leitor encontrará uma breve história da metalurgia.

Como lavrar a madeira: da pedra lascada às máquinas operatrizes

Por 2 milhões de anos, nossos antepassados viram na madeira o material mais disponível e apropriado entre tantos que os cercavam. Pedras de diferentes tipos e formatos foram as primeiras ferramentas para dar forma aos paus que encontravam.

O domínio dos metais traz o salto mais radical na evolução das ferramentas. Não obstante, dezenas de milênios antes da primeira ferramenta de cobre, multiplicam-se os recursos e as técnicas usando-se apenas os materiais existentes.

Colecionar e interpretar os artefatos encontrados, bem como os seus desenhos, é o trabalho paciente e fascinante dos arqueólogos que se dedicam a tais temas. Por outro lado, a grande variedade de culturas primitivas que até hoje sobrevivem permite ver no presente uma boa parte da trajetória histórica do homem no que tange sua capacidade de gerar ferramentas e técnicas. Examinar sociedades sobreviventes – numa progressão de níveis de domínio tecnológico – nos ajuda a reconstituir a trajetória histórica da humanidade.

Seja pela análise de artefatos e desenhos encontrados, seja pelo estudo de culturas mais primitivas, há algumas conclusões gerais que valem ser mencionadas.

A evolução de uma cultura corresponde sempre a um aumento na complexidade das tarefas que empreende. Essa afirmativa parece ser válida até os dias de hoje. Ao mesmo tempo, modificam-se as formas de interações humanas, que se tornam mais ritualizadas e indiretas, com hierarquias mais elaboradas. Igualmente crítico, o tempo é alocado de formas mais precisas e intricadas. Quanto mais gente mobilizada para uma tarefa, mais os bons resultados dependem de sincronizar o tempo de um com o de outro.

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Facas cerimoniais, típicas da América Central e do norte da América do Sul. Várias rochas eram usadas, incluindo o jade.

Também as ferramentas tornam-se mais complexas, tendendo à sua especialização. Produzem mais ou melhor, mas numa gama mais estreita de atividades. Por exemplo, em vez de um único machado, há um para derrubar a árvore e vários para lavrar o tronco.

No curso desses processos, a necessidade é a mãe da invenção. Para ilustrar, o clima ameno e a caça abundante do Brasil produziram culturas menos refinadas do que aquelas que se desenvolveram nas inóspitas montanhas andinas.

É também verdade, todavia, que algumas dessas sociedades, quando param de evoluir, cessam também as inovações em suas ferramentas – que podiam até ser bastante sofisticadas. Ou seja, há uma dinâmica delicada entre progresso e inovação. Um não avança sem o outro. Quando um para, outro para.

Na verdade, o nível de complexidade e sofisticação das ferramentas, em si, é um bom indicador de progresso de uma sociedade. Há que se registrar também que não há só avanços, mas também recuos. Algumas sociedades regridem, e, com elas, suas ferramentas e técnicas. Os descendentes dos índios andinos não sabem mais operar o sofisticado sistema de irrigação de seus antepassados. Os caboclos da Amazônia, alguns descendentes dos índios locais, perderam muito do conhecimento dos seus antepassados sobre o uso de ervas medicinais e da variedade de plantas.

No desenvolvimento das ferramentas, os avanços iniciais tendem a se concentrar na sua pega. Ou seja, tornar seu uso mais confortável é uma das primeiras preocupações de nossos antepassados. Para isso, acolchoam os cabos dos seus machados de pedra com peles ou outros materiais.

Um avanço decisivo se deu há cerca de 30 mil anos: o cabo das ferramentas — facas, machados ou martelos. Na verdade, acolchoar o lugar em que se segura a pedra é um avanço menor do que criar um cabo, cujas consequências são muito mais decisivas.

É também o início da construção de instrumentos com cada vez mais peças diferentes e feitas de materiais distintos. O arco e a flecha já incorporam vários materiais, incluindo vários tipos de madeira.

No momento em que o pau se junta com a pedra e dá origem ao machado, o homem dá um grande salto na capacidade de produzir artefatos. Hoje parece óbvio que com dois materiais pode-se fazer o que um sozinho não faz — a pedra corta ou macera, mas não permite construir um cabo leve e resistente; o galho da árvore não produz uma superfície cortante, mas dá um bom cabo. Isso, porém, só foi entendido 30 mil anos atrás.

O cabo é um prolongamento da ferramenta, e sua junção com a pedra é um dos pontos em que mais se experimentou. Como unir de forma sólida e permanente dois materiais tão distintos? E, mais ainda, de tal forma que resistam aos sucessivos impactos, requeridos no seu uso?

No encabamento do machado, tudo foi tentado. Alguns precursores dos rebites eram feitos com

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Faca cerimonial andina, feita de folha de cobre. Pode ser inca ou das culturas próximas.

espinhos. Resina e breu foram usados para colar uma peça na outra. O sangue e o tutano (de ossos fervidos) também eram usados como cola. Cipós, embiras, fibras de palmeiras, couro cru, nervos e ligamentos serviam para amarrar a pedra no cabo. Alguns desse materiais espichavam quando molhados, retesando depois, ao secar. Isso permitia uma tensão maior nas amarrações.

Muito frequente era escolher a madeira de tal forma a facilitar o acoplamento. Forquilhas ajudam. Galhos viram cabos e o caule facilita a tarefa de fixação. Era comum criar um entalhe na madeira, onde se encaixava a pedra.

Talvez a solução mais curiosa seja rachar parcialmente um arbusto vivo e encaixar na greta um machado de pedra. Em alguns anos, a árvore cresce e envolve a lâmina, criando um “encabamento biológico”. É só cortar o pedaço de árvore nos locais apropriados.

Para que se tenha ideia da centralidade do machado nas sociedades primitivas, vale mencionar que eram usados como moeda. Um cavalo seria trocado por tantos machados. Uma mulher também teria o seu preço expresso em número de machados.

Com o domínio dos metais, os avanços passam a ser mais rápidos. Progressivamente, alguns desenhos vão chegando à sua maturidade. Na Roma clássica, a carpintaria já era uma profissão consolidada. De fato, as ferramentas e as tradições de trabalhar a madeira têm uma longa história. Interessante notar que são José trabalhava com um conjunto

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como funcionam as ferramentas manuais

cortando

por abrasão

quebrando, fraturando

perfurando

unindo, agrupando Aplicando pressão: facas, tesouras, plainas Por choque: machados, machadinhas, enxós, formões, goivas Por fricção: serras, serrotes

Aplicando pressão e fricção: raspadores, limas, lixa, pedras de afiar

Por pressão: espátulas, alavancas Por choque: martelos Por fricção: moedores

Aplicando pressão e fricção: agulhas, sovelas, brocas Por choque: talhadeiras, ponteiros, bedames

Grampos, sargentos, cunhas, morsas pregos, parafusos, rebites, cola

de ferramentas que um carpinteiro de hoje facilmente reconheceria.

Avançam nessa época as iniciativas para combinar a função com a estética. Por sua vez, a beleza das boas ferramentas reforça a mística da profissão. O orgulho de ter ferramentas lindas e zelar por elas contribui para a consolidação da ética profissional.

Para receber a carta de ofício, cada marceneiro ou carpinteiro medieval deveria produzir sua obraprima. Com grande frequência, seu “trabalho de fim de curso” eram ferramentas transformadas em verdadeiras obras de arte. Peças das guildas medievais francesas estão nos museus, mostrando as manifestações mais exaltadas do casamento da arte com a função.

O gráfico acima ilustra a árvore genealógica das ferramentas da madeira. Como sugerido, cada uma é uma evolução de sua antecessora, que era mais simples, menos especializada e menos eficiente.2

É interessante registrar a elegância e a simplicidade dessa classificação. Todas as ferramentas funcionam: (1) por pressão, ou seja, empurrando; (2) por choque, ou seja, batendo; (3) por fricção, ou seja, esfregando.

Com esses três gestos podemos (1) cortar, (2) desgastar, (3) quebrar, (4) furar, (5) unir ou agrupar.

Diante das muitas ferramentas do gráfico, selecionando uma delas, não devemos subestimar a longa saga que foi seu aparecimento e evolução. No que segue, examinamos uma por uma as grandes famílias de ferramentas.

Começamos com o martelo, uma das primeiras ferramentas usadas pelos hominídeos. Ele é um dos avôs de uma grande estirpe de descendentes. Pela ordem cronológica, machado e martelo entrariam emparelhados, pois nascem na mesma época. Preferimos começar com o martelo e seguir com o machado e as outras ferramentas de corte com lâminas, como formões, plainas, raspadores e furadeiras. A rigor, estas últimas também poderiam vir junto com os martelos, pois são igualmente antigas.

2 Adaptado de Adrien de Mortillet, Revue Mensuel de Anthropologie, Paris (citação incompleta no livro de Otis, mencionado adiante) qr code: A vida que existe dentro de uma árvore, talhada pelas mãos do artífice, vira arte, instrumento, meios de locomoção e muitas outras coisas.

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Martelos, machados e seus descendentes

Falar do martelo é voltar a um passado de 2 milhões de anos. Contemporâneo do machado, o martelo é uma das ferramentas mais velhas e intuitivas. Até os primatas usam pedras para quebrar cascas de alimentos. Não obstante, continua presente em qualquer oficina de hoje. Por assim dizer, é uma ferramenta cuja utilidade não desaparece. Não importa a sofisticação da oficina, cedo ou tarde alguma coisa precisa ser martelada. Mesmo nas marcenarias mais refinadas, na montagem final de um móvel, haverá uma peça recalcitrante, requerendo o convencimento de um martelo para que encontre seu lugar.

A história do martelo

Como dito, o martelo é uma das primeiras ferramentas usadas pelo homem. Sem cabo, aparece há mais de 2 milhões de anos. Na verdade, aparece antes do Homo sapiens, sendo usado por outros primatas. Tais pedras não deixam de ser martelos.

Apenas há 30 mil anos, no entanto, o martelo ganha um cabo, que permite um tremendo aumento no impacto obtido nos golpes, tal como no caso do machado.

Réplica de martelo de pedra.

ao lado: Criação ilustrativa de como se imagina um homem de Neandertal preparando um martelo de pedra.

abaixo: Martelo de bola contemporâneo.

qr code: O homem começa a sua trajetória com poucas ferramentas para trabalhar a madeira, não muito mais do que o machado e o martelo. Mas cada uma delas permite o desenvolvimento de muitas variantes. Por exemplo, do machado se deriva a machadinha, o formão, o enxó, a plaina, e assim por diante. Aqui se poderá ver uma árvore genealógica das ferramentas. Com movimentos elegantes, de cada ferramenta vão brotando outras.

Até o desenvolvimento da metalurgia, diferentes tipos de pedras eram usadas. Quando o homem aprende a produzir metais, descobre que serviam para a fabricação de martelos e machados.

Dominada a produção de cobre e do ferro, para fabricar um martelo era necessário golpear o metal ao rubro. Ou seja, a metalurgia que produz martelos requer o uso de martelos.

É pertinente ancorar a evolução das ferramentas no Império Romano, por ser um ponto de inflexão no progresso do Ocidente e por receber os avanços de todas as regiões conquistadas. No caso do martelo, já era muito próximo aos de hoje. Exceto por detalhes, já tinham um desenho consolidado. Um operário de hoje não estranharia um martelo romano. Mas, provavelmente, preferiria o seu, por uma infinidade de detalhes.

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Diversos modelos de machadinhas, com desenhos que sobrevivem até hoje.

Praticamente nenhum progresso houve no martelo ou em qualquer ferramenta quando a Europa entra na Idade Média. O espírito inquisitivo e inovador só volta à tona ao fim dessa era de estagnação, seja em martelos, seja em qualquer outra tecnologia. É a partir do século XII, com a construção das catedrais, que a Europa acorda e volta a inovar. Esse é um tema fascinante, mas que nos distanciaria excessivamente do nosso foco.

Martelo e machado funcionam com princípios diferentes. No machado, a lâmina tem um ângulo bem agudo (a sua superfície de corte). No caso do martelo, usa-se uma superfície plana. Um corta, outro esmaga. Cada um faz o seu serviço.

Ao longo do tempo, cada profissão desenvolve martelos próprios para as próprias necessidades. Mesmo dentro de cada profissão, aumenta imensamente a variedade dos martelos usados. Essa multiplicação de modelos ou tamanhos atinge o máximo um pouco antes do aprofundamento da Revolução Industrial e da mecanização.

Uma fábrica típica do século XIX ofereceria a marceneiros e carpinteiros uma grande variedade de martelos. Por exemplo, Hibbard, Spencer e Bartlett listava 130 modelos de martelos diferentes no seu catálogo.

Ao longo dos séculos, entre o formato da cabeça, o peso e o comprimento do cabo, infindáveis aperfeiçoamentos são introduzidos. Podem parecer caprichos ou detalhes, mas, dada a ubiquidade dessa ferramenta, representam avanços consideráveis em conveniência e produtividade – por exemplo, um cabo que não se parte e não deixa a cabeça voar pelos ares. Esses e outros são avanços consideráveis no seu desenho.

Pensando bem, o martelo é uma das ferramentas mais antigas e versáteis. É um desenho tão definitivo que, depois do uso do ferro, teve pouca evolução. Mas, como dito, os pequenos avanços não foram poucos.

A física do martelo

Façamos o seguinte experimento: tomemos um martelo comum, um pedaço de madeira e alguns pregos grandes. Inicialmente, esqueçamos que o martelo tem cabo. Vamos segurá-lo pela sua parte metálica, como faziam com as pedras os nossos antepassados de 2 milhões de anos atrás. Usando essa pega, vamos martelar um prego na tábua. Além de sem jeito, é preciso fazer muita força para ter o mínimo sucesso. Dependendo do martelo e do tamanho do prego, pode ser impossível.

Agora passemos a segurar pelo cabo e voltemos à tarefa de assentar um prego. Surpresa! É preciso bem pouca força para que penetre na madeira.

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Martelo “pen” e martelo de bola. Mesmo desenho de dois séculos atrás.

Qual é a mágica?

Vários fatores colaboram. Um deles é ser mais fácil de segurar pelo cabo. Mas a mudança crítica é a rotação da ferramenta, antecedendo o impacto. Quanto mais longe da pega estiver a cabeça do martelo, mais rápido avança e, portanto, maior o impacto. É a combinação da sua velocidade e da energia imposta pelo seu operador que multiplica a força da batida, comparado com um martelo sem cabo.

Num martelo sem cabo, o impacto é proporcional ao seu peso e à força que fazemos. Para obter mais impacto, necessitava-se de um martelo mais pesado. Com o cabo, podemos obter o mesmo impacto, usando uma cabeça menor e um cabo mais longo. Ou seja, temos um martelo mais leve que obtém os mesmos resultados.

Diante desse princípio, é óbvio que quanto mais longo o cabo, mais forte será a pancada. A razão para que martelos não tenham cabos gigantescos é que a pontaria fica comprometida por um cabo muito longo. De fato, é interessante verificar que principiantes pegam no cabo bem perto da cabeça, pois facilita acertar o prego, ainda que reduza a força do impacto. Portanto, na prática, há martelos para todos os serviços: mais precisão ou mais impacto.

Nos Estados Unidos, alguns construtores de casas feitas com peças de pinho são capazes de manobrar um martelo com cabo bem mais longo. Com isso, obtém a penetração total do prego com uma única martelada.

Ao longo do tempo, busca-se um equilíbrio dinâmico no desenho do martelo. No momento do impacto, ele não deve transmitir qualquer movimento para a mão do operador. Ajustam-se o comprimento e o peso do cabo, chegando-se às combinações adequadas. Ao olhar um reles martelo esquecido em algum canto, não imaginamos quanta experimentação foi feita até que se chegasse àquele desenho.

Há muitos martelos

Muitas profissões manuais usam martelos. Na maioria delas, desenvolveram-se modelos mais apropriados para as tarefas típicas. Portanto, há martelos para lidar com madeira, metal, chapa de ferro, para-lamas de automóveis, pedra, couro e joias. E há até um modelo para golpear o joelho dos pacientes, a fim de que os médicos avaliem o reflexo involuntário.

No período romano, aparece no martelo um par de unhas para remover pregos. São hoje chamados martelos de orelha. Esse desenho conquista o mundo e sobrevive até hoje.

Dado o altíssimo custo dos pregos, pois eram feitos à mão, um a um, o martelo que permitisse dar-lhes uma nova vida tinha tudo para dar certo. Hoje, os pregos usados são jogados fora, mas continua havendo muita construção em madeira para ser desmontada. Para não falar dos pregos que entortam a meio do caminho e têm que ser retirados.

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qr code: A cinematografia permitiu captar uma cena comum no início do século XX, hoje desaparecida: o trabalho dos ferreiros na bigorna, alternando os golpes de martelo no ferro em brasa.

Naturalmente, o martelo é fabricado em diferentes tamanhos, de acordo com o uso e a robustez do dono. Nas últimas décadas, novos materiais vêm sendo usados no cabo, sobretudo a fibra de vidro. Além de aumentar a duração, busca-se reduzir a vibração na mão do operador.

Estofadores usam martelos leves e com cabeças longas para alcançar os lugares em que pregos e tachas devem ser aplicados.

Na mecânica, dois tipos aparecem, para nunca mais desaparecer.

O martelo de bola tem uma superfície esférica numa das extremidades revelando-se útil para moldar superfícies curvas, especialmente folha de cobre, mas servia até para reproduzir os contornos da anatomia humana, na fabricação das armaduras, e também para formar uma cabeça arredondada nos rebites.

Até hoje, vendem-se aqueles com uma quina rombuda e transversal. São os chamados martelos de pena (tradução literal do inglês “peen”). Originalmente, eram usados na forja para alongar as peças trabalhadas. Hoje têm uso mais geral na mecânica.

O martelo e a forja estão historicamente imbricados. Sobre a bigorna, o metal ao rubro é martelado, tomando progressivamente o formato desejado. Em grande medida, os ferreiros usam martelos semelhantes aos dos mecânicos. A diferença é que são bem mais pesados, pois o metal quente requer considerável força para ser moldado. Podem pesar até nove quilos, para aqueles ferreiros cujos bíceps permitem.

É também para a forja que aparecem marretas, malhos ou maços, que nada mais são do que martelos bem maiores, em formato de paralelepípedo. Pelo seu peso, alguns requerem as duas mãos para serem usados. Um ferreiro segura a peça e o outro malha.

A marreta, porém, encontra outros usos. Nas oficinas mecânicas, servem para montar e desmontar máquinas, entortar ou endireitar peças de metal. Na mitologia escandinava, Thor usava um martelo para disciplinar a humanidade.

Cedo, marretas e martelos migram para a construção civil, em que chegam para quebrar pedras e demolir o que já não serve.

Para usos mais delicados, buscam-se materiais mais suaves, a fim de não marcar ou vincar as peças. Tipicamente, os marceneiros usam macetes, todos feitos de madeira, para a montagem de móveis. Entram também em cena novos materiais para revestir a superfície que toca em peças delicadas, como bronze, alumínio, couro, nylon e poliuretano.

Na lanternagem ou funilaria, emprega-se uma grande variedade de martelos. Como se trabalha com chapa fina e há sempre a preocupação de não machucar sua superfície, os martelos tendem a ser leves, mas com uma grande área de impacto.

Nos últimos anos, inventa-se o “martelinho de ouro”, um conjunto de técnicas para desamassar

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Martelo de joalheiro ou ourives. Este desenho persiste por mais de um século.

à direita: Duas ferramentas para remover a casca de troncos recém-cortados.

página ao lado: Escravos britadores. Carlos Julião (1740-1811), Riscos illuminados de figurinhos de broncos e negros dos uzos do Rio de Janeiro e Serro do Frio.

a lataria de um carro, sem danificar a pintura. Na verdade, não há martelos feitos com esse metal, mas com outros, mais suaves. Além disso, a técnica requer outras ferramentas complementares.

A joalheria e a ourivesaria também têm seus martelos especializados. Em geral, sua principal característica é serem muito leves e amplos na superfície que toca a peça. E, é claro, são proporcionais ao tamanho reduzido das peças a serem construídas.

Marteletes hidráulicos: os supermartelos

Como é fácil deduzir, a produção de uma forjaria resulta do número de marteladas e do peso dos martelos usados. Isso leva à busca de martelos mais pesados e de métodos para reduzir o intervalo entre as marteladas. Tal preocupação era ainda mais crítica no início da metalurgia, quando o aço era produzido na forja, a golpes de martelo e ao cabo de muitas horas.

Desde sempre, a excelência de um ferreiro era medida pelo tamanho do martelo que conseguia manejar ao longo do dia. Como seria previsível, havia concursos para eleger o ferreiro mais robusto.

Na Idade Média, aparece na China um sistema pelo qual elevam um enorme martelo de metal até um ponto em que se solta. Ao cair, ele golpeia a peça ao rubro. As minerações de ouro em Minas Gerais usaram descendentes desse sistema para a moagem de minério.

Durante a Revolução Industrial, esse sistema se transforma num martelete acoplado a um pistom hidraulicamente acionado. Em vez de brandir um martelo pesado, o ferreiro aciona a máquina por um pedal. O martelo pilão é um avanço definitivo, aumentando muito a produtividade das forjarias.

A história do machado

Entre machado e martelo, é difícil saber qual veio antes. Provavelmente, evoluíram juntos. Enquanto o machado corta, o martelo quebra, tritura ou comprime.

Tudo que era feito de madeira nascia com a ajuda de um machado. De início, havia que cortar o tronco. Em seguida, remover a casca com uma espátula pesada.

O próximo passo era lavrar a peça, dando-lhe uma secção quadrada. Novamente, entrava em cena o machado.

O desenvolvimento das serras – e, agora, as motosserras – tornam o machado quase obsoleto, pelo menos em operações comerciais. Mas muitas ferramentas derivadas dele ainda encontram lugar nas oficinas.

Antes da metalurgia, uma pedra com uma superfície cortante era usada para todos os tipos de trabalho que exigiam seccionar ou desbastar a madeira. Ao que se supõe, faz 2 milhões de anos

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que nossos antepassados se servem de pedras escolhidas para essas tarefas.

Como mencionado, o grande salto tecnológico ocorrido 30 mil anos atrás foi amarrar a pedra a um pedaço de pau. A invenção do cabo é definitiva, representando um extraordinário avanço. Ao girar o cabo, o impacto da lâmina é muitas vezes maior do que o obtido ao segurar a lâmina e bater. Portanto, o efeito é também maior.

A grande “pesquisa tecnológica”, desde então, se concentra na maneira de fixar a lâmina no cabo. Encaixes, forquilhas, cipós, tiras de couro cru – tudo foi tentado.

Muito se fez como resultado desse avanço. Contudo, é o domínio dos metais que muda tudo. Inicialmente, aprende-se a produzir cobre.

Vale a pena acompanhar, através dos tempos, a evolução do processo de encabar um machado. Se a natureza oferece galhos redondos, por que não fazer um furo na pedra e encaixar o cabo? Isso foi tentado, mas a ferramenta ficava muito frágil. Daí as outras soluções encontradas. Mas, ao dominar o metal, o homem passa a contar com um material muito mais resistente, diante de um furo para encaixar o cabo. Não obstante, a tradição de amarrar a lâmina persiste por muitos séculos, repetindo a fórmula que era boa para outro material. Levou tempo para que os ferreiros de então voltassem à solução que não dava certo com a pedra. Esse exemplo sugere como era penoso e demorado o processo de invenção e inovação na pré-história.

Nos dias que correm, o machado mais midiático é o que levava Otzi, o homem congelado descoberto nos Alpes italianos. Portava um machado de cobre. Aliás, era uma espécie de guerreiro high tech da época, pois carregava um arco composto, uma faca de pedra lascada, alimentos, remédios e muito mais. Sua existência coincide com o aparecimento dos objetos de cobre. Não obstante a excelência do seu equipamento, morreu assassinado por uma flecha.

Em que pese ser um avanço sobre os machados de pedra, todavia, o cobre é muito dúctil para produzir uma lâmina cortante. O bronze já é bem mais duro, mas foi preciso esperar o ferro e o aço para que os machados se tornassem realmente eficientes.

A iconografia romana mostra machados muito parecidos com os nossos. Desde então, há progressos, mas a geometria e configuração deles se estabiliza nessa época.

Dominados os metais, aumentam as variedades de machado. Pesquisas na Nova Inglaterra do século XVIII e XIX mostram a existência de dezenas de modelos diferentes. Não apenas se buscava a boa fórmula, mas optava-se por especializar cada um para uma função diferente.

Em particular, derrubar uma árvore requeria um tipo de machado. Transformar a secção do tronco em um quadrado se fazia com um machado de cabo mais curto e lâmina mais larga. Até serem derrotados pelas serras, a multiplicação de modelos de machados é bem impressionante. Para lavrar o tronco, havia um par

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Machado de pedra de origem peruana.

Martelo de bronze.

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Enxó de desenho português (lâmina provavelmente inglesa). É semelhante aos usados no Brasil até os dias de hoje.

página ao lado: Variedade de machados e outras ferramentas feitas nas forjarias locais. Seu estilo é norte europeu..

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de machados: um tinha a lâmina chanfrada do lado direito e reta do esquerdo, e o outro era justamente contrário.

No século XX, muitas dessas operações já não eram mais realizadas com machados. Ainda assim, em 1922, no catálogo da empresa. Spencer & Bartlett, entre marcas, tamanhos e modelos, havia 242 machados. Isso sem contar machadinhas e enxós.

Na carpintaria e na marcenaria, o machado praticamente já foi obliterado por ferramentas mais eficientes e especializadas.

Não obstante, foi o ponto de partida para as ferramentas de corte. Do que sobrou de seus descendentes diretos nas oficinas mais recentes, há que se mencionar duas ferramentas: a machadinha e o enxó.

A machadinha não passa de um machado pequeno, como o próprio nome sugere. Sobrevive como ferramenta para acampamentos. Pelo mundo afora, ainda há uma produção de móveis e artefatos de madeira verde lavrados na machadinha.

Além de uma lâmina semelhante à dos machados, as machadinhas costumam ter, no lado oposto, uma superfície plana, que serve como martelo. Outras têm também unhas, como os martelos que tiram pregos.

O enxó, mais especializado, também é uma ferramenta antiga e que pode ser vista na iconografia romana – aliás, pouco diferente dos atuais. Ainda se usam em algumas oficinas de carpintaria do Brasil. Simplificando, um enxó é um machado em que a lâmina está atravessada, em vez de ter seu fio paralelo ao cabo. Além disso, é bem mais curto.

Na Europa, o enxó aparece com duas anatomias bem diferentes. Numa delas, o cabo é um bastão de madeira, como qualquer machado, só que bem mais curto.

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Na prática, alguns enxós costumam ter uma lâmina recurvada. Com isso, podem escavar um barco de tronco, uma gamela ou o assento de uma cadeira. Tipicamente, esse modelo é uma ferramenta mais encontrada no norte da Europa.

O outro modelo é o que chegou a nós, via Portugal. Existe também na Itália e na França, mas é desconhecido mais ao Norte. A lâmina também é atravessada, mas o cabo é como se fosse o de um serrote, bem curto. Curiosamente, grande parte dos enxós que chegaram ao Brasil foram produzidos pela empresa inglesa W. Greaves, criada no início do século XIX. Ou seja, importávamos da Inglaterra uma ferramenta que não era lá usada. Conferindo o catálogo de Hibbard, já mencionado, podemos ver que há seis modelos de enxós anglo-saxões, mas nenhum deles chegou ao Brasil.

Podemos pensar um enxó como uma ferramenta mais delicada e precisa do que um machado. Os golpes na madeira se dão após um trajeto curto. Sua função principal é desbastar, buscando uma forma bem definida. No caso, menos do que permite um machado, porém é mais agressivo do que um formão.

Nas mãos de um velho carpinteiro, é uma ferramenta admirável. Pode ser usada para lavrar alisares e muitas outras peças na construção de uma casa. É quase inacreditável que um instrumento tão rudimentar permita um bom acabamento. Pode também ser usado em tarefas mais simples, como para despontar um cabo de ferramenta.

Não é, entretanto, para principiantes. Um formão é encostado na peça antes de começar a cortar. No enxó, é preciso pontaria para que, ao fim do movimento, atinja o lugar desejado, com o ângulo certo e a força necessária. Além disso, tende a ser perigoso. Segundo os velhos carapinas, se errar o alvo, tem grande predileção pelo joelho.

Formão (cinzel, goiva)

Em sua essência, o formão é uma faca diferente. Em ambos, há um cabo com uma lâmina forjada numa barra de metal. Na faca, o corte é num dos lados. No formão, numa das extremidades.

Essa diferença da faca permite outros tipos de trabalhos. A faca descasca laranjas. Com o formão, isso é quase impossível. Mas o formão permite preparar um encaixe, tarefa impossível para a faca.

A história do formão

Em algum momento, os hominídeos aprenderam a produzir lâminas afiadas tirando lascas de algumas pedras bem escolhidas, como o sílex ou a pederneira. Essa é a origem das primeiras facas, ocorrida há mais de 2 milhões de anos. Desde então, passam a ser uma ferramenta para cortar madeira, cipós, caça, frutas e tudo o mais que aparecesse.

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Formões construídos por ferreiros locais brasileiros..

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Ao contrário da faca, no formão a superfície cortante está no extremo da lâmina. Mas ainda não é bem o formão que conhecemos. Era uma ferramenta muito limitada, pela dificuldade de ter superfícies de corte estreitas, afiadas e duráveis.

É quando aparecem os metais que realmente os ferreiros criam uma ferramenta parecida com o formão dos dias de hoje. Isso aconteceu por volta do ano 5.000 a.C. Inicialmente, o cobre era o único metal conhecido, portanto só permitia um corte rombudo e frágil.

Com o bronze, as coisas melhoram, já sendo possível um arremedo de corte em facas ou formões. Mas é com o ferro e o aço que se torna possível ter lâminas afiadas e que se mantêm assim por longo tempo. Estamos falando de 3 mil anos atrás.

Desde antes do período romano definem-se soluções para a construção dos formões. A maneira de fixar o cabo é um dos problemas que encontram soluções diferentes. Uma delas é uma espiga que penetra num furo no cabo. Mas há também o formão que termina num cone oco, ou seja, um soquete, de tal forma que um cabo despontado se encaixa nele. Ambas vêm mais ou menos da mesma época e sobrevivem até os dias de hoje. Em geral, trabalhos mais brutos sugerem o soquete, por exigir menos do cabo. Para tarefas mais leves, uma espiga é mais do que suficiente.

Visando proteger a madeira do maltrato incessante de martelos e macetes, muitos cabos de formões costumam ter uma luva metálica ou virola na sua ponta inferior. Tratando-se de formões voltados para escavar rasgos para espigas, pode haver uma segunda luva instalada no topo para protegê-lo das incessantes marteladas, impedindo que vire um cogumelo ao ser martelado.

Em português, temos a palavra formão para a ferramenta voltada para trabalhos em madeira. Uma ferramenta similar, a talhadeira, existe para cortar metais. Em inglês usa-se a mesma palavra, chisel, para madeira ou metal. Tem a mesma origem da nossa palavra cinzel, que denomina as talhadeiras usadas na escultura em pedra. O parentesco das palavras reflete o parentesco das ferramentas.

Talhadeira e formão funcionam sob a mesma lógica. Golpeados ou empurrados, incidem e cortam a superfície de trabalho. De maneira geral, talhadeiras não têm cabo de madeira, ao passo que os formões têm. Há, porém, formões sem cabo e talhadeiras encabadas.

Há uma grande variedade de formões

No fundo, um formão não passa de uma lâmina de aço temperado com um cabo numa extremidade e, na outra, um chanfro ou bisel que termina numa superfície de corte. Compartilhando essas mesmas características descritivas, temos várias possibilidades. Vejamos algumas delas.

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Formões de entalhador produzidos industrialmente importados da França, da Alemanha ou da Inglaterra.

Na maioria das vezes, os formões têm cerca de 30 centímetros de comprimento. Mas os entalhadores usam também versões pequenas, algumas com apenas 10 centímetros.

Na construção civil com madeira, eram usados formões enormes, que chegavam a medir 1 metro. Como não era possível usar uma plaina, o cabo longo ajudava a manter o ângulo de corte.

Há formões robustos para fazer os cortes onde entram as espigas. As lâminas são muito espessas e pesadas para, dia após dia, aguentarem as marteladas.

Em contraste, a maioria dos formões é mais leve, com cabos mais delicados – pouco resistentes ao uso de martelos e macetes. Servem para trabalhos que exigem precisão e acabamento.

Quando, em vez de reta, a lâmina é abaulada, formando uma canaleta, dizemos que é uma goiva. Essa ferramenta é usada nas talhas artísticas sempre que se lida com curvas e também serve para pentrar numa superfície plana. Como seu corte é recurvado permite trabalhar superfícies côncavas. Além disso, é muito usada no torno para o desbaste inicial.

Alguns chamam de bedame (ou badame) um formão comprido, estreito e de seção quadrada, usado, por exemplo, para instalar fechaduras (em mecânica, a mesma palavra denomina uma talhadeira ou ferramentas de torno, também quadradas). Eis uma curiosidade: bedame vem de bec d’ânne (nariz ou bico de asno), palavra cujo nome deve fazer alusão a essa parte da anatomia de um burro.

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Dois formões importados da Europa para preparar encaixes. Variedade de formões: o grande substitui uma plaina na construção de casas ou barcos, enquanto o menor é usado por entalhadores.

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página ao lado: Goivas de diferentes tamanhos. Algumas de produção artesanal, outras fabricadas na Europa.

Na tradição ocidental, o formão é feito com uma barra de aço forjada e temperada. O problema dessa solução é que o corpo do formão precisa ter flexibilidade, para que não se quebre em usos mais extremos. Por outro lado, a superfície cortante precisa ser bem dura, para que o fio não se deteriore rapidamente. Embora a têmpera possa ser dada apenas na extremidade cortante, é sempre uma solução de compromisso – nem muito flexível nem muito dura.

Em contraste, em plainas e formões japoneses, usa-se um aço bem flexível no corpo da ferramenta. Uma barrinha de aço extremamente duro é soldada na extremidade de corte. Com isso, temos uma dureza ideal e diferente em cada parte da lâmina. É bem curioso notar que esta mesma solução de soldar dois metais era usada também na Rússia medieval.

O único problema dessa solução é seu alto custo, reflexo das complicações adicionais do processo produtivo. Na história da metalurgia japonesa, as espadas dos samurais tornaram-se verdadeiras obrasprimas. Reproduções fiéis, feitas hoje, consomem até seis meses de trabalho para construir um único exemplar. Com o desaparecimento desses guerreiros, lá pelo século XIX, fica proibida a sua fabricação. Como resultado, os ferreiros migram para a produção de lâminas de formões e plainas. Vale notar que o país ainda produz lâminas de plaina pelos mesmos processos artesanais de séculos passados. Alguns ferreiros vendem hoje suas obras por até mil dólares cada um. Tão simples e tão difíceis de usar

Comparado, por exemplo, com uma plaina, o formão é uma ferramenta difícil de ser usada. Como veremos, na plaina, o ângulo de incidência da lâmina na madeira é fixo e a agressividade do corte foi regulada antes do trabalho. No formão, tudo está nas mãos do marceneiro: o ângulo, a força e a posição. Seu domínio completo pode levar anos.

Em muitos casos, trabalha-se empurrando o formão com uma das mãos e mantendo o ângulo certo com a outra. Em outros, uma das mãos funciona como um martelo, aplicando golpes bem suaves. Quando exigese mais força, entra em cena o martelo, ou melhor, o macete de madeira, que maltrata menos o cabo.

Como seriam as casas de madeira e os móveis sem o formão? Não existiriam. É ele que permite as centenas de desenhos de encaixes e sambladuras de madeira. Na realidade, os encaixes só se tornam possíveis quando os marceneiros passam a ter bons formões. Para ilustrar, os egípcios não usavam encaixes, pois não tinham os formões requeridos para tal, apesar do seu domínio da metalurgia. As peças dos móveis eram amarradas.

Até a invasão dos metais, a partir do século XIX, o nível de sofisticação industrial de uma sociedade estava altamente correlacionado com o refinamento da sua carpintaria e marcenaria. Quando a marinha inglesa se torna a maior do mundo, o país tinha os encaixes mais elaborados, tanto nos navios quanto

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nas casas. Nessa época as casas eram construídas como quebra-cabeças: as peças iam se encaixando numa sequência predeterminada (nada de pregos ou parafusos). Ao colocar-se a última, tornava-se impossível remover qualquer outra.

Será por acaso que os formões ingleses são famosos até os dias de hoje? De fato, sobrevivem muitas marcas seculares, produzindo dezenas de modelos.

Outro exemplo de exaltação no desenho dos encaixes está no Japão, sobretudo nos seus templos. Estima-se que os carpinteiros japoneses usavam centenas de encaixes diferentes. No Ocidente, o repertório de encaixes sempre foi bem mais reduzido. Será apenas uma grande coincidência que os formões japoneses sejam hoje reverenciados até pelos grandes marceneiros ocidentais?

Falar de formão é falar de sua frequente afiação, pois a qualidade do trabalho e o controle da ferramenta estão intimamente ligados à excelência de seu corte. Formão mal-afiado dificulta o trabalho e é mais perigoso. De nada adianta o melhor aço, sem que tenha sido corretamente preparado. E o modo de fazêlo é tanto ciência quanto arte, objeto de infindáveis controvérsias – livros e mais livros são escritos sobre o assunto. Mas, seja qual for a fórmula escolhida, afiar

formões é tão crítico na profissão quanto saber usá-los. E a prova dos nove é ser capaz de cortar suavemente os pelos do antebraço.

Um belo formão é um objeto de veneração por parte dos melhores marceneiros, e demonstrar a excelência do seu fio faz parte de certo exibicionismo profissional.

O apogeu das ferramentas manuais ocorreu próximo à segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX. Antes, a metalurgia era mais primitiva. Depois, as máquinas passaram a fazer o que antes se fazia com ferramentas de mão.

Nos dias de hoje, temos duas vertentes na marcenaria. De um lado, a produção artesanal, valendo-se das mesmas ferramentas de mais de um século atrás. Nessas oficinas abundam os formões. De outro, há a mecanização e automação crescentes. Há fábricas de móveis nas quais inexistem ferramentas como formões. No limite, os operários não tocam no que está sendo produzido. Apenas comandam as máquinas automáticas. É bom que essa variedade de sistemas produtivos seja preservada, pois a evolução do mobiliário exige processos artesanais, pelo menos nos protótipos.

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Garlopa curta, lâmina importada e madeira trabalhada pelo próprio marceneiro. Modelo que sobreviveu aos séculos.

Goivete em madeira, com guias em metal. página ao lado, de cima para baixo: Plainas e garlopas com chassis de madeira, construídas pelo próprio marceneiro. A da esquerda é um modelo do norte da Europa, trazido pelos imigrantes alemães.

Plaina com chassis de madeira, modelo industrializado. O “chifre” à frente é típico dos países mais ao norte de Europa.

Plaina com chassis de madeira, feito pelo marceneiro.

Plainas, guilhermes, garlopas e goivetes

Das ferramentas de madeira, a plaina é das mais complexas – apenas a serra a ultrapassa na multiplicidade de modelos, mas não em sofisticação. Pode ser um bloco de madeira com uma lâmina primitivamente encaixada, ou uma plaina Stanley 55, cujo kit original de fábrica incluía 55 lâminas e dezenas de acessórios. Pode ser tosca e feia, mas pode também ser uma obra de arte exposta em museus, pelas suas talhas e incrustações em marfim. Fruto de sua anatomia, nenhuma outra ferramenta se presta a esse casamento da função com a arte. Além da elegância do design, o corpo pode receber infindáveis decorações (até mesmo nas plainas metálicas), sem comprometer sua função.

Não é por acaso que nas guildas europeias o aprendiz de marceneiro frequentemente optasse por construir uma plaina no seu trabalho de diplomação. Nela, além da perfeição técnica, podia dar asas à sua criatividade como entalhador.

Algumas das mais belas plainas pertenceram ao rei da Suécia Adolf Frederik. Segundo consta, seu amor pela marcenaria era maior do que sua dedicação à administração pública.

É essencial achar imagens de plainas feitas de madeira com esculturas em alto relevo, pois é o casamento da função com a arte. A plaina de metal com incisões é bem menos comum.

Em essência, contudo, a tarefa da plaina é uma só: produzir uma superfície linear, seja um tampo de mesa perfeitamente plano, seja o filetado das molduras.

Um formão, com sua infinita versatilidade, pode cortar em qualquer ângulo. Mas o que costuma ser seu grande mérito passa a ser um defeito fatal quando queremos usinar uma superfície plana. Não há como realizar tal tarefa segurando com as mãos a lâmina da ferramenta.

A solução encontrada foi fixar o formão num bloco de madeira, no ângulo mais apropriado para o corte desejado. Empurrando a ferramenta, a soleira da plaina, o desbaste guia a lâmina em uma trajetória linear. Com a lâmina fixada ao corpo, é fácil determinar um corte mais suave ou agressivo, dependendo de quanto a lâmina ultrapassa a soleira que desliza sobre a peça trabalhada. De fato, começa-se

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o desbaste com um corte mais agressivo. Uma vez nivelada a superfície, entra em cena outra plaina com um corte muito raso, visando a um acabamento primoroso.

A história da plaina

Se a plaina é uma descendente tardia do formão, óbvio que entra em cena depois. Antes dela, encaixes e painéis não eram possíveis. De fato, não existiam nos móveis egípcios.

Os enxós e a perícia dos marceneiros são decantados por Homero na Ilíada, mas as plainas estão ausentes na sua narrativa. Supostamente, os gregos acabaram por criar uma plaina, e sua autoria é atribuída a Dédalos. Mas não há vestígios de sua existência. As fontes para a história das ferramentas são os exemplares encontrados e a iconografia da época (em livros, pinturas e esculturas). O uso do ferro e do aço, se para a marcenaria representa um gigantesco avanço, para a arqueologia é um passo atrás, pois a ferrugem progressivamente leva

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à sua destruição. Assim, nos sítios arqueológicos encontram-se mais ferramentas de cobre ou bronze do que de ferro.

É razoável pensar que as primeiras plainas nascem do enxó e que tinham uma lâmina semelhante à dos formões. Em vez de um cabo, desenhado para segurar a lâmina, esta seria fixada num bloco com uma soleira plana, de forma a raspar linearmente a madeira. Mas isso não passa de uma suposição.

Um número suficiente de registros nos permite dizer que os carpinteiros romanos dispunham de plainas de bronze muito parecidas com as que temos hoje. E que eram bastante variados os modelos. Vários exemplares de plainas romanas foram encontrados e identificados.

É curioso notar que no período romano a arquitetura da plaina toma dois caminhos diferentes. Blocos de madeira foram usados para construir plainas, como acontece até hoje no mundo inteiro. Mas os romanos também criam plainas usando blocos de bronze fundidos ou forjados. Essas plainas não eram totalmente construídas de metal. Em geral, tinham a soleira de metal e mais a estrutura em que se apoia a lâmina. Algumas tinham apenas isso, o resto era madeira. Outras tinham mais guarnições metálicas.

Uma solução romana até hoje adotada é usar o metal apenas para a soleira, mercê da maior durabilidade dessa superfície, em fricção permanente com a obra trabalhada.

Curiosamente, a solução romana de fundir um chassis metálico foi abandonada por muitos séculos, só voltando parcialmente durante o Renascimento. Na verdade, foram encontradas pouquíssimas plainas entre a Roma clássica e o grande despertar, a partir do século XV.

Depois da grande ebulição criativa dos romanos, a Idade Média está para as plainas como para quase tudo o mais: nada avança e, em alguns aspectos, há retrocessos. De fato, as poucas plainas dessa época, encontradas na Inglaterra e na Frísia, são menores e mais rudimentares.

No século XV, como em todos os campos, há um fermento tecnológico e a retomada dos avanços anteriores nas plainas. Aumenta a experimentação e a variedade de soluções.

A partir de 1.600 aparecem algumas plainas menores, todas construídas de metal fundido. Mas eram peças raras. Aliás, esse é o período em que as plainas passam a ter uma construção mais esmerada e muito mais ornamentação, frequentemente incluindo alto-relevos com o ano de sua construção.

Há plainas que têm bastões à frente e atrás da lâmina para servirem como pegas para o marceneiro. Esses modelos predominaram no norte da Europa. É curioso que vieram com a imigração alemã para o Sul do Brasil e ainda hoje se encontram plainas com esse desenho construídas localmente.

A forma de segurar a ferramenta também reflete tradições culturais. No sul da Europa, a pega da plaina

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Plaina com varetas que ajudam a empurrar a ferramenta. Construída em Santa Catarina, sob influência da colonização alemã.

página ao lado: Clássicas plainas Stanley ou Bailey, também chamadas de rebotes. São totalmente construídas em metal. Esses modelos se espalharam pelo mundo. Com as patentes (do século XIX) espiradas, são hoje amplamente copiadas. Plaina com chassis de madeira, construção artesanal.

era obtida abrindo um rasgo no bloco de madeira, uma solução que já vem da Roma clássica. No norte, a tendência predominante era adicionar uma pega ao bloco, muitas vezes com o formato de um cabo de serrote. Na parte frontal, as pegas em forma de chifres são também mais comuns no norte da Europa.

Naturalmente, os avanços na metalurgia são críticos para a lâmina das ferramentas. Dois caminhos são tomados em paralelo ao que acontece com os formões. Um deles é usar o melhor aço disponível e dar uma têmpera mais dura na superfície de corte. A outra, também muito antiga, é caldear na extremidade da lâmina uma barrinha de um aço mais duro. Na Europa, essa segunda solução foi abandonada, mas no Japão é ainda a forma usada.

O século XVIII foi a Idade do Ouro da marcenaria. As ferramentas de antes podiam até ter decorações artísticas, mas eram toscas. Daí em diante aumentam a sofisticação e o luxo. Obviamente, as plainas não seriam exceções.

A partir de 1.700, começam a aparecer na Holanda plainas praticamente idênticas umas às outras. Isso sugere o início do processo fabril. Além das ferramentas feitas pelo próprio artesão, surgem oficinas que produzem plainas antes que os fregueses as encomendem. São os albores da Revolução Industrial.

Em meados do século XIX, no mundo anglo-saxão, as plainas com corpos metálicos voltam à cena, em grandes quantidades, como resultado de seu avanço pioneiro na fundição. Vale notar que são os Estados Unidos que embarcam na produção em massa de plainas inteiramente metálicas (exceto os cabos). As inglesas tinham mais metal do que antes, mas eram principalmente combinações de madeira com ferro fundido.

Dadas a robustez e a praticidade das plainas metálicas, os Estados Unidos passam a dominar o mercado das plainas e também das inúmeras patentes de plainas e seus detalhes mecânicos. A maioria das plainas inglesas do período são feitas em filiais locais de empresas americanas, como a Stanley.

Em contraste, nos países germânicos, as plainas de madeira são usadas até os dias de hoje. Uma loja de ferragens atual, nos países de língua alemã, oferece plainas de madeira. Estas, porém, praticamente inexistem nas lojas inglesas e americanas. Esse fato singelo nos sugere que cultura e história têm seu papel, e não apenas os imperativos tecnológicos. De fato, não tem sentido imaginar que a Alemanha e seus vizinhos tenham um atraso na metalurgia e que, por isso, suas plainas sejam de madeira.

Cada vez mais, quase todas as ferramentas passam a sair de fábricas. Há um crescimento espantoso na produção de ferramentas de todos os tipos. No caso da plaina, como dito, avanços em técnicas de fundição permitem a produção eficiente e barata de plainas totalmente metálicas (exceto os cabos, naturalmente). Os grandes nomes são Spier, Norris e Marples na Inglaterra. As de Stanley e Bailey, porém,

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na página dupla anterior: Mecanismo de avanço e nivelamento da lâmina em plaina tipo Stanley contemporânea. Pequena plaina japonesa. Em contraste com as ocidentais, é puxada, e não empurrada.

na página 67: Mecanismo de avanço e nivelamento da lâmina, em plaina tipo Stanley contemporânea.

não florescem apenas nos Estados Unidos, e sim em todo o mundo.

Apesar dos avanços na manufatura de ferramentas que saem completas das fábricas, até recentemente se mantinha a tradição de os marceneiros comprarem apenas a lâmina. A parte de madeira era feita por eles próprios. Isso se dava com machados, enxós, formões e plainas. As lojas vendiam a mesma lâmina de machado, com e sem cabo.

Com a compra das patentes e da fábrica de Bailey pela Stanley, criou-se uma situação peculiar. Quase todas as plainas fabricadas a partir de 1.900 seguem as velhas patentes da Stanley. Hoje, como essas patentes estão caducas, todos fabricam plainas rigorosamente copiadas das originais. Como praticamente todas as patentes são do século XIX, isso significa que quase nada aconteceu desde então no desenho das plainas.

Ainda no século XIX, há um avanço técnico importante na Inglaterra, com a introdução de uma segunda lâmina, aparafusada à principal. Praticamente todas as plainas compradas hoje incorporam esse contraferro. Sua função é dupla. Em primeiro lugar, enrijece a lâmina, reduzindo as vibrações. Em segundo, verga e quebra os cavacos cortados pela lâmina.

Há também avanços na mecânica de regular a lâmina, tanto longitudinal quanto lateralmente, pelo uso de parafusos e alavancas. Nas plainas tradicionais feitas com blocos de madeira (ainda hoje usadas nos países germânicos e no Japão), essas operações são mais difíceis. Pancadas de martelo no cepo da plaina soltam a cunha de fixação (daí a existência, em algumas plainas, de cabeças metálicas para receber as batidas, protegendo a madeira). Depois de ajustada a lâmina, leves marteladas na cunha voltam a fixar sua posição. É fácil descrever o processo, mas difícil executá-lo.

É curioso mencionar os contrastes com as ferramentas dos povos do Oriente. China e Japão sempre construíram suas plainas em madeira. Até hoje, são extremamente simples e não usam contraferro, mas sim lâminas muito espessas e pesadas. Apesar da enorme influência cultural da China sobre o Japão, nas plainas há uma diferença fundamental. A plaina chinesa é empurrada, como no Ocidente. Já no Japão, é puxada.

Despojadas ou complicadas, não é fácil trabalhar com plainas, qualquer que seja sua origem. Paradoxalmente, as japonesas oferecem um imenso desafio para afinar e regular. Por outro lado, podem produzir um cavaco quase transparente, mais delgado do que nas melhores plainas ocidentais. É tanta a devoção dos marceneiros japoneses às suas ferramentas que ainda há concursos em que vencem os competidores capazes de produzir os cavacos mais delgados (que os juízes medem com um micrometro).3

Nos últimos trinta anos, houve uma degradação na qualidade de ferramentas como plainas e formões.

3 Sobre o assunto, ver: <www.youtube.com/ watch?v=kFLt0duNrgc&feature=youtu.be>, <www.youtube.com/ watch?v=h3fokzCAIPw>, <www.youtube.com/watch?v=4W8jyEI1wWQ> e <www. youtube.com/watch?v=Tsm-YrGXes8>.

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De um lado, populariza-se o “faça você mesmo”, gerando consumidores com parcas exigências de qualidade. De outro, a marcenaria fina sofre muito com a concorrência da produção industrial, corroendo a “religião da qualidade”. Como resultado, mesmo as fábricas tradicionais, como a própria Stanley, permitem uma queda considerável nos seus padrões de qualidade.

Nos Estados Unidos, por quinze dólares comprase uma cópia feita na China ou na Índia da Stanley número 5. A empresa continua fabricando a mesma número 5 que vende por cerca de cem dólares – mas a qualidade não é a de antes. Para um mercado altamente sofisticado, a versão desta plaina fabricada em bronze pela Lee Nielsen custa 460 dólares. As três plainas são morfologicamente idênticas, mas as diferenças de acabamento e precisão explicam as diferenças de preço de cada uma. Enquanto isso,

a indústria germânica continua produzindo suas refinadas plainas usando lignus vitae (pau santo) para a soleira e beech (faia) para o bloco.

Em paralelo ao aparecimento de tornos, fresas, serras circulares, serras de fita etc. era inevitável que também a tarefa de produzir uma superfície plana pudesse ser feita com máquinas. Entrando no capítulo das máquinas operatrizes, as plainas fixas ou desengrossos são uma consequência natural dos avanços das máquinas-ferramentas.

A mão não consegue igualar a velocidade de produção das máquinas, além de exigir muito mais destreza. A velha plaina ficou restrita a trabalhos de natureza mais artesanal ou artístico.

Para fazer frisos e molduras, aparece a tupia, seja de mão, seja fixa. Na verdade, não passa de uma navalha giratória sobressaindo de uma mesa. O inverso do perfil da navalha será reproduzido na peça que nela toca.

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Quantas plainas tem o marceneiro?

Marceneiros refinados hoje em dia, como há um século, têm muitas plainas em suas oficinas, mesmo que não sejam colecionadores. De fato, cada tarefa pede uma diferente.

A grande maioria das plainas foi desenhada para produzir uma superfície plana. Mas isso não quer dizer que uma só seja suficiente para realizar a tarefa.

Peças curtas requerem plainas pequenas, que podem ser operadas com uma só mão. Em luteria, na fabricação de instrumentos de corda, usa-se uma grande variedade de plainas minúsculas, bem menores do que as mãos que as empunham.

Para lidar com as peças longas, as plainas antigas tinham uma soleira bem mais alongada, com até 1 metro. São as chamadas garlopas. Tanto podem ser metálicas como em madeira. No Brasil, até meio século atrás, seriam quase todas em madeira.

Com o uso crescente de máquinas operatrizes, as garlopas gigantescas tornaram-se mais raras, embora ainda existam um pouco encurtadas. Hoje, as plainas mais comuns são as cópias dos modelos Stanley 4 e 5, chamados rebotes. Podem fazer o serviço das grandes e das pequenas, ainda que não tão bem ou com a mesma conveniência.

Em usos normais, a superfície de corte da lâmina é reta. Contudo, em desbastes mais agressivos, são preparadas com uma razoável convexidade. São as

plainas desbastadoras. É uma diferença importante, mas não chama a atenção visualmente.

Na preparação de encaixes do tipo meia madeira ou espigas, há um ajuste final que, com vantagens, pode ser feito com uma plaina. Na sua arquitetura convencional, as lâminas não atingem a largura total do corpo da plaina. Assim, plainando uma espiga, há vários milímetros de material que permanecem inatingíveis pelo objeto.

Para lidar com essa limitação, foram criadas plainas em que o ferro é tão largo quanto o corpo da ferramenta. Resolvido o problema. Tais plainas são chamadas de guilhermes (guillaume, em francês). Algumas são estreitas (2 a 3 cm) outras têm largura normal (entre 4 e 6 cm).

Até aqui, estamos lidando com diferentes tamanhos e variações de detalhes construtivos. Mas há diferenças maiores.

Antes do aparecimento das tupias, para produzir o perfil de um friso era necessário usar uma plaina cujas lâmina e soleira tivessem o inverso do perfil desejado. Mesas, armários e muitos outros móveis têm perfis nas suas bordas. Como se pode verificar facilmente, a coleção de perfis usados é muito grande. Daí a necessidade de o marceneiro ter dezenas de plainas desse tipo, cada uma para um perfil.

No caso de ranhuras e de machos e fêmeas, há plainas equipadas com guias, escoras ou réguas ajustáveis. São chamadas goivetes. Guiada por essas escoras, a ferramenta desliza em paralelo

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abaixo: Garlopa Lie Nielsen, contemporânea, de construção esmerada. página ao lado, esquerda: Garlopa alemã, provavelmente do início do século XX. página ao lado, direita: Plainas para produzir perfis. Cada tipo requer uma diferente. As imagens são de peças antigas, mas ainda hoje se constroem ferramentas semelhantes, seja em fábricas, seja artesanalmente.

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ao comprimento da peça. Inevitavelmente, sua construção é bem mais complicada. Ainda assim, só podem produzir o único tipo de perfil para o qual foram construídas.

Para substituir armários cheios de plainas diferentes, surgem,na segunda metade do século XIX, as plainas universais (Stanley 45, 50, 52 e muitas outras), oferecendo uma solução alternativa para lidar com a variedade de perfis com que se defronta um marceneiro. Uma mesma plaina (totalmente metálica) pode receber ferros com qualquer contorno desejado. Na verdade, essas ferramentas eram vendidas já com uma boa coleção incorporada.

Embora tenham sido inventadas na segunda metade do século XIX, foram produzidas até recentemente. Muitas chegaram até o Brasil. Ter somente uma plaina, ao invés de muitas, parece uma boa ideia. Contudo, elas são complicadas, difíceis de operar, e é fácil perder as dezenas de peças móveis que as acompanhavam.

A mecanização da marcenaria mudou completamente o panorama dessas ferramentas. Somente puristas e tradicionalistas ainda mantêm coleções de plainas com o perfil dos frisos que querem realizar ou então uma plaina universal. A tupia, seja de mesa, seja portátil, revolucionou esse aspecto da profissão, tornando obsoletas as centenas de plainas “de uma nota só”, bem como as complicadíssimas versões de múltiplas lâminas. Viraram caros objetos de coleção.

Uma plaina curiosa é a de número 115 da Stanley, a plaina de volta (em inglês, compass plane). Em vez de ter uma soleira rígida, esta é uma chapa de aço delgado e flexível. Um parafuso e um sistema de alavancas permitem mudar sua geometria. Torcendo para um lado, teremos uma soleira convexa. Torcendo para o outro, fica côncava. Foram criadas para a construção de carroças. Hoje não passam de objetos de desejo por parte dos colecionadores.

Os toneleiros ou tanoeiros têm suas plainas especializadas para a construção de barris de madeira. Plainam curvas e não retas.

Uma curiosidade do século XIX é uma plaina cujo objetivo não é o que acontece com a peça trabalhada, mas a fita ou o cavaco que produz. Sua geometria é tal que, em vez de produzir uma fita plana, ela se enrosca sobre si mesma. O resultado é uma tripa helicoidal. Na verdade, é a versão em madeira do que produzem tornos de metal. O objetivo desse enrolado, com um palmo de comprimento, é acender lampiões de gás nas ruas ou nas casas.

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ao lado: Raspilhos são plainas muito curtas que servem para trabalhar peças curvas. Os dois primeiros, mais antigos mas ainda fabricados, têm estrutura em madeira. O terceiro é em ferro fundido e corresponde ao modelo que se tornou padrão.

abaixo: Tupia de fundo, usada para acertar o fundo de uma ranhura. A imagem mostrada é de uma peça antiga. As modernas são todas em ferro fundido. na página ao lado: Goivetes são plainas para cortar perfis em tábuas (como machos e fêmeas). Têm guias para manter o paralelismo do corte.

Plaina Stanley 52, uma das muitas variedades de plainas ditas universais. Em vez de uma plaina para cada perfil, a fábrica já incluía uma boa coleção.

Plaina de Volta Stanley. A soleira é uma chapa fina e pode ser ajustada para assumir uma forma convexa ou cônica.

Na verdade, não é o único caso de plainar para usar a fita produzida, pois esta pode ser usada como filtro para eliminar partículas do ar. Os cowpers que esquentam e insuflam ar nos altos fornos usavam essas fitas de madeira tiradas manualmente na plaina.

Uma ferramenta ainda usada é a plaina ou tupia de fundo (ou de caneluras). Sua função é obter uma superfície plana no fundo de uma ranhura, onde nenhuma plaina comum pode atingir. Tampouco o formão consegue um bom acabamento. No Brasil, eram quase sempre de madeira. Mas hoje predominam as inteiramente metálicas. Consistem numa soleira larga e plana, na qual está fixada uma ferramenta de corte em forma de L. A parte afiada dessa lâmina é paralela à soleira, sendo fixada abaixo dela. Para ser usada, desliza-se a ferramenta sobre a superfície da madeira e a lâmina nivela o fundo da ranhura.

A lógica da plaina é impor a uma lâmina um movimento perfeitamente paralelo ao fixá-la num bloco rígido e plano. Em contraste, o formão tem infinitas formas de cortar a madeira, pois é inteiramente guiado pela mão do operador. Mas há uma solução no meio do caminho. É uma plaina de soleira bem curta, permitindo acompanhar curvas e sinuosidades da peça trabalhada, mas mantendo o ângulo de incidência. Costuma ser chamada de raspilho, rasoura ou o estranhíssimo espoquisim (será corruptela de spokeshave em inglês, nome alusivo à sua origem para fazer raios de rodas de carroça?). Entre o formão e a plaina, oferece bastante liberdade ao operador, ao contrário da plaina, cuja ação é unívoca.

Como as plainas convencionais, os raspilhos podem ser totalmente metálicos ou em madeira. Em alguns, a soleira é plana. Em outros, pode ser côncava ou convexa.

Uma ferramenta difícil de classificar pelos critérios aqui adotados é aquela chamada de faca de tanoeiro, faca de arrasto ou ainda plaina raspadora (do inglês draw knife). Não se poderia se classificá-lo de machado, não é golpeado. Está entre uma faca, um formão e uma plaina. O termo espanhol se traduz por “faca com dois cabos”.

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No fundo, é o que dizem os espanhóis: uma faca com um cabo em cada lado. É usada para lavrar peças arredondadas ou curvas. Como requer as duas mãos, a peça precisa ser presa numa morsa. Como sugere a própria palavra inglesa (draw), é puxada e não empurrada. É uma ferramenta pouco comum no Brasil. Mesmo marceneiros antigos desconhecem seu uso e seu nome.

Grande parte dessas ferramentas está desaparecendo. A dificuldade de dar-lhes nome em português resulta justamente de sua raridade.

Desafiando, contudo, as máquinas operatrizes, sobreviveu com galhardia a velha plaina tradicional para superfícies planas. Foi a primeira a nascer e parece que será a última a morrer. Tipicamente, são os modelos Stanley, de números 4 ou 5.

Para que ainda serve uma plaina?

Tradicionalmente, o marceneiro recebia uma tábua talhada no machado ou com uma serra de traçar manual. Era hora de entrarem em cena as plainas para tornar plana e lisa sua superfície. Com serras de precisão, desengrossos e lixadeiras, essa tarefa penosa quase desapareceu. Que serviços haverá sobrado para a plaina? Na realidade, não são poucos.

Na marcenaria contemporânea, a grande concorrente da plaina é a lixa – manual ou motorizada. Muitos tipos de acabamento podem ser feitos com lixa, mas tende a ser um processo mais trabalhoso e imperfeito. Para um marceneiro clássico, a lixa é a última alternativa, seja pela lentidão do trabalho, seja pelo baixo status.

Uma plaina bem afiada e usada por mãos competentes produz uma superfície mais lisa do que se consegue com o desengrosso ou a lixa. Na marcenaria fina, não é pouca a proeza.

A esperada perfeição e paralelismo das tábuas que recebemos da serraria nem sempre se materializa. Para as peças empenadas ou encanoadas, a plaina oferece o remédio, pois não podem ser retificadas no desengrosso.

Quando se encontram duas peças, raramente estão exatamente no mesmo plano. Algumas passadas da plaina manual resolvem o problema.

Na verdade, nem sempre cortamos a peça exatamente do tamanho desejado, sobretudo se

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ao lado: Encaixe de desenho típico japonês.

abaixo: Encaixe rabo de andorinha. Ao fundo, encaixe borboleta. na página ao lado: Plaina raspadora (em inglês, draw knife), uma ferramenta para trabalhar pés de cadeira ou raios de carroça. É pouco comum no Brasil. A posição do cabo pode variar, embora as lâminas sejam semelhantes.

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Guilherme, uma plaina cuja lâmina tem a mesma largura do corpo da ferramenta. Usada para o ajuste fino de espigas.

devemos respeitar as dimensões do projeto. Aliás, para precaver-se do erro de cortar demais, costuma-se deixar uma margem de segurança. A plaina, cortando décimos de milímetro por vez, sem sustos, permite ir chegando à dimensão desejada.

Após serrar as peças, é preciso eliminar as marcas de sua lâmina. Novamente, é trabalho para a plaina, embora nas fábricas isso tenda a ser feito por lixadeiras fixas, em que desliza uma cinta têxtil, impregnada com abrasivos próprios para lixas.

A serra produz arestas vivas. Não são visualmente atraentes e deixam felpas, que costumam furar os dedos. Usando uma plaina, quebramos minimamente essas quinas ou formamos um chanfro bem largo. É a estética quem decide quanto cortar.

Preparando uma espiga, fazemos para ela uma ranhura na qual deve entrar sem folga, mas sem precisar de golpes de martelo, que podem rachar a peça. Entra em cena a plaina para desbastar levemente, até que o ajuste seja perfeito. No caso, usamos um guilherme, cuja lâmina é tão larga ou maior que o corpo da plaina. Isso porque devemos desbastar toda a espiga, e não apenas a parte em que chega a lâmina de uma plaina comum.

No dia a dia da bancada, novas tarefas vão aparecendo. O progresso técnico não expulsou a plaina da bancada dos marceneiros. Ela continua lá e encontra usos frequentes. É a ferramenta queridinha dos tradicionalistas que estão sempre em busca de uma tarefa que justifique sua presença.

Mencionamos que, ao contrário do formão, pilotar uma plaina é tarefa semelhante à do maquinista de trem. Como é o trilho que determina a trajetória, é a geometria e regulagem da plaina que fixam o trabalho que fará.

Não é fácil usar uma plaina. Pelo contrário, é uma ferramenta cheia de caprichos. Para início de conversa, sua preparação prévia é crítica.

Numa plaina caríssima, o fabricante estima que, após tirá-la da caixa, é preciso investir meia hora para que esteja pronta para cumprir seu papel. Uma plaina considerada boa pode requerer pelo menos uma hora de trabalho. Com plainas baratas, haja tempo e competência para afiná-las! Há quem afirme que mais vale recuperar uma plaina de meio século atrás, quando eram mais bem feitas, do que afiar uma plaina nova de má qualidade.

Vencida com sucesso essa primeira tarefa, o trabalho fica muito simplificado. Mas os desafios não

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cessam. Uma ligeira torção ao empunhá-la resulta numa superfície que não está em ângulo reto com o plano da tábua.

Ao começar o corte, a plaina deve estar perfeitamente paralela à tábua e devemos aplicar mais força na parte frontal da ferramenta. Caso contrário, preparamos uma superfície curva e não reta. Ao chegar ao fim do seu curso, deve haver mais força na mão que está atrás, para evitar que corte demais ao final.

É da natureza da madeira que nem sempre as fibras sejam tão bem comportadas. Ou seja, recusam-se a seguir retas, no mesmo plano. Se a plaina “desce” na fibra da madeira, o corte é limpo. Mas se vai “morro acima”, em vez de cortar, a lâmina arreganha as fibras, esfolando a madeira e gerando um acabamento irregular. Ao notar que estamos “na contramão” da fibra, é preciso inverter a direção do corte. Melhor é examinar a peça antes e decidir em que direção começar.

E o que fazer com as peças que, a meio caminho, muda a direção das fibras? Essas piruetas da fibra são a beleza da madeira, mas oferecem um pesadelo para o marceneiro.

Plainar uma peça de topo é bem mais difícil, além de exigir uma ferramenta muito bem afiada. É preciso interromper o corte antes de chegar ao fim. Senão, há o risco de lascar a peça. Inverte-se então a direção do corte, para completar o serviço.

Em suma, a plaina parece fácil de ser manejada, mas não é. Leva-se tempo para afiá-la. Não obstante, mesmo um principiante pode obter bons resultados, se corretamente instruído e enfrentando as tarefas menos árduas.

Os raspadores

Na ordenação nobiliárquica das ferramentas, os raspadores são os plebeus: sem sofisticação e sem charme. Mas nem por isso podem estar ausentes em uma oficina. Podemos até dizer que são os injustiçados da marcenaria.

No fundo, um raspador é uma lâmina de aço com uma quina viva preparada para raspar. Mas a maneira de usar essa lâmina varia imensamente, gerando uma grande variedade de soluções.

A história dos raspadores

Podemos presumir que os raspadores estão entre as primeiras ferramentas utilizadas pelos hominídeos. Qualquer objeto com algo que se pareça a um corte afiado deve haver sido usado para raspar a carne e o pelo das carcaças de animais caçados ou encontrados.

O sílex lascado produz lâminas muito afiadas, gerando uma ferramenta de excelente qualidade. Mas até ossos, conchas e outros materiais se prestam para tarefas de raspar uma superfície.

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Com os avanços do aço e suas têmperas, os raspadores metálicos passam a fazer parte da caixa de ferramentas de qualquer carpinteiro ou marceneiro. Não se deseja muita dureza do aço. Pelo contrário, são afiados inicialmente com limas e, depois, com as mesmas pedras usadas para formões e plainas. Se fossem mais duros, sua afiação seria mais demorada.

No fundo, não vão muito além de uma lâmina de aço com quinas vivas. Não passam de um retângulo de aço laminado e temperado. Mas os cabos, quando existem, podem ser muito diferentes.

Um raspador para cada uso

Caminhemos por partes na descrição dos muitos tipos de raspadores – primeiro a anatomia do corte do raspador, depois a variedade de cabos existentes.

Uma plaina (ou um formão) corta tirando uma fatia do material. Não é diferente de apontar um lápis com um canivete ou descascar uma laranja.

Já os raspadores funcionam por um princípio diferente. Ao deslizarem sobre a peça a ser trabalhada, deslocam e empurram o que houver de irregular acima de sua superfície – tinta velha, por exemplo. Ou, então, rasgam as fibras soltas da madeira que sobressaem. Por aparar as irregularidades encontradas, deixam uma superfície mais lisa. Mas, ao contrário de formões ou plainas, não se corre o risco de penetrar na madeira, criando cicatrizes indesejadas. Pelo contrário, mercê de sua anatomia, permanecem nivelados com a superfície da madeira.

Isso acontecerá com qualquer tipo de lâmina. Mesmo cacos de vidro fazem esse trabalho, até com relativo sucesso.

Na boa tradição da marcenaria, entretanto, a forma de afiar a lâmina do raspador sofreu uma discreta, ainda que radical, transformação. A rigor, uma lâmina em ângulo reto, com a quina bem viva, faz o serviço. Mas é possível melhorar.

Começa-se retificando as superfícies da lâmina, tanto a parte plana quanto sua aresta. Inicia-se o trabalho com a lima, passando depois às pedras de afiar, até que as duas superfícies se encontrem sem qualquer abaulado. Em seguida, prendendo o raspador numa morsa, deslizamos sobre a aresta uma ferramenta de aço polido, como a haste de uma chave de fenda grande. Progressivamente, inclinamos a haste, para que toque apenas na borda da aresta. Por tratarse de um aço com têmpera relativamente suave, ao deslizar, a haste cria um repuxado. É uma minilâmina. Mal se vê a olho nu. Mas, passando a unha, notamos a saliência.

Essa nova borda, de aparência tão insignificante, muda a natureza do corte. Passa a ser mais parecido com o de um formão ou de uma plaina. Ao deslizar sobre a madeira, corta, em vez de dilacerar as fibras. Mantido o ângulo correto, é uma miniplaina. Sendo uma superfície de corte muito curta, não penetra na madeira. Como sua superfície de corte é muito

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Raspador Stanley com cabo pivotante, para manter a soleira da ferramenta sempre perfeitamente paralela à peça trabalhada.

Raspadores em aço-carbono, com cabo improvisado pelo marceneiro.

na página ao lado: Coleção de raspadores de aço-carbono com perfis variados, para se ajustar a tarefas diferentes.

curta, não penetra na madeira, portanto não faz os estragos de uma plaina cortando ao arrepio da fibra. E, obviamente, é muito mais eficiente do que a lixa.

Puristas poderiam contestar o nome da ferramenta, já que vira uma plaina. Ou seja, corta, em vez de raspar. Mas deixemos de lado tais questões.

Quando o objetivo explícito é remover alguma coisa de uma superfície bem lisa, há raspadores cuja lâmina pode ser semelhante à de uma faca, ou seja, afiada tradicionalmente. Raspadores assim são mais usados para tirar tinta de chapas metálicas ou vidro, já que não há o risco de uma penetração mais profunda e indesejada.

Na marcenaria, há superfícies que não são planas. Nesse caso, usamos raspadores cujo perfil se adéqua à tarefa. Podem reproduzir, ao inverso, as sinuosidades de uma moldura. Podem ser curvos ou pontudos, para chegar a reentrâncias impossíveis para outras ferramentas. Se não temos um com perfil exigido, com esmeril e lima, adaptamos um raspador velho para a nova tarefa.

De algumas décadas para cá, aparece uma nova estirpe de raspadores. São conhecidos pelo nome dado pelo fabricante: Surform. No fundo, não passam de ferramentas semelhantes aos raladores de queijo parmesão: uma chapa de aço com dentes salientes e cortantes.

Passando agora aos cabos dos raspadores, é grande sua variedade. A principal função deles é poupar as mãos dos marceneiros. De fato, raspar a pintura de uma porta inteira é tarefa para muitas e muitas horas.

Os cabos mais simples são peças de madeira fixadas numa borda das tradicionais raspadeiras retangulares. Nada mais do que isso.

Muito comuns são os raspadores com uma haste de madeira, como se fosse um pedaço de cabo de vassoura com um bloco na extremidade. Nele, há um sulco para a lâmina e um parafuso de fixação. Pela sua geometria, são puxados, e não empurrados.

Alguns furos acima em complexidade estão os raspadores montados num chassi metálico ou de madeira e que fixa o ângulo de incidência da superfície cortante. Na verdade, são ferramentas muito próximas das plainas.

Um parafuso ou cunha mantem a lâmina fixa na ferramenta. Sua soleira é muito semelhante à das plainas. Seriam plainas, não fossem duas diferenças. A primeira é a afiação da aresta. São afiados como raspadores, e não como plainas, portanto raspam

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mais do que cortam. A segunda é que o ângulo da lâmina é mais rombudo, mais em pé do que a das plainas.

Alguns são construídos com blocos de madeira e usam cunhas semelhantes às de uma plaina. Outros têm uma lâmina ondulada, pois são usados para preparar as peças que vão receber um revestimento colado. Às vezes são chamados de plainas de dentes ou de arranhar. Há versões construídas como raspilhos, com os clássicos cabos em forma de asas.

Existe também um tipo com chassis metálico e um cabo longo. Sua característica marcante é que o cabo pivota no chassis. Assim, ao ser puxado, o ângulo de corte se mantém fixo, já que a soleira corre com perfeita aderência à superfície da peça.

Os raspadores em ação

Não será muito original dizer que raspadores são usados para raspar. Seja para tirar tinta velha, seja para limpar a superfície da madeira, seu uso é frequente numa marcenaria.

Devemos pensar neles como uma alternativa à plaina, ao raspilho e à lixa. A plaina deve ser a primeira a ser lembrada, pela perfeição do acabamento e pela rapidez do corte. Mas está fora de cogitação se a superfície não é plana ou a peça não dá acesso a ela. A lixa é sempre uma solução que funciona. Entra em qualquer lugar e é de fácil uso. Mas é mais lenta e não permite uma superfície tão perfeita. Além disso, quando desejamos uma aresta viva, a lixa tende a fazê-la abaulada.

Os raspadores sem cabos requerem uma pega clássica. Só funcionam com as duas mãos. Vão os polegares no centro e os outros dedos, nas bordas. Se apenas deslizamos o raspador sobre a peça, a força exercida se distribui em toda a sua extensão e não corta quase nada. É necessário vergá-lo e dar uma ligeira inclinação, para que somente a parte central raspe a madeira. Nessa posição, podem ser puxados ou empurrados, dependendo da preferência individual.

Os raspadores com cabos não requerem uma técnica especial, além daquela usada para sua afiação: é encontrar o ângulo melhor, puxar e ter e paciência para concluir o trabalho.

Na marcenaria, os raspadores são usados para uma ampla variedade de tarefas. São aplicações clássicas: tirar tinta, limpar superfícies e eliminar rugosidades. Aonde não chega a plaina, eles podem chegar. Em molduras e talhas, funcionam até melhor do que lixas.

Um uso nobre do raspador é para lidar com superfícies em que a fibra da madeira é arrevesada – um problema crônico da marcenaria. Em vez de deixála lisa, a plaina pode piorar a situação, escalavrando tudo, pois a direção certa para um pedaço é errada para o próximo. É aí que entra em cena o raspador. Mudamos a direção da sua trajetória sempre que necessário. Nesses casos, pode dar um acabamento superior ao da lixa.

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Serra japonesa para madeira (RyobaNoko). Caracteriza-se por ter lâmina muito delgada e dentes usinados para trás. Portanto, cortam puxando (e não empurrando, como nas serras ocidentais).

Serras, serrotes, corrupiões e afins4

A serra faz exatamente o que a palavra sugere: serra. Nada além disso. Em compensação, reaparece com uma grande variedade de versões. Há muitos materiais que necessitam ser serrados e há muitas maneiras de fazê-lo, de acordo com o caso. Portanto, há vários modelos de serras.

História da serra

Comparada com machados, martelos e raspadores, a evidência arqueológica da serra é muito mais escassa. Possivelmente porque era muito precário o que seria possível construir antes dos metais.

Foram achadas em pesquisas arqueológicas facas que parecem ter um serrilhado na superfície de corte, bem como pedacinhos de sílex ou dentes de peixes incrustrados em peças de madeira. Mas nada disso parece muito convincente para a tarefa de serrar.

Na melhor das hipóteses, as primeiras serras serviam para cortar na transversal. Para cortes ao comprido da fibra da madeira, as cunhas eram usadas para rachar a peça.

4 A presente seção e a próxima, que tratam de serras motorizadas, se beneficiam do livro publicado pela empresa Henry Disston & Sons, The saw in history (Philadelphia: Disston, 1919). O fundador da empresa, o próprio Disston, está para as serras como Stanley está para as plainas.

Em grande medida, antes do ferro, a serra não era uma fórmula viável. Mesmo quando passaram a ser feitas de cobre, faltava-lhes dureza para ser eficaz.

Com o domínio do ferro e, depois, do aço, tudo muda de figura. No período da Roma clássica, começam a aparecer muitas soluções para serrar. Os modelos são bastante variados, prenunciando o que viria depois. Assim, algumas direções já podem ser discernidas.

Na época, a metalurgia não permitia uma lâmina resistente e também delgada. A fina que se conseguia fabricar, por ser débil, se empurrada, travava na madeira e vergava. E lâminas espessas cortam muito lentamente. Diante dessa restrição tecnológica, três caminhos são tomados.

Um deles é colocar um reforço de metal no seu dorso. Com isso, obtém-se a rigidez desejada. De resto, a serra de costas que temos hoje é exatamente isto: uma lâmina muito fina e um reforço de ferro ou latão no seu dorso. A desvantagem é que a serra só corta peças mais estreitas do que a distância entre os dentes e as costas.

A outra solução é usinar os dentes de modo que cortem na puxada da serra, e não ao empurrá-la. É a solução clássica das serras japonesas. Puxando, elimina-se o problema de a serra entortar, sem abrir mão de lâminas delgadas. A desvantagem dessa opção não está na serra, mas na maneira de fixar a peça a ser cortada. Ela tem que ser bem fixada em algum cavalete ou morsa. Não basta seu peso – unido ao do joelho do marceneiro –, como no caso das serras que cortam

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Serrote tradicional, popularizado pela fábrica americana Disston. Seu desenho tem mais de um século e continua sendo produzido e vendido.

empurrando. Portanto, é mais trabalhoso. Assim que avançou a metalurgia, tal solução foi abandonada no Ocidente.

A terceira alternativa é retesar a serra por meio de um arco. Presa nele, tanto faz se é puxada ou empurrada. É a serra de lâmina tensa. Essa solução sobrevive até hoje, sendo mais comum no norte da Europa. Daí que se encontram com mais frequência nas regiões brasileiras de imigração alemã. É mais conhecida no Brasil como serra de traçar ou serra de são José.

Esses três tipos se difundem pelo mundo e sobrevivem até hoje.

Independente do tipo de serra, um avanço importante, já do período clássico romano, é a técnica de travar os dentes. Ou seja, um é entortado para um lado e, o seguinte, para o outro. Assim conformados, os dentes abrem um sulco mais largo do que a espessura da lâmina, que não engasga no rasgo que está abrindo. A operação de travar os dentes leva ao desenvolvimento de uma coleção de ferramentas próprias para essa tarefa.

A Revolução Industrial traz avanços na metalurgia, tornando possível produzir um serrote delgado e que pode cortar ao empurrar. É chamado de serra de lâmina livre.

Essa mudança na qualidade da lâmina provoca um avanço interessante no desenho do cabo. Desde antes da metalurgia, a serra era não mais do que uma faca dentada, como as atuais facas de cortar pão. No século XVIII, em vez de um cabo oblongo, adota-se um desenho semelhante à empunhadura de um revólver ou pistola. Pensando bem, se a serra tem que ser empurrada, um cabo como o de uma lima ou chave de fenda é bem menos conveniente. Adota-se então o cabo que conhecemos até hoje: o dos serrotes.

Em meados do século XIX, definem-se desenhos e modelos clássicos de serrotes, que mudaram muito pouco desde então. O americano Disston torna-se para os serrotes o que Stanley virou para as plainas: a referência que todos copiam. É o modelo vencedor entre as serras manuais.

De tão ubíquos, um uso novo e inesperado é encontrado para os serrotes: podem ser tocados com um arco de violino, produzindo um som muito peculiar. Ao dobrar-se sua lâmina, varia a nota produzida. Muitas composições para serrote foram criadas, e até hoje se promove um festival de músicas executadas neles. Inicialmente, serras compradas nas lojas de ferragens eram utilizadas. Com o tempo, chegam a aparecer, nos Estados Unidos, dez fabricantes de serrotes só para música. Marlene Dietrich frequentemente se apresentava tocando tal “instrumento musical”.5

5 Exemplos de música com serrotes: <www.youtube.com/watch?v=zo97E2H2Ec8>, <www.youtube.com/ watch?v=3F9PVM-Yg0k>, <www.youtube.com/watch?v=cHP9YBNK5AU>, <www.youtube.com/watch?v=Hm1vUU52JAE> e <www.youtube.com/ watch?v=7E_U1xyK7Gw>.

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A arte do ofício

Numa Europa segmentada, cada pequeno reino tinha seu estilo de serrote. Enquanto se tratava de uma manufatura artesanal, isso não importava. Nasce o problema quando, em meados do século XIX, as ferramentas passam a ser produzidas em grandes fábricas. Como os mercados passam a ser continentes, e não mais sub-regiões de um país, Goldenberg, a tradicional fábrica alsaciana, se vê obrigada a ter no seu catálogo de 1.901 dezesseis modelos de serrotes, cada um atendendo a um pedacinho da Europa.

Daí em diante, todavia, há uma reversão nessa balcanização dos desenhos de serrotes e outras ferramentas. É o início da globalização dos mercados. Reduzem-se as variantes de desenho e poucos modelos se difundem pelo mundo afora.

Em paralelo a todas essas mudanças, a qualidade dos aços não para de evoluir, bem como suas têmperas e ligas. O chamado aço rápido resiste ao calor gerado pelo uso de motores, no caso das serras circulares.

Cada vez mais as diferenças entre serras se resumem no desenho dos dentes, e cada uma é mais apropriada para uma tarefa ou tipo de madeira. Na verdade, os grandes progressos recentes estão no perfil dos dentes. São hoje muito decantados aqueles usados nas serras japonesas.

Com a mecanização, evoluem as serras circulares, dispensando a força humana. É outra era que se inaugura. Felizmente, são camadas tecnológicas que se sobrepõem, convivendo o arcaico, o tradicional e o moderno. Um serrote igual aos do século XIX convive com serras portáteis a bateria, para não falar de serras circulares que pesam meia tonelada.

A grande família das serras6

Como mencionado existem hoje quatro tipos principais de serras manuais.

A serra de costas (ou serrote de dorso reforçado) é a alternativa clássica para fazer encaixes, pela sua precisão e pela estreiteza do corte. A lâmina delgada ganha rigidez pela chapa metálica encastrada no seu dorso. É pequena e relativamente fácil de ser manejada, mas sua desvantagem já era conhecida pelos romanos: não permite serrar peças largas, pela presença do reforço. Sua versão japonesa, o dosuki, está se popularizando no Ocidente, pela eficácia dos seus dentes numa lâmina muito delgada.

A serra que corta ao ser puxada foi abandonada na Europa, mas volta às marcenarias e aos amadores sofisticados aquelas de origem japonesa, chamadas Ryoba-Noko. Seu uso hoje se difunde pelo mundo, chegando ao Brasil por competições internacionais

6 Para exemplos, ver: <www.youtube.com/watch?v=zo97E2H2Ec8>, <www.youtube.com/watch?v=3F9PVM-Yg0k>, <www.youtube.com/ watch?v=cHP9YBNK5AU>, <www.youtube.com/watch?v=Hm1vUU52JAE> e <www. youtube.com/watch?v=7E_U1xyK7Gw>.

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Serra de costas, modelo que persiste através dos séculos, com mínimas variações.

Serra de traçar, ou de são José. Comum no norte da Europa, mas presente no Brasil.

Serra de recortes ou tico-tico. Permite cortar curvas muito fechadas.

– no caso, a World Skills. Por ter uma lâmina muito delgada, é ótima para encaixes e trabalhos de precisão.

É, contudo, uma serra difícil de ser usada. Como não é travada e abre um sulco estreito, não permite corrigir a direção do corte.

A serra de traçar (ou serra de lâmina tensa), também conhecida no Brasil e na Itália como serra de são José – por alusão às imagens do pai de Jesus Cristo em sua oficina –, é uma ferramenta apreciada na Europa, sobretudo no norte. É versátil, corta em linha reta ou em curva e pode ser construída com ferramentas simples. Estrutura de madeira em forma de H, tem, de um lado, uma lâmina estreita e, de outro, uma corda ou tirante. Ao ser retesada, transmite o movimento à outra extremidade dos sarrafos, onde está a lâmina. Como resultado, o conjunto fica bastante rígido. É uma solução simples e elegante.

De fato, usá-la com destreza é uma arte a ser aprendida. Não dá para improvisar. Na nossa tradição de trabalhos em madeira, a serra está quase sempre ausente, mas manejá-la ainda faz parte dos cursos de marcenaria do norte da Europa.

Uma de suas primas é a serra de recortes ou ticotico. Ela é muito menor, usa um arco metálico e lâminas muito finas. Serve para cortar arabescos de qualquer tamanho e também são usadas em joalheria para recortar chapas finas de latão, alpaca, prata ou ouro.

Em anos recentes, o arco em forma de H deu lugar a serras com um tubo de metal em forma de C. São ferramentas para poda de árvores e outros serviços.

Finalmente, falemos da solução que ganhou mundo e praticamente se universalizou: o serrote clássico, difundido pelo inglês Disston. É produzido em vários tamanhos e vem em dois modelos: um para serrar ao longo da fibra, com dentes maiores e mais agressivos, e outro para cortar transversalmente, com dentes menores.

Alguns são mais estreitos e pontudos, outros são largos e pesados, para cortar tábuas maiores, com mais rendimento.

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A arte do ofício

Serra de traçar usada por duas pessoas para cortar árvores ou abrir tábuas. Ainda usada em sociedades mais primitivas. Ilustração de um modelo médio.

O fato de serem travados permite pequenas correções de rumo. Portanto, são ideais para quem ainda não dominou completamente a arte de serrar.

É difícil imaginar uma oficina em que serrotes não estejam presentes. Contudo, as serras circulares, estacionárias ou portáteis, fazem concorrência acirrada a essa ferramenta do século XIX. Cada vez mais, as manuais perdem espaço.

A etimologia do nome serrote sugere sua pequenez. De fato, tem sua contrapartida nas longas lâminas, com dentes gigantes, usadas para desdobrar troncos em tábuas ou mesmo para cortar árvores. Algumas podem ser manobradas por uma só pessoa, mas as mais comuns precisam de duas. Em algumas, um carpinteiro fica de um lado da peça serrada e, um segundo, do lado oposto. Em trabalhos maiores, há um andaime ao qual o tronco fica apoiado, de modo que um operador fica em cima e o outro fica embaixo. É conhecida no Brasil como corrupião ou serra de traçar. Nesse caso, ficar na posição inferior é menos desejável, pois recebe no rosto a serragem que vai sendo produzida. Em regiões do mundo mais atrasadas, tais serras são ainda utilizadas.

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Furador japonês contemporâneo e sovela de manufatura artesanal brasileira. São as ferramentas mais básicas para fazer furos.

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