148 revista de catequese

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Ano 39 • N. 148 - Julho/Dezembro - 2016 • ISSN 1676-2630 Publicação semestral de formação para catequistas e agentes de pastoral

Pós-Graduação lato sensu em Catequese Bacharelado em Teologia

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Aceita-se permuta - Exchange is solicited São Paulo, ano 39, n. 148, jul./dez. 2016.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL

REVISTA DE CATEQUESE Chanceler Edson Donizetti Castilho Reitor Ronaldo Zacharias Pró-Reitora de Ensino, Pesquisa e Pós graduação Romane Fortes dos Santos Bernardo Pró-Reitor de Extensão, Ação Comunitária e Pastoral Antonio Boeing Pró-Reitor Administrativo Nilson Leis Coordenador do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Catequese Humberto Robson de Carvalho Coordenador do Bacharelado em Teologia Luís Fabiano dos Santos Barbosa Editor Antonio Wardison C. Silva Editor Adjunto Luiz Alves de Lima

Revista de Catequese / Publicação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Unidade São Paulo – Campus Pio XI e Instituto Teológico Pio XI. – ano 1, nº 0, (1977) - . — São Paulo: UNISAL, 1977 – v. ; 23 cm Semestral ISBN 1676-2630 I Catequese. II Educação Religiosa. III Evangelização. IV Educação à fé. V Pastoral. VI Ensino Religioso Escolar. CDU 268 CDD 268 Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Miriam Ambrosio Silva – CRB 5750/8

COMISSÃO EDITORIAL Antonio Wardison C. Silva Francisco Inácio Vieira Júnior Luiz Alves de Lima Luís Fabiano dos Santos Barbosa UNISAL - São Paulo REVISÃO EDITORIAL Luís Fabiano dos Santos Barbosa CONSELHO EDITORIAL Alexandre Awi Mello UNISAL - São Paulo Anderson Alencar Menezes Universidade Federal de Alagoas Cézar Teixeira Instituto de Teologia - SE

Redação, Administração e Permuta Unidade São Paulo - Campus Pio XI Rua Pio XI, 1.100 - Alto da Lapa 05060-001 - São Paulo - Brasil Fone: 0xx11 - 3649-0200 Contato: revistacatequese@pio.unisal.br Edição: catequese.editor@pio.unisal.br

Elza Helena de Abreu UNISAL - São Paulo Enrique Garcia Ahumada Universidad Catolica Silva Enriques - Santiago do Chile Fernando Altemeyer Júnior PUC/SP Israel José Nery Universidad La Salle - Santiago do Chile

Impressão e Acabamento: AN GRÁFICA LTDA Rua Alamoique, 73 - Freg. do Ó 02807-100 São Paulo - SP Fone: 11 3975-9262 e-mail: angrafica@uol.com.br

Luiz Eduardo Pinheiro Baronto Universidade São Judas - São Paulo Margaret A. Guider Boston College - School of Theology and Ministry - EUA Maurício Tadeu Miranda UNISAL - São Paulo Ney de Souza PUC/SP Ronaldo Zacharias UNISAL - São Paulo Rosana Manzini UNISAL - São Paulo

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Wolfgana Gruen São Paulo, ano 39,Santo n. 148,Tomás jul./dez.de2016. Instituto Aquino - Belo Horizonte

REDAÇÃO Íris Gardino TRADUÇÃO Margaret A. Guider CAPA Departamento de Comunicação e Marketing UNISAL DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Renata Lima – AN Gráfica


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Índice EDITORIAL

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Antonio Wardison C. Silva....................................................................................................................

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Primeiro anúncio e ação evangelizadora: do coração do evangelho ao coração do mundo

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Marcelo Luiz Machado......................................................................................................................... A evangelização na primeira infância a partir de Documentos da Igreja

Rachel Lemos Abdalla......................................................................................................................... 15 Espaço catequético: uma referência para a transmissão da fé Ariél Philippi Machado.................................................................................................................... 28 A Sagrada Escritura na catequese no contexto pós-Concílio Vaticano II Daniel Nogueira de Assis e José Ivanildo de O. Melo........................................................................... 37 A obra lucana: uma catequese sobre o Espírito Santo Cassio Ramon C. O. Nascimento........................................................................................................ 47 A tensionalidade frutuosa entre o masculino e o feminino na percepção de Deus: uma leitura a partir da perspectiva bíblica Guilherme Pereira Anselmo Júnior.................................................................................................. 57 O homem e o criador: o sentido da vida e da felicidade Cézar Teixeira e Ivan de Jesus Oliveira Santos.............................................................................. 67 Papa Francisco e a fidelidade ao Vaticano II Daniel Braz, José Rodolfo Galvão dos Santos e Márcio Fernando de Castro................................ 74 VIVÊNCIAS “Discipulado catecumenal de adultos” recebe prêmio nacional: experiência com 10 anos no Uruguai recebe reconhecimento da Fundação Card. Martini Luiz Alves de Lima........................................................................................................................... 87 RESENHA A Catequese: do Vaticano II aos nossos dias – a caminho de uma catequese a serviço da Iniciação da Vida Cristã José Rodolfo Galvão dos Santos.................................................................................................... 97 A caminho de uma Catequese à serviço da Iniciação à Vida Cristã: apresentação do livro “A Catequese: do Vaticano II aos nossos dias” Luiz Alves de Lima..........................................................................................................................100

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A Revista de Catequese, em mais um número, proporciona ao público leitor uma gama de reflexões teológico-catequéticas em total sintonia com as discussões mais atuais da Igreja sobre a pastoral. Trata de reflexões iluminadoras e, ao mesmo tempo, provocativas, que ajudam o agente de pastoral a compreender a missão dele na Igreja. Na perspectiva da ação evangelizadora da Igreja, reflete sobre a natureza do primeiro anúncio, no real contexto cultural do mundo moderno, em particular, da América Latina, com seus desafios e necessidades; discorre, também, sobre a evangelização na primeira infância, com base em documentos da Igreja. Uma abordagem teológica em busca da compreensão sobre o compromisso dos pais e da comunidade cristã na educação de fé das crianças. Na mesma medida, disserta sobre uma ação catequética efetiva e eficaz, com o ensejo de articular a tarefa da catequese com a mística do espaço catequético. No horizonte bíblico, reflete sobre o lugar e o papel da Sagrada Escritura na catequese após o Concílio Vaticano II. Para tal, em busca de compreender o significado dessa renovação bíblicocatequética, investiga o contexto pré-conciliar e, propriamente, o Concílio Vaticano II; aborda, ainda, uma catequese sobre o Espírito Santo, com base nos Escritos de São Lucas, uma análise sobre o papel atribuído ao Espírito Santo no Evangelho segundo Lucas e nos Atos dos Apóstolos. Discute, além disso, o masculino e o feminino na perspectiva bíblica e, particularmente, procura inferir alguns elementos da problematização do feminino como lugar teológico na tradição bíblica. Na perspectiva da antropologia teológica, reflete sobre o sentido da vida e da felicidade, pautada na relação homemDeus, isto é, na maneira como o homem busca e compreende a sua relação (chamado) com Deus. Numa perspectiva histórica, analisa a recepção do Concílio Vaticano II por meio da exortação apostólica Evangelii Gaudium, para assim compreender a fidelidade do papa Francisco ao magistério conciliar.

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A Revista de Catequese traz, ainda, uma matéria a respeito da experiência sobre o discipulado catecumenal de adultos, uma resenha sobre a obra do Pe. Luiz Alves de Lima, intitulada A catequese: do Concílio Vaticano II aos nossos dias – a caminho de uma catequese a serviço da Iniciação à Vida Cristã e uma apresentação, do próprio autor, sobre a Obra. Esperamos que esta edição possa despertar profundas reflexões acerca da vida pastoral-catequética da Igreja e, com isso, fortalecer, ainda mais, nosso entusiasmo e compromisso com o projeto salvador de Deus.

Boa leitura! Antonio Wardison C. Silva Editor

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ARTIGOS ARTIGOS PRIMEIRO ANÚNCIO E AÇÃO EVANGELIZADORA: do coração do evangelho ao coração do mundo INITIAL PROCLAMATION AND EVANGELIZING ACTION: from the heart of the gospel to the heart of the world Marcelo Luiz Machado* RESUMO: Para a evangelização hoje, o primeiro anúncio como dinâmica da ação missionária eclesial é a chave de leitura e a resposta pastoral urgente para entender a mudança de época que vivemos e a proposta de conversão pastoral, grito profético da conferência de Aparecida e, atualmente, do pontificado do papa Francisco. A transmissão da fé no momento atual precisa ser vista como proposta alegre e misericordiosa e não mais uma herança social como em outros tempos. Por isso este primeiro anúncio que conduz à conversão e adesão à fé encontra-se dentro um programa pastoral mais complexo: o processo de ação evangelizadora. Este artigo percorre o mesmo método teológico-pastoral latino-americano que, com um novo frescor apresentado pelo Departamento de Missão e Espiritualidade do CELAM, permanece atual: contemplar nossa realidade a partir da visível mudança de época neste início de milênio, discernir o que seria este primeiro anúncio dentro do processo de evangelização pós-conciliar e propor a fé hoje, deixando-nos iluminar pelas contribuições de Paulo VI e Francisco nos dois sínodos sobre a evangelização que compõem esse cenário de transformações e oportunidades para a catequese hoje. Palavras-chave: Primeiro anúncio. Mudança de época. Processo evangelizador. Evangelii Nuntiandi. Evangelii Gaudium. ABSTRACT: For evangelization today, the initial proclamation, as a dynamic of ecclesial missionary work, is the key to reading the signs of the times and an urgent pastoral response for make meaning of the changing times in which we live, a call to pastoral conversion, a prophetic cry of the Aparecida conference, and currently, the pontificate of Pope Francis. The transmission of faith in the present moment must be seen as a joyful and compassionate proposal and not merely one more social heritage of times gone by. For this reason, this initial proclamation that leads to conversion and adherence to the faith, takes place within a pastoral activity that is much more complex: the process of evangelization. This article makes use of the same theological, pastoral and Latin American method that, with a new freshness presented by the Department of Mission and Spirituality of CELAM, remains current: to contemplate our reality from the perspective of the changing times made visible since the start of the new millennium, to discern what this initial proclamation will mean within the process of post-conciliar evangelization and today’s proposal of faith, and to allow ourselves to be enlightened by the contributions of Pope Paul VI and Pope Francis and the two synods on evangelization that make up this scenario of changes and opportunities for catechesis today. Keywords: Initial proclamation. Changing times. Process of evangelization. Evangelii Nuntiandi. Evangelii Gaudium.

* Presbítero na Arquidiocese de Ribeirão Preto. Pós-graduado em Pedagogia Catequética pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO); é assessor eclesiástico para a dimensão Bíblico-Catequética e membro da equipe do Regional SUL I da CNBB. 6

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ARTIGOS ARTIGOS Introdução Na apresentação do documento final da V Conferência de Aparecida, os bispos latino-americanos e caribenhos reconhecem, logo a princípio, a dinâmica pastoral que serviria como palavra de ordem neste terceiro milênio: impulsionar a ação evangelizadora da Igreja recomeçando com base em Cristo, porque “não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”1. Esse mesmo desejo passou pela comunidade lucana ao descrever sua mais bela catequese: a trajetória de dois homens que – pela cegueira da decepção e da incompreensão – caminhando em meio à tristeza rumo a Emaús, sentirão seus corações arderem a ponto de começar, de fato, um verdadeiro discipulado após o encontro com seu mestre que, abrindo seus olhos, voltaram cheios de alegria proclamando a Boa Notícia (Lc 24, 13-35). Não há sombra de dúvidas de que o Concílio Vaticano II (1962-1965) foi um divisor de águas na história e na vida da Igreja neste último século. Mesmo um pouco distantes cronologicamente, ainda sentimos o perfume das flores que se abriram, saboreamos os frutos colhidos e que, todavia, devemos colher na bondosa inspiração de S. João XXIII de, com alegria, abrir as janelas da Igreja ao mundo. Com todo o entusiasmo pós-conciliar, a Igreja buscou e ainda busca amadurecer e delinear de que forma deve anunciar o Evangelho numa sociedade em profunda e rápida transformação: à evangelização não faltaram vozes proféticas que ecoaram frente ao novo paradigma missionário nos últimos anos. Este breve ensaio quer recordar duas delas que – seja pela novidade, seja pela audácia pastoral –, mesmo guardando a distância temporal, transmitem o frescor de uma Igreja renovada e alegre na presença do Crucificado-Ressuscitado. A primeira seria a do beato Paulo VI, por meio da sua carta magna e até hoje reluzente Evangelii Nuntiandi. A outra na ternura do latino-americano Francisco que, com a Evangelii Gaudium, deixará profundas marcas de seu pontificado na ação evangelizadora. Duas exortações que respondem ao anseio da Igreja de fazer com que a Palavra se torne fermento no mundo. Duas vozes proféticas que se movem pelo anúncio e pela denúncia em meio às comemorações conciliares: uma no primeiro decênio de clausura e esta última que abre o cinquentenário. Antes de comemorar, é tempo de refletir sobre se temos zelado quanto à ação missionária, caritativa e libertadora, como nos inspirou sabiamente o Vaticano II, que continua vivamente a proclamar uma renovação pastoral em todas as estruturas eclesiais. E como porta de entrada e base fundamental de todo processo evangelizador, esses dois documentos ajudam-nos a escutar, dialogar e deixar que a Boa Nova chegue ao coração do mundo por meio de um “elo perdido” que precisa ser redescoberto frente às mudanças pós-conciliares: o primeiro anúncio. O objetivo dessa reflexão será descobrir como a atividade missionária e este primeiro anúncio são concebidos e assumidos pela Igreja a partir dos dois sínodos que unem as alegrias e esperanças na passagem de milênio.

1 CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida: Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007, n. 1; 12. 2 Cf. MORLANS, Xavier. El primer anuncio: el eslabón perdido. Madrid: PPC, 2009, p. 43-48.

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ARTIGOS ARTIGOS 1 Contemplar nossa realidade Passando pelas páginas de nossa história, vemos que a modernidade provocou não somente no campo religioso – mas especialmente nele – uma nevrálgica transformação, na qual se pode recair num desespero eclesial por parte de seus líderes: a passagem de uma racionalidade mítica, com suas cosmovisões e teologias, a uma racionalidade da dúvida sistemática, ou seja, puramente racional e científica3. Pelo menos nos últimos 500 anos, a nascente modernidade gerou no coração do Ocidente total desconfiança, colocando todas suas energias no esforço humano de interpretar um único mundo: o racional-científico. De uma postura anticlerical dos séculos XVI e XVII, chegaremos ao ateísmo declarado com um possível desaparecimento da religião profetizada no século XIX em que a Igreja, perdendo sua hegemonia de lançar as bases harmônicas para o bem viver em sociedade, passa a ser um organismo institucional dentro de um visível pluralismo religioso. Essa transformação que a modernidade gerou no campo religioso incide drasticamente na forma como a Igreja continua a cumprir seu mandato missionário: “vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês” (Mt 28,19-20a). A “paz constantiniana” gerou no catolicismo nascente e perseguido uma segurança e um status quo de um crescente e aparentemente eterno “cristianismo sociológico”, em que não necessitava mais apresentar a fé frente a um mundo hostilizado e paganizado: agora já se nascia cristão! E assim passamos toda a modernidade com a mesma consciência do século IV. E com os novos contornos tomados pela modernidade no século XX, o catolicismo – que com todas as forças ainda persistia num projeto de neocristandade – vê-se assustado ao constatar que a evangelização não podia ser mais vista somente a partir da transmissão da fé, mas de novos instrumentos. É nítido que depois de tantos séculos acostumados com uma sociedade que respirava e comunicava a fé cristã católica em todos os seus espaços, a Igreja se vê, hoje, diante de um novo paradigma para a evangelização. Esses desdobramentos da modernidade serão mais acentuados a partir do século XIX. Alguns teólogos vão intuir uma realidade que depois será assumida eclesialmente pelo magistério latinoamericano em Aparecida: esta não é uma época de mudanças, mas uma mudança de época4. Hans Küng, por exemplo, chega a afirmar radicalmente que estamos passando por uma crise epocal da religião e do cristianismo5. Por se tratar ainda do tempo presente, essa fervescente mudança de época receberá inúmeros nomes a partir da dimensão de fundo proposta: pós-modernidade é a clássica definição filosófica sugerida por Jean-François Lyotard na década de 1970; outros denominarão ainda como hipermodernidad, modernidade tardia, segunda modernidade ou, ainda, sociedade secular. No campo sociológico, o polonês Zygmunt Bauman tem-se destacado atualmente com o conceito de modernidade líquida, com uma infinidade de títulos lançados anualmente, em cooperação com outros autores. No entanto a ideia que percorre a “veia pós-moderna” é a de uma Cf. ARNOLD, Simón Pedro. La iniciación cristiana ante el cambio de época. SCALA, 2015, p. 2-3. Cf. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Cambio de época? El caminar de la Iglesia en el contexto actual. Bogotá: CELAM, 2016, p. 92. 5 Cf. VELASCO, Juan Martín. Ser cristiano en uma cultura posmoderna. Madrid: PPC, 1997, p. 11. 3 4

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ARTIGOS ARTIGOS reação pautada na desconfiança da razão, no colapso dos grandes relatos utópicos, na suspeita de tudo e na primazia do estético sobre o ético6. No campo religioso, uma obra de teologia espiritual chama-nos a atenção, escrita pelo monge beneditino belga Simón Pedro Arnold e que vive atualmente no Peru. La era de la mariposa retrata o processo de transformação para uma nova época. O retrato de uma sociedade marcada pela descristianização, pelo pluralismo religioso e por uma galopante secularização não é somente um retrato europeu pendurado na parede do mundo globalizado como se constata há vários anos. Erramos em dizer que a América Latina não se enquadra nesse mesmo retrato, com a falsa esperança de que ainda somos um “continente católico”, porque é certo que “o movimento que se avizinha será muito mais devastador e rápido que na Europa pelo tipo de experiência religiosa que se manteve em nosso continente desde a colônia e o contexto da cultura de hoje”7. Também somos afetados por essa mudança de época globalizada e, por que não dizer, prontos para “alçar voo”: Se trata de uma verdadeira crisálida espiritual. Estamos entrando na “era da borboleta” onde nos toca liberar-nos do lastro mental do verme mítico e sua ilusória segurança, para empreender o vôo livre, ainda que frágil y efêmero, da borboleta pós-moderna. Definitivamente, o religioso, também na América Latina, já não pode pretender explicar a realidade. Esta função necessita exercer a ciência em suas diversas modalidades. Se o religioso conserva, na Pós-Modernidade, alguma legitimidade, é exclusivamente no campo da busca e da construção simbólica de sentido dentro dessa mesma realidade.8

Papa Francisco dá-nos uma breve análise do mundo atual, especialmente quanto aos desafios para a evangelização, onde “o medo e o desespero apoderam-se do coração de inúmeras pessoas, mesmo nos chamados países ricos. A alegria de viver frequentemente se desvanece; crescem a falta de respeito e a violência, a desigualdade social torna-se cada vez mais patente. É preciso lutar para viver, e muitas vezes viver com pouca dignidade”9. A partir dessa realidade, podemos enumerar as principais dificuldades que afetam o mundo ocidental para a transmissão da fé cristã neste terceiro milênio10: pela grande decepção à racionalidade científica pós-moderna constata-se uma vaga e indeterminada religiosidade pagã e pluralista, como religiosidade sem Deus e sem fé; a dificuldade de abraçar hoje uma fé cristã que sempre se apresenta comprometedora e exigente à vocação e ao mandamento do amor; daí se depreende a concepção relativista de que “todas as religiões são boas”, sem a necessidade de vinculação a nenhuma delas; e, por fim, a dificuldade de uma absoluta transcendência de Deus, em que fé e revelação aos olhos pós-modernos podem parecer ilusórias demais. Cf. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Cambio de época? El caminar de la Iglesia en el contexto actual, p. 69. ARNOLD, Simón Pedro. La iniciación cristiana ante el cambio de época. SCALA, 2015, p. 5. 8 Idem. La era de la mariposa. Buenos Aires: Editorial Claretiana, 2015, p. 8. 9 FRANCISCO. Evangelii Gaudium: a alegria do Evangelho sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. Exortação apostólica. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2014, n. 52. 10 Cf. GEVAERT, Joseph. El primer anuncio: proponer el Evangelio a quien no conoce a Cristo. Bilbao: Sal Terrae, 2004, p. 90-91. Gevaert, belga e professor de Catequética em Roma, está inscrito entre os catequetas mais lúcidos da atualidade e apresenta nessa obra um tratado sobre a importância do primeiro anúncio e de uma organização catequética abertamente missionária. Infelizmente, a tradução portuguesa no Brasil (Primeiro anúncio: finalidade, destinatários, conteúdos, modalidade. São Paulo: Paulinas, 2009, 128p.) não apresenta os dois primeiros capítulos da publicação original. Por mais que o autor abarque alguns problemas específicos da secularização vivida na Europa, os dois primeiros capítulos trazem uma reflexão pastoral preciosa sobre as dificuldades do primeiro anúncio hoje e, especialmente, sobre o testemunho cristão. 6 7

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ARTIGOS ARTIGOS Nesse intuito, a equipe de reflexão teológico-pastoral do CELAM propõe diversas interrogações para as quais buscamos as devidas respostas, seja de cunho cultural, de desenvolvimento humano, seja da própria evangelização: “Que significado possui estes processos de mudanças diversas no atual desenvolvimento regional da América Latina e do Caribe? Qual é o impacto dessas transformações para a vivencia da fé no Continente da Esperança?”.11

2 Discernir o primeiro anúncio à luz de um processo

2.1 Uma ação evangelizadora viva e transformadora O Concílio Vaticano II, na tentativa de iluminar um novo paradigma que chegava às portas da Igreja, como realidade social e fermento na história, na constituição Gaudium et Spes reconhece brilhantemente a necessidade de voltar às fontes ao mesmo tempo com um olhar adiante, por meio de uma leitura profética dos sinais dos tempos: Ela [a Igreja] aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização. Deste modo, com efeito, suscita-se em cada nação a possibilidade de exprimir a mensagem de Cristo segundo a sua maneira própria, ao mesmo tempo que se fomenta um intercâmbio vivo entre a Igreja e as diversas culturas dos diferentes povos. Para aumentar este intercâmbio, necessita especialmente a Igreja - sobretudo hoje, em que tudo muda tão rapidamente e os modos de pensar variam tanto - da ajuda daqueles que, vivendo no mundo, conhecem bem o espírito e conteúdo das várias instituições e disciplinas, sejam eles crentes ou não. É dever de todo o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a ajuda do Espírito Santo, saber ouvir, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julgá-las à luz da palavra de Deus.12

Nesse mesmo espírito, vislumbramos uma ação evangelizadora que contempla os desafios de nosso tempo de tal maneira que busque elementos da tradição cristã frente aos novos areópagos pósmodernos. Esse processo apresenta-se de maneira gradual e articulada pois “a Igreja é convocação, se manifesta essencialmente como comunhão e é enviada em missão, como povo messiânico no meio do mundo”13. Essa ação dá-se precisamente em quatro níveis: como uma tarefa fundamental de levar o Evangelho ao coração do mundo e ao serviço do Reino, de viver esse projeto com uma visibilidade eclesial por meio da koinonía, martyría, liturgía y diakonía, por um processo evangelizador que garanta chegar a Boa Nova aos corações e pelas condições pessoais e institucionais da ação eclesial14.

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Cambio de época? El caminar de la Iglesia en el contexto actual, p. 79. Gaudium et Spes, n. 44. 13 ALBERICH, Emilio. Catequese evangelizadora: manual de catequética fundamental. Madrid: CCS, 2011, p. 47. 14 Emilio Alberich apresenta de maneira muito clara e ordenada em seu manual todos esses níveis a partir do aporte da Lumen Gentium 48 que entende a Igreja como “sacramento universal de salvação”. Cf. ALBERICH, Emilio. Catequese evangelizadora, p. 45-54. 11 12

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ARTIGOS ARTIGOS 2.2 O processo de evangelização Buscando encontrar alguns elementos práticos para a evangelização hoje, ilumina-nos o Diretório Geral para a Catequese: O processo evangelizador, consequentemente, é estruturado em etapas ou “momentos essenciais”: a ação missionária para os não crentes e para aqueles que vivem na indiferença religiosa; a ação catequética e de iniciação para aqueles que optam pelo Evangelho e para aqueles que necessitam completar ou reestruturar a sua iniciação; e a ação pastoral para os fiéis cristãos já maduros, no seio da comunidade cristã. Esses momentos, no entanto, não são etapas concluídas: reiteram-se, se necessário, uma vez que darão o alimento evangélico mais adequado ao crescimento espiritual de cada pessoa ou da própria comunidade.15

Esse processo foi-nos dado a partir das intuições conciliares, especialmente pelo decreto Ad Gentes, mas com a clareza e sistematização ainda atual do papa Paulo VI, expondo as conclusões do Sínodo sobre a Evangelização de 1974 com a exortação apostólica Evangelii Nuntiandi. Torturados pelo “medo e pela angústia”, “incerteza e desorientação (mal-estar)”16 de nossa época, explicita quais são os elementos indispensáveis à evangelização no seu célebre número 24, onde se vê claramente todo um programa evangelizador pós-conciliar. São eles: 1. Renovação da humanidade – tarefa missionária e essencial da Igreja; 2. Testemunho cristão por meio de gestos e palavras; 3. Todo testemunho deve ser seguido necessariamente por um anúncio explícito da pessoa de Jesus; 4. Adesão do coração por meio da conversão; 5. Entrada na comunidade pela vivência sacramental; 6. Acolhida dos sinais pela participação no mistério de Cristo pela liturgia; 7. Iniciativas de apostolado, missão específica de cada discípulo.17 Nesse processo complexo, segundo Paulo VI, propõem-se sete elementos a partir das três etapas distintas processuais da evangelização: a) ação missionária (testemunho, primeiro anúncio e adesão à fé) – como primeira atividade processual a partir do encontro pessoal de cada homem com a pessoa de Jesus Cristo por meio da mediação de um crente e que se dá em distintos ambientes, pois o Evangelho deve impregnar todas as estruturas humanas; b) ação catecumenal (entrada na comunidade e acolhida dos sinais) – é a atividade essencialmente catequética, iniciando aquele que aceita Jesus na Palavra, na caridade, na comunhão e na liturgia, de forma que se incorpore à comunidade mediante os sacramentos; c) ação pastoral (apostolado organizado e renovação da humanidade) – o crente, agora iniciado, será anúncio e sinal para o mundo da salvação que se dá nesse encontro de fé, aprofundando continuamente o mistério pascal de Cristo na comunidade. Não há dúvida de que esse projeto pastoral necessite ser compreendido com base em toda a ação evangelizadora em seu conjunto. E certamente a grande maioria de nossas dificuldades pastorais poderiam ser mais bem resolvidas a partir de um estudo atento desse projeto. Não é possível catequizar sem iniciar, muito menos doutrinar sem dizer ao coração! Os olhos dos discípulos de Emaús abriram-se com um encontro que os levou a um processo iniciático de conversão e apostolado. Por isso a chave de leitura para a evangelização em tempos pós-modernos tem um nome: primeiro anúncio. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para a Catequese. São Paulo: Paulinas, 1997, n. 49. PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi: a evangelização no mundo contemporâneo, n. 1. 17 Ibidem, n. 24. 18 GUERREIRA, Julio A. Ramos. Teología Pastoral. Madrid: BAC, 2006, p. 221-224. 19 MARTÍNEZ, Donaciano (et al.). Proponer la fe hoy: de lo heredado a lo propuesto. Santander: Sal Terrae, 2005, p. 57-61. 15 16

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ARTIGOS ARTIGOS 3 Propor a fé hoje Há pelo menos vinte anos, os bispos franceses, em meio ao mal-estar pós-moderno, deixavam-nos uma luz acesa para o terceiro milênio. Com a comunicação de uma fé comprometida: Esta situação nos obriga a valorizar a novidade da fé e da experiência cristã. Não podemos nos contentar com uma herança, por mais rica que seja. Temos de acolher o dom de Deus em condições novas e reencontrar definitivamente o gesto inicial da evangelização: o da proposta simples e decidida do Evangelho de Cristo.19

No processo evangelizador, a ação missionária é o fundamento da experiência cristã. Hoje falamos tanto de um “fracasso” na catequese, mas esquecemo-nos de que a catequese deve ser precedida por uma ação que não é mais constitutiva de “dentro dos muros” de nossas paróquias. Na lógica pósmoderna, o suposto retorno ao religioso “é marcado por uma sobrevalorização do sentimento como categoria emotiva e estética, em detrimento, muitas vezes, das responsabilidades e das respostas éticas, históricas, situadas em tempos e espaços concretos”20. Com uma precisão pastoral, Duch diz que é preciso rever nossos métodos, conceitos e nossa própria mentalidade frente à chamada “cultura do eu”: Em regra geral, como consequência do individualismo que tem invadido todas as esferas da existência humana, a inquietude religiosa dos nossos dias não passa pelas igrejas, não é comunitária, senão que se trata mais de indivíduos solitários em busca de um sentido que, com frequência, identifica-se com uma terapia que tem como objetivo a satisfação das pulsões de seu próprio ego.21

3.1 O primeiro anúncio como “elo perdido” Essa é a metáfora mais apropriada para dizer que na evangelização hoje devemos recuperar esse “elo” perdido e necessário que integra todo o processo por meio do anúncio querigmático. E como definir esse primeiro anúncio? Poderíamos dizer que designa: Aquela atividade pontual ou aquele conjunto de atividades que têm por objetivo propor a mensagem nuclear do Evangelho a quem não conhece a Jesus Cristo, a quem havendo conhecido se distanciaram d’Ele, e a quem crendo que já conhecem a Jesus suficientemente vivem uma fé cristã rotineira, com a intenção de suscitar em todos eles um interesse por Jesus Cristo que possa levar a uma primeira adesão ou a uma revitalização da fé n’Ele.22

Em todo primeiro anúncio são necessários, da parte de quem evangeliza, pelo menos três elementos básicos: o testemunho de vida do crente, o serviço por meio de gestos concretos e o anúncio explícito da pessoa de Jesus (querigma)23. Paulo VI confirma que “evangelizar é, em primeiro lugar, dar testemunho, de maneira simples e direta, de Deus revelado por Jesus Cristo, no Espírito Santo”24. E depois completa: “a pregação, a proclamação verbal de uma mensagem, permanece sempre como DUCH, Luis. La crisis de la transmisión de la fe. Madrid: PPC, 2009, p. 112. Ibidem, p. 111. 22 MORLANS, Xavier. El primer anuncio: el eslabón perdido. Madrid: PPC, 2009, p. 8. 23 Cf. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. La alegría de iniciar discípulos misioneros en el cambio de época. Bogotá: CELAM, 2015, n. 52-55. 24 PAULO VI. Evangelii Nuntiandi, n. 26. 20 21

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ARTIGOS ARTIGOS algo indispensável. Nós sabemos bem que o homem moderno, saturado de discursos, se demonstra muitas vezes cansado de ouvir e, pior ainda, como que imunizado contra a palavra”25. Na mesma linha pastoral, o papa Francisco descreve o anúncio querigmático como um convite ao encontro pessoal com a Trindade: “o querigma é trinitário. É o fogo do Espírito que se dá sob a forma de línguas e nos faz crer em Jesus Cristo, que, com a sua morte e ressurreição, nos revela e comunica a misericórdia infinita do Pai”26. E conclui deixando clara a importância desse primeiro anúncio na ação evangelizadora: “Não se deve pensar que, na catequese, o querigma é deixado de lado em favor duma formação supostamente mais ‘sólida’. Nada há de mais sólido, mais profundo, mais seguro, mais consistente e mais sábio que esse anúncio”.27 É necessário, ainda, deixar explícito pelo menos três funções pastorais dessa ação evangelizadora, que se dá a partir do primeiro anúncio dinamicamente querigmático: viver esta primeira fé como porta de entrada à vida cristã, ter esse anúncio como fundamento permanente da fé e não somente a quem não conhece a Cristo e, por último, propor o anúncio não somente como fundamento dinâmico de uma experiência cristã, mas também como chave hermenêutica da doutrina e da moral a partir dele.28 Essa chave interpretativa que o magistério eclesial nos oferece nos leva a pensar numa experiência de discipulado ao testemunho nesse novo paradigma, que se dá em três níveis29: de uma vida teologal que nos ponha em comunhão plena com o Deus-Trindade, numa nova forma de vida que pressupõe seguimento e alegria de viver a fé cristã, com ações e palavras para que esse discípulo-testemunha passe, de fato, de evangelizado a evangelizador.

Considerações finais O sonho de Paulo VI com a Evangelii Nuntiandi era uma Igreja lançada ao coração do mundo. Francisco hoje propõe como chave missionária do coração do Evangelho. Segundo a Constituição Dogmática Dei Verbum, a “economia da revelação realiza-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre si”30. E por isso mesmo o primeiro anúncio, assim como é proposto, apresenta-se como a fase inicial da pedagogia reveladora de Deus, que necessariamente conta com o testemunho, com gestos e com o anúncio explícito de Jesus Cristo Morto e Ressuscitado. Todo cristão, de fato, precisa passar por essa experiência iniciática e viver com profundidade, consciente desse processo evangelizador, que é o programa pastoral do Vaticano II. Isso porque muitos de nossa geração vieram de uma experiência iniciática dos catecismos, com um peso enorme sobre a doutrina e a moral cristã. No entanto deveríamos começar na outra ponta: a escuta e o diálogo como aproximação à fé e ao mistério de Cristo. PAULO VI. Evangelii Nuntiandi, n. 42. FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 164. 27 Ibidem, n. 165. 28 Cf. MORLANS, Xavier. La nueva evangelización y el anúncio kerigmático. Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. 2014. Disponível em: http://www.novaevangelizatio.va/content/nvev/es/eventi/Incontro-evangelii-gaudium, Acesso em: 20 de jun de 2016. 29 VVAA. Evangelizar, esa es la cuestión: en el XXX aniversario de la Evangelii Nuntiandi. Madrid: PPC, 2006, p. 102. 30 Constituição Dogmática Dei Verbum: sobre a Revelação Divina, n. 2. 25 26

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ARTIGOS ARTIGOS Há um desejo comum em toda a América Latina: o de viver uma profunda conversão pastoral de toda a Igreja como ponto de partida para a mudança de época que vivemos, especialmente na conferência de Aparecida. Mesmo numa cultura imediatista, predominada pelo superficial e pelo provisório31, nosso tempo é, sobretudo, de muitas oportunidades: deve haver uma catequese que não busque somente a “conversão de seus interlocutores, mas também que se converta ela mesma por meio do dinamismo do Espírito e transforme toda a Igreja”32. A proposta de Emaús é, sem dúvida, o caminho de diálogo com a pós-modernidade. Caminhar inicialmente sem comprometimento para que, deixando-nos encontrar com Ele, sintamos nosso coração arder e, por essa experiência dialogal e comensal, possamos entender a vida e o mundo como olhar a cruz por trás: não pelo sofrimento e derrota, mas pela vida comunicada por amor e pela porta que se abre a partir dela. Essa experiência irá levar-nos da simpatia ao discipulado, do discipulado ao testemunho e do testemunho à renovação da humanidade à luz de Cristo. Dos pés ao coração, da caminhada à proposta da fé, entenderemos o que é propor Cristo e seu Reino do coração do Evangelho ao coração do mundo.

Referências Bibliográficas ALBERICH, Emilio. Catequésis evangelizadora: manual de catequética fundamental. Madrid: CCS, 2011. ARNOLD, Simón Pedro. La iniciación cristiana ante el cambio de época. SCALA, 2015. ______. La era de la mariposa: una espiritualidad en proceso de crisálida. Buenos Aires: Claretiana, 2015. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Tradução da Tipografia Poliglota Vaticana. São Paulo: Paulus, 1997. CONGREGACÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para a Catequese. São Paulo: Paulinas, 1997. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida: Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007. ______. La alegría de iniciar discípulos misioneros en el cambio de época: nuevas perspectivas para la Catequesis en América Latina y el Caribe. Bogotá: CELAM, 2015. ______. Cambio de época? El caminar de la Iglesia en el contexto actual. Bogotá: CELAM, 2016. DUCH, Luis. La crisis de la transmisión de la fe. Madrid: PPC, 2009. FRANCISCO. Evangelii Gaudium: a alegria do Evangelho sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. Exortação apostólica. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2014. GEVAERT, Joseph. El primer anuncio: proponer el Evangelio a quien no conoce a Cristo. Bilbao: Sal Terrae, 2004. GUERREIRA, Julio A. Ramos. Teología Pastoral. Madrid: BAC, 2006. MARTÍNEZ, Donaciano (et al.). Proponer la fe hoy: de lo heredado a lo propuesto. Santander: Sal Terrae, 2005. MORLANS, Xavier. El primer anuncio: el eslabón perdido. Madrid: PPC, 2009. ______. La nueva evangelización y el anuncio kerigmático. Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. 2014. Disponível em: http://www.novaevangelizatio.va/content/nvev/es/eventi/Incontro-evangelii-gaudium. PAULO VI. Evangelii Nuntiandi: a evangelização no mundo contemporâneo. Exortação Apostólica. 1975. Disponível em: www.vatican.va. VELASCO, Juan Martín. Ser cristiano en uma cultura posmoderna. Madrid: PPC, 1997. VVAA. Evangelizar, esa es la cuestión: en el XXX aniversario de la Evangelii Nuntiandi. Madrid: PPC, 2006. 31 32

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ARTIGOS ARTIGOS A EVANGELIZAÇÃO NA PRIMEIRA INFÂNCIA A PARTIR DE DOCUMENTOS DA IGREJA EVANGELIZATION IN EARLY CHILDHOOD - INSIGHTS FROM CHURCH DOCUMENTS FROM

Rachel Lemos Abdalla* RESUMO: Este artigo, à luz de documentos da Igreja, procura refletir sobre a evangelização na primeira infância; a missão evangelizadora dos pais dentro de casa e na Comunidade cristã; a natureza da catequese com crianças que precisa ser viva e aplicada pelos catequistas, dentro das Paróquias, de modo atual e com uma linguagem própria e adequada a elas. Evangelizar os pequeninos desde a mais tenra idade é o equivalente a edificar os pilares do futuro de uma sociedade cristã, justa e fraterna, e também da Igreja, da sua missionaridade e da continuidade da fé que, embora seja um dom de Deus, tem a sua raiz na educação, na formação religiosa e cultural. Palavras-chave: Primeira Infância. Evangelização. Igreja. Catequese. Documentos da Igreja. ABSTRACT: Drawing upon insights from Church documents, this article focuses on evangelization in early childhood by reflecting upon the evangelizing mission of parents within the home and within the Christian community. It explains why catechists in the parish setting need to use adequate means of instruction and age-appropriate language if they are to provide children with a catechesis that is lively in nature and meaningful. Looking to the future, evangelizing young children from an early age is the equivalent of putting in place the pillars upon which to build a society that is Christian, just and fraternal as well as a Church that manifests a missionary spirit and witnesses to a continuity of faith which, although it is a gift of God, has its roots in education, specifically religious and cultural formation. Keywords: Early Childhood. Evangelization. Church. Catechesis. Church documents.

INTRODUÇÃO A Catequese de preparação para a Primeira Eucaristia apresenta um ponto-chave muito importante que diz respeito à pouca participação e ao mínimo interesse dos pais dos catequizandos, no acompanhamento do passo a passo da formação catequética durante a caminhada cristã dos seus filhos na comunidade. Isso ocorre devido à correria do dia a dia e à falta de interesse da família pelos assuntos religiosos, além do fato de que a maioria dos pais não é membro participante da Comunidade Paroquial ou assíduo fiel. Essa realidade provoca certo desconforto, tanto por parte dos catequistas que necessitam da presença dos responsáveis como exemplos a serem seguidos pelos filhos, quanto Rachel Lemos Abdalla, especialista em Catequese pelo UNISAL Pio XI - São Paulo; Fundadora e Presidente da Associação Católica Pequeninos do Senhor; Membro da Equipe do Ambiente Virtual de Formação da Arquidiocese de Campinas; Autora dos livros: Catequese na Primeira Infância - Antigo Testamento e Novo Testamento - Paulinas; Palestrante do Módulo 07 - “Comunicação na Catequese”, do Curso “A Comunicação na Ação Evangelizadora” - Aprofundamento do Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil, organizado pela CNBB em parceria com a Rede Século 21.

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ARTIGOS ARTIGOS também por parte dos pais que se sentem incomodados com a cobrança, mesmo que indireta, no que diz respeito à participação nas Missas nos finais de semana e no acompanhamento da formação religiosa dos filhos, delegando esse encargo a terceiros - no caso, aos catequistas e avós ou tios. Os Documentos da Igreja que se encontram neste estudo apresentam a importância da evangelização de crianças na primeira infância: desde o nascimento até a preparação para a Primeira Eucaristia; a responsabilidade da Igreja na transmissão da fé; o dever cristão dos pais e catequistas de evangelizarem os pequenos; e o direito das crianças de conhecerem Jesus Cristo, o Filho de Deus vivo, e caminharem com Ele como um amigo que nunca as abandonará. Segundo o Diretório Geral para a Catequese, a primeira infância é apresentada como um momento nobre e adequado para a construção do futuro da Igreja e para a humanização da sociedade.1 A evangelização na primeira infância é uma responsabilidade dos pais, inicialmente, pois é junto à família que a criança cresce e conhece o que é viver em comunidade e recebe a semente da fé que a conduz para uma vida cristã autêntica. E o catequista, no momento oportuno e adequado, dá continuidade ao processo evangelizador, sendo prudente e sensato em suas palavras e na condução da criança para o encontro com Jesus. Sua linguagem deve ser apropriada e ele não deve ater-se somente ao ensinamento da mensagem bíblica, mas, essencialmente, à prática desses ensinamentos, estimulando-a e ensinando-a a vivenciar aquilo que está aprendendo na catequese. Segundo a orientação do Papa Francisco: “Para transmitir a fé às crianças e aos jovens de hoje, os adultos devem oferecer mais exemplos do que palavras”.2 Portanto, pais e catequistas, no seu devido tempo, são os responsáveis por moldar futuros cristãos, assim “como o barro nas mãos do oleiro” (Jr 18,6), tornando-os fortes na fé e justos na sociedade. Por tudo isso, existe uma iminente necessidade de se iniciar o processo de Evangelização na primeira infância, também por parte da Igreja, que é responsável por abrir as portas de suas moradas para os pequeninos. E o primeiro passo para essa ação pode ser acolhê-los e evangelizá-los com uma linguagem própria, lúdica e adequada à compreensão deles, durante as Missas Dominicais. Apenas como citação, vale ressaltar que, no Brasil, existe a Pastoral Pequeninos do Senhor3 que presta esse serviço, de forma estruturada e organizada, com o propósito de encaminhar as crianças de 3 a 7 anos para serem evangelizadas de modo lúdico, num espaço adequado a elas durante as Celebrações Eucarísticas. “Ensina à criança o caminho que ela deve seguir; mesmo quando envelhecer, dele não se há de afastar.” (Prov 22,6) Diversos Documentos da Igreja afirmam a importância de evangelizar as crianças logo na primeira infância: desde o nascimento até a preparação para a Primeira Eucaristia. Eles destacam as mais diversas formas de evangelizar e atribuem tal responsabilidade aos pais e à Igreja. Os Documentos, particularmente, destacam, para a evangelização nesta etapa de vida, a inculturação da Palavra de Deus 1 Cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para Catequese. Documentos do Magistério, 1997, n. 177. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cclergy/ documents/rc_con_ccatheduc_doc_17041998_ directory-for-catechesis_po.html. Acesso em: 20 abr. 2015. 2 Radio Vaticano - A voz do Papa e da Igreja em diálogo com o mundo. Papa às crianças: “A fé se transmite com o exemplo e não com palavras”. Disponível em: http://br.radiovaticana.va/news/2014/11/14/papa_fé_se_ transmite_com_o_exemplo,_ não_com_as_palavras/1111122. Acesso em: 09 jul. 2016. 3 Disponível em: http://www.pequeninosdosenhor.org. Acesso em: 04 jun. 2015.

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ARTIGOS ARTIGOS (com linguagem própria), a importância da oração e o despertar da fé. Segundo González, “essa primeira infância é o período adequado para realizar o despertar religioso das crianças [que se dá por meio da catequese] como um processo que não termina nelas, mas segue aberto à adolescência e à juventude”.4 Entre os Documentos que apresentam a importância da evangelização das crianças, o Diretório Geral para Catequese menciona a primeira infância como o momento nobre e adequado para a construção do futuro da Igreja e para a humanização da sociedade,5 e enfatiza a infância e a adolescência como “o tempo da primeira socialização e da educação humana e cristã na família, na escola e na Igreja e, portanto, devem ser compreendidas como um momento decisivo para o futuro sucessivo da fé”.6 A Exortação Apostólica ‘Christi fideles Laici’ destaca que “as crianças são a lembrança constante de que a fecundidade missionária da Igreja tem a sua raiz vivificadora, não nos meios e nos merecimentos humanos, mas no dom totalmente gratuito de Deus”.7 A Igreja, por isso, precisa voltar sua atenção para elas, que são a razão de manter vivo o trabalho missionário, pois elas são os futuros discípulos que darão continuidade à sua ação evangelizadora. Segundo a Sagrada Escritura, as criancinhas são as privilegiadas no Reino dos céus; Jesus convoca todos os homens e mulheres a se tornarem puros como elas (Mc 10,4), lembrando que, quanto mais próximas se mantiverem do Caminho, da Verdade e da Vida, mais crescerão no amor, na fé e na caridade, e que essa caminhada de fé, além de ser dom de Deus, é de responsabilidade daqueles que estão mais próximos delas, agindo como discípulos dentro da família e da Igreja.

1 A evangelização na primeira infância A evangelização na primeira infância é uma responsabilidade, inicialmente, dos pais que, no bom uso da paternidade responsável, confirmam a profissão de fé que proclamam dentro da Igreja e ensinam aos seus filhos o amor a Deus, ao próximo e à criação. Ela deve ser uma prática natural, ensinada a partir do exemplo que nasce da experiência pessoal do casal com Cristo, consciente de que o ser humano é criação de um Deus que é Pai amoroso e misericordioso com seus filhos e está sempre pronto para acolhê-los em todas as suas necessidades. Segundo González, existem duas razões para se incentivar o despertar religioso nas crianças: Favorecer que elas percebam em sua própria vida a proximidade de Deus Pai, que lhes dá segurança e as convida a crescer; e ajudá-las a começar a expressar sua própria experiência religiosa [...], dirigindo-se confiantemente a Deus Pai com suas próprias palavras.8 4 GONZÁLEZ, Maria Navarro. Catequese com crianças. In: PEDROSA, V. M.; NAVARRO, M.; LÁZARO, R.; SASTRE, J. Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 287. 5 Cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para Catequese. Documentos do Magistério, 1997, n. 177. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cclergy/ documents/rc_con_ccatheduc_doc_17041998_ directory-for-catechesis_po.html. Acesso em: 20 abr. 2015. 6 Diretório Geral para Catequese, n. 178. 7 JOÃO PAULO II. Christifideles Laici. Exortação apostólica sobre vocação e missão dos leigos na igreja e no mundo. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_30121988_christifideles-laici. html. Acesso em: 16 abr. 2015. 8 GONZÁLEZ, Maria Navarro. Catequese com crianças. In: PEDROSA, V. M.; NAVARRO, M.; LÁZARO, R.; SASTRE, J. Dicionário de Catequética, p. 290.

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ARTIGOS ARTIGOS Nesse sentido, confia-se na evangelização indireta, para que aconteça esse despertar religioso na primeira infância, pois é assim que se iniciam os primeiros contatos da criança com Deus. Quando o pequenino (a criança) percebe uma relação amorosa nas atitudes e no relacionamento de seus pais entre si, com o próximo e com ela; quando observa o comportamento cotidiano harmonioso daqueles que a rodeiam; quando vivencia as mais variadas situações da vida, como a caridade, a paciência, a bondade e a humildade; quando experimenta a espiritualidade existente no convívio cristão, na partilha do alimento, no abraço do perdão e nas orações diárias, adquire, naturalmente, um pré-conhecimento de Deus e do seu amor, que o conduz ao despertar da fé! Embora a fé seja um dom de Deus, ela também tem a sua raiz na educação, na formação religiosa e cultural, por isso deve ser alimentada no ambiente familiar e na comunidade cristã. A fé tende a crescer à medida que vão amadurecendo a personalidade, o caráter, a afetividade e os valores da criança. A primeira parte do Documento Catequese Renovada9, intitulada “A Catequese e a comunidade na história da Igreja”, apresenta a história da catequese, destacando que ambas – catequese e comunidade – caminhavam juntas, pois a vida das primeiras comunidades estava inserta no conteúdo da catequese. O contexto histórico evidencia a importância da interação de ambas para a propagação das virtudes e dos ensinamentos cristãos, cabendo às famílias a responsabilidade de fortalecer esse vínculo, ensinando e vivenciando com as crianças as práticas cristãs, humanitárias e éticas, tornandose, portanto, os primeiros evangelizadores. Os pequeninos crescem na fé a partir do exemplo e da prática cristã transmitidos pelos pais e também pelos catequistas. A segunda parte do Documento Catequese Renovada, intitulada “Princípios para uma Catequese Renovada”, apresenta a necessidade de a catequese fazer ecoar a Palavra de Deus, revelada na pessoa de Jesus Cristo, na vida do pequenino. O homem sozinho não consegue chegar ao conhecimento de Deus sem que o próprio Deus se revele a ele numa caminhada, num processo. “Como um pai educa o seu filho, assim Deus educa seu povo” (Dt 8,5), revelando-se lentamente na história da humanidade até mostrar o Seu rosto em Jesus Cristo encarnado, feito homem. É no seio da família, primeiramente, que a criança aprende e compreende o sentido de comunidade. Ela, a família, é a semente da fé, a fonte primeira do amor de Deus, lugar em que o homem e a mulher cumprem o seu papel de colaboradores na obra da criação. E, dando continuidade a essa formação primeira dentro do lar, os catequistas são os instrumentos de Deus a serviço da Evangelização. Do mesmo modo, eles são responsáveis e devem manter-se fiéis à transmissão, não somente da mensagem bíblica em seu conteúdo teórico, mas também da sua realidade vital inculturada e encarnada nos fatos da vida do homem de hoje, evangelizando numa linguagem adequada e própria dos seus catequizandos. Infelizmente, ao longo dos tempos, as famílias, as responsáveis pela primeira catequese e por introduzir as crianças no seio da comunidade, tiveram seus hábitos, comportamentos e condutas alterados. Elas, em grande parte, afastaram-se dos compromissos e das práticas de fé domésticas e comunitárias, postergando os ensinamentos das virtudes cristãs e da Palavra de Deus às crianças e, consequentemente, a inserção delas na Comunidade.

Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Catequese Renovada. Orientações e Conteúdo. Documento aprovado pelos Bispos do Brasil na 21.ª Assembléia Geral. São Paulo: Paulinas, 15 de abril de 1983.

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ARTIGOS ARTIGOS Na primeira parte do Documento Catequese Renovada, intitulado “A Catequese e a Comunidade na história da Igreja”, afirma-se: A Catequese introduzia progressivamente a participação da vida cristã dentro da comunidade. Animada pela fé, sustentada pela esperança, exercida através da caridade fraterna, a própria vida da comunidade fazia parte do conteúdo da Catequese. Esta, por sua vez, era o instrumento a serviço de uma entrada consciente na comunidade de fé e da perseverança nela. Catequese e comunidade caminhavam juntas.10

Partindo dessa premissa de caminhada conjunta, a Igreja precisa, cada vez mais, estar aberta para acolher e evangelizar seus filhos pequenos num espaço adequado a eles, a fim de que se sintam insertos na Casa do Pai, para ali crescerem e permanecerem, perseverantes na oração e na vida em comunidade.

2 Pais, os primeiros evangelizadores Segundo a Declaração Gravissimum Educationis, sobre a Educação cristã: Os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de educar a prole e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores (11). Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir, dificilmente poderá ser suprida. Com efeito, é dever dos pais criar um ambiente de tal modo animado pelo amor e pela piedade para com Deus e para com os homens que favoreça a completa educação pessoal e social dos filhos. A família é, portanto, a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm necessidade.11

Partindo dessa premissa, fica evidente que, além do preparo para a vida cristã que a catequese propicia à criança dentro da comunidade, é no seio da família – considerada “igreja doméstica” – que os pais são chamados a dar a primeira formação cristã aos seus filhos e a viver a mesma fé na vida familiar e social. Como afirma o Documento Catequese Renovada: A família é não somente destinatária ou objeto de Catequese. A família cristã, pela graça sacramental do Matrimônio tornada como que “igreja doméstica”, é também lugar por excelência de Catequese, especialmente na primeira infância: “Os pais devem ser para seus filhos os primeiros mestres da fé”.12

O mesmo Documento ainda afirma: É evidente que o papel mais importante na educação da primeira infância compete à família. Em seguida caberá à comunidade paroquial e escolar colaborar com os pais na iniciação da criança e do adolescente na vida comunitária mais ampla, fazendoos conhecer e experimentar Jesus Cristo que, com sua vida e Boa Nova, inspira a caminhada do Povo de Deus, e levá-los a participar, como crianças e adolescentes, nessa caminhada.13 Catequese Renovada, n. 7. Cf. CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Declaração Gravissimum Educationis sobre Educação Cristã, n. 3. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decl_19651028_gravissimum-educationis_ po.html. Acesso em: 20 abr. 2015. 12 Catequese Renovada, n. 121. 13 Ibidem, n. 133. 10 11

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ARTIGOS ARTIGOS Segundo González, “no aspecto religioso, os pais oferecem a seus filhos, desde o início da vida, os sinais de ternura do Pai [...] exercem papel determinante na formação da personalidade [...] e favorecem o desenvolvimento das crianças”.14 Destaca, ainda, que, no primeiro ano de vida, o despertar religioso se sustenta na relação de ternura, amor e carinho que existe na proximidade e no acolhimento dos pais com o filho ao atender as suas necessidades básicas.15 Os pais, pois, cônscios de que a responsabilidade da educação da fé e do cuidado é deles, devem: encaminhar seus filhos e orientá-los durante toda a infância e juventude, para que tenham um olhar voltado para Deus e para os homens, com fé, esperança e caridade; mostrar-lhes o caminho a seguir; guiar os seus passos; ensiná-los a se comportarem com amor e dignidade diante das mais diversas situações; apontar-lhes as soluções para as dificuldades encontradas, a fim de que tenham atitudes cristãs coerentes na vida e condizentes com a prática exercida no seio familiar; ser exemplo de confiança em Deus, conduzindo-os ao encontro com Jesus, por meio da fé que é o espelho que reflete os passos que os filhos devem seguir. Quem lhes deu a vida e enriqueceu-a, livremente, com o dom do Batismo, tem o dever de alimentá-la física e espiritualmente, sempre. Sobre esses deveres atribuídos aos pais, a Constituição Dogmática Lumen Gentium enfatiza que “na família, como numa igreja doméstica, os pais devem, pela palavra e pelo exemplo, ser para os filhos os primeiros arautos da fé e favorecer a vocação própria de cada um, especialmente a vocação sagrada”.16 Tomás de Aquino, na Suma Teológica, afirma que “o pai é princípio da geração, da educação e da disciplina, de tudo o que se refere ao aperfeiçoamento da vida humana”.17 O Catecismo da Igreja Católica orienta os pais para que sejam os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos.18 O Papa João Paulo II ressalta, na Catechesi Tradendae, que uma das exigências da formação cristã é a prática das virtudes, insertas no mesmo plano dos valores cristãos, as quais precisam ser cultivadas continuamente. Uma apresentação simples e verdadeira da fé cristã aos pequeninos exige um grande amor e um profundo respeito por eles que têm o direito de conhecer Deus. A educação para a fé, desenvolvida pelos pais, tem um caráter particular e insubstituível, pois se realiza na ajuda mútua dentro do lar, no testemunho cristão muitas vezes silencioso, perseverante e vivido segundo o Evangelho. É, pois, no esforço de viver a fé cotidianamente que eles catequizam seus filhos, deixando marcas e lembranças para toda a vida. Essa catequese familiar, ou seja, uma catequese autêntica que nasce na “igreja doméstica”, precede, acompanha e enriquece a catequese que se dará mais adiante na Igreja de Jesus Cristo19. E o Papa Bento XVI, no discurso à Comunidade do Caminho Neocatecumenal, em 20 de janeiro de 2012, faz um agradecimento público aos pais, animando-os e encorajando-os para a caminhada de fé com seus filhos: 14 GONZÁLEZ, Maria Navarro. Catequese com crianças. In: PEDROSA, V. M.; NAVARRO, M.; LÁZARO, R.; SASTRE, J. Dicionário de Catequética, p. 287. 15 Ibidem, p. 291. 16 Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. In: Documentos do Concílio Vaticano II. (1962-1965). 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997, n. 11. 17 SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2005, q.2, a.1. 18 Catecismo da Igreja Católica, n. 2222. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/ccc/index_po.htm. Acesso em: 22 abr. 2015. 19 Catechesi Tradendae. Exortação apostólica sobre a catequese em nosso tempo (16 de outubro de 1979). São Paulo: Paulinas, 1985, n. 68.

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ARTIGOS ARTIGOS Amadas famílias, a Igreja agradece-vos; ela tem necessidade de vós para a nova evangelização. A família é uma célula importante para a comunidade eclesial, onde as pessoas se formam para a vida humana e cristã [...]. É com grande alegria que vejo os vossos filhos, tantas crianças que olham para vós, para o vosso exemplo [...]. Convido-vos a não ter medo: quem leva o Evangelho nunca está sozinho.20

Segundo palavras do Papa Francisco: “A catequese estaria seriamente comprometida se ficasse relegada à ação isolada e solitária dos catequistas”21. Por isso, os pais e toda a comunidade são chamados a ser santos e a evangelizar as crianças, com os catequistas, ajudando-os a contagiarem com a própria presença e testemunhando com a própria vida o encontro com o Amor. Na célula familiar, as mães católicas encontram em Maria devoção e confiança, pois ela é o modelo perfeito de mãe e a primeira evangelizadora. Maria é a referência primeira do exemplo de entrega e oferecimento de si ao Pai e de responsabilidade materna perante Deus e a Igreja. Ela acolhe, acata e aceita o “bendito fruto do seu ventre” (Lc 1,42), a missão de ser Mãe do Filho de Deus, no momento do seu Fiat dado ao Anjo Gabriel na Anunciação, sem duvidar do poder e sem ter medo da ação de Deus em sua vida. Maria, a “cheia de graça” (Lc 1,28), é aquela que esteve presente como Mãe, durante toda a vida de seu Filho; testemunhou a sua fé em Deus, na pessoa de Jesus Cristo, fazendo-se modelo de discípula evangelizadora desde o momento do seu Sim, quando acolhe Jesus no seu ventre para então oferecê-lO a Deus e aos homens por toda a sua vida. Além de exemplo de Mãe, Maria é exemplo de catequista! A Carta Encíclica Redemptoris Mater ressalta que “Maria aparece nos Evangelhos como quem acredita em Jesus, e a sua fé provoca nEle o primeiro milagre, contribuindo para suscitar a fé dos discípulos” 22 Torna-se, pois, modelo de catequista que mostra o caminho e caminha junto de Jesus todo o tempo, sendo a discípula que leva todos até Ele e os ensina a obedecer a Ele, despertando a fé nos corações.

3 A catequese com criança

Segundo o Catecismo da Igreja Católica: Desde os primeiros anos, a educação da consciência alerta a criança para o conhecimento e a prática de lei interior reconhecida pela consciência moral. Uma educação prudente ensina a virtude, preserva ou cura do medo, do egoísmo e do orgulho [...], garante a liberdade e gera a paz do coração.23

Certos dessa responsabilidade, pais e catequistas, cada um ao seu tempo e da sua forma, têm o dever de formar e educar a consciência cristã das crianças, particularmente daquelas que estão sendo moldadas “como o barro nas mãos do oleiro” (Jr 18,6), para se tornarem adultos fortes e capazes de Cf. BENTO XVI. Discurso à comunidade do caminho neocatecumenal em 20 de janeiro de 2012. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2012/january/documents/ hf_ben-xvi_spe_20120120 _camminoneocatecumenale.html. Acesso em: 20 abr. 2015. 21 Anunciar o Evangelho - Mensagens aos catequistas - Cardeal Bergoglio (Papa Francisco) - Ecclesiae - abril de 2013, p. 16 22 Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Mater sobre a Bem-aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho, n. 21. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031987_ redemptoris-mater.html. Acesso em: 22 abr. 2015. 23 Catecismo da Igreja Católica, n. 1784. 20

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ARTIGOS ARTIGOS identificar e denunciar a prática da injustiça e da escravidão que geram vários tipos de morte. Conforme o Papa João Paulo II, na Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, mesmo que isso pareça ser precoce, as criancinhas devem receber de seus pais os primeiros elementos da catequese que revelam o Pai que é bom, providente e que está nos céus, e para o qual elas voltarão o seu coração; que as simples e pequenas orações que vão aprender a balbuciar são o início de um diálogo amoroso com Deus. O Catecismo da Igreja Católica enfatiza a necessidade de introduzir a oração na vida das crianças; ressalta que “a catequese das crianças [...] procura fazer com que a Palavra de Deus seja meditada na oração pessoal, atualizada na oração litúrgica e interiorizada em todo o tempo, a fim de produzir seu fruto numa vida nova”.24 Isso significa que o ensinamento e a prática da oração não podem ser relevados; pelo contrário, eles devem ser um hábito para que se tornem uma virtude cristã no início de vida consciente da criança, levando-a a se abrir e a se relacionar com Deus, tanto de modo particular quanto comunitário, nas celebrações dos ritos litúrgicos ou nos grupos de oração. A criança que, desde sua geração, ainda no ventre materno, ouve a voz da sua mãe agradecendo a Deus pelo dom da maternidade e pelo poder de colaborar na obra da criação de uma nova vida que cresce e desenvolve-se dentro de si, certamente estará muito mais propensa a fazer da oração um hábito na sua vida. O ato de agradecer a Deus é uma oração. É fundamental que a mãe, enquanto gesta seu filho, mantenha com Deus esse diálogo, pois, ao vir seu filho à luz, ele reconhecerá a voz daquela que durante muitos meses falou com Deus e com ele, aprenderá as suas primeiras palavras com ela e, muito em breve, a também conversar com Deus. Segundo o Evangelho de Marcos (10,14), Jesus diz aos seus discípulos: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham”. Diante desse ensinamento, os catequistas devem estar sempre preparados não só espiritual, como também física e intelectualmente para acolher as criancinhas e todos aqueles considerados pequeninos aos olhos de Cristo, sempre embasados na Palavra de Deus, pois ela é a fonte de toda evangelização. Por meio dela – quer na leitura, quer na pregação – os ensinamentos de Jesus, o Verbo de Deus que se fez Homem para estar entre nós e acolher os pequeninos em todas as suas condições, ecoam e chegam aos ouvidos e ao coração de todos na catequese. Segundo a Constituição Dogmática Dei Verbum, “Deus invisível fala aos seus filhos, conversa com os homens como amigos e convive com eles”;25 é na Bíblia, na interação de Jesus com os homens, que encontramos as Suas Palavras e conhecemos a Sua ação e participação. Uma das formas de estar com Deus e de conversar com Ele, como nos orienta a Igreja, é a Lectio Divina ou “leitura orante da Bíblia”, que traz os ensinamentos de Jesus para a vida, provoca um despertar para o ‘Bem Maior’, incita o amor entre as pessoas e compromete o cristão na sua missão de discípulo.26 Essa prática, que pode ser feita em todas as idades, alimenta e revigora o espírito daquele que procura Deus, na pessoa de Jesus, na ação do Espírito. Num discurso realizado em 2005, o Papa Bento XVI fez as seguintes considerações: “Eu gostaria, em especial, de recordar e recomendar a antiga tradição da Lectio Divina, a leitura assídua da Sagrada Escritura, acompanhada da oração que traz um diálogo íntimo em que, Catecismo da Igreja Católica, n. 2688. Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997, n. 2. 26 Ibidem, n. 25. 24 25

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ARTIGOS ARTIGOS na leitura se escuta Deus que fala e, rezando, responde-lhe com confiança e abertura do coração”.27 Para iniciar os pequeninos na compreensão da Palavra de Deus, a leitura precisa ser adaptada à linguagem deles, e uma das formas de se realizar esse ensino é valer-se de ilustrações para apresentar o tema proposto, conforme está destacado na Catequese Renovada: Em todos os manuais, merecem especial atenção as ilustrações, que se destinam não apenas a enfeitar e agradar, mas a interagir e aprofundar a mensagem e a própria educação religiosa do catequizando. Como os sacramentos e como todo sinal, a imagem revela e esconde ao mesmo tempo. Aprender e a ler essa imagem é aprender a história, a vida, a natureza, que são “lugares” da manifestação de Deus.28

Além da ilustração, na primeira infância, enquanto os pequenos ainda não aprenderam a ler, o contato com a Palavra de Deus pode acontecer a partir da audição, quando o catequista conta as histórias da Bíblia, muitas das quais são apresentadas na versão infantil, contendo ilustrações e permitindo uma interação maior e envolvimento lúdico. Quando as crianças ouvem as histórias da Bíblia, elas se conectam, de modo lúdico e imaginário, com Deus e com o conteúdo da evangelização. Assim, se as crianças compreendem o conteúdo que se quer transmitir-lhes, os catequistas conseguem plantar no coração das crianças a semente da fé. Segundo o Catecismo da Igreja Católica: O motivo de crer não é o fato de as verdades reveladas aparecerem como verdadeiras e inteligíveis à luz da nossa razão natural. Cremos por causa da autoridade de Deus que revela e que não pode nem enganar-se e nem enganar-nos. Só é possível crer pela graça e auxílio do Espírito Santo, é um dom de Deus, embora seja um ato autenticamente humano.29

O Papa Bento XVI, em Audiência Geral por ocasião do Ano da Fé, comenta sobre ela: É um dom, porque é Deus que toma a iniciativa e vem até nós; e assim a fé é uma resposta com a qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. É um dom que transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus, o qual age em nós e nos abre ao amor a Deus e aos outros.

Nessa perspectiva, entendemos que a fé é presente de Deus, dom concedido e alimentado por Ele; viver a fé é viver coerentemente com os ensinamentos de Jesus, e isso faz parte da orientação cristã que deve ser passada de pai para filho, no cotidiano da vida, na perseverança daquilo em que se acredita sem se deixar seduzir pelos falsos valores do mundo. Assim, as crianças vão sendo introduzidas na barca de Pedro, ou seja, na Igreja, inclusas na comunidade cristã com base na experiência da fé, da prática da justiça e do amor ao próximo e a Deus, vivida na própria família, e que nasce dentro dela mesma pela ação do Espírito Santo, a partir do Batismo, e na experiência com Jesus, realizada particularmente nos encontros da catequese. A Igreja é a responsável em dar continuidade às primeiras orientações cristãs que foram transmitidas e vivenciadas na família; o Documento de Aparecida mostra exatamente essa preocupação da Igreja, Discurso do Papa Bento XVI aos participantes no Congresso Internacional por ocasião do 40.º aniversário da Constituição Dogmática Dei Verbum. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2005/september/documents/ hf_ben-xvi_spe_20050916_40-dei-verbum.html. Acesso em: 20 abr. 2015. 28 Catequese Renovada, n. 160. 29 Catecismo da Igreja Católica, n. 153-156.

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ARTIGOS ARTIGOS em “assumir a iniciação cristã, que exige não só uma renovação de modalidade catequética da Paróquia [...], mas o desenvolvimento de uma catequese que seja permanente, que continue o processo de amadurecimento da fé”,30 além da necessidade de “organizar novas formas que ajudem o catequizando a valorizar o sentido da vida sacramental, da participação na comunidade e do compromisso como cidadão[...], para que ele tenha a consciência de ser sal e fermento no mundo, com uma identidade cristã forte e segura”.31 Quando se fala em iniciação catequética, é natural que se pense que ela pode ser iniciada já na primeira infância, a partir dos três anos de idade, e isso é possível. Aliás, “as crianças têm direito de serem estimuladas a estimar retamente os valores morais e a abraçá-los pessoalmente, bem como a conhecer e a amar Deus mais perfeitamente”.32 É, portanto, na Igreja, nas Paróquias nos seus mais diversos endereços, que está a “casa de Deus, o lugar na qual habita a sua família”.33 “A reflexão teológica mostra que a vivência cristã é uma vivência de comunidade. Ser comunidade faz parte do ser cristão”,34 explica o arcebispo de Manaus, Dom Sérgio Eduardo Castriani. Para ele, a Igreja é o lugar onde vivemos em comunidade e fazemos a experiência com Deus. Segundo o Documento de Aparecida, a Igreja é o lugar onde desenvolvemos a fé no Cristo ressuscitado, transmitida do seio familiar.35 Ainda de acordo com o Documento de Aparecida, “a Paróquia é uma célula viva da Igreja”,36 que abarca dezenas de atividades pastorais evangelizadoras, em diversos campos, abrangendo fiéis de todas as idades, com um olhar voltado para a família, a fim de que todos se sintam à vontade e abraçados pelo Pai nas suas dificuldades e necessidades. Portanto a Paróquia deve ser o lugar de encontro, um espaço comunitário para a formação e vivência da fé. A Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi afirma que, nesse desejo de a Igreja acolher e evangelizar as crianças na primeira infância, a catequese deve ser adaptada à idade, à cultura e à capacidade do catequizando, procurando sempre fazer com que ele grave na memória, na inteligência e no coração, as verdades essenciais que deverão permanecer durante toda a sua vida.37 Em suma, muitos Documentos da Igreja refletem e orientam a prática catequética na primeira infância, na certeza de que as crianças são capazes de absorver e acolher no coração a Palavra de Deus Cf. CONFERÊNCIA DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida. Texto conclusivo da quinta conferência do episcopado Latino-Americano e do Caribe (13 a 31 de maio de 2007). São Paulo/Brasília: Paulus/Paulinas/ Edições CNBB, 2007, n. 294. 31 Documento de Aparecida, n. 286. 32 Cf. CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Declaração Gravissimum Educationis sobre a Educação Cristã, promulgada no Concílio Vaticano II, n. 1. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/ hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_decl_19651028_gravissimum-educationis_po.html. Acesso em: 20 abr. 2015. 33 Idem. Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. In: Documentos do Concílio Vaticano II. (1962-1965), 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997, n. 6. 34 Palavras de Dom Sérgio Eduardo Castriani, arcebispo de Manaus (AM) por ocasião da finalização do texto-base e definição da proposta de metodologia para a 51.ª Assembleia Geral dos Bispos do Brasil. Disponível em: http://www.cnbb.org.br/ eventos/assembleia-geral/11540-comissao-do-tema-central-da-51o-ag-finaliza-texto-base-e-define-proposta-de-metodologia. Acesso em: 20 abr. 2015. 35 51.ª Assembleia dos Bispos no Brasil, realizada em abril de 2007, Aparecida. 36 Documento de Aparecida, n. 304-305. 37 Cf. JOÃO PAULO II. Evangelii Nuntiandi. Exortação Apostólica sobre a evangelização no mundo contemporâneo, n. 44. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangeliinuntiandi.html. Acesso em: 20 abr. 2015. 30

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ARTIGOS ARTIGOS e os ensinamentos e as virtudes cristãs que lhes são transmitidos pela família – “igreja doméstica” – e pela comunidade cristã, na catequese. Daí o papel relevante dos pais nesse processo de formação da fé. Eles têm a responsabilidade, perante Deus e a Igreja, de educar seus filhos para a vida religiosa e social, conforme orientação Bíblica em Eclesiástico (7,25): “Você tem filhos? Eduque-os, e ensine-os a obedecer desde a infância”.

CONSIDERAÇOES FINAIS Diversos Documentos da Igreja afirmam a importância de evangelizar as crianças, desde muito cedo, logo no início da vida, desde o ventre da mãe, durante a primeira infância até a sua chegada à Catequese, momento de preparação para o Sacramento da Eucaristia, que precisa também da presença e participação dos pais e/ou responsáveis. Durante esse período, os pais são os primeiros responsáveis tanto para ensinar seus filhos a rezar e apresentar-lhes Jesus - o Filho do Deus vivo, quanto para introduzi-los e caminhar com eles na Comunidade e na fé cristã. Eles podem evangelizar de diversas formas, porém a mais efetiva delas é o exemplo que ensina mais do que as palavras, na rotina do dia a dia, nos relacionamentos em casa e com o próximo, e na prática dos valores cristãos. A participação dos pais nesse momento de formação da fé, do caráter, da personalidade e dos valores que regerão a vida da criança por toda a vida, é de fundamental importância. Segundo o Papa Francisco, “a catequese estaria seriamente comprometida se ficasse relegada à ação isolada e solitária dos catequistas”38. Por isso, os pais e toda a comunidade são chamados a evangelizar as crianças, com os catequistas, ajudando-os a contagiarem as crianças com a própria presença e testemunhando com a própria vida o encontro com o Amor.39 O Papa Emérito Bento XVI, em janeiro de 2012, fez um agradecimento público aos pais, animandoos e encorajando-os para a caminhada de fé com seus filhos. Ele agradece as famílias por serem instrumentos da nova evangelização, pois é nelas que se encontra a célula onde se formam as pessoas para a vida humana e cristã.40 Porém é preciso estar atento para o modo de evangelizar os pequeninos, pois a evangelização na primeira infância precisa ser adequada à linguagem deles. Por isso, pais e catequistas devem lançar mão das atividades lúdicas como: as ilustrações que precisam sempre ter como objetivo levá-las a compreender minimamente a transcendência; as brincadeiras que têm o propósito de levar a mensagem da passagem bíblica ou do tema proposto para o encontro semanal; as músicas apropriadas e alegres que aproximem as crianças de Deus, do próximo, dos ensinamentos de Jesus e da natureza; a leitura da Palavra utilizando ferramentas adequadas para a compreensão e que despertem o interesse das crianças como fantoches e teatros, entre outras. BERGOGLIO, Cardeal Jorge Mario (Papa Francisco). Anunciar o Evangelho. Mensagens aos catequistas. São Paulo: Ecclesiae, p. 16, 2013. 39 Ibidem, p. 18. 40 Cf. BENTO XVI. Discurso à comunidade do caminho neocatecumenal (20 de janeiro de 2012). Disponível em: http://w2.vatican. va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2012/january/documents/ hf_ben-xvi_spe_20120120 _cammino-neocatecumenale.html. Acesso em: 20 abr. 2015. 38

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ARTIGOS ARTIGOS Os Documentos da Igreja, referidos nesse artigo, refletem e orientam a prática da catequese desde a primeira infância, confiantes de que elas são capazes de absorver e acolher no coração a Palavra de Deus e os ensinamentos e as virtudes cristãs que lhes são transmitidos pela família – “igreja doméstica” – e pela comunidade cristã.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENTO XVI. Discurso à comunidade do caminho neocatecumenal (20 de janeiro de 2012). Disponível em: http:// w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2012/january/ documents/hf_ben-xvi_spe_20120120_camminoneocatecumenale.html. ______. Discurso do Papa Bento XVI aos participantes no Congresso Internacional por ocasião do 40.º aniversário da Constituição Dogmática Dei Verbum. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/ speeches/2005/eptember/documents/hf_ben-xvi_spe_20050916_40-dei-verbum.html. BERGOGLIO, Cardeal. Anunciar o Evangelho. Mensagens aos catequistas. São Paulo: Ecclesiae, 2013. Catecismo da Igreja Católica. Disponível em: http://www.vatican. va/archive/ccc/index_po.htm. CONFERÊNCIA DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida. Texto conclusivo da quinta conferência do episcopado Latino-Americano e do Caribe (13 a 31 de maio de 2007). São Paulo/Brasília: Paulus/ Paulinas/Edições CNBB, 2007. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Catequese Renovada. Orientações e Conteúdo. Documento aprovado pelos Bispos do Brasil na 21.ª Assembleia Geral. São Paulo: Paulinas, 1983. GONZÁLEZ, Maria Navarro. Catequese com crianças. In: PEDROSA, V.M.; NAVARRO, M.; LÁZARO, R.; SASTRE, J. Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus, 2004. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Mater sobre a Bem-Aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho. Disponível em: http://w2.vatican.va/ content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jpii_enc_25031987_redemptoris-mater.html. ______. Catechesi Tradendae. Exortação apostólica sobre a catequese em nosso tempo (16 de outubro de 1979). São Paulo: Paulinas, 1985. ______.Christifideles Laici. Exortação apostólica sobre vocação e missão dos leigos na igreja e no mundo. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_ exhortations/documents/hf_jpii_exh_30121988_christifideles-laici.html. ______. Evangelii Nuntiandi. Exortação Apostólica sobre a evangelização no mundo contemporâneo, n. 44. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_ evangelii-nuntiandi.html. PAULO VI. 1962-1965. Declaração Gravissimum Educationis sobre Educação Cristã. Disponível em: http:// www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/ documents/vat-ii_decl _19651028_gravissimumeducationis_po.html. ______. Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997. PAULO VI. Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. In: Documentos do Concílio Vaticano II. (1962-1965). 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997. 26

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ARTIGOS ARTIGOS SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para Catequese. Documentos do Magistério. 1997,n. 177. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cclergy/documents/rc_con_ ccatheduc_doc_17041998_directory-for-catechesis_po.html. SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2005.

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ARTIGOS ARTIGOS ESPAÇO CATEQUÉTICO: UMA REFERÊNCIA PARA A TRANSMISSÃO DA FÉ CATECHETICAL SPACE: A REFERENCE POINT FOR THE TRANSMISSION OF FAITH Ariél Philippi Machado* RESUMO: O presente artigo foi elaborado com o desejo de despertar a reflexão acerca dos espaços que o ser humano ocupa ao longo da vida. Considerando aspectos da Teologia da Revelação, é importante refletir sobre os lugares que dispomos para uma catequese afetiva e eficaz. A vida concreta, cotidiana, é encarada sempre como dádiva e desejo de Deus. Ele faz questão de encontrar conosco no hoje de nossa história, neste espaço que ocupamos e nas pessoas com as quais encontramos. A pedagogia da Iniciação à Vida Cristã só é bem compreendida quando leva-se em conta a experiência da transmissão da fé, feita pelas pessoas, mas também pelos lugares e espaço que costumamos frequentar. Por isso, as linhas que seguem, ousam provocar o desejo de articular a tarefa da catequese com a mística do espaço catequético. Elementos e lugares que poderão ser harmonizados para o momento da apresentação e do encontro com o Senhor vivo e ressuscitado. Palavras-chave: Transmissão da fé. Espaço catequético. Liturgia. Catequese. ABSTRACT: This article was written in the hope of arousing interest in reflection on the spaces that human beings occupy across the lifespan. When considering aspects of the Theology of Revelation, it is important to reflect on the places that we have for affective and effective catechesis. The real life, of everyday, is always seen as a gift and desire of God. God is intent on encountering us today, in our history, in this space we occupy and among the people with whom we are found. The pedagogy of Initiation into the Christian Life is best understood when it takes into account the experience of the transmission of faith, that happens not only among people, but also in the places and spaces that they frequent regularly. These insights daringly evoke the desire to infuse the work of catechesis with a sacred understanding of catechetical space. In doing so, these elements and places may be harmonized to coincide with the time of presentation and the encounter with the living and risen Lord. Keywords: Transmission of faith. Catechetical space. Liturgy. Catechesis.

Introdução A Iniciação à Vida Cristã recupera a dimensão comunitária da educação da fé, apontando para a importância do testemunho de fé e da convivência fraterna. A tarefa de uma catequese em vista da recepção dos sacramentos é entendida, a partir do Concílio Vaticano II, como missão de promover o encontro de crianças, jovens e adultos com a pessoa de Jesus Cristo e a Ele se entregar.1 * Licenciado em Matemática pela Unisul-Tubarão, bacharel em Filosofia pela FSL-Brusque e acadêmico do curso de Teologia (Bacharelado) pela FACASC. Aluno do curso de Especialização em Catequese – Iniciação à vida cristã. Professor do Curso de Extensão em Teologia Bíblico-Catequética. 1 Cf. PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1976, n. 44. 28

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ARTIGOS ARTIGOS No contexto atual, diante de inúmeras propostas religiosas por causa do pluralismo religioso, além do número que vem crescendo de pessoas que se dizem sem religião, os discípulos de Jesus Cristo precisam ser movidos pela intimidade do encontro pessoal capaz de alimentar a vida comunitária.2 O primeiro espaço comunitário de que dispomos é o da criação. “Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cf. Jo 1,3), oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo na criação (cf. Rm 1,19-20)”.3 Não bastando a condição de poder criar todas as coisas, o Pai quis para Si um lugar próprio em que pudesse habitar entre a humanidade. Na humildade própria do ser divino, uma casa de Nazaré foi escolhida para que Deus viesse morar entre a família humana. “Um dos dados mais seguros do agir histórico de Jesus é o seu fazer-se próximo dos marginalizados, dos indefesos e de todos os que se encontram em situação de dificuldade ou de necessidade”.4 Os evangelhos relatam os lugares e espaços onde se davam os encontros de Jesus com as pessoas: “Encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado numa manjedoura” (Lc 2,16). “Jesus estava na margem do lago de Genesaré e uma multidão se apertava para ouvir a Palavra de Deus” (cf. Lc 5,1). “Jesus andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas” (Mt 4,23). “Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse: Desça depressa, Zaqueu, porque hoje preciso estar em sua casa” (Lc 19,5). “Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto à fonte”(Jo 4,6). Em todos os Seus atos, Jesus de Nazaré mostra-Se em atitude de diálogo e interação com as pessoas. Em vista disso, tendo presente que os espaços que o ser humano ocupa ao longo da vida são sempre dádiva e desejo de Deus, é importante refletir sobre os lugares de que dispomos para uma catequese afetiva e eficaz. “A Igreja transmite a fé de modo ativo, semeia-a nos corações dos catecúmenos e catequizandos, para fecundar as suas experiências mais profundas”.5 A proposta, diante do exposto, é dar atenção aos elementos do espaço físico onde acontecem os encontros de catequese, para serem símbolos que auxiliem na transmissão da fé, unindo os ambientes e as experiências pessoais.

1 Transmissão da fé É finalidade da Iniciação à Vida Cristã a transmissão da fé no núcleo familiar. O papa Francisco insiste na dinâmica da transmissão da fé ao afirmar que, com o testemunho e também com a palavra, as famílias falam de Jesus aos outros, transmitem a fé, despertam o desejo de Deus e mostram a beleza do Evangelho e do estilo de vida que nos propõe. O Documento de Aparecida também indica iniciativas criativas para transmissão da fé, delegando à família os primeiros passos na vida de fé dos filhos:

2 CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE. Documento de Aparecida: texto conclusivo. Brasília/São Paulo/São Paulo: CNBB/Paulus/Paulinas, 2007, n. 154. 3 Constituição Dogmática Dei Verbum. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). 5. ed. São Paulo: Paulus, 2011, n. 3. 4 ROCCHETTA, Carlo. Teologia da ternura: um “evangelho” a descobrir. Trad. Walter Lisboa. São Paulo: Paulus, 2002, p. 155. 5 CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para a Catequese. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2009, n. 78. 6 FRANCISCO. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia: sobre o amor na família. Brasília: CNBB, 2016, n. 184.

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ARTIGOS ARTIGOS Desse modo, a formação dos filhos como discípulos de Jesus Cristo se realiza nas experiências da vida diária na própria família. [...] A “catequese familiar”, implementada de diversas maneiras, tem-se revelado como ajuda proveitosa à unidade das famílias, oferecendo, além disso, possibilidade eficiente de formar os pais de família, os jovens e as crianças, para que sejam testemunhas firmes da fé em suas respectivas comunidades.7

Nos espaços familiares, portanto, precisa transparecer aquela pedagogia divina percebidas acima. Do Pai, aprende-se a disponibilidade e a acolhida. No contexto atual de disputas e conquistas motivadas pelo consumismo egoísta, o Criador abre a porta do universo e coloca à disposição da vida humana todos os dons espalhados na criação. “O Deus da Bíblia é um Deus que se faz próximo aos seus e é sensível a suas esperanças e medos”.8 De fato, o espaço que nos cerca é encantador. Basta pensarmos na diversidade das flores, das matas, das águas, de pássaros e outros animais. Tamanha variedade de cores e formas revelam ao ser humano que Deus é maior que tudo isso. Na pessoa do Filho, a família divina segue caminhando entre os homens e mulheres. Ao encarnar a Palavra do Pai, Jesus de Nazaré comunica que o desejo de Deus foi o de criar e manter em harmonia tudo o que existe no universo. O cuidado com os ambientes, naturais ou construídos pelo ser humano, revela o modo como a humanidade participa na obra da criação. É natural que os ambientes sejam organizados, aconchegantes, confortáveis e acessíveis a todas as pessoas, nas diferentes realidades em que vivem. No contexto da família, cada pessoa é gerada num ambiente único. Aliás, espaço maravilhoso é o ventre da mãe, que permite o desenvolvimento e o crescimento de uma nova vida. Semelhante a uma pequena semente, lenta e gradativamente, o corpo humano pede o espaço de que necessita para ocupar seu lugar neste mundo. Assim, os espaços que se ocupam ao longo da vida, sejam de moradia, emprego ou lazer, são caracterizados de acordo com o que cada pessoa faz ali. Apesar do fenômeno da crise de valores e referências sólidas da fé cristã, a transmissão da fé não abre mão do testemunho de amor deixado pelo próprio Cristo que, enquanto esteve neste mundo, não escolhia lugares especiais para ensinar o mandamento novo. “A transmissão da fé, para a qual está orientada a nova evangelização, é, pois, entendida, como transmissão da experiência do amor de Jesus, experiência de graça e de alegria”.9 A fé será sempre uma disposição interior de resposta aos inúmeros chamados que Deus nos faz. O papel da catequese é o de educar o coração humano para que seja sensível à busca de “Deus onde ele deixa ser encontrado e não cessa de nos surpreender”.10 A educação e transmissão da fé dependem de oportunidades, às vezes despercebidas, cujas imagens e funções são pouco exploradas. “A iniciação comporta diversas dimensões: aquisição de uma linguagem e de conhecimentos, [...]. Ela reveste, antes de tudo, uma dimensão simbólica”.11

Documento de Aparecida, n. 303. ROCCHETTA, Carlo. Teologia da ternura: um “evangelho” a descobrir, p. 153. 9 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Catequese evangelizadora. Brasília: CNBB, 2014, p. 15. 10 NÚCLEO DE CATEQUESE PAULINAS. Querigma: a força do anúncio. São Paulo: Paulinas, 2014, p. 17. 11 SCOUARNEC, Michel. Símbolos cristãos: os sacramentos como gestos humanos. Trad. Marisa do Nascimento Paro. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 18. 7 8

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ARTIGOS ARTIGOS A porta é símbolo de acolhida, local de encontro e de oportunidades. Contemplar a criação de Deus sempre à disposição da pessoa humana é afirmar a ternura e o cuidado que Deus dispensa todos os dias. O ambão, local de onde se proclama a Palavra de Deus, é símbolo de escuta e atenção. Jesus Cristo é a Palavra de Deus que se fez carne. De modo que o encontro com Jesus de Nazaré provoca admiração e desejo de mudança de vida. A mesa é símbolo da fraternidade e do convívio. A mesa é o lugar onde todas as diferenças se anulam e a verdadeira riqueza que é a partilha do alimento se faz realidade. Para a catequese pode-se relacionar esses três símbolos para que a transmissão da fé aconteça de modo vivo e atraente. “As crianças precisam de símbolos, gestos e narrações”,12 ensina o papa Francisco. Para isso, seguem algumas reflexões sobre o espaço catequético com o desejo de auxiliar as reflexões e motivar a devida atenção aos lugares onde acontecem os encontros de catequese. A pedagogia de Jesus é a comunicação. A Palavra que se fez carne fala com a humanidade tudo aquilo que o Pai desejou. O Filho usa da linguagem humana para expressar a ternura de Deus com seus filhos e suas filhas. Nas ações de Jesus, os desejos do Pai realizam-se pela escuta, pela obediência e pela plena certeza de que as obras realizadas não eram para Si, mas faziam parte do projeto maior de salvação. E da realidade humana destaca-se a pedagogia nascida no entorno da mesa, local de expressão de afeto, ternura, aconchego. Isso significa que onde se vive a acolhida e o diálogo, estão as semelhanças das iniciativas divinas para que a harmonia e a fraternidade aconteçam. É por isso que se pede à Igreja inteira uma conversão missionária: é necessário que ela não se limite a um anúncio meramente teórico, desvinculado dos problemas reais das pessoas. Nunca podemos esquecer que a crise da fé comportou uma crise do matrimônio e da família e, como consequência, foi muitas vezes interrompida a transmissão da própria fé dos pais aos filhos”.13

Preocupações diferentes têm as pessoas responsáveis por planejar e construir novos espaços, sejam eles residenciais, profissionais, de educação, alimentação ou lazer. Em todos os casos, o que se percebe é o apreço pela criatividade dos espaços, a expressão do bom gosto e a satisfação do público destinatário. Do mesmo modo, “a fé supõe uma escolha livre, mas supõe também uma iniciação, uma passagem por etapas”,14 que são materialmente percebidas nos símbolos e espaços físicos ocupados no processo de educação e transmissão da fé.

2 O espaço catequético Neste contexto de preocupações diversas, no qual o apelo à beleza exterior é notório, é preciso dar atenção à beleza interior, seja dos espaços físicos, seja dos espaços íntimos, onde a semente

FRANCISCO. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia: sobre o amor na família, n. 288. XIV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS. A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo: Lineamenta. São Paulo: Paulinas, n. 32. 14 SCOUARNEC, Michel. Símbolos cristãos: os sacramentos como gestos humanos, p. 19. 12 13

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ARTIGOS ARTIGOS da fé é depositada. Por isso, “a transmissão da fé pressupõe que os pais vivam a experiência real de confiar em Deus, de procurá-lo, de precisar d’Ele”.15 A vida da pessoa humana, quando assume caráter de louvor ao Criador, estabelece vínculos de pertença e de gratidão. “Há uma relação íntima entre a fé, a celebração e a vida. O mistério de Cristo anunciado na catequese é o mesmo que é celebrado na liturgia para ser vivido”.16 Ao conjunto da liturgia chamamos celebração. Se celebrar é dizer que nossa ação é célebre, é importante também dizermos que celebrar é comemorar. Isto é, fazer memória com. A comemoração será ação conjunta, porque o fato celebrado é também partilhado, é evento comum. Em se tratando de um fato religioso, de caráter confessional, a celebração é ainda mais comunitária. Há diferença, portanto, entre: saber que o mito existe, conhecer a composição do rito e aderir ao mistério celebrado. “A celebração é também uma afirmação da identidade que queremos ter”.17 O espaço litúrgico configura-se pelos sinais, gestos e palavras. “Os sinais litúrgicos são ao mesmo tempo anúncio, lembrança, promessa, pedido e realização, mas só por meio da palavra evangelizadora e catequética esses seus significados tornam-se claros”.18 Além disso, o espaço físico é composto da mesa da Palavra, o ambão, e da mesa do Pão, o altar. O altar é, por excelência, o centro de tudo, no qual a assembleia reunida celebra o Mistério Pascal. Uma vez que a liturgia atualiza o mistério celebrado, pode-se falar que o espaço litúrgico-catequético é espaço de manifestação do sagrado, permitindo o encontro com o amor de Deus, expresso nas atitudes da comunidade reunida. A liturgia, que se desenvolve por meio de ritos, celebra os aspectos essenciais da fé cristã. A transmissão da fé na liturgia exige a boa disposição do ambiente e dos símbolos que compõem o rito. A mesa da Palavra dá-nos a certeza de que é o próprio Deus que se comunica conosco e comunica-nos o Seu amor, quando é proclamada a Sua Palavra na celebração litúrgica. “O ministério da palavra é a comunicação da mensagem da salvação: leva aos homens o Evangelho. [...] As verdades da fé implicam o amor de Deus, que tudo criou por causa de Cristo e nos ressuscitou em Cristo Jesus”.19 O espaço da catequese, consciente de que precisa educar os gestos, conceitos e emoções derivados da celebração litúrgica, precisa estar em sintonia com a pedagogia divina, apresentada na introdução. Ou seja, são elementos e lugares de catequese: a porta, por onde são recepcionados os catequizandos; o ambão, de onde a Palavra de Deus será proclamada para quem estiver reunido no momento; a mesa, que mantém unida as inúmeras realidades das famílias dos tempos atuais. O Diretório Nacional de Catequese explica o modo de ser de uma catequese litúrgica:

FRANCISCO. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia: sobre o amor na família, n. 287. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório Nacional de Catequese. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2006, n. 119. 17 Idem. Celebrar e crescer na fé: Catequese e liturgia. Brasília: CNBB, 2008, n. 26. 18 Diretório Nacional de Catequese, n. 120. 19 SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Catequético Geral. Petrópolis: Vozes, 1971, n. 16. 15 16

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ARTIGOS ARTIGOS A catequese como educação da fé e a liturgia como celebração da fé são duas funções da única missão evangelizadora e pastoral da Igreja. A liturgia, com seu conjunto de sinais, palavras, ritos, em seus diversos significados, requer da catequese uma iniciação gradativa e perseverante para ser compreendida e vivenciada.20

Unidas, catequese e liturgia apresentam a metodologia fundante do catecumenato. “A iniciação cristã dá a possibilidade de uma aprendizagem gradual no conhecimento, no amor e no seguimento de Jesus Cristo”.21 Portanto, entendemos que a catequese educa e a liturgia celebra a fé em Jesus Cristo, filho de Deus. É aqui que se aprende e se vive o mistério da fé que professamos. “A catequese bebe desta fonte e a ela conduz”.22

2.1 Como se caracteriza o espaço catequético? Com a reflexão e a prática da Iniciação à Vida Cristã, começou-se a questionar o espaço catequético, tendo em vista que ele era pautado nos moldes da escola (livros, cadernos, tarefas, notas, controle de faltas) e, portanto, com a atenção voltada para o conteúdo teológico e doutrinário. Na verdade, essa preocupação parte de muitas paróquias que entendem e assumem a importância de fazer uma boa transmissão da fé, levando a uma escolha convicta do seguimento de Jesus. Estar num espaço onde as pessoas possam sentir-se bem, gostem de estar juntos, festejar, celebrar, não há dúvida de que, num ambiente bonito e aconchegante, a convivência fraterna é favorecida. A preparação do espaço litúrgico-catequético precisa levar em consideração o uso de símbolos e imagens adequados, e em quantidade razoável para que não cause desvio de atenção. Os elementos essenciais são: a porta e, nela, o catequista que acolhe com a ternura de Deus; o ambão, de onde o catequista proclamará a mensagem de salvação; a mesa, onde catequizandos e catequistas partilharão a vida e a fé. Tais elementos respondem ao abandono das “ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé”,23 assumindo a renovação missionária que pede o Documento de Aparecida. Em continuação, o papa Francisco indica que a renovação missionária será possível pela atitude de “sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho”.24 Com isso, o espaço litúrgico-catequético reserva lugar de destaque ao ambão, que guarda e sustenta a Palavra de Deus. Ela ensina, exorta, inspira e envia a comunidade de fé. Nos encontros de catequese, o ambão estará voltado para a mesa onde todos estão reunidos, garantindo que a Sagrada Escritura seja a catequista por excelência. Por sua vez, catequistas e catequizandos permanecem dispostos em forma circular, seja ao redor do ambão durante a proclamação da Palavra, seja sentados à mesma mesa, para partilhar a fé, a Palavra e assumir juntos os compromissos.

Diretório Nacional de Catequese, n. 120. Documento de Aparecida, n. 290. 22 Diretório Nacional de Catequese, n. 117. 23 Documento de Aparecida, n. 365. 24 FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do evangelho no mundo atual. Brasília: CNBB, 2013, n. 20. 20 21

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ARTIGOS ARTIGOS Tendo em conta a composição acima, o encontro em Jesus Cristo é suposto pela dinâmica celebrativa do encontro catequético. Sobre isso, o papa Francisco ensina que “a Igreja evangeliza e é evangelizada com a beleza da liturgia, que é também celebração da atividade evangelizadora e fonte dum renovado impulso de se dar”.25 Naquele singelo espaço está uma parcela da Igreja educando a própria fé. Membros da mesma comunidade de fé, catequistas e catequizandos reunidos, falam de suas vidas, acolhem mutuamente a realidade de cada um, ouvem juntos a Palavra de Deus e, em comunidade, assumem compromissos de transformar suas realidades inspirados no ensinamento da Sagrada Escritura.

2.2 Como proceder com o espaço catequético? A mensagem central da catequese é a mesma contida na revelação de Deus aos homens e mulheres ao longo da história. Nesse sentido, nenhum conteúdo de fé foi revelado distante da realidade humana. “A Palavra de Deus não pode ficar no abstrato, mas precisa encontrar eco na vida”.26 Diante disso, o ambiente a ser organizado para o encontro de catequese poderá levar em conta os seguintes aspectos: a) Sensibilidade à porta – deve-se desenvolver a sensibilidade na recepção dos catequizandos e catequistas, para que tudo seja bonito, inspire ar de mistério, revelando a presença de Deus por meio da acolhida mútua, do abraço e da contemplação dos símbolos dispostos no ambiente; b) Postura à mesa - as cadeiras ou carteiras devem estar dispostas em círculo. Melhor seria sentar-se ao redor de uma mesa. Com essa disposição, comunicaremos que Jesus também sentouse muitas vezes ao redor de uma mesa e que Ele mesmo mandou preparar o ambiente para a última ceia. Sentados ao redor dela, catequistas e catequizandos partilham a vida, promovem a interação e colaboração mútuas; c) Atenção ao ambão - deve-se preparar um ambão ou uma pequena mesa com uma toalha, onde será colocada a Palavra de Deus. Ela será o destaque. Do ambão será proclamado o texto bíblico e, nesse momento, todos permanecerão em pé, em posição de escuta. O texto bíblico será proclamado de uma Bíblia única, isto é, de uma versão comum a todos. Em seguida à leitura, todos voltarão a seu lugar, tomarão a Bíblia com que estão e retomarão o texto. Assim se procederá à leitura orante da Bíblia e às demais atividades. O encontro catequético é um anúncio da Palavra e está centrado nela, mas precisa sempre de uma ambientação adequada e de uma motivação atraente, do uso de símbolos eloquentes, da sua inserção num amplo processo de crescimento e da integração de todas as dimensões da pessoa num caminho comunitário de escuta e resposta.27

O que o papa Francisco ensina refere-se à dimensão mistagógica da catequese. Os catequistas, além do auxílio das ciências para a educação da fé, são verdadeiros condutores de novas vidas com o mistério da Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Francisco continua afirmando que “é bom que toda a catequese preste uma especial atenção à ‘via da beleza’.”28 Diante disso, tendo FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do evangelho no mundo atual. Brasília: CNBB, n. 24. Diretório Nacional de Catequese, n. 165. 27 FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 166. 28 Ibidem, n. 167. 25

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ARTIGOS ARTIGOS presente o mistério da fé em Jesus Cristo, ao longo do ano litúrgico, torna-se conveniente o uso de símbolos, músicas, sinais e gestos que favoreçam a iniciação litúrgica dos catequizandos.

3 Educação da fé O Diretório Nacional de Catequese afirma que “celebração e festa contribuem para uma catequese prazerosa, motivadora e eficaz”.29 Após a festa seguem os momentos de prática e experiência dos mistérios celebrados. Nesta etapa, o espaço catequético bem configurado ajudará na educação e amadurecimento da fé. A catequese é a responsável por estimular a compreensão das verdades transmitidas sobre Jesus Cristo e seu projeto para a humanidade. Abaixo, outros elementos não menos importantes, mas complementares ao espaço físico, para maior interação da fé e da vida. a) Ano Litúrgico. A Igreja vive para evangelizar, e evangeliza por meio da vivência dos mistérios da vida de Cristo. As festas e celebrações que configuram o Ano Litúrgico compõem, cada qual, “um momento celebrativo da História da Salvação”.30 As cores do Ano Litúrgico ajudam o caráter festivo, com maior ou menor intensidade. O centro do Ano Litúrgico é o Mistério Pascal, atualizado em todo Domingo, principal dia de festa cristã. b) Palavra de Deus. A centralidade na Palavra de Deus não significa um mero estudo de um livro, mas é verdadeiro encontro com Jesus, que nos fala pela Bíblia e permite dar sentido à nossa vida porque nos diz palavras de fé, amor e esperança. A Palavra de Deus é reverenciada por atitudes e gestos. No momento da catequese, os catequizandos são convidados a ficar em pé e se aproximarem do ambão. Aí colocados, estão dispostos a ouvir com atenção a proclamação do texto bíblico. É Deus-Amor que nos fala diretamente ao coração. Cada vez que praticarmos essa atitude, estamos educando para a mesma presteza, quando na celebração eucarística ouve-se de pé a leitura do Evangelho. c) Silêncio. A proclamação da Palavra é seguida de breve momento de silêncio. Essa atitude demonstra o acolhimento da mensagem ouvida. Revela a disposição do fiel de recolher-se em oração para assumir os frutos gerados a partir da fé. “O silêncio faz parte do universo simbólico e poético da comunicação humana. [...] Por isso, cultivar o silêncio é uma arte tanto quanto o bem falar. O silêncio é parte da linguagem do mistério e do amor”.31

Considerações finais As reflexões sobre o espaço catequético, ou litúrgico-catequético, surgem de provocações e propostas derivadas das metodologias de organização do itinerário catequético com inspiração catecumenal. Os encontros com os catequizandos são desenvolvidos tendo como referência a Palavra de Diretório Nacional de Catequese, n. 118. Ibidem, n. 122b. 31 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Liturgia em mutirão: subsídios para a formação. Brasília: CNBB, 2007, p. 205. 29 30

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ARTIGOS ARTIGOS Deus, seguida de experiências de diálogo, acolhida mútua, alegria, perdão e partilha, com o objetivo de provocar o encontro com Jesus e com as pessoas que trilham a mesma estrada da fé. Não podemos fazer do encontro de catequese uma reprodução das atitudes e espaços semelhantes ao da escola e da educação tradicional, onde existem carteiras, quadro negro, cartazes pendurados e tantos outros recursos de que a tecnologia dispõe. O grande enfoque de cada encontro será Jesus Cristo com base na Palavra e na vivência de cada um. “A conversão pastoral requer que as comunidades eclesiais sejam comunidades de discípulos missionários ao redor de Jesus Cristo, Mestre e Pastor”.32 O espaço catequético é meio para se entender que Deus está em cada pessoa humana, em seus gestos e atitudes, e que toda pessoa é capaz de disseminá-lO onde vive e com quem se relaciona. “Levar a ternura no mundo é levar para ele a salvação do evangelho. [...] Testemunhar o amor terníssimo com que Deus nos salvou na cruz é testemunhar um modo novo de olhar a nós mesmos e aos outros”.33 Pode-se dizer, então, que um espaço preparado com afeto, que seja bonito e organizado, onde as pessoas possam sentir-se como se estivessem em sua própria casa é, sem dúvida, símbolo da presença de Deus. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CNBB. Liturgia em mutirão: subsídios para a formação. Brasília, CNBB, 2007. Constituição Dogmática Dei Verbum. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). 5. ed. São Paulo: Paulus, 2011. CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE. Documento de Aparecida: texto conclusivo. Brasília/São Paulo/São Paulo: CNBB/Paulus/Paulinas, 2007. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Catequese evangelizadora. Brasília: CNBB, 2014. ______. Diretório Nacional de Catequese. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2006. ______. Celebrar e crescer na fé: Catequese e liturgia. Brasília: CNBB, 2008. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para a Catequese. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. FRANCISCO. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia: sobre o amor na família. Brasília: CNBB. 2016. ______. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do evangelho no mundo atual. Brasília: CNBB. 2013. NÚCLEO DE CATEQUESE PAULINAS. Querigma: a força do anúncio. São Paulo: Paulinas, 2014. PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1976. ROCCHETTA, Carlo. Teologia da ternura: um “evangelho” a descobrir. Trad. Walter Lisboa. São Paulo: Paulus, 2002. SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Catequético Geral. Petrópolis: Vozes, 1971. SCOUARNEC, Michel. Símbolos cristãos: os sacramentos como gestos humanos. Trad. Marisa do Nascimento Paro. São Paulo: Paulinas, 2001. XIV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS. A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo: Lineamenta. São Paulo: Paulinas. 2015.

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Documento de Aparecida, n. 368. ROCCHETTA, Carlo. Teologia da ternura, p. 505.

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ARTIGOS ARTIGOS A SAGRADA ESCRITURA NA CATEQUESE NO CONTEXTO PÓS-CONCÍLIO VATICANO II THE PLACE AND ROLE OF SACRED SCRIPTURE IN CATECHESIS A FTER THE SECOND VATICAN COUNCIL Daniel Nogueira de Assis* José Ivanildo de O. Melo*

RESUMO: No presente texto refletimos sobre o lugar e o papel da Sagrada Escritura na Catequese após o Concílio Vaticano II. Para uma justa compreensão do significado dessa renovação bíblico-catequética, faremos uma breve recuperação de alguns elementos da teologia bíblica desde a Reforma Protestante até o documento Conciliar Dei Verbum, seguido das principais orientações pós-conciliares que repercutiram na questão catequética, especialmente na Igreja da América Latina. Palavras-chave: Sagrada Escritura. Catequese evangelizadora. Vaticano II. ABSTRACT: The article reflects upon the place and role of the Bible in catechesis after the Second Vatican Council. In an effort to provide a proper understanding of the significance of the biblical-catechetical renewal, it presents a brief historical overview of some key elements of biblical theology that extends from the Protestant Reformation to the Conciliar document Dei Verbum. It concludes with a review of the main post-conciliar guidelines that informed and influenced the catechetical question, especially within the Church in Latin American. Keywords: Sacred Scripture. Evangelizing catechesis. Vatican II.

INTRODUÇÃO “A Igreja existe para evangelizar”1 e de diversos modos busca cumprir esse nobre e desafiador mandato do Senhor – “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15). A catequese, por estar a serviço da Evangelização como educação para a maturidade na fé, não poderia ter outra fonte senão a Sagrada Escritura. A comunidade primitiva compreendeu bem isso ao adotar um estruturado processo de catecumenato que ia do primeiro anúncio, ritos de passagem, vivência comunitária até a imersão no mistério pascal por meio dos três grandes sacramentos: Batismo, Confirmação e Eucaristia.2 Bacharel em Filosofia pela Faculdade Vicentina do Paraná e graduando do curso de Bacharelado em Teologia no UNISAL, Campus Pio XI. **Licenciado em Filosofia pela Faculdade Salesiana Dom Bosco-AM e graduando do curso de Bacharelado em Teologia no UNISAL, Campus Pio XI. 1 PAULO VI. Evangelii Nuntiandi. Exortação apostólica sobre Evangelização no Mundo Contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 1975, n. 14. 2 CNBB. Diretório Nacional de Catequese. São Paulo: Paulinas, 2007, n. 35. *

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ARTIGOS ARTIGOS Em nossa sociedade, oferecer um itinerário catequético que seja uma verdadeira iniciação à vida cristã, centrada no anúncio da Palavra de Deus é certamente um grande desafio. A Igreja, especialmente após o Vaticano II, tem estimulado a redescoberta desse estilo catequético primitivo, centrado na Sagrada Escritura, na experiência de Cristo e num forte sentido de pertença comunitária, como resposta ao problema da fragilidade que muitos cristãos batizados apresentam, tanto na formação doutrinal, quanto no testemunho de vida. Vejamos como se deu e está dando-se esse processo de retorno às origens de uma catequese bíblico-evangelizadora.

1 A SAGRADA ESCRITURA NA IGREJA NO CONTEXTO DA MODERNIDADE PRÉ-CONCILIAR O Concílio Vaticano II é certamente um divisor de águas no modo e na intensidade com que a Igreja Católica interage com a Sagrada Escritura. A maior valorização da Bíblia no contexto das celebrações litúrgicas, na catequese, para uso pastoral e leitura pessoal, não são resultado do acaso, mas processo histórico teológico, que culmina no evento conciliar e prossegue nas repercussões dos anos seguintes. Vejamos de forma breve algumas iniciativas do Magistério da Igreja na modernidade que iluminam essa questão.

1.1 A Sagrada Escritura na modernidade O movimento da Reforma Protestante “traumatizou” a Igreja no manuseio da Sagrada Escritura. Martinho Lutero (1483-1546) traduziu para a língua vernácula os textos sagrados; ministrava catecismo aos jovens e às crianças, incentivava a aprendizagem da leitura e escrita, colocando nas mãos do povo a Bíblia como bem espiritual e valioso instrumento de formação cidadã.3 A Igreja Católica, por sua vez, via na “’sola Scriptura’ dos reformadores a pretensão do fiel de ler e interpretar a Palavra de Deus a partir de sua experiência pessoal”, contrapondo-se ao ensino clerical, realizado nas homilias e por meio dos textos litúrgicos-devocionais.4 Enquanto despontava no mundo protestante o sujeito moderno, desejoso de um contato pessoal e livre com a Escritura, a Igreja católica retinha em seu interior o sujeito pré-moderno, preso a uma leitura da Bíblia pelos olhos da autoridade eclesiástica. Pesava sobre a cultura católica bíblica uma vigilância conservadora a fim de que não se infiltrasse nenhum germe protestante do ‘livre exame’.5

O Concílio de Trento fez um grande esforço para amenizar essas tensões e ao mesmo tempo garantir a autoridade da Igreja frente as interpretações pessoais. Daí surge a valorização das “histórias Sagradas”, e dos catecismos, que eram um meio termo entre a “ignorância bíblica e o manuseio direto dos livros sagrados”,6 vastamente utilizados pela catequese e pelo ensino nas escolas católicas até o fim do século XIX. Nas décadas seguintes, diversos documentos papais irão redesenhar a postura da Igreja diante das controvérsias modernistas em torno da Sagrada Escritura. PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 120. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Loyola, 2005, p. 22. 5 Ibidem, p. 22. 6 Ibidem, p. 22. 3 4

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ARTIGOS ARTIGOS 1.2 Providentissimus Deus Esta Carta Encíclica, do Papa Leão XIII, de 18 de novembro de 1893, busca proteger a interpretação católica da Bíblia, frente aos ataques da ciência racionalista e do modernismo, da exegese liberal e as interpretações cientificistas da fé Revelada, chamada também de “livre ciência”7. Ao mesmo tempo estimula os teólogos e exegetas a adquirirem competência científica suficiente para dialogarem com os expoentes do racionalismo. O primeiro meio de defesa, diz ela, “encontra-se no estudo das línguas antigas do Oriente, bem como no exercício da crítica científica”8. Para os estudantes de teologia recomenda-se a centralidade dos estudos bíblicos que constituem “alma” do caminho formativo.9 Certamente um dos melhores resultados práticos dessa encíclica é a criação da Pontifícia Comissão Bíblica e do Instituto Bíblico que ainda hoje oferecem abundantes frutos à Igreja.

1.3 Spiritus Paraclitus A Encíclica Spiritus Paraclitus do papa Bento XV, escrita em 1920, por ocasião do XV centenário da morte de São Jerônimo, reforça o pensamento católico acerca da verdade contida nas Sagradas Escrituras como divinamente revelada por Deus, que é, pela assistência do Espírito Santo, seu único autor e garantia da inerrância bíblica. Aí aparecerão as primeiras tentativas de não contrapor a inspiração bíblica ao gênio do escritor sagrado e a cultura de seu tempo. “Jerônimo absolutamente não duvidava, aliás, de que todos os autores desses Livros tenham, cada um conforme ao seu caráter e ao gênio, emprestado livremente o seu concurso à inspiração divina”.10

1.4 Divino Afflante Spiritu: sobre o estudo da Sagrada Escritura A encíclica Divino afflante Spiritu, do Papa Pio XII, publicada menos de vinte anos antes do Concílio Vaticano II, representou “um poderoso impulso para uma nova abordagem qualificada do texto bíblico no universo católico”, uma significativa “libertação das amarras impostas pela teologia dogmática então praticada”.11 Ela será também uma espécie de mediadora entre os exegetas católicos que travam disputa dentro do movimento bíblico sobre o método adequado para a exegese bíblica. Os mais conservadores consideravam um grave erro “para a Igreja e para as almas” o sistema crítico científico no estudo e na interpretação da Bíblia, enquanto os exegetas progressistas apostavam no uso de tal método. Pio XII propôs um caminho de conciliação que passava pela estreita união das duas iniciativas, reconhecendo o valor teológico do sentido literal e do método crítico12, sem renunciar o sentido espiritual, que “alimente a alma, fomente a vida interior”13. Para justificar sua posição, usa uma analogia que será retomada, quase literalmente na Dei Verbum n. 13. Diz Pio XII:

LEÃO XIII. Providentissimus Deus: sobre o estudo da Sagrada Escritura. 2. ed. São Paulo: Vozes, 1950, n. 39. Ibidem, n. 67. 9 Ibidem, n. 57. 10 BENTO XV. Spiritus Paraclitus: Sobre o estudo da Sagrada Escritura. 2. ed. São Paulo: Vozes, 1952, n. 8. 11 VASCONCELO, Pedro Lima. O Vaticano II e a leitura da Bíblia. São Paulo: Paulus, 2015, p. 28. 12 PIO XII. Divino Afflante Spiritu: sobre o estudo da Sagrada Escritura. 2. ed. São Paulo: Vozes, 1957, n. 15. 13 Ibidem, n. 16. 7 8

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ARTIGOS ARTIGOS ‘Na Escritura as coisas divinas nos são apresentadas ao modo usual, humano’. Como o Verbo substancial de Deus se fez semelhante aos homens em tudo ‘exceto no pecado’, assim também a palavra de Deus expressa em línguas humanas assemelhou-se em tudo à linguagem humana, exceto no erro.14

Nos últimos números, Pio XII retoma a preocupação com a formação dos fiéis, acrescentando a recomendação de que os pastores favoreçam as famílias de possuírem exemplares da bíblia, especialmente dos evangelhos15, e a formação nos seminários.16

2 A SAGRADA ESCRITURA NA IGREJA NO CONTEXTO DO CONCÍLIO VATICANO II Sabemos que o Concílio Vaticano II não produziu um documento específico sobre a catequese, entretanto os diversos temas sobre a Evangelização, a Sagrada Escritura e Liturgia influenciaram diretamente a teologia e prática catequética. Não tendo condições de “rastrear” aqui em cada documento essas referências, nós nos concentraremos em alguns dos principais documentos partindo da Constituição Dogmática Dei Verbum, ficando ao leitor a curiosidade e o compromisso de aprofundar o tema nas obras que por ora apenas comentamos.

2.1 Dei Verbum: sobre a Revelação Divina No Concílio Vaticano II, a Sagrada Escritura teve papel fundamental nas discussões entre os padres conciliares e peritos, tanto que o documento que mais ocupou espaço e tempo foi a constituição dogmática Dei Verbum, sobre a revelação divina. Era desejo do Concílio que a Sagrada Escritura voltasse a ser presente na vida da Igreja, fonte de encontro com a Palavra de Deus encarnada. Essa constituição dogmática, mesmo tratando da Sagrada Escritura, é um documento que se ocupa da revelação divina, para esclarecer controvérsias a respeito da questão de a revelação divina acontecer pela Bíblia ou pela Tradição, discussão que ocupou bastante tempo entre modernistas e tradicionalistas, porém definiram-se ambas como fontes da revelação. Já é possível notar-se que o desenrolar desse documento no Concílio não foi dos mais tranquilos, segundo Geraldo Lopes; "A história do documento no Concílio não foi sempre pacífica. Com efeito, da primeira redação apresentada à última votada, não há nada em comum"17. O documento passou por várias revisões culminando num documento totalmente diferente daquele proposto de início. Foram três etapas para a elaboração do documento até a sua conclusão e contou com nomes de peso da teologia católica tais como Karl Rahner e Yves Congar, e acabou sendo considerado o documento que mais qualifica o Concílio, já que ocupou todo o período conciliar para ser concluso. Por ocasião de sua promulgação, em 18 de novembro de 1965 com 2.350 votantes, recebeu 2.344 placet e 6 non placet. Desse documento pode-se destacar 12 tópicos como pontos-chave. São eles: 1 - A Revelação como autocomunicação; 2 - Deus como a única fonte da Revelação, com dois modos de transmissão; 3 - O magistério da Igreja como servidor da Palavra e guarda da Tradição; PIO XII, Papa. Divino Afflante Spiritu: sobre o estudo da Sagrada Escritura. 2. ed. São Paulo: Vozes, 1957, n. 20. Ibidem, n. 26. 16 Ibidem, n. 29. 17 Lopes, Geraldo. Dei Verbum: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 52. 14 15

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ARTIGOS ARTIGOS 4 - Os autores humanos das Escrituras como verdadeiros autores; 5 - As Escrituras como inspiradas; 6 - A necessidade das formas literárias na interpretação do texto; 7 - A relação intrínseca entre o Antigo e o Novo Testamentos; 8 - A proclamação da Igreja sobre a origem apostólica dos Evangelhos; 9 - A proclamação e a defesa da Igreja sobre a historicidade dos Evangelhos; 10 - O papel da Igreja na redação dos Evangelhos; 11 - A veneração da Bíblia na Igreja; 12 - A Sagrada Escritura como fundamento da teologia.

3 A SAGRADA ESCRITURA NA IGREJA NO CONTEXTO PÓS-CONCILIAR O evento Conciliar aconteceu em torno do livro dos Evangelhos e podemos dizer, por analogia, que a Sagrada Escritura também foi colocada mais uma vez no centro da vida da Igreja e de sua missão evangelizadora no mundo. Segundo Luiz Alves de Lima, "a catequese foi uma das primeiras grandes atividades eclesiais a entender a sua importância"18, pois colocou a Palavra de Deus no cerne de toda a sua ação de educação na fé; desde então, ela passou a ter lugar de destaque na maioria dos documentos da Igreja, tanto os da Santa Sé quando os da CNBB.

3.1 Diretório Geral da Catequese Uma das tarefas deixadas pelos padres conciliares, no decreto Christus Dominus, foi a produção de um Diretório Geral, publicado em 11 de abril de 1971, pela Sagrada Congregação do Clero. Esse valioso documento trata da catequese como oportunidade das comunidades para alcançar um conhecimento mais vivo e profundo de Deus, Revelação “culminada em Jesus Cristo e destinada a toda a humanidade”19. Esse “ministério da Palavra”, exercido na Igreja de diversos modos, deve ser na catequese um elemento irrenunciável, pois é a Palavra de Deus que converte, é à luz do Evangelho que o homem é iluminado pela fé . 20

3.2 Catechesi Tradendae A Exortação Apostólica pós-sinodal Catechesi Tradendae do Papa João Paulo II, em 1979, retoma o tema da centralidade do anúncio de Cristo, “o único mestre” a ser conhecido e imitado21. Insere-se no dinamismo da evangelização que parte do primeiro anúncio e segue-se com o aprofundamento sistemático da fé e do conhecimento de Cristo, da Boa Nova que liberta. Recorda que não há outra fonte de onde a catequese possa haurir seu conteúdo fundamental que não seja a Sagrada Escritura e Sagrada Tradição.22

LIMA, Luiz Alves de. Palavra de Deus e Catequese. Revista de Catequese 135 (2011), p. 6. Congregação para o Clero. Diretório Geral para a Catequese. 5 ed. São Paulo: Paulinas, 2009, n. 42. 20 Cf. Diretório Geral da Catequese. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cclergy/documents/ rc_con_ccatheduc_doc_17041998_directory-for-catechesis_po.html, Acesso em: 27 de abril de 2016. 21 João Paulo II. Catechesi Tradendae. Exortação Apostólica “A Catequese Hoje”. São Paulo: Paulinas, 1980, n. 8. 22 Ibidem, n. 27. 18 19

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ARTIGOS ARTIGOS 3.3 A Interpretação da Bíblia na Igreja Este documento da Pontifícia Comissão Bíblica é uma das primeiras repercussões pós-Concílio Vaticano II do documento Dei Verbum. Trata da correta interpretação da Sagrada Escritura, tendo como base a leitura conciliar sobre as fontes da revelação divina. Por ocasião do centenário da Encíclica de Leão XIII, "Providentissimus Deus", e do cinquentenário da Encíclica de Pio XII, "Divino Afflante Spiritus", o Santo Padre, o Papa São João Paulo II, recebeu visita da Comissão Bíblica, que na época, 23 de abril de 1993, tinha como presidente o Cardeal Ratzinger. Tanto o discurso de Ratzinger quanto o de São João Paulo II giravam em torno da interpretação da Sagrada Escritura pontuando sua importância capital para a fé e para a vida da Igreja. Discorrendo sobre o papel de uma genuína exegese bíblica em comunhão com o mesmo espírito apresentado pelos pontífices anteriores e pelo concílio. O documento faz uma análise dos métodos de interpretação bíblica, apontando as falhas como também os acertos de cada método, e chega à conclusão de que a exegese católica não tem um método próprio e exclusivo de interpretação. Propõe começar pelo histórico crítico, mas que esteja isento de pressupostos sejam filosóficos ou quaisquer outros contrários à verdade da fé contida na Bíblia, na Tradição e no Magistério. Conclui, ressaltando que todos os métodos contêm sementes do verbo. É importante salientar que a catequese também, dentro desse mesmo espírito conciliar, propõe “normas e critérios para a apresentação da mensagem evangélica”23. Nesse campo, ainda que na sua maior parte o Diretório Nacional repita o esquema do Diretório Geral, realça alguns elementos, sobretudo no aspecto da inculturação do Evangelho e de uma proposta de leitura “libertadora da Bíblia”.24

3.4 Verbum Domini: sobre a Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja A Exortação Apostólica Pós-Sinodal do Santo Padre Bento XVI foi escrita dois anos após o Sínodo sobre a Palavra de Deus. Este aconteceu de 05 a 26 de outubro de 2008 e teve por tema: “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. Retomando as máximas da Dei Verbum, procura após 40 anos definir, no âmbito da Igreja universal, os resultados positivos que ela suscitou nos fiéis. Em particular, o que diz respeito à renovação bíblica nos âmbitos litúrgico, teológico e catequético. As motivações para esse documento apresentadas nos lineamenta afirmam ainda que permanecem abertos e problemáticos aspectos tais como: os fenômenos de ignorância sobre a doutrina da Revelação e da Palavra de Deus, o notável desapego da Bíblia por parte dos cristãos, o risco permanente de uma utilização incorreta da Escritura etc. Devido a isso, esse documento é um apelo apaixonado do Papa Bento XVI a toda a Igreja, para que todos tenham uma sempre crescente familiaridade com a Sagrada Escritura, lembrando que ela é fundamento de toda espiritualidade cristã e, portanto, devemos meditar sobre ela, celebrá-la e anunciá-la.

23 24

Diretório Nacional de Catequese, n. 97. Ibidem, n. 113.

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ARTIGOS ARTIGOS 3.5 Evangelii Gaudium: Sobre o Anúncio do Evangelho no Mundo Atual A exortação Apostólica do Sumo Pontífice Francisco trata da evangelização, especificamente sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual; mais que uma exortação, são as diretrizes de seu pontificado. Nela, mesmo que de forma indireta, é-nos apresentada a Sagrada Escritura como fonte de toda a evangelização, ressaltando seu papel no anúncio da revelação divina aos fiéis, para acontecer um verdadeiro encontro daquele que anuncia com aquele que recebe o anúncio. Nesta pregação, sempre respeitosa e amável, o primeiro momento é um diálogo pessoal, (...) Só depois desta conversa é que se pode apresentar-lhe a Palavra, seja pela leitura de algum versículo ou de modo narrativo, (...) conclua com breve oração.25

Também ressalta a necessidade de uma homilia baseada e fundamentada na Sagrada Escritura, pois "a homilia pode ser, realmente, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um encontro consolador com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento"26. Deixa claro que é a partir dela que se tem um verdadeiro encontro com a Palavra de Deus encarnada: Toda a evangelização está fundada sobre esta Palavra escutada, meditada, vivida, celebrada e testemunhada. A Sagrada Escritura é fonte de toda evangelização. (...) O estudo da Sagrada escritura deve ser uma porta aberta para todos os crentes.27

4 REPERCUSSÕES NA AMÉRICA LATINA E BRASIL O Concílio Vaticano II gerou frutos imediatos no Brasil e América latina e esses repercutiram na pastoral latino-americana toda, atingindo também a catequese, pois "nunca na Igreja se escreveu tanto sobre catequese, como na segunda metade do século XX, sob a influência do Vaticano II".28 4.1 CELAM: Conselho Episcopal Latino-Americano As conferências do CELAM também não tratam de maneira direta o problema da Sagrada Escritura, porém todas elas de forma indireta acenam para seu uso e aplicação na evangelização. Segundo Beozzo: Não se encontra, em Medellín, um documento correlato à constituição dogmática Dei Verbum sobre a divina revelação. Conquanto Medellín incorpore, em muitos dos seus documentos, uma busca consciente de fundamentação na Palavra de Deus, esta é uma de lacunas sensíveis, tanto mais que foi a Bíblia a alimentar a caminhada das comunidades eclesiais de base, propugnadas por Medellín e a fornecer a referência maior para suas celebrações, espiritualidade e compromisso.29

Com relação à catequese, é dedicado o capítulo 8.º inteiro para tratar do tema. O texto trata da necessidade de uma renovação que eduque eficazmente para a fé, de uma catequese que não seja FRANCISCO. Evangelii Gaudium: Sobre o Anúncio do Evangelho no Mundo Atual. São Paulo: Paulus/Loyola, 2013, n. 128. Ibidem, n. 135. 27 Ibidem, n. 174-175. 28 LIMA, Luiz Alves de. A Catequese do Vaticano II aos nossos dias. São Paulo: Paulus, 2016, p. 113. 29 BEOZZO, José Oscar. Medellín: Inspiração e Raízes. Disponível em: http://www.servicioskoinonia.org/relat/202.htm. Acesso em: 27 de abril de 2016. 25 26

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ARTIGOS ARTIGOS somente doutrinal, mas que possa também assumir a religiosidade popular como “ocasião ou o ponto de partida para o anúncio da fé”, uma catequese inserta e engajada, capaz de dialogar com a cultura e as dinâmicas sócio-políticas da América Latina, que revele a relação do Evangelho “com as formas de existência do homem, tendo em conta os ambientes humanos, étnicos e culturais e guardando a fidelidade à Palavra revelada”31. Em Puebla, a Sagrada Escritura recebe papel de destaque na evangelização e catequese, mostrando sua importância na proposta de uma catequese bíblica, e na celebração litúrgica, principalmente no que diz respeito à liturgia da palavra, respondendo à ânsia do povo em conhecer a Palavra de Deus. Pedese nesse documento um amor mais centrado na Sagrada Escritura por parte dos fiéis, principalmente por aqueles que trabalham à frente de pastorais como a catequética. Acentua que a "Sagrada Escritura deve ser lida no contexto da vida, à luz da Tradição e do Magistério da Igreja, transmitindo, além disso, o símbolo da fé; portanto dará importância ao apostolado bíblico, difundindo a Palavra de Deus, formando Grupos Bíblicos"32. Trata também, a partir do número 1107, da Sagrada Escritura e seu papel no diálogo ecumênico. No Documento de Aparecida, o tema da Sagrada Escritura perpassa todas as reflexões, como referência, alicerce, fonte de inspiração para as reflexões teológicas e pastorais do documento e como local de encontro com Jesus Cristo33. Já o tema da catequese aparece em diversos números, normalmente relacionados com a questão da Evangelização e formação cristã.34 Nesse contexto, pode-se dar destaque novamente para a catequese na América Latina, pois seguindo a inspiração das Conferências passa a dar mais importância para a dimensão bíblica; assim, "a Palavra de Deus se torna o conteúdo principal da catequese"35 criando maior familiaridade de catequistas e catequizandos com ela. Porém não para na catequese, mas passa a fazer parte da vida litúrgica da Igreja, dos círculos bíblicos que se multiplicam e da leitura orante.

4.2 No Brasil No Brasil, a resposta ao apelo do Concílio, no que se refere à Sagrada Escritura e à catequese, encontrou respaldo na CNBB e nos agentes de pastoral em toda a Igreja, com documentos e ações para incrementá-la, tais como: círculos bíblicos, catequese bíblica, leitura orante, centros de animação bíblico-catequética, entre outros. Dos diversos documentos e subsídios preparados pela CNBB e outros organismos de pastoral, damos destaque ao texto Catequese Renovada, 1983, e a aprovação do Diretório Nacional de Catequese em 2005. Esses dois textos merecem um estudo à parte para compreender o alcance de suas conquistas. Aqui nos basta dizer que o tema da catequese bíblica é posto com bastante ênfase

CELAM. Trinta anos depois. Medellín é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998, n. 2. Ibidem, n. 15. 32 Idem. Evangelização no Presente e no futuro da América Latina. São Paulo: Paulinas, 1979, n. 1001. 33 Idem. Documento de Aparecida: Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Brasília: CNBB/Paulus/Paulinas, 2007, n. 278. 34 Ibidem, n. 295. 35 LIMA, Luiz Alves de. Medellín - Aparecida: Um diálogo provocador. Revista de Catequese 123 (2008), p. 14. 30 31

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ARTIGOS ARTIGOS e tão bem articulada que não é impossível separar uma da outra, de tal sorte que “[...] a fonte da evangelização e catequese é a Palavra de Deus”.36 Outro documento a tratar do tema da Sagrada Escritura é o 97 da CNBB: "Discípulos e Servidores da Palavra de Deus na Missão da Igreja". Retoma muitas afirmações da Dei Verbum e da Verbum Domini, mas tem um objetivo próprio, que é formulado assim: “Apresentamos este texto que pretende ser uma resposta às exortações do Sínodo”37, bem como um estímulo a catequistas e liturgistas, todos os cristãos, na busca por viver e testemunhar a caridade, pois a “Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela”38.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo da história, a Igreja promoveu diversos itinerários de educação à fé. Certamente uma das experiências mais eficazes foi a do catecumenato cristão. Um processo que articulava a Sagrada Escritura, Liturgia, experiências formativas, vivências eclesiais e compromisso comunitário, como partes integradas da evangelização. Após um longo período de arrefecimento e até certo distanciamento do povo das Sagradas Escrituras e de um processo de catequese mais condizente com os novos tempos, a Igreja precisou, provocada sobretudo pela reforma protestante, rever, e por que não dizer, retornar às fontes. Esse longo movimento de renovação bíblico-catequético encontra seu ponto alto no Concílio Vaticano II e, a partir dele, continua a desdobrar-se como um rio ainda em fase germinal. Reconhecemos hoje os diversos avanços que nossas comunidades já deram, ao mesmo tempo em que reconhecemos os imensos desafios ainda a serem superados no sentido de restituir o lugar e o papel da Sagrada Escritura como referencial fundamental da evangelização, portanto, fonte da catequese.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bento XV. Spiritus Paraclitus: Sobre o estudo da Sagrada Escritura. 2. ed. São Paulo: Vozes, 1952. ______.Humani Generis Redemptionem e normas: sobre a pregação da Palavra Divina. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1952. Bento XVI. Verbum Domini: sobre a Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja. Paulinas, 2010. BEOZZO, José Oscar. Medellín: Inspiração e Raízes. Disponível em: http://www.servicioskoinonia.org/relat/202.htm. Constituição Dogmática Dei Verbum. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). São Paulo: Paulus, 2001. CONCLUSÕES DA CONFERÊNCIA DE MEDELLÍN-1968: Trinta anos depois. Medellín é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998. CONCLUSÕES DA CONFERÊNCIA DE PUEBLA-1979: Evangelização no Presente e no futuro da América CNBB. Diretório Nacional de Catequese. São Paulo: Paulinas, 2005, n. 25. Idem. Discípulos e servidores da Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2012. 38 BENTO XVI, Papa. Verbum Domini: Sobre a Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2010. 36 37

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ARTIGOS ARTIGOS Latina. São Paulo: Paulinas, 1979. CNBB. Discípulos e servidores da Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2012. ______. CNBB. Diretório Nacional de Catequese: texto aprovado pela 43.ª Assembléia Geral. Itaici – Indaiatuba (SP), 9 a 17 de agosto de 2005. São Paulo: Paulinas, 2005. Francisco. Evangelii Gaudium: sobre o Anúncio do Evangelho no Mundo Atual. Paulus; Loyola, 2013. João Paulo II. Catechesi Tradendae. Exortação Apostólica “A Catequese Hoje”. São Paulo: Paulinas, 1980. Leão XIII. Providentissimus Deus: sobre o estudo da Sagrada Escritura. 2. ed. São Paulo: Vozes, 1950. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Loyola, 2005. LIMA, Luiz Alves de. Medellín - Aparecida: Um diálogo provocador. Revista de Catequese 123 (2008). ______. Palavra de Deus e Catequese. Revista de Catequese 135 (2011), p. 6. ______. A Catequese do Vaticano II aos nossos dias. São Paulo: Paulus, 2016. LOPES, Geraldo. Dei Verbum: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2012. LUTZ, Gregório. A Palavra de Deus em documentos do Vaticano II e pós-conciliares. In: Concílio Vaticano II: Memórias e Esperanças para os Tempos Atuais. São Paulo: Paulinas, 2014. Paulo VI. Evangelii Nuntiandi. Exortação apostólica sobre Evangelização no Mundo Contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 1975. Pio XII. Divino Afflante Spiritu: sobre o estudo da Sagrada Escritura. 2. ed. São Paulo: Vozes, 1957. PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. Trad. José Severo de C. Pereira. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2007. Pontifícia Comissão Bíblica. A interpretação da Bíblia na Igreja. São Paulo: Paulinas, 1994. VASCONCELO, Pedro Lima. O Vaticano II e a leitura da Bíblia. São Paulo: Paulus, 2015. (Coleção Marco Conciliar).

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ARTIGOS ARTIGOS A OBRA LUCANA: UMA CATEQUESE SOBRE O ESPÍRITO SANTO THE LUKAN CORPUS: A CATECHESIS OF THE HOLY SPIRIT

Cassio Ramon C. O. Nascimento*

RESUMO: No presente artigo reflete-se sobre o papel atribuído ao Espírito Santo no Evangelho segundo Lucas e nos Atos dos Apóstolos. A catequese do Evangelista Lucas ensina-nos a ver a unidade entre o Antigo e o Novo Testamento por intermédio do Espírito Santo, fio condutor de toda a história da Salvação. A partir dEle, Lucas relaciona as profecias do antigo Israel com a missão de Jesus Cristo, e a missão dEste com a dos discípulos, inaugurada em Pentecostes. No artigo mostra-se, por fim, a relação dessa missão com a Igreja dos nossos tempos e como, a partir de algumas expressões artísticas, como o Espírito Santo nos une à missão de Jesus Cristo. Palavras-chave: Espírito Santo. Unidade. Evangelho de Lucas. Atos dos Apóstolos. Catequese. ABSTRACT: This article reflects on the role attributed to the Holy Spirit in the Gospel of Luke and the Acts of the Apostles. The Catechesis of the Evangelist Luke teaches us to see the unity between the Old and New Testament through the Holy Spirit, the unifying and guiding force in the history of salvation. Highlighting the work of the Holy Spirit, Luke relates the prophecies of ancient Israel to the mission of Jesus Christ and the mission of Jesus Christ with the mission of the disciples inaugurated at Pentecost. Finally, the article demonstrates the relationship of the mission of the early disciples with the mission of the Church of our own times, by using some artistic expressions as a resource for reflection on how the Holy Spirit unites us to the mission of Jesus Christ. Keywords: Holy Spirit. Unity. Gospel of Luke. Acts of the Apostles. Apostles. Catechesis.

introdução Neste artigo pretendemos analisar o Evangelho e os Atos dos Apóstolos, para identificar qual o papel do Espírito Santo considerado por São Lucas no todo das Escrituras. Pressupomos ser a obra lucana um verdadeiro tratado pneumatológico, no qual a missão de Cristo passa a ser a da sua Igreja graças ao Espírito Santo, vínculo pessoal e presença divina na História Salvífica. Lucas é o evangelista dos gentios, mas isso não significa que ele abandona a Revelação feita ao povo judeu. Por isso, tanto o terceiro evangelho quanto os Atos dos Apóstolos se configuram numa verdadeira catequese de unidade entre os povos com o único Deus e uma única Revelação, concorrendo para essa finalidade a ação do Espírito Santo.

Religioso agostiniano. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Bagozzi de Curitiba/Portão. Graduando em Teologia no Centro Universitário Salesiano de São Paulo/Pio XI.

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ARTIGOS ARTIGOS Em primeiro lugar, analisaremos as descidas do Espírito Santo nos escritos lucanos comparativamente com sua descida no capítulo 1 de Gênesis: Lucas relaciona o Espírito que paira sobre a criação, com a sua descida sobre Maria em sua concepção, sobre Jesus no batismo e depois sobre os apóstolos em Pentecostes para mostrar como um Testamento dá continuidade ao outro, assim como a obra de Jesus é continuada pela comunidade. Em segundo lugar, veremos como Lucas insere a profecia no seu evangelho também por meio do Espírito Santo. Para isso, traçaremos um paralelo entre as personagens proféticas do Evangelho (João, Simeão e Ana), com os profetas do Primeiro Testamento de modo geral. Assim, entenderemos o papel do Espírito Santo na profecia que se realiza em Jesus e nos discípulos. Em terceira e última instância, a título de conclusão, mostraremos como o Espírito Santo exerce o papel de unificador na obra lucana. Percebemos o método catequético de Lucas, quando, no Areópago, Paulo utiliza-se de um altar pagão erigido ao “deus desconhecido” a fim de ganhar os atenienses para Deus. Do mesmo modo, utilizaremos três expressões artísticas não-religiosas, para revalidar esse método catequizador, a fim de ilustrar a união das Sagradas Escrituras, a íntima relação entre Jesus e o Espírito e seu atuar nos discípulos, na missão do cristão e no mundo.

1 a descida do Espírito Santo Alguns autores cristãos, como Joaquim de Fiore1, dividem a História da Salvação, de acordo com a ação de cada pessoa da Santíssima Trindade: as eras da Lei, do Novo Testamento e da Igreja corresponderiam, respectivamente, ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. O problema dessa visão tripartida de eras está em pensar a Trindade a partir da história e não o contrário. São Lucas, em sua Obra, teve a preocupação de que seu público gentio se visse numa continuidade da Revelação, por meio das “catequeses das descidas” do Espírito Santo: na Criação e na concepção de Maria, em Jesus e nos apóstolos.

1.1 O Espírito paira na criação e em Maria Em Gn 1,2 no relato da criação, o autor bíblico usa o vocábulo Ruah para designar a força criadora de Deus. A Bíblia de Jerusalém traduz Ruah, em Gn 1,2 por sopro e em 8,1 por vento. Nesses dois casos, o ruah está relacionado com o sopro de Deus frente à água sem vida: em 1,2 as águas agitamse e em 8,1 abaixam-se. A Teologia sempre viu nesse “sopro” o Espírito Santo, como aquele que fecunda a criação e a renova. Pretendemos, com isso, relacionar o envio do Espírito na criação com o envio do Espírito a Maria, apontando para a catequese lucana de resgatar esse “pairar do espírito” (pairar que agita, fecunda e enche de vida) com a concepção da Virgem de Nazaré. Em Lucas, o Ruah dá lugar ao Pneuma2. No entanto vemos a mesma ação de Gn 1,2 em Lc 1,35: “o Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”. “Virá sobre” e “cobrirá” são ações do Espírito em Maria que explicam como ela conceberá pela dynamis do Altíssimo. Dynamis significa tanto poder quanto força, mas sempre em sentido de movimento. Essa 1 2

Joaquim de Fiore (1135-1202) defendeu o milenarismo e o advento da idade do Espírito Santo. BOFF, Lina. Espírito e missão na obra de Lucas- Atos: para uma teologia do Espírito. São Paulo: Paulinas, 1996, p. 23. 48

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ARTIGOS ARTIGOS característica de dynamis do Espírito, muito cara aos Padres Capadócios, mostra a relação desse texto com o de Gn 1,2, em que “um sopro de Deus agitava a superfície das águas”. O Espírito é dinâmico: seu pairar não é quietação; ao contrário, cobre toda a superfície com sua força e poder, move, agita, fecunda, dá vida, cria e renova. Também o filho de Isabel agita-se no ventre de sua mãe que fica repleta do Pneuma (Lc1,41). Assim como em Pentecostes, o agitar-se de um vendaval impetuoso enche a casa (At 2,2). Quando o Espírito desce sobre a terra, Ele traz consigo Sua força renovadora que a todos preenche. Lucas seguramente, ao falar do Pneuma, fala do mesmo Ruah que aparece no Primeiro Testamento, e esse é o primeiro sinal de que em sua teologia o Espírito Santo é responsável por um Testamento ininterrupto. Como vimos, o Espírito Santo é enviado por Deus tanto na Criação do mundo quanto na concepção de Maria pelo anúncio do anjo. Em ambos os casos, o Espírito atua como fecundador, Senhor que dá a vida. Todavia essa descida do Espírito Santo, podemos dizer, é usada por Lucas como prelúdio das seguintes descidas do Espírito: antes em Jesus Cristo, iniciador de uma nova humanidade, e depois na comunidade cristã, pioneira da Igreja.

1.2 o espírito paira em Jesus Lucas expressa a intimidade de Jesus com o Espírito de Deus que o acompanha em sua missão, por meio do Batismo no Jordão, onde e quando o Pai confirma o Filho, fazendo descer sobre Ele o Espírito Santo. Servindo-se da Sua criação, a imagem da pomba, o Pai Criador demonstra Seu afeto a Seu Filho. Vamos ao relato do Batismo de Jesus em Lc 3,21-22: Ora, tendo todo o povo recebido o batismo, e no momento em que Jesus, também batizado, achava-se em oração, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corporal, como pomba. E do céu veio uma voz: “Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei!”

Aqui está prefigurado o dia de Pentecostes; com a congregação, o clima de oração propicia a vinda do Espírito Santo; aqui o céu se abre e algo visível serve de sinal (em At temos o barulho, a ventania, as línguas de fogo), nesse caso, ‘como pomba’. A voz do céu sabemos ser do Pai pelo simples fato de invocar o Filho. A sentença “eu, hoje, te gerei” remete-nos mais uma vez à criação de Gn 1, porém aqui se trata de uma nova criação. Jesus é o novo homem, a partir de Deus3, portador do Espírito. Com isso, temos mais um indício de que Lucas tenta unir os Testamentos. Tendo Jesus ao centro, Lucas utiliza-se do batismo para relatar a nova criação, a qual também é tocada pelo Espírito. É significativo recordar a interpretação que faz Moltmann4, sobre a ‘forma corpórea, como pomba’. Vemos na pomba um símbolo de afeto e de saudade do Pai com o Filho. A pomba, como qualquer pássaro, é símbolo de saudade, pois, ao voar para fora do ninho, o filhote deixa seus genitores para começar sua vida sem eles e longe deles. O pássaro representa o afeto do Pai, que não quer se apartar de Seu Filho; nEle e com Ele quer habitar. Em outras palavras, todo pássaro busca um ninho onde pousar; o Espírito Santo, tendo sido enviado pelo Pai, busca habitar em Cristo e nEle fazer sua morada. Trataremos desse assunto mais adiante. Resta-nos ainda verificar a descida do Espírito Santo na comunidade cristã. 3 4

SCHNEIDER, Theodor (org.). Manual de Dogmática. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 354. MOLTMANN, Jurgen. O caminho de Jesus Cristo: Cristologia em dimensões messiânicas. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 117-121. São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p.n.47-56, 148, jul./dez. 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS 1.3 O Espírito paira na comunidade cristã O Espírito Santo desce, por fim, na comunidade cristã; antes como cumprimento da promessa de Cristo (At 1,5), depois como selo da comunidade, continuadora da missão de Cristo (At 1,8) e, finalmente, como laço de comunhão que nos conduz ao Pai e ao Filho ‘para sermos num só corpo e num só espírito um só povo em seu amor5’. Como mencionamos há pouco, no prólogo dos Atos há uma promessa a ser esperada: ‘vós sereis batizados com o Espírito Santo dentro de poucos dias’ (At 1, 5). Lucas começa por recapitular todo o assunto tratado no seu primeiro livro (o Evangelho) e especifica que Jesus escolheu Seus apóstolos, como Suas testemunhas, sob a ação do Espírito Santo e termina o prólogo com a promessa deste à comunidade. No relato do Pentecostes, em At 2,1-13, poderíamos deter-nos em diversos elementos. Porém, para sermos breves, destaquemos três elementos centrais para a reflexão que estamos a fazer: a ocasião da festa, a teofania e o espanto dos judeus. Primeiramente, esclareçamos: Pentecostes (cinquenta dias após a Páscoa) é o dia da festa da colheita, mas que se tornara também a festa da Renovação da Aliança (conforme o cronista narra em seu segundo livro, em 2Cr 15,10-13). Seguidamente, entendamos o sentido da teofania acontecida no cenáculo: se, antes, Lucas relacionava a descida do Espírito sobre a Criação com a sua descida em Maria, culminada em Jesus, agora relaciona a teofania no Sinai (onde Israel recebe a Lei) com a teofania no cenáculo (onde a Igreja nascente recebe o Espírito Santo, dom de Deus). Portanto a festa é a chave para unificar o que acontece aos apóstolos com um evento de extrema importância no Primeiro Testamento. Finalmente, analisemos a reação dos judeus, destacando a princípio dois tipos de congregação: a dos judeus na festa da Renovação da Aliança (Pentecostes) e a dos apóstolos à espera de se realizar a promessa do Espírito. No entanto apenas uma é a verdadeira congregação, aquela movida pelo Espírito Santo a superar a diversidade de cada um. Prossigamos, agora, com o espanto dos judeus: espantam-se por ouvirem cada qual em seu idioma, porque sua re-união não era plena; estavam reunidos, mas não se entendiam. Esse é o povo que ficou preso à lei de uma velha aliança, pois rejeitavam aquilo que os podia unir: o dom de Deus, o Santo Espírito; entretanto os homens e mulheres que O receberam são capazes de comunicar-se, porque viveram e renovaram sua visão da Aliança e podem contemplá-la na sua inteireza e unidade: essa é a verdadeira festa de Pentecostes.

2 o espírito santo e a Profecia Na obra lucana encontramos outra catequese de unidade intertestamentária: a profecia. É por meio das personagens apresentadas por Lucas no início do Evangelho que encontramos a relação com a profecia do Primeiro Testamento. No centro do tratado pneumatológico de Lucas, encontramos a profecia na boca de Jesus e realizada nEle. Por fim, o Espírito que suscitou aos profetas e impulsionou a missão de Cristo é quem, agora, impele os discípulos em sua missão. 5

MISSAL Romano. 10. ed. São Paulo: Paulus, 2010, p. 498. 50

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ARTIGOS ARTIGOS 2.1 O Espírito fala pelos profetas O Espírito fala pelos profetas, a começar por João Batista, de quem se fala no cântico de Zacarias (Benedictus), que ele será “profeta do Altíssimo” (Lc 1,76) e dele antes dissemos ter sido “agitado” pelo Espírito ainda no ventre de Isabel (Lc 1,41). João Batista será “voz do que clama no deserto” e deve preparar o caminho do Senhor”. Este é o resumo de sua ação profética: pregar ao povo o arrependimento dos pecados para “ver a salvação de Deus” (cf. Lc 1,4-6). Em seguida, temos Simeão e Ana na apresentação de Jesus. Simeão – homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel – é movido pelo Espírito Santo ao encontro com o menino (Lc 2,25). Ele, apesar de sua profecia sobre o menino e Maria em Lc 1,33-35, sua importância está em proclamar a fidelidade de Deus à Sua promessa, a qual já vê cumprida. Também nesse mesmo contexto aparece Ana, conhecida como profetisa, por ser uma viúva que dedicara sua vida ao Templo. Ela falava do menino aos que esperavam a libertação de Israel (Lc 1,36-38). Em João e Simeão, Lucas evidencia mais a ação do Espírito; já em Ana prefere evidenciar sua viuvez e sua relação com o Templo: o Templo morreu e sobrara apenas a esperança; no entanto, agora, o velho Israel de esperanças pode ir em paz6, pois a profecia cumpriu-se. Encontramos na profecia de Ezequiel uma visão capaz de ilustrar o que ocorre na profecia do início do Evangelho: a visão dos ossos secos (Ez 37,1-14). Assim como Ezequiel está diante de um vale de ossos, Ana e Simeão estão diante do Templo morto que diz: ‘os nossos ossos estão secos e nossa esperança está desfeita’ (Ez37,11). Pelo mesmo Espírito, tanto Ezequiel, quanto Simeão e Ana são conduzidos a profetizar: ‘porei o meu Espírito em vós e vivereis’. A visão de Ezequiel narra os ossos recebendo os tendões e os nervos da carne, parte necessária para que haja movimento no corpo e liga entre os membros. Portanto o Espírito infundido pelo Senhor que dá vida aos ossos secos, é quem dinamiza, dá esperança e união ao povo que vê no recém-nascido o cumprimento da promessa feita por Deus.

2.2 Em Jesus Cristo a profecia realiza-se Jesus Cristo é o centro em torno do qual Lucas faz girar o Espírito Santo. O evangelista recorre à profecia para inaugurar a missão de Jesus no evangelho e para iniciar a missão dos seus discípulos em Atos. A profecia lida por Jesus Cristo (Lc 4,18-19) é precedida por sua passagem pelo deserto, para onde é conduzido pelo Espírito. É importante não nos prendermos somente no tema das tentações sofridas por Cristo, mas na ação do Espírito de conduzir Jesus a um lugar onde, superadas as tentações, Ele pudesse aprofundar-se em Seu relacionamento com o Espírito, de tal forma que tomasse consciência de Sua missão. Voltando para Nazaré, Jesus dirigiu-se à sinagoga onde fez, providencialmente, a leitura do Profeta Isaías (61,1-2). Lucas faz ressoar a vocação de profeta nos lábios de Jesus com a intenção de mostrar que ele é o profeta por excelência, sobre quem o Espírito pousou, ungiu e consagrou. Após interiorizar e assimilar suas experiências espirituais, culminadas na leitura na sinagoga, ele é capaz de assumir a missão na profecia a ele endereçada. Com a frase “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (Lc 4,21), Jesus proclama o que Ana e Simeão já haviam descoberto: “o velho Israel de esperança já pode morrer. 6

PIKAZA, Javier. A teologia de Lucas. São Paulo: Paulinas, v. 3, 1978, p. 23-33. [Coleção “Teologia dos Evangelhos de Jesus”]. São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p. n.47-56, 148, jul./dez. 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS Não termina em vão, pois viu o salvador e sabe que agora a sua meta é a glória”7, e tal meta não é outra, senão, a missão de Jesus cujos destinatários aparecem nos versículos 18 e 19: os pobres, os presos, os cegos e os oprimidos. Desse modo, em Jesus realiza-se a verdade do antigo povo israelita: luz e salvação para os necessitados.

2.3 A profecia na comunidade cristã Em Atos, diferentemente dos profetas do Primeiro Testamento, Lucas aponta para uma ação pessoal do Espírito na comunidade, tal como era com Jesus. Isso se expressa pelo modo como ele se refere ao Espírito como um Outro na comunidade; por exemplo, em At 15,28 a conclusão do Concílio de Jerusalém é fruto de uma decisão tomada pela comunidade com o Espírito Santo. Nisso, Lucas demonstra o Pneuma não como força carismática, mas como Pessoa que presentifica a Pessoa de Jesus8, fazendo a comunidade participar de sua intimidade com o Pai e o Filho. No dia de Pentecostes, Pedro dirige-se aos judeus ali presentes (cf. At 2,14-24) com as Palavras do Profeta Joel (3,1-5) “derramarei do meu Espírito sobre toda carne” e pela ação desse Espírito haverá profecias, sonhos, visões e prodígios entre os jovens, anciãos, mulheres e homens servos de Deus. A partir do dom do Espírito Santo derramado no dia de Pentecostes, entendemos o agir dos discípulos (as curas, os milagres, os livramentos da prisão, entre outros prodígios) como profético, pneumático e cristológico. O autor dos Atos historia a unção de Jesus com o Espírito na obra inaugurada por ele e na continuidade desta mesma obra, por meio dos homens e mulheres chamados e enviados em missão.9

Entendendo quem é o Espírito Santo para a comunidade, entendemos como Ele nos une a Cristo e à sua missão: se, antes, os profetas pela ação do Espírito anunciavam a vinda do Messias, agora, e pelo mesmo Espírito, os discípulos de Cristo testemunham tudo o que dele receberam. A missão do Espírito vinda do Primeiro Testamento continua no Segundo. Uma vez que a missão do Espírito é delineada pelo agir de Cristo, a comunidade impulsionada pelo Espírito Santo deve assumir a missão de Jesus Cristo.

3 O ESPÍRITO SANTO COM JESUS CRISTO Há várias maneiras pelas quais poderíamos expressar a intimidade de Jesus com o Espírito, para uma catequese atual. Entre essas maneiras, cremos que a poesia responderá ao nosso objetivo de modo mais satisfatório. Analisaremos uma canção de Paulinho Pedra Azul10, popularmente chamada “Bem-te-vi”, na qual a poesia retrata, no bem-te-vi, a ternura do amor tão desejada pelo amante lírico da canção. Observemos a letra: PIKAZA, Javier. A teologia de Lucas. São Paulo: Paulinas, v. 3, 1978, p. 31. [Coleção “Teologia dos Evangelhos de Jesus”]. BOFF, Lina. Espírito e missão na obra de Lucas- Atos: para uma teologia do Espírito. São Paulo: Paulinas, 1996, p. 22. 9 Idem, p. 29. 10 SOBRINHO, Paulo Hugo Morais. Bem-te-vi. Rio de Janeiro: Som Livre, 2011. E também disponível em: https://www. vagalume.com.br/paulinho-pedra-azul/bem-ti-vi.html. Acesso em: 22 de set. de 2016. 7 8

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ARTIGOS ARTIGOS Bem-te-vi, bem-te-vi Andar por um jardim em flor Chamando os bichos de amor, Tua boca pingava mel Na canção, não se trata de uma pomba e, sim, de um bem-te-vi, uma ave do nosso continente americano e bem popular no Brasil inteiro. Assim como o bem-te-vi andando por um jardim a chamar de amor os bichos, Deus cria e chama as criaturas à vida e, ao final, chama de “bom” o que foi criado por Ele (cf. Gn 1). Em Seu sopro, o Pai derrama mel, pois a Palavra de Deus é doce ao paladar (Ez 3,3). Continuemos: Bem ti quis, bem te quis e ainda quero muito mais Maior que a imensidão da paz E bem maior que o sol No verso “bem ti quis, bem te quis”, há uma semelhança com o batismo de Jesus em Mateus quando o Pai diz “meu Filho amado em quem eu ponho o meu bem querer” (Mt 3,17) e, ainda assim, é relacionável com Lucas, pois o bem querer do Pai é gerar o Filho “eu hoje te gerei”, e exaltá-lo sobre toda a criação: “e bem maior que o sol”. A canção segue: Onde estás? / Voei por este céu azul Andei estradas do além, onde estará meu bem? Onde estás? Na pergunta “onde estás?”, o amante procura seu bem-te-vi; no Evangelho, porém, é a pomba a buscar onde pousar. Essa busca dura desde a arca de Noé, quando ele solta a pomba para saber se há terra firme. Na primeira vez, ela volta sem nada; na segunda, volta com os vestígios da antiga criação e, na terceira, não volta, pois buscava ainda a nova criação; em Cristo essa pomba veio pousar: enfim, encontrou a nova criação no homem novo, Jesus. Onde estás? Nas nuvens ou na insensatez? Me beije só mais uma vez, depois volte para lá. Na segunda vez, a busca pelo bem-te-vi do poeta é a busca de Jesus que anseia pelo beijo, pelo selo do Espírito, o impulso necessário para a missão, a dynamis, vento incessante que agita as alturas das nuvens e o sopro “insensato” que sopra além do absurdo. No verso final – “depois volte pra lá” – podemos ainda comparar à reciprocidade do amor entre Pai e Filho, como resposta e acolhimento da parte de Jesus a esse amor. Assim também nós devemos responder ao amor que Jesus demonstrou por nós, pois, ao voltar para o Pai, promete-nos, antes de sua volta, o Espírito: “esse Jesus, que foi arrebatado de vós para o céu, assim vira, do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1,11).

3.1 A atuação pneumática da comunidade cristã hoje Vimos acima a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos no dia de Pentecostes. Entretanto há um detalhe dentro da narração de At 2, 1-13 que desejamos trabalhar nesse trecho que se relacionará com a atuação do Espírito Santo no mundo por meio do cristianismo. O barulho estrondoso no local, onde se encontravam os apóstolos, atraiu o povo congregado em São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p. n.47-56, 148, jul./dez. 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS Jerusalém ao lugar do acontecimento, causando uma dupla reação entre o povo. Enquanto no v.11 uma parte dos presentes estava admirada por ouvir as maravilhas de Deus, cada qual em sua língua, no v.13 “outros zombavam dizendo: estão cheios de vinho doce”. Mais do que falar nos diversos idiomas, o que realmente chamava a atenção era o conteúdo da pregação. Pedro discursou diante da multidão com toda firmeza: “este Jesus a quem crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo” (At 2,36). Nós estamos bem acostumados com essa afirmação, entretanto é razoável que o povo em plena festa ao escutar tal afirmação pela primeira vez visse nisso uma ofensa acompanhada de uma loucura. A novidade cristã é tida por loucura desde o primeiro anúncio. Nesse viés, relacionaremos essa “loucura cristã” com o teatro musical “O homem de la Mancha”, com o escopo de mostrar a loucura positivamente como esperança num mundo melhor. O original “Man of la Mancha11” (1965), de Dale Wasserman, foi inspirada no clássico “Don Quijote de la Mancha” (1605), de Miguel de Cervantes. Em nossas terras, “O homem de la Mancha” chegou oportunamente na década de 1970, tempos de perseguição política, tortura e censura às artes. Em 2015, o musical recebeu de Miguel Falabella uma versão completamente nova, com a qual nos transporta para um manicômio do Rio de Janeiro em 1936 onde vivia o Bispo do Rosário, ali internado durante 50 anos por esquizofrenia e, hoje, reconhecido como grande artista plástico de rua. O musical apresenta um homem diagnosticado como louco por acreditar ser Miguel de Cervantes. Assim como todos, o recém-chegado ao hospício afirma não ser louco; para provar que não é, montase entre os internos um tribunal, presidido pelo “Governador” (o Bispo do Rosário) a fim de averiguar sua inocência de tal acusação. A peça, ao colocar uma situação jurídica, desde já nos faz pensar: a loucura é questionável? Depende de um ponto de vista? O novato, em sua defesa, propõe aos demais internados uma peça teatral, na qual se transforma em Alonso Quijana, um senhor que pensa ser um cavaleiro. Dom Quixote, senhor de la Mancha, como se intitula, sonha em dar sua vida por um nobre ideal, mudar o mundo cruel e injusto a partir de sua fé e ternura. Sua mudança parte do modo esperançoso como vê o mundo. Enxerga dragões em moinhos, mas também vê castelos em pensões e aos miseráveis trata como nobres. Em suas andanças, conhece e se apaixona pela empregada (e prostituta) de uma pensão, chamada Aldonza. Aldonza traz em suas canções a desesperança; ela é símbolo do mundo sem fé, afundado em desespero; de seus pais experimentou a amargura do abandono; sozinha, entrega-se à prostituição. Ela é a vítima da peça, para quem sonhar é inútil, para quem não existe o céu, ou pelo menos para quem é um sonho impossível. Insistentemente, Dom Quixote troca o nome de Aldonza por Dulcineia. A troca de nome parece dar nova vida à pessoa, um novo começo. Assim foi com Pedro, Paulo, Abraão, Sara, entre outros. O modo como Quixote a vê não é puramente romântico, mas humanizante. Ele a trata como dama, dá-lhe respeito, afeto e devolve-lhe a dignidade. Eis a comparação com a qual pretendíamos ilustrar o Cristianismo. Dom Quixote, o louco, é a representação dos discípulos, tidos como embriagados, por causa de sua missão tão incompreensível para o mundo. A missão de Dom Quixote intercruza-se com a missão do Espírito, como mostra a música-tema da encenação: 11

Os dados sobre a peça foram recolhidos do Caderno da peça: O HOMEM de la Mancha, 2015.

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ARTIGOS ARTIGOS Sonhar mais um sonho impossível Vencer o inimigo cruel Clamar com a voz da justiça Manter da balança o fiel Saber conceder o perdão Amar e exibir seu troféu Voar com as asas cortadas Chegar às estrelas do céu! Minha missão é correr atrás dos sonhos desfeitos que não voltam mais

Viver na ilusão de um mundo melhor e disposto a sacrificar-se com fé e amor! E eu sei, quando enfim eu me for, já cumprida a missão, vai calar-se sereno e fiel esse meu coração. E o mundo então vai saber que um homem cumpriu seu papel. Lutou com bravura e coragem. Chegou às estrelas do céu!

A peça tem o objetivo de mostrar, por meio da bravura do “Cavaleiro da Triste Figura” (de la Mancha), o sonho de liberdade de épocas opressivas e cruéis, ditaduras, nazismo, racismo, intolerância religiosa, violência às mulheres e crianças, entre tantas injustiças marcantes do século XX. Nesses momentos, necessitam-se de loucos que de fato vejam o mundo como ele deveria ser, para devolver-lhe a dignidade e a esperança. Esses loucos somos nós: os cristãos, “cheios de vinho doce”, cheios de esperança num mundo melhor, sonhadores do sonho de Cristo, pregadores das maravilhas de Deus, prontos a sacrificar-nos com bravura e coragem pelos mais sofridos e desesperados, fieis à missão do Espírito gravada em nosso coração.

Considerações finais Ao final desta pesquisa desejamos ter identificado o papel do Espírito Santo em Lucas, podendo afirmar com mais clareza de fé que Deus se faz presente em nosso meio e nos une a Ele por seu Filho, Jesus Cristo, no laço inefável do Espírito que a todos concilia, congrega e transforma num só e único corpo. Consideremos ao final desse percurso três importantes pontos pelos quais constatamos o vínculo unitivo exercido pelo Espírito nos escritos lucanos. Em primeiro lugar, Lucas descreve nos Atos dos Apóstolos a vida da comunidade primitiva dos apóstolos; os atos nesse livro escritos estão relacionados com os atos de Jesus no terceiro Evangelho para mostrar uma progressão de Jesus aos seus discípulos, fazendo ambos passarem por situações semelhantes; de igual modo, Jesus e certas personagens, tanto no Evangelho quanto nos Atos, relembram algumas ideias do Primeiro Testamento, com o qual Lucas relaciona o Segundo. Em segundo lugar, Lucas produz uma pneumatologia como método, usando-a catequeticamente em passagens vitais do Evangelho e de Atos, possibilitando articularentre um Testamento e outro, além de relacionar a missão dos discípulos com a de Cristo. Como quisemos expressar acima, com a comparação do musical. Entendemos, como Dom Quixote, que “o maior pecado de todos é ver a vida como ela é e São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p.n.47-56, 148, jul./dez. 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS não como deveria ser”12. Isso quer dizer, o visionário, o louco, assim como Dom Quixote, o Bispo do Rosário, não são de fato loucos, mas “homens capazes de recriar o mundo a seu bel prazer, enxergando nobreza no lixo e tocando os corações13”. Os cristãos, enviados pelo Espírito Santo, vão ainda mais além, pois não são simples idealistas, mas missionários de Cristo, unidos a ele pelo laço do Espírito, capazes de experimentar por essa união uma realidade que supera tanto o idealismo quanto o realismo pessimista. Por último, em terceiro lugar, escolhemos trabalhar neste artigo com expressões artísticas nãoreligiosas. Consideramos um exercício positivo e duplamente catequético: primeiro, usar o método apostólico-missionário de usar a cultura como espaço de evangelização; segundo, como tentativa de fazer teologia no espaço artístico, chamando a atenção para as possibilidades de catequização por meio da arte. Embora haja limitações, a teologia pode-se expressar em arte, porque a arte, uma vez em sua trajetória, inspirou-se na teologia.

referências bibliográficas BERGANT, Dianne; KARRIS, R. J (org). Comentário bíblico. São Paulo: Loyola, v. 3, 2013. BOFF, Lina. Espírito e missão na obra de Lucas- Atos: para uma teologia do Espírito. São Paulo: Paulinas, 1996. FABRIS, Rinaldo. Os atos dos apóstolos. São Paulo: Loyola, v. 3, 1991. [Bíblica Loyola]. MISSAL Romano. 10. ed. São Paulo: Paulus, 2010. MOLTMANN, Jurgen. O caminho de Jesus Cristo: Cristologia em dimensões messiânicas. Petrópolis: Vozes, 1993. O HOMEM de la Mancha. Direção: Miguel Falabella. Produção: Vanessa Accunzo. São Paulo: Atelier de Cultua. 2015. [do original: Man of la Mancha]. PIKAZA, Javier. A teologia de Lucas. São Paulo: Paulinas, v. 3, 1978. [Coleção “Teologia dos Evangelhos de Jesus”]. SCHNEIDER, Theodor (org.). Manual de Dogmática. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. [Cristologia: Hans Kessler]. SOBRINHO, Paulo Hugo Morais. Bem-te-vi. Rio de Janeiro: Som Livre, 2011. STORNIOLO, Ivo. Como ler os atos dos apóstolos: o caminho do evangelho. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1993. THEISSEN, Gerd. La redacción de los evangelios y la política eclesial: un enfoque socio-retórico. Navarra: Verbo Divino, 2002.

12 Essa frase foi retirada do Discurso de Miguel Falabella, Sempre Além, disponível no Caderno da peça: O HOMEM de la Mancha, 2015. 13 Ibidem.

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ARTIGOS ARTIGOS A TENSIONALIDADE FRUTUOSA ENTRE O MASCULINO E O FEMININO NA PERCEPÇÃO DE DEUS: UMA LEITURA A PARTIR DA PERSPECTIVA BÍBLICA THE FRUITFUL TENSION BETWEEN MASCULINE AND FEMININE IMAGES OF GOD A BIBLICAL PERSPECTIVE Guilherme Pereira Anselmo Júnior* RESUMO: Este artigo apresenta alguns elementos da problematização do feminino como lugar teológico na tradição bíblica. O cristianismo nasce na diversidade complexa e encontra influxo na complexidade do pensamento helenístico e no diálogo frutífero das diferenças. As sociedades patriarcais e, por vezes, machistas, têm no cristianismo uma chave de leitura sadia e libertadora do feminino. A mulher e o homem espelham igualmente a vontade criadora. Ambos são símbolos insuficientes, mas possíveis, na expressão do sagrado. Se a tradição se limita a apenas um dos símbolos, masculino ou feminino, perde a oportunidade de aumentar o espectro de acesso à expressão do Sagrado, com o risco de transferir limitações à prática religiosa quanto às relações com esses elementos. Palavras-chave: Teologia Feminista. Mulher. Bíblia. ABSTRACT: This presents some selected elements of the problematization of the feminine as a theological locus in the biblical tradition. Christianity emerged in the midst of complex diversity and encountered the confluence of complex Hellenistic thought and the fruitful dialogue of differences. Patriarchal and, at times, chauvinistic societies, have found in Christianity a key to a healthy and liberating understanding of the feminine. Both woman and man equally mirror the creative will. Though as symbols, they are both insufficient, it is possible for both to give expression to the Sacred. If the tradition is limited to only one of these symbols, whether male or female, the opportunity to enlarge the spectrum of access to expressions of the Sacred is lost, with the risk of transferring such limitations on to religious practices as well as relations involving these elements. Keywords: Feminist theology. Woman. Bible.

INTRODUÇÃO Há mulheres e homens, pensadores da Teologia, que vêm preocupando-se em resgatar a reflexão sobre o elemento feminino, tantas vezes desprezado pelo pensamento teológico. Este artigo tem a intenção de contribuir, com base na perspectiva bíblica, para motivar os leitores à problematização da desvalorização das diferenças construtoras tão presentes em nossas sociedades que ainda prezam pelas submissões destrutivas nas relações entre os homens e as mulheres. Graduado em Letras Clássicas e Vernáculas pela FFLCH – USP (Grego, Inglês e Português). Graduado em Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção (PUC – SP). Mestre em Teologia Bíblica pela PUC – SP.

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ARTIGOS ARTIGOS Introdutoriamente, apresentamos duas perícopes lucanas que podem lançar luzes nessa contribuição, perseguindo demonstrar o valor da complexidade e do plural. O diálogo emblemático entre Jesus e os escribas em Lc 10,25-37 traz uma pergunta essencial distorcida e interesseira e uma resposta desconcertante e libertadora. Os escribas estão preocupados em herdar e em conservar congregada a porção legítima que lhes compete da “vida eterna”. O verbo usado no texto grego traz oculta essa ideia de “elite”, de kléros como conceito excludente. Talvez para justificar o que virá depois no adendo à pergunta, se o “próximo” está entre os que partilham do mesmo sangue legitimado pela tradição vigente, ou se também pode ser algum eventual estrangeiro. Querer saber o que cabe a cada um não é ruim, é uma questão essencial da vida, de manutenção da vida. Contudo é distorcida a busca, quando o que a conduz é um interesse exclusivo e excludente. Parece ser essa a direção da pergunta na narrativa lucana. Jesus rompe esse paradigma centralizante, centrifugando-o e retribuindo a eles a pergunta sobre como compreendiam a questão. O verbo grego que o autor lucano coloca na boca de Jesus é forte, raro. Une a inteligência cognitiva à capacidade de foco. O que estão entendendo e o que querem entender aqueles ouvintes? E a pergunta está num desconcertante presente do Indicativo, um aspecto inacabado dessa pesquisa, ainda em andamento, enquanto se dá o diálogo. Para os fariseus, o samaritano é impuro e inominável. Na sequência do diálogo, ele realiza o que a elite-porção-sagrada não faz. Isso será constrangedor e libertador para os interlocutores de Jesus, para os destinatários do texto do final do século I, contexto da composição dessa narrativa. Da mesma forma é para nós, que seguimos lendo e interpretando as Escrituras. Ora, os escribas citam a Sagrada Escritura para não errar. Mas se equivocam justamente quanto ao acesso ao texto, à sua leitura e interpretação. Acessar, ler e interpretar o texto não é “usar” o texto. Não podemos apropriar-nos do texto. Ele não é do leitor para que sirva a ele. Antes, deve respeitá-lo e deixá-lo permanecer onde está e dizer o que lhe é próprio. Outro texto que pode interessar a uma abordagem descentralizante no cristianismo, é o trecho que vem logo a seguir, em Lc 10,38-42. Jesus entra num povoado. Os povoados soavam aos ouvidos dos leitores da época como lugares típicos do peso da teimosia e da opressão que os cristãos enfrentam, muitas vezes, em suas comunidades incipientes, frente à tradição judaica. Ele entra em casa de Marta, uma mulher representante da fadiga pesada de quem se dedica a controlar tudo e todos, a julgar com agudez os seus pares, medindo-os com sua própria régua e condenando-os mediante critérios intolerantes. Ela não ouve, não tem tempo. Mas o autor sagrado coloca na cena outra mulher, irmã de Marta, chamada Maria, representante da atitude de quem escuta, colocando-se atenta, aos pés do mestre. Ela é discípula, e escolheu a melhor parte. É, certamente, provocador ter essa personagem feminina. Mulher não era discípula de mestre algum; o lugar dela era na cozinha, atrás do homem, correndo atrás das obstinadas e constantes purificações, carregando o peso dos fenótipos e estereótipos penosos. O autor coloca na boca do mestre uma afirmação “escandalosa”: ela escolheu a melhor parte. A mulher é portadora, então, de uma liberdade, transgredindo as normas opressoras. Tal liberdade não lhe foi concedida; ela conquistou-a, sendo discípula de um novo mestre, de um novo projeto transformador. Emblemático que tenha sido uma mulher, mas nem tão surpreendente, considerando a obra lucana como um paradigma de um cristianismo arrojado e que lança luzes no caminho para além das fronteiras conhecidas e confortáveis. 58

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ARTIGOS ARTIGOS Um texto sagrado pode ser usado como arma política contra a emancipação da mulher, por exemplo. Afinal, o substrato dos textos é patriarcal. Transpor esse substrato para a superfície da leitura é anacronismo, subverte o texto, distorce a mensagem e “quebra” a Palavra ao meio. Que a mulher tenha característica e personalidade próprias e diferentes das masculinas é fato e não é o centro da questão. Basta constatar empiricamente as diferenças visíveis e invisíveis. As diferenças podem mesmo ser notadas nos casos de transgeneridade e da cisgeneridade. Contudo nossa forma pouco helênica de pensar quer simplificar as diferenças e estagná-las com comparações positivas ou negativas. Afirmar que mulher e homem são diferentes não implica vê-los de forma hierárquica, mesmo se, na prática, isso acontecer. O positivo é que o cristianismo nasce helenista, complexo, influenciado, animado no contato com as diferenças e com os frutos que advêm delas. Paulo chama a atenção para a diversidade dos cristãos que se constituíram pelas inúmeras origens étnicas (judeus, gregos, árabes, romanos e outras), pelas biológicas (homens e mulheres) e sociais (escravos e livres), ressaltando a equivalência dessa diversidade entre os cristãos (Gl 3,28). O cristianismo tocou nas sociedades e transformou-as de inúmeras formas. A herança mais saborosa do cristianismo no mundo é a partilha, a solidariedade, o altruísmo, a compaixão, a fraternidade, a comunidade dos diferentes. Fala-se aqui da relação entre diferentes, de complexidade pacificadora. Mas os cristãos também cometeram erros nesses dois mil anos originados no “pensamento único”, na simplificação excludente.

1 Deus criou homens e mulheres à sua semelhança A leitura e interpretação intempestiva ou a descontextualização do substrato cultural da composição das narrativas bíblicas, sobre a criação do homem e da mulher, facilmente podem induzir a uma leitura equivocada e a favor do argumento da submissão da mulher. Os dois relatos bíblicos sobre a criação humana denotam esse risco. Se tomarmos em consideração o texto da fonte sacerdotal em Gn 1 (“homem e mulher os criou”, v.27), a narrativa apresenta o homem e a mulher, criaturas de Deus, criados à sua semelhança, não enfatizando graus de importância entre os dois. Ao passo que o texto da fonte javista de Gn 2-3, coloca nitidamente em evidência a gradação entre os personagens, a partir de três afirmações: 1) de que a mulher é criada em segundo lugar (Gn 2,18); 2) formada por uma costela de Adão (Gn 2,22); 3), é a primeira a pecar levando o próprio Adão ao pecado (Gn 3,12-13). Ambas as narrativas buscam respostas a perguntas essenciais. Mas cada catequista-autor tem um caminho de acesso, leitura e interpretação de suas fontes. O texto é resultado desse processo e sua leitura não pode prescindir de tal processo. Mas quantas piadas já se construíram quanto à culpa feminina do pecado? Quantos tabus machistas estão impregnados em nossas sociedades? Quanta violência já não se gerou contra as mulheres por causa de seu “crime doloso”: o pecado de Adão? Quantas oportunidades os cristãos vêm perdendo, nesses dois mil anos, por interditarem ginofobicamente as mulheres de exercerem papéis que ficaram restritos aos homens? Quantas lacunas as instituições cristãs carecem, devido à falta da eficiência feminina e da capacidade de fertilizá-las não só biologicamente, mas com realizações concretas? São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p. n.57-66, 148, jul./dez. 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS Da mesma forma, se lermos os textos paulinos desconsiderando seu aparato ético constitutivo, incorreremos nos mesmos riscos. Há sempre, e inevitavelmente, um condicionamento histórico na composição de um texto. Da mesma forma, há outro condicionamento histórico no acesso, leitura e interpretação desse mesmo texto. Paulo não é propriamente um machista, nos moldes do que se compreende contemporaneamente por machismo. Paulo é patriarcal, porque sua chave de leitura do feminino é Gn 2-3, afirmando a submissão da mulher ao homem (I Cor 11,1-16; 14,34-35; Ef 5,21-33; 1 Tm 2,9-15). Não poderia ser diferente dentro de seu contexto cultural. Contudo o leitor, sim, pode e será diferente. Não para antagonizar Paulo, nem a doutrina que ele porta. Antes, para compreender, de fato, a mensagem que emerge escondida no substrato. Hoje não se sustenta mais um desequilíbrio na consideração do masculino e do feminino. Urge promover verdadeira exegese desse conteúdo, respeitando o substrato e não o confundindo com a mensagem que ele constrói. No entanto é verdade que, ao longo da tradição bíblica, textos que poderiam colaborar para a reflexão do tema foram abandonados, a exemplo de textos bíblicos da tradição judaica e outros tantos elementos neotestamentários que já não são usanças entre os cristãos. “A Tradição não é um bloco de conteúdos a serem conservados cuidadosamente por hierarquias autorizadas, mas é ação de Deus que deve ser transmitida aos outros de todo sexo e raça”.1

2 Novas chaves de leituraS possíveis É importante destacar dois contextos para entender o movimento inaugurado por Jesus e sua perspectiva em relação à mulher. O primeiro é a compreensão da Palestina de sua época e o ambiente judaico. O segundo é o movimento messiânico primitivo iniciado antes de Paulo em ambiente helenista, a exemplo da cidade de Antioquia, tida como centro cosmopolita do cristianismo e palco desse “discipulado de iguais”, onde eram até privilegiados os exclusos da sociedade (mulheres inclusive). Por exemplo, o texto de Rm 16, 1-16 lista mulheres como líderes desse movimento renovador: Febe é chamada diáconos; Prisca, synergós (colaboradora) e Júnias, apóstolos. Também podemos considerar representativo desse movimento cristão primitivo o texto de Gl 3,28: Não há mais judeu, nem grego; não há mais nem escravo, nem homem livre; não há mais nem homem nem mulher; todos vós, realmente, sois um só em Cristo Jesus.

Essa abordagem traduz uma confissão batismal pré-paulina que Paulo cita para indicar a nova realidade da fé frente à lei. É uma posição arrojada, que aparentemente não encontrou eco em muitos líderes cristãos contemporâneos de Paulo, bem como nos líderes posteriores, no já bimilenar cristianismo. A bela complexidade do “discipulado de iguais” é progressivamente simplificado e restringido à “igualdade” da alma. A práxis de Jesus é distorcida, não considerada como chave de leitura, predominando o substrato patriarcal de seus narradores. Afinal, a partir de quais chaves de leitura é possível promover uma “teologia feminista” baseada na práxis de Jesus? RUSSEL, Letty M. The Liberating Word: A Guide to Nonsexist Interpretation of the Bible. Philadelphia: Westminster, 1976, p. 77. (Tradução nossa).

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ARTIGOS ARTIGOS A seguir, procuraremos realizar a tarefa do teólogo que é a de ousar tratar sobre o Mistério Divino por meio dos símbolos femininos da tradição bíblica.

3 Os símbolos e os ídolos Deus é Mistério, insondável, infinito. Qualquer tentativa de falar sobre ele significa, portanto, enfrentar os limites da linguagem sondável e finita. Nesse sentido, o fazer teológico exige dois cuidados diante de dois riscos antagonicamente opostos: o de identificar o Sagrado com nossas representações culturais e o de negar-se a refletir sobre ele. Concretamente, ninguém jamais viu ou ouviu Deus, ainda que simbolicamente possamos “vê-lo e ouvi-lo”, no universo inteiro que fala de seu Mistério. Por isso, nos textos sagrados, a analogia produzida pelas metáforas e seus símbolos, são instrumentos confirmados na tradição teológica, como método de discurso sobre Deus. O fato de Deus ser o Criador do universo, coloca-o na posição do totalmente “outro” do mundo. Contudo, a limitação da criatura não permite abarcar o todo de Deus, revelando uma diferença que não pode ser expressa. Essa é a razão pela qual os símbolos assumem o papel de nos aproximar do Mistério de Deus, não podendo ser confundidos com ele ou identificá-lo. Confundir um símbolo com Deus é criar um ídolo. Um símbolo é sempre cultural. Um símbolo patriarcal não é estanque nem esgota o que Deus é. Se esgotar, é ídolo. Numa cultura em que o substrato é patriarcal, portanto masculino, tende-se a produzir textos com símbolos masculinos. A cultura judaico-cristã, proveniente de substrato masculino, associou, naturalmente, símbolos masculinos à imagem de Deus. Mas há algum problema num discurso que seja sobre um Deus “ele”? A princípio não. Contudo o símbolo masculino é limitado e, se for tomado em sentido literal, identificando o Mistério com um “ele”, pode tornar-se um ídolo. Da mesma forma que um símbolo feminino, também limitado, poderia ser ídolo tanto quanto o masculino. Portanto um discurso plural, que constate o substrato do texto com símbolos masculinos e femininos e faça emergir a mensagem e não o substrato, pode fornecer mais elementos para o acesso ao Mistério. Não se trata de desconsiderar as diferenças inerentes ao homem e à mulher como símbolos. Trata-se de considerar os símbolos femininos essenciais socialmente subjacentes no substrato dos textos bíblicos, tanto quanto os masculinos. As metáforas refletem a limitação da linguagem para traduzir a percepção de Deus. Utilizar metáforas masculinas, femininas, animais ou minerais não impingem dimensões dicotômicas a Deus. Antes, tentam traduzir em símbolos a percepção que o autor tem de Deus, sem fazer coincidir o todo de Deus com o símbolo expresso. As metáforas não pretendem identificar as “partes” de Deus. É a linguagem parcial perseguindo um todo insondável. As metáforas expressam a frustração dos limites humanos na busca da aproximação ao Mistério abissal de Deus. Daí a importância de se manter e ampliar a pluralidade dos símbolos masculinofeminino. Afinal, tanto a mulher quanto o homem, foram criados à imagem de Deus e, por isso, são igualmente capazes de representá-lo. A ênfase simplificadora ou a exclusividade destruidora de uma opção unilateral já se mostraram ineficazes e viciadas. São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p.n.57-66, 148, jul./dez. 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS 4 Exemplos de substratos simbólicos femininos na tradição judaica O termo hebraico shekinah (presença), traduzido pelos próprios tradutores judeus do texto grego da Septuaginta por doxa (glória), além do verbete hebraico ruah (sopro, espírito) são figuras femininas da tradição judaica, que simbolizam a presença salvífica de Deus no mundo, como divindade que se envolve com a humanidade. Os cristãos ortodoxos conservam em sua tradição litúrgica uma bela expressão invocatória: “Santa Sabedoria”, a “Divina Sabedoria”, que talvez seja o exemplo mais clássico desse tipo de metáfora. De fato, na Sagrada Escritura a “sabedoria” (hokmah em hebraico e sophia em grego) não é somente uma fascinante representação da divindade em forma feminina, mas também são substantivos femininos em ambas as línguas. A Sabedoria não é uma criatura, nem uma outra deusa próxima a IHWH; também não é um aspecto divino somente, uma dimensão divina. A Sabedoria é constitutivo do Deus de Israel, é o próprio IHWH. É um “outro nome” de Deus. Os traços da Sabedoria são os traços de Deus: justiça, paz. Personificada, ela estabelece uma imagem feminina de Deus. Os autores sagrados que escreveram sobre a Sabedoria não tiveram uma “luta” fácil para descrever a sabedoria como divina e, ao mesmo tempo, não distorcer a fé de Israel e incorrer no erro de distorcer a pessoa de Deus, e transformá-la numa deusa. Ao mesmo tempo, eles não temeram apresentar Deus na imagem da mulher: A Sabedoria, lá fora vai clamando, erguendo a voz pelas ruas. Por sobre o tumulto ela grita; Junto às portas da cidade ela proclama (Pr 1,20-21). Não é a Sabedoria que está chamando? (...) No alto das colinas que dominam a estrada e nas encruzilhadas, posta-se ela; junto às portas da cidade e nos lugares de passagem põe-se a bradar... (Pr 8,1-3). “A Sabedoria construiu sua casa, talhou suas sete colunas, abateu seus animais, misturou seu vinho, ela mesma preparou sua mesa. Enviou suas servas e pôs-se a gritar seu convite, nos altos da cidade...” (Pr 9,1-3).

Em Rute, percebe-se não apenas o tema da solidariedade das mulheres, mas também a fé das mulheres. Profetizas como Noadias (Ne 6,14) envolvem-se profundamente nos acontecimentos político-religiosos dos seus dias. Há mulheres que aparecem como porta-voz de uma posição teológica (Jó 2,9-10). Esdras é explicitamente citado, lendo as Leis de Moisés diante de homens e mulheres (Ne 8, 1-3; 10, 29-30). O Deutero-Isaías (Is 5,12) lembra o povo não só de Abraão, mas também de Sara, “que lhe deu à luz”. A metáfora materna, da experiência feminina de gerar, dar à luz e educar, colabora, e muito, para falar de Deus. Na Escritura, os diversos aspectos do papel da mãe correlacionados à concepção, à gravidez, aos trabalhos do parto, ao próprio parto, ao papel de parteira, à amamentação, aos cuidados em relação à infância e à educação dos filhos – são aplicados com acurada beleza para construir discursos e narrativas sobre Deus. No conjunto da tradição judaica, encontramos também muitas mulheres líderes, atuantes na defesa da vida e na formação da consciência do povo. O riso de Sara, no livro do Gênesis, revela-nos sua participação na constituição do povo ao gerar um filho. Os cânticos de Míriam, Débora e Ana revelam a alegria da mulher, fazendo sua parte na história da salvação. As parteiras no Egito, com coragem e astúcia tramam um novo projeto de sociedade em que a vida deve ser defendida e preservada. Jael 62

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ARTIGOS ARTIGOS e Judite são exemplos de firmeza na luta de resistência. Ester expõe a própria vida pela salvação de seu povo. A mãe dos Macabeus dá testemunho de fé e foi fiel ao projeto de IHWH. Na Palestina do tempo de Jesus, a mulher, geralmente, não era explicitamente nominada; antes, sua identidade era referida por um masculino (pai, marido, dono etc.) Não era contada entre os habitantes. Se fosse estéril, era relegada ou substituída pela escrava. Convivia com a poligamia do marido, sem poder reclamar. Tampouco tinha direito ao culto religioso, colocando-se atrás dos homens ou em lugares separados. Se não houvesse ao menos dez homens judeus, o culto não era celebrado, mesmo que estivessem presentes mais de cem mulheres, pois elas não contavam, por mais numerosas que fossem, em razão de sua condição de impuras. “Eu te bendigo, Senhor nosso Deus, porque não me fizeste mulher”, rezava o homem judeu piedoso. Nos dias em que estava menstruada, a mulher não só ficava impura, mas tornava impuro tudo o que tocasse. Depois do parto permanecia impura por quarenta dias se a criança fosse varão e o dobro do tempo se fosse mulher. Depois de dar à luz, tinha de oferecer um sacrifício no Templo para ser “purificada” (Lc 2,22; Lv 12,1-8). Ao mesmo tempo, é do ventre judaico que deve nascer um judeu. Gerar judeus era uma bênção, mas também podia ser um peso maldito, uma vez que a mulher judia foi relegada a essa “função” social. 5 Novos paradigmas no cristianismo Aquele Jesus descrito nos textos dos evangelhos é quem inaugura o projeto salvífico a partir da igualdade e participação de homens e mulheres. Posiciona-se contrário à opressão e à marginalização da mulher e de outros exclusos (cegos, mudos, leprosos, pecadoras públicas, coxos, paralíticos), convive com eles, acolhe e promove-os. Alguns exemplos são os “imorais”: prostitutas e pecadoras (Mt 21,31-32; Mc 2,15; Lc 7,37-50); os “hereges”: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30); os marginalizados: mulheres, crianças e doentes (Mc 1,32; Mt 8,17; 19,13-15; Lc 7,11-17; 8,2); os publicanos e soldados (Lc 18,914; 19,1-10); e os pobres: o povo da terra e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20-24; Mt 1 1,25-26). Jesus propõe novos modelos para a relação homem – mulher que buscam ajustar pontos de partida anteriormente excludentes e opressores. Um exemplo está em Mt 19,7-12, que trata da questão do divórcio. Outro exemplo, são aquelas mulheres que não podiam sequer prestar culto e que passam a seguir Jesus desde a Galileia, tornando-se suas discípulas (Mc 15,41; Lc 8,1-13; Lc 8,43-49). Introduzimos este artigo justamente com outro exemplo disso (Lc 10,38-42). Assim, a mulher conquista o seu devido valor e toma seu lugar no Caminho. Em Lc 7,36-50, a mulher pecadora é recebida por Jesus, passa à frente do anfitrião (um fariseu) ao fazer o que ele deveria ter feito para acolher seu hóspede. Ela faz mais. Com suas lágrimas, seus beijos e perfumes, acolhe em sua humanidade feminina o maior dom de Deus. Enquanto a mesquinhez e o isolamento caracterizam aquele homem fariseu, aquela mulher personifica a abertura generosa de um mundo cristificado. Em outro momento, no evangelho lucano, há duas parábolas paralelas: o pastor que vai à busca da ovelha perdida e a dona de casa que procura a dracma perdida (Lc 15, 4-10). As duas parábolas fazem justa representação includente do elemento feminino. Ambas têm substratos em atividades corriqueiras do homem e da mulher e apontam para a ação de Deus com imagens masculinas e femininas equivalentes. São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p.n.57-66, 148, jul./dez. 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS Podemos destacar ainda tantos outros textos sinóticos que ilustram a nova proposta que Jesus apresenta em relação à mulher: Lc 13,10-17 (a mulher encurvada), Mc 7,24-30; Mt 15,21-28 (a mulher siro-fenícia), Mt 9,18-26; Lc 8,40-56; Mc 5,21-43 (a filha de Jairo e a mulher hemorroíssa). O papel desempenhado pelas mulheres no contexto joanino também é muito especial (Jo 2,1-12; 4,1-42; 11,1-44; 12,1-11; 16,20-22; 19,25,27; 20,11-18). Isso leva a crer que as mulheres tinham uma função muito importante na comunidade e também nas liturgias joaninas. Maria, mãe de Jesus, aparece somente duas vezes: no começo (Jo 2,1) e aos pés da cruz (19,25). Em Jo 4,1-42, a Samaritana é levada a perceber que Jesus é o Cristo. Os samaritanos creem por causa dela. A samaritana torna-se discípula-missionária (4,39). Em Jo 11,5 vemos que Jesus amava Marta, Maria e Lázaro. Em Jo 20,16, Maria Madalena reconhece Jesus quando a chama pelo nome. No evangelho joanino são as mulheres que vão primeiro ao sepulcro ainda de madrugada (20,1). Maria Madalena vê o próprio Jesus e vai anunciar aos discípulos (20,18). Torna-se “testemunha” da ressurreição, do maior evento do cristianismo, aquela que não teria nem voz, nem vez. Ela crê e é “ordenada” para o serviço da evangelização, para ser portadora daquele testemunho.

6 Maria de Nazaré Quando falamos da mulher, do ponto de vista bíblico, temos de falar em Maria: aquela de Nazaré, inserta num contexto, em estruturas familiares, sociais, econômicas, políticas e religiosas. Ela tanto é figura do judaísmo patriarcal quanto da Boa Nova trazida por Jesus. É figura intertestamentária. É na carne e na pessoa dela, de uma mulher, que a humanidade pode ver, então, sua vocação e seu destino levados a bom termo, na pessoa de Jesus. Afinal, para ser gente, Deus precisa nascer de mulher. A encarnação possibilita a percepção das duas naturezas de Jesus, humana e divina, não somente da sua masculinidade. O vocábulo grego utilizado para encarnação, no texto joanino, tem como raiz ánthropos que significa “ser humano, pessoa, gente” e que não carrega a ambiguidade do vocábulo português “homem”, que pode significar tanto “ser humano” quanto “ser masculino”. O aforismo “o que não é assumido não é salvo” precisa ser interpretado em termos da humanidade assumida e salva em Jesus, incluindo homens e mulheres, e não em termos de sexo ou gênero.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma fé feminina tem vocação específica de gerar vida. Por isso, para aceder a Deus, doador da vida, não é suficiente uma imagem masculina. As sociedades necessitam de uma nova linguagem inclusiva e empoderadora do feminino. A Igreja tem, diante de si, uma oportunidade de repensar o papel feminino também na Instituição. Não se trata, certamente, de simplificar para um lado, para uma parte, um viés. Trata-se de ampliar e aprofundar o debate sobre o tema, de tal forma que devolva aos homens e mulheres a beleza da complexidade de suas diferenças e de sua igualdade construtora e complementar. O Papa Francisco vem aproveitando essa oportunidade, em diversos momentos e contextos. Oxalá a comunidade católica e toda a comunidade cristã possam abrir-se também a essa oportunidade sagrada. 64

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ARTIGOS ARTIGOS A seguir, algumas pistas dadas pelo bispo de Roma quanto a essa oportunidade. As primeiras testemunhas da Ressurreição são as mulheres. E isto é bonito. Esta é um pouco a missão das mulheres: mães e mulheres! Dar testemunho aos filhos e aos pequenos netos, de que Jesus está vivo, é o Vivente, ressuscitou. Mães e mulheres, ide em frente com este testemunho! Para Deus o que conta é o coração, quanto estamos abertos a Ele, se somos filhos que confiam. Isto leva-nos a meditar inclusive sobre o modo como as mulheres, na Igreja e no caminho de fé, tiveram e ainda hoje desempenham um papel especial na abertura das portas ao Senhor, no seu seguimento e na comunicação do seu Rosto, pois o olhar de fé tem sempre necessidade do olhar simples e profundo do amor.2 Eu gostaria de ressaltar que a mulher tem uma sensibilidade particular pelas ‘coisas de Deus’, sobretudo para nos ajudar a compreender a misericórdia, a ternura e o amor que Deus tem por nós. Gosto de pensar também que a Igreja não é ‘o’ Igreja, mas ‘a’ Igreja. A Igreja é mulher, é mãe, e isto é bonito. Deveis pensar e aprofundar isto.3 Pensem em uma Igreja sem as irmãs! Não se pode pensar: elas são esse dom, esse fermento que leva adiante o Povo de Deus. São grandes estas mulheres que consagram a sua vida a Deus, que levam adiante a mensagem de Jesus.4 Os dotes de delicadeza, sensibilidade e ternura peculiares, que enriquecem o espírito feminino, representam não apenas uma força genuína para a vida das famílias, para a propagação de um clima de serenidade e de harmonia, mas uma realidade sem a qual a vocação humana seria irrealizável. E isto é importante! Sem estas atitudes, sem estes dotes da mulher, a vocação humana não consegue realizar-se!5 Com efeito, ‘a Igreja reconhece a contribuição indispensável da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares que normalmente são mais características nas mulheres do que nos homens... Vejo com prazer como muitas mulheres... oferecem novas contribuições para a reflexão teológica’ (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 103). Assim, em virtude do seu gênio feminino, as teólogas podem lançar luz, para o bem de todos, em certos aspectos inexplorados e profundos do mistério de Cristo. Eu convido todos vocês a aproveitar as contribuições que essas mulheres podem dar em assuntos específicos em matéria de fé.6 As mulheres têm muito a dizer-nos na sociedade atual. Às vezes somos demasiado machistas, e não deixamos espaço à mulher. Mas a mulher sabe ver as coisas com olhos diferentes dos homens.7 As tantas formas de escravidão, de mercantilização, de mutilação do corpo das mulheres nos comprometem, portanto, a trabalhar para derrotar esta forma de degradação que o reduz a um puro objeto de venda nos vários mercados. Desejo chamar à atenção, neste contexto, a dolorosa situação de tantas mulheres pobres, obrigadas a viver em condições de perigo, de exploração, relegadas às margens das sociedades e vítimas de Francisco. Disponível em: http://www.imissio.net/v2/papa-francisco/10-pensamentos-do-papa-francisco-sobre-as-mulheres. Acesso em: 09 de julho de 2016. Trecho de uma audiência geral, em 03 de março de 2013, na Praça de São Pedro. 3 Idem. Trecho do Discurso aos participantes do Seminário sobre a Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, de 12 de outubro de 2013, na Sala Clementina, no Vaticano. 4 Idem. Trecho proferido durante a Festa da Apresentação de Jesus no templo e Dia da Vida Consagrada, em 02 de fevereiro de 2014, na Praça São Pedro, no Vaticano. 5 Idem. Trecho do Discurso às participantes no Congresso Nacional do Centro Italiano Feminino em 25 de março de 2014, na Sala Clementina, no Vaticano. 6 Idem. Trecho do Discurso a teólogos da Comissão Teológica Internacional, em 05 de dezembro de 2014, na Sala do Consistório, no Vaticano. 7 Idem. Proferido durante o Encontro com os jovens em 18 de janeiro de 2015, na Universidade de São Tomás, em Manila, Filipinas. 2

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ARTIGOS ARTIGOS uma cultura do descartável.8 Símbolo de vida, o corpo feminino é, infelizmente com frequência, agredido e deturpado também por aqueles que deveriam ser os seus guardas e companheiros de vida.9 Quanto a criar uma comissão oficial que possa estudar a questão? Acredito que sim. Seria fazer o bem da Igreja e esclarecer este ponto. Estou de acordo e falarei para que se possa realizar algo assim. Aceito a proposta. Parece-me uma coisa útil esta comissão que esclareça bem as coisas.10

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARNABÉ, Marinalva. As contribuições do discipulado para a mudança de comportamento social, emocional e psicológico do novo convertido. Brasília, 1997. Dissertação (Mestrado em Teologia) Faculdade Teológica Batista de Brasília. FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher - uma nova hermenêutica. São Paulo: Paulinas, 1992. GEBARA, Ivone. As incômodas filhas de Eva na igreja da América Latina. São Paulo: Paulinas, 1989. LUNEN-CHENU, Marie-Thérèse Van; GIBELINI, Rosino. Mulher e Teologia. São Paulo: Loyola, 1992. RUETHER, R. R. Sexismo e religião: rumo a uma Teologia Feminista. São Leopoldo: Sinodal, 1993. RUSSEL, Letty M. The Liberating Word: A Guide to Nonsexist Interpretation of the Bible. Philadelphia: Westminster, 1976. SCHROER, Silvia. Wisdom has built her house. Studies on the Figure of Sophia in the Bible. Minnesota, 2000.

FRANCISCO. Em 07 de fevereiro de 2015, quando cumprimenta mulheres que foram escravas sexuais na Coreia do Sul. Idem. Trecho do Discurso do Papa Francisco aos participantes na Plenária do Pontifício Conselho para a Cultura, em 07 de fevereiro de 2015, na Sala do Consistório, no Vaticano. 10 Idem. Em 12 de maio de 2016, perante as 900 irmãs da União Internacional das Superioras Gerais, referindo-se à possibilidade de ordenação de mulheres na Igreja. 8 9

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ARTIGOS ARTIGOS O HOMEM E O CRIADOR: O SENTIDO DA VIDA E DA FELICIDADE THE HUMAN BEING AND THE CREATOR: THE MEANING OF LIFE AND HAPPINESS Cézar Teixeira* Ivan de Jesus Oliveira Santos** RESUMO: O objetivo desta pesquisa é analisar o sentido da vida e da Felicidade num mundo de profundas transformações e, com isso, fazer uma apreciação sobre o desejo do homem no conhecimento do Criador. Esse pensamento afirma-se quando o homem assume verdadeiramente um ideal e entende que Deus não cessa de chamá-lo. Logo, o homem torna-se instrumento do espírito de Deus na Igreja de Jesus Cristo, seguindo-o e amando-o, não obstante as dificuldades e resistências. O amor do Pai e do Filho, Verbo Encarnado, inclui todos na participação do seu Reino, pois Deus não deixa o homem sozinho em suas pretensões e expectativas. Palavras-chave: Homem. Criador. Vida. Felicidade. Fé. Igreja. ABSTRACT: The purpose of this research is to analyze the meaning of life and happiness in a world of profound change and, therefore, to make an assessment of human desire and knowledge of the Creator. This thought is affirmed when a human being truly takes to heart an ideal and believes that God never ceases to call. Thus, the human being becomes an instrument of the Spirit of God in the Church of Jesus Christ, following him and loving him, despite difficulties and resistance. The love of the Father and of the Son, the Incarnate Word, draws everyone into full participation in the Reign of God, for God does not leave human beings alone in their ambitions and expectations. Keywords: Human being. Creator. Life. Happiness. Faith. Church.

INTRODUÇÃO No presente tema quer-se aprofundar a questão sobre a afirmação de que o homem deve assumir verdadeiramente um ideal e entender que Deus não cessa de chamá-lo para si, pois somente nele o homem há de encontrar o pleno sentido da vida e a verdadeira felicidade. Nessa perspectiva, diz o evangelho de João: e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará (Jo 8,32). A verdade de Deus é revelada por Jesus, o filho amado, que se coloca como caminho, verdade e vida. O conteúdo desta pesquisa será desenvolvido em quatro momentos: no primeiro reflete-se sobre Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino de Roma, onde defendeu a tese sobre a importância da mesa de refeição no anúncio da traição em Mc 14,17-21. Atualmente é professor associado do Instituto de Teologia de Aracaju-SE e leciona Sagrada Escritura. ∗∗ Licenciado em Filosofia – FBB – Ilhéus / Bahia. Discente do Curso de Especialização em Docência e Gestão do Ensino Superior – FASE – Faculdade de Aracaju-SE (Estácio de Sá). É coordenador do curso de Filosofia no Colégio Santa Maria do Grageru. ∗

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ARTIGOS ARTIGOS o anseio pelo criador, ou seja, em toda a sua vida o homem necessita de Deus e que ele carece nos corações dos homens; o segundo trata sobre o Criador e as vias de ingresso para o seu conhecimento; o terceiro destaca o conhecimento de Deus segundo a Igreja; o quarto momento aborda sobre o Deus que vem ao nosso encontro e que ele jamais nos abandonará em nossos anseios e esperanças. A finalidade do presente trabalho é mostrar que o homem não pode afastar-se do Criador, pois Deus jamais o esquecerá! Ele quer sempre mostrar o caminho da felicidade, mas deixa a liberdade à disposição no coração do homem. Essa é a grande incumbência e contribuição de Deu, que é Pai e Criador. Ele está sempre presente, chama o homem para conhecê-lo em todos os momentos da vida, inclusive para que possa fazer uma experiência profunda de amor e de felicidade, dando, assim, um sentindo maior à sua Vida.

1 O ANSEIO PELO CRIADOR O mundo está passando por momentos de crises e amarguras, além de sofrer com as guerras e o totalitarismo, cujo som ressoa em nossos ouvidos coincidentemente como autoritarismo. Com isso, em sua história e até nos dias atuais, é notório que o homem precisa de Deus, entendendo que Ele falta nos corações dos homens. O coração humano foi feito para a beleza e a felicidade, para amar e ser amado, para buscar a verdade e fazer o bem. À pergunta: ‘Que é o homem?’ podemos então responder segundo a concepção grega, judaica e cristã: o homem é um animal racional cuja suprema dignidade está na inteligência; um indivíduo livre em relação pessoal com Deus, cuja suprema ‘justiça’ ou integridade está na obediência voluntária à Sua lei; uma criatura pecadora e ferida, chamada à vida divina e a liberdade da graça, e cuja suprema perfeição consiste no amor.1

A resposta sobre quem é o ser humano torna-se insuficiente quando abrange somente o mundo em que ele vive, devido à sua inconstância e imperfeição. A concepção cristã e católica do ser humano admira a totalidade dos elementos que compõem a vida do homem e da mulher. Esses elementos levam em conta os vínculos da relação com Deus, com os outros e com a natureza. Eles são observados a partir da liberdade e responsabilidade, pelas religiões e seus procedimentos (orações, holocaustos, cultos, reflexões etc.). É nesse sentido que se afirma: o homem busca incessantemente Deus. Para procurar a sua verdadeira e profunda identidade, para saber o que ele é, para “se provar”, o ser humano não se contentou em ler sua grandeza naquilo que, nele, supera o animal, o caniço ou a pedra. Ele quis – desejou – uma mais alta e decisiva confirmação. Não lhe bastou se levantar de baixo. Ele sonhou com uma transcendência que o arrastasse para o alto, pensando com razão que nada seria grande demais para dizer o que ele é. Há no ser humano uma busca iniciática de si mesmo e que se faz diante dos deuses. Em termos cristãos um itinerarium ad Deum. Numa palavra, ele procurou sua prova em Deus.2

A grande criação de Deus é o homem e o próprio Deus não cessa de chamá-lo para si com o desejo de conhecê-lo. Tal conhecimento se obtém pela fé cada vez mais intensa (Jo 6,66; 10,38; 14,20). O 1 2

MARITAIN, Jacques. Rumos da Educação. Trad. Abadia de Nossa Senhora das Graças. 5.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1968, p. 33. GUESCHÉ, Adolphe. O Ser Humano. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 92-93. 68

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ARTIGOS ARTIGOS alcance desse conhecimento, porém, não é obtido somente pelo critério intelectual, no significado de maior claridade intelectual, mas pelo sentido mais profundo, isto é, aquele proporcionado pela abrangência da própria vida que se abre sucessivamente em direção a Deus. Nessa perspectiva, para o evangelho de João, o ato de crer manifesta-se por um procedimento no qual conflui conhecer, distinguir, observar, acolher, ouvir e até mesmo tocar o verbo da vida, para adentrar em comunhão com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo (1Jo 1,1-4). A fé é a resposta do homem ao Criador e somente nEle o homem há de encontrar a verdadeira felicidade que tanto procura. O crente é antes de tudo um homem; um homem que, interrogando-se sobre o mistério mais profundo da existência chega, através do movimento espontâneo de seu espírito, a Deus3. Em outras palavras, a fé é a resposta generosa do ser humano a Deus, que vai ao seu encontro com ilimitada bondade, mas com o desejo de dar significado e esperança à vida. Nos tempos hodiernos, são vários os valores presentes no mundo que afastam o homem do seu Criador, como: a ignorância ou a indiferença, as preocupações e as riquezas do mundo (Mt 13,22). Outro exemplo do afastamento do seu Criador é acreditar em Deus e praticar o farisaísmo4 fundamentalista, isto é, esconder-se do Criador e evitar a presença de Deus. É Deus, portanto, quem chama primeiro, ou seja, o homem pode abandonar Deus, mas Ele jamais deixou de fazer a sua parte, de chamar o homem a viver e a buscar a felicidade. Mas essa procura exige do homem uma mudança de atitude (metanoia5), do modo de viver, e de sentir, ou seja, exige um coração reto e dirigido pelo Espírito (espírito, cujo sentido vem da palavra hebraica ruah6: sopro de Deus). Entende-se que é um sopro vital que procede de Deus.

2 VIA DE INGRESSO AO CONHECIMENTO DO CRIADOR Está escrito no livro do Gênesis que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus. Ora, o homem que busca Deus encontra sensatas vias para conhecê-lo. Logo, com a inteligência que é um dom de Deus, o homem anseia conhecer o seu Criador. Assim, nasce [a] interrogação ontológica que se traduz por uma investigação constante, formal ou informal, latente ou verbalizada, implícita ou explícita, a respeito da existência humana e pessoal.7 Seja qual for o tempo cronológico que o homem viva, sempre irá refletir sobre as seguintes indagações: De onde viemos? Para onde vamos? Qual é a nossa origem? Qual é o nosso fim? De onde vem e para onde vai tudo o que existe? Os questionamentos sobre a origem e sobre o fim são essenciais e determinantes para o sentido, orientação e atuação de nossa existência. De tal modo, os CHARBONNEAU, Paul-Eugène. O homem à Procura de Deus. São Paulo: Loyola, 1981, p. 307. Farisaísmo é uma denominação de um movimento religioso do judaísmo, a mais importante das três fundamentais correntes em que se dividiram os judeus da Palestina, sob a ocupação romana (séc. I d.C. – séc. I d.C.). As diversas correntes eram: os saduceus e os essênios. O vocábulo fariseu significa separado ou separador, isto é, aquele que caracteriza que expõe a lei. Talvez o axioma mais suave de Jesus no que diz respeito aos fariseus seja que seus discípulos carecem ser mais lícitos do que eles são para adentrarem no Reino do Céu. 5 A palavra metanoéo foi traduzida do DICIONÁRIO CONCISO GRIEGO – ESPAÑOL DEL NUEVO TESTAMENTO. Espanha: Caribe, 1978, p. 114. (Tradução nossa). 6 A palavra ruah foi traduzida da GRAMÁTICA DO HEBRAICO BÍBLICO, p. 387. (Tradução nossa). 7 CHARBONNEAU, Paul- Eugène. O homem à Procura de Deus, p. 294. (Acréscimo nosso). 3 4

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ARTIGOS ARTIGOS temas das origens do mundo e do homem são componentes de abundantes análises científicas que enriquecem o conhecimento a propósito da idade, do comprimento do cosmo, do devir das formas habites e da manifestação do homem. Sem dúvida, o ser humano é por excelência o ser que procura entender-se. Não lhe é suficiente existir. Ele pede contas, quer saber o porquê, procura sua identidade: quem sou eu ou o que sou eu? – e procurar sua identidade é sobretudo procurar se entender diante de um outro. Como em busca de um atestado. Certamente o ser humano também procura se entender a partir de si mesmo: o famoso Cogito de Descartes não é indevido nem impertinente. Temos uma autonomia, aquela na qual todo ser humano, crente ou não-crente, está perfeitamente autorizado a se entender [...]8.

Os questionamentos sobre a origem e o fim da existência humana fazem descobrir a maravilhosa grandeza do Criador, cuja veracidade é ratificada pela fé: Foi pela fé que compreendemos que os mundos foram formados por uma palavra de Deus. Por isso é que o mundo visível não tem sua origem em coisas manifestas (Hb 11,3). A veracidade da criação é tão extraordinária para a vida do homem que Deus, em sua calentura, manifesta tudo o que é benéfico à sua criatura. O homem busca o seu criador, tendo como ponto de partida a própria criação: o mundo material e a figura do homem todo. Temos, portanto, como primeira via o mundo. Pode-se admitir Deus como origem e fim do universo a partir da oscilação, do devir, da contingência, da ordem e da formosura do mundo. A outra via, isto é, a figura do homem em sua totalidade coloca-o diante de suas capacidades intelectuais, morais e sociais, quando a pessoa humana se interroga quanto à própria existência de Deus. Desse modo, maravilhado com a criação e consigo mesmo, o homem acredita num ser supremo que é o próprio Deus. Do mesmo modo, desejando-se revelar, Deus não nega a capacidade intelectual do homem para conhecê-lo. De fato, o ser humano procurou também se entender a partir do cosmo, alteridade mais “dura”, mais diferente. “O ser humano é um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante”, disse magnificamente Pascal. A Renascença, como de resto a Antiguidade pagã, não viu o ser humano como um microcosmo? A tentativa, mais uma vez, é legítima, e para mim está em grande parte na origem da audácia científica do ser humano, audácia, aliás, que contribuiu bastante para que o ser humano entendesse a si mesmo. O ser humano, porém, não transcende o cosmo, mesmo animado de tal modo que, aqui mais ainda, ele não corre o perigo de se medir mal, reduzindo-se precisamente à imagem de microcosmo? O ser humano não deve compreender-se de forma mais elevada? Surgiu então a antiga idéia de Deus: “Quando Deus vem à ideia” (Descartes). A imemorial ideia do “Outro do ser humano”. A questão de Deus não é estranha à nossa procura de identidade [...]9.

3 O CONHECIMENTO DE DEUS SEGUNDO A IGREJA A pessoa humana foi criada à imagem e semelhança de Deus. A Sagrada Escritura diz: Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança [...], Deus criou o ser humano à sua 8 9

GUESCHÉ, Adolphe. O Ser Humano, p. 91. Ibidem, p. 92. 70

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ARTIGOS ARTIGOS imagem, à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou (Gn 1,26a-27). Deus criou todas as coisas por meio da Palavra. E tudo o que criou é bom. Por isso, o homem e a mulher, criados por essa Palavra, que é amor, são chamados a harmonizar-se a partir desse mesmo amor. Assim, por exemplo, o direito à existência liga-se ao dever de conservar-se em vida, o direito a um condigno teor de vida, à obrigação de viver dignamente, o direito de investigar livremente a verdade, ao dever de buscar um conhecimento da verdade cada vez mais vasto e profundo10.

As distintas relações existenciais do ser humano adquirem significado e têm sua perfeição na relação com Deus em que encontra a razão última de sua existência, pois foi criado por ele. Deus tem por intenção primeira chamar o homem a viver em comunhão com o outro; na verdade, no bem e no amor. Nessa perspectiva, a Igreja carrega no seio de sua humanidade o amor originário de Deus. A Igreja é dom de Deus para a humanidade. Jesus está presente nela. A Igreja pode refletir sobre sua ação e eficácia no mundo, em vista da construção do Reino de Deus11. Do mesmo modo, quando a Igreja envia missionários ao mundo, é o próprio Jesus, filho de Deus, que permanece enviando os seus discípulos. Por isso, a Igreja é, ao mesmo tempo, divina e humana, cuja finalidade primordial é evangelizar, viver e anunciar o Evangelho do amor originário de Deus. Jesus proclamou a Boa Nova e pediu a Seus discípulos que anunciassem a toda criatura. Em Mt 28,19-20, vemos os sete comandos que Cristo Jesus deixou a Sua Igreja: “Portanto, ide a fazei discípulos meus a todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei. Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”. Comandos que entendemos nos verbos utilizados: Ir; Fazer; Batizar; Ensinar; Observar; Ordenar; Estar. O Senhor pediu que utilizássemos a pedagogia do amor. Ir ao encontro do outro para anunciar as verdades do Evangelho da Vida por Ele proclamado12.

Para realizar sua missão, a Igreja procura conservar sua identidade no ofício generoso da alteridade, isto é, do diálogo fraterno com o diferente, no anúncio destemido do Reino, do testemunho de vida em comunidade e da permanência fiel junto ao seu fundador, Jesus Cristo. A Igreja é a comunidade onde Jesus ressuscitado está presente: Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos (Mt 28,20b). É dele que provém a vida da graça para todos os membros da Igreja. A fé da Igreja, ao longo dos séculos, é propagada, vivida e testemunhada no cumprimento do mandato de Jesus o Filho de Deus: Ide, pois, fazei discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos tenho ordenado (Mt 28,19-20a). A Igreja é templo do Espírito Santo, a alma da Igreja. Como a alma no corpo humano, o Espírito Santo está de maneira atual em toda a Igreja e em cada um de seus componentes. Como a alma confere vida e identidade ao corpo, igualmente o Espírito Santo dá vida e identificação à Igreja. O homem, iluminado pela revelação do amor de Deus, vence seus medos e angústias. Essa fragilidade torna-o vaso de barro que se quebra naturalmente. Por isso, o homem carece ser clareado e

JOÃO XXIII. Carta Encíclica Pacem in Terris. Trad. Pia Sociedade Filhas de São Paulo. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1963, n. 29. TEIXEIRA, Cézar. Atributos Sobre a Revelação. Dei Verbum n. 1-13. In: Uma Janela para o Vaticano. São Paulo: editora Ave Maria, 2013, p. 131. 12 LEVA, José Ulisses. Catequese Familiar: creram e foram batizados. Revista de Catequese 144 (2014), p. 61. 10

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ARTIGOS ARTIGOS revigorado pelo poder do amor originário, isto é, Deus chama o homem para estar com ele e nutrir-se de sua própria natureza que é amor13.

4 DEUS VEM AO NOSSO ENCONTRO Deus amou tanto o mundo, que deu o seu filho único para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3,16). Ao defender a confiabilidade da razão humana de aceitar Deus, a Igreja explana sua fé na esperança de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. Pelo fato de o homem ter competência de aproximar-se do conhecimento de Deus, a Igreja acredita na habilidade de todos em falar de Deus Criador do céu e da terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis. A Igreja instrui que o único verdadeiro, criador e nosso Senhor é o próprio Deus e ele próprio pode ser experimentado com veracidade por elementos de suas obras, graças à luz natural da razão humana. Igualmente, o homem é feito para viver livremente sua afinidade em comunhão com Deus, na qual encontra a sua verdadeira felicidade. A vida é presente gratuito de Deus, carisma e tarefa com que é necessário preocupar-se com sua compreensão, em todas as suas fases da vida. Uma análise do amor, atenta e feita em nível existencial, nos leva facilmente à convicção de que amar alguém é assumi-lo, isto é tomá-lo conosco, ou melhor, tomá-lo sobre nós. Não há amor verdadeiro senão na integridade de uma união que supõe a consciência do que é o outro e a decisão de fazer seu, tudo que é dele. Essa é, por sinal, a razão por que o amor é um tão pesado compromisso. Não deixa nada fora de si; recebe como seu tanto o bem como o mal, a feiura(sic) como a beleza, a saúde como a doença, a infirmidade (sic) como a integridade. Tudo é assumido pelo o amor. Dessa forma, se dizemos que Deus é Aquele que é Amor, afirmamos igualmente que, amando o ser humano, ele o assume todo inteiro. Na Encarnação Deus assumia a humanidade14.

Deus não nos abandona em nossos anseios e esperanças. Ele é o Deus que vem ao nosso encontro. Ele mostra a essência da vida, isto é, Ele se dá a conhecer como o Deus de amor e de vida plena desde a criação do mundo. Cabe ao homem encontrar, na obra criada, a assinatura do autor, atualizada na história da humanidade e nas conjunturas palpáveis da vida. Ninguém jamais viu a Deus; o Filho único, que é Deus e está na intimidade do Pai, foi quem a deu a conhecer (Jo 1,18). Deus manifesta-se como onipotente e se revela de maneira amorosa por meio do seu Filho, Jesus Cristo. Em suma, a vivência do ser humano e a fé devem andar juntas e em intensa concordância, para que o povo de Deus possa ter uma comunhão com todos os que caminham na fé. Daí a importância de um estudo teológico, para que todo o povo possa ler, escutar e conhecer o Magistério da Igreja, a Sagrada Doutrina como também a sua Tradição. Deus se faz próximo da humanidade por meio da encarnação do verbo (logos), com a finalidade de mostrar ao homem a verdadeira felicidade. Ele vem para nos libertar.

TEIXEIRA, Cézar; SILVA, Antônio Wardison C. Superando Desafios: a Simbiose da Fé. Revista de Cultura Teológica 84 (2014), p. 187. 14 CHARBONNEAU, Paul- Eugène. O homem à Procura de Deus, p. 469. 13

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ARTIGOS ARTIGOS CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se pretendeu com este trabalho foi trazer uma reflexão no tocante ao homem em busca do Criador, para maior sentido da vida e da felicidade. Deus torna-se próximo da humanidade com a encarnação do verbo (logos) e tem a finalidade de mostrar ao homem a verdadeira felicidade, bem como libertá-lo das limitações do mundo. De tal modo, todos os que fazem parte da Igreja devem dar testemunho do amor originário de Deus, e esse testemunho deve ser verdadeiro na pessoa de nosso senhor Jesus Cristo, filho do Pai Criador. A fé é a resposta do homem ao altíssimo e Deus não cessa de chamá-lo para si. É unicamente em Deus que o homem há de encontrar aquilo que tanto procura: a verdadeira felicidade. Entende-se que, para fazer uso dessa felicidade, o homem deva saber que Cristo é o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao encontro do Pai se não o fizer por meio de uma experiência pessoal com o próprio Cristo Jesus que é o centro da nossa fé. A razão e a fé devem andar juntas e em profunda harmonia, para que o ser humano possa praticar a alteridade, viver em comunhão com todos na fraternidade e no amor. O homem e a mulher são habitantes do mundo e chamados a cultivar e a preservar a vida de todos os viventes. Essa relação com o universo deve ser consequência de uma boa relação com Deus. O homem, portanto, ao fazer a experiência de se abrir ao Outro (Deus) e aos outros (seres vivos), encontra um sentido pleno de amor e felicidade para sua Vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÍBLIA de Jerusalém. Nova Edição, revista e ampliada. Quarta impressão. São Paulo: Paulus, 2006. CHARBONNEAU, Paul- Eugène. O homem à Procura de Deus. São Paulo: Loyola, 1981. DICIONÁRIO CONCISO GRIEGO – ESPAÑOL DEL NUEVO TESTAMENTO. Espanha: Caribe, 1978. GUESCHÉ, Adolphe. O Ser Humano. São Paulo: Paulinas, 2003. JOÃO XXIII. Carta Encíclica Pacem In Terris. Trad. Pia Sociedade Filhas de São Paulo. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1963. LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Loyola, 1998. LAMBDIN, Thomas O. Gramática do Hebraico Bíblico. Trad. Walter Eduardo Lisboa. São Paulo: Paulus, 2003. LEVA, José Ulisses. Catequese Familiar: creram e foram batizados. In: Revista de Catequese a Serviço da Evangelização. São Paulo: UNISAL. Ano 37, n. 144, Jul/Dez. 2014. MCKENZIE, Jonh L. Dicionário bíblico. Trad. Álvaro Cunha et al.; revisão geral Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1983. MARITAIN, Jacques. Rumos da Educação. Trad. Abadia de Nossa Senhora das Graças. 5. Ed. revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Agir, 1968. TEIXEIRA, Cézar. Atributos Sobre a Revelação. Dei Verbum n. 1-13. In: Uma Janela para o Vaticano. São Paulo: Ave Maria, 2013. TEIXEIRA, Cézar; SILVA, Antônio Wardison C. Superando Desafios: a Simbiose da Fé. Revista de Cultura Teológica 84 (2014).

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ARTIGOS ARTIGOS PAPA FRANCISCO E A FIDELIDADE AO VATICANO II TPOPE FRANCIS AND FIDELITY TO VATICAN II

Daniel Braz José Rodolfo Galvão dos Santos Márcio Fernando de Castro* RESUMO: Este artigo é uma reflexão sobre a recepção do Concílio Vaticano II pelo texto da exortação apostólica Evangelii Gaudium, para assim compreender a fidelidade do papa Francisco ao magistério conciliar. Na primeira parte discorre-se sobre o Vaticano II, seus objetivos, mudanças eclesiológicas e relação com o mundo, a partir dos documentos: discurso de abertura Gaudet Mater Ecclesia, Constituição Dogmática Lumen Gentium e Constituição Pastoral Gaudium et Spes. Na segunda, relacionam-se as principais compreensões da mens conciliar com o texto da exortação apostólica Evangelii Gaudium: uma Igreja atuante no mundo, ministerialidade e colegialidade, e renovação pastoral-missionária. Na terceira parte, uma breve análise da recepção conciliar na América Latina, em especial na Argentina, pela formação da Teología del Pueblo, em que se faz uma breve alusão a possível comparação entre as exortações Evangelii Nuntiandi de Paulo VI e Evangelii Gaudium de Francisco. Palavras-chave: Concílio Vaticano II. Evangelii Gaudium. Igreja. Mundo. Teologia do povo. ABSTRACT: This article reflects on the reception of Vatican II, as illustrated in the Apostolic Exhortation Evangelii Gaudium, so as to better understand the faithfulness of Pope Francis to the conciliar magisterium. The first part discusses Vatican II and its objectives, ecclesiological changes that took place, and the Church’s relationship with the world. The following documents are highlighted: the Opening Speech of Pope John XXIII, Gaudet Mater Ecclesia, the Dogmatic Constitution Lumen Gentium and the Pastoral Constitution Gaudium et Spes. In the second part, the author makes connections between these texts and the main ideas presented in the Apostolic Exhortation Evangelii Gaudium. Some of these ideas include: a Church that is involved in the world, ministry and collegiality, and the renewal of missionary activity. The third part presents a brief analysis of the reception of these ideas in Latin America, especially in Argentina. It focuses on the development of the Theology of the People and compares the Apostolic Exhortation Evangelii Nuntiandi of Pope Paul VI with Evangelii Gaudium of Pope Francis. Keywords: Vatican Council. Evangelii Gaudium. Church. World. Theology of the People.

Introdução A autocomunicação de Deus, sua revelação, é transmitida pelo Evangelho e pela Tradição. A Palavra de Deus é-nos comunicada pela ação vivificante do Espírito, sujeito transcendente de inspiração e assistência, por meio do magistério, sujeito imanente, responsável pelo depositum fidei. O que progride é a nossa compreensão do dado revelado, não a Revelação em si. A ação do magistério, as reuniões *

Graduandos em Teologia no Centro Universitário Salesiano de São Paulo/Pio XI - UNISAL.

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ARTIGOS ARTIGOS conciliares, sinodais são sempre momentos fortes da assistência do Espírito que auxilia a Igreja no entendimento da Revelação e na sua transmissão. Por isso mesmo, a fidelidade ao magistério conciliar dá-se pela recepção, continuidade e aplicação da mentalidade do Concílio. Nesse sentido, procuraremos analisar a recepção do Concílio Vaticano II pelo texto da exortação apostólica Evangelii Gaudium, para compreendermos sua fidelidade ao Magistério conciliar. Diferentes caminhos poderiam ser tomados para esse estudo: por meio das Conferências latino-americanas, ou a partir da Teologia del Pueblo da Argentina, ou ainda por uma análise histórico-biográfica da compreensão teológico-pastoral do papa Francisco. Contudo escolhemos uma comparação breve e direta entre temas importantes para a evangelização presentes nas constituições Lumen Gentium, Gaudium et Spes e na exortação apostólica de Francisco. Não fizemos referência ao decreto Ad Gentes, porque privilegiamos esses dois textos constitucionais que revelam a mens conciliar. Apenas num terceiro momento faremos um breve aceno ao movimento histórico-teológico da influência da recepção conciliar latino-americana na Igreja em Roma. Na primeira parte do texto, estudaremos o Concílio Vaticano II em três aspectos fundamentais, especialmente para o anúncio do Evangelho: os objetivos e a tônica do concílio, presentes no discurso de abertura de João XIII, Gaudet Mater Ecclesia; a nova compreensão eclesiológica descrita na constituição dogmática Lumen Gentium e a relação da Igreja com o mundo própria da constituição pastoral Gaudium et Spes. Na segunda parte, relacionaremos esses temas do Vaticano II com a exortação pós-sinodal Evangelii Gaudium a fim de percebermos a continuidade da renovação conciliar: uma Igreja atuante no mundo; ministerialidade e colegialidade; renovação pastoral missionária, uma Igreja em saída. Finalmente, na terceira parte, refletiremos brevemente sobre a recepção conciliar na América Latina, especialmente na Argentina, a Teologia do Povo, e sua influência no papado de Francisco. Aludiremos ainda à relação entre as duas exortações apostólicas sobre a evangelização: Evangelii Nuntiandi (1975) e Evangelii Gaudium (2013). Importa destacarmos que os textos serão sucintos, feitos apenas para uma explanação inicial sobre o tema, que demandaria muito mais tempo e estudos.

1 Concílio Vaticano II O Papa João XXIII, em 25 de janeiro de 1959, após noventa dias de sua eleição, durante uma celebração do encerramento da semana de orações pela unidade das Igrejas, em Roma, falando para um pequeno grupo de cardeais, decidiu convocar um novo Concílio1. De início, o Papa mencionou que o Sínodo e o Concílio conduziriam a esperada atualização do Código de Direito Canônico, mas, já nesse discurso, definiu um escopo mais amplo e fundamental para o concílio: fazer crescer o empenho dos cristãos, dilatar os espaços da caridade com clareza de pensamento e com grandeza de coração.2 1 2

Alberigo, Giuseppe. Breve História do Vaticano II. Aparecida: Santuário, 2006. Ibidem, p. 18. São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p. n.74-86, 148, jul./dez. 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS O Concílio Vaticano II apresentou-se empenhado em levar a Igreja a responder comunitariamente aos apelos de uma sociedade em crise. Sociedade que, exaltando as conquistas no campo da técnica e da ciência, seguia uma ordem temporal organizada sem a presença de Deus, de tal modo que se podia constatar a distância entre seu progresso material e seu progresso moral. Nesse contexto, a Igreja percebeu a necessidade de apresentar novamente à humanidade os conteúdos essenciais do Evangelho, numa pastoral de atualização.3 Podemos constatar ainda que uma das grandes originalidades do Concílio Vaticano II foi o avanço na consciência e na autonomia do corpo episcopal sob o primado do Papa. Na mesma medida ampliamse e estreitam-se as relações com os teólogos, estabelecendo redes de consultas e de cooperação constante e orgânica nas comissões e subcomissões. Foi um verdadeiro momento de abertura ao Espírito. O Concílio buscou uma nova visão de Igreja, Povo de Deus, um aggiornamento eclesial, capaz de diálogo com o mundo. Seus principais documentos foram as quatro Constituições, das quais duas qualificadas como dogmáticas e uma pastoral: Constituição ‘Sacrosanctum Concilium’, Constituição Dogmática ‘Dei Verbum’, Constituição Dogmática ‘Lumen Gentium’ e Constituição Pastoral ‘Gaudium et Spes’. a. Gaudet Mater Ecclesia: discurso de abertura do Concílio Dois aspectos fundamentais devem ser destacados no discurso de abertura do Concílio, Gaudet Mater Ecclesia4: seu objetivo e o modo como a Igreja deveria encarar a sociedade moderna. Com relação ao objetivo, o Concílio, inserto na história, em continuidade com os concílios anteriores, deve “conservar e propor de maneira mais eficaz o depósito da doutrina cristã” (GME 45). É interessante perceber seu aspecto ad extra. A preocupação dos padres conciliares deve partir do como propor, com eficácia, a doutrina cristã no mundo moderno. A forma de como apresentar o magistério “em face dos erros, necessidades e oportunidades que oferece a atualidade.” (GME 28). João XXIII adverte sobre a necessidade de apresentar a proposta cristã sem omissões e de forma compreensível, e diferencia a verdade da fé de suas formas de expressão, o que deve ocorrer principalmente por questões pastorais. Hoje, é necessário que toda doutrina cristã, integralmente, sem nenhuma omissão, seja proposta de um modo novo, com serenidade e tranquilidade, em vocabulário adequado e num texto cristalino [...]. Uma coisa é o depósito da fé, as verdades que constituem o conteúdo doutrinário propriamente dito. Outra, o modo como são expressas, mantendo-se sempre o mesmo sentido e a mesma verdade. (GME 55).

Nesse sentido, critica aqueles que olham para a realidade contextual de forma pessimista e propõe o modo como a Igreja deve encarar a sociedade moderna, com um olhar otimista para a história e suas possibilidades. Essencial e inovadora nesse aspecto é a maneira como a Igreja se propõe a interpelar as teorias e doutrinas contrárias ao seu ensinamento. “A Igreja, no passado, sempre se opôs aos erros e condenou-os com grande severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere recorrer ao remédio da misericórdia a usar as armas do castigo.” (GME 57)5. Alberigo, Giuseppe. Breve História do Vaticano II, p. 19. João XXIII. Gaudet Mater Ecclesia (GME). In: Concílio Vaticano II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 2013. 5 Interessante recordar a proclamação do ano da Misericórdia proposta por Francisco, no jubileu, cinquentenário da conclusão 3 4

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ARTIGOS ARTIGOS O discurso de João XXIII, desse modo, mostra-nos o plano de ação dos padres conciliares, a abertura à mudança de visão e a busca pela renovação: Consagra-se, dessa forma, a originalidade do Vaticano II: um concílio pastoral, que tem uma visão positiva da história e, em lugar de combater erros ou desvios, busca na própria história, na cultura e na mentalidade contemporâneas as novas formas em que se deve proclamar a verdade perene do Evangelho [...].6

Essa maneira, aberta à ação do Espírito, possibilitou o “novo Pentecostes”, essencial à reformulação do próprio conceito de Igreja, presente na constituição dogmática Lumen Gentium. b. Lumen Gentium: Igreja - Sacramento de Salvação e Povo de Deus O teólogo salesiano Cleto Caliman, ao analisar a eclesiologia do Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil7, oferece-nos uma síntese da nova compreensão eclesial, em que a Igreja é entendida como sacramento de salvação e Povo de Deus, que marcaram os principais deslocamentos eclesiológicos do Concílio. O primeiro e essencial aspecto é a mudança de compreensão do que é a Igreja, na qual se passa de uma visão jurídica a uma teológica. Deixa a preocupação apologética, antiprotestante e antimoderna, da Igreja fechada em si mesma, em suas estruturas, como instituição jurídica, e procura compreender-se como sacramento em Cristo e missionária. A alegria do pertencer à Igreja e do impulso missionário ocorre pela compreensão de que nela está a plenitude da pertença a Cristo (LG 48), sem excluir a ação salvífica divina por outros caminhos (LG 14). Nesse sentido, “A Igreja é em Cristo como o sacramento ou o sinal e instrumento da união com Deus e da unidade de todo gênero humano” (LG 1)8. A hierarquia, então, é compreendida como servidora: “Os ministros dispõem do poder sagrado para servir seus irmãos, a fim de que todos os que pertencem ao povo de Deus participem da verdadeira dignidade cristã e alcancem a salvação, caminhando para o mesmo objetivo, em harmonia e liberdade” (LG 18). A partir dessa mudança de compreensão, podem-se entender os deslocamentos eclesiológicos do concílio. “Primeiro deslocamento: de uma Igreja mais voltada sobre si para uma Igreja aberta ao mundo de hoje”9. Os pressupostos científicos modernos de hermenêutica e exegese exigiram a compreensão histórica da Igreja, e da própria história, como lugar da autocomunicação de Deus, portanto como lugar teológico. Isso deslocou a Igreja mais voltada sobre si mesma para a abertura e o relacionamento com o mundo, “lugar de sua autorrealização e missão”.10 do Concílio Ecumênico Vaticano II. O papa relembra justamente essas palavras do discurso de abertura de João XXIII. Cf. Francisco. Misericordiae Vultus. Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia (11.04.2015). São Paulo: Loyola, 2015, n. 4. 6 Catão, Francisco. O perfil distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: Gonçalves, Paulo Sérgio Lopes; Bombonatto, Vera Ivanise (org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 95-115. 7 Caliman, Cleto. A eclesiologia do Concilio Vaticano II e a Igreja no Brasil. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; Bombonatto, Vera Ivanise (org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 229-248. 8 Constituição Lumen Gentium (LG) sobre a Igreja. In: Concílio Vaticano II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 2013, n. 1. 9 Caliman, Cleto. A eclesiologia do Concilio Vaticano II e a Igreja no Brasil, p. 231. 10 Ibidem, p. 232. São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p. n.74-86, 148, jul./dez. 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS “Segundo deslocamento: de uma Igreja centrada na hierarquia para uma Igreja Povo de Deus”11. Aspecto essencial na mudança eclesiológica do Concílio. O reconhecimento dos diversos carismas e ministérios como serviço compreende a própria hierarquia como servidora da Igreja, que é o Povo de Deus. Há um retorno àquilo que era original na Igreja primitiva, mais do que estruturas, a vivência da fé em comunidade. “Terceiro deslocamento: de uma compreensão universalista para outra, a partir da Igreja local ou particular.”12 A universalidade da Igreja não ocorre mais somente com base numa visão centralizadora. O concílio reconhece a importância da colegialidade dos bispos, como sucessores dos apóstolos, e a universalidade da Igreja que ocorre com as Igrejas particulares e por meio delas. “Cada um dos bispos, por sua vez, é princípio e fundamento da unidade, em suas respectivas Igrejas particulares com as quais e por meio das quais, à imagem da Igreja universal, forma-se a única Igreja católica.” (LG 23). Dessa forma, há com a constituição dogmática conciliar Lumen Gentium um novo modo de se pensar a Igreja, com o qual “à sua luz são interpretados todos os decretos do Concílio”13, pois revelam um retorno ao sentido original de Igreja. Há a preocupação com o sentido do que é a Igreja e sua inserção prática no mundo como sacramento em Cristo e missionária, para uma ação viva e eficaz. A mudança de compreensão postulada pela Lumen Gentium é de suma importância para a ação dialógica e próxima da Igreja com o mundo, mais discutida na constituição pastoral Gaudium et Spes. c. Gaudium et Spes: Igreja e mundo Na Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS)14 chama-nos a atenção a preocupação premente com o ser humano e sua dignidade, sua vida social e seu modo de relacionar-se com as demais pessoas e a sociedade: As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história (GS 1).

Nesse sentido, questões apresentadas na GS são discutidas eclesialmente ainda hoje. Basta olharmos rapidamente para os capítulos da segunda parte do documento, sobre alguns problemas urgentes, que logo encontraremos temas como “a promoção da dignidade do matrimônio e da família”, “a conveniente promoção do progresso cultural”, “a vida econômico-social”15, “a vida da comunidade política” e “ a promoção da paz e a comunidade internacional”. Vale destacar ainda a atualidade na Caliman, Cleto. A eclesiologia do Concilio Vaticano II e a Igreja no Brasil, p. 233. Ibidem, p. 235. 13 Souza, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: Gonçalves, Paulo Sérgio Lopes; Bombonatto, Vera Ivanise (org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 58. 14 Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS). A Igreja no Mundo de hoje. In: Concílio Vaticano II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações. 29.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p. 143. 15 É papel da Igreja auxiliar seus fiéis na construção de um mundo melhor. A Encíclica Laudato Si’ deixa claro o cuidado que devemos ter com a casa comum, e isso perpassa toda a dimensão econômico-social de uma nação. 11 12

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ARTIGOS ARTIGOS constituição pastoral na questão familiar. Entre 04 e 25 de outubro de 2015 houve a assembleia geral sinodal sobre a família. As constantes guerras, a desigualdade social, o imperialismo econômico, o descaso com as famílias e sua constituição denotam o desenvolvimento de uma cultura de indiferença, geradora de morte, contrária aos princípios e à hermenêutica evangélica. Na primeira parte do texto conciliar discutiram-se mais diretamente os princípios da dignidade da pessoa, da comunidade, da atividade humana e da inserção da Igreja no mundo, para procurar responder às questões prementes contrárias ao Evangelho. Portanto observamos que, para compreender a Igreja atual, devemos conhecer os contextos e relacioná-los com a Tradição eclesial. Somente compreendemos a relação da Igreja com o mundo se nos interessarmos por tudo aquilo que toca a realidade humana, sua dimensão cultural, social, econômica, espiritual. A partir dessa compreensão, de uma renovação eclesiológica, um novo entendimento da relação e presença da Igreja no mundo, procuraremos analisar a exortação apostólica Evangelii Gaudium do papa Francisco, a fim de estudarmos sua fidelidade ao magistério conciliar.

2 Evangelii Gaudium Ao escrever a exortação apostólica Evangelii Gaudium (EG)16, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, o papa Francisco está especialmente enraizado na constituição dogmática conciliar Lumen Gentium. No número 17 da exortação apostólica, ele especifica que se deterá sobre as questões de uma nova etapa evangelizadora a partir do contexto atual e com base na doutrina do documento conciliar. Em vários outros números, ao longo do texto, ele expressa claramente os deslocamentos do Concílio Vaticano II na compreensão de uma Igreja aberta e preocupada com o mundo atual, não reduzida à hierarquia, mas compreendida como povo de Deus, e descentralizada, reconhecendo a importância da colegialidade episcopal e das Igrejas particulares (n. 11, 16, 30, 31, 32, 50, 51, 184, entre outros). A preocupação de Francisco com uma renovação missionária da Igreja denota claramente o pensamento conciliar presente na constituição pastoral Gaudium et Spes. A relação da Igreja com o mundo é compreendida como uma aprendizagem mútua em que a abertura para o diálogo permite o nascimento dos valores evangélicos nos diversos contextos sócio-culturais. a. Uma Igreja atuante no mundo Não podemos falar de uma Igreja atuante no mundo sem ver o nexo entre a EG e o discurso Gaudet Mater Ecclesia; no qual observamos que o Papa João XXIII chamou a atenção sobre o modo como a Igreja encara a sociedade. A Igreja não deve ser julgadora, mas misericordiosa com os erros, capaz de dialogar com o mundo moderno e propor sua doutrina à luz do Evangelho; tudo isso por meio de um vocabulário adequado à realidade, de acordo com as culturas. Francisco. Evangelii Gaudium (EG). Exortação apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (24.11.2013). São Paulo: Loyola, 2013. 16

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ARTIGOS ARTIGOS Por isso mesmo Francisco afirma que precisamos de uma Igreja “em saída”, que vá em direção às periferias humanas, que seja casa aberta do Pai (EG 47), inserta na realidade do povo, pronta para acolher aqueles que mais sofrem, os que precisam ser remediados. Assim como João XXIII criticara os pessimistas e convidara a Igreja a olhar com otimismo para o mundo, Francisco exorta a corajosa saída de si, a cultura do encontro. Diz-nos: “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49). Belamente ainda admoesta: Por conseguinte, ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciarmos sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos. Quem ousaria encerrar num templo e silenciar a mensagem de São Francisco de Assis e da Beata Teresa de Calcutá? (EG 183).

A interpretação da realidade e o discernimento à luz do Evangelho (EG 50) conduzem à ação significativa da Igreja, “por um caminho de diálogo” (EG 238) com a sociedade. O discurso cristão deve tocar a vida das pessoas e os diversos contextos culturais, e não simplesmente ser encerrado dentro de igrejas, muitas vezes fechadas. A verdadeira “pregação do Evangelho expressa com categorias próprias da cultura onde é anunciado, [deve provocar] uma nova síntese com essa cultura” (EG 129). João XXIII lembrara-nos claramente que importa manter o depositum fidei, o essencial da fé, e adaptar a linguagem utilizada para anunciá-lo. Desse modo deve ocorrer a nova síntese com a cultura. O processo de inculturação do anúncio evangélico não se impõe a partir de outra roupagem cultural preestabelecida, mas procura realizar-se pela encarnação do Evangelho naquela cultura específica. O essencial da fé renasce com as linguagens próprias da cultura em que fé e contexto se encontram, primando pela ação evangelizadora da própria Igreja particular (cf. EG 68). A inculturação do Evangelho é feita pela Igreja particular, Igreja universal em determinado local, compreendida como povo de Deus. Nesse sentido, voltamo-nos para a retomada da importância da ministerialidade e colegialidade propostas pelo Concílio Vaticano II na constituição Lumen Gentium. b. Ministerialidade e colegialidade Pensar a dimensão da ministerialidade e da colegialidade na Igreja a partir da EG é acentuar a nova visão da Igreja proposta pelo concílio, não mais fechada em sua hierarquia, juridicista, mas teológica, aberta ao mundo e missionária, que é sacramento em Cristo. Revela que, no meio do povo de Deus, existem aqueles chamados a servir os irmãos por meio dos ministérios e a zelarem pelas comunidades e presenças da Igreja de Cristo nos diferentes contextos culturais. Na EG, o Papa Francisco afirma que ser Igreja significa ser povo de Deus (EG 114), inserto na humanidade como fermento, anunciadores da salvação de Deus, povo missionário que peregrina entre os povos e evangeliza por onde passa; reconhecido como discípulo-missionário em virtude do seu batismo que é vinculante (EG 120), e capaz de reconhecer a ação do Espírito nas diversas culturas, portanto na própria vida dos povos (EG115). Importa ainda ressaltar que todos cristãos são chamados a servir os irmãos. Cristo quer servir-se de nós para chegar mais perto do seu povo, principalmente dos que sofrem, por isso mesmo envia o seu Espírito e enriquece a Igreja carismaticamente. Jesus deseja que a Igreja toque a miséria humana 80

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ARTIGOS ARTIGOS e faça a experiência de ser e pertencer a um povo (EG 269-270). Por meio dos ministérios realizados em favor do povo, “cada vez que um cristão se encontra no amor com alguém, encontra-se com Deus e descobre algo novo sobre Ele, pois cada pessoa é objeto da ternura infinita de Deus, abrigo do Altíssimo” (EG 274). Desse modo, podemos compreender a relevância da colegialidade na Igreja. Assim como no Vaticano II foi explicitada a colegialidade dos Bispos, em continuidade o Papa Francisco na Evangelli Gaudium, em seu plano de ação pastoral, retomou os conceitos e os reafirmou17. O Papa Francisco em sua exortação deixa claro que “não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios” (EG 16). Seu programa de governo busca uma “descentralização”, valorizando os episcopados. Observamos também que a colegialidade está presente na Exortação Evangelli Gaudium quando Francisco utiliza documentos como: o Documento de Aparecida (CELAM) para falar de uma pastoral missionária; ou a Exortação Ecclesia in Oceania de João Paulo II para explicitar a contribuição de cada cultura da difusão do Evangelho, e ainda muitos outros textos das diversas conferências episcopais. Como papa, Francisco procura visivelmente trabalhar com os demais bispos em busca de respostas para os problemas de seu tempo. A ministerialidade e colegialidade, destacadas pela renovada compreensão da Igreja Povo de Deus, sacramento em Cristo de salvação, exigem uma necessária renovação pastoral missionária eclesial. A linguagem e o diálogo da Igreja com o mundo para uma verdadeira inculturação do Evangelho só acontecerá se a Igreja cumprir o mandato feito por Jesus de “ir a todas as nações”. Assim, um terceiro aspecto importante da exortação apostólica refere-se à Igreja em saída, à fidelidade à exigência do diálogo feita pela constituição Gaudium et Spes. c. Renovação pastoral missionária: Igreja em saída Na Constituição Pastoral Gaudium et Spes vimos que a preocupação era de formar uma Igreja zeladora da dignidade do ser humano, capaz de dialogar com as pessoas, a sociedade e as diferentes culturas (EG 238), especialmente com a modernidade; havia também a preocupação com o desenvolvimento econômico da nação e com a promoção da dignidade do matrimônio e da família. Esses pontos estão presentes na Evangelli Gaudium quando se fala de uma Igreja não autorreferenciada, mas em saída, aberta ao mundo, necessitada de uma renovação eclesial inadiável, preocupada com o desenvolvimento da sociedade, com a acolhida dos mais pobres e com os males que assolam a humanidade. Basicamente todo o documento relaciona o contexto em que vivemos com o anúncio evangélico. Especial destaque merecem os capítulos I “A transformação missionária da Igreja”, II “Na crise do compromisso comunitário” e IV “A dimensão social da evangelização”. Francisco afirma que “A Igreja ‘em saída’ é a comunidade de discípulos missionários que ‘primeireiam’, que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam” (EG 24). Isto é, tomam a “Assim como, por disposição do Senhor, São Pedro e os outros Apóstolos constituem o Colégio Apostólico, paralelamente o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, e os Bispos, sucessores dos Apóstolos, estão unidos entre si” (LG 22). As relações mútuas de colegialidade aparecem no relacionamento de cada Bispo com as Igrejas particulares e com a Igreja universal, assim como fundamento de unidade em suas Igrejas particulares (LG 23).

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ARTIGOS ARTIGOS iniciativa, vão ao encontro dos mais necessitados, têm o desejo de oferecer misericórdia porque vivem da misericórdia do Senhor, acompanham os processos e os sofrimentos da humanidade, mantêm-se atentos aos frutos e festejam as vitórias: Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se - se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o “cheiro de ovelha”, e estas escutam a sua voz (EG 24)18.

A Evangelii Gaudium salienta a necessidade de uma renovação estrutural da Igreja que tenha uma acentuação pastoral missionária19, em que seja compreendida como Igreja em saída, que vai ao encontro, com olhar misericordioso e acolhedor, para realmente viver o Evangelho e anunciá-lo explicitamente com o testemunho, pois “uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo [...].” (EG 183). Ao interpretar a realidade à luz do Evangelho, Francisco critica fortemente aspectos da cultura atual, que excluem e desumanizam, e convoca os cristãos e a humanidade a extirpá-los de seu meio. Claramente é contra a tirania do liberalismo econômico20. Critica a “economia da exclusão e da desigualdade social”, o olhar para os exclusos como “resíduos, sobras”; a “globalização da indiferença”; a “idolatria do dinheiro”, de um “dinheiro que governa em vez de servir” e “nega a primazia do ser humano”; a corrupção e a “desigualdade social que gera violência” (EG 53-60). Aspectos que destroem os vínculos interpessoais e impedem a vivência comunitária e a defesa dos direitos humanos21. Na exortação apostólica, portanto, à luz das mudanças exigidas pela constituição pastoral Gaudium et Spes, Francisco interpela-nos com a compreensão de uma Igreja em saída, presente no mundo, misericordiosa, terna, acolhedora, ativa e transformadora da realidade, em que a mensagem de Jesus chega às estruturas de nossa vida e sociedade. Com a percepção da fidelidade da EG ao magistério conciliar, propomos nesta terceira parte uma breve análise sobre a recepção conciliar na América Latina na Teologia do Povo.

3 Teologia do povo: a recepção conciliar na América Latina Praticamente a exortação apostólica é seu plano de governo. Francisco descreve seus objetivos, sua compreensão de Igreja e suas linhas de ação. Por isso mesmo, encontramos forte influência

Justamente porque: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (GS 1). 19 “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto preservação.” (EG 27). 20 “[...] esse desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum” (EG 56). 21 Nesse sentido, vale recordar o final da constituição pastoral GS em que os padres conciliares refletem sobre temas como a dignidade e a atividade humanas, a técnica, o desenvolvimento, a família, a economia, a política, a paz, a cultura e a defesa dos direitos humanos e demonstram a preocupação da Igreja com o cuidado do mundo. 18

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ARTIGOS ARTIGOS da Teologia do Povo e sua maneira específica de recepção do Concílio Vaticano II. O papa procura vivenciar a mentalidade conciliar a partir de sua compreensão e práxis latino-americana. O teólogo Juan Carlos Scannone fez uma bela explanação sobre o papa Francisco e a Teología del Pueblo22, que nos ajuda a compreender o processo de recepção conciliar na América Latina, especialmente na Argentina, e sua influência na mentalidade teológica do papa do “fim do mundo” na sua exortação apostólica sobre a evangelização. Scannone mostra-nos a Teologia do Povo como uma vertente da Teologia da Libertação, com características próprias, fundamentadas na cultura, no imaginário sociocultural e sabedoria popular, basicamente naquilo que forma um povo e sua mentalidade, dos quais derivam seu princípio hermenêutico determinante: a unidade do povo e da cultura; sem a exclusão, contudo, da luta contra tudo o que destrói a vida: antipovo e anticultura23. A religião do povo, a mística popular, a espiritualidade encarnada na cultura dos simples são pontos essenciais dessa compreensão teológica. Evidentemente essa interpretação está presente na Evangelii Gaudium, especialmente nas compreensões de povo fiel de Deus e no reconhecimento do sensus fidei24, provindos do Concílio e relidos com base na óptica latino-americana da Teologia do Povo. Podemos ainda encontrá-los nos princípios presentes nas tensões bipolares da realidade social que remontam à importância do respeito à cultura e da unidade do povo: “o tempo é superior ao espaço”, “a unidade prevalece sobre o conflito”, “a realidade é mais importante do que a ideia” e “o todo é superior à parte”25. E ainda vale destacar a questão da inculturação, algo premente na Teologia do Povo, presente em todo o texto da exortação26, especialmente compreendida a partir da piedade popular27, lugar teológico da evangelização. Vale ressaltar que a opção preferencial pelos pobres é o ponto central, que relaciona todos esses aspectos e orienta os caminhos da Igreja. A própria escolha do nome do sumo pontífice clareia-nos sua importância. Scannone diz que o tema dos pobres é “o ponto essencial de convergência entre seu magistério, o ensino social da Igreja e a Teologia do Povo”28. Basicamente, todo o capítulo IV sobre a dimensão social da evangelização cobra uma postura crítica dos cristãos em relação ao dinheiro, à distribuição de renda e à inclusão social dos pobres, no qual o papa insiste na importância do ouvir o clamor do sofrimento alheio (EG 193) e deixar-se guiar pelo Evangelho da misericórdia (EG 188), pois esses derivam da nossa fé em Cristo (EG 186), e são o “caminho da nossa redenção (EG 197).

22 Scannone, Juan Carlos. O papa Francisco e a Teologia do Povo. In: Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 16 maio 2015. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/542642-o-papa-francisco-e-a-teologia-do-povo-entrevista-especial-com-juan-carlos-scannone. Acesso em: 20 de out. de 2016. 23 Ibidem. 24 EG 115-119. 25 Cf. EG 222-237. Esses princípios são analisados por Juan Scannone. 26 Cf. EG 68-70. 129: “a pregação do Evangelho, expressa com categorias próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura”. E também todo o capítulo terceiro sobre O anúncio do Evangelho. 27 LG 12, EN 48 e EG 122-126. 28 Scannone, Juan Carlos. O papa Francisco e a Teologia do Povo. In: Instituto Humanitas Unisinos. São Leopoldo, 16 maio 2015. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/542642-o-papa-francisco-e-a-teologia-do-povo-entrevista-especial-com-juan-carlos-scannone. Acesso em: 20 de out. de 2016.

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ARTIGOS ARTIGOS Scannone ainda acentua um interessante movimento histórico com o qual a Teologia do Povo influenciou diretamente a Igreja em Roma no Sínodo de 1974 e, consequentemente, na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi29 de Paulo VI: Assim, produziu-se uma espiral virtuosa entre a América Latina e Roma. Pois, começada na Argentina, foi levada ao centro pelo Sínodo. Ali Paulo VI a aprofundou, sendo retomada em Puebla, onde foi novamente enriquecida, assim como em Aparecida. Agora retorna a Roma com o Papa Francisco, que volta a fazê-la frutificar e a oferece novamente à Igreja universal.30

Essa dinâmica histórica é de suma relevância, porque nos mostra a influência da recepção latino-americana do Concílio na Igreja romana31 e, inclusive, a relação entre as duas exortações apostólicas sobre a evangelização no mundo atual: Evangelii Nuntiandi (1975) e Evangelii Gaudium (2013). Os dois textos apresentam reflexões comuns, ainda que de pontos de vista um tanto quanto distintos por causa dos contextos em que se encontram. Destaques sobre a cultura, a inculturação, a grande relevância da piedade popular, do testemunho de vida, a homilia e a pregação simples, clara, direta, adaptada, com amor, o diálogo com o mundo, entre tantos outros temas mostram relações bastante diretas entre os dois textos. Obviamente as duas exortações se baseiam nos documentos conciliares e na nova compreensão eclesial provinda do Vaticano II, mas também denotam a influência da recepção latino-americana do concílio. Precisaríamos de um estudo aprofundado sobre o tema para detalharmos com precisão as continuidades e descontinuidades entre os textos e a presença da influência latino-americana da Teologia do Povo. Na comparação entre os documentos apenas apresentamos os índices:

A estrutura dos textos é praticamente a mesma: a Igreja evangelizadora, o contexto do mundo atual e o anúncio do Evangelho, e o Espírito da evangelização. Mudam-se alguns aspectos da linguagem, na forma de apresentar alguns temas, justamente pela fidelidade ao concílio. O conteúdo da fé permanece, o mandamento do anúncio do Evangelho é o mesmo realizado por Jesus, todavia os Paulo VI. Evangelii Nuntiandi (EN). Exortação apostólica sobre a evangelização no mundo contemporâneo (08.12.1975). São Paulo: Paulinas, 2001. 30 Scannone, Juan Carlos. O papa Francisco e a Teologia do Povo, 2015. 31 Scannone apresenta-nos como exemplo a influência da Teologia do povo no número 386 do documento da Conferência Episcopal de Puebla (1979), em que se acrescenta a interpretação feita do número 53 da Gaudium et Spes a frase “em um povo”, do qual a exortação de Paulo VI Evangelii Nuntiandi (1975), número 20, foi de basilar importância para a compreensão e constituição do texto. 29

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ARTIGOS ARTIGOS meios adaptam-se aos contextos. Dessa forma, podemos perceber mais claramente a fidelidade da Evangelii Gaudium ao magistério conciliar. E, ainda mais, vemos a influência da recepção conciliar latino-americana na própria Igreja em Roma. Vem-se construindo uma hermenêutica dialética entre Roma e América Latina, de tal modo que Francisco, fiel à colegialidade retomada pela Lumen Gentium, quer ampliar essa circularidade, descentralizando e reformando o papado e a cúria romana (EG 16, 27-33). Concílio Vaticano II, recepção conciliar na América Latina, Sínodo dos Bispos de 1974, exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, Conferências latino-americanas, Sínodo dos Bispos de 2012 e exortação apostólica Evangelii Gaudium descrevem uma dialética de hermenêuticas que têm procurado tornar historicamente concreta a compreensão eclesial refletida pelos documentos e mentalidade conciliar.

Considerações finais A fidelidade da Evangelii Gaudium ao Magistério conciliar é expressa claramente na hermenêutica dos textos do concílio realizada pelo papa Francisco. A sua interpretação conciliar feita primeiramente na sua prática pastoral enquanto sacerdote, bispo e cardeal de Buenos Aires, e agora mais amplamente como papa, bispo de Roma, demonstra-se nitidamente na sua procura por uma renovação pastoral missionária e descentralizada de toda a Igreja para uma atuação mais eficaz na evangelização. A comparação direta dos textos conciliares com o pós-sinodal permite-nos perceber a busca de uma implantação e aplicação da nova mentalidade e mudanças exigidas pelo Concílio. Logo no início de seu texto, na descrição da proposta da exortação apostólica, o papa já especificara a utilização basilar da constituição Lumen Gentium. Sua compreensão de Igreja perpassa todo o documento: sacramento de salvação em Cristo, Povo de Deus, ministerial, colegial, descentralizada, profética, inculturada, voltada para os pobres, aberta e acolhedora, em saída, renovada pastoral e missionariamente. No movimento histórico da recepção conciliar da América Latina, na Teologia del Pueblo da Argentina, e suas influências na Igreja de Roma nos sínodos de 1974 e 2012 e com as conferências latino-americanas, podemos perceber a complexa dinâmica da continuidade da mentalidade conciliar e seus matizes em cada contexto. Tal análise, brevemente realizada, permitiu-nos perceber a relação entre as duas exortações sobre a evangelização: Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI (1975), e Evangelii Gaudium, do papa Francisco (2013). A acentuação nos temas da piedade popular, do sensus fidei, como evangelizadora e local teológico, da cultura e da inculturação, da importância do imaginário social e sua síntese com o Evangelho, além da ênfase na inclusão dos pobres e marginalizados e das denúncias e fortes críticas a tudo aquilo que é antipovo e anticultura, permite-nos encontrar visivelmente a recepção conciliar da teologia latino-americana. A fidelidade ao magistério conciliar e sua continuidade no plano de governo, na exortação apostólica sobre a evangelização de Francisco, e sua maneira própria de ler a realidade contextual, especialmente por meio da experiência eclesial da América Latina é encontrada com clareza e facilidade em todo texto. Francisco não só é fiel ao Concílio, como também procura meios de concretizá-lo em aspectos que ainda não encontraram espaço na renovação da compreensão eclesial.

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ARTIGOS ARTIGOS Referências bibliográficas Alberigo, Giuseppe. Breve História do Vaticano II. Aparecida: Santuário, 2006. Caliman, Cleto. A eclesiologia do Concilio Vaticano II e a Igreja no Brasil. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2005. Catão, Francisco. O perfil distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2005. Concílio Vaticano II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 2013. Discurso do papa João XXIII Gaudet Mater Ecclesia (GME). In: Concílio Vaticano II. 1962-1965. Vaticano II: mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 2013. Francisco. Evangelii Gaudium (EG). Exortação apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (24.11.2013). São Paulo: Loyola, 2013. _____. Laudato si. Carta Encíclica do Sumo Pontífice (24.05.2015). São Paulo: Loyola, 2015. _____. Misericordiae Vultus. Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia (11.04.2015). São Paulo: Loyola, 2015. Paulo VI. Evangelii Nuntiandi (EN). Exortação apostólica sobre a evangelização no mundo contemporâneo (08.12.1975). São Paulo: Paulinas, 2001. Scannone, Juan Carlos. O papa Francisco e a Teologia do Povo. Instituto Humanitas Unisinos. São Leopoldo, 16 maio 2015. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/542642-o-papa-francisco-e-a-teologia-do-povo-entrevista-especial-com-juan-carlos-scannone Souza, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2005.

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ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS “DISCIPULADO CATECUMENAL DE ADULTOS” RECEBE PRÊMIO INTERNACIONAL EXPERIÊNCIA COM 10 ANOS NO URUGUAI RECEBE RECONHECIMENTO DA FUNDAÇÃO CARD. MARTINI Luiz Alves de Lima*

1 A FUNDAÇÃO CARD. CARLOS MARIA MARTINI Os jesuítas da província italiana, juntamente com a Arquidiocese de Turim instituíram a Fundação Card. Carlos Maria Martini, em 2012, mesmo ano de seu falecimento, a fim de recordar sua memória, promovendo o conhecimento e estudo de sua vida e suas obras. Essa fundação pretende manter vivo que espírito que animou seus ideais, favorecendo a experiência e o conhecimento da Palavra de Deus no contexto da cultura contemporânea. Nascido em 15 de fevereiro de1927, após uma vida dedicada à consagração religiosa e ao estudo, sobretudo bíblico, foi cardeal arcebispo de Milão por 23 anos. Distinguiu-se na sociedade e na Igreja como uma figura ímpar de intérprete das Sagradas Escrituras e de vivência de sua mensagem, plenamente integrada nos novos tempos, sobretudo após o Concílio Vaticano II. Nesse sentido, sempre apoiou e alimentou o diálogo ecumênico e inter-religioso, com a sociedade civil e os não crentes, aprofundando a relação indissolúvel entre fé, justiça e cultura. Foi reitor de uma das universidades mais importantes de Roma, a Gregoriana e escreveu junto com Umberto Eco o livro: “Em que creem os que não creem?”. Seu estudo e interpretação das Escrituras sempre estiveram marcados por uma intensa espiritualidade e diálogo com as ciências sociais. Contribuiu com projetos de formação e de pastoral na linha da espiritualidade inaciana, sobretudo com relação aos jovens1, como também contribuiu para o aprofundamento do significado e difusão da prática dos Exercícios Espirituais se seu fundador, Santo Inácio de Loyola. Seus famosos retiros foram divulgados em dezenas de livros de extraordinária profundidade, alguns deles verdadeiros best sellers.

P. Luiz Alves de Lima, sdb, é doutor em Teologia Pastoral Catequética, acessor de catequese na CNBB e CELAM, membro fundador da SCALA (Sociedade de Catequetas Latino-americanos) e do SBCat (Sociedade Brasileira de Catequetas), conferencista, professor no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus Pio XI – nas PUCs de Curitiba e de Goiânia e no Instituto Teológico Latino-Americano (ITEPAL) de Bogotá, editor adjunto da Revista de Catequese, coordenador de redação do Diretório Nacional de Catequese. Participou do Sínodo dos Bispos de 2012, do Seminário Internacional de Catequese em Roma (março 2014) e da redação e publicação de AIDM. 1 Nesse sentido, entre os cinco títulos acadêmicos que o Card. Carlos M. Martini recebeu, há também o Doutorado honoris causa em Ciências da Educação, concedido pela Universidade Pontifícia Salesiana em 17 de janeiro de 1989, motivado pelo seu programa pastoral sobre a educação apresentado na carta pastoral Educare ancora (educar ainda) de 1988. *

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VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS 2 O Martini International Award Em 15 de fevereiro 2013 (aniversário de seu nascimento) essa Fundação instituiu o “Prêmio Internacional Carlos M. Martini” (Martini International Award), com a finalidade de honrar a sua memória e prosseguir nas trilhas de seus ensinamentos. Tal prêmio está articulado em três secções: A primeira secção considera textos e produções que têm como objetivo contribuir para o estudo e para o conhecimento do pensamento e da figura do Card. Martini. A segunda é dedicada aos trabalhos que mostram o desenvolvimento da fecunda relação entre Bíblia e cultura, em seus vários âmbitos: arte, literatura, filosofia, ciência, economia, politica, religião, espetáculos. A terceira secção é dedicada às experiências e projetos pastorais inspirados na espiritualidade e estilo do Card. Martini. O prêmio é concedido de dois em dois anos. Para o Martini Internacional Award de 2014-2015 concorreram 140 trabalhos apresentados por 157 autores, em nível internacional. À terceira secção, dedicada a experiências e projetos pastorais inspirados no pensamento e modo de agir do Card. Martini, a equipe julgadora2 desse prêmio concedeu-o, em 21 de Maio de 2016, a um sistema de evangelização e formação cristã, implantado há 10 anos numa paróquia do centro de Montevidéu, e hoje presente em 4 dioceses uruguaias. A entrega do prêmio foi feita pelo Card. Arcebispo de Milão, Angelo Scola. Receberam o prêmio os dois sacerdotes uruguaios idealizadores principais do sistema de evangelização à frente desse itinerário: o Pe. Gonzalo Abadie Vicens, do clero diocesano da Arquidiocese de Montevidéu, que há 10 anos o iniciou, e o Pe. Guillermo Buzzo Sarlo, da Diocese de Salto, que se somou ao trabalho faz cinco anos. A experiência premiada intitula-se: Discipulado catecumenal de Adultos (DcA). Um itinerário inspirado no pensamento e na obra do Card. Carlos Maria Martini. É uma experiência de catecumenato para adultos, inspirada na leitura catequética do Evangelho de Marcos, proposta pelo Card. Martini. Esse prêmio refletiu também a ampliação da dimensão internacional desse Martini International Award, que propriamente estava limitado à Itália e agora se abriu a quatro línguas: italiano, francês, inglês e espanhol. Esse sistema de evangelização, embora desde o início tenha sido dirigido a Adultos ou jovens adultos, com o tempo foi dando origem também a variantes adaptadas aos adolescentes e jovens. É um método que procura não só resgatar para a Igreja os afastados, mas também levar a uma maior conversão os paroquianos, um aprofundamento da iniciação cristã, transformando-os em autênticos discípulos de Cristo Jesus, que convivam com Ele e vão mergulhando cada vez mais em seu mistério.

3 A catequese a serviço dos processos de Iniciação à Vida Cristã A catequese, tal como chegou até nós após quase dois milênios de cristianismo, nas nasceu dentro dos processos de Iniciação à Vida, chamado catecumenato, destinado aos adultos. Foi uma das mais importantes instituições de toda a história da Igreja, por ter enorme prestígio, dando frutos de verdadeira conversão e vivência do cristianismo, sendo uma das colunas vertebrais da formação e Essa equipe julgadora foi composta de teólogos, biblistas, filósofos, jornalistas, artistas, sacerdotes e leigos. Entre eles, duas mulheres (ciências políticas e filosofa e teóloga, ambas escritoras), um ex-diretor e editor do Corriere dela Sera, um rabino, dos mais influentes na Europa e grande amigo de Carlos M. Martini, como também o secretário particular do cardeal.

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ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS constituição da Igreja dos primeiros séculos, quando os cristãos eram uma minoria nas estruturas do poderoso império romano. A partir do Vaticano II, o magistério eclesial, através de vários documentos e ações concretas, vem propondo a restauração dessa prática, adaptando-a a nossos tempos, colocando-a no centro de toda a renovação catequética. Trata-se de uma reviravolta de paradigmas, pois o modelo de catequese usado particularmente nesses últimos séculos, com raríssimas exceções, esgotou-se: não realiza mais sua missão de iniciar verdadeiramente nos mistérios da fé, como fazia o catecumenato antigo. E o que havia de tão atrativo nessa estrutura catecumenal, a ponto de atrair tanto, hoje em dia, a atenção da Igreja? Na verdade, não houve uma forma, mas vários modelos de catecumenato, quer na sua constituição, elementos essenciais, como duração. Mas todos conseguiam a verdadeira adesão à pessoa de Jesus e ao seu Evangelho, como também adesão à comunidade dentro da qual é possível viver a fé; deixavam uma marca profunda nas pessoas, não só em seus aspectos rituais-litúrgicos, mas de profunda vivência que marcava a vida de todos, tendo inclusive reflexos na vida social e política no ambiente em que viviam esses “cristãos iniciados na fé”. Não foi por nada que o imperador Constantino se viu como que forçado, em 313, a dar liberdade de culto e de expressão a esse novo modo de viver..., caso contrário, ele não governaria o vasto império romano. E quantos eram esses cristãos que tanta influência na vida do império? Apenas dez por cento, se tanto. O cristianismo cresceu e no giro de poucos séculos, tomou conta da civilização ocidental e parte da oriental, tornando-se cristã quase toda a população. Surgia a cristandade: o fato de as pessoas já nascerem num ambiente cristão e a difusão cada vez maior do batismo de crianças, levou à decadência do catecumenato no seu conjunto. Permaneceu apenas, e atravessou os séculos, a atividade catequética, com sua característica original de ensino e aprofundamento doutrinal, como processo de iniciação à fé: os elementos litúrgico-rituais, tão presentes nos primeiros séculos, já não havia mais. Aconteceu, então um dos mais lamentáveis fenômenos do cristianismo: a catequese separou-se de seu ambiente catecumenal, mistagógico, litúrgico... e por outro lado também a liturgia, entre desvios e acertos, também tomou outro rumo... foi o mais lamentável divórcio na Igreja, com funestas consequências: a liturgia caiu numa ritualização dos sacramentos e a palavra anunciadora e profética caiu no doutrinação; ou seja, sacramentalismo por um lado e instrução racional insípida por outro (Ratzinger). Tudo isso foi salvo pelo intenso ambiente cristão que se criou, onde toda a civilização era vista e considerada à luz das fortes instituições eclesiais. “A Igreja vai de encontro aos povos migrantes do norte (impropriamente chamados de bárbaros) com o evangelho e a obra evangelizadora. É um dos grandes momentos de inculturação da fé cristã no Ocidente: o cristianismo, nascido e desenvolvido em ambiente semita, logo se incultura no mundo greco-romano; agora vive e expressa o Evangelho também com a cultura germânica. Consolida-se a cristandade, agora enriquecida com mais essa contribuição. Uma vez evangelizados, numa das grandes ondas evangelizadoras da história, esses povos também não necessitam mais de querigma ou catequese. Já se nasce numa sociedade cristã: reinos, príncipes, populações e famílias são todos cristãos. É o esplendor da Cristandade, entendida como predominância do pensamento cristão em todas as áreas da civilização. Infelizmente, num sentido negativo, esse termo está ligado também à insidiosa união entre poder civil e religioso que tanto deteriorou as relações Igreja-Estado. A Igreja passou a ocupar o centro de toda a realidade, quase não havendo mais separação entre o religioso e o profano, São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p. n.87-96, 148, jul./dez. 2016.

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VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS pois cidade e paróquia se confundem. O tempo torna-se litúrgico: isso transparece nos ritmos do tempo que marcavam o domingo e as festas cristãs. Todo momento importante da comunidade era celebrado social e liturgicamente, sem haver também muita separação entre a festa profana e as celebrações religiosas: vida cotidiana e vida litúrgica se misturavam. Há uma total interação entre fé e vida!”3. Vivia-se então o que os historiadores chamam de catecumenato social. Passando pelos turbulentos tempos desde o século XVI ao XXI, o ocidente denominado “civilização cristã” vai perdendo essa sua característica e inspiração evangélica. A catequese, apesar de suas constantes renovações, já não cumpre seu papel evangelizador e iniciático; num ambiente secularizado, cada vez mais longe de Deus e refratário a tudo o que distrai dos interesses imediatos do aqui e agora, aquele pouco que a catequese atual consegue comunicar como experiência de Deus e vida cristã, se esvai na turbulência do consumismo daquilo que satisfaz às necessidades imediatas da pessoa humana. Daí, desde o Vaticano II, como já foi dito, a Igreja vem insistindo no retorno aos processos de iniciação cristã, para que as experiências de Deus, em Cristo Jesus e sua Igreja, criem maiores raizes nos corações e na vida das pessoas. Com isso se quer também corrigir aquele espécie de vício da catequese tradicional, o sacramentalismo, que enfoca somente a preparação para receber os sacramentos, ditos da inicição, mas desarticulados do grande sacramento que é Cristo Jesus e sua expressão no mundo de hoje que é a Igreja, também ela chamada de Sacramento, mistério nascido da Trindade Santíssima, como se expressa a LG em seu capítulo I. Nessa obra de evangelização, que para muitos é uma verdadeira re-evangelização, passa-se indiscutivelmente pelo restabelecimento entre liturgia (como dimensão experiencial orante-celebrativa da fé) e a catequese (como ensino, instrução, aprofundamento doutrinal). O grande apelo hoje é recobrar essa unidade que havia no catecumenato primitivo, que continua a ser paradigma para nossos tempos. Oficialmente já está realizada tal unidade com a publicação do Ritual de Iniciação Cristã de Adultos. Nele, a partir do cap. I, descrevem-se os processos rituais litúrgico e celebrativos na caminha rumo ao batismo de um adulto não batizado: é a dimensão da mistagogia (iniciação aos mistérios da fé através dos ritos, sinais, celebrações...), esquecida, com raras excessões, ao longo dos séculos. Para completar, a essa dimensão mistagógica deveria-se acrescentar aquilo que sempre foi característica da catequese, ou seja, o ensino e instrução, expresso em geral nos textos chamados catecismos... E, pairando acima de tudo, está o fundamento de tudo: o uso constante das Sagradas Escrituras, nos processos iniciáticos. Com esses três livros: Bíblia, RICA (Ritual de Iniciação Cristã de Adultos) e Catecismo da Igreja Católica (representando a dimensão doutrinal), temos as bases de uma verdadeira iniciação vida cristã. E aí está o paradigma de toda a catequese e evangelização. Mais do que um caminho metodológico, a dinâmica catecumenal é um espírito que deve permear todas as ações da nova evangelização: é o caminho de uma Igreja verdadeiramente missionária. Assim, a catequese que tradicionalmente estava toda ela nas mãos de abnegados catequistas que conduziam todo o processo, hoje já não pode ser considerada uma realidade isolada dentro da pastoral paroquial ou diocese. Ela deve integrar um processo muito maior, chamado Iniciação à Vida Cristã, Lima, Luiz Alves de. A Catequese: do Vaticano II aos nossos dias. A caminho de uma Catequese a serviço da Iniciação à Vida Cristã. São Paulo: Paulus, 2016, p. 32-33. 3

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ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS onde continua sim com a parte mais importante de conduzir e coordenar todo o processo, porém deve urgentemente dar as mãos para a Pastoral Litúrgica, representada pelo RICA, para a Pastoral Bíblica, em geral já bastante presente nos processos catequéticos tradicionais, e outras pessoas e pastorais da comunidade, como a família, os introdutores, acompanhantes ou introdutores, etc. No já citado III Congresso Internacional do Catecumenato, em Santiago, eu afirmava: “Mas o que inquieta hoje é o como fazer! Que metodologias, que itinerários seguir? O RICA, sendo um livro litúrgico, traça o caminho e o ritmo das celebrações, ritos, entregas, exorcismos e outras práticas litúrgico-rituais. Como combinar tais práticas, desconhecidas da tradição catequética durante séculos com a catequese entendida como instrução? [...] Quais seriam os itinerários ou roteiros para colocar em prática o processo do catecumenato na sua totalidade?”4 O DcA é uma das respostas que, como já foi dito, recebeu um prêmio internacional, visto ser um projeto pastoral que, inspirando-se num pequeno texto do Card. Martini, mas muito ousado e provocante, procura caminhos para repropor hoje a união entre liturgia e catequese, através do RICA. Em seu texto, o Card. Martini, explicando o Evangelho de Marcos, descobre alguns rastros do catecumenato antigo, uma verdadeira fonte para a restauração das estruturas catecumenais iniciáticas. Os dois citados sacerdotes, Pe. Gonzalo Abadie e Guilherme Buzzo, ao fazerem os cursos de Catequética no ITEPAL (Instituto Teológico Pastoral de América Latina, do CELAM, em Bogotá) se entusiasmaram com a proposta do novo paradigma da Iniciação à Vida Cristã, disciplina que sugeri integrar o currículo, por ocasião de sua reforma no início do milênio. Ao serem nomeados coordenadores de catequese de suas dioceses naquele momento, onde já havia pequenas experiências de discipulado, assumiram com coragem essa proposta. Tomaram como experiência piloto e uma espécie de laboratório, um típico grupo de crisma da Paróquia Terra Santa. Logo outros colegas colaboradores a eles se juntaram: o Pe. Leonel Cassarino primeiramente, depois os padres Miguel Pastorino, Quinto Regazzoni, sobretudo, o P. Antonio Roselli, da cidade de Mercedes, e vários leigos. Já em 2010, o movimento foi selecionado pelo jurado do II Congresso Internacional do Catecumenato (Assises internationales du Catéchuménat), em Paris, onde o Pe. Gonzalo o apresentou em 08 de julho, sendo bastante elogiado. É nesse quadro de busca de novos caminhos, perspectivas e paradigmas para a evangelização, sobretudo para a catequese que se coloca a experiência uruguaia do DcA.

4 Discipulado catecumenal de Adultos: uma experiência uruguaia A descrição completa desse itinerário de Discipulado catecumenal de Adultos foi apresentado em setembro de 2015, num texto de 89 páginas, incluindo os 14 apêndices, que, como já foi dito, recebeu o Prêmio Martini Internacional em 21 de Maio de 2016. Numa primeira parte descrevia a realidade do Catecumenato na América Latina5 e um breve histórico sobre os fatos relativos ao surgimento do DcA no Uruguay. Numa segunda parte explicava o mesmo DcA, sua dinâmica e originalidade, em dois itens: 4 Lima, Luiz Alves de. A iniciação à vida cristã diante da mudança de época na América Latina. Revista de Catequese 144 (2014), p. 20. 5 O autor afirma ter seguido o esquema de minha apresentação no III Congresso Internacional do Catecumenato em Santiago, em julho de 2014, conforme o texto acima citado na nota 4.

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VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS 1) os textos oficiais que tratam dos processos de Iniciação Cristã, como o RICA, o Diretório Geral par a Catequese, o Catecismo da Igreja Católica, etc., e como se deve proceder nesse novo paradigma iniciático; 2) os aportes do Card. Martini ao DcA6. São esses os elementos desse segundo ponto: 1) Martini revela como a comunidade cristã primitiva entendeu o catecumenato. O Evangelho de Marcos, diz ele, foi o centro do catecumenato antigo, e é “o evangelho do catecúmeno”. Esse evangelho entende a iniciação cristão como um “passar de fora para dentro do Mistério Pascal”. Trata-se de um movimento existencial e experiencial. 2) Martini explica que a linguagem empregada é a das parábolas, ou seja, uma linguagem velada. Isto, com outros elementos, permitiu aos autores do DcA elaborar e colocar em prática uma “metodologia mistagógica”. O elemento principal e central de tal metodologia é a linguagem que se articula numa constelação de símbolos evangélicos. Não é uma linguagem que traduz o evangelho num sistema racional ou doutrinal, como faz em geral nossa pregação e catequese. O DcA utiliza os mesmos símbolos do Evangelho. Não o usa como aplicação, mas essa constelação de símbolos consiste na rede, a na matriz, na linguagem, no sistema que permite aos catecúmenos processar sua fé, pensa-la, expressá-la e ir cada vez mais profundamente em direção ao centro desses símbolos que é Cristo, o Mistério, o Símbolo (“imagem do Deus invisível”). 3) Martini, nos proporcionou tal metodologia, não somente na pequena obra acima citada, mas em outros 13 livros de sua extensa obra, pensados na mesma chave catecumenal, por assim dizer: ele prefere mais a profundidade (o ir de fora mais para dentro) do que a quantidade de informações. Durante o III Congresso Internacional do Catecumenato, realizado em San Tiago do Chile de 21 a 25 de julho de 2014, apresentei essa experiência do DcA, como exemplo do que se faz, na América Latina, em vista desse novo paradigma, mas tão antigo quanto o cristianismo, dos processos catecumenais de Iniciação à Vida Cristã. Naquela ocasião eu dizia: “Na capital Montevidéu está em curso uma interessante e rica experiência, assim descrita pelo Pe. Gonzalo, um dos grandes impulsionadores do Discipulado Catecumenal de Adultos (DcA) no Uruguai: “O DcA começou a ser desenvolvido pelo Pe. Gonzalo Abadie, com um grupo de paroquianos de Montevideo em 2006, não só como um itinerário catecumenal com adultos, mas também como um itinerário de formação de catequistas em chave catecumenal. Tal experiência foi apresentada no Congresso Internacional do Catecumenato em Paris de 2010. Nesse ano (2014) Bettina Paz, iniciada ela mesma no DcA, adaptou-o para crianças, criando assim, o Discipulado Catecumenal de Crianças (DcC). Em 2012 foi elaborado o Effatá/60, um método de Primeiro Anúncio em vista da formação de grupos de Discipulado. Esse conjunto de iniciativas constituem o Discipulado para Todos (DpT). Atualmente há uns 25 grupos de Discipulado presentes em diversas paróquias de três dioceses do Uruguai. Seu desenvolvimento, produção de materiais e iniciativas depende hoje de um grupo de leigos e sacerdotes, em particular do Pe. Gonzalo Abadie Vicens e Pe. Guillermo Buzzo Sarlo. O ponto de partida do DcA nasceu com um pequeno libro do Card. Martini: Evangelho e comunidade cristã. Nele, o autor apresenta Marcos como o evangelho para o catecumenato, e o O autor se refere ao livro: Martini, Carlos M. Evangelio y comunidad cristiana. Bogotá, 1996; o título original é: Vangelo e comunità Cristiana. Vangelo secondo Marco. Torino: Marietti, 1981, 124 p. Porém, foram usadas também muitas outras obras do arcebispo milanês.

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VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS catecumenato como o processo de passar de uma situação do exterior para o interior do Mistério Pascal e da Igreja. Portanto, em Marcos estavam as chaves para estabelecer um primeiro contato com esse itinerário experiencial; ele foi se entrelaçando numa linguagem que atrai por sua flexibilidade e capacidade de adaptação a todos os tipos de situações, pessoas, idades e profundidade, uma linguagem articulada numa constelação de símbolos bíblicos cujo centro e meta é o Símbolo do Mistério Pascal, Jesus Cristo, “imagem do Deus invisível” (Cl 1, 15). O catecúmeno vai processando e expressando sua fé através dessa antiga e ao mesmo tempo pós-moderna linguagem simbólica: estar mais ou menos perto ou longe de Deus, ver mais ou ver menos, optar por iniciar a caminhada, observar como Jesus te chama ao longo de toda tua vida... É uma linguagem que coloca em relação, evoca e abre para a experiência e para os sentidos mais profundos da fé, respeita os processos de cada um, ao mesmo tempo em que consegue avançar através de um itinerário vivido em pequena comunidade. O catecúmeno vai entrando num mundo contemplativo, pois o Mistério que se apresenta supera a própria razão. Talvez por isso, também o silêncio, como lugar do encontro com Deus e contrapartida da Palavra, seja um selo do Discipulado que fascina os que o descobrem. O DcA é um itinerário que segue bem de perto o RICA, com seus 4 tempos e 3 etapas. Não é um programa, não existem aulas, não é um manual, não são meras ideias a serem aprendidas, não se organizam temas. São encontros iniciáticos, mais de cem, que ajudam a passar do exterior para o interior, de fora para dentro. O DcA consegue formar verdadeiros discípulos missionários com forte experiência eclesial e sólidos catequistas com perspectiva iniciática no mesmo ambiente paroquial. Por outro lado, a dinâmica mistagógica do DcA não poucas vezes encontra resistência em meio à mentalidade manualística imperante nos círculos formais da catequese, em meio à quase exclusividade da catequese de crianças, ou a ausência desoladora de toda prática do primeiro anúncio que favoreça o posterior catecumenato, e, ainda se defronta com a falta de sacerdotes que o entendam e assumam. E o pastor é o centro do catecumenato”7.

5 Comentários ao DaC Em entrevista no dia 22 de maio de 2016 ao noticiário católico Zenit, logo após receber o prêmio, o Pe. Gonzalo Abadie afirmava a importância da prática e da teoria, que sempre devem caminhar juntas, na inovação desse paradigma catecumenal: “Prática e teoria sempre estiveram juntas na nossa caminhada. Conhecíamos a “teoria” do RICA, graças aos cursos que fizemos no ITEPAL (Bogotá), mas, como colocar em prática nossos sonhos de uma catequese significativa para os que se aproximam de nós querendo conhecer Jesus, ou conhece-lo mais? O RICA é um alimentador de sonhos, porém, não diz como se deve fazer. Aprofundar-se no RICA (e não há outro caminho para uma renovação catequética) é enfrentar um tremendo desafio, pois ele tem aspirações enormes, muito mais além da mediocridade. Traça um caminho sacramental de encontro com o catecúmeno que proponha a fé como um acontecimento de imersão no mistério, na Vida em Cristo e na comunidade, deixando marcas profundas. Não se pode projetar um catecumenato sem essas premissas. O RICA Lima, Luiz Alves de. A iniciação à vida cristã diante da mudança de época na América Latina. Revista de Catequese 144 (2014), p. 15-16.

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ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS proporcionou a premissa catecumenal, ao passo que os textos do Card. Martini estabeleceram o processo catecumenal. E como texto significa entrelaçado, ao longo de nossas experiências fomos colocando por escrito as experiências”. Pe. Abadie explica que muito se usou dos textos do Card. Martini quando ele explica o itinerário que apresenta o Evangelho de Marcos para os que querem se tornar cristãos. E continua: “Viemos de longe, de uma Igreja humilde, de um pequeno país. O DcA é um itinerário que chega ao coração das pessoas que encontram a alegria e a profundidade da pessoa de Jesus no interior de pequenos grupos, geralmente na paróquia. São pessoas com nomes, histórias, cruzes, esperanças... e pessoas que, sem saber, trazem consigo algo do Card. Martini, pois esse itinerário foi modelado por ele. A cerimônia da entrega do prêmio teve grande importância simbólica e afetiva para todos nós. Martini nos ajudou a repensar a catequese, nos ajudou a propor a Palavra como uma lâmpada para os passos de muitas pessoas, que muito lhe agradecem tal contribuição. E, culminando esse nosso esforço, alcançamos esse prêmio na bela cidade de Milão... justamente quando completamos 10 anos de tal experiência evangelizadora!”. Perguntado sobre a decisão de se inspirar no Card. Martini e em sua maneira de conceber uma catequese de dimensão catecumenal, respondeu o Pe. Gonzalo: “Por que ele, num pequeno livro, mas uma obra prima, mostrou como o Evangelho de Marcos foi, provavelmente, o evangelho que a Igreja primitiva usou como manual do catecúmeno e dos afastados da Igreja. Pensamos, então, em reviver essa experiência, porém atualizada com a mesma perspectiva do Card. Martini ao reler o Evangelho de Marcos. Ele revela como a Igreja nascente entendeu a iniciação cristã, isto é, como fazer-se cristão: não através de uma informação doutrinal, ou com cursos formais, mas como um movimento existencial de fora para dentro. Muitos, afirma ele, que se dizem cristãos, vivem sua condição como pessoas afastadas, distantes, estranhos à vida de Deus e da Igreja; estão na superfície, vivem confusamente... Não tiveram uma experiência vital de Cristo Jesus, e, por isso, não podem vivê-la como algo próprio seu... é algo extrínseco. O Evangelho de Marcos é a viagem para dentro da própria interioridade, de onde tudo se vê, se contempla e tudo começa originar-se em Deus. Por outro lado, Martini explica a linguagem a ser usada com os que estão longe: uma linguagem do mistério, velada, em parábolas, uma linguagem que não mostra tudo imediatamente, mas que convida a uma paulatina descoberta. O catecumenato de Marcos parece os livros de Martini: pouca informação, mas de uma profundidade insondável... E assim é o DcA: de fora para dentro, da superfície à profundidade. Um modo de comunicar o evangelho apoiado não em enunciados intelectuais, mas em força dos símbolos e imagens presentes em cada texto do Evangelho. O itinerário do discipulado que se aplica também aos jovens e crianças, não usa nenhum manual, mas o Evangelho. De fato, diz o Card. Martini: «O significado mais profundo do cristianismo não se encontra na filosofia, nem na dogmática, mas está oculto debaixo do veu das alegorias e dos símbolos, para revelar-se aos que têm entendimento espiritual». A linguagem da iniciação não é predominantemente doutrinal, mas iniciática, mistérica, pois é ela que abre à experiência e se adapta a todas as situações: Para aqueles que estão fora tudo é apresentado em parábolas, de modo que, por mais que olhem, não enxerguam, por mais que escutem, não entendam (Mc 4, 11b-12). Só depois de experimentar a fé, surge a necessidade de uma tradução em categorias doutrinas ou intelectuais”. Explicando porquê é tão importante na Igreja de hoje, retornar ao costume da Igreja primitiva de trabalhar com os itinerários catecumenais na proposta da fé, e posterior formação catequética, o Pe. 94

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VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS Gonzalo diz: “A razão é que devemos propor uma catequese a serviço da iniciação cristã, uma palavra de Deus que ajude a dEle se aproximar, entrar em sua Vida, e não apenas propor conhecimentos sobre Deus. O renomado catequeta espanhol salesiano Emílio Alberich, falava do paradoxo da catequese: os processos da catequese que deveriam ser um processo de iniciação cristã, converte-se, para muitos, em um processo de conclusão... da fé. Muitas pessoas recebem os sacramentos e desaparecem da comunidade... Também o catequeta colombiano Manual Jiménez, um dos inspiradores do DcA diz que a catequese realizada em muitos lugares, é duro dizê-lo, não está a serviço da iniciação cristã. O catecumenato foi a prestigiosa instituição que teve a Igreja antiga para não frustrar os que queriam conhecer Jesus. O Concílio Vaticano II, já há 50 anos, pedia que se restaurasse aquele modo de conceber a catequese. O III Congresso Internacional sobre o Catecumenato, realizado no Chile em 2014, concluiu que já sabemos o que é o catecumenato; agora necessitamos conhecer experiências concretas. A nossa, do Uruguai, já tem 10 anos. O itinerário do DcA não está organizado num formato doutrinal, nem num programa que se desenvolve por temas..., mas é um processo que segue o curso da vida dos catecúmenos em profundidade, que parte de uma situação de afastados e que vão se aproximando; não sabem bem o que é, mas os facina e sempre os surpreende; vão descobrindo aos poucos, enquanto vão compreendendo que suas vidas já não são as mesmas, para entrar, finalmente, no último símbolo, que é o da cruz e ressurreição!”.

6 Outros comentários ao DcA O Card. Martini comenta que a passagem do “estar fora” para “estar dentro” ocorre também hoje com mutíssimos cristãos que se aproximam de Jesus e da Igreja8. Conhecem, mas não vivem; sabem, mas não se identificam com elas. E isso se passa com muitos que estão formalmente na Igreja, mas não tomam consciência do que isso significa, não sentem as coisas de Deus no coração, como algo seu. Por isso o DcA, desde seus inícos abriu as portas também para os que queriam se aprofundar mais na fé, formando pequenas comunidades integradas por adultos não batizados, mas também por cristãos “de missa cominical” desejosos de crescer. A base para organizar todo o DcA e cada uma de suas catequese, foi: como provocar esse movimento de fora para dentro a partir do Evangelho de Marcos? A força não está na informação, como em geral faz a catequese tradicional, mas no anúncio, no querigma. O RICA, precisamente, nos desafia a colocar em ação uma catequese de movimento: passagens, degraus, portas, tempos... e não uma catequese de saberes acdêmicos ou escolares. O Card. Martini descobre-os na trama do evangelho de Marcos. Podemos dizer que seus livros, tão divulgados e lidos em todo o mundo apoiam-se nesse movimento querigmático. Por isso o DcA não só adotou essa concepção catecumenal de Martini, mas também utilizou várias de suas obras para sustentar os cem encontros do percurso desse discipulado. Consequentemente, não se trata tanto de um programa, mas de um caminho existencial, e aí está a grande novidade: sua metodologia mistagógica, Consiste sobretudo numa constelação de símbolos (não de desenvolvimento doutrinal, sistema de ideias ou conceitos). De fato, conforme a intuição de Martini, Jesus não fala da mesma maneira para quem está fora ou afastados e para quem está perto ou dentro: fala em “parábolas”, ou Esse último item se inspira no que foi relatado, pelos dois sacerdotes uruguaios, ao noticiário católico Aléteia. Disponível em: http://es.aleteia.org/2016/05/09/nueva-evangelizacion-hablemos-de-jesucristo. Acesso em: 08 de set. de 2016. 8

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VIVÊNCIAS ARTIGOS VIVÊNCIAS ARTIGOS seja, numa linguagem carregada de símbolos: cegos que vêm, videntes que não vêm, estar fora ou dentro, noite ou dia, ir ou voltar, alto e baixo, subir ou descer, luz e escuridão, caminho, mar, cruz... Mais que apoiar-se num texto da Bíblia, trata-se de plasmar a fé através dos símbolos para pensar, rezar, interpretar, buscar, de modo dinâmico, numa caminhada pessoal e comunitária, num sistema que volta, orienta e se dirige para o símbolo central, que é Cristo, “a imagem do Deus invisível”. Porém, cada um chega a Ele em seu próprio tempo, conforme seu ritmo; não podemos saber previamente quando o catecúmeno fará esse movimento fundamental, iniciático, em direção do Mistério. Somente quando se atingiu determinado limite, quando se realizou certo movimento (que coloca em comunhão de vida) é que Jesus fala claramente, e o símbolo cede seu espaço também a uma linguagem mais conceitual, racional, embora sem abandonar a liguagem mistérica do símbolo. O itinerário do DcA foi compreendendo progressivamente tudo isso, enquanto praticava e ensinava. Talvez, pela primeira vez, por ocasião desse Martini International Award houve uma sistematização de seu desenvolvimento teórico mais completo no trabalho apresentado pelo Pe. Gonzalo Abadie (iniciador da experiência) junto com o Pe. Leonel Cassarino e Pe. Guillermo Buzzo (embora, algo já houvesse sido apresentado nos Congresso de Paris em 2010 e do Chile em 2014). São novos espaços de evangelização, tão solicitados e estimulados pelo Sínodo de 2012 sobe a ova Evangelização. Podemos considerar o DcA como um dom do Espírito para toda a Igreja. Cada vez mais, experiências de primeiro anúncio e renovação da catequese estão surgindo com diversos formatos em todo o mundo. Experiências que não se impõem organicamente à toda a Igreja, mas que, com generosidade e simplicidade vão contagiando as comunidades, as paróquias, despertando um novo impulso missionário e uma vitalidade que não dependem de métodos, mas da renovação da vida cristã, de novos cristãos, discípulos e discípulas do Senhor que se transformam em testemunhos de uma experiência digna de ser compartilhada e vivida. Essas experiências de nova evangelização confirmam aquilo que foi expresso em Aparecida pelos bispos latino-americanos: “A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias latino-americanas e mundiais. Ela não pode fecharse àqueles que trazem confusão, perigos e ameaças ou àqueles que pretendem cobrir a variedade e complexidade das situações com uma capa de ideologias gastas ou de agressões irresponsáveis. Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, que desperte discípulos e missionários. Isso não depende de grandes programas e estruturas, mas de homens e mulheres novos que encarnem essa tradição e novidade, como discípulos de Jesus Cristo e missionários de seu reino, protagonistas de uma vida nova para uma América Latina que deseja se reconhecer com a luz e a força do Espírito” (DAp 11).

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RESENHA ARTIGOS RESENHA ARTIGOS A CATEQUESE: DO VATICANO II AOS NOSSOS DIAS A CAMINHO DE UMA CATEQUESE A SERVIÇO DA INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ

José Rodolfo Galvão dos Santos*

O livro do professor doutor P. Luiz Alves de Lima, salesiano de Dom Bosco, decano do Curso de Teologia do UNISAL – Campus Pio XI, trata com maestria do desenvolvimento catequético a partir da renovação eclesial realizada pelo Concílio Vaticano II. No ensejo de uma Igreja dialogal, aberta ao mundo, capaz de formar discípulos missionários atuantes numa sociedade que não vive mais na antiga cristandade, o Concílio abriu as janelas da Igreja e possibilitou um novo pentecostes. Tratou-se de uma renovação a partir de dentro, pela qual sentiu o sopro vivificador do Espírito e percebeu a necessidade de uma nova hermenêutica e práxis, de uma nova interpretação eclesiológica para uma evangelização eficaz. Nesse sentido, a Igreja voltou seu olhar para os inícios do cristianismo, em que os seguidores do Caminho (cf. At 9, 2), impulsionados pelo Espírito, viveram com profundidade sua fé e evangelizaram uma sociedade alheia aos princípios cristãos. Não se fecharam em si mesmos, mas “foram no mundo o que a alma é para o corpo”, conforme nos diz a Carta a Diogneto (séc. II), e por isso mesmo abriram a tantas pessoas a porta da fé (cf. At 14,27), “que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja” (Porta Fidei 1). Nos tempos áureos da Patrística, desenvolveu-se o processo de Iniciação à Vida Cristã capaz de criar profundas raízes no coração dos novos discípulos de Cristo, dos novos membros da Igreja, tornando-os ramos verdadeiramente frutíferos da própria videira que é Nosso Senhor (cf. Jo 15,5). Bento XVI recorda-nos, na sua carta de proclamação do Ano da Fé (2012-2013), Porta Fidei (PF), que o pressuposto da fé “não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado” (PF 2). Para que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem [sejam também] as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (Gaudium et Spes 1) é necessária uma profunda renovação catequética que esteja a serviço da Iniciação à Vida Cristã. O tema da Evangelização tem sido tão premente, que em 2012 a Igreja realizou o Sínodo dos Bispos sobre A Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã, do qual nosso autor participou como consultor e perito, representante da América Latina. Aliás, é inegável a importância de seu testemunho, pois há 55 anos é religioso salesiano e padre há 46, participando de todo o movimento renovador conciliar. Aproximadamente há 40 anos é, sobretudo, professor universitário, na área de teologia pastoral catequética. Vale destacar ainda que é membro fundador da Sociedade de Catequetas * Religioso salesiano de Dom Bosco. Licenciado em Filosofia e graduando em Teologia no Centro Universitário Salesiano de São Paulo/Pio XI. Contato: jrodolfo.bsp@salesianos.com.br São Paulo, São anoPaulo, 39, n.ano 148,39,p. n.97-98, 148, jul./dez. 2016.

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RESENHA ARTIGOS RESENHA ARTIGOS Latino-Americanos (SCALA), da Sociedade Brasileira de Catequese (SBCat) e do Grupo de Reflexão Bíblico-Catequética (GREBICAT) da CNBB. O professor P. Lima, em seu livro, explana todo o movimento pré-conciliar (cap. I) e realiza uma síntese histórica da catequese desde a Antiguidade até o movimento catequético na Europa e Brasil; aprofunda a obra do Concílio (cap. II), especialmente o espírito do Vaticano II e sua preocupação com a educação da fé, com a liturgia e a vida, a restauração do catecumenato (cf. SC 64, AG 14 e 17) e a reforma do Ritual de Iniciação Cristã de Adultos; reflete sobre a recepção conciliar na América Latina e Brasil e sua influência na catequese entre 1960-1980 (cap. III), destacando os planejamentos pastorais de conjunto, a II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americana em Medellín (1968) e a redação, publicação e aplicação do documento Catequese Renovada. No texto descreve os estudos, documentos e encontros sobre a catequese entre 1970-1990 pelas iniciativas da Sé Apostólica (cap. IV): RICA, Sínodo de 1977, Catechesi Tradendae, Catecismo da Igreja Católica, Diretório Geral para a Catequese; mostra o progresso e a evolução da catequese no século XXI (cap. V), em que se ressalta o valor da experiência de Deus, por meio de uma catequese de inspiração catecumenal, mistagógica, litúrgica, comunitária, bíblica; sublinha a histórica redação do Diretório Nacional de Catequese, a Conferência de Aparecida e seu reforço de uma catequese evangelizadora, e o último documento do CELAM, A alegria de iniciar discípulos missionários numa mudança de época; indica significativa e sistematicamente alguns problemas e perspectivas (cap. VI) urgentes para a renovação catequética no paradigma iniciático. Na conclusão de seu texto, P. Lima retoma as ideias principais, especialmente a origem da catequese na antiguidade dentro do catecumenato, e a necessidade da restauração dessa prática tão importante, capaz de gerar novos filhos para a Igreja, membros comprometidos do Corpo de Cristo, verdadeiros discípulos missionários, evangelizadores e construtores do Reino numa sociedade em mudança de época. A Sagrada Escritura, o RICA e o Catecismo devem ser os três livros que conduzem a Iniciação à Vida Cristã numa lógica comunitária, orante, litúrgico-celebrativa, simbólica, doutrinário-reflexiva. O livro, muito bem escrito, é interessante, profundo e toca o centro da preocupação evangelizadora da Igreja: o zelo com a iniciação dos novos cristãos, pela qual a própria fé dos já iniciados é constantemente renovada, tocada pela ação do Espírito que conduz a comunidade na vivência duma mistagogia experiencial e também racional. Contém dados históricos e reflexões críticas, e o autor descreve o processo de redação e o conteúdo dos fundamentais documentos referentes à catequese na Igreja pós-conciliar, e os principais encontros que tocam no tema da renovação da educação da fé, da incidência dos discípulos missionários na sociedade, da iniciação à Vida Cristã. Singularmente, escrito por uma testemunha auricular e ocular, participante em primeira pessoa dos muitos eventos narrados no texto.

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RESENHA ARTIGOS RESENHA ARTIGOS A CAMINHO DE UMA CATEQUESE A SERVIÇO DA INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ APRESENTAÇÃO DO LIVRO “A CATEQUESE: DO VATICANO II AOS NOSSOS DIAS” Luiz Alves de Lima*

1 Gênese da publicação Em meados de Agosto de 2016 foi lançado, pela Editora Paulus (São Paulo), o livro A catequese do Vaticano II aos nossos dias: a caminho de uma catequese a serviço da Iniciação à Vida Cristã, de minha autoria1. Ele originou-se de um projeto da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mais especificamente de seus Programas de Pós-graduação em Ciências da Religião. Tal projeto consubstanciou- se no Dicionário do Concílio Vaticano II tendo em vista a comemoração dos 50 anos do Concílio, e sobretudo a partir de uma leitura e interpretação da mesma Assembleia Conciliar à luz de nossa recente tradição latino-americana. Essa obra é o resultado da colaboração de setenta e quatro autores e foi prontamente acolhido, e posteriormente publicado pela Editora Paulus2 (2015). Na Introdução do Dicionário, os coordenadores da obra afirmam que organizadores, autores e editores inserem-se dentro da grande corrente que deseja revitalizar a Igreja a partir das inspirações do Concílio Vaticano II3. E citam Paulo VI em discurso, um mês após a conclusão do Concílio: “o Concílio deixa [...] após si algo que dura e que continua a agir. É como um manancial que dá origem a um rio. Pode a fonte estar situada ao longe, mas a corrente do rio nos segue”. Esse Dicionário que ser justamente um dos continuadores da obra conciliar. Após o êxito dessa obra tão volumosa e significativa, a Editora Paulus resolveu, a partir do mesmo Dicionário do Concílio Vaticano II, publicar uma coleção intitulada Marco Conciliar4 a respeito dos

P. Luiz Alves de Lima, sdb, é doutor em Teologia Pastoral Catequética, acessor de catequese na CNBB e CELAM, membro fundador da SCALA (Sociedade de Catequetas Latino-americanos) e do SBCat (Sociedade Brasileira de Catequetas), conferencista, professor no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus Pio XI – nas PUCs de Curitiba e de Goiânia e no Instituto Teológico Latino-Americano (ITEPAL) de Bogotá, editor adjunto da Revista de Catequese, coordenador de redação do Diretório Nacional de Catequese. Participou do Sínodo dos Bispos de 2012, do Seminário Internacional de Catequese em Roma (março 2014) e da redação e publicação de AIDM. 1 Lima, Luiz Alves de. A catequese: do Vaticano II aos nossos dias: a caminho de uma catequese a serviço da Iniciação à Vida Cristã. Coleção Marco Conciliar. São Paulo: Paulus 2016. A capa é um ícone de Cristo Mestre, de dom Marcelo A. Audelino Molinero, osb, que decora a sala magna do Unisal-Campus Pio XI, de São Paulo. O artista foi também estudante de teologia dessa faculdade de teologia dos salesianos. A foto é do graduando em teologia Denis Dutra Marques, salesiano da Inspetoria de B. Horizonte. 2 Cf. Passos, João Décio; Sanchez, Wagner Lopes. Dicionário do Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2015. 3 Idem. Introdução, p. XVIII. 4 Até setembro de 2016 foram publicados 13 títulos da coleção Marco Conciliar. ∗

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RESENHA ARTIGOS RESENHA ARTIGOS principais temas do Concílio e, consequentemente, do Dicionário. Os mesmos coordenadores do grande dicionário foram escolhidos para coordenar a coleção, selecionando os temas e os autores que já haviam colaborado com o Dicionário. Assim, alguns autores foram incumbidos de desenvolver seus temas, retomando os verbetes já publicados no Dicionário, ampliando-os e mostrando seu desenvolvimento no período pós-conciliar. A coleção teria forma de livros pequenos, tendo em vista um público mais amplo do que os do grande Dicionário. Conforme a orientação dos coordenadores cada temática deveria ser abordada sob três aspectos: a orientação conciliar presente nos textos conciliares, o desenvolvimento da questão no período pósconciliar e a sua análise crítica à luz da posterior evolução. Esse tríplice olhar, de acordo com eles, busca conjugar o desenvolvimento da temática do ponto da reflexão teológica, assim como as suas consequências pastorais e sociais. A mim coube, a pedido dos coordenadores da coleção, desenvolver o tema da Catequese. Para maior clareza e completude, e com a aprovação dos mesmos coordenadores, resolvi antepor um primeiro capítulo, dando uma visão geral do desenvolvimento da catequese na Igreja do Ocidente, desde os inícios até às portas do Vaticano II. Faço notar que o subtítulo interno do livro, talvez seja mais importante que o próprio título da capa: A catequese do Vaticano II aos nossos dias. Tal subtítulo, que também encabeça essa apresentação, sugere, por sua vez, a maior preocupação da Igreja hoje a respeito da catequese5. Está assim formulado: A caminho de uma Catequese a serviço da Iniciação à Vida Cristã. De fato, o ideal da Igreja hoje é recolocar a catequese no ambiente litúrgico mistagógico dentro do qual nasceu, ou seja, na dinâmica dos processos de verdadeira iniciação. Na complexidade desses processos iniciático, a catequese, como momento de aprofundamento do mistério cristão, da instrução e conhecimento doutrinal, continua a ser o tempo mais importante e mais longo de todos. Os processos de iniciação, constituem, assim, um dos únicos caminhos para levar os catequizandos e/ou catecúmenos à autêntica conversão e adesão a Jesus Cristo e seu Evangelho, e superando os limites de uma estreita e mera preparação para os sacramentos.

2 Estrutura e temas principais A retrospectiva histórica dos principais momentos da catequese descrita no I Capítulo, divide-se em cinco pontos: penso que o primeiro deles seja o mais muito importante: mostra como a catequese nasceu dentro do catecumenato e a serviço dele. Ou seja: a catequese, com seu aspecto de ensino e educação doutrinal, como chegou até nós, nasceu dentro de um ambiente todo cercado de espiritualidade, de mistagogia, permeado de ritos, celebrações, sinais e símbolos. Era o grande catecumenato, dentro do qual a catequese tinha a missão de instruir, sim, mas a liturgia, o espírito de mística e oração perpassava todo o processo catecumenal. Tais características se perderam posteriormente, permanecendo quase que somente a catequese doutrinal. Isso foi possível, pois sobreveio o clima de intensa cristandade que garantia o clima de fé e espiritualidade que perpassava toda sociedade. Tanto é assim que o tema central da 55a. Assembleia Geral do Episcopado Brasileiro, em 2017, será justamente A Iniciação à Vida Cristã.

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RESENHA ARTIGOS RESENHA ARTIGOS Esse ambiente de predominante cultura cristã (cristandade) é chamado, pelos historiadores, de catecumenato social e é descrito nos itens seguintes, até chegar à idade contemporânea, com suas características, avanços e retrocessos. Ressalto o quinto ponto desse capítulo, onde se descreve com certas particularidades o nascimento do grande movimento catequético que agitou a Europa e a América Latina impulsionando a renovação da Catequese, e preparando as profundas mudanças do século XX. O capítulo II aprofunda a obra do Concílio: estudo da letra e sobretudo do espírito do Vaticano II. A catequese como educação da fé é vista dentro da missão de ensinar dos Bispos, dos presbíteros (Christus Dominus e Prebiterorum Ordinis). Quando se fala da Educação, o documento Gravissimum Educationis situa a catequese no campo do ensino doutrinal, como até aquele momento sempre se afirmou. Mas ao mesmo tempo relaciona-a ao aprofundamento da fé, à liturgia e à vida. Em outros documentos, como Sacrosanctum Concilium e sobretudo Ad Gentes (documento missionário), pede-se a publicação de um Ritual para o batismo de adultos distinto e independente do Ritual para o batismo de crianças. Tal prescrição teve um grande impacto sobre a catequese em geral, como veremos. São rastreados também os outros decretos e declarações conciliares, e sua influência sobre a renovação da catequese. Mais importante do que o pouco que o Concílio disse sobre a catequese, foram os seus dois mandatos: 1) A publicação de um Diretório Catequético Geral, pedido pelo decreto CD e publicado posteriormente em 1971: releva, entre outras coisas a catequese com os adultos e a dimensão existencial da educação da fé. No espírito do Concílio não estava previsto a publicação de um Catecismo para toda a Igreja; tal missão deveria ficar a cargo das igrejas locais. Foi o zelo e autoridade de São João Paulo II que, depois, fez publicar posteriormente um Catecismo para toda a Igreja, como se verá. 2) A Restauração do Catecumenato, solicitado pelos grandes documentos AG, SC, CD, e a consequente elaboração do Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (RICA). Como se disse acima, as consequências desse novo Ritual foi a descrição da longa trajetória de um adulto rumo ao Batismo, e, dentro dela, a catequese como o momento do ensino e aprofundamento da fé. E assim a catequese retornou ao seu lugar privilegiado, que é justamente a Liturgia e a dimensão mistagógica da educação da fé. Essa foi talvez, uma das maiores revoluções que a publicação do RICA veio trazer para a catequese, embora tenha demorado bem 30 ou mais anos para que isso caísse na consciência de pastores e agentes de pastoral, e começasse a se tornar realidade. Como o Concílio Vaticano II foi recebido na A. Latina? O capítulo III refere-se ao imediato pósconcílio, seus desdobramentos na América Latina através da Conferência Episcopal de Medellín, que, por sua vez teve grande influxo de um dos maiores textos do Vaticano II: a Gaudium et Spes. Num primeiro item desse capítulo III mostra-se a origem dos planejamentos pastorais (Plano de Emergência e Plano Pastoral de Conjunto) que deu origem, ao menos no Brasil, à era do planejamento pastoral, que se mantém viva até hoje, com muita influência na catequese. Num segundo item é estudado o mítico ano de 1968, marcados, em termos de catequese, pelo Encontro Nacional de Catequese no Rio de Janeiro, Semana Internacional de Catequese e II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Medellín. Conforme o Pe. José Comblin “o espírito do Vaticano II foi mais bem entendido e aplicado nos documentos de Medellín: uma Igreja pobre, servidora, samaritana, que opta pelos pobres... Aí nasceu, ou melhor, consolidaram-se as 102

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RESENHA ARTIGOS RESENHA ARTIGOS bases teológicas da Teologia da Libertação com seu olhar social a partir e em nome do Evangelho, procurando (e combatendo) não a pobreza em si, mas as causas da geração de tantos pobres em nosso continente, com seus sistemas políticos estruturas econômicas nas mãos dos dominadores. Devido à feroz reação da ala mais conservadora da Igreja, e sobretudo, de uma sociedade baseada numa economia de mercado e do lucro, criou-se um ambiente conflitivo, de confronto, antagonismos, radicalizações. A denúncia dos documentos de Medellín, de injustiças institucionalizadas em nosso pobre e explorado continente latino-americano, mexeu com as estruturas sociais. Porém, mais do que denúncia de um pecado social generalizado nas estruturas sociais e econômicas exploradora dos mais pobres, este foi, sobretudo, um momento de grande profetismo da Igreja, voltada então para os mais pobres, para o povo sofredor, para os excluídos em todos seus níveis. Mas foi também uma época em que muitos cristãos (clero e leigos, sobretudo catequistas) derramaram o próprio sangue: nascia entre nós uma Igreja de mártires. Diante desse abalo na Igreja Latino-americana provocada por Medellín, um outro José (o grande Ratzinger, futuro Bento XVI) irá dizer que na América Latina houve uma leitura equivocada do Concílio... No contexto catequético, o mais importante desse movimento eclesial dos anos 60-80 foi a redação, publicação e operacionalização (como se dizia na época) do importante documento Catequese Renovada Orientações e Conteúdo (maio de 1983, publicado até hoje, alcançando a marca de 40 edições: um verdadeiro best seller!). Nesse documento se encontra a concepção de catequese a partir de uma Igreja embarcada nas lutas sociais do povo, em nome do Evangelho, dando grande valor à comunidade, que é a verdadeira catequista, e à Bíblia. Foi o esplendor das Comunidades Eclesiais de Base, em cujo seio desenvolvia-se uma verdadeira iniciação à vida cristã, impulsionada pela Palavra de Deus, pelas celebrações populares e pela prática do princípio da interação entre fé e vida. Tal princípio de interação significa que a fé ilumina a vida (nosso dia a dia, cultura, relações humanas, nosso jeito de ser...) e, a vida, com toda sua riqueza e pujança, torna-se a categoria principal quando queremos expressar a vida cristã, quer nas celebrações, como na doutrina e na moral. É uma lástima que, um modelo eclesial tão fecundo e renovador, dentro do qual se desenvolveu uma catequese tão viva e promissora, não tenha resistido às mudanças de época que se sobrevieram e... também ao modelo de Igreja que se seguiu. O Capítulo IV volta-se para o que acontecia na Igreja Universal nos anos 1970-1990, por iniciativas da Sé Apostólica, duas décadas riquíssimas para a catequese. Nessa época aconteceram a redação e publicação do RICA, o Sínodo dos Bispos de 1977 sobre a catequese, com a respectiva exortação apostólica Catechesi Tradenadae (1979) de São João Paulo II. São os anos também em que surgem desejos, suscitados e acolhidos pelo Papa Wojtyła, de um Catecismo ou compêndio da fé para toda a Igreja. Apresenta-se então a origem, redação, significado e recepção do Catecismo da Igreja Católica e seu Compêndio, que traz a marca do grande Card. Joseph Ratzinger, então encarregado deste hercúleo trabalho, e depois Papa. Aproveito para fazer referência, nesse capítulo, à presença da Revista de Catequese (fundada em 1977 pelo Pe. Ralphy Mendes de Oliveira); esse periódico, trimestral até 2012 e hoje semestral, acompanhou desde o início o nascimento e redação do Catecismo, mas depois foi acusada de ter colocado resistências à sua acolhida, por parte de um polêmico canonista, conhecido pelo poder midiático que tem e por suas posições conservadoras no clero brasileiro. O ponto alto desses anos ricos de orientações da Sé Apostólica foi a publicação do Diretório Geral para a Catequese (1997). Tinha a finalidade de orientar o “uso do Catecismo da Igreja Católica”, mas, São Paulo, ano São39, Paulo, n. 148, anop.39,100-106, n. 148, jul./dez. 2016.

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RESENHA ARTIGOS RESENHA ARTIGOS felizmente ele vai além dessa inicial finalidade, e trata, estupendamente de toda a concepção moderna de catequese, em todos os seus aspectos e bem na perspectiva eclesial do Vaticano II. Considero tal documento como o ponto de chegada de uma longa caminhada da Igreja percorrida no século XX e o ponto alto de toda evolução da catequese na Igreja até hoje. Conforme esse DGC a Catequese deve ser considerada no quadro geral da Evangelização que anima e impulsiona a Igreja desde o Vaticano II e, mais ainda, nesse fim e começo de milênio. E, nessa mesma linha, esse Diretório releva a importância dos processos de Iniciação à Vida Cristã para a catequese. É dele a célebre afirmação que inspira o subtítulo do livro que ora apresentamos, ou seja: a catequese sempre está a a serviço da Iniciação à Vida Cristã. Assim, ela torna-se verdadeiramente uma evangelizadora. No presente momento realiza-se em Roma uma revisão desse grande Diretório Geral para a Catequese por parte do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. Esperamos que as grandes perspectivas conquistadas há 20 anos sejam mantidas nessa nova edição do DGC. O Capítulo V mostra a evolução e progresso da concepção da catequese já no século XXI, em plena pós-modernidade ou mudança de época, em que o valor da experiência vital de Deus (a fides qua) é muito mais acentuada do que a tradicional catequese ligada aos conteúdos da fé, ou à doutrina (a fides quae): esta está em função daquela, e por isso, a catequese deve estar muito mais voltada à comunicação da experiência de Deus, através da Liturgia, da mistagogia, do que a simples transmissão de conhecimentos e doutrinas. Consequentemente a catequese doutrinal tem sua importância, e devemos valorizá-la, se estiver envolvida num clima de conversão, de oração, de celebração, de ritos sagrados... enfim, se for uma catequese de inspiração catecumenal. Nesse capítulo também se mostra a longa história da redação, publicação e recepção do Diretório Nacional de Catequese (2006), como também as grandes ideias que impulsionam a catequese hoje, juntamente com o evento de Aparecida e o reforço de uma catequese evangelizadora. Aliás, os dois acontecimentos são muito semelhantes, pois foram concebidos e gerados num clima e numa mesma Igreja voltada à nova evangelização, ao discipulado missionário, à utopia de uma Igreja em permanente estado de missão. Esse capítulo se conclui com o documento do CELAM, que é também, uma ressonância, para todo o continente latino-americano, do evento Aparecida: “A alegria de iniciar discípulos missionários numa mudança de época”. Mais uma vez nele se aprofunda o novo paradigma da catequese (a Iniciação à Vida Cristã), ou uma catequese de inspiração catecumenal, mistagógica e muito ligada ao mistério, à oração, liturgia, celebração, ritos, entregas, tempos e etapas, tal qual é descrito no RICA. Faço uma última observação a respeito da aparente mudança de perspectivas que teria havido nessas três últimas décadas. De fato: parece ter havido o deslocamento de uma catequese mais existencial e voltada para a vivência do evangelho em meio às mutáveis realidades terrestres, com grande atenção à opção pelos pobres, impulsionada pela visão da Teologia da Libertação, para uma catequese mais de corte mistagógico, litúrgico...; quase que a mudança de uma Igreja mais ad extra (para fora) para outra mais ad intra (para dentro de si). Creio que não são visões contraditórias, mas complementares. No novo paradigma não se rejeita de maneira nenhuma a preocupação com a vida, o quotidiano, nossas aspirações, a realidade muitas vezes sofrida de nossos interlocutores ou destinatários! O princípio de interação, retomado no Diretório Nacional de Catequese permanece de pé como grande

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RESENHA ARTIGOS RESENHA ARTIGOS proposta. Por outro lado, não podemos cair na tentação de cair no ritualismo ou práticas litúrgicas desligadas da vida, das situações concretas das pessoas, ou fazer celebrações, ritos, entregas, etc, somente por fazer, para executar rubricas... Revalorizando a dimensão mistagógica não podemos cair, de maneira alguma, num espiritualismo vazio e alienante. O documento de Aparecida equilibra muito bem a aparente contradição resgatando alguns princípios saudáveis de Medellín e afirmando, ao mesmo tempo, o valor e a necessidade da redescoberta das celebrações litúrgicas como verdadeiro lugar da experiência cristã, que, por sua vez, se prolonga na liturgia da vida. O Capítulo VI, e último, recolhe, de uma maneira mais sistematizada alguns “Problemas e Perspectivas”: o primeiro deles é a compreensão e consequente realização desse novo paradigma de catequese iniciática. É o trabalho de desconstrução de um modelo de catequese, que, embora até um passado bem recente tenha dado grandes frutos de evangelização, hoje mostra-se esgotado, ineficiente e superado... Trata-se de uma revolução copernicana: a passagem de uma catequese tradicional nascida num regime de cristandade e que tantos benefícios fez no passado (devido ao clima reinante de cristandade), para um modelo mais experiencial, bíblico, mistagógico, litúrgico, comunitário. Nesse novo paradigma, o catequista já não é considerado uma pessoa isolada, com seu grupo de crianças ou adolescentes, preparando-os para os sacramentos da Eucaristia e Crisma. O catequista continua a ser a figura central e mais responsável, sim, pelos processos de iniciação cristã (conceito bem mais amplo que a simples “aula de catecismo”...). É toda comunidade a responsável pela Iniciação à Vida Cristã! Nesse sentido é questionada a própria sequencia dos sacramentos... Não seria melhor: Batismo, Crisma e, no vértice da iniciação, a Eucaristia? De fato, a Santíssima Eucaristia deveria estar no ápice, no ponto algo da iniciação cristã e numa idade em que o catequizando e/ou catecúmeno, alcançasse uma idade mais madura, psicológica e religiosamente, para celebrar e acolher com frutos esse Santíssimo Sacramento. Tal posição já tinha sido proposta nada mais, nada menos do que pelo Papa Bento XVI em sua exortação apostólica de fevereiro de 2007 Sacramentum Caritatis nº 18, e posteriormente, em 2012, reproposta pelo XIII Sínodo dos Bispos em sua Proposição nº 38: “em concreto, é necessário verificar qual seja a prática que melhor pode, efetivamente, ajudar os fiéis a colocarem no centro o Sacramento da Eucaristia, como realidade para qual tende toda a Iniciação”. Outro grande desafio é a questão dos principais destinatários, interlocutores, sujeitos da catequese: com adultos, precisamos de uma catequese adulta, numa Igreja adulta, e o combate incessante contra o pernicioso infantilismo religioso de tantos adultos. Nomeio, apenas, outros desafios aí apresentados: a formação de catequistas para esse novo paradigma e mentalidade de uma catequese iniciática, a formação do clero e religiosos, o uso das Sagradas Escrituras, o papel e a importância do ensino doutrinal, porém dentro do clima mistagógico, e a linguagem da cultura midiática hoje e catequese. A conclusão retoma as ideias principais: a origem da catequese na antiguidade, dentro do catecumenato e a necessidade de restauração dessa prática tão antiga, quanto nova, através da mistagogia: uma educação da fé também através da dimensão orante e celebrativa, litúrgica da fé, dos símbolos e sinais, sem desprezar a dimensão racional da fé, a reflexão, a doutrina; a necessidade de desenvolver itinerários catequéticos onde os três livros da fé (Bíblia, RICA, Catecismo) se encontram e se interagem, com prioridade absoluta das Sagradas Escrituras, o envolvimento de toda a comunidade cristã nos processos de Iniciação à Vida Cristã, e não só os catequistas; finalmente, a busca de

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RESENHA ARTIGOS RESENHA ARTIGOS caminhos para a formação de bons catequistas em vista de uma catequese mistagógico-catequética. Termino apresentando algumas indicações de dois recentes eventos: o Congresso Internacional do Catecumenato realizado no Chile em 2014, e o Seminário Nacional sobre o Catecumenato, em São Caetano do Sul em novembro do mesmo ano. Um dos valores dessa obra, se assim podemos dizer, é o meu testemunho pessoal (ocular e auricular) de muitos dos acontecimentos ou eventos desses últimos 35 ou 40 anos aqui narrados, considerados e refletidos, muitos dos quais participei em primeira pessoa.

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A Revista de Catequese está aberta para a contribuição de todos os pesquisadores na área de Teologia, particularmente de catequética e teologia pastoral em geral. Os textos podem ser artigos, comunicações, traduções, resenhas, experiências, documentos, entre outros. Os textos, de inteira responsabilidade dos autores, devem ser inéditos, reservando-se à Revista a prioridade de sua publicação. Os autores que tiverem seus textos publicados receberão três exemplares daquela edição da Revista. 1 Os textos deverão ser escritos em português, espanhol, italiano ou inglês. 2 Os textos submetidos receberão a avaliação de dois examinadores (neutros), cabendo ao Conselho da revista o direito de publicação ou rejeição do trabalho. 3 Para a apresentação de artigo, devem ser observadas as seguintes orientações técnicas: formato A4, fonte Times News Roman 12; espaçamento entre linhas 1,5; espaçamento simples entre parágrafos, total de 8 a 10 páginas. Margens: superior e esquerda, 3cm; inferior e direita, 2 cm. 4 As citações diretas no texto, com até três linhas, devem ser contidas entre aspas. As citações diretas no texto com mais de três linhas, devem ser destacadas com recuo de 4 cm da margem esquerda com fonte 11, sem aspas. 5 As referências bibliográficas deverão ser colocadas em notas de rodapé (fonte 10), com dados bibliográficos completos das obras citadas (inclusive com numeração das páginas), isso em cada nova obra. 5.1 Citação de livros CODA, Piero. O evento pascal: Trindade e história. São Paulo: Cidade Nova, 1987, p. 10. 5.2 Citação de periódicos (revistas, jornais, etc.): Alves de Lima, Luiz. A situação da catequese hoje no Brasil. Revista de Catequese 37 (2014)143. [37 é o volume da Revista; 143 é o número]. Forma Alternativa: NERY, José Israel. Formação de catequistas: uma urgência no Brasil. Revista de Catequese 121 (2008), p. 2. [121 é o número da revista]. 5.3 citação de monografia, livros e afins: CALIMAN, Cleto. A eclisiologia do Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBANATTO, Vera Ivanise (org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 229-248. 6 A numeração das seções segue o sistema decimal, em algarismos arábicos (como na descrição destas normas). 7 Os artigos deverão apresentar, obrigatoriamente: título, resumo (de 100 a 150 palavras), palavras-chave (no total de 5), introdução, corpo (com subdivisões), considerações finais e referências bibliográficas. 8 Os seguintes dados do autor deverão ser enviados: a última titulação (com indicação da instituição), bem como, atualmente, em qual área atua e onde (instituição ou organização). 9 Os autores serão avisados por e-mail da decisão dos membros da comissão editorial sobre a publicação do texto proposto. 10 Os textos devem ser enviados ao seguinte endereço: catequese.editor@pio.unisal.br UNISAL Centro Universitário Salesiano de São Paulo Unidade São Paulo, Campus Pio XI Rua Pio XI, 1.100 - Alto da Lapa - São Paulo - SP. - 05060-001 catequese.editor@pio.unisal.br

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