PENSANDO A GESTテグ PARTILHADA: A AGENDA 21 LOCAL
Unidade de Polテュticas Pテコblicas - UPP
Sテ」o Paulo, 2001
C
Fundação Prefeito Faria Lima - Cepam
Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal
Ficha Catalográfica elaborada pela Unidade de Produção de Documentação e Informação – UPDI FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Unidade de Políticas Públicas – UPP. Pen-
sando a gestão partilhada: a agenda 21 local. São Paulo, 2001. 148 p.
1. Administração municipal. 2. Agenda 21. 3. Desenvolvimento sustentável. I. Título
CDU: 504.03:352
MENSAGEM DO GOVERNADOR As transformações pelas quais o País tem passado redesenharam as atribuições dos Poderes Públicos, suas relações com o setor privado e com os cidadãos. Os avanços das tecnologias da informação, por sua vez, abriram enormes possibilidades para a Administração, internamente e nas suas relações com a população. Simultaneamente, os governos têm sido tensionados pelo contínuo aumento das demandas da sociedade, justificadas não só pela persistência de um inaceitável déficit social, mas também pela participação cada vez maior do nosso povo na vida política – fator, aliás, muito saudável para a democracia. Para encaminhar as soluções adequadas, o Estado – em qualquer das suas três instâncias constitucionais – vem abandonando aceleradamente o seu papel de produtor de bens e serviços, assumido em decorrência de um modelo de crescimento que já não corresponde às necessidades atuais. Promover o desenvolvimento humano, incentivar a atividade econômica, gerar empregos, estão agora entre as suas principais atribuições. Na verdade, sua importância atual encontra-se na eficiência com que desempenha suas atividades promotora e fiscalizadora e também na prestação competente dos serviços que por natureza lhe cabem. Não é diferente, no âmbito municipal. A contigüidade da comunidade com os poderes aí localizados, a proximidade entre representantes e representados – que nos municípios menos populosos reciprocamente até mesmo se conhecem pelo nome –, além de propiciar um acompanhamento mais atento dos mandatos, impõe respostas ágeis e conseqüentes. Daí a oportunidade desta série de publicações.
Da reflexão sobre a Ética ao esboço de regimento interno para câmaras municipais, das informações sobre os consórcios intermunicipais a esclarecimentos sobre a Lei de Responsabilidade na Gestão Fiscal, uma multiplicidade de temas é apresentada de forma clara e direta, facilitando a consulta e a utilização. Geraldo Alckmin Governador do Estado de São Paulo
APRESENTAÇÃO Diante das transformações que têm agitado profundamente a face do mundo e do Brasil, o município se vê, atualmente, às voltas com situações novas e inusitadas. A globalização, a nova economia, as inovações na tecnologia da informação, certamente, afetam os entes municipais, mas não retiram deles, em absoluto, um papel fundamental na vida pública. Por contraditório que isso possa parecer a alguns, esta nova situação não diminuiu em nada o papel do município, trazendo-lhe, ao contrário, novas responsabilidades. O municipalismo reforça-se com a globalização e a Administração Municipal deve transformar-se e modernizar-se para enfrentar esta nova realidade. É, assim, com o intuito de colaborar com os municípios de São Paulo, seus administradores, empreendedores e cidadãos em geral, neste desafio, que a Fundação Prefeito Faria Lima - Cepam, órgão vinculado à Secretaria de Economia e Planejamento do Estado, organizou esta série de publicações e seminários, cujo tema geral é o Fortalecimento Institucional do Município como Estratégia para o Desenvolvimento Sustentável. O objetivo, assim, é procurar explicar, da forma mais clara, objetiva e prática possível, esta conjuntura plena de desafios e de oportunidades, transmitindo informações atualizadas e confiáveis sobre uma gama de temas que abrangem administração local, responsabilidade fiscal, desenvolvimento sustentável, consórcios e parcerias intermunicipais e tecnologia da informação (governo eletrônico) aplicada ao plano municipal, entre outros assuntos de interesse. Buscando, de forma constante, o desenvolvimento social e econômico do Estado de São Paulo como um todo, a Secretaria de Economia e Planeja-
mento orgulha-se de participar destes seminários e publicações, que certamente contribuirão para o fortalecimento institucional do município, elevando seu padrão de governabilidade. André Franco Montoro Filho Secretário de Economia e Planejamento
PREFÁCIO A presente publicação pretende contribuir para o intercâmbio de experiências, informações e reflexões sobre estratégias de promoção do desenvolvimento sustentável, principalmente no que respeita à sua aplicação no âmbito dos municípios. Caminhar em direção à sustentabilidade exige, além de ações específicas de gestão ambiental, planejamento com participação social, afirmação de valores e negociação de interesses, promoção de parcerias e articulação inter-setorial. Planejamento, porque o livre jogo das forças econômicas e sociais é insuficiente para projetar o futuro da sustentabilidade. Participação, porque se sabe que o planejamento em direção ao desenvolvimento sustentável não se restringe ao Poder Público, já que é, também e, impositivamente, uma tarefa da sociedade. Haveria, enfim, as parcerias entre organizações públicas e da sociedade. De fato, com a articulação entre os diversos setores e as esferas governamentais, não há como não integrar esforços direcionados para os mesmos objetivos. Isto, aliás, já está suposto nos processos participativos de planejamento. O que se propõe a partir daqui, portanto, é a criação de fóruns que propiciem o encontro, a afirmação de identidade, o diálogo e a negociação entre as diversas opções de futuro. Neste sentido, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, recomendou urgência no estabelecimento de pactos entre governos e sociedade civil, por meio da elaboração e aprovação de agendas, com ações e metas a serem atingidas a curto, médio e a longo prazos.
Foi muito a propósito, pois, que o Cepam, órgão ligado à Secretaria de Economia e Planejamento, com mais de 30 anos de atuação junto aos agentes municipais, acabasse sendo convidado como parceiro da Secretaria do Meio Ambiente – SMA/SP, a fim de desenvolver atividades que contribuíssem para alcançar os objetivos gerais por ela traçados no programa Entre Serras e Águas. Como se verá, o que se buscou foi capacitar a gestão territorial, a reforma administrativa e o planejamento participativo em 11 municípios da região serrana, do trecho paulista da rodovia Fernão Dias. A realização de uma Oficina, em sua sede, em 1998, com a apresentação de experiências brasileiras na implantação de Agendas 21 locais, destacando-se as metodologias adotadas, as dificuldades e os avanços, constituiu-se no ponto de partida para subsidiar a atuação do Cepam nesta empreitada. O produto deste debate mostrou-se tão importante e rico, que mereceu a publicação que ora apresentamos. Nos depoimentos transcritos, são definidas algumas trilhas e possíveis linhas de atuação para aqueles que queiram implementar, em suas respectivas comunidades, a Agenda 21 e, assim, estabelecer um Plano de Desenvolvimento Local Integrado Sustentado, orientado pelo conceito de sustentabilidade. Esperamos, desta forma, que a presente publicação venha a contribuir para a reflexão sobre o tema, bem como para instrumentalizar a implementação de iniciativas semelhantes nos municípios brasileiros. Sergio Gabriel Seixas Presidente
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Declaração Conjunta das Cidades e Autoridades Locais
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O Propósito: Partilhar Experiências e Propostas - Hélvio Nicolau Moisés Dificuldades e Avanços em Agenda 21 Local - Samyra Crespo As Oficinas do Futuro - Marcos Sorrentino
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Como Organizar a Participação: A Experiência em Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) - Marcos Ortiz
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Proposta de Roteiro para a Construção da Agenda 21 com o DRP - Alessandro Vanini
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DEBATES ANEXO 1 - Princípios da Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (Documento parcial da Rio-92)
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ANEXO 2 - O que É a Agenda 21 do Pedaço (Transcrição parcial da exposição de Marcos Sorrentino)
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ANEXO 3 - Rapid Rural Appraisal - RRA e Paticipatory Rapid/Relaxed/Rural Appraisal - PRA (Transparências exibidas por Marcos Ortiz)
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ANEXO 4 - Proposta de Intervenção Participativa para a Construção da Agenda 21 - Alessandro Vanini
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DECLARAÇÃO CONJUNTA DAS CIDADES E AUTORIDADES LOCAIS Nós, os líderes de governos locais e autoridades de cidades e áreas metropolitanas do mundo, assumimos os seguintes compromissos.
COMPROMISSOS • Como primeiro passo, trabalhar para estender os serviços básicos para todos os cidadãos sem aumentar a degradação ambiental. • Aumentar progressivamente a eficiência energética. • Reduzir progressivamente todas as formas de poluição. • Desperdiçar o mínimo e economizar o máximo. • Combater a desigualdade social, a discriminação e a pobreza. • Priorizar as necessidades da criança e o respeito aos seus direitos. • Integrar o planejamento ambiental e o desenvolvimento econômico. • Aumentar o envolvimento de todos os setores da comunidade no gerenciamento ambiental. • Mobilizar recursos para ampliar a cooperação entre autoridades locais.
PLANOS DE AÇÃO Para cumprir os compromissos assumidos em relação ao desenvolvimento sustentado das cidades, fica estabelecido que cada autoridade local deverá preparar um plano de ação – uma Agenda Local 21–, que inclua metas e cronogramas, e incorpore medidas como as seguintes: • Estabelecer processos de consulta à comunidade que reúnam representantes de organizações comunitárias, industriais e comerciais, as-
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sociações profissionais e sindicatos, instituições educacionais e culturais, os meios de comunicação e o governo para criar parcerias para o desenvolvimento sustentado; Instalar, dentro do governo municipal, um comitê interdisciplinar para coordenar o planejamento, as políticas e as atividades promotoras do desenvolvimento, para que essas atividades resultem em uso do solo, transportes, energia, construções, manejo de resíduos e gerenciamento hídrico sadios; Realizar, regularmente, auditorias ambientais, envolvendo todos os setores da comunidade, e desenvolver um banco de dados sobre as condições ambientais locais; Rever e aperfeiçoar a cobrança das taxas, multas e impostos municipais existentes para: a) apoiar comportamentos ambientalmente corretos e desencorajar os que não o são; b) cobrar todos os custos ambientais de atividades especiais; c) aumentar os recursos disponíveis para investimento em projetos locais de desenvolvimento sustentado; Desenvolver processos de aquisição que resultem na compra de materiais e produtos que não agridam o meio ambiente; Estabelecer um curriculum sobre desenvolvimento sustentado a ser introduzido em escolas e outras instituições sob jurisdição municipal; Criar um fórum para a educação futura de líderes municipais e comunitários sobre as questões ambientais e de desenvolvimento sustentável; Aderir e participar de redes regionais e internacionais de autoridades locais para aumentar o intercâmbio de informações e assistência técnica entre municípios. E pressionar seus governos nacionais para que apóiem e financiem suas metas ambientais e de desenvolvimento. (Rio-92 - Trecho inicial)
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O PROPÓSITO: PARTILHAR EXPERIÊNCIAS E PROPOSTAS Hélvio Nicolau Moisés1
A maior parte das pessoas presentes nesta oficina tem trabalhado com planejamento participativo, seja em experiências nas áreas de educação ou de agro/ecossistemas, seja na elaboração da Agenda 21 Local. Ao promover esta oficina, o Cepam pretende, em primeiro lugar, propiciar uma oportunidade de intercâmbio de experiências em planejamento participativo, de forma que as pessoas possam mostrar suas realizações e partilhar angústias; em segundo lugar, busca subsídios para poder responder de forma eficiente e apropriada ao grande desafio de trabalho que assumiu no trecho paulista da rodovia Fernão Dias, em duplicação. Muitos dos impactos da duplicação na região já ocorreram. Concluídas as obras, novos impactos continuarão a ser provocados, provavelmente mais acentuados, especialmente no que se refere ao uso do solo, em decorrência do acesso mais fácil e rápido à região. A Secretaria de Meio Ambiente do Estado ficou responsável pela aplicação de um programa de desenvolvimento sustentável na região, a ser implementado com verbas da própria obra. Ela propõe que se pense também na dinamização econômica que ocorrerá na região, e que esta se pre○
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Técnico da Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam
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pare para uma forma mais ampla e diferente de desenvolvimento, não limitada à questão econômica. Para tanto, sugeriu a elaboração de um plano regional de desenvolvimento sustentável. A região “comprou” a idéia. O Cepam participa desse esforço, contribuindo de forma especial no exame, seja das leis ambientais e de uso do solo, seja da própria estrutura administrativa dos municípios, que realizará a gestão ambiental, para verificar se são adequadas à nova realidade. Tudo isso confluiu para a idéia de realizar uma ampla discussão sobre o que a região quer, quais são suas perspectivas, como atua e qual sua disposição em enfrentar esses desafios e, assim, aproveitar as oportunidades. Pareceu-nos boa estratégia desenvolver em cada município uma discussão entre o Poder Público e os setores sociais, inclusive os empresariais, tanto para definir as futuras ações, como para que os diversos atores pactuem compromissos para que todos possam caminhar de forma conjunta no que for julgado prioritário. Sob esse enfoque e pelas informações que temos das experiências em desenvolvimento, pareceu-nos também que a Agenda 21 Local seria um bom instrumento para promover essa discussão e as ações decorrentes. Propusemo-nos, então, o seguinte desafio: sugerir aos municípios a elaboração da Agenda 21 Local. Nossa expectativa em relação a esse encontro, é que os participantes pontuem problemas da própria prática quanto à Agenda 21 ou ao planejamento participativo. Aqui há pessoas que vêm de Minas Gerais, que trabalham com o planejamento participativo e se propõem a desenvolver um trabalho de Agenda 21 Local. Defrontam-se também com questões prévias, semelhan-
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tes às nossas, do tipo: até que ponto o trabalho, ou a experiência que temos acumulada, se aplica a esse? Para participar dessa oficina, convidamos Marcos Sorrentino (São Paulo), Samyra Crespo (Rio de Janeiro), Marcos Ortiz e Alessandro Vanini (Minas Gerais), profissionais de Santos e de Ribeirão Pires que também atuam com a Agenda 21, há algum tempo. Estão presentes também profissionais do Cepam, da Secretaria de Meio Ambiente do Estado e também pessoas que trabalham na área de educação, com a Labor. Após as exposições da Samyra, do Marcos Sorrentino, do Marcos Ortiz e do Alessandro Vanini, haverá uma discussão sobre como enfrentar as questões relacionadas ao desenvolvimento do programa Entre Serras e Águas.
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DIFICULDADES E AVANÇOS EM AGENDA 21 LOCAL Samyra Crespo1
Nunca se fez um levantamento sistemático das experiências de Agenda 21 no País, mesmo porque Estados e municípios, até há pouco tempo, não estavam bem articulados entre si. Não sei, por isso, se a experiência do Instituto de Estudos de Religião - Iser foi a primeira experiência. Com certeza, tivemos, no Estado do Rio de Janeiro, uma experiência pioneira. Nosso trabalho aparece mais porque articula teoria e prática. Muitas instituições só articulam e fazem trabalhos práticos, outras só pensam. Temos duas experiências no Instituto que não são propriamente do Iser. Considero mais interessante, para apresentar nesta oficina, a da Comissão pró-Agenda 21 Local, porque é uma experiência vitoriosa, interessante e está indicando um caminho muito próprio da Agenda 21 Local no Rio de Janeiro. Antes disso, farei uma introdução, considerando, inclusive, os pontos que a organização desta oficina nos enviou previamente como de interesse para debate. O primeiro deles é sobre o que nós, a partir da nossa experiência, consideramos como pontos fortes e pontos fracos das experiências de Agenda 21 que conhecemos. ○
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Doutora e pós-doutorada em Sociologia do Desenvolvimento Latino-Americano pela Columbia University; profissional vinculada ao Instituto de Estudos de Religião - Iser, com sede no Rio de Janeiro; autora do livro O que o Brasileiro Pensa do Meio Ambiente; coordena curso sobre A Teoria e Prática em Meio Ambiente na Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo; orienta teses e cursos como: Orientando a Gestão Local para a Sustentabilidade, de gestão ambiental integrada, voltado aos municípios; tem escrito intensamente sobre a Agenda 21, a sustentabilidade e a questão ambiental. ○
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Vou começar pelos fracos. O primeiro deles é o desconhecimento geral das pessoas, dos técnicos, dos gestores quanto à Agenda 21. Fizemos uma pesquisa nacional de opinião pública e com lideranças. No caso das lideranças, entrevistamos apenas as pessoas ligadas à área ambiental e ao chamado desenvolvimento sustentável. É impressionante como as pessoas não conhecem ou têm um conhecimento muito superficial da Agenda 21. Já ouviram falar, sabem o que é, mas trata-se de um conhecimento superficial. Esse desconhecimento geral indica que o Brasil não fez seu “dever de casa”. Quando o País assinou a Agenda 21, junto com 174 países, na Rio92, comprometeu-se a fazer, no prazo de cinco anos, as chamadas campanhas de Agenda 21. O que coube ao governo federal fazer? Coube-lhe conceber e implementar as políticas indutoras, desenvolver metodologia, convocar os Estados para implementar a Agenda 21, “de baixo para cima”, obedecendo ao chamado princípio da subsidiariedade, segundo o qual o Estado não faz o que o município faz, nem o governo federal faz o que o Estado pode fazer. O governo deveria deslanchar suas campanhas, criar linhas de crédito. Os Estados deveriam começar suas experiências. Como sabemos, isso não ocorreu. E, por essa razão, o Brasil correu um bocado atrás do prejuízo, às vésperas do Rio +5 que foi um encontro de organizações internacionais da sociedade civil, realizado no País em 1997, para avaliar o andamento dos compromissos da Rio-92. Às pressas, o governo juntou especialistas e montou uma comissão cujo formato também não foi facilitador do processo. Assim, não temos ainda – pelo menos da parte do setor público –, nem conhecimento, nem receptividade em relação à Agenda 21. Quando se fala da Agenda 21, muita gente reage assim: “hã?”, “o quê?”. Como já havíamos feito nas eleições de 1996, estamos novamente nos
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empenhando em sensibilizar os candidatos, visto que, nessas épocas, eles ficam receptivos, recebem-nos. Preparamos um pequeno dossiê, com uma página e meia, porque sabemos que eles não têm muito tempo para ler, nem paciência. Tem de ser uma coisa rápida. Muitas vezes, é como se fôssemos ETs. Eles não têm muita idéia do que é a Agenda 21. As iniciativas de organizar as Agendas 21, no Brasil, de um modo geral, partiram das Secretarias de Meio Ambiente, o que tem sido, de um lado, um ponto positivo; e, de outro, um ponto fraco. O positivo é que as pessoas que trabalham na área de meio ambiente, por afinidade e convicção, trazem um elemento muito forte para a Agenda: acreditam nela. Mas, as Secretarias de Meio Ambiente no Brasil são periféricas ao Poder com exceção das de São Paulo e Rio de Janeiro, locais em que sua institucionalização já é bem antiga e forte. Nos demais Estados, elas não têm poder de convocação, seus orçamentos são irrisórios. Assim, em muitos lugares, a fraqueza da Agenda 21 também está ligada a esse aspecto, porque as iniciativas, normalmente, são das secretarias. Ou são elas que presidem os processos. Ou, ainda, vinculam ou tentam vincular as atividades da Agenda aos chamados Condemas, quando são do Estado, ou aos Consemas, quando são das secretarias municipais. Com isso, os conselhos ficam no meio do caminho. Nem cumprem sua antiga missão, nem bem entendem a nova – muito maior e muito mais ambiciosa. É o segundo ponto fraco da Agenda. Fato importante é que a Agenda só funciona com metodologia participativa. Se se olha do lado da sociedade civil, esse é um ponto forte da Agenda. Se se olha do lado de uma cultura institucional, corporativa, fechada, e do ponto de vista de uma cultura política
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autoritária, centralizadora – que é a nossa política tradicional –, então é uma fraqueza. Quando os políticos ou gestores entendem minimamente o que vai acontecer, se levarem a sério a metodologia da Agenda, não se entusiasmam. No Rio de Janeiro, durante campanha feita no interior, muitas vezes os prefeitos nos indagavam: “Mas não tem esse negócio de orçamento participativo, não é?”. Querem logo saber se terão de repartir ou compartilhar decisões políticas e, principalmente, o orçamento e os recursos. Trata-se de fraqueza institucional, de resistência dessa cultura institucional, corporativa, fechada, dos organismos governamentais que não querem saber de atuar com energia. No discurso, dizem que querem; na prática, criam dificuldades. O marco legal também não facilita, não há boa vontade. No entanto, de um modo geral, sempre há pessoas na sociedade que estão à frente, que entendem a mudança, são a favor da mudança. Elas são os aliados potenciais. Em contrapartida, há a inércia da máquina, há resistência. É uma fraqueza da Agenda. Mas não vou ficar no muro das lamentações. Depois vou dizer como é que se mexe com esse negócio. Agora, os pontos fortes da Agenda 21. Um deles, é que ela chega ao Brasil num momento muito favorável, se considerarmos os macrovetores da política de gestão da coisa pública no Brasil. O que eu quero dizer com isso? A Constituição de 88 consagrou o princípio da descentralização política e da municipalização. Isso tem uma consonância direta com a metodologia, com o programa e as metas da Agenda 21. Ela privilegia a ação local e por entender que é na localidade, no espaço concreto do município, que as coisas acontecem, delega à municipalidade e aos municípios (e, portanto, aos cidadãos) a tarefa de di-
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zer como desejam que seja o crescimento ou o desenvolvimento da sociedade e o futuro da localidade. Quem tem território, população e gere serviços efetivamente é o município. O Estado, naturalmente, é uma abstração. Assim, a Agenda 21 não cai de pára-quedas no País. Nessa mudança política mais global do País, há uma afinidade eletiva com a Agenda, particularmente quando se diz que “ela está a favor do fortalecimento do município, privilegia a ação local, inspira e instiga a criação dos instrumentos da gestão local, da nova gestão local”. O segundo ponto forte, considerando do ponto de vista da sociedade civil e dessa nova cultura política que se quer instaurar no Brasil, é justamente sua metodologia participativa, porque ela não é participativa só em relação ao ponto de vista tradicional. Até o início dos anos 80, quando se falava em participação, estava-se dizendo que a sociedade estava pressionando para participar dos furos de decisão política. A sociedade, no entanto, pensava contra o Estado, porque era autoritário, negava direitos, era centralizador. Toda conquista contra o Estado era considerada vitória e apartada do mercado, porque o mercado para esse conceito de sociedade civil no Brasil - sempre apresentou algo dúbio; uma hora, apresentava-se como aliado desse Estado autoritário, regulador; outra hora, era também contra a sociedade civil, no sentido de que essa ideologia associada ao mercado, do monopólio dos preços do capitalismo, sempre foi muito forte no Brasil. Assim, para essa ideologia, a sociedade civil é uma coisa, o mercado é outra, e o Estado também é outra. Um dos pontos fortes da Agenda 21 é que ela traz uma metodologia de diálogo, de conversa entre esses três setores. É a famosa necessidade de criar consenso. Todos os furos de participação existentes na metodologia da Agenda prevêem esse consenso, essa negociação entre os três setores. Como, a partir dos anos 80, passamos a viver o Estado
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democrático, estamos, na verdade, adensando esse processo de democracia no Brasil. Não podemos mais dizer que não vivemos na democracia. Mas também não podemos dizer que a democracia está boa. Estamos adensandoa, porque uma situação era lutar pela democracia com uma bandeira, outra, viver a democracia no seu cotidiano. Está cada vez mais claro que estamos preocupados com a gestão – tanto no sentido estrito, como no sentido lato, no sentido da gestão da coisa pública -; que os instrumentos da democracia ainda estão sendo construídos. Ainda caminhamos por ensaio e erro, movidos pela necessidade de criar esses novos instrumentos de gestão. Aqui a metodologia traz com muita clareza a necessidade de o mercado, o Estado e a sociedade conversarem. Mais do que isso: traz uma ideologia de fundo que é a seguinte: nem o governo faz sozinho, nem a sociedade faz sozinha. Um não pode prescindir do outro, como também ambos não podem “virar as costas” para o mercado, nem para o setor produtivo, se quiserem obter uma mudança qualitativa no desenvolvimento. Isso obriga, de certa forma, os setores a se sentarem juntos, mesmo que no início seja algo constrangido, sem graça, cada um querendo entender qual é a lógica do outro. É um começo. O terceiro ponto forte da Agenda 21 é o que traz uma visão integrada do desenvolvimento e da gestão. Tivemos, nos anos 70, no Brasil, os famosos Planos de Desenvolvimento Integrado e toda aquela idéia da gestão integrada. Assim, nesse sentido, a Agenda 21 não está trazendo novidade. Mas a gestão integrada dos anos 70 fracassou. Por que fracassou? Uma das razões é que o próprio Estado não ajudava, não queria gestão integrada coisa alguma. Agora, ao ressurgir, apresenta-
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se iluminada por uma nova questão, porque não basta simplesmente integrar os vários setores para otimizar o processo; é preciso ter uma visão estratégica dele. Nessa ótica, a questão nova é a ambiental, variável que não estava claramente colocada nos planos de desenvolvimento local integrados dos anos 70. A Agenda 21 também tem, na minha opinião, o ponto forte de trazer essa visão estratégica sobre o desenvolvimento local integrado. Temos de fazer essa idéia ressurgir com força e pautar definitivamente a questão do desenvolvimento a partir da variável ambiental que, em termos de tendência mundial, é irreversível. E quanto às experiências? Como estão acontecendo? Elas são variadas. Aliás, temos um cardápio variado de Agenda 21, o que é ótimo. Se houver só uma instituição, só um Estado, só um grupo dizendo “nós fazemos a verdadeira Agenda”, ela estará fadada ao fracasso, porque o que está embutido, justamente, na metodologia participativa é que a Agenda será fruto da capacidade institucional local, da capacidade de negociação dos grupos locais, do investimento, dos recursos e dos compromissos que a população assumir em relação a ela. Os municípios são muito diferenciados entre si. Há os de médio porte, os de pequeno porte, os com dinheiro, os sem dinheiro, os falidos, os que estão em situação prefalimentar, os que têm algum caixa, etc. É evidente que a Agenda 21 e sua metodologia variam em todos esses locais. Quando falamos de metodologia participativa, falamos, lato sensu, em garantir aos setores a presença nos principais furos de decisão, principalmente nos que chamamos de estratégicos. Agora, como participar? De que jeito participar? A metodologia utilizada pela Prefeitura de São Paulo é diferente da utilizada pela Prefeitura de Porto Alegre. O que acontece na Prefeitura de Porto Alegre é diferente da
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campanha em curso no Estado de Minas, a qual, por sua vez, é diferente da campanha que o Estado de São Paulo iniciou. Não pensemos que é tudo uniforme, não façamos um discurso xiita. Estamos num momento pragmático, queremos ver as coisas acontecerem. Estudamos, lutamos, batalhamos, amadurecemos, e chega uma hora em que queremos ver realizações, estamos cansados de coisas que ficam no papel... Mas é preciso considerar um ponto importante: será que nossa liberdade pode ser tão ampla que cada um pode fazer o que quer e está bom? Acredito que não. Creio que há uma meta maior que supre as agendas e que tem de ser alcançada: a sustentabilidade. Cada país, cada comunidade, cada população vai dizer como se compromete com as chamadas metas de mudanças globais e qual o significado dessas mudanças globais para mudar o vetor do desenvolvimento, rumo ao chamado desenvolvimento sustentável. Então, é obvio que não se pode fazer qualquer coisa. Toda Agenda tem de ter isso claro. Digamos, hipoteticamente, que a população de São Paulo definiu dez projetos. É evidente que não há recurso para todos. Ora, esses dez projetos, que serão prioritários nos próximos cinco anos, têm de ter claros os indicadores de como e em que eles estão contribuindo para as chamadas metas globais, seja do Estado pensando o regional, seja do Brasil pensando o nacional. Um exemplo bem concreto: um dos projetos procura desenvolver uma política intensiva de reflorestamento nesse período, com o objetivo claro de absorver carbono. Isso, naturalmente, contribuiria para a mudança climática, que é uma das grandes metas globais.
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Primeiro, deve haver o indicador econômico que aponta e quanto isso significa de investimento no PIB do Estado e no volume de recursos destinados à área ambiental e à área de desenvolvimento sustentável. Depois, é preciso verificar a contribuição do projeto para a meta nacional, se é que existe. Temos aí uma metodologia. A Agenda não é complicada, mas exige indicadores claramente detalhados. A definição dos indicadores é o ponto mais difícil, não tanto nas experiências políticas de construção da Agenda, mas nos projetos que resultam, efetivamente, do consenso da Agenda. O maior desafio é identificar os indicadores de sustentabilidade. Sem esses indicadores, pode-se fazer projetos muito interessantes, de consenso, mas sem saber se são sustentáveis ou não. Sem critérios não se sabe. Sem indicadores, não se pode dialogar. A gestão de recursos hídricos é feita pelo comitê de bacias, em que entram vários municípios. Esses dados são muito importantes quando, por exemplo, um Estado está negociando o ICMS ecológico, a renúncia fiscal ou o incentivo fiscal, em função de preservação. Se não há indicadores econômicos ou de sustentabilidade dos projetos, não há como negociar. Não pode ser assim: “Acho que merecemos tanto do ICMS porque estamos...”. Voltando à história das várias experiências: cada municipalidade vai encontrar seu caminho político de construção da Agenda 21, mas o limite dessa liberdade é o compromisso com a sustentabilidade. Qualquer projeto deve ter indicadores de sustentabilidade; do contrário, não é Agenda 21. Pode ser qualquer outra coisa, mas não é Agenda 21. Agora, a experiência do Rio de Janeiro. A Secretaria do Meio Ambiente do Estado é recente. Foi criada no governo passado como secretaria especial. Houve uma luta complicada com a câmara, mas o órgão conseguiu ganhar o status de secretaria e reuniu um pessoal técnico jovem, muito dinâmico,
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interessante. Na direção dessa secretaria, estava um ambientalista de carteirinha, Alfredo Sirkis, uma das lideranças ambientalistas do Rio de Janeiro e do País. A secretaria logo encampou a idéia da Agenda 21, porque o secretário – na época, o Alfredo Sirkis – participava do Iclei, organização internacional para iniciativas locais, que foi constituída logo depois de aprovada a declaração da Agenda, com a finalidade de monitorar as experiências da Agenda local. O Iclei tem um formato muito interessante, tipo ONG. Vive da contribuição de seus membros; todos os seus projetos são desenvolvidos a partir dessas contribuições. É quase também um modelo auto-sustentável. Nós, do Iser, que participamos ativamente da Rio-92, também já assumimos esse compromisso. O Iser é uma organização muito antiga. No Rio de Janeiro há uma porção de ONGs grandes: Fase, Ibase, Iser. São entidades chamadas de Organizações de Desenvolvimento, que movimentam recursos expressivos. Nos anos da ditadura, viviam com recursos da cooperação internacional. Por serem Organizações de Desenvolvimento, tiveram de fazer a inflexão para o desenvolvimento sustentado e então se aproximaram muito do trabalho ambiental. A maior parte delas desenvolveu departamentos e projetos de meio ambiente, e é aí que me encaixo no Iser. Dado o fato de o Iser não ser uma organização ambientalista no estrito senso, a questão do desenvolvimento sustentável colocada pela Agenda 21 cai como uma luva: o instituto sempre teve por objetivos, entre outros, a democratização da sociedade, o fortalecimento da sociedade civil e o desenvolvimento. O Iser juntou-se à Secretaria e assim começamos a desenvolver uma série de materiais e de campanhas. Realizamos dois seminários anuais, um em 1995 e outro em 1996, até o processo amadurecer e surgir a idéia de se fazer a comissão pró-Agenda 21.
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Foi uma atitude inteligente, porque no instituto poderíamos ter criado a comissão. Seria uma comissão do Iser, ou então a Secretaria poderia ter feito um conselho “de bate pronto”. Sentimos, no entanto, que se a comissão ou a Agenda 21 ficasse identificada com um governo ou com uma instituição, logo perderia o poder de convocação. Por quê? Porque, quando muda o governo, tudo o que o anterior fez não presta mais. Da mesma forma, se é uma única organização - e nós lá temos nossa concorrência, nossas disputas, etc. - o processo ficaria comprometido rapidamente. A idéia era fazer uma união suprapartidária, supra-organizacional e, principalmente, voluntária, para não criar logo no início a disputa pelos recursos. Então criou-se uma comissão inicial com 21 pessoas; as que compareciam aos seminários e que demonstravam interesse em trabalhar gratuita e voluntariamente pela comissão, de acordo com o espírito pretendido. Queríamos também que houvesse representantes de todos os setores, mas que não estivessem ali representando organizações desses setores e dizendo: “Eu vim aqui em nome da câmara dos vereadores”. Não. Seria um trabalho de pessoas, do tipo: “vamos apostar nessas lideranças”. Montamos a comissão com a idéia de que a cada ano agregaríamos 21 novos membros. Tanto é que agora, passados dois anos, o chamado conselhão é integrado por 42 membros. Participam deputados estaduais, vereadores, secretários de Meio Ambiente do Estado e do município, representantes das associações empresariais locais (Firjan e Associação Comercial), representantes de ONGs e de alguns conselhos, um representante da Caixa Econômica Federal e de alguns gestores. Esses últimos lidam com grandes projetos integradores, do tipo favela-bairro. O conselho começou a funcionar assim. Nossa idéia era essa, muito pé no
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chão: “vamos começar com uma campanha”. E começou-se então com uma campanha. Primeiro, tivemos de explicar para as pessoas o que é Agenda 21 Local. Para isso, foi preciso nos tornarmos facilitadores. “Não vamos ser os formadores, os ideólogos da Agenda 21, nem os professores da Agenda 21. Vamos ser os facilitadores”. Então elaboramos alguns instrumentos, fizemos vários materiais, um tanto simplórios, porque a comissão não tem recursos. Fizemos uma cartilha chamada: 21 Perguntas e Respostas para Você Saber mais sobre Agenda 21. É algo do tipo “Como é que eu faço?” “Serve para meu bairro?”, “Posso fazer no meu bairro?”, “O que acontece se o prefeito não fizer?”, “Como é a Agenda 21 nacional?” “Como é que a Agenda nacional junta com a estadual?”, “Como é que a estadual junta com a municipal?”, coisas assim. O processo de fazer também foi muito interessante. Cada membro listou as perguntas que achou importantes, elegemos aqueles que entendiam mais de um assunto ou de outro para respondê-las, e nós mesmos fizemos a cartilha. A Alerj (gráfica da Assembléia Legislativa) imprimiu. Já estamos na segunda edição. Editamos dez mil e, depois, mais dez mil. Esse material acabou virando referência em todos os Estados. Foi bacana porque eles fazem e colocam o crédito para nós e tudo mais. Fizemos também com a prefeitura, no caso com a Ismac, esse manual que eu trouxe. Ele se chama Agenda 21 local, Guia do Cidadão. É uma cartilha em que explicamos o que é Agenda 21, as vantagens e as desvantagens, e damos dica sobre os instrumentos que podem ser utilizados para realizar a Agenda 21. Bem be-á-bá, destinadas, principalmente, às comunidades. Assim, mostramos como se faz o brain-storming e a pesquisa na comunidade, como se elegem prioridades, como se desenvolvem projetos, como se envolvem as autoridades locais e coisas desse tipo.
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Além desse manual, também editamos o boletim Agenda 21 Rio e Ações para um Futuro Sustentável., no qual tentamos monitorar todas as iniciativas no Estado ou no município que tenham a ver com a Agenda 21. Fazemos sempre uma ligação com o processo nacional, dando informes também sobre o andamento estadual. Por meio desse boletim e desses materiais, desenvolvemos, recentemente, uma apostila, que traz o estado-da-arte de todas as experiências da Agenda 21. Isso também foi possível porque começamos logo, e ficamos numa posição muito privilegiada. Somos, por isso, chamados para participar das outras experiências, inclusive da nacional, o que nos propiciou uma visão de conjunto. Participamos das seis experiências brasileiras – com “o espírito” da Agenda 21 –, que o Ministério do Meio Ambiente coletou para apresentar na Assembléia de revisão da Agenda da ONU, em Nova Iorque. Tudo isso nos permite atualizar permanentemente o material que editamos. Fizemos uma apostila de monitoramento de todas as experiências, levantando, inclusive, os problemas de umas e as vantagens de outras. Em que estágio estamos no Rio? A comissão foi formada em julho de 1996. Em dois anos, conseguimos propor e aprovar uma lei municipal que criou o Fórum da Agenda 21 Local. A única perda foi que a Secretaria do Meio Ambiente passou a coordenar o Fórum, e o prefeito a presidi-lo. Havíamos nos empenhado intensamente para que o Fórum fosse coordenado conjuntamente pelas Secretarias de Planejamento, de Meio Ambiente e de Desenvolvimento e Obras. O Fórum está em fase de implantação. Primeiro, todas as organizações que trabalhavam com a Agenda 21 foram convidadas para participar de três reuniões na prefeitura, durante as quais se estabeleceu a metodologia de convocação dos atores. Temos, em conseqüência, oitenta vagas no Fórum. Essas vagas são usadas por todas as organizações civis do Rio de Janeiro.
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Qualquer conselho que reivindicar terá uma vaga. É um “conselhão”. Como vai funcionar? Estamos na fase de formação. Todas as pessoas que se candidataram a ser conselheiros estão participando de seminários para saber o que é a Agenda 21. Não adianta só criar conselhos. Quero frisar: criou-se no Brasil uma “febre dos conselhos”, fruto do represamento da vontade de a sociedade participar. Cria-se conselho disso, conselho daquilo, e a experiência está mostrando, em primeiro lugar, que não há tanto técnico para estar nos conselhos; em segundo lugar, que as pessoas que têm poder de decisão não vão, em geral, aos conselhos, enviando seus subordinados. Escolhem normalmente quem está mais desocupado nas secretarias para ir, e cada vez vai um. Da mesma forma, do lado da sociedade, muitos dos participantes não foram qualificados para o assunto e esbarram nas questões que são, na maioria das vezes, técnicas. Os conselhos têm, assim, pouca operacionalidade. Digo isso com tristeza, porque fui grande entusiasta deles. Não perdi o entusiasmo, mas creio que é preciso reformá-los, desde a metodologia de formação e convocação, até a qualificação de seus integrantes. No Rio, estamos em processo de qualificação dos conselheiros. Eles participam de três seminários e, no final, dizem se querem ficar ou não. Pode ocorrer que uma pessoa entre num conselho desses e quando descobre do que se trata, diga: “Bom, eu nada tenho a ver com isso”, ou “Esses assuntos não me interessam”, ou “Eu não me sinto à vontade nisso”. Outra vitória da comissão foi ter proposto e obtido a aprovação da constituição do Fórum Estadual, contra o veto do Executivo, que levantou contra ele uma firula jurídica qualquer. Fizemos lobby e conseguimos
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derrubar o veto na Assembléia. Todos foram falar com os deputados. E a Agenda 21 é isso. Temos deputados e vereadores na comissão, e eles conhecem a cultura política das suas casas, sabem o caminho das pedras. Isso facilita muito. Quando alguém diz, “E agora? Vetaram a lei”, logo se sugere: “Não, vamos falar com o deputado tal, que é o líder”, “Vamos fazer isso, vamos fazer aquilo.... Eles sabem, nós não sabemos, nós não somos obrigados a saber de tudo”. Nesse caso, ter vários atores facilita. Agora estamos discutindo a metodologia da Agenda estadual, e na qual o próprio Estado envolveu suas duas universidades. São essas as conquistas mais relevantes da comissão. Estamos também assessorando a Secretaria de Educação, que escolheu o tema da Agenda 21 para a campanha educacional dos dois próximos anos. Suas cartilhas, os treinamentos de professores, as jornadas de reciclagem, tudo vai conter a questão da Agenda 21. Participamos de um ciclo de seminários para a Agenda municipal, como observadores e palestrantes. O prefeito Luís Paulo Conde determinou que todas as secretarias enviassem seus técnicos a esses seminários - assim, por lote. Manda cinco, depois mais cinco, e cada Secretaria tem que disponibilizar cinco técnicos. Devem entender, afinal de contas, que raio é esse de desenvolvimento estratégico, desenvolvimento integrado, porque as Secretarias têm de conversar entre si. Não adianta licenciar uma obra aqui e a Secretaria de Meio Ambiente vir dizer que não podia licenciar e corre atrás do prejuízo, abrindo um buraco aqui, tampando outro ali, como costuma acontecer na gestão pública. Sendo otimista, avalio que o processo vai bem; não sendo excessivamente otimista, diria que estamos no início. Não se sabe aonde isso vai dar.
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Agora temos uma reivindicação nova, que é a de conseguir o orçamento participativo em “doses homeopáticas” O orçamento participativo é o horror do pessoal que não é do PT. Passa-se a impressão de que é só o pessoal do PT que gosta do assunto, porque os gestores de todas as experiências municipais que têm o orçamento participativo, coincidentemente, são do PT. No Rio, estamos conseguindo obter de governos que não são do PT a aceitação da idéia de ter um orçamento demonstrativo: 10% do orçamento de investimento têm sua aplicação definida em orçamento participativo, como processo demonstrativo, para projetos da Agenda 21. Parece que essa idéia está mais palatável. Para terminar, o ano é eleitoral e o terreno é minado, mas a comissão está numa posição muito confortável, porque não está identificada com qualquer governo, e há vários setores na comissão. Tem até gente ou partido mais da direita, lá no Rio, mais expressivo, que é o PFL. Esse formato é algo que inventamos no processo e que está dando certo e pode funcionar em alguns lugares.
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Começo fazendo contraponto à Samyra e dizendo que sempre discuto com ela. Vou começar discordando, porque não estou tão otimista. Nosso processo participativo de elaboração da Agenda 21 vai mal, obrigado. O nosso não, o do País, do qual a Samyra tem mais condições de falar. Posso falar do processo de que participamos em São Paulo, sobre o qual fui convidado para fazer um depoimento. Eu e a Celina – que está presente mas não quis vir à mesa – viemos para falar. Trouxe dois vídeos de oito minutos, em que descrevemos o método que utilizamos nesse trabalho chamado de Agenda 21 do Pedaço. Vou explicar por que “do pedaço” e não “local” e o porquê de uma série de coisas que estarão embutidas na minha fala. ○
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Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da USP; pós-doutorando, desenvolve pesquisa sobre o tema Planejamento Participativo e Educação Ambiental; é sócio-fundador e participante ativo de diversas entidades ambientalistas, tendo sido representante das mesmas junto ao Conselho Estadual do Meio Ambiente - Consema, Conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente, Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e Coordenador Regional (Brasil) da Rede de Educação Popular e Ecologia do Conselho de Educação de Adultos da América Latina, professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - Esalq, da USP em Piracicaba; é orientador de vários projetos de Educação Ambiental em curso no País e coordenador técnico do programa de educação ambiental do Programa de Canalização de Córregos, Construção de Vias Marginais, Reassentamento de Famílias e Implantação de Áreas Verdes nas Regiões leste e Norte de São Paulo - Procav, no período entre 1996 e 1998.
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Primeiro, o contexto: a gestão Erundina, 89/92. Na gestão dela, ou talvez um pouco antes, um lobby de entidades ambientalistas pressionou o BID para que incluísse as dimensões educacional e de repovoamento vegetal no processo de aprovação de recursos para canalização de córregos em São Paulo. O BID concordou. Foram aprovados em torno de US$ 560 milhões para a canalização dos córregos, e cerca de US$ 5 milhões para um trabalho de educação ambiental, que acompanhasse as obras. Independentemente da nossa discordância quanto a ser essa a solução para os problemas de enchentes no Município de São Paulo, as obras seriam feitas. Eram reclamadas pela própria população e apontadas pela engenharia, pelos técnicos, como a solução mais adequada no momento. Abriu-se uma concorrência pública para a realização do trabalho de educação ambiental. Nesse processo, uma empresa – a Cógito Consultoria e Planejamento, que a Celina representa - nos procurou, por conta do Instituto Ecoar para a Cidadania – uma ONG de São Paulo, que trabalha com educação ambiental e reposição florestal –, e propôs que fizéssemos uma parceria para dar conta desse desafio, participar dessa concorrência e implantar o projeto. Participamos. Todo o processo foi muito rico como aprendizado de parceria entre uma ONG e uma empresa; em termos do cotidiano, dos desdobramentos em termos de ação. Parece-me que a riqueza do processo está no conflito que a todo tempo emerge. Emerge conflito na relação com a empresa, pois, apesar de termos muitos amigos e muitas coisas em comum, sempre existem leituras, culturas muito diferentes. Emergem conflitos, principalmente, na relação com o Estado, que tem muita dificuldade em promover processos de terceirização, que não sejam para a iniciativa privada.
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Normalmente, o Estado lava as mãos e diz: “Olha, toma o dinheiro e faça o que quiser”. No nosso caso, no entanto, havia o compromisso de o Estado acompanhar o processo. Os técnicos da prefeitura não queriam que se “lavasse as mãos” na base do “toma o dinheiro e faz”. Tanto é que foram eles que garantiram a lisura do processo de licitação e que houvesse uma perspectiva de capacitação dos próprios técnicos da prefeitura, nesse trabalho todo. Não se trata de algo monolítico. Há horas que a gente desabafa: “Esses caras não querem nada? São uns vagabundos, funcionários públicos mesmo, não querem trabalhar”. Noutro momento, a gente emenda: “Não, esse pessoal é sério, está encarando firmemente todo o processo, etc.”. Só estou dizendo essas coisas para mostrar que é muito grande a diversidade dos atores que se envolvem num processo participativo e que a relação é muito conflituosa. Da tentativa de gestão desse conflito, decorre o aprendizado. Têm-se estabelecido normas para gerir esse conflito. Muitas vezes, não são as melhores para nós das ONGs, nem as melhores para as empresas, nem as melhores para os funcionários da prefeitura, nem para os chefes dos funcionários da prefeitura, mas são as normas possíveis para aquele momento. Até agora só falei de superestrutura, de acertos, de reuniões, de parcerias. E o trabalho educacional, o trabalho na base? Como é que se pode falar em envolvimento participativo de cidadãos, de cidadãs, para que eles e elas se eduquem nesse processo e contribuam para a construção de uma Agenda do Município, ou uma Agenda da Região? Falar em município em São Paulo é muito complicado. Estou chegando do Mato Grosso do Sul. A população daquele Estado soma em torno de 1,8 mil
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pessoas. A população com a qual trabalhávamos nas Zonas Norte e Leste da Capital paulista era estimada em três milhões de pessoas. Então dizemos: “Bom, falar em Agenda 21 local no Município de São Paulo, não é aquilo que estamos querendo fazer”. Queríamos um processo que promovesse a participação de cada um, de cada indivíduo, que o processo de elaboração da Agenda do município viesse de baixo para cima. A Prefeitura de São Paulo tem uma Agenda 21: é fácil de ler. Nem os funcionários dentro da própria prefeitura tiveram plena participação nessa discussão. Há uma alienação. O que a Samyra aponta de distanciamento do funcionário, do técnico em relação à “Agenda o quê?” – como perguntam no Mato Grosso do Sul –, é o que temos vivenciado. Quando apresentamos a primeira proposta a um candidato a governador de Estado, com o qual estamos discutindo a questão da Agenda 21, ele também perguntou: “Agenda o quê?”. Explicamos o que é. Como cumprir essa louca ambição de tornar cada indivíduo, cada cidadão, participante do processo de construção do futuro daquele espaço, daquele município, daquela região? Começamos, então, a falar que o processo, para ser de fato participativo, precisa ter uma outra unidade geográfica. Pensamos no bairro e acabamos chegando à conclusão de que nossa unidade seria o pedaço, o pedaço caracterizado como uma teia de relações de indivíduos que tenham afinidades entre si, construídas por laços de parentesco ou por laços de amizade, por uma série de práticas que já tornava possível essa convivência, essa vontade de decidir junto sobre determinadas coisas. Além de jogar truco juntos, de ir ao jogo de futebol juntos ou de falar mal da vida dos outros juntos, nos indagávamos se também seria possível que as pessoas colocassem nas suas agendas de conversas temas como “O que
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nós queremos do nosso cotidiano?”, “Quais são os nossos sonhos?”, “Vamos compartilhar os sonhos?”, “Vamos compartilhar os problemas, a nossa interpretação dos problemas da nossa realidade?”, “Vamos compartilhar a nossa capacidade de oferecer resposta para superar esses problemas que estão sendo detectados na direção dos sonhos e que são coletivizados na hora que a gente expõe um para o outro?”. Em nosso processo de preparação da Agenda 21 do Pedaço, nas Zonas Norte e Leste de São Paulo, propusemos a criação de grupos de “pesquisação” participativa – aos quais chamamos de grupos “Papi e Mami” –, para que, ao pesquisar sua realidade, as pessoas se capacitassem para intervir sobre essa realidade, no sentido de ter mais repertórios e conseguir se sentir mais potentes, acreditar mais no próprio taco para falar: “Não, mas isso aqui a gente pode mudar”. E como é que se contribui para que os indivíduos se sintam potentes, numa sociedade como a nossa, que nos esbofeteia todos os dias? Que nos mostra na televisão, a todo momento, em todo local: “Olha, cai fora, você não conta, você não tem importância para o destino do mundo, para o destino do Brasil, do município, etc.”. Quando digo que a Agenda 21 vai mal, é porque não conseguimos essa participação ativa. É nosso desafio. Tivemos alguns indícios, alguns indicativos de que caminhávamos na direção correta. Caminhávamos, porque, naquela questão do contexto, faltou eu informar que desde julho a Prefeitura do Município de São Paulo não nos paga. O consórcio tem uma enorme dívida, demitiu 60 pessoas, entre técnicos e outros funcionários, desde julho do ano passado. Estamos esperando a prefeitura saldar essa dívida, para dar continuidade ao trabalho. O processo educacional não se faz por soluço. Não é como comprar papel higiênico na prefeitura, ou como asfaltar uma estrada ou
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rua, situações em que, na hora em que acaba o dinheiro, pára-se e, seis meses depois, recomeça-se. No processo educacional, ao contrário, temse de capacitar recursos humanos, envolver pessoas, ter credibilidade junto ao público com o qual se trabalha. É condição para que aconteça uma Agenda 21 não tecnocrática, não de elite e sim de base e como pretexto para iniciar um processo educativo que deflagre outros processos participativos nos quais a população tome nas mãos a construção do seu próprio destino. Para nós, a Agenda 21 é um pretexto. Eu concordo com a Samyra quando diz que, muitas vezes, as pessoas não sabem claramente o que vai acontecer e, por isso, apóiam a Agenda 21. O processo participativo é complicado, não só para os governantes, mas também para quem gerencia o processo. No caso do consórcio, queríamos montar grupos de pesquisação participativa. E aí a estrutura hierarquizada de decisão tinha de ser abalada. Papéis diferenciados podem ser mantidos, mas tem de haver instâncias legitimadas pelo conjunto de participantes e reconhecidas por esse conjunto; instâncias em que seja permitida a participação de todos - o que rompe com a cultura até dos alternativos. Até nós, que sempre estivemos num movimento ambientalista, que sempre estivemos em espaços universitários – mais simpáticos a essa idéia de participação, de tomada de decisão em conjunto –, quando temos o poder na mão, ficamos entre a alternativa pragmática do resultado e a alternativa da participação – mais pragmática mas, em geral, mais difícil no começo. No início, as alternativas participativas geram muita turbulência. Ela só é superada com a profunda convicção da importância do processo como formador de recursos humanos para enfrentar diversos outros desafios. Superadas essas fases iniciais de turbulência, consegue-se entrar em
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momentos de produtividade muito maior que nos processos que já começam hierarquizados e sem o “vestir a camisa” por parte de cada um dos participantes. Esse foi um grande aprendizado para nós. Enfrentamos todo o processo de turbulência, tanto no nosso Papi 1 – o grupo de pesquisação participativa formado com nossos próprios técnicos –, como nos demais Papis que se formaram nas periferias da cidade. Tivemos momentos de insônia, de vontade de largar tudo e dizer: “Não, aqui quem manda sou eu; agora a situação é essa, você faz isso, você faz aquilo”. Com o andar da carruagem, conseguimos encontrar um modus operandi, uma forma de trabalho, que possibilitava que a criatividade de cada pessoa, a iniciativa de cada pessoa, não fosse apagada por um processo que o distanciaria da tomada de decisão. Essa foi a lógica de todo o trabalho. Realizávamos o que chamamos de “oficinas de futuro”. Tínhamos uma disputa: alguns técnicos diziam que era “oficina do futuro” e sempre discutíamos: “Mas é oficina do futuro, ou é oficina de futuro?” O método não pode ser camisa-de-força. Sempre tivemos muita dificuldade em deixar isso claro para os nossos técnicos. De um lado, todo mundo reivindica uma postura mais libertária, de não se querer cartilha - principalmente as pessoas criativas, críticas. Querem ter total liberdade de fazer. Mas, de outro, quando sentem a total liberdade, as pessoas sentem-se inseguras, querem método, orientação. “Não, a gente precisa de uma orientação...”. É preciso aprender, nesses processos, como trabalhar com a segurança e a insegurança das pessoas. Nossos técnicos, nas primeiras vezes que foram a campo, apresentavam essas dúvidas.
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Até por questões conjunturais, tínhamos a esperança de que o Pitta não fosse eleito e tivéssemos mais condições de iniciar um processo mais profundo de participação assumido. Chegamos depois à conclusão de que isso também é relativo: há governos mais à direita que, às vezes, facilitam mais a participação do que governos mais à esquerda. No começo do trabalho, ainda no final da gestão do Maluf, conciliamos duas coisas: uma, era a expectativa formal de se fazer um diagnóstico com dados secundários, uma pesquisa quali/quantitativa em moldes bastante acadêmicos; a outra, a de não ir a campo ainda. Ponderou-se: “Nós vamos para o campo agora, no final de um governo e daqui a quatro meses, cinco meses é eleito um novo governo. Vamos esperar esse final de 1996 para fazer o trabalho de levantamento de dados secundários, de pesquisa quali/quantitativa e uma primeira aproximação dos técnicos com a realidade do campo”. Na sua maior parte, os técnicos são pessoas que não saem dessa região da periferia, o que também é algo a ser questionado. No nosso aprendizado, no entanto, esse fato foi interessante, porque a incorporação desses monitores locais, dessas pessoas da periferia, foi também processual. No processo, fomos descobrindo, dialogando com essas pessoas e incorporando-as como técnicos ao trabalho, com maior clareza de para onde o programa queria caminhar. Naquele processo anterior, esses técnicos, que começaram ir a campo, indagavam: “Mas aonde é que nós vamos?”, “Quem nós vamos entrevistar?”, “O que faremos no campo?”. Respondíamos: – Olha, vai com um olhar distraído.
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– Olhar distraído? Como assim? – Vai para sentir! Pega o outro, como a gente faz quando viaja... Acho que todo mundo aqui já viajou de carona, já andou pelo País. Aquela coisa de “sabe?...”, senta do lado de uma pessoa no ônibus, começa a falar e descobre um monte de coisas da pessoa. Descobrimos o mundo quando estamos de férias, soltos. – Vai assim! No metrô, conversa com um, chega lá no bar e já pergunta se eles sabem de alguma coisa, de alguma iniciativa. Assim, os técnicos descobriram coisas muito interessantes de lideranças não estruturadas, não formalizadas; não era o presidente da associação de moradores. Mapeamos isso pelo levantamento dos dados secundários. Num segundo momento, apresentamos essas informações aos nossos técnicos para que iniciassem o processo de construção dos grupos de pesquisação participativa. Foi muito importante o que ocorreu no primeiro momento. Eles adquiriram um repertório a mais, graças à descoberta de repertórios existentes ali naquela região; descobertas de lideranças, de experiências bem-sucedidas e de uma série de outras coisas. Tudo isso possibilitava, num segundo momento, deflagrar esse processo de construção dos grupos Papi - quando as lideranças eram convidadas a participar das oficinas de futuro. O que eram as oficinas de futuro? Era um convite para as pessoas sonhar juntas, expressar seus sonhos sobre como gostariam que fosse aquele pedaço, a região onde elas moram, suas vidas.
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Mediante determinado processo, havia essa verbalização, essa discussão do sonho. Num segundo momento, trabalhávamos com o “muro das lamentações”. Era a idéia – sobre a qual a Samyra falou – de as pessoas expressarem os problemas que tinham naquela realidade, o que diagnosticavam como problemas. A partir desse levantamento aleatório de percepções de problemas, abria-se a possibilidade de se começar a trabalhar com nexos causais, ou de como construíam essa árvore de problemas. Num terceiro momento, a partir da divulgação dos problemas e dos sonhos, procurávamos discutir com aquele grupo uma Agenda para encaminhar os problemas na direção dos sonhos. A primeira Agenda nem tinha esse nome mas, em algumas situações, começamos a trabalhar já com o nome de Agenda 21. Na maior parte dos casos, foi aquela primeira Agenda que nos possibilitou trazer a discussão da Agenda 21 do Futuro, a Agenda 21 do Pedaço. Era, a nosso ver, um salto qualitativo muito significativo: saía-se do local, do conjuntural, e chegava-se à dimensão mais global, ao processo mais global, no qual aquelas pessoas estavam envolvidas. Todo nosso processo de aproximação, nosso esforço de sedução, era meio nebuloso na cabeça das pessoas. Até mesmo nossos técnicos demoraram de três a quatro meses para perceber e ter a facilidade de falar sobre no que eles estavam envolvidos. Perguntava-se: “Vocês são de onde?”. Respondia-se: “Nós somos do consórcio (Cógito/Ecoar) terceirizado pela Prefeitura de São Paulo, pela Secretaria do Verde”. O povo, contudo, queria mais explicações: “Mas o que é isso tudo?” Achavam que estávamos vendendo automóvel, por causa do nome do consórcio Cógito/Ecoar. Com o tempo, fomos percebendo que não era necessário chegar fazendo esse discurso todo, mostrar na nossa chegada CIC, RG, etc.
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Era necessário, sim, estabelecer laços de confiança que passam por outros caminhos. Passam pela percepção do nosso compromisso com as causas deles, pelo respeito que temos pela participação dessas pessoas, que não seja um respeito estratégico, algo assim, “Bom, vim aqui...”, ou então, “Não, nós estamos aqui para aprender com vocês”, aquele velho papo. Aprender nada! Conta logo o que você sabe e vamos pôr na mesa o que todo mundo sabe, e tomar as decisões junto. Isso sim! Num encontro de educação de adultos, no qual estivemos em Cuba, todos nós, latino-americanos, sustentávamos a necessidade de diagnosticar a realidade a partir da própria realidade. O pessoal do Roda Viva, ONG do Rio de Janeiro, contrapôs: “Não, no Roda Viva a gente começa a partir dos sonhos”. Multiplicaram-se aqueles olhares de censura para a pessoa que estava expondo... E então começou-se a expor a importância de se trabalhar a partir dos sonhos, e como o sonho possibilita a emergência dos problemas, das dificuldades, e como isso é potencializador de uma participação de corpo inteiro e não de uma participação só intelectual, só tipo “precisamos resolver os problemas”. Uma última dimensão, é a da formação de redes – redes de comunicação e de solidariedade. Em todo nosso processo de trabalho, tivemos sempre muito presente que, primeiro, precisávamos partir da base, ter enraizamento. Agendas tecnocráticas, agendas de elite, são difíceis de serem feitas, mas não são suficientes. É necessário que sejam feitas Agendas com enraizamento, em que cada cidadão veste a camisa. No entanto, isso não é suficiente. É necessário que aqueles pequenos grupos educacionais de pesquisação participativa sintam-se integrantes de um processo mais amplo. Nossa louca ambição, ao final desse processo – que pensávamos que te-
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ria cinco anos de duração -, era que esses vários pequenos grupos, fazendo suas Agendas do Pedaço, fossem os principais vetores da Agenda do Município. E que nós conquistaríamos a Agenda a partir da pressão que esses grupos exerceriam sobre a câmara de vereadores, no sentido de ela reconhecer a importância das contribuições dessas Agendas do Pedaço. A Agenda 21 do Município de São Paulo seria, assim, uma somatória, ou resultado de um processo de negociação dos diversos agentes envolvidos nessas Agendas do Pedaço... Quando idealizamos um programa de intervenção educacional ou quando atuamos nesse programa, somos muito moldados por essa nossa formação cartesiana de ver as coisas: primeiro isso, depois aquilo, depois.... Não, elas acontecem todas ao mesmo tempo. Na nossa cabeça, primeiro viria a Agenda 21 do Pedaço, depois a Agenda do Município... Cada grupo, no entanto, estava desenvolvendo uma dinâmica própria. Havia grupos que já estavam reivindicando, já propunham e demandavam essa conexão mais global, até porque não começaram a existir e nem a pensar apenas a partir de nossa intervenção. Na zona Leste, por exemplo, e mesmo na zona Norte, havia uma tradição de movimentos populares e de uma série de outras ações que permitiam que as pessoas envolvidas tivessem a clareza de que a ação simplesmente localizada não é suficiente se não houver política pública que a fundamente, que a alicerce, que esteja numa correia de transmissão com as decisões locais. Tudo seria palavras ao vento. É necessária essa intervenção no conjunto. O objetivo desse processo, que se iniciava com as questões e condições locais, era já começar a estabelecer uma rede de conexões entre esses diversos grupos, que potencializasse os indivíduos para vôos mais ousados, vôos de intervenção nas políticas públicas do município. Sabíamos que isso não era processual, como descobrimos no final.
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Desde o início, quando promovíamos eventos de massa, levávamos um caminhão multimídia para uma praça pública e trazíamos grupos de pagode e grupos do bairro para se manifestar, para cantar. Já estávamos deflagrando esse processo de as pessoas se conhecerem, saberem que naquele mesmo bairro havia grupos que faziam diferentes coisas. Havia grupos de crianças em escolas que faziam teatro, havia grupos de poetas. E o fato de ser a temática ambiental a que estava convocando, convidando para aquela manifestação, fazia as pessoas sintonizar o que havia de ambiental em suas cabeças e virem para a manifestação trazendo alguma coisa nesse campo, nesse universo. Ocorriam, por exemplo, exposições de fotografia, entre outras iniciativas. O que era aquilo? Se olharmos friamente, diremos: “Mas é muito pouco para quem se propôs a trabalhar com três milhões de pessoas, para fazer a Agenda 21 do Município...”. Lembro-me de um dia em que fizemos uma manifestação, um evento no parque do Carmo, e, ao mesmo tempo em que o nosso evento estava acontecendo, ocorria um show da Carla Perez no local e devia ter, como era de se esperar, umas duzentas mil pessoas, enquanto no nosso, em torno de quinhentas pessoas. Então falamos: “É melhor nos aliarmos à Carla Perez, irmos lá dançar com ela, fazer qualquer coisa. O impacto talvez seja maior”. Mas nossos técnicos não aceitaram. É por isso que eu digo: o processo participativo é complicado... Quando propusemos fazer eventos, os técnicos chutaram o pau da barraca: - Evento? Agora vamos fazer cartilha também? Então vai ser um processo educacional que sempre condenamos, fazer cartilhinha e evento! Dia mundial do Meio Ambiente! Dia da Árvore! O argumento usado com os técnicos, para ganhar a adesão deles, foi que
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esses eventos e atividades faziam parte de uma estratégia mais ampla de persuasão, de convencimento e de percepção da conexão que existia entre ação local e esse movimento planetário, e de construção de um futuro melhor. O evento era uma oportunidade, ainda que embrionária, para construir esse processo, que queríamos que desembocasse em redes de comunicação informatizadas, ligando várias escolas. E assim começamos a caminhar. A geração de trabalho e renda era uma dimensão essencial no nosso trabalho. Então, além de procurar trabalhar com o processo de participação, de envolvimento, procurávamos ter na dimensão de geração de trabalho e renda um fator que motivasse – na medida em que atrai – e também possibilitasse mostrar a questão ambiental. Quando falávamos em geração de trabalho e renda, vários técnicos contestavam, argumentando que não falavam sobre isso para não despertar falsas expectativas logo de cara. Mesmo sendo uma dimensão essencial do trabalho, isso estava sendo ruim, estrategicamente, para algumas experiências dos técnicos. Mas, na medida do possível, incorporava-se essa dimensão, que era essencial no nosso programa. Ela possibilitava não só a participação da pessoa com expectativas de melhorar e qualidade de vida em cima do que há de mais pragmático, como também levava as pessoas a perceberem que conservação ambiental não está dissociada de desenvolvimento. Para nós, é óbvio falar nisso. Falamos em desenvolvimento sustentável e enchemos a boca. Mas na percepção da maioria da população – e Mato Grosso do Sul é um exemplo especialmente importante para isso –, é um tema totalmente desconhecido.
DEBATES Elizabeth Ferreira - A indagação é dirigida tanto à Samyra, quanto ao Marcos. O primeiro ponto que me chamou a atenção foi a questão, que a
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Samyra colocou, da resistência da cultura institucional. O segundo, a de que o processo participativo envolve, necessariamente, um abalamento da estrutura hierárquica de decisões, coloca a questão do poder decisório. Considero esses dois pontos como dois eixos. Também entendo que temos uma grande dificuldade para começar esse processo participativo. Devido à nossa educação, por um lado, somos produtos de uma cultura acadêmica, uma cultura institucional também. Ou seja, é preciso romper essas resistências que temos em relação ao processo participativo. Por outro lado, também é verdade – e a Samyra falou isso muito bem - que a participação sempre foi vista como uma provocação ou como algo que contraria, em princípio, o próprio Estado. Ou seja, qualquer princípio – até o organizativo – ver-se-ia muitas vezes contrariado pela questão da participação popular. Então, também temos desvios de compreensão, razão pela qual digo que somos produtos dessa compreensão. Vê-se o participativo como algo menor ou como algo que não obedece a princípios organizacionais, tais como aprendemos a ter, a ler ou a respeitar. Penso que esse é o primeiro desafio. O segundo, é o de como fazer o salto nesse processo, como passar do indivíduo anônimo para o cidadão. Quem dá aula, quem está ligado à educação, percebe, muitas vezes, que o processo de conhecimento só acontece, de fato, quando as pessoas conseguem sair dos fragmentos e entender o macro, entender um pouco mais o geral. Ou seja, só ocorre quando se sai daquela visão localizada e se passa a dar um salto para uma compreensão mais abrangente, que possibilita entender o localizado também. Na participação para envolver as pessoas, para chamar as pessoas, é preciso buscar a articulação entre o micro e o macro, fazer com que essa compreensão mais global possa iluminar o específico.
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Como se estabelece, posteriormente, essa dinâmica entre a oficina do futuro e a Agenda 21 propriamente dita? Será que não se corre o risco de perder a dinâmica nesse processo? Como é que se dá a passagem? Samyra Crespo - Vou tocar num tema polêmico e o Marcos vai ter muitos elementos para divergir. Há mitos na participação. Primeiro, como é que se considerava a participação no passado? Era assim: se uma pessoa está na política, participa; se não, não está em lugar algum. Havia uma teoria da ação social e da participação que era a seguinte: há uma minoria ativa e a massa não está indo em direção alguma, está inerte. A questão era como mover a massa. Quando a sociedade participava fora da política, não valorizávamos essa participação. É o caso, por exemplo, das pessoas que participam nas igrejas, nas redes caritativas, em trabalho comunitário – que não é estritamente político –, em clubes de serviços, em clubes de recreação, que organizam coisas culturais, eventos, etc. A sociedade participa, a sociedade é participativa e é participante. Então, consideremos, primeiro, esse lugar comum de que as pessoas não participam e também de que as pessoas têm de escolher onde querem participar. Imagine um cidadão que trabalha oito horas por dia e mais um pouquinho ainda, porque um salário só não está dando. Sempre é mais um pouquinho para levar para casa. Todo mundo está fazendo um “bico”. Aí, esse cidadão é chamado a participar do clube de pais ou das histórias que as escolas sempre inventam. Há sempre uma demanda, por participação da escola ou da comunidade, que envolve os pais. É chamado a participar no seu sindicato, com aquela história que: “se não participa da sua classe, não é solidário
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com a sua classe...”. É chamado para participar de reuniões no seu prédio; todo mundo acha que um dia um cristo tem de ser síndico... Somos chamados o tempo todo para participar de diferentes coisas, e nós temos diferentes ritmos. Então, acontece o seguinte: as pessoas escolhem onde vão participar mais, ou de maneira mais dedicada. E temos de entender e valorizar essa participação. Entender a participação é começar a valorizar canais e vias de participação não tradicionais. Por quê? Porque quando se vai para a comunidade, acredita-se que se vai levar para ela um estímulo à participação ou uma metodologia de participar. Temos de entender, primeiro, como aquela comunidade participa e do que participa. E aí penso que temos, sim, de aprender com muitas experiências. Durante muito tempo, nós – principalmente as pessoas que se identificavam com a esquerda no Brasil – tínhamos uma certa resistência em entender a cultura norte-americana. Mas a cultura cívica norte-americana é muito interessante sob os aspectos de como as pessoas se dispõem a doar trabalho voluntário, doar dinheiro, doar idéias, oferecer participação qualificada em muitos e diferentes âmbitos, que redundam em benefício da comunidade. Hoje, a metodologia mais interessante para se trabalhar com comunidade e com participação é identificar os desejos de onde, como e com o que as pessoas querem participar, o que elas podem dar de melhor naquilo que elas querem e podem fazer. É preciso identificar os recursos locais. Ocorre que nós, os envolvidos com ação social, temos idéia de que as comunidades são carentes, de que não têm coisa alguma, e como não têm coisa alguma, quem
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tem que dar é o governo, tem de ter política pública, tem de ter recursos para investir ali, porque tudo é culpa do governo. Primeiro, que a comunidade não é carente; ela tem recursos próprios que não são valorizados. Essas pessoas não são “empoderados” mesmo, no sentido da palavra americana empowerment. Elas não têm segurança sobre o que possuem, do que podem disponibilizar. Eles não são tão pobres que não possam dar algo. As metodologias mais interessantes de trabalho comunitário que tenho visto são as que identificam os talentos existentes na própria comunidade: sempre haverá ali um carpinteiro, uma pessoa que sabe aplicar injeção, alguém que sabe fazer alguma coisa importante para a comunidade. A primeira coisa é dizer para a comunidade: “Há o governo e há a sociedade; uma parte é da sociedade, e outra parte é do governo. Assim, há uma parte que vocês podem resolver ou tentar resolver aqui mesmo”. Vejo a participação, hoje, muito diferente da que via há dez anos. Estou valorizando outros espaços de participação e outros tipos de trabalho voluntário, não estritamente político-partidários. Esse é um ponto. O outro ponto é como se junta o macro com o micro e como se faz a Agenda 21. Tenho muitas dúvidas se o saber espontâneo pode levar a ela. Esses processos de fazer aflorar na comunidade um ambiente de discussão e de participação são importantes para envolver os atores, mas não são condição suficiente para que esses atores desenhem projetos sustentáveis. Isso porque a sociedade não é sustentável, a cultura não é sustentável e porque, normalmente, essa clientela com a qual atuamos têm pouca informação. Têm pouco acesso a uma cultura mais sofisticada. A cultura do desenvolvimento sustentável e a cultura ambiental são sofisticadas, por mais que tenham essa parte lúdica, esse apelo. É a vida.
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Quer dizer, a vida é muito lúdica, bonita, não há como não nos sensibilizarmos. Mas ela implica o uso e o desenvolvimento de ferramentas sofisticadas para lidar com a realidade. As pessoas devem saber exatamente de que valores econômicos estão abrindo mão para ganhar mais qualidade de vida. Tenho muitas dúvidas quanto a esses processos educacionais de base, nesse sentido “paulofreireano” de fazer emergir, de trabalhar com o universo vocabular da pessoa... Acho que ajudam, mas têm de ser iluminados por uma metodologia mais eficiente. Tenho muitas dúvidas sobre esses processos espontâneos. Sabemos mais do que eles sobre essas coisas quando chegamos lá e, se não conseguirmos uma certa eficiência em trabalhar os conceitos, os valores, e ajudá-los nas metodologias de desenhar os projetos, esses não saem sustentáveis. Querer minha rua mais arborizada, limpa, com lixo regular e tudo, melhora a minha qualidade de vida, mas não significa necessariamente sustentabilidade. A sustentabilidade é, na expressão do Marcos, uma correia de transmissão. Ela começa com ações que têm de ser otimizadas num processo, e esse processo tem que ser sustentável. Então, como ligar isso a um processo mais eficiente nessa correia de transmissão? É um desafio, e não está aí colocado, razão pela qual eu lhes disse: “Sou otimista”. E nem poderia ser diferente. Milito pela Agenda 21, mas acho que estamos no início, estamos nas campanhas. E como é que a população faz a Agenda 21? Os processos têm de vir em mão dupla. Numa mão, têm de vir das elites qualificadas, das elites letradas e das elites que dispõem de poder e de informação; na outra mão, têm que vir da base. E precisa criar territórios para esse encontro, que podem ser vários. No Rio de Janeiro, por exemplo, pode-se juntar a gestão pública com as comunidades e com as regiões.
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Não sei como é aqui em São Paulo. Lá, a cidade é toda dividida em Áreas de Planejamento - APs, regiões administrativas. Cada área de planejamento tem um administrador e as grandes áreas de planejamento têm subprefeituras. Como fazemos? Fazemos primeiro seminários em cada AP para definir “quais são os instrumentos de planejamento participativo a serem disseminados junto aos técnicos gestores, e também junto à população, e quais as metodologias”. E aí há um processo de convocação dos atores locais para compor os conselhos por região. Os conselhos por região, por sua vez, terão seus delegados no Fórum. Por outro lado, o governo já investiu muito dinheiro numa consultoria internacional para fazer o planejamento estratégico da cidade do Rio de Janeiro. Essa metodologia do planejamento estratégico é muito difundida entre os gestores, porque veio no bojo da idéia de revitalização das cidades e da necessidade de administrar as chamadas megacidades. Vemos a dinâmica delas assim: sempre estão sendo abertas novas áreas dinâmicas nessa cidade, em termos de construção, habitação, áreas comerciais, e deteriorando outras. Vão-se criando cinturões de pobreza, cinturões de deterioração do patrimônio público, porque não há dinheiro para renovar prédios antigos. Como o planejamento estratégico deu certo para muitas cidades, criou-se a idéia de que se faz o planejamento estratégico e se tem um plano de revitalização e de gestão das cidades. Depois do “efeito Barcelona” – a estratégia que tornou essa cidade sede de jogos olímpicos – a prefeitura do Rio, que pretendia entrar na campanha das Olimpíadas de 2004 e que tem a idéia de que o Rio de Janeiro possui um potencial turístico muito grande, contratou a consultoria internacional desses “barceloneses” e fez o planejamento estratégico. Não foi um planejamento participativo amplo, mas um primeiro ensaio de projeto participativo, porque realmente contou com as chamadas grandes organizações da sociedade civil.
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Havia 700 participantes no processo. Foram criados os grupos de trabalhos temáticos: um cuida de segurança, o outro cuida de turismo, e há momentos em que todas essas vertentes se juntam. Há um escritório que tem um orçamento, o negócio é bem feito, mas não é suficiente. Vê-se com clareza, no planejamento estratégico do Rio de Janeiro, que os processos de desenvolvimento são muito bons, mas, na maior parte, são tradicionais. Não é desenvolvimento sustentável. Ou seja, houve participação, discussão, mas não o suficiente para garantir o projeto de desenvolvimento sustentável. No planejamento estratégico, quase tudo o que diz respeito à variável ambiental, está na área ambiental. Não saiu do gueto. Os projetos têm títulos bonitos - porque o pessoal também trabalha com essa idéia da visão do futuro, do sonho e isso é próprio da metodologia do planejamento participativo, do planejamento estratégico. O Rio Acolhedor contem tudo o que se relaciona com o meio ambiente, mas o resto não está em lugar algum. O projeto do Porto de Sepetiba, que é uma desgraça ambiental, também está lá. É o grande projeto de desenvolvimento regional, é o pólo de Sepetiba, no Rio de Janeiro, o pólo petroquímico etc. Resumindo, tenho muitas dúvidas sobre o processo de conhecimento espontâneo. Primeiro, acredito que meio ambiente e o desenvolvimento sustentável requerem uma formação mais sofisticada, uma educação para a sustentabilidade. Segundo, como é que se junta o planejamento de governo das elites e o sonho e o desejo da população em geral? Temos de criá-los. Estamos inventando esses foros. E vamos em frente, um tanto por ensaio e erro. Marcos Sorrentino - Essa formação mais sofisticada, requerida pelo
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planejamento participativo, não justifica que se pense e se fale como Pelé, em 70, quando disse que o brasileiro não está preparado para votar. Não é isso que a Samyra está afirmando. É importante aprender a votar votando e que se tenha clareza de que não é suficiente. Adquiriremos clareza de que o voto na urna, a cada quatro anos, não é suficiente e que processos mais profundos de participação são necessários e importantes. Mas foi uma etapa importante no nosso processo de redemocratização. Da mesma forma, o conhecimento técnico mais elaborado deve ser disponibilizado para a população. Temos de utilizar esse conhecimento para que essa espontaneidade aconteça e diminua a distância em relação aos repertórios com que o desenvolvimento sustentável trabalha. Isto só vai estar disponibilizado, só vai ser digerido, aprendido, retrabalhado, se houver seriedade no convite à participação, e se esse repertório for disponibilizado. Minha preocupação é com o fato de que os processos participativos, em geral, se retraem quando se deparam com essa primeira dificuldade – que é a da apreensão desses instrumentais, que é a dificuldade do diálogo e do trabalho com tamanhas abstrações. Eu estava trabalhando com o pessoal de recursos humanos da prefeitura e uma psicóloga disse: “Olha, eu estou completamente perdida, porque no ano passado resolvi fazer o planejamento do meu setor, participativamente. Chamei todos os funcionários para discutir, para participar, no sentido de reestruturar aquele setor para melhor atender ao público, para que nós, funcionários públicos, cumpríssemos nosso papel. E eis o que aconteceu: fizemos as primeiras reuniões, discutimos, discutimos. Quando o pessoal trouxe as primeiras propostas, estas, na sua grande maioria, previam a criação de cargos de chefia. Tinha chefia para fazer café, chefia para fazer
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chá, chefia..., era a forma de eles aumentarem seus salários. Desisti e afirmei: agora não tem mais participação nenhuma. Eu faço!”. Veja a falta de interlocução. Dentro da prefeitura, os psicólogos e os setores de recursos humanos de cada secretaria não dialogam entre si. Essa pessoa, então, encontra-se de tal forma isolada ali, que se sente impotente diante de um retorno desses. Com todo o ideal que possuía sobre participação, obteve esse retorno. Em razão disso, ela se fecha e não há mais a participação. O que é necessário, então? Que se tenha condição de fazer essa leitura de processo. Temos de fortalecer os agentes de participação para que, diante dessas experiências frustrantes, não se retraiam e não caiam na direção oposta. Para isso, no entanto, é necessário que o processo seja encarado seriamente. Tem de ser política de governo, tem de ser estratégia. Quero falar um pouco sobre a questão do planejamento estratégico, que a Samyra aborda. A opção pelo planejamento estratégico é importante e se diferencia de algumas modalidades de planejamento que temos visualizado, praticadas principalmente por engenheiros e profissionais afins, que são extremamente frágeis do ponto de vista da sustentabilidade. Não basta o planejamento ser estratégico; precisa ser também adaptativo, incremental, articulado. Na década de 70, já se falava muito nele. Parece que voltou e todo mundo fala em planejamento estratégico (muitas vezes, misturando temas, porque é assunto de moda). Tenho constatado que, na maior parte dos casos, trata-se de definir de e para onde se quer caminhar, de definir estruturas. Caminha-se, nesse
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processo, sem flexibilidade, sem definição prévia da essencialidade e do incremental que promova mudanças, inclusive nos objetivos definidos para o final do processo e que possibilitem dar conta dessa enormidade de surpresas que vêm quando se quer trabalhar com a participação da base. Aí há uma tendência a ser melhor explorada, tanto teórica como nas nossas experiências práticas. Como efetuar o caráter adaptativo do planejamento? Como é que se vai modificando-o e readequando-o a cada momento? Qual é o limite de flexibilidade de nossas instituições para suportar esse grau de surpresas que a participação nos exige? Minha perspectiva de participação e a desse programa em que estivemos envolvidos são mais radicais do que as duas dimensões que a Samyra colocou, pela seguinte razão: quem não está nas instâncias formais de decisão política participa, sim. Temos de criar mecanismos para ouvir essas outras formas de participação, porque elas têm o que dizer. Como elas querem que se dê a ordenação dos seus espaços e a construção do seu futuro? Temos também de considerar a incorporação da ação isolada, da ação individual. De repente “caiu essa ficha” no nosso repertório e passamos a falar: “Bom, participação é junto? É coletiva? É na igreja? É no boteco?”. Ampliamos nossa capacidade de ver que a participação não ocorria apenas no conselho, ou na câmara. Tem de ser considerada a participação individual, do que várias pessoas expressam, com grande profundidade, em termos de solidariedade com o Planeta. Aquela pessoa que vai para casa e economiza água na hora em que está escovando os dentes, pode estar
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expressando uma participação e um compromisso com toda a humanidade muito mais profundos do que os daqueles que ficam na reunião de corpo presente mas não estão nem aí, não estão envolvidos com a temática, com a discussão, com a proposta, com a construção de uma alternativa. Muitas pessoas adotam essa posição de ceticismo em relação a instâncias mais coletivas, mas mantêm uma postura cotidiana de participação humana, de participação nos destinos da humanidade. Compete a nós, que queremos deflagrar processos participativos, conseguir elementos e instrumentos para colocar na roda de conversa também essa pessoa e o que ela pensa. Colocar na roda sua atitude exemplar e mostrar-lhe o porquê. Não basta a excelente postura que tem em casa; é preciso que essa ação também engrene com uma série de outras, no sentido de promover mudanças. Para nós, que estamos envolvidos na construção dessa Agenda, não é suficiente. Precisamos encontrar os mecanismos que possibilitem que essas ações exemplares, individuais, isoladas, sejam colocadas na roda de conversa e sejam indutoras de mudanças que fortaleçam esses processos, entre outros aspectos, de participação e de envolvimento. Ana Tereza Junqueira - Sou do Cepam e venho trabalhando com temas como consórcios entre municípios e a questão ambiental. Há várias questões, aqui colocadas, de profunda reflexão, que têm encontrado poucos espaços para discussão. Entre essas questões, está o processo de construção da Agenda. Fala-se muito sobre o aspecto da meta (“vamos fazer uma Agenda 21...”), mas as próprias instituições têm muito pouco tempo e espaço de reflexão sobre o processo. A Samyra falou em visão integrada do desenvolvimento,
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da gestão, e que não basta integrar os setores, é preciso também visão estratégica. Na verdade, estamos retomando a questão do planejamento da década de 1970. Sabemos que ao fomentar, ao tratar de metodologias (do orçamento participativo ou da Agenda 21 local), percebemos que os processos de formação e capacitação de agentes locais para a questão ambiental não têm sido suficientes porque, como foi dito, têm de ser uma via de duas mãos. Assim, como não existe uma via de mão dupla em relação às políticas públicas e à ação de governo, quero, nesse contexto, pontuar duas perguntas: a primeira é que, quando se trabalha no Rio de Janeiro com uma comissão para formular uma Agenda 21 local, está-se trabalhando não só com a comissão - formada pelos diversos atores e, portanto, com diversidade, heterogeneidade -, mas também com a lei que a criou e institucionalizou. Por quê? Porque o informal tem um tempo de duração que, na descontinuidade administrativa, é um problema. O segundo aspecto é que, à medida que quem fomenta, promove, e articula, é o Estado, até que ponto se garante o cenário controlado das ações para que se tenha resultado nos indicadores? Que indicadores são esses, na experiência do Rio, que vêm apontando mudanças nas metas da Agenda 21, já que, no País, isso está bastante fragilizado, pouco expressivo e rarefeito? Agora, com relação ao que o Marcos Sorrentino falou: as últimas experiências mais expressivas de capacitação e formação de agentes municipais em meio ambiente pelo Cepam aconteceram em 1994/95. Temos percebido, nos vários envolvimentos com os municípios, que a vontade política tem sido a primeira questão muitas vezes colocada nesse processo no espaço local.
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E, então, aparece o seguinte, nos espaços de capacitação: podemos relacionar, levantar as nossas manifestações, fazer planejamento estratégico, listar as nossas prioridades, mas, na verdade, o grande diferencial - e isso dito pelo Poder Público, pelas ONGs, pelas universidades - é a vontade política. Essa é a grande questão. O Marcos disse algo que compactua com o que está contido no relatório que o governo brasileiro preparou para a Rio-92: enquanto não houver mudança na qualidade política da população, não acontecerão de fato a participação e as decisões de baixo para cima. O processo de descentralização é outra questão. Quero ouvir alguma coisa sobre isso, porque existem ganhos, e venho observando ganhos fortes, mas ainda insuficientes. E a questão do consenso, o que tem a ver com tudo isso? Falamos muito hoje em construção de consenso. Eu prefiro a terminologia “negociação dos conflitos’, entre vários parceiros, como a sociedade civil, o Poder Público, mercado, setor produtivo, e movimento sustentável... O que é, hoje, sustentável? Para mim, para nós, para o Poder Público, de quem é que estamos falando? Quem somos nós? O que é sustentável para nós, considerando que se investe muito na variável econômica e pouco na variável ambiental. Será que, de fato, conseguimos dar aquele pulo da década de 70? Celso Petrilli - Sou ecologista. Desenvolvi atividades na área ambiental. Atualmente, estou trabalhando com o governo do Amapá. Quero levantar a questão da relação Estado versus ONGs e, eventualmente, até a sociedade civil. Outra questão muito forte nesse aspecto é a da força-motriz que está por trás disso tudo, esse big brother com o qual a gente vive agora, que é a globalização.
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Na minha opinião, isso permeia todos os momentos, e se não estiver sendo considerado, ficamos analisando uma situação que não é real, em cima de uma torre de marfim. Essa situação complica-se quando se considera o Sudeste, São Paulo e outros centros com áreas muito urbanizadas, com adensamento demográfico muito grande e boa parte da população, digamos assim, socialmente descaracterizada. Assim, falar para um garoto que não tem emprego, que fica fumando crack, tentando tirar dele alguma forma participativa é até, de certa forma, sacrificar esse garoto. Acho que, para ele, é preciso antes dar-lhe condições mínimas para participar. Indago: qual seria, neste momento, a perspectiva de uma Agenda 21? Sou um pouco cético. Se não houver, neste momento, junto com a questão da participação, a colocação clara da questão ideológica, corremos o risco de ver a população ser manipulada pelos políticos ou ser vítima de um governo potencialmente participativo, mas que também a engane. De certa forma, o governo do Estado promove essa situação. Quando ouço falar em participação de cidadania, através do rodízio de automóveis, dessa ficcional participação da classe média, e, ao mesmo tempo, vejo o governador comemorando a instalação de indústrias automotivas aqui no Estado, como sinônimo de geração de empregos e de progresso, concluo que, na verdade, trata-se de uma medida paliativa. Até escrevi um artigo chamado Coreografia Verde, no qual afirmo que o rodízio é uma forma de criar uma ilusão na população, pois daqui a um tempo o ambiente vai voltar a ter altíssimos índices de poluição, de congestionamento, e, pior de tudo, com a população cética, achando que não há solução, e desacreditando do processo de participação. Como chegar realmente à questão de fundo, que é a forma como se produzem as riquezas e como se apropria das riquezas, hoje, nesse momento da globalização? Como isso poderia ser inserido na Agenda 21?
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Helena Werneck - Faço parte da equipe da Unidade de Projetos do Cepam. Tenho duas perguntas práticas. A primeira, queria saber – a partir da experiência de quem já está trabalhando nesse setor há tempo –, com que cara chega-se na comunidade? Qual é o papel da participação? Eu vou lá para facilitar, para levantar os sonhos, e faço o quê? Olho para eles e digo: “Eu não comento os sonhos, seu nível de, ou não, exeqüibilidade”? Se os sonhos são “eu quero ter um melhor padrão de vida”, o que respondo? Qual é o papel do facilitador? Qual o papel da metodologia que temos? É um drama. Eu me sinto assim: Como chego na comunidade? O que falo? Eu só vou facilitar? Eu só vou levantar o conhecimento, organizar e encaminho para onde? Segundo, no nível de decisão que o Marcos Sorrentino comentou, sobre o “pedaço”, surge uma questão sobre qual é o nível de decisão, se isso não é inversamente proporcional ao poder de resolução do problema. Quanto mais desço na escala do trabalho, menos chance tenho de mexer no que precisa ser efetivamente alterado. Outro ponto: quando tenho de articular essas unidades menores em unidades maiores? Por que elas vão requerer um nível de abstração. Preciso ter representantes, porque não vou poder agir à moda de Platão e ficar imaginando que a cidade só se governa com cinco mil habitantes. Preciso ter uma medida de abstração e de representação para começar a encaminhar isso em espaços mais amplos. Seguramente, não vou conseguir esgotar, num ambiente de vinte ou de cinqüenta pessoas, todas as questões a serem resolvidas e os sonhos da comunidade. Quanto à representação, será que não estamos substituindo uma determinada classe política, um corpo político-partidário, em troca de um outro tipo de representatividade? Marcos Sorrentino - Todas as questões, de certa forma, apontam na mesma direção. Então vou começar pela última, que foi bem simples. A cara com a qual você chega na comunidade é a que você tem. É a única, não tem outra. O discurso é o da sua honestidade, da sua sin-
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ceridade. É o discurso de quem quer realizar alguma coisa, sintonizado com o que a instituição definiu e com os reclamos que aquela população está colocando, com sua capacidade de diagnosticar esse reclamo e ir lá dialogar. Há uma tendência muito grande entre o institucionalizado, entre as pessoas que estão nos órgãos públicos, em função do tamanho do problema, de se mobilizar ou partir só para a solução tecnocrática. Fala-se assim: “Bom, não dá para fazer isso, porque o pedaço está muito longe da tomada de decisão”. Quanto mais me aproximo do pedaço, mais distante estou da capacidade de abstração que as pessoas têm para se conectar e para ter poder de decisão, Segundo li em Norberto Bobbio, é impossível todos os cidadãos virem para a praça pública, levantar a mão e decidir”. Naturalmente, se é impossível, resta a solução tecnocrática dos esclarecidos, da elite esclarecida, técnica, dar as opiniões, as posições finais, e a da instância política, que é a Câmara de Vereadores, a Assembléia Legislativa, etc. Transitar nessa posição não leva a nada. Ou melhor, leva sim, mas no mau sentido, à manutenção do status quo. Por mais esclarecidos e comprometidos com idéias avançadas que estejamos, continuamos mantendo as coisas do jeito que elas estão, marginalizando, excluindo a maioria da população de qualquer compromisso com mudanças efetivas. O outro extremo é perigoso. Pode levar a um fascismo desmesurado, a equívoco, numa tentativa de substituir as instâncias estabelecidas de decisão por novas instâncias, que não se sabe quais serão, e que podem virar barbárie, desembocar nos saques. Tenho a mesma preocupação do Celso. Os saques são reais. Sempre defendi a ação direta, que é essencial, e aí o Celso citou o perigo da ação direta. Pensei: “Bom, vou começar provocando o Celso, estou falando da ‘desejável’ ação direta”. Mas, com certeza, não há cidadão, em sã consci-
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ência, que tome uma posição em relação a esse saque do tipo “tem de ser mesmo!”, ou “não, não pode, está errado”. Fica-se sempre apreensivo em relação ao que pode acontecer a partir de hoje. No entanto, a realidade está colocada. A população está reivindicando participação. Os mecanismos tradicionais de participação não são suficientes para organizar e para dar respostas institucionais e respostas coletivas para as diversas demandas que estão sendo colocadas pela sociedade. Então, nós, com nossa cara, com nossa perspectiva organizacional, temos de ir para esse tipo de trabalho nas raízes da sociedade. Não basta o trabalho de articulação institucional. Aí, como não criar falsas expectativas? Como não iludir essa população, dizendo: “Olha, vamos participar? Vamos sonhar juntos?”, e depois de um tempo afirmar: “Olha, só que o sonho acabou”, ou “Esse sonho não tem engrenagem com as decisões políticas mais amplas”? É não falando mentira, é abrindo o jogo desde o começo. “Olha, nós estamos aqui cumprindo um papel x, y, z; nossos limites são esses; vocês querem ser solidários nessa luta, com essa delimitação?” Como fazer disso uma política pública, uma transformação mais ampla? É um desafio, tanto para mim, como para você. Essa população pensa. Por mais que os tecnocratas afirmem que essa população é ignorante, que não sabe se organizar, que não sabe abstrair, é fantástica sua capacidade de abstrair e de aprender – é muito mais acelerada do que a que acontece nos bancos da nossa universidade. Quando se começa a trabalhar com essa população, descobre-se que soluções criativas e capacidade de abstração só não estão colocadas hoje para a sociedade, por essa população, porque não lhes é dado um mecanismo efetivo, porque não são ouvidas as suas propostas.
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Não quero cair numa fala inocente, no sentido de que nosso papel é desnecessário. Nós, privilegiados, que tivemos acesso ao saber erudito e a uma série de outras informações, temos um papel que é o de disponibilizar esse conhecimento para que a população tenha condições de decidir com mais propriedade - pode até decidir equivocadamente! – sobre a ótica do saber erudito, de que somos porta-vozes. A população vai tomar uma decisão, vai errar, mas nesse acerto e erro vai aprender a caminhar. Essa nossa arrogância acadêmica de dizer que “eles não estão preparados, eles não podem participar”, leva, no meu ponto de vista, à manutenção das coisas como estão. Nossa arrogância pode ser útil para dialogar com o instituído, com o Estado, no sentido de ele promover mudanças significativas nessa direção, essencial, que é a da emergência desses atores como efetivos no processo de transformação. Em vez de ficar fazendo a política da mediação, do possível – “Ah, não dá para fazer tantas coisas...” -, nós temos de dialogar. Estamos no processo de mudança dos governos dos Estados, em função das eleições. Qual dos candidatos tem proposta mais efetiva para promover esses processos de participação? Uma proposta institucionalizada? Tenho um exemplo simples de uma ONG, do Chile, chamada Instituto de Ecologia Política - Iep. Há dez anos, tive a oportunidade de conhecer uma campanha que eles estavam fazendo, de uma espécie de selo verde - que seria dado aos municípios que tivessem uma série de pré-requisitos definidos como “tornadores” do município em verde. Eles propunham a composição de um conselho municipal, entre outras providências... (a Anama tentou fazer isso aqui no Brasil?). Não acompanhei os desdobramentos da experiência. Mas o que eu co-
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nheci pôde elucidar alguns diálogos a serem estabelecidos com os técnicos e os candidatos. “Nós, técnicos, que estamos sendo chamados para ajudar na elaboração do Programa de Meio Ambiente do Montoro, de não sei mais quem...”. Sempre estamos sendo chamados para ajudar candidatos a elaborar seus programas, mas ficamos em dúvida quanto a duas coisas: primeiro, o que escrevemos será cumprido?; segundo, até que ponto dá para escrever coisas sintonizadas? Não critico quem fez programas para o Montoro, para o Mário Covas, Celso Pitta, por terem acreditado ou por não terem avançado mais no compromisso que dava para sacar desses governos, naqueles momentos, porque é um aprendizado também. Se aprendemos algo a partir desse acúmulo de experiências, de cara lavada, junto à população ou na ação institucional, temos de traduzir isso em propostas para esses candidatos. A Ana indaga “como o Estado vai fomentar, facilitar, contribuir para que esses ‘cara-lavadas?’, que vão junto à população promover o engodo da participação, estimular os sonhos que não dão em coisa alguma, possam estimular sonhos menos frustrantes?”. Acredito que temos condições de desenvolver mecanismos para fiscalizar, mecanismos de descentralização. O processo de descentralização está na boca de todos. Mas não é aquela descentralização do “lavar as mãos”, que muitas vezes se faz, Não, é uma descentralização com responsabilidade do governo estadual, do governo federal. Queremos aproximar do município a tomada de decisão. É possível sair do Estado para o município, para que o município tome determinadas decisões, desde que tenha alguns procedimentos minimamente instalados.
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É um processo de fomento para que o município assuma a postura de fazer sua Agenda 21, de ter seu Conselho Municipal de Meio Ambiente, de que o conselho seja apartidário, de ter processos participativos de elaboração dessa Agenda 21. E, mais do que isso, ter as peças orçamentárias... A Samyra disse que se avançou 10%, o que é ótimo. Condicionam-se percentagens do orçamento à existência de processos participativos no município, para que os recursos sejam repassados. Como técnicos e cidadãos, é nossa a competência do processo de enraizamento; o processo de diálogo com o instituído, para facilitar esse papel do Estado, ou de comprometer mais o Estado com essa “cara lavada”, que tem dificuldade, e que vai “bater a cara”, é nossa obrigação. Samyra Crespo - Quando se está na luta, a paixão é grande. Abordarei primeiro as questões de quem conduz o quê e dos indicadores, porque as considero chaves. Quem conduz – se é o Estado, se é uma ONG ou outra instância? Acredito que o Estado tem de estar conduzindo, assim como a sociedade. Mas o governo não é o Estado. O Estado é todo o aparato institucional, as carreiras técnicas, as competências. Deve-se ter o cuidado de não identificar Estado com governo. Masé preciso haver o compromisso do Estado, para o qual é preciso ter a lei. Para modificar a lei, é preciso mobilizar a câmara, ter lobby, ter justificativa, ter argumento, e não fazer numa “penada”, na “calada da noite”, como ocorre hoje, infelizmente, quando o projeto é do governo. Outras prioridades surgem e então dizem: “Não há recurso, a idéia é boa, é maravilhosa mas não há recurso, não podemos tocar”. Vem outro e diz: “Não, isso era prioridade do outro governo; agora a prioridade é outra”. Ou então começam a deslegitimar: “Não, não houve uma consulta” – é
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sempre assim –, “não, o governo passado também não consultou adequadamente a população”, “fizeram lá uma consulta, mas a população não foi consultada”. Por conta disso, todos acabam concordando, porque – como alguém disse aqui – não se pode consultar as 11 milhões de pessoas da Capital. É importante ter a lei, porque a lei e o Estado não são o governo. Segundo, é importante existir uma instância já definida, se é a comissão, se é o conselho, não importa – é bom existirem as duas coisas. Por exemplo, no Rio entendia-se que, uma vez instituído o Fórum da Agenda 21 local – que é um conselhão –, a comissão se autodissolvia. Mas chegou-se à conclusão que não: a comissão pode existir, monitorando, porque, quando se está dentro do processo, pode-se também avaliar, mas perde-se a independência de também estar criticando. Tem-se, então, um conselho e mantém-se a comissão, porque a comissão é voluntária, não é institucionalizada, não é jurídica, é um trabalho da sociedade. Estamos tentando manter essa dinâmica. Penso que vamos ter um papel. Tenho uma forma de ver a política em que, apesar das resistências, há um processo, e aí entra a tal da globalização. Fiz uma pesquisa nacional em que fica clara a opinião das lideranças, ligadas ao desenvolvimento sustentável e ao meio ambiente, de que o governo do presidente Fernando Henrique não “mordeu” a plataforma do desenvolvimento sustentável. O coração do governo não está comprometido com a sustentabilidade. É a opinião unânime, a opinião de nossos pares, e eu compartilho dela. O principal programa do governo – o Brasil em Ação – não tem indicadores de sustentabilidade. Não existe esse compromisso. Mas existem programas no governo do Fernando Henrique, que conspiram a favor da sustentabilidade, e cuja força é preciso verificar. Uma delas, que está acon-
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tecendo na base da sociedade, na base dos municípios, é a institucionalização da área ambiental. Criam-se municípios no Brasil, todos os dias, e com esse processo da descentralização, há as secretarias de meio ambiente e também os corpos técnicos ligados à área ambiental. Como essa área técnica é nova, está recrutando quadros entre os militantes das organizações não-governamentais. É um pessoal que entra com muita garra, com muita vocação. Como conseqüência, há uma “revolução”, digamos assim, porque as Secretarias de Meio Ambiente são ainda periféricas, mas existe essa oxigenação, essa renovação na base. Os municípios criam suas secretarias, criam seu aparato institucional de meio ambiente, e as equipes são constituídas de jovens, que vêm de outra cultura. Outro aspecto: se verificarmos o orçamento de investimentos do Brasil – quem fez esse trabalho foi o ISPN, uma organização não-governamental que monitora as políticas públicas em Brasília –, veremos que o Orçamento Geral da União quintuplicou o investimento na área ambiental, nos últimos dez anos. Quer dizer, se tomarmos todos os projetos que são estritamente ambientais ou ao que têm fortes componentes ambientais, e somarmos esses recursos, constataremos que eles quintuplicaram em dez anos. Vê-se, assim, que já há dinâmicas acontecendo na sociedade, e que não são estritamente políticas, mas que conspiram a favor da sustentabilidade. Outro aspecto é o de que há aliados estratégicos em todos os lugares. Por exemplo, pode-se discordar do ministério do ministro Krause, dizer que ele não é do ramo, dizer que não acertaram, mas existem técnicos e políticas lá dentro conspirando a favor da sustentabilidade, quer queira quer não. Criou-se – e a fórceps – a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável. Essa comissão tem orçamento, já licitou dez projetos de consulta à sociedade para desenvolver uma metodologia para construir a Agen-
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da 21 como se deve. Já está na praça. São dez projetos, dez áreas temáticas, e exigiu-se que se apresentassem consórcios para essas licitações. Eles têm menos de um ano para fazer a consulta e, a partir dela, tirar os grandes pontos da Agenda 21 brasileira, que não está pronta. Há dinâmicas acontecendo. No Rio de Janeiro, na Firjan - que é a Fiesp de lá - havia apenas uma comissão de meio ambiente, amorfa, que não fazia coisa alguma. Agora, temos um Conselho Empresarial de Desenvolvimento Sustentável, com 60 grandes empresas, que se comprometeram, publicamente, a ter uma performance ambiental. Elas são auto-auditadas ambientalmente, para dar o exemplo de que o setor produtivo pode contribuir para a sustentabilidade. Há um conjunto de iniciativas; estou citando apenas algumas, mas sei que há muitas outras. E mais: a sociedade não está atrelada ao governo. Andando pelo Brasil, vê-se que o País está acontecendo. As pessoas estão se mexendo, e também, às vezes, se mexendo problematicamente. Por isso, desconfio do saber espontâneo. Por exemplo, como é que as pessoas resolvem problemas de segurança? Elas fecham as ruas e – se são da classe média – pagam um guarda. Isso não é bom, porque não se pode privatizar a rua. Não se pode tirar espaço público para colocá-lo a serviço de ggupos pequenos, mesmo que seja em legítima defesa. Há, assim, atos espontâneos da sociedade, criando suas soluções independentemente do governo, mas que não são necessariamente bons. A sociedade brasileira está dinâmica, está acontecendo. Quando se vai aos municípios, quando se viaja pelo Brasil de A a Z, vê-se que as pessoas estão tomando atitudes. O Brasil não tem o governo que merece, em termos do seu dinamismo. Mas existem fatos acontecendo. Há a reforma administrativa. Por mais que discordemos do seu vetor, ela está mexendo com a inércia da máquina.
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E há espaços para se interferir, ainda, nesse processo. Por exemplo: a revisão do marco legal do chamado terceiro setor. Hoje, os organismos do governo querem trabalhar com as ONGs, ou por ideologia, ou por facilidade, ou porque as consideram mais eficientes mesmo. Mas não consegue. Quando se vai fazer convênio com uma organização não-governamental, a burocracia é enorme. Então, na hora de apresentar as inúmeras certidões, metade das ONGs não pode candidatar-se; e a outra metade complica-se. Quando passam o dinheiro para a organização não-governamental, esta vira governo, porque tem de se pautar por todo aquele engessamento da máquina governamental: “Isso é a lei da licitação”, “isso e aquilo outro e etc.”. Transfere-se o engessamento do governo para a sociedade, que é dinâmica, que é ágil, que trabalha com o informal. Tudo isso está emperrando a máquina. Mas sinto que somos os “despertadores dos dinossauros” (risos). Sinto que esse estado das coisas não dura. Temos de descobrir nossos aliados estratégicos. Montar projetos que mexam com o estado das coisas. É preciso empurrar, porque essa “coisa” está indo para o buraco. Essa é, pelo menos, minha impressão. Em todo lugar, vejo fatos muito positivos. Mas vocês têm que duvidar um pouco da minha palavra, porque tenho um viés: resolvi treinar meu olho para ver as coisas boas. Estou mais para aquele painel do “sonho” do que do “muro das lamentações”. Mais uma questão: a vontade política, que imbrica nisso tudo que falei, é um problema se for de um ator só. Por exemplo, como vamos controlar a vontade política do governo? Se o partido do governo é o PSDB e nós somos do PT, danou-se; se for o inverso, danou-se também... A vontade política não pode nem ser delegada nem alocada num único lugar. Nem pode estar só no governo, nem estar só na sociedade. Ela está no espaço da construção da cidadania, está no espaço da construção dos con-
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sensos ou da negociação de conflitos. Nada tenho contra, mas ela está nesse espaço. Não pode estar refém de um único ator político ou de alguns; se assim for, ela não leva à vontade política; torna-se expressão política organizada de um grupo de interesse. Temos de trabalhar com a idéia de que devemos criar espaços nos quais esses atores se encontrem. Não temos ainda todas as metodologias de como fazer isso, mas estamos aprendendo. É um processo. Estamos inventando nossos instrumentos de viver a democracia plena; estamos criando-os todos os dias. E é por isso que acompanho essas experiências com muito carinho, porque penso que o Brasil está um pouco carente de ver as coisas dando certo. “Será que podemos aplicar aqui”? Todo mundo diz: “Aquele negócio está acontecendo tão bem ali, será que podemos aplicá-lo aqui?”. Existe também a ilusão da reprodução das experiências. É preciso ter um pouco de cuidado. O Ipea está tocando um projeto de monitoramento dessas experiências de descentralização de políticas públicas. Escolheram uma metodologia em que tomam o mesmo projeto e verificam seu desempenho em diferentes municipalidades. Por exemplo, os projetos de distribuição de cesta básica, ou de melhoria da mão-de-obra profissional das escolas públicas são analisados porque aqui deu certo e ali não. A partir do levantamento dessas particularidades locais, das dinâmicas locais, tentam verificar as causas. No futuro, isso pode nos trazer um parâmetro interessante, porque a descentralização e o fortalecimento do Poder Local soam como música aos nossos ouvidos, mas, em alguns lugares, fortalecem a tirania local, fortalecem os resquícios das oligarquias locais, a ignorância, e coisas do gênero. Vivemos num país de muitas contradições. Respondendo ao rapaz que está infeliz com o rodízio de automóveis de
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um lado e o Covas fazendo a eleição das empresas automotivas de outro. O processo é contraditório mesmo. Não podemos exigir a coerência total; se o exigirmos, estaremos fritos. Acredito que a Agenda 21 vai ser feita assim; está sendo feita assim no mundo. Não tenho dúvidas, porque sou ambientalista, de que o rodízio é uma política pública acertada. Ela tem problemas, mas foi uma iniciativa fundamental. No entanto, porque o governador Covas, que aprovou o rodízio (Fábio Feldman o peitou, e também o PSDB, para fazê-lo) está, ao mesmo tempo, dizendo “legal” para as empresas automotivas? Primeiro, porque São Paulo está sofrendo uma desindustrialização radical. Os índices de desemprego aqui são os mais altos de todo o País. Ele não pode dizer que se respira melhor, mas se morre de fome. O setor produtivo não mudou e a globalização existe. O que a sociedade tem de fazer – como faz nos pequenos projetos – é garantir os efeitos compensatórios. No futuro, teremos de nos organizar para dizer: “Vai colocar uma indústria automotiva aqui? Muito bem. Mas quanto será pago, em termos de compensação, pelos danos ambientais? Ou isso, ou o custo incremental menor na questão da sustentabilidade? E para que tipo de projetos esse dinheiro vai ser revertido?” A doutora Aspásia Camargo, que foi secretária executiva do Ministério do Meio Ambiente (é uma intelectual, por isso não ficou lá muito tempo...), é autora de uma frase que eu considero fantástica: “O desenvolvimento insustentável tem que pagar o desenvolvimento sustentável”. Afinal, de onde vamos tirar o dinheiro para o desenvolvimento sustentável se não do desenvolvimento insustentável? Então, tem-se de adotar uma política e uma dinâmica que são contraditó-
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rias mesmo, vai-se diminuindo aqui e aumentando aqui, criando taxas e recursos compensatórios, desse lado, para jogar de tal forma que você tenha o vetor totalmente definido. Marcos Sorrentino - O rodízio é uma das propostas exemplares do não aproveitamento do que se tem de potencial educacional numa política pública. Na realidade, o rodízio cumpre papel oposto ao que ele deveria cumprir. Sou também ambientalista, e existem entre os ambientalistas leituras diversas sobre o papel do rodízio. Com o passar dos anos, está-se percebendo, cada vez mais, que o rodízio, colocado de forma isolada, não representa solução; pelo contrário, representa somente uma forma de acobertar a profundidade do problema que se vive em termos de trânsito e de poluição em São Paulo.
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COMO ORGANIZAR A PARTICIPAÇÃO: A EXPERIÊNCIA EM DIAGNÓSTICO RÁPIDO PARTICIPATIVO (DRP) Marcos Ortiz 4
Agradeço a oportunidade de poder expor e discutir nossa experiência em São Paulo. Já temos quatro anos de bastante empenho e uso desse tipo de metodologia. Sempre foi nossa preocupação adaptá-la a todas as situações em que isso fosse possível. O desafio de vir coincidiu com o momento em que estamos apresentando uma proposta, em conjunto com a UFMG, ao PADCT, para fazer a Agenda 21 no Vale do Aço, em Minas Gerais. É importante debater, porque sempre se diz que “metodologia tem limites”. E, ao mesmo tempo, cada vez mais pessoas se interessam em saber como se faz, e descobre-se que os limites são elásticos, em certos sentidos, maiores e mais fixos em alguns outros. Aproveitando a fala da Samyra – que diz estar com 46 anos e que quer ver resultados –, eu tive formação na área de mecânica, elétrica, trabalhei na indústria em São Paulo e depois passei para a área de ciências humanas, fui um aluno um pouco xiita e sempre me incomodaram os abismos ○
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Marcos Affonso Ortiz Gomes é formado em História, com PhD em Sociologia pela universidade de Muenster ( Alemanha), mantém intensa atuação acadêmica também no Brasil, lecionando, orientando teses e integrando bancas nas áreas de Administração e Meio Ambiente, Sociologia Rural, Recursos Humanos e Desenvolvimento. Na Oficina, participou de nove diagnósticos rápidos participativos em Agroecossistemas, realizados em Minas Gerais, entre 1994 e 1997, em 13 municípios, um no entorno da Flona Rio Preto do Ibama no Espírito Santo e dez em assentamentos rurais em seis Estados através do Incra/Bird/]iica.
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entre o discurso técnico e o saber local ou coisa parecida. Na universidade, não tínhamos muito apoio institucional para realizar essa metodologia. Tomei contato com ela na Alemanha, apliquei-a, em parte, na pesquisa para o doutorado. A banca, contudo, não quis aceitar os dados que resultavam da aplicação da metodologia. Mas aqui, no curso de Ciências Agrárias na universidade, trabalhei muito com desenvolvimento rural, local, sem apoio institucional e com um monte de bichos-grilos – aqueles mais marginais, radicais que andam de cabelo solto, balançando. Acabamos construindo um espaço de trabalho em que foi possível criar, bater cabeça, e – mesmo sem recurso, sem apoio institucional –, chegar a essa experiência que avaliamos suficiente “para começar alguma coisa”. O que vamos apresentar não é uma receita para a Agenda 21. É uma proposta que, se adaptada, imaginamos ser aplicável a cada município. Como já foi dito, nosso País é muito heterogêneo. Mesmo se considerarmos apenas esses 11 municípios em torno da Fernão Dias, no Estado de São Paulo, onde serão construídas as Agendas 21, veremos que as diferenças são grandes. Morei em Bragança durante sete meses, quando voltei da Alemanha, e trabalhei na Universidade São Francisco. Desde Pedra Bela, onde eu queria comprar um sítio, até Atibaia, as diferenças são enormes. Então, não é possível tomar essa proposta como uma receita que se vai lá, se aplica e pronto. Mas topo o desafio de apresentar em que a metodologia pode contribuir. Apresentarei um breve histórico da metodologia e alguns exemplos de como a aplicamos no campo. Depois, o Alessandro vai detalhar uma proposta, passo a passo, como a imaginamos que poderia ser aplicada em Atibaia, em Bragança, naqueles municípios, percorrendo caminhos diferentes em cada cidade, de acordo com seu tamanho, sua diversidade socioeconômica e ambiental, entre outros aspectos. Acreditamos que pode ser um eixo para se começar a discussão.
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Primeiro, a origem da metodologia. Resulta do trabalho de profissionais que, principalmente na Europa, apoiavam o desenvolvimento do que eles chamam de turismo rural e ficavam inquietos quanto a suas formas de trabalho com as comunidades, principalmente as muito carentes. Esses profissionais europeus estavam muito inquietos quanto a utilizar dados, ou metodologias formais de pesquisa, de levantamento, tipo surveys, aquela em que se tem o questionário bem estruturado: “vamos lá, me responda aí, nome, tal, tal...”, em que se faz aquele mapa cansativo do pesquisado, às vezes até incomunicável. O pesquisador nem olha nos olhos de quem está falando e vai embora com sua pranchetinha. “Mais um trabalho, mais um questionário resolvido”, e tem-se os dados. Isso custa muito caro, demora muito. Às vezes, os dados são muito amplos e, até serem analisados, decorre muito tempo. Caso a realidade seja muito dinâmica, os dados podem não mais corresponder àquilo que se planeja. Esse é um lado do problema; o outro, refere-se aos especialistas. Para facilitar, para não fazer aqueles levantamentos muito longos, demorados e caros, passava-se a chamar o especialista. Ele vai até lá de passagem, conversa com o líder e diz: “Ô, gente, o problema lá é o seguinte...”. É o especialista, já sabe do problema. Para evitar a demora, o custo e as dificuldades comuns na aplicação de metodologias formais de levantamento, e querendo também fugir do “turismo rural”, desenvolvemos a proposta que apresentamos, que começou com esse nome: Rapid Rural Appresal. Hoje, com a entrada da questão participativa, ganhou diversos nomes por aí, com aplicação em áreas como saúde, educação. Falaremos um pouco delas. Uma das principais questões dessa metodologia é conceituar, propor e situar a participação, de modo a possibilitar que o “atingido” diagnostique seus problemas. “Enquanto eu não tiver instrumentos para detectar meus problemas com maior precisão e profundidade, continuarei na mesma.”
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A metodologia que estamos apresentando é muito provocativa. As técnicas estimulam as pessoas a falar. Naquele momento inicial do diálogo, estivemos em situações de pegar fogo. Falar não é apenas dizer: “meu problema é esse...”, mas, também: Por quê?, Qual é a causa?, Isso é causa mesmo?. Ninguém se sente ofendido se abordado assim. Qual é mesmo a causa? Se vou planejar qualquer coisa, se terei de intervir, preciso de um processo, tenho de atuar. Em que lugar atuo? Quem atua? Não dá para definir problemas sem conhecer causas e problemas. Por isso, então, a necessidade de sistematização. Essa metodologia cresceu muito. Há o endereço eletrônico de uma discussão internacional sobre essa metodologia e um conjunto de publicações: Notas do PRA (este é o nome atual: antes chamava-se Notas do Ra Ra Ra do “RRA”), traz exemplos. Os artigos variam de cinco a dez páginas cada, com aplicações em várias áreas, tanto de diagnósticos, como de planejamento participativo. Essas publicações são muito interessantes. É bom ver como a criatividade em relação a essa metodologia é rica. Quem introduziu essa metodologia no País foi uma grande ONG do Rio de Janeiro. Temos sempre de prestar essa homenagem à Rede ASPTA e a todo o trabalho que desenvolveu naquele Estado. Há muita riqueza nas experiências brasileiras com essa metodologia. Agora estamos adaptando essa tecnologia à construção e implantação das Agendas 21 Locais, tratando de verificar a necessidade, definir prioridades, questões como viabilidade e sustentabilidade, implantação de projetos, avaliação e monitoramento. Desenvolvemos um trabalho com um grupo de pesquisadores de iniciação científica, do qual resultou um material rico de indicadores qualitativos de sustentabilidade da agricultura familiar. Foi gerado um grande volume, que fomos testando com essa metodologia, fomos mensurando e verifican-
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do se esses indicadores se adequavam à sustentabilidade da agricultura familiar. Está parado lá, mas qualquer dia sai. Esse material sobre temas específicos é muito interessante. Temos um exemplo no entorno de Lavras, de onde - por conta da construção de uma usina hidrelétrica - iria sumir um bairro inteiro com mais 110 anos. O rio Grande, na divisa de Minas com São Paulo, é todo cortado por usinas hidrelétricas. A última é a Usina Hidrelétrica da Ponte do Funil. Um bairro, chamado Pedra Negra, praticamente desapareceria. Só ficariam a torre da Igreja, uma casa e uma parte da escola. Aplicamos a metodologia tematicamente com essa pergunta: qual é a preparação da comunidade de Pedra Negra para enfrentar o processo de desapropriação para a barragem? Bum! Aquilo caiu como uma bomba. Fomos ao padre, ao bispo, aos pastores das igrejas evangélicas; daquele arrastão saiu um material interessante. Resultado: ainda não se conseguiu construir a usina, porque a população começou a fazer exigências no processo de desapropriação, e a indústria - que achava tão fácil investir -, está com “um pé mais leve no acelerador”. Falou-se, durante esta oficina, sobre conflitos de interesse, negociação ou não, consenso ou não. Temos sentido, na prática, como é impressionante o que essa metodologia provoca, o que exige de consenso, ou exige que os conflitos se explicitem. O Município de Cabo Verde, que não é do PT, aceitou fazer planejamento participativo com os agricultores. Foi um “forfé”, como se diz lá em Minas, porque a população compareceu, e não foi fácil. Numa reunião, havia cento e tantas pessoas, porque pequenas comunidades se agruparam numa grande, e ali devia-se eleger as prioridades do município.
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O pessoal estava discutindo a terceira prioridade, que era colocar, na escola dali, até a oitava série, porque facilitaria muito as coisas – os adultos também poderiam estudar à noite, por exemplo... Três deles, no entanto, diziam: “Não! E a saúde? Vocês não querem ligar para a saúde? Vocês querem morrer? De que adianta estudar, se vai morrer?”. Tive de dizer, “espera aí: as pessoas são responsáveis por aquilo que estão escolhendo! Vocês estão apelando!”. Depois soubemos que quem falou era vereador e – entre os outros negócios que tinha – era dono das peruas que transportam crianças para a escola. É lógico que não queria que fosse aberta a oitava série ali, se não o negócio dele ia para o brejo. Assim se explicitam os conflitos e os interesses. O facilitador precisa ter muita habilidade, caso contrário, a situação pode complicar-se. O principal, em tudo isso, é a continuidade. Se não houver continuidade, esquece que podemos fornecer alguma coisa, porque levanta muita expectativa. Na semana retrasada, eu estava num assentamento de mil pessoas. Todos em barracos de folhas de babaçu trançada. Aquela precariedade toda. Água a três quilômetros de distância. Mas lá havia a salinha da associação, uma sala fantástica, toda em madeira e com palha de Buriti na cobertura, com trançado diferente das paredes. Por mais que se esclareça o processo de eleição de prioridades, tudo depende das forças locais, deles mesmos cobrarem, pois no final alguém sempre sai com a pergunta: “Quando é que chega o trator, então, doutor?”. Há, de fato, muita expectativa. Aposto muito nessa metodologia, porque ela provoca outro estado de comunicação e, assim, provoca para o novo, e as pessoas começam a se interessar pelo novo. Se as lamentações são muito intensas e as pessoas não falam das angústias, não resolve. Na hora em que começam a vislumbrar, a colocar desejo, a colocar sonho – como foi dito – a situação se complica: “Espera aí, virá mesmo?
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Quantos sonhos frustrados a gente já não teve?” Basta assistir programa eleitoral e depois ver a maravilha dos quatro anos seguintes. São muitos, como já disse, os campos concretos de aplicação, eles incluem as áreas de gestão de recursos naturais, planejamento, até de desenvolvimento participativo de tecnologias na agricultura. Há um trabalho muito interessante com mulheres, desenvolvido através da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco - Fetape, que emprega algumas técnicas relacionadas com diagnóstico. A repercussão entre as agricultoras daquele Estado foi boa. A metodologia foi usada para tratar de temas como nutrição, saúde, educação, entre outros. Estamos adaptando a metodologia para ser aplicada em escolas. O pessoal do Muda Mundo Raimundo, de Lavras, está construindo projetos nas escolas com algumas técnicas dessa metodologia. Ela provoca, ela tira as demandas. Os projetos de educação ambiental partem do uso dessa metodologia. já aplicada; agora temos resultados, sabemos o que funciona, o que não, e o que pode ser aperfeiçoado. Temos trabalhado com essa metodologia em três municípios e, num deles, chegamos a preparar o planejamento municipal. No Estado de Minas, passamos essa metodologia para 130 municípios, os quais estão construindo os Planos Municipais de Desenvolvimento Rural, com projeto de infra-estrutura do Pronaf, que tem sido bem técnico: o recurso vai para o município, independentemente do partido que está na prefeitura. Em alguns Estados, especialmente Tocantins, é uma barbárie: o projeto pode ser competente, mas se for de autoria de um inimigo do governador não passa de jeito nenhum. Nesta oficina, afirmaram que a metodologia participativa envolve intensa reflexão da nossa prática, enquanto agentes facilitadores. Fiquei chocado, durante a exposição do Marcos Sorrentino, especialmente quando
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a técnica falou: “Cala a boca! Você está falando demais!”. Diz-se que é para falar, a pessoa fala e então se censura: “Fica quieto, agora é a vez dele!”. Essa atitude é terrível, para a população que participa do processo. A população não tem esse tipo de vazão. É difícil um técnico ir lá e estar disposto a conversar com o povo. Quando vai, normalmente há um processo de extravasamento. Claro, ninguém agüenta, cansa, mas é um processo de aprendizado muito intenso para o técnico. Quanto à pergunta feita aqui: “E se alguém falar ‘eu quero uma árvore na rua!’ como é que eu faço?”. O técnico tem que estar preparado, ser responsável por aquele trabalho. É um dado, uma informação, um desejo, há expectativa. Temos de dar ressonância ao pedido, se não, no imaginário da população, nos tornamos semelhantes ao político que promete, ou que finge que está ouvindo. De fato, temos de incorporar uma postura de abertura ao diálogo; de estarmos dispostos a pagar o preço se quisermos construir esse novo. As pessoas, em geral, foram intensamente submetidas aos impactos de políticas públicas e são extremamente exigentes; por mais cansativo que seja, esse posicionamento individual do facilitador é fundamental para viabilizar esse trabalho. As equipes devem ter facilitadores multidiciplinares. Isso não significa que todo mundo tem de ter formação acadêmica, mas, quanto mais diversificada for a formação das equipes, melhor. Exemplos de equilíbrio: ter membros da comunidade e de fora, ter homem e mulher. Como num triângulo, uma das pontas centra-se nas pessoas, a segunda, nos acontecimentos e processos, e a terceira, nos locais. O espaço das reuniões é importante para a metodologia tanto quanto os aspectos de como estão as pessoas nesse espaço e o que acontece com os processos
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que estão ao redor. Os recursos são: entrevistas – através de técnica de entrevistas semi-estruturadas –, discussões, observação. Apresentaremos aqui algumas técnicas de como provocar a discussão, a observação. A ação deve ser sistematizada porque mexe com expectativas humanas muito profundas. Temos de ter isso sempre em mente! Fiquei preocupado com a idéia do “olhar distraído” exposta no início desta oficina. “Olhar distraído” o Estado tem com esse povo o tempo todo. As equipes precisam ter é uma ação sistematizada. Estou lembrando, por exemplo, das pessoas da localidade do Maranhão onde estivemos, que estão passando por privações terríveis. Como é que eu posso levar a expectativa e não ter uma sistematização bem concreta, para cobrar do responsável por aquela situação? E não sou eu quem vai cobrar, são eles, que vão receber esse instrumento sistematizado de volta e usá-lo para cobrar, porque agora eles têm dados na mão, cujo significado e implicações precisam entender. Essa é outra razão pela qual a ação sistematizada deve ser abrangente. Não basta às pessoas terem esses dados na mão. O quanto uma pessoa dessas tem de condições para argumentar com o Poder Público, para negociar políticas públicas a seu favor? São dados que não compreende. O presidente da associação encontra-me e diz assim: “Fundaram a associação, eu sou o presidente. Leia aí para mim. O que está escrito nesse papel? Eu não entendo o que tenho que fazer, não!” Ele é analfabeto! Vamos agora apresentar alguns diagramas com nossas técnicas. Não será possível passar técnica por técnica, pois são cinqüenta, e criamos mais algumas na casa da educação ambiental. Apresentarei duas ou três: uma é a do mapa de Pedra Negra, construído palmo a palmo, pela população local, com o desenho do povo. Nesse caso, a participação popular foi de 100%. Não houve morador, pelo menos um membro da família, que não estivesse presente na construção
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desse mapa. Isso porque, como vai sumir tudo, a preocupação era: “O que é que nós vamos perder com Pedra Negra, e até que ponto estamos preparados para perder isso?”. Então foi feito o mapeamento, casa por casa. Explicamos a técnica, mostrando como é e que serve para visualizar o ambiente. É impressionante o resultado. – É, mas como é que eu começo? – O que é mais importante para vocês? É o ponto de partida. As pessoas então passaram a indicar a área de lazer, a antiga estação de trem (daqueles trens bonitos que não circulam mais; só circula aquela amostrazinha, às vezes, entre São João Del Rei e Tiradentes), o alambique do senhor Júlio, a parte da escola, a marca da represa, a casa do senhor Paulo que ia sumir, aí, na ponta da igreja, a marca da represa já estava lá. E eles foram distribuindo o espaço. – Mas, por que é importante, aqui, a estação de trem? – Porque é uma coisa antiga e a gente sempre a olhou como o ponto de saída e de entrada do mundo de fora para cá. Vê-se, assim, a consciência que a pessoa tem daquele espaço. “E se não tiver estação amanhã?” O que é que vai representar isso, de alguma forma, para ele? E vai-se discutindo...É preciso ter paciência. Quando a falação está demais, ou começa a cansar, então se retoma: “Vamos voltar aqui? Como é que era mesmo? Vocês colocaram a escola, mas por quê? A escola fica aqui mesmo? Quem é vizinho da escola?”. E vai-se construindo o mapa:
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“Há algum problema na escola?”. Aquele não foi um levantamento para a construção de Agenda 21. Mas é uma das técnicas que se pode usar – que pode ser coletiva, pode ser em pequenos grupos, pode ser por grupo de interesse, pode ser por bairro, pode ser na escola. Nessa experiência, foi mapeada a escola como ponto para perceber-se os problemas fora dela. Povo que nunca pegou num lápis, fez mapa. Num dos casos, o mais importante era a nascente. Demoraram quase vinte minutos para começar esse mapa, porque surgiu uma discussão danada: – O que é mais importante para vocês? – Campo de futebol! – Não, não começa por ele, não, porque eu não jogo bola! Foi bom ter mulheres no meio, porque elas perceberam que, sem a nascente, eles não teriam produção agrícola alguma, e a partir da nascente é que foi construído todo o mapa. Aí começou a avaliação. Um dizia: “O rio foi morto”. Convidaram os mais velhos para contar como era antes, se a água diminuiu ou se havia condições de recuperar a nascente. E eles começaram a dizer: – E se recuperasse? – Ah, mas isso não dá! – Não dá por quê?
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- Porque fazer muda demora muito. - E se a produção de muda fosse facilitada? - Ah! Mas aí não tem espaço para isso. Se tivéssemos um viveiro... A discussão serve para refletir sobre os parceiros, os participantes, com os participantes. É demorada. A construção de uma Agenda 21 numa cidade como Pedra Bela, na região da Fernão Dias, em São Paulo, que eu conheço, pode feita em quatro meses, pela nossa proposta. Já em Bragança Paulista, talvez seja necessário dois anos para se fazer um trabalho bem sério, é mesmo assim, pode ser um tempo ainda “apertado”. A caminhada transversal é outra técnica, que pode ser aplicada de forma individual. Utilizamos muito essa técnica para identificar informantes-chaves, pessoas que moram há mais tempo na região ou que são os proprietários da área. Pode ser feita em grupo. A caminhada serve para dar um parecer, traçar o perfil de um local. Se for feita uma caminhada transversal para tentar atravessar a Fernão Dias, por exemplo, certamente os informantes-chaves vão indicar de cara: falta passarela! Vão aparecer aquelas coisas absurdas da nossa engenharia nacional. Outro ponto: é impossível mobilizar só por carta, por escrito. É necessário, nesse processo, o trabalho do facilitador, não só da equipe, mas também da comunidade. Imaginei, por exemplo, o aproveitamento dos agentes de saúde na construção da Agenda 21, mediante capacitação que estenda a eles o domínio dessas técnicas. Eles fazem trabalhos de agentes de saúde todo dia. Por que não aproveitar e registrar essa caminhada transversal pelo tipo de bairro que eles percorrem normalmente?
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É muito bom que venham às reuniões crianças, mulheres, meninos, cachorros. Para isso é bom também haver um grupo bem treinado de facilitadores. Fomos a uma reunião no Norte de Minas esperando em torno de sessenta pessoas, e já era bastante. Havia mais de cento e quarenta, entre as quais, quase quarenta crianças. Separamos as mulheres; duas moças da nossa equipe foram trabalhar com elas, tratando de temas como quintais, saúde e outros aspectos, enfim, que as mulheres percebem mais. Com os homens, tratou-se do aspecto produtivo: avaliação da produção, o que rendia mais e menos, entre outros temas. Como também precisávamos fazer um levantamento do uso do cerrado, perguntamos aos homens: “Vocês caçam...?”. Houve um silêncio tão grande, de dar coceira... Então falamos para as meninas: – Vamos desenhar bicho? – Vamos! – Que bicho é esse? – É gato mocó. – Mas tem bicho aqui? – Tem. Comi um ontem. Papai trouxe! – E o veadinho? – Comi um anteontem!
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Depois, numa outra situação, chega-se lá: – Ouvimos dizer que às vezes morrem uns veadinhos na chapada... E aí a criançada dá aquela risadinha. – É, morre. A gente aproveita, cata, traz e come... É um processo de levantamento da realidade. Essas informações eram fundamentais para o diagnóstico que estávamos fazendo. Queríamos saber como era o uso do cerrado, junto com o Departamento de Ciências Florestais, num projeto do PADCP, que está, justamente, preparando propostas de sustentabilidade. Omitir esse dado seria complicado para o planejamento. Eles acabaram soltando. A flexibilidade do trabalho resulta muito dessa preparação do facilitador, de atuar na hora certa, com as técnicas mais adequadas. Tem de haver essa flexibilidade e essa preparação. Não há um padrão assim: “Ah, eu vou sair hoje para aplicar a caminhada transversal!” Chega lá, a pessoa que marcou a caminhada transversal não está. Volto e vou embora? Ou faço eu mesmo? Dá para ter uma outra opção? Essa flexibilidade é fundamental. Chegamos em Arassuaí para organizar uma reunião numa comunidade justamente no dia em que se distribuía a cesta básica. O caminhão foi lá e a reunião foi horrível, porque a turma estava olhando para a cesta. Falava, falava, brigava, voltava e olhava para a cesta. Não podíamos ficar um dia a mais lá, mas em situações como essas o correto seria virar as costas, remarcar a reunião com o pessoal e voltar em outra ocasião. Esse tipo de flexibilidade é muito importante para, de fato, construir participação e não se ter reação do tipo: “Eu marquei reunião e ninguém
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foi! Esse povo não quer participar mesmo! Por isso têm que sofrer, esse monte de anta!” É típico! Escutamos isso de técnicos e, às vezes, até dos mais renomados. Pergunta-se, então: “Participação? Está disposto mesmo?” São questões fundamentais nesse processo de construção social. Uma técnica que eu aplicaria antes da eleição de prioridades e da realização de desejos é a do “entra e sai”. Ela nasceu em nosso trabalho e já foi aperfeiçoada pelos próprios agricultores - no caso, a agricultura familiar. Para aplicar a técnica, chega-se num bairro e diz-se que se quer avaliar o problema do lixo, então pergunta-se: o que entra e o que sai? Com isso, avalia-se consumo. - O que é que entra nesse bairro? E deixa o pessoal falar sobre o que consome. Aí, é miséria, miséria. Mas consome! Pode não entrar tevê da melhor, porque não dá. E é preciso saber qual é essa consciência em relação ao que as pessoas querem que entre. O que acontece no caso de uma produção? Ou quais são os produtos gerados? E o que sai? No caso, se for consumo, é lixo. Então, para onde vai esse lixo? Sabe quanto é? Qual é o destino desse lixo? E vai-se avaliando. A questão do lixo da produção também é importante. No caso de uma indústria, imagino que a questão vá provocar uma discussão de Agenda 21. Em São Paulo, na Zona Leste, trabalhávamos naquelas fabriquetas chamadas “boca-de-porco”. Mesmo essa fabriqueta pode pensar em gestão ambiental! Talvez esteja desperdiçando demais, até por questão econômica. E no processo de aplicação da Agenda 21, em que o técnico vai até lá conversar, pode ser despertada na pessoa o interesse em pensar no que entra e no que sai. Por que sai tão pouco do que entra? Ou porque se desperdiça tanto, aqui!
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No bairro, no município, essa técnica pode ser construída. É trabalhoso, bastante complexo, é difícil, mas é possível. A inovação dos agricultores foi assim. No quadro de discussão, o tamanho da seta era a correspondência de receita. Eles perguntavam: “Por que não fazemos esse pontilhadinho, para mostrar o que dá lucro mesmo? Eles descobrem isso juntos, construindo a técnica. Nós só propomos a técnica e vamos apenas orientando como se constrói. Aí comentam: “Nossa, rapaz! Olha o mel! Mexe com pouco dinheiro mas é o que dá mais lucro! Olha a soja! De que adianta a soja? O leite, então? Adianta esse esforço?”Avaliam a viabilidade, as condições de mercado. Agora os técnicos já evoluíram, e aplicam o “entra e sai”, o “de onde vem, para onde vai?” Há outro passo, o: “de onde entra, para onde vai?”, com o qual se pode avaliar quem são os fornecedores do que entra, e quem são os compradores do que sai. O método é superinteressante para ser aplicado na agricultura, para avaliar os intermediários, os processos agroindustriais, os complexos agroindustriais. No caso da área urbana de um município, por exemplo, o método é muito interessante para avaliar quem domina determinado mercado - se é a pernambucana, se não é... Então pode-se chamar os representantes e dizer: “Diminuam as embalagens porque estão gerando um lixo danado!” Pode-se negociar, a partir desse dado! A partir desse momento, sabendo onde conversar sobre embalagens, pode-se conversar também sobre aquela impressionante quantidade de temas que surge quando se trata do meio ambiente - com valor, inclusive. Pode-se quantificar e ter até o resultado do problema, aprofundando o autodiagnóstico próprio da realidade. Isso é importantíssimo para criar participação. É do entra-e-sai que vamos para o “realidade, desejo e processo” É
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um pouco o brain-storming - ou, como o pessoal fala, “toró de parpite” -; um muro das lamentações. Mas nem sempre é só muro das lamentações, não! A maioria tende a falar dos problemas. Mas, após fazer aquelas caminhadas transversais, pode-se dizer, na reunião: – Mas, espera aí, a gente sabe que há um pessoal criando casulo. – É, rapaz, até que ele conseguiu melhorar a renda... A população começa a descobrir que, na realidade, não existe só catástrofe e que normalmente as catástrofes são colocadas em primeiro lugar. E o desejo? Da realidade, pulamos para o desejo. Como essa realidade pode ser, então, diferente? A população começa a apresentar mil propostas. Então o que fazemos? Como é que se realiza esse desejo? Não basta ficar só “meu desejo é tal”... – Como é que vocês imaginam que a árvore vai ser plantada ali? – Ah, o prefeito, vem... – Mas o prefeito não está nem aí para plantar a árvore. Questionam-se essas coisas. – É a prefeitura? É só a prefeitura? Adianta o prefeito plantar e um monte de menino sair da escola e quebrar? Pode-se perguntar que isso não ofende, não! Não ofende ninguém! As pessoas então comentam: “Dói até lembrar que o menino quebrou a árvore”. Quer dizer, o que adianta?
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No processo da metodologia participativa – e não só dela –, é importante quebrar a hipocrisia. Nada se constrói no sistema participativo enquanto a mediação for baseada na hipocrisia. Hipocrisia do saber superior da academia em relação ao saber da comunidade. Ou há, entre eles, muitas coisas intocadas, e há momentos em que se tem de falar com o pessoal: – Pelo amor de Deus, nós não viemos aqui para lavar a roupa suja de vocês, não! Vocês continuem essa parte em casa! Acontece de família pôr dedo em coisa de família, da esposa com o marido, a tia, que é do mesmo grupo de afinidades. Pressupõe-se que são francos, que são abertos. Mas sabemos que é assim o processo de comunicação em nossa sociedade moderna, ela é mediada por várias automentiras que são construídas, o que impede que seja diagnosticada nossa alva realidade. Há lugares em que, numa simples reunião dessas, resolvem-se quinhentos problemas deles. Fui ao sertão do Pernambuco, em época de seca, mas não tão grave quanto a atual. Havia uma picadeira de forragem que o projeto Santo Antônio, da Igreja, deu. Estava parada há dois anos porque a conta de luz não estava paga. Decidimos diagnosticar melhor. Surgiram três, quatro versões e nenhuma me convencia. – Vamos conversar sobre isso juntos? Veio o pessoal que xingava, o outro pessoal que xingava menos e o pessoal que tentava falar que, se fosse por eles, estavam tocando a tal da picadeira. E havia uma pessoa fazendo a gestão. Uma parcela de associados não pagava o uso e quem não era associado, pagava uma certa porcentagem. Quem estava administrando fazia um livro caixa, registrava todas as entradas e comprava material, porque era época de inflação. Ele não guardava o arrecadado em dinheiro. Comprava. E arame, um monte
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de coisas. Havia um almoxarifado enorme de produtos que o povo usava e - é lógico – de cuja escolha não participava. Entretanto, de certa forma, a gestão funcionava. E o povo dizia: – Ah, tá desviando dinheiro... Aí o administrador perdeu a paciência e veio para São Paulo. Assumiu o seu lugar o que mais o criticava. Quatro meses depois, o projeto foi encerrado, porque acabou a energia elétrica da picadeira. O substituto não pagava a conta de luz. Aos poucos, descobriram que ele só não havia levado embora a máquina porque não cabia no “borná” do jegue dele. Foi um processo difícil, para o pessoal, admitir que havia xingado a pessoa que sabia gerir. E continuavam aquelas conversas, como se a picadeira tivesse parado por causa da gestão do primeiro. Mas, naquela reunião, as coisas afloraram. Aí começou-se a formar uma nova visão de realidade. De que se havia um problema muito localizado, que nem o bispo, quando deu a tal da picadeira, podia imaginar que existia. É um problema comum dessas propostas mais assistencialistas, mesmo que voltadas para a produção. Às vezes, é melhor nunca dar nada, do que dar em troca de alguma coisa. A discussão do processo é importante. Para o caso de um município, é preciso estabelecer qual desejo é preciso trabalhar mais aprofundadamente que a realidade, discutir as causas e conseqüências de cada problema principal. O que é causa e o que é conseqüência? Não será possível construir qualquer projeto juntos, com o método participativo, se ninguém souber o que é causa e o que é conseqüência. A priori, seja o doutor não-sei-o-quê, seja o fulano que nunca foi à escola, todos têm de conseguir distinguir a causa e aconseqüência. Aí, sim, trabalha-se a causa e a conseqüência, porque é na causa que vários problemas são gestados, assim como define-se a maneira de como atuar neles, de quem é a responsabilidade.
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No caso de Cabo Verde, era a estrada. “A estrada está ruim...” O prefeito anterior acabara com a prefeitura, não fizera nada de estrada. Agora a população queria que a nova Administração municipal desse quase uma estrada pavimentada pronta para eles. E o prefeito respondeu: “Não tem dinheiro e há outro problema: a conservação. Muitas vezes, desviamos a água aqui e o povo vai lá e fecha, porque não quer que passe pela propriedade dele e aí a água corre na estrada e ela afunda. Isso tem um custo”. Esse tipo de discussão foi muito estimulante para as pessoas, por possibilitar a descoberta do papel da corresponsabilidade. Feita a lista de problemas, discutidas as causas e efeitos, discutido que processo pode mudar, normalmente faz-se a eleição de prioridades, cujo método é muito importante. Os problemas são colocados, os participante vêem se são aqueles mesmos que devem ser atacados, e elegem os prioritários. Já fizemos eleição “no braço”. A última que citei, lá no Maranhão, foi com palha de buriti, coquinho de Buriti e pedra. Cada peça valia um ponto, cada membro recebeu um e tinha que optar. A palha do buriti valia três pontos, o coco do buriti valia dois e a pedra valia um. Eram instrumentos que a população via todo dia, e com os quais identifica-se muito. Desenhamos os problemas ou as soluções propostas, fizemos um desenho simbólico para quem não sabia ler, e ficamos relendo as opções toda hora, para marcá-las bem. Depois, cada um teve seu tempo de ir lá, escolher e pôr o seu voto em cada lugar. O curioso é que escutávamos sempre: “Olha, raio, todo mundo puxou para o seu lado!” . Mas acabou saindo uma decisão que resolveu o problema de cada um e isso é que é importante para nós. O conflito de interesses existirá sempre. Como é que se negocia isso, e como se coloca isso no tempo? Nenhum desses problemas será resolvido da noite para o dia.
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PROPOSTA DE ROTEIRO PARA A CONSTRUÇÃO DA AGENDA 21 COM O DRP Alessandro Vanini 4
Vou apresentar, de forma breve, algumas idéias, combinadas com o Marcos, para agilizar a Agenda 21. Como a oficina terá pouco tempo, não dá para contar os detalhes dos casos. Não temos um conhecimento específico sobre a Agenda 21. Assim, tentaremos ajustar nossas metodologias a partir de nossa chegada a um município onde nunca estivemos. Nada se sabe sobre ele, não se conhece qualquer instituição, não se sabe com quem se pode contar ou não. Isso já aconteceu conosco muitas vezes. Então tentamos sistematizar como o trabalho de Agenda 21 poderia ser feito num município chamado Treze. Como havíamos concebido as propostas de intervenção participativa para a construção da Agenda 21 lá ? Primeiro, temos de identificar as potenciais organizações locais gestoras, consultá-las e nos reunir com elas. ○
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Engenheiro-agrônomo pela Universidade Federal de Lavras, tem experiência em desenvolvimento rural, e trabalha as relações da Cultura e Adoção de Novas Tecnologias. Atua nas áreas de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável, Agricultura Alternativa, entre outras do gênero. É diretor da empresa Terra Assessoria, Pesquisa e Desenvolvimento, pela qual atuou em projetos de Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador em dez assentamentos em sete Estados pelo Incra/BID, em outras 22 áreas de Minas, pela CPT, além do projeto para a Prefeitura de Cabo Verde, citado na palestra. Ministra cursos para a elaboração de Planos Municipais de Desenvolvimento Rural (Pronaf) e projetos para recuperar áreas degradadas.
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Partimos do princípio de que, ao chegar ao município, não conhecemos coisa alguma, nada sabemos do que existe lá e nem o que faríamos para montar essa Agenda. Assim, precisamos manter contato com as organizações lá existentes: igrejas, CPT, centro comercial, Sindicato de Produtores, Sindicato de Trabalhadores – qualquer organização formal e informal que exista, e à qual consigamos ter acesso e então começar a conversar. Fazemos a lista das organizações dispostas a participar de uma reunião geral e agendamos o encontro. A pauta da reunião é explicar o que é Agenda 21, quais são os seus objetivo, como e o quê planejamos fazer para chegar lá, entre outros aspectos. Explicar bem faz parte da mobilização. É preciso deixar bem claro o que se fará. Em seguida, é preciso levantar as organizações comprometidas e estimular a escolha da coordenação local. – Quem, dentre esses que levantamos, vocês indicam para coordenar? Por quê? Nesta oficina, foi dito que não é conveniente que a coordenação fique com um órgão público, para evitar envolvimento político. Entendo que não cabe propriamente a nós definirmos; penso que o melhor é eles próprios indicarem. Definidas as organizações, propomos uma tarefa “de casa”, que leva à primeira construção da realidade local. O que seria isso? – O que você vê aqui no município? Como vê seu município? E a entidade que representa? O que vê de problemas e de potencialidades? Como pode aproveitar isso? Os envolvidos devem trazer as respostas na próxima reunião. Vão relatar o que vêem no município, principalmente nos aspectos ambiental, social, de potencialidades e problemas. Solicita-se também que tragam ma-
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teriais que já existam, como, por exemplo, pesquisas, livros, alguma referência que possa nos dar indicação do município, da realidade municipal. O que teríamos nessa ocasião? Qual seria “o produto” dessa primeira etapa?: as organizações comprometidas e, se possível, a coordenação local já definida. Pode ser que não se consiga fazer isso numa primeira fase. O que estamos apresentando é o que mandamos ao cliente sempre que desenvolvemos algum trabalho: “A proposta que temos para essa etapa abrange essas atividades e o produto que esperamos é isso!”. A próxima etapa deve ter por alvo a obtenção da primeira versão do mapeamento socioeconômico e ambiental. Depois que a população tiver recolhido essas informações e repassado os dados, todos os envolvidos devem se reunir para conversar sobre esses dados. As pessoas fazem um relato dos principais problemas e das potencialidades locais. Prepara-se, com a população, uma pré-análise dessa realidade. Aqui entra o papel do técnico, que é o de estimular: – Isso será bom? Será ruim? Será uma potencialidade mesmo, ou um problema? Como trabalhamos com isso? E vamos estimulando a reflexão. Falou-se, nesta oficina, do papel do técnico nesse processo. Nosso procedimento, nas reuniões, é esse: não indicar, mas indagar: “Será que é isso mesmo?” Estimulamos o pessoal a refletir sobre as questões que estão sendo colocadas. Outro ponto de debate com a população contempla a definição dos critérios para selecionar os pesquisadores locais: – Como seria o pessoal para compor essas equipes de pesquisadores e para fazer o levantamento da realidade?
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Não se deve chegar lá e fazer tudo, porque a própria Agenda 21 prevê a participação. Por isso, é preciso envolver as pessoas desde o início, estimulando-as a pensar, a discutir o melhor perfil de quem vai desenvolver esse tipo de trabalho, entre outros aspectos. Como “trabalho de casa”, cada organização local estuda a indicação dos pesquisadores, que apresentam na próxima reunião. Claro, é preciso definir os critérios, se a organização deve indicar um ou mais. Isso depende muito do município, da realidade com a qual se trabalha. Estabelecidos os critérios para a seleção dessa equipe, selecionados os pesquisadores, formamos a equipe a ser capacitada e preparamos as pessoas para a capacitação e conversamos com eles: – A proposta de capacitação é esta: “De que forma consideram que pode ser melhor feita? Trabalharemos nisso durante a semana”. Quando se trabalha com esse tipo de proposta, é preciso também adaptar-se ao tempo das pessoas. No meio rural, o pessoal trabalha o dia inteiro, só restando disponível para nossas atividades a noite. É preciso, então, adequar em conjunto a forma de realizar essa capacitação, para que seja realmente eficiente e para que as pessoas participem. Como produto, ter-se-á as equipes formadas. Selecionadas as equipes, a próxima etapa é a capacitação dos pesquisadores da equipe local junto com os da equipe externa. Por quê? Porque quando se trabalha em capacitação, não dá para ficar na teoria tipo: “A metodologia é essa, você vai fazer assim e assado, vai lá no campo e aplica”.
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Não há como trabalhar dessa forma. Geralmente, discutimos o tema com o pessoal. Também depende muito da demanda específica. No início da capacitação, dedicamos de seis a oito horas à teoria, reservamos espaço para a discussão; em seguida, repassamos as técnicas, definimos como o técnico deve se comportar e como aplicar tudo direito. Depois fazemos o restante da capacitação no campo, na prática. Selecionamos algumas comunidades e aplicamos a metodologia. Geralmente, discutimos no primeiro dia com a comunidade; depois começamos o trabalho, aplicamos a metodologia, voltamos e avaliamos – vamos aperfeiçoando com eles. A primeira aplicação, em geral, é feita quando o pessoal não está ainda motivado a começar, para mostrar como é. Depois aplicamos e ficamos avaliando, passando as observações na hora da discussão: – Você está errando nessa parte, procura trabalhar mais assim. Dessa forma, você está induzindo. É preciso deixar bem claro os objetivos do diagnóstico: “O que vamos buscar?”. O “olhar distraído” não funciona, porque olhamos tudo, menos o que é necessário. É preciso definir claramente os objetivos para, a partir deles, elaborar o roteiro de campo. – Bom, eu vou ao campo, mas o que tenho de observar? Existem muitas coisas que acabarão sendo levantadas, e não só através da técnica. Pode-se checar uma grande quantidade de informações mediante a observação, que é uma técnica do diagnóstico. Às vezes, uma pessoa nos fala algo, mas vê-se depois que a realidade é outra.
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Em seguida, selecionamos os informantes potenciais e as comunidades urbanas e rurais a serem trabalhadas. Descobrimos que sempre existe alguém – não necessariamente, lideranças – com quem é interessante conversar. Fala-se muito em líder. Mas estamos acostumados a ver o seguinte: às vezes, vamos a uma comunidade, rural ou urbana, onde há o líder, da associação ou comunitário. Muitas vezes – como já vimos – essa pessoa não é realmente o líder. Está ali porque tem mais facilidade para se comunicar, mas percebe-se que existem outras pessoas que exercem maior liderança. Vemos a liderança assim: o líder não o é para tudo. Há pessoas que são mais líderes na parte política; outras, mais na de organização do pessoal; ou em agricultura, meio ambiente. É importante selecionar essas pessoas, que são informantes-chaves. É importante também definir as estratégias de mobilização porque, por exemplo, se as lideranças não forem bem mobilizadas, não se consegue avançar. Quando dávamos cursos para a Empresa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) saíamos a campo junto com os técnicos daquela empresa. Eles paravam nas porteiras e gritavam: “Tem uma reunião lá, amanhã. O negócio é do seu interesse. Vai lá!” Não adianta, não acontece. É preciso sentar, explicar o que é. No começo, a pessoa fica meio arredia, desconfiada. Mas se formos com jeito, se conversamos, se contarmos um caso ali, outro aqui, as pessoas vão ficando à vontade e conseguimos depois sua participação. Em seguida, mobilizamos duas comunidades-piloto para começar a capacitação prática, adotando como critérios de escolha as que parecem
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adequar-se melhor ao trabalho previsto, as que estão dispostas a colaborar, que talvez sejam mais fáceis de mobilizar. Avaliar a capacitação, a mobilização e os resultados obtidos. Toda vez que damos o curso de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), avaliamos o que fazemos. Vamos ver o que os técnicos acharam, qual sua visão. O que sugerem que pode ser mudado? Avaliamos também o comportamento dos técnicos: onde acertaram? Onde erraram? Onde estão se deixando induzir ou não? Que tipo de comportamento não deveria ter ocorrido nessa pesquisa? Eu mesmo tenho de me controlar porque, às vezes, me empolgo, quero dar opinião... É difícil controlar isso! Depois vem a elaboração do cronograma de mobilização por agrupamento de comunidades. Como é isso? Depois de feito o diagnóstico naquelas comunidades, é preciso combinar uma forma de agrupá-las - pelo menos algumas pessoas - , para trabalhar e aprofundar a discussão, de forma mais geral. É preciso juntar as informações das várias comunidades para construir uma coisa única, que, no caso, é a Agenda 21. Marcos Ortiz - Combinamos um roteiro, com questões socioeconômicas e ambientais, para ser discutido em conjunto e adaptado à realidade de determinado município. Não adianta pôr indústria no roteiro, se no município não há indústria. Primeiro, checa-se o levantamento, seguindo o roteiro de alguma forma; depois, verifica-se se aquelas técnicas que foram treinadas são as mais adequadas para obter informações sobre o roteiro; em seguida, checa-se se as informações foram bem sistematizadas, bem ano-
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tadas e bem organizadas; no próximo passo, afere-se o comportamento dos técnicos, o nosso comportamento; e, por fim, se a aplicabilidade daquele instrumento está indo ao encontro da Agenda 21. Pode-se colocar todas as questões pertinentes. É como o monitoramento. Essa capacitação até agora serviu de base para se avançar para todo o município. Alessandro Vanini - Geralmente, avaliamos os pontos fortes e fracos com os participantes. Esses são alguns passos, não uma receita pronta, como já se alertou aqui para a necessidade de incentivar a mobilização das comunidades para participar; aplicar as técnicas do DRP individuais e coletivas junto a essas comunidades. Acreditamos que se forem seguidos esses passos, conseguiremos construir a Agenda 21 de uma forma mais participativa. No conjunto das informações que se quer obter, existe uma série de técnicas de DRP – cerca de cinqüenta, mais ou menos – , com as quais trabalhamos, sendo dez as mais utilizadas. Vamos definir e aplicar as técnicas com a comunidade, buscando levantar todas as informações que acharmos importantes para a elaboração da Agenda 21. Em seguida, agendamos o retorno às comunidades para a eleição das prioridades e metas. Quando há tempo, elegemos as prioridades na hora. Se levantarmos as demandas todas e voltarmos numa outra hora para discutir, com eles, o resultado do que se levantou, e fazer a eleição das prioridades, ainda há chance de corrigir algum erro. “Apareceu essa informação, ela está meio deturpada: é isso ou não?” Vamos discutindo com eles. “O que estou apresentando aqui é realmente a realidade de vocês, ou existe alguma coisa que colocamos que não é bem assim?” É preciso, em seguida, sistematizar as informações e complementar os
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dados e referências. Sistematizar é, entre outros aspectos, ordenar essas informações para que não se percam. Temos uns quadros de coleta de sistematização que facilitam esse processo e a elaboração dos relatórios e a complementação de alguma informação que seja necessária ou que ficou faltando. Como produto, teremos a mobilização e a conscientização da população envolvida, porque as técnicas do DRP mobilizam muito as pessoas. Cumprida essa etapa, far-se-á a identificação dos parceiros locais. Verifica-se com quem se pode contar, faz-se o relatório preliminar da Agenda 21 e marca-se a eleição. Em seguida, vem o retorno dos resultados e a eleição das prioridades. É interessante publicar e divulgar o relatório preliminar, preparar as listas de problemas e potencialidades por agrupamento de comunidades, reunir e discutir com eles as causas, as conseqüências e os processos. – Os problemas são esses. Qual a causa disso? Qual é a conseqüência? Como vamos resolver? É preciso leger as prioridades e indicar as parcerias. Com quem podemos contar para executar o que se definiu. Os resultados são um amplo debate dos resultados, a eleição das prioridades e a indicação das parcerias. A próxima etapa é a checagem das parcerias a o contato, de maneira a potencializar o comprometimento dos parceiros, aprofundando as metas e identificando a fonte dos recursos. – As metas são essas mesmo? Como iremos alcançá-las? De onde virão os recursos?
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É preciso deixar tudo bem definido e, como produto, teremos os parceiros acertados. Depois, virá a análise dos dados e a proposta de fusão da Agenda 21 municipal, a partir dos resultados de cada comunidade. Para tanto, é preciso analisar os dados, preparar a proposta de fusão e realizar uma assembléia municipal ou o encontro de um conselho municipal. A tática varia de município para município. Outro ponto importante é propor os indicadores de monitoramento que temos de construir com eles. Não adianta tirar o indicador da nossa cabeça porque cada um está numa realidade e a população vai saber o que é melhor, e vai indicar o que está se desenvolvendo. Um exemplo de como criar indicadores a partir da nossa cabeça é uma atitude complicada, aconteceu num assentamento no Maranhão. Fizemos lá uma eleição de prioridades: a energia elétrica – que eu considero um insumo básico para todo mundo. Para a comunidade, apareceu como a décima-primeira prioridade. Pode-se assim ter uma idéia da situação em que o povo vivia. Como, então, colocar por indicador o acesso à energia elétrica, se eles tinham coisas muito mais prioritárias a conseguir? É por isso que os indicadores têm de ser construídos junto com eles. Propor indicadores, preparar cronograma e mobilizar para o encontro municipal: o que teríamos de produto nessa fase? O relatório final do diagnóstico, as propostas dos indicadores, a cartilha e o documento, em vídeo e em fotografia. Não tiraremos a cartilha da nossa cabeça, não! O que vamos fazer é
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levar aos agricultores, numa linguagem acessível e bem ilustrada, as informações do diagnóstico que levantamos e trabalhamos, prestadas por eles. É preciso considerar que aquela população teve pouco acesso à educação formal. Os materiais, por isso, devem ser editados de forma que as pessoas consigam entendê-los. Estamos falando em vídeo e fotografia, porque são ferramentas muito interessantes para se usar, para promover discussões e repassar informações, a fim de que todos acompanhem o desenvolvimento do processo. A última etapa seria a realização da assembléia municipal ou o encontro do conselho. Quais seriam essas atividades decorrentes? A publicação e divulgação do relatório final, a definição das prioridades do município e a apresentação dos indicadores que vão monitorar esse processo. Como resultado, teríamos maior divulgação da Agenda 21, as prioridades, as metas municipais e a segunda versão dos indicadores, agora melhorada. Tem início então o círculo de monitoramento, para avaliar em que ponto se está errando e então ajustar. Marcos Ortiz - No Rio de Janeiro, devido o município ser muito grande e ser impossível trabalhar de outro modo, a opção foi a mobilização do conselho, como forma de obter um bom equilíbrio entre a institucionalização do processo e a garantia da participação, como a Samyra mostrou nesta oficina. Mas acredito que seria possível, em Pedra Bela, promover a realização de uma assembléia municipal, ou, pelo menos, de uma assembléia municipal da população rural e outra, da população urbana.
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Samyra Crespo - A apresentação de todos foi muito interessante, porque levanta muitas questões e porque as metodologias que usamos são muito parecidas, como se pode perceber ao analisar a nossa cartilha. Apenas, a nossa metodologia é mais voltada para a Agenda 21. Hélvio Nicolau Moisés - Obrigado, Samyra!. A palavra está aberta para esclarecimentos a respeito da metodologia apresentada. E dos “causos” todos, fantásticos! Elizabeth Ferreira - Os depoimentos e as experiências touxeram enormes contribuições a esse processo. E, em cada um deles, percebe-se que se avançou num determinado eixo, que se acumularam experiências, conhecimentos e vivências ou que se deixaram de acumular em outros. Percebe-se que o processo integral de construção da Agenda 21 vai depender da construção de várias Agendas 21. A construção da Agenda 21 é um processo que vai se totalizando ao final de vários procedimentos. Na experiência apresentada pelos representantes de Lavras, por exemplo, tem-se um ganho extraordinário na organização, no avanço da comunidade e da participação, de fato, da raiz, do que compõe o quadro. Mas não contempla a questão da macropolítica, dos instrumentos institucionais de gestão, dos instrumentos que referenciam a própria política pública local.
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O trabalho que desenvolveremos na Fernão Dias deve possibilitar um avanço na consolidação da consciência regional. Dentro do possível, estaremos operando sobre o quadro local, nas suas deficiências e nas suas positividades, nos seus pontos fracos e fortes. As questões são imensas e inúmeras e gostaríamos de fazer esse mesmo trabalho que vocês desenvolvem. No entanto, nesse momento, nosso olhar e nossa preocupação estão muito mais voltados para as muitas questões referentes às “correções de curva” na cultura institucional. Ou seja, os instrumentos estão bem ajustados? As estruturas administrativas contemplam esse novo fluxo de desenvolvimento? E o aspecto sustentável? Como isso tudo está organizado em termos do macrovetor? Nesse sentido, vamos tentar trabalhar alguns vetores, entendendo que é um processo de construção e, principalmente, de busca da consolidação desse espaço local e regional. Há alcances e alcances, e há limites e limites. Como é um processo único em cada caso, não dá para tirar uma única Agenda, como, aliás, foi assinalado muito bem nesta oficina por todos vocês. Não temos uma única fórmula, e é preciso trabalhar, desde o início, com os limites todos para aquela ação: os circunstanciais, os políticos, os de recurso, o do que se pode e o do que não se pode. Com esse quadro, acredito que cada avanço é um grande avanço. E, nesse sentido, creio que a região terá, com certeza, um avanço. Entendo que nosso papel, enquanto representantes do Cepam, é promover a reavaliação dessa cultura institucional, a fim de que as pessoas revejam procedimentos e reconheçam as parcerias, que é outro ganho fundamental nesse processo. Que as pessoas sejam educadas para as parcerias; ou seja, que os novos atores estejam, de fato, compondo o processo e sejam respeitados nele. Já será um ganho. Quando vocês caracterizavam o perfil de quem faz a mediação, no
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reconhecimento das parcerias, já estavam promovendo aquele perfil, não? Quando se diz, “olha, vamos compor..., é um processo de construção coletiva”, não se pode fazer uma qualificação, uma classificação do que é melhor. É o melhor, dentro do quadro circunstancial possível. Por isso é que é um processo. Marcos Ortiz - É fundamental reconhecer os limites. Concordo totalmente apesar de sempre gostar de insistir: “Dá uma tentadinha! Vamos tentar dar uma chacoalhadinha!”. A própria mudança do institucional ganha um acelerador muito importante, a partir do momento em que as pessoas que trabalham no processo de gestão participam desse tipo de processo. O prefeito de Cabo Verde nos agradece até hoje os 70% de popularidade, que nunca caem, por conta dele ter dado um apoio técnico muito importante na área de educação, principalmente da agricultura. Todo mês ele volta naquelas mesmas comunidades para rediscutir e avaliar cada passo que foi dado e também o que não foi feito, e porque não. Ele estava presente em todas as reuniões. No começo, ficou resistente! Mas o combinado era o seguinte: – O senhor deve permanecer calado. Terá a palavra só no final, se o povo não estiver impaciente e não quiser ir embora. Como era início de mandato, o povo estava querendo ouvi-lo, então, ele falava em todos os finais de reunião, mas não apresentava a plataforma. Estava assustado. Mas foi tão importante visualizar aquele processo que, na burocracia da gestão, cada papel, cada atitude foi reavaliada, em função do que estava se vendo no campo. A questão do macro é fundamental. Vai bater em problemas como o desemprego – e a geração de emprego e renda passa por problemas muito
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sérios. Não podemos cair de novo nessa história de “comprar a forrageira, a picadeira da forrageira e jogar lá”. É importante poder repetir alguns instrumentos, ou algum processo de consulta, nas cidades menores, onde isso pode ser feito sem muito custo. É impressionante como se ganha em processo de gestão quando os gestores que trabalham lá em cima vivenciam no campo essa situação. O pessoal fica querendo falar, querendo participar... Outro dia, avaliamos um projeto cujos integrantes foram nossos anotadores. Eles não quiseram capacitação; agora querem. Queriam que fôssemos lá aplicar, mas nós dissemos: – Precisa levar anotador. – Ah, mas não tenho dinheiro para pagar. – Então vocês anotam! – Anotamos. Eles não queriam anotar. Vários trabalhos eram anotados. Ficaram bravos, queriam falar mas não puderam, porque não era o momento de eles falarem. Eles têm chance de voltar lá toda vez que quiserem. Não é necessário reunião, relatório, coisa alguma para as pessoas começarem a pensar: – Lembra? A gente pensou em fazer aquilo; nós abandonamos devido àquele obstáculo, o senhor não tentou passar por cima daquele obstáculo... Agora, ele vai fazer aquele obstáculo desaparecer ou tornar-se transponível.
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Se for possível, experimentem um piloto em qualquer lugar. Há várias cidades pequenas ali, onde é rápido experimentar um pouco. Pedra Bela, por exemplo, é praticamente rural. Sua vida urbana tem um vínculo muito forte com o rural. Se for feito o rural, será feito também o urbano. Nosso sistema burocrático é português...! Li um documento histórico: o embaixador de um rei de Portugal, um pouco antes de Pombal, foi nomeado embaixador na Holanda. Na Holanda, ele ficou chocado com o sistema de gestão português. Era amigo do rei e começou a criticar o sistema de gestão português. Aquele sistema, do qual ele falou, que é misturado com o poder local, sofreu pouca mudança, porque se trata de herança de formação cultural, de cultura política muito forte. Retreinar técnico é trabalhoso, mas se houver técnico capacitado a ir lá, enxergar a demanda diferente, se for sensível, pode conseguir operacionalizar o sistema de gestão para um outro sentido, ele choca, mas acaba sendo aceito. Já houve gente querendo nos processar. Outro dia, ligou uma pessoa dizendo que a diretoria da Emate de Minas Gerais queria nos processar porque “era um absurdo!”. Passou-se um mês, não veio o processo. Hoje, estamos trabalhando para eles. Faremos o projeto de avaliação da empresa como um todo. São seiscentos municípios. Vamos nos deparar com várias situações, mas a provocação - nem que seja uma técnica só para levantar demandas, mesmo que não seja o processo todo -, já vale de alguma forma. Pode-se trazer todos aqueles técnicos aqui para fazer quarenta cursos e haverá coisas que ele não vão compreender. Mas se forem levados para uma reunião com os agricultores, vão compreender ali, no esbravejo, na exposição das pessoas; vão compreender tecnicamente, vão anotar, vão tentar operacionalizar no seu trabalho. Alessandro Vanini - O exemplo de Cabo Verde, de que o Marcos fala, é um projeto-piloto. As prefeituras em volta estão querendo saber o que está
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acontecendo, porque o prefeito está sem recurso, não está podendo fazer muita coisa, mas tem popularidade alta. Acontece que os agricultores começaram a compreender quais são os problemas do prefeito, perceberam que não é tudo culpa dele, que eles também têm que participar da gestão. Criaram com o prefeito formas bem mais baratas de recuperar as estradas e ajudam na conservação. Ao ajudarem o prefeito na gestão do município, tudo fica muito mais fácil para ele. É difícil mudar inicialmente, mas, uma vez implantado o projeto-piloto, as outras pessoas vão vendo acontecer e o negócio vai se reproduzindo – devagarinho, mas vai. Paulo Ganzelli - São superinteressantes as exposições. O Rio de Janeiro trouxe uma experiência institucional para elaboração da Agenda 21. Foi feito um projeto, elaborada a normatização, um conselho foi instalado e pôs-se em prática o que se imaginava ser necessário para elaborar a Agenda 21. De São Paulo, veio a expectativa de mobilizar o povo a partir da unidade local. Do pedaço, saiu uma Agenda 21 para uma cidade de dez milhões de habitantes, uma coisa assustadora do ponto de vista da energia que precisa ser gasta para se conseguir isso. E não tratou do assunto institucional. Imagino que lá, do núcleo da cidade de São Paulo, sai uma proposta da cidade mais rica do País, em que há interesses econômicos internacionais, mundiais. Não se está considerando esse outro aspecto. Está se acreditando que, do micro, vai sair a proposta de uma cidade com o porte de São Paulo. Há uma distância muito grande, imensa. E há esse pessoal que têm experiência de assessoria sobre os mais diversos problemas. Conseguimos, assim, ter uma visão de variadas experiências. Em nosso caso, acredito que estamos no meio disso tudo, porque não desprezamos a
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institucionalização e estamos indo atrás da participação. Pretendemos chegar ao cidadão, só que estabelecemos uma espécie de estratégia para chegar até lá. Não desencadeamos uma ação com o cidadão antes de uma ação regional. Buscamos, primeiro, a unidade regional – entender a região – e, a partir daí, nos aproximarmos para chegar às questões mais locais. O que nos deixou bastante satisfeitos nesse processo foi a postura, aqui exposta, de ser muito franco quando se está falando, de não chegar dizendo que se vai resolver as coisas, que se vai resolver o problema. Nunca chegamos falando que vamos resolver os problemas ambientais da região. Não é a Secretaria do Meio Ambiente que vai promover o desenvolvimento sustentável de lugar algum. Ou o município topa a parada, junto com a sociedade civil, os empresários, com as ONGs, os cidadão, outros órgãos do Estado, etc., ou tudo transforma-se em balela. Assim, elaboraríamos um documento que seria posto na gaveta, mais nada. A expectativa que criamos na região é de coparticipação e de corresponsabilidade. Nunca dissemos que vamos resolver um problema lá. Estamos tentando resolver, estamos abrindo canais, indo atrás da solução dos problemas que estão sendo levantados, Mas não nos comprometemos a resolver, a não ser que estejam diretamente ligados ao nosso sistema, aos nossos órgãos. Nesse caso, temos a obrigação de resolver. Quero falar dessa opção de não institucionalizar, porque a institucionalização certamente vai causar uma indisposição, vai promover um “racha” no processo. Até agora, o processo está andando de uma forma muito dinâmica, muito aberta. Quem quiser, entra no processo; quem quiser, sai. Isso está sendo muito rico, porque não tínhamos idéia de que existiam as experiências com as quais estamos entrando em contato. Foi por causa dessa não institucionalização que elas apareceram, senão, também não apareceriam.
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Nossa surpresa foi descobrir que os municípios embaixo, lá nos pescadores de Tuiutí, têm projetos maravilhosos. A experiência tem sido muito rica, porque estamos vendo que a Agenda 21 está sendo construída. Ninguém sabe o que é Agenda 21, mas ela está sendo feita, está sendo elaborada, está sendo produzida lá, e está sendo implementada. Não precisamos chegar e dizer: “Existem 150 definições de desenvolvimento sustentável; a primeira é essa, a segunda é essa...”. Por quê? Porque já existe muita ação desencadeada nessa linha de desenvolvimento sustentável. Foi uma conjugação de fatores muito favoráveis, porque há uma série de aspectos muito peculiares dessa região e que fizeram com que a sociedade já esteja procurando alternativas, independentemente de estarmos indo atrás, nós do Estado, da Fernão Dias, porque é uma região que sofreu muitos impactos regionais de grande porte: as rodovias Fernão Dias e Dom Pedro, as grandes barragens - há três grandes barragens que liquidaram com a economia dos municípios e têm restrições do ponto de vista ambiental. Isso fez a própria sociedade sair em busca de outras formas de sobrevivência - não se trata nem de questão de desenvolvimento sustentável -, tanto que na região não existe miséria absoluta. Há o Município de Vargem, mas lá não tem miséria, porque o sitiante consegue sobreviver. É diferente do Vale do Ribeira, onde há miséria. A região da Fernão Dias pôde evitar tornar-se miserável, talvez, pela proximidade com São Paulo, pela possibilidade de escoar um pouco da sua produção, qualquer coisa assim. Essa não-miserabilidade possibilitou uma certa organização, uma certa formação das pessoas. Há pessoas bem formadas morando nesses municípios, com projetos elaborados de desenvolvimento. Também nos foi favorável conhecer previamente essa realidade quando começamos a trabalhar, porque, assim, não precisamos partir do
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zero e mobilizar a população. Assim, ganhamos uma etapa muito grande. O que está se formando agora ? É a consciência regional e a visibilidade de que os problemas são comuns – isso eles não tinham –, de que um tem uma solução e o outro vai aprender com aquela solução. Realizamos um seminário de dois dias sobre experiências e potencialidades dos municípios na linha de desenvolvimento sustentável. Um prefeito levantou e disse: “Eu vou lá no seu município conhecer a sua experiência!”. Só isso já valeu o seminário, porque, independentemente de tudo o que vai ocorrer, eles começaram a ver, primeiro, que pertencem a uma região e que ela não é formatada regionalmente. A Fernão Dias é que está provocando essa idéia de região, porque ela não existe institucionalmente. Mairiporã e Vargem estão bem distantes e hoje mantêm contato. Um vai conhecer a experiência do outro. A Fernão Dias é que acabou promovendo essa regionalização. Já existe município lá, inclusive, que está elaborando a Agenda 21 local. Numa reunião, o representante de um município disse: “Não, nós queremos primeiro fazer a nossa, que já estamos preparando... Primeiro temos que fazer a nossa e depois vamos pensar na regional...” O importante é ver a riqueza dessa cultura regional com a qual nunca tínhamos entrado em contato antes, com uma experiência como essa e que eu achei super-rica. Para nós, é importante porque podemos avançar muito na elaboração da Agenda 21. Todos os municípios já têm o diagnóstico local. Não é o diagnóstico da vila, não é o diagnóstico da comunidade, não se chegou a esse ponto. Mas, quando se vai conversar sobre o município, a população local já conhece os problemas, já os reconhece, já sabe das dificuldades, tem clareza das críticas que são feitas ao Estado. Acredito que, a partir das exposições aqui feitas, já poderemos falar das várias experiências, estabelecer um direcionamento bastante positivo no sentido de discutir as agendas locais.
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Ana Teresa Junqueira - A escala e o perfil dos municípios pesam na metodologia? Vocês são da área de ciências agrárias, e a metodologia considera um perfil que vai discutir a questão das entradas e saídas, do consumo, da energia, etc. Determinados municípios têm perfil semelhante, com características rurais ou próximas. Um ponto forte é a questão da escala e do perfil socioeconômico do município? Gostaria que vocês destacassem, na sua experiência com vários municípios, os pontos fortes e o que consideram fragilidade. Marcos Ortiz - Primeiro, a respeito da escala: o fôlego dela vai depender muito da equipe e da disposição institucional de bancar o processo. Institucional se conseguirmos envolver, nas três etapas, alguma secretaria que trabalhe mais a idéia, a associação comercial - fundamental segundo a visão de serviço e município. O fôlego depende muito de quem se compromete a partir para o campo, a buscar, entre eles, pessoas do local, para compor a equipe que vai ser preparada para essa tarefa. Se a população for muito grande, pode ser estafante. Trabalhamos com uma certa amostragem, com o que é possível dentro da representatividade, quando o município é maior. Há municípios, no Norte de Minas, em que já existem 90 associações de agricultores familiares e são 160 comunidades. Se trabalhássemos com o universo e fizéssemos a amostragem de 100% disso, ficaríamos por lá dois ou três anos. É município muito extenso, mas pobre. Não consegue bancar o custo de uma equipe por tanto tempo, tendo de ir e voltar. Então, há condições de estabelecer a amostragem e é por isso que o envolvimento local é fundamental. Não dá para as secretarias ou o Cepam irem lá e fazer esse trabalho. Dependendo do número de pessoas que se conta para compor as equipes e da heterogeneidade do municí-
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pio, caso se consiga cercar bem a amostragem dentro dessa heterogeneidade, pode-se realizar o trabalho mas sem se conseguir atingir tal profundidade na discussão do papel de cada um nessa Agenda 21. Promover uma mobilização de 100%, provocaria reação, mas é difícil porque nem todos se interessarão nesse momento. A barriga ainda ronca muito mais alto, e há a descrença quanto ao Poder Público, entre outras variáveis. É possível estratificar, compor amostragens que reduzam o trabalho de campo, mas que consigam aprofundar, aqui e acolá, temas que vão envolver, mexer com comportamentos, o que é difícil. Não adianta repovoar a fauna e a flora numa determinada margem de rio se esse comportamento, em relação ao uso, é ainda do tempo dos bandeirantes, se a população ainda mata animais para conquistar a virilidade. Que locais são representativos para que se possa discutir essa e outras questões? Existindo pessoas, ou grupo de pessoas, que já conhecem ou que já têm um diagnóstico bem formado, é mais fácil e rápido. Quanto à segunda questão, sobre os pontos fortes e pontos fracos, a Samyra explicou que, no Rio, existem experiências muito fortes, em favelas, na área de saúde. Alguns desses projetos, que estão dando certo em favela, nasceram de aplicações metodológicas semelhantes. Então, já há experiências concretas no urbano puro. Existem muito mais experiências na área rural e isso fica bem claro na fala do Alessandro, que a conduz para o campo porque é o campo que ele domina, com certeza. Já estamos usando o urbano em Lavras, muito devagarinho, porque a prefeitura não quer se envolver. Temos aí um ponto fraco, muito grave, da metodologia, que surge quando se imagina que só se vai lá, se faz o estopim, e as coisas passam a acontecer por si só. Seria irresponsabilidade agir assim e; antigamente, até caímos nessa. Fo-
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mos para a zona rural de Cambuí, com uma prefeitura que, na gestão anterior, fôra do PT. Acontece que o prefeito nada tinha a ver com o meio rural, tanto que ele chamou como parceiros só o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a prefeitura. A igreja ajudou um pouco a mobilizar. Mas foi difícil. O prefeito começou a perceber que, passados dois anos e meio de administração, sua visão do rural era distorcida. Começou a perceber que não era tão problemático trabalhar com o pessoal do campo, mas já era tarde, porque os agricultores já não eram mais eleitores dele e os munícipes tinham a sensação de que a gestão morrera com dois anos e meio. No ano e meio restante, não seria possível reverter a situação de forma alguma, e aí nos abandonaram no processo. Um rapaz da escola fez uma exposição das fotos da experiência na Biblioteca Municipal e isso foi um agito. Muita gente veio ver as fotos na cidade. Das fotos, fizemos uma cartilha que foi distribuída. Mas não houve preocupação com a continuidade. O ponto fraco é esse. Se se começa com baixo envolvimento das pessoas, sem empolgação alguma para absorver a metodologia e ir a campo, a chance de não haver continuidade é muito grande. Não ocorrendo continuidade, deixa-se o povo tão frustrado que para voltar a trabalhar participativamente vai demorar muitos anos. No caso da prefeitura de Cabo Verde, nós nos preocupamos até com a legislação municipal, para que a experiência não fosse uma coisa só de governo. Lá há o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e as escolhas dos atores sociais representantes passaram por um processo que não foi pessoal, do governo. A lei estabelece que o conselho seja deliberativo. Começa como conselho consultivo e se transforma em deliberativo, num processo que garante que, se o prefeito futuro for de outra linha política, está sedimentado um fato que terá continuidade.
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Por isso, também considero necessária alguma forma de institucionalização. Ao se institucionalizar, sempre ocorre que algumas pessoas se deixam corromper, mas estamos num país no qual há essa heterogeneidade toda, e temos de continuar nele, não vamos inventar um novo. Não acredito na história do homem novo. Jamais seremos uma tábula rasa. Não se consegue pegar uma pessoa, tirá-la dali e transformá-la em outra nem se for um recém-nascido, colocado numa escola diferente. Ele não vai se socializar como se fosse uma novidade como ser humano. Não se inventa o ser humano. Assim, o princípio da mudança não está no que eu quero fazer para que as pessoas se convençam para mudar, mas sim no que elas querem mudar. O ponto fraco é esse: pode-se bater num lugar em que as pessoas começam a ver que, “para mudar, tem-se de fazer tudo isso...”, e então elas podem reagir assim:. - Então eu não quero...! O ponto forte é quando acontece o contrário. Quando o técnico da gestão pública, que tem vontade de mudar, capta o potencial de mudança da metodologia e o assume. Estou falando de quem trabalha em assistência técnica rural, nas áreas de saúde, de educação, os professores. Essa metodologia de escolas, em Lavras, está provocando um interesse danado! As diretoras que captam potencialmente isso, conseguem obter o comprometimento dos estudantes com as escolas da noite para o dia. Isso porque num dia depreda-se a escola, no outro, quer-se pintar a escola, porque houve arrependimento. E existem os que não querem captar. Sentem-se ameaçados, endurecem, viram pequenos tiranos e é quando a frustração acontece. Não há como evitar, como ter certeza, principalmente se for o começo. Mas o principal é o processo.
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Quando se consegue atrair setores diferentes, atrair homens e mulheres, pode-se construir um roteiro vinculado à realidade local. Há chances de se provocar uma certa inquietação. As possibilidades de que seja usada potencialmente para a mudança, no entanto, são maiores. Esse é o ponto forte. Alessandro Vanini - Falando-se, aqui, não dá para imaginar o que acontece no campo em termos de expectativas quando se atua Quando se está lá e se começa a levantar os fatos, a situação é diferente. Por isso, quando há demanda para trabalhar para a prefeitura, a primeira coisa que ela recebe, antes da proposta orçamentária ou da proposta técnica, é uma carta contendo os pré-requisitos para fazer um trabalho desse tipo. O prefeito deve estar disposto a fazer daí para frente a parte dele, correr os riscos junto. Deixamos isso bem claro, no início. Senão, vai-se levantar expectativas, deixar as pessoas frustadas e não se chegar a lugar algum. A imagem que eu tenho da Agenda 21 é que ela é um conjunto de ações combinadas com metas; quem vai fazer, quanto e até quando. Quem vai fazer - uma vez que assumiu -, comprometeu-se. Quer dizer, todos os que participaram da formulação da Agenda 21 vão assiná-la. E deverá haver uma gestão dessa Agenda, uma vez que se chegou a ela como documento. E não deve ser fechada; pode continuar aberta. Por quem ela será controlada e como vão ser medidos os indicadores essa é uma discussão que teremos de enfrentar. Uma possibilidade é indicar como órgão gestor o Conselho local de Meio Ambiente, ou de Planejamento de Ambiente, ou de Desenvolvimento Sustentável, ou Fórum da Agenda, se não for o próprio conselho instituído por ele ou
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se não existir o próprio Fórum Local da Agenda. Ele permanece no tempo, mesmo depois da Agenda elaborada. A continuidade do processo vai depender muito desses aspectos. O fato de ele já estar instituído é que torna o conselho a melhor alternativa. E se ele tiver a atribuição clara de acompanhar o desenvolvimento da implementação da Agenda, as atividades tendem a continuar, no mínimo, até o final desse mesmo governo. Digo “no mínimo”, porque vai depender dos acertos e das metas, do tempo estabelecido para as metas. Deve ficar por conta do próprio processo resolver aspectos como essa preocupação de se levantar expectativas e não poder oferecer respostas, uma vez que as pessoas que estão envolvidas com a Agenda é que vão se comprometer a executá-la e a implementá-la. O Poder local que está lá é que vai dizer: “Essa parte eu faço”. O empresário que está lá é que vai propor: “Essa parte faço eu”. A ONG que vai dizer: “Eu vou alavancar o financiamento para fazer essa parte porque tenho interesse em participar desse processo”. Marcos Ortiz - Se me permite, existem os que vão fazer e assumir; e os que não vão fazer. Temos de estar preparados para todo esse processo Helena Werneck - Vocês já trabalharam com conjuntos de municípios, tendo em vista um objetivo comum? Essa metodologia, que me parece extremamente interessante, permite a extensão para um conjunto? Além da questão do local, que está bem clara nos exemplos de vocês, tem-se um segundo desafio que é aplicar o conjunto dessas deliberações locais em uma realidade supralocal, pois essa é a proposta da Secretaria do Meio Ambiente: ela se constrói no nível local mas tem de haver uma explicitação dessas conjunturas locais num ambiente regional. Hélvio Nicolau Moisés - Não temos claro: como é que o local se articula com o regional? O que parece é que o regional vai estar presente no
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local, e o local no regional, mas que são instâncias sem comunicação mecânica entre si. Não haveria a ordem: primeiro faz o local, depois, o regional, ou vice-versa. Esse processo vai acontecer combinado mas não controlado. Marcos Ortiz - Se tudo correr bem, acredito que em agosto daremos início à experiência regional no Vale do Aço e na bacia do rio Piracicaba. Não nos aplicamos na junção regional. Há um trabalho realizado pelo CA do Norte de Minas, que fez o planejamento de uma microbacia. É uma ONG, sediada em Montes Claros. O trabalho envolveu quatro municípios. Foi necessária uma grande negociação porque existiam duas prioridades antagônicas. Uma referia-se à altura que teria a barragem, porque traria mais água para os beneficiários, mas tiraria mais terra da parte de cima. Nossa tarefa tem sido complementar o trabalho da ONG, atuando com ela, porque agora estão entrando numa segunda fase, em que o problema é a negociação de interesses, dos conflitos. É aí que entra a questão do respaldo; por isso é tão importante a participação na construção da Agenda Local. Quem está levando a local para a regional precisa ter esse respaldo, essa base de negociação. Afinal, é um processo de negociação de interesses. Gostaria de poder acompanhar como vocês, de São Paulo, estão construindo a Agenda no regional. Se o prefeito, ou quem está levando o tema para a discussão regional, estiver bem respaldado na sua realidade, vai saber até onde pode ceder ou não, ou se a prioridade que está sendo definida para o regional vai contemplar todos os municípios ou deixar alguns totalmente fora. Estamos numa fase boa, do bom senso, entendendo que a lógica tem suas exceções, e que, na cultura política, vão permanecer muito significativas por um bom tempo. Mas, pelo menos em alguns lugares dessas regiões em que estamos andando, a responsabilidade existe e tenho firmeza na
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mesa de negociação para dizer: “Olha, está envolvendo nove milhões de pessoas, vão ficar 11 mil habitantes lá de Pedra Bela de fora!”. Pedra Bela vai entender. E se a construção foi participativa, o município vai voltar lá: “Olha, pessoal, a nossa só vai entrar na programação de 2004.” – Mas não é Agenda 21? Não é para um século todo? Vai ter de rever mesmo. No outro século, vai mudar tanta coisa e sabe-se lá o que vão inventar e o que teremos de modificar. Que outros problemas ambientais vamos estar gerando? Daqui a pouco, vamos ter lixo de computador para jogar e não sei o que faremos com isso. Esse era um problema só dos alemães, só dos japoneses e não sei o que vamos fazer com isso, é gravíssimo. Devem haver vários outros problemas, quiçá, um colapso energético. Vamos contando com uma dinâmica, que é muito mais macro que a da região. E essa dinâmica vai criar a necessidade, a partir também da dinâmica local, de se estar revendo essa Agenda para um século todo. Agora é negociação! – O processo foi limpo? Foi claro? Foi participativo? Pronto. Eu respeito! Ana Tereza Junqueira - Sua fala me lembrou uma questão: em 1987, existia um consórcio que reunia esses municípios da Fernão Dias. Era o chamado Consórcio do Sistema Cantareira, que já possuía uma articulação intermunicipal muito forte em torno de alguns interesses. Uma das associações de reposição florestal localiza-se naquela região. Já havia uma forte articulação da comunidade desses municípios que estão na cabeceira do rio Piracicaba. Elas juntaram-se ao movimento e integram o Consórcio Intermunicipal do Piracicaba - que vai desde a cabeceira, que são esses municípios, até a região do Piracicaba. O embrião de origem dessa articulação já existe há dez anos.
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Sua metodologia tem algum procedimento de construção do conhecimento além da construção da negociação? Na construção do conhecimento, existe algum mecanismo metodológico que lhe dê base, do local para o regional? Marcos Ortiz - Com certeza! Senão, como é que se conheceria a realidade regional? Dependendo da região, ela foi contemplada por vários estudos, por consultorias internacionais. Tem-se os dados censitários, as informações do regional, muita informação é veiculada pela televisão, a mídia expressa muito, hoje, o que é a visão do regional e são visões muito complicadas para a discussão de desenvolvimento sustentável. Concordo que existe uma cultura não-sustentável que permeia as relações. Quando o enfoque da metodologia contempla diretamente a construção do saber e se passa a estimular um diagnóstico, um autodiagnóstico, constrói-se uma visão diferente dessa realidade. A partir do momento em que começo a ver diferente ao meu redor, bem em volta do meu pé, levanto a cabeça e começo a observar a região em suas diferenças. O específico constrói. Acredito muito na construção de conhecimento pela base diferente. O conhecimento sai da academia e passa a valer tal qual o outro. O da academia responde a uma determinada demanda e necessitamos de soluções técnicas. Se a reação química ou física para acender uma lâmpada terá de ser X, ponhamos essa lâmpada, não deixemos para depois. Esse conhecimento técnico ou racional-científico constituído, tem de estar lá para resolver questões técnicas. Tenho de saber como posso filtrar diferente; a necessidade, agora, é do filtro; então, esse filtro vai ter de se adaptar de forma bem diferente ali. É o que será negociado nessa outra visão de conhecimento, que é o que acontece na agricultura. O exemplo mais descabido que temos é o de que há muita tecnologia que poderia ter sido adaptada ao Brasil mas morre, devido à propaganda, à difusão do pacotão.
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Tem produtor que prova que consegue ganhar mais dinheiro, por vaca, tirando leite ao pé, amarradinho, com o banquinho no meio da sujeira do curral, sem ordenhadeira. Diz que obtém mais lucro, por litro de leite, do que aquele que usa ordenhadeira. Isso porque, quem vende a ordenhadeira, divulga, difunde mas não mostra o problema do mercado, das grandes corporações que compram, não discute várias outros aspectos da própria operacionalização tecnológica, da adaptação à região. É a construção do saber. Se as pessoas sabem muitas coisas, elas ouvem – até por sobrevivência –, mas não aprofundam. Sustentam da boca para fora, mas quando se provoca e se aprofunda a análise em determinados problemas, reagem: “Fico doido, não quero saber disso não, moço! Vamos parar com isso aí! Qual será o sentido da minha vida depois que eu aprofundar esse determinado...?” Se a pessoa está lá, sem água e sem comer, não é fácil. Passei lá dois dias, peguei sarna, piolho e carrapato, mas volto, tomo banho, tenho água, tenho comida. Ele não. O que contribui para reconstruir o conhecimento dessa pessoa se, depois, não terá repercussão? Se há o compromisso de levar para o regional, então ele vai dar um novo valor. Com isso, o valor do novo enfoque, o qualitativo, muda. Quando o enfoque qualitativo muda, a ação técnica começa a mudar. Deixa de ser um pacote que só dá solução mecânica: “Faça assim, aperta esse botão...”. Alessandro Vanini - É bom aproveitar esse saber local, principalmente quando se refere ao meio ambiente. É um saber grande demais, como se observa ao trabalhar com o produtor; ele propõe soluções geniais para recuperar áreas degradadas ou para o plantio e disseminação de uma determinada espécie. Há algo fantástico no trabalho que fizemos, no Norte de Minas, com o
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pequi. Eu ainda estava na universidade. Um professor queria pesquisar a reprodução do pequi, que é muito difícil. Comprou um caminhão de sementes e gastou uma fortuna. Usou todos os hormônios possíveis para quebrar a dormência, mas não nasceu um pé do pequi que plantou. Então fomos na roça. Ao conversar com um produtor, lá no canto do terreno, ele disse: – Isso é fácil. Pega a casca dele, amontoa em cima, que aquilo fermenta e nasce tudo! E me mostrou as mudinhas dele, embaixo da árvore, nascidinhas. Como esse, temos vários outros exemplos. Marcos Ortiz - Não se trata só de metodologia. No campo, cria-se. Cabe, então, a negociação política; é preciso criar canais institucionais de gestão, espaço de comunicação e começar a resolver coisas. Nós aprendemos pelo desejo da aprendizagem e também por tragédias. Quando não houver mais dinheiro para a pesquisa, ou o pesquisador muda, ou nunca mais vai ser pesquisador. Alessandro Vanini - Há pouco tempo, fui à Alcoa. O engenheiro que me recebeu mostrou uma experiência que eles tinham para controlar a emissão atmosférica do flúor (ou enxofre), se não me engano, porque se passasse de uma determinada porcentagem na atmosfera, teria de ser reduzido. Ficava muito caro para ele todo esse monitoramento. Então, um peão que trabalhava no campo disse-lhe: “Pega aquela planta ali e coloca ela num lugar alto, lá em cima, porque o dia em que sai muito desse produto, elas morrem tudo”. O engenheiro passou a monitorar assim. Preparou uma torre com os vasinhos de planta. Secou? Ôpa, passou dos limites!
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Helena Werneck - Acredito que não seja só uma questão de construção de conhecimento, mas também de apropriação do saber técnico, de mudar a forma da apropriação. Quando se constrói aqueles mapinhas, os caminhos, o alinhamento, tanto na parte da planta, quanto no corte do terreno para fazer os caminhos, está-se usando um saber técnico, que é a planta ortogonal: corte, planta, coisas do tipo. Mas propicia-se que esse saber seja utilizado de outra maneira, na construção de um terceiro produto, que não é mais nem o dele, nem o seu, mas um terceir. Estou tentando pensar alto, por conta do planejamento regional, porque é preciso haver um procedimento técnico, que é diferente do local, e que não é possível aglutinar simplesmente. Não basta simplesmente justapor o que cada município quer para ter um plano regional. É preciso ter um conhecimento técnico específico para expressar esse regional. Na questão da apropriação do saber, temos de começar a pensar em como é que podemos mudar a forma de organização do conhecimento técnico regional, para que ele possa ser apropriado no regional. Marcos Ortiz - Concordo. De que adianta ter esse conhecimento para fazer o perfil, se for para ficar em prateleira de tese? Se há algo que me deixa profundamente agoniado, são histórias como “a tese desse aí nunca saiu da prateleira!”. O custo disso é muito alto para uma sociedade que tem tantas disparidades. Não se pode mais bancar mais isso, não! De que adianta esse conhecimento se não for apropriado? Entendo sua pergunta. A prioridade do município A talvez nem seja contraditória à do município B. Trazer esse dado para a análise técnica é fundamental. Para que temos universidade, pesquisas? Se não for para isso, desliga a chave. Elzabeth Ferreira - Quero fazer uma proposta: que mantenhamos uma rede ativa de troca dos avanços, dos ganhos, para que, no final, todos pos-
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samos passar informações, porque o nosso olhar é um, e o de vocês, com certeza, é outro. Vamos somar olhares e tentar compor um quadro melhor. Gostaria muito que pudéssemos manter uma via de mão dupla de comunicação, de troca. Hélvio Nicolau Moisés - Agradeço muito a todos pela participação e nos comprometemos a tentar manter a comunicação, inclusive com relação ao material produzido.
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ANEXO 1 PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO PARA SOCIEDADES SUSTENTÁVEIS E RESPONSABILIDADE GLOBAL (Documento parcial da Rio-92)
1. A educação é um direito de todos; somos todos aprendizes e educadores. 2. A educação ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal, não formal e informal, promovendo a transformação e a construção da sociedade. 3. A educação ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações. 4. A educação ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em valores para a transformação social. 5. A educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar. 6. A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as culturas.
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7. A educação ambiental deve tratar as questões globais críticas, suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, tais como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome, degradação da flora e fauna devem ser abordados dessa maneira. 8. A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos processos de decisão, em todos os níveis e etapas. 9. A educação ambiental deve recuperar, reconhecer, respeitar, refletir e utilizar a história indígena e culturas locais, assim como promover a diversidade cultural, lingüística e ecológica. Isto implica uma revisão da história dos povos nativos para modificar os enfoques etnocêntricos, além de estimular a educação bilingüe. 10. A educação ambiental deve estimular e potencializar o poder das diversas populações, promover oportunidades para as mudanças democráticas de base que estimulem os setores populares da sociedade. Isto implica que as comunidades devem retomar a condução de seus próprios destinos. 11. A educação ambiental valoriza as diferentes formas de conhecimento. Este é diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo ser patenteado ou monopolizado. 12. A educação ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas a trabalharem conflitos de maneira justa e humana. 13. A educação ambiental deve promover a cooperação e o diálogo entre indivíduos e instituições, com a finalidade de criar novos modos de vida, baseados em atender às necessidades básicas de to-
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dos, sem distinções étnicas, físicas, de gênero, idade, religião, classe ou mentais. 14. A educação ambiental requer a democratização dos meios de comunicação de massa e seu comprometimento com os interesses de todos os setores da sociedade. A comunicação é um direito inalienável e os meios de comunicação de massa devem ser transformados em um canal privilegiado de educação, não somente disseminando informações em bases igualitárias, mas também promovendo intercâmbio de experiências, métodos e valores. 15. A educação ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas de sociedades sustentáveis. 16. A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este Planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos.
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ANEXO 2 O QUE É A AGENDA 21 DO PEDAÇO? (Transcrição parcial da exposição de Marcos Sorrentino)
Durante a Rio-92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano), representantes de 170 países discutiram a situação do Planeta. Eles decidiram fazer uma Agenda para o século XXI, contendo ações para garantir um futuro melhor, respeitando o ser humano, o meio ambiente e com justiça social. Uma das ações sugeridas nessa Agenda foi que cada cidade fizesse uma Agenda 21 local, com a participação de toda a população. A Prefeitura de São Paulo já tem a dela, mas em uma cidade tão grande como a nossa, com tanta gente e com problemas tão diversos, é importante que cada comunidade, bairro ou vila construa a Agenda 21 do seu pedaço. Assim, todos participam e ajudam a planejar as ações necessárias para transformar os sonhos de uma vida digna em realidade. Assim, a Agenda 21 Local pode ser o resultado das Agendas de cada região e cada setor da sociedade. A Agenda 21 do Pedaço é uma agenda mesmo, igual àquela em que cada um marca os compromissos diários. Vamos então planejar, agendar, agir em função de uma vida digna e um futuro melhor para nossos filhos e netos, conservando o meio ambiente e promovendo a justiça social. Todos nós temos que pensar juntos.
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Meio ambiente, ao contrário do que muita gente pensa, não é só as coisas da natureza. Além das árvores, dos rios, das praias, do mar, do ar que a gente respira, o meio ambiente também é a nossa rua, a nossa casa, o nosso corpo e as relações que temos com as outras pessoas. O que está funcionando mal (no nosso pedaço)? Atividade 1 - Muro das Lamentações O Muro das Lamentações fica na cidade velha de Jerusalém. Com a destruição do Templo de Herodes, os judeus partiram da Palestina, mas sempre voltavam em peregrinações para rezar e se lamentar do seu exílio junto à única parede que restou: um muro que cercava o templo. Ainda hoje, nos vãos das pedras claras e rudes do Muro, as pessoas colocam bilhetinhos com seus sofrimentos e sonhos. Agora que já sabemos um pouco mais sobre a história do Muro das Lamentações, que tal aproveitarmos a idéia para falar do que está funcionando mal no nosso pedaço? É hora de fazer o Muro das Lamentações, pensando em nosso pedaço, aqui e agora. Um muro pode ser feito na parede mesmo, recortando retângulos de papel, como se fossem tijolinhos. Cada um de nós escreve ou desenha algo que precisa de conserto, que não está funcionando, e pendura no muro. Tem enchente lá em casa. É só esgoto e lixo no rio. Como a solução dos problemas, muitas vezes, está nas nossas mãos, escolhem-se entre as lamentações mais graves as que achamos que dá para começar a resolver. Muitas vezes, a solução começa em nossas mãos.
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Como gostaríamos que esse lugar fosse? Atividade 2 - Árvore da Esperança Antes de começar a Rio-92, pessoas de todo o mundo escreveram seus sonhos de futuro em um papel em forma de folha. Essas folhas foram penduradas nos galhos de uma árvore gigante, que foi instalada na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, como símbolo da esperança de um futuro mais feliz para todos. Vale a pena pensar a respeito do que consideramos importante para melhorar a vida em nosso pedaço. Depois vamos escrever, ou mesmo desenhar nossos sonhos e pendurar na Árvore da Esperança. Como iremos chegar lá? Atividade 3 - A História do Pedaço Vamos recuperar um pouco da nossa memória? Isso pode ser feito de várias maneiras. Podemos procurar as pessoas mais velhas, aquelas que vivem há mais tempo no nosso pedaço. Essas pessoas podem contar um pouco de história, mostrar fotografias, quadros, vale qualquer tipo de material que possa ajudar-nos a contar a história do nosso pedaço. As associações de bairro, as escolas, as igrejas e os centros culturais também podem ser fontes importantes de informação. É só sair perguntando que a gente vai vendo o quanto todo mundo adora dar informações sobre o passado. Com essas informações e com o material das fotos coletado pode-se dar início à montagem de um banco de dados sobre a comunidade e uma bela exposição histórica do pedaço.
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Como é hoje nosso pedaço? Já sabemos como o Pedaço apareceu, qual sua história e agora precisamos entender qual é a situação atual. Para isso, mais uma vez, é importante ter acesso a todo tipo de informações relacionadas com o problema. Ajuda muito ter documentos como fotografias, relatórios de instituições do governo, resultados de análises que tenham sido realizadas, matérias de jornal, estudos de universidades, depoimentos de pessoas que sofrem com o problema etc. Com esses dados em mãos, podemos: • Compreender melhor nosso problema; • Pensar nas ações necessárias para a melhoria do problema; • Determinar quais são as ações mais urgentes. Como chegaremos lá? Agora precisamos começar a agir. Qualquer ação precisa ser planejada, por isso devemos construir um plano de ações. Isto é, fazer uma lista de ações que devem ser realizadas para que possamos resolver os problemas. Cada ação precisa ter quem se responsabilize por ela, um prazo para sua realização e também uma forma de saber se conseguimos chegar aos objetivos. Cada iniciativa deve ter um responsável ou um grupo de responsáveis pela sua realização. Isso deve estar bem claro, para que cada um saiba o que fazer. No caso de muitas das ações planejadas, nossa Oficina de Futuro terá que contar com a parceria de setores e entidades, sejam elas do governo ou da própria sociedade, ou ainda de dentro da nossa própria comunidade. Temos de lembrar sempre que o processo é participativo e que a palavra participação significa trabalho conjunto.
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Como fazer o plano de ações? Um plano de ações é como um mapa de orientação ou a planta de uma casa. É um modelo do que vamos fazer. Ele às vezes até demora um pouco para ser construído, mas se for cuidadoso e completo, pode ser de grande valia. É a mesma coisa que construir uma casa. O tempo que se gasta pensando, desenhando, levantando orçamentos, juntando forças, se paga com a rapidez de uma construção bem planejada. Quanta dor de cabeça se evita! Um plano de ações tem umas palavras difíceis para se trabalhar, como objetivos, metas, indicadores. Ma elas são fáceis de entender e usar, pois é só ir se acostumando. O que são objetivos? É fácil de entender. O pessoal de uma comunidade tinha um sonho pendurado na Árvore da Esperança. O sonho era trazer mais saúde para as crianças do bairro, ter um lugar para elas brincarem, lazer para os jovens e acabar com os ratos. No fundo, chegaram à conclusão de que se mexessem com o rio que tinha virado um esgoto e um depósito de lixo, talvez todos esses sonhos tão diferentes poderiam começar a se realizar ao mesmo tempo. Esse sonho se transformou no seguinte objetivo: despoluir o rio. O que são metas? Metas são formas de ir chegando ao objetivo. Elas já servem para encaminhar as ações, pois deixam os objetivos mais claros e explicados. Colocando as metas, a gente vai dizendo quanto tempo isso deve levar. As metas precisam ter um prazo para acontecer. No caso do rio, o pessoal da comunidade definiu as seguintes metas: 1. Diminuir a quantidade de lixo e entulho jogados na água e nas margens do rio (três meses);
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2. Plantar árvores nas margens do rio (três meses); 3. Acabar com o despejo de esgoto de empresas e casas no rio (um ano). Como vamos medir nossas ações? Entender bem a situação atual depende da nossa capacidade de observar e de fazer perguntas. Há algumas perguntas que podem ser úteis para saber se estamos chegando nas metas. Vamos usar as condições ambientais do rio poluído do exemplo que usamos: • Existem peixes no rio? • Em qual quantidade? • Há lixo ou entulho no rio? • Que tipo de lixo? • Quem despeja o lixo? • Existem casas na beira do rio? • Tem esgoto no rio? • Qual a distância entre as primeiras casas e o rio? • Essas casas sofrem com as enchentes ou correm riscos de desabar? • Como funciona o sistema de coleta de lixo na região? • A freqüência das coletas é suficiente? • Há árvores plantadas? Organizando nossas ações Para cada meta, precisamos escolher algumas ações. É bom colocar tudo isso em um quadro. Objetivo: Despoluir o rio. Meta 1: diminuir a quantidade de lixo/entulho
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RESPONSÁVEIS
• Maria das • Descobrir Graças (Asquem está sociação de jogando lixo. Vizinhos). • Descobrir • José Miguel quem está Santos jogando entu• (EEPG Miguel lho. Dias). • Escrever um documento para os jornais e a prefeitura. • Pesquisar formas de aproveitar o entulho.
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PRAZO
COMO MEDIR?
• 31 de junho
• resposta da prefeitura; • diminuição da quantidade de lixo; • diminuição do mau cheiro; • diminuição dos ratos; • mais crianças brincando perto do rio; • mais peixes no rio.
Consórcio Cógito/Ecoar (telefax (0xx11)3871-0701 e 3871-0370). Material para o Procav II (Programa de Educ-Ação Ambiental do Programa de Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale)
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ANEXO 3 RAPID RURAL APPRAISAL – RRA E PARTICIPATORY RAPID/RELAXED/RURAL APPRAISAL – PRA (Transparências exibidas por Marcos Ortiz)
Rapid Rural Appraisal (RRA) pode ser definido como uma sistemática atividade semi-estruturada que deve ser executada diretamente no local por uma equipe multidisciplinar. Essa metodologia está direcionada para adquirir rápida e eficientemente novas informações e hipóteses sobre a vida e os recursos no meio rural (Carruthers e Chambers, 1981). Participatory Rapid/Relaxed/Rural Appraisal (PRA) é um caminho para estimular e apoiar os membros de grupos sociais, para que possam, num espaço de tempo representativo, investigar, analisar e avaliar seus obstáculos e chances de desenvolvimento, assim como tomar decisões fundamentais e na hora certa, relacionadas aos projetos a esse respeito (Chambers - Processo como sharing realities). RRA e PRA são aplicados em: - Verificação de necessidades (felt needs); - Definição de prioridades para ações de desenvolvimento (Exploratory RRA); - Campo de estudos de viabilidade (feasibility studies); - Fases de implementação de projetos; - Campo de monitoramento e avaliação de projetos; - Levantamentos sobre temas específicos (Topical RRA);
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- Focalização de questões significativas em levantamentos formais (surveys); - Identificação de interesses conflitantes entre grupos; - Construção e implantação das Agendas 21. Os métodos vêm sendo aplicados nas seguintes áreas: - Gestão de recursos naturais (conservação de solos, mananciais, nascentes, agrossilvicultura integrada, pescaria, reservas naturais, etc.); - Agricultura (fruticultura e criação de animais, irrigação, mercados, etc.); - Programas em questões igualitárias (mulheres, demanda por crédito, identificação dos mais pobres, medidas para complementação de renda, etc.); - Nutrição, saúde e educação (programas de saúde básica e segurança alimentar, abastecimento de água, etc.); - Planejamento de planos municipais de desenvolvimento rural; avaliação de projetos de assentamentos rurais; - Avaliação de projetos socioambientais de empresas; - Delimitação e confecção dos projetos de educação ambiental dos Raimundos, em Lavras (MG)e região: Pressupostos especiais para o PRA, o posicionamento do pesquisador externo perante: - Espírito de participação (aprender das e com as pessoas ); - Respeito para com as pessoas, com quem se está trabalhando; - Interesse naquilo que eles sabem, falam, mostram e fazem; - Própria orientação nos resultados (a não-resposta também é uma resposta); - Capacidade particular de prestar atenção e ter paciência; - Verdadeira humildade a respeito do seu próprio conhecimento; - “Ferramentas” que encorajam os participantes da comunidade a expor, ampliar e analisar o seu saber.
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Triangulação (cross-checking) multidisciplinaridade
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ANEXO 4 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARTICIPATIVA PARA A CONSTRUÇÃO DA AGENDA 21 (Alessandro Vanini)
ETAPAS
ATIVIDADES
PRODUTOS
- Identificação, consulta e reunião com potenciais organizações locais gestoras.
- Visitar a cidade e contatar pessoalmente as organizações; - Listar as organizações dispostas a participar e agendar uma reunião geral; - Definir as organizações comprometidas e estimular a escolha da coordenação local; - “Para Casa “ - primeira construção da realidade local.
- Organizações comprometidas; - Coordenação local.
- Primeira versão do apeamento socioeconômico-ambiental.
- Relatar os principais problemas e potencialidades locais; - Primeira pré-análise da realidade local; - Elaborar critérios para seleção dos pesquisadores locais; - “Para Casa” - Indicação pelas organizações locais dos pesquisadores.
- Realidade local mapeada; - Áreas temáticas do levantamento; - Critérios para seleção da equipe.
- Formação da equipe a ser capacitada.
- Recolher as indicações junto com a coordenação local; Contatar e preparar a capacitação.
- Equipes formadas.
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ANEXO 4 (continuação)
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ATIVIDADES
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- Capacitação dos pes- - Apresentar a metodologia (prin- - Equipe capacitada; - Informações pré-sistequisadores da equipe cípios teóricos); matizadas das comunilocal junto com os da - Discutir os objetivos com relação dades-piloto. equipe externa. ao diagnóstico; - Repassar as técnicas e suas aplicações; - Elaborar o roteiro de campo; - Selecionar os informantes potenciais e as comunidades urbanas e rurais; - Definir estratégias de mobilização; - Mobilizar duas comunidades-pilotos; - Exercitar a prática nas comunidades; - Avaliar a capacitação, mobilização e os resultados obtidos; - Fazer o cronograma de mobilização por agrupamento de comunidades - Ação Municipal pela - Mobilizar as comunidades para a participação; Agenda 21 Local. - Aplicar as técnicas do DRPA (individuais e coletivas) junto às comunidades; - Agendar o retorno nas comunidades para a eleição de prioridades e metas; - Sistematizar as informações; - Complementar os dados e referências.
- Mobilização e conscientização da população envolvida; - Identificação de parceiros locais; - Relatório preliminar da Agenda 21 Local; - Eleição agendada.
- Retorno dos resulta- - Publicar e divulgar o relatório pre- - Amplo debate dos resultados; liminar; dos e eleição de prio- Preparar listas de problemas e - Prioridades eleitas; ridades. potencialidades por agrupamen- - Parcerias indicadas. to de comunidades; - Reunir e discutir causas, conseqüências e processos; - Eleger as prioridades e indicar as parcerias.
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ANEXO 4 (continuação)
ETAPAS
ATIVIDADES
PRODUTOS
- Checagem das parce- - Contatar e potencializar o com- - Parceiros definidos. rias. prometimento dos parceiros; - Aprofundar metas e recursos. - Análise dos dados e - Analisar os dados; proposta de fusão da - Preparar a proposta de fusão; Agenda 21 municipal. - Preparar a assembléia municipal ou o encontro do Conselho Municipal; - Propor indicadores de monitoramento; - Fazer cronograma e mobilizar para o encontro municipal.
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Relatório final; Propostas de indicadores; Cartilha; Documento em vídeo e fotografias.
- Divulgação; - Assembléia Municipal - Publicar e divulgar o relatório - Prioridades e metas muou encontro do confinal; nicipais; selho. - Definir as prioridades municipais; - Segunda versão dos in- Apresentar os indicadores. dicadores. - Debate e consolida- - Discutir e aprimorar os indica- - Indicadores; - Forma de monitoramento; ção dos indicadores dores; por agrupamentos de - Definir o conjunto de indicadores; - Transparência na gestão. comunidades. - Fazer prestação das contas públicas por parte dos gestores.
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