A par dos tempos que correm

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A par dos tempos que correm As TIC e o centenário da República

Coordenação de Ana Paula Vilela

Centro de Formação de Associação de Escolas Braga/Sul Cadernos Escola e Formação Braga 2011


Ficha Técnica Título

A par dos tempos que correm As TIC e o centenário da República

Coordenação de Ana Paula Vilela Autor da Imagem da Capa Maria Goretti Soares e Vitor Martins Revisão Ana Paula Vilela Edição Cadernos de Escola e Formação do centro de Formação de Assoacão de Escolas Braga/Sul Arranjo Gráfico Manuel Sousa Execução Gráfica Minhografe- Artes Gráficas, Lda. Braga ISBN 978-989-96569-1-8 Depósito Legal Nº Apoios


Índice Nota de abertura................................................................................................................... 5 Ana Paula Vilela Parte I

“O plano tecnológico da educação (PTE) na perspectiva do investigador” ...... 14 Paulo Dias Plano Tecnológico da Educação em Portugal: Análise dos Relatórios dos Planos TIC (no ano de lançamento, 2006-2007)................................................................................ 29 Bento Duarte Silva Aprender e Inovar com TIC.............................................................................................. 46 Ana Paula Vilela; Manuel Sousa; João Andrade; João Bastos Breve reflexão sobre e-portefólios em educação......................................................... 59 Lia Raquel Oliveira Web 2.0 e Web móvel 2.0: Integração nas práticas educativas.................................. 68 Adelina Moura Recursos da Web 2.0 em sala de aula: Professores inovadores - alunos produtores............................................................................................................................. 79 Sónia Cruz O Blogue na Aprendizagem da Língua Portuguesa....................................................... 89 Paulo Faria Os Dez Princípios de uma Boa Prática com TIC.......................................................... 95 Paula Flores Narrativas digitais: uma forma diferente de ler, contar e aprender.......................... 99 Adíla Faria O telemóvel como ferramenta de pesquisa e consolidação de conhecimentos e competências em Educação Visual e Tecnológica........................................................105 Alberto Vale


Brincar com a Ciência no Jardim de Infância: Experiências Concretas em Ambiente Virtual...................................................................................................................................111 Paula Carqueja Scratch na aprendizagem da Matemática no 1.º Ciclo do Ensino Básico: estudo de caso na resolução de problemas....................................................................................120 António Sorte Pinto Contribuição dos tradutores online para o desenvolvimento de competências linguísticas e cognitivas......................................................................................................127 Sílvia Viana Riscos e Rabiscos: para promover a criatividade, a leitura e a escrita...................132 Vera Magalhães A Propósito da Formação PTE…...................................................................................137 José Alberto Silva Ensino e Aprendizagem com TIC na Educação Pré-Escolar e no 1º Ciclo do Ensino Básico.“Como introduzir o computador no jardim de infância”............................143 Alexandra Paz Os quadros interactivos multimédia no ensino da história......................................147 Ana Catarina Simão Parte II O feminino em caleidoscópio.........................................................................................154 Rodrigo Azevedo


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ota de abertura Ana Paula Vilela

Directora do CFAE Braga/Sul

O Estrangeiro: Excelente amigo, esforçar-se por separar tudo de tudo é uma coisa não apenas discordante, mas também é desconhecer as Musas e a Filosofia. Teeteto: Porquê? O estrangeiro: Separar cada coisa de todas as coisas é a maneira mais radical de aniquilar qualquer argumentação, pois a razão vem-nos da ligação mútua entre as figuras. Platão, O Sofista, 259 e.

A edição de mais um número da colecção do Centro de Formação Braga/Sul, Cadernos Escola e Formação, pretende congregar temáticas aparentemente díspares, as Tecnologias de Comunicação e Educação (TIC) e o centenário da República, mas com propósitos muito claros, como depreenderemos desta nota de abertura. Por essa razão, e a par dos tempos que correm, o livro está dividido em duas partes, a Parte I e a Parte II, só aparentemente distintas: a inexorável introdução nos processos de ensino /aprendizagem das TIC e o inolvidável centenário da República. Comecemos por introduzir o estimado leitor na primeira parte do livro. Com a Estratégia de Lisboa, a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável, o Plano Tecnológico e o Quadro de Referência Estratégico Nacional 2007-2013, o XII Governo Constitucional assume plenamente o compromisso de modernizar tecnologicamente as escolas, aliás como todos nós temos vindo a constatar: de facto, as escolas estão hoje em dia melhor apetrechadas, permitindo a esta escola do futuro garantir a literacia digital a todos os seus agentes. Mas, na Resolução do Conselho de Ministros nº 137/2007, de 18 de Setembro, vai-se mais longe e, nos desígnios nacionais, reconhecemse as mudanças incontornáveis mas significativas, resultantes da 5


globalização e da urgência de Portugal integrar a sociedade do conhecimento preconizada para a União Europeia; todavia, está-se ciente do longo caminho a percorrer: “b) As TIC necessitam de ser plena e transversalmente integradas nos processos de ensino e de aprendizagem, o que implica reforçar a infra-estrutura informática, bem como desenvolver uma estratégia coerente para a disponibilização de conteúdos educativos digitais e para a oferta de formação e de certificação de competências TIC dos professores. (Resolução do Conselho de Ministros nº 137/2007, de 18 de Setembro) Definiam-se, então, na referida Resolução do Conselho de Ministros, quatro eixos estratégicos chave para modernizar as escolas, a saber: “Tecnologia”, “Conteúdos”, “Formação” e “Investimento e Financiameto”. Com a formação e certificação em competências TIC preconizada na referida Resolução do Conselho de Ministros para educadores e professores, pretende-se dar uma resposta cabal aos principais factores inibidores da modernização em matéria de competências TIC, nomeadamente: “A reduzida utilização das TIC nos métodos de ensino e aprendizagem. A formação de docentes pouco centrada na utilização pedagógica das TIC (…). Reitera-se, assim, a par da modernização das escolas, a consolidação do papel das TIC enquanto ferramenta essencial ao ensino/aprendizagem e aos sistemas de administração e gestão das escolas. Será que, nesta matéria, Portugal conseguiu superar as dificuldades apropriando-se de uma janela de oportunidade que urgia transpor, colocando-se a par dos tempos que correm? Para nos responder a estas e outras questões fulcrais ligadas ao desenvolvimento das TIC nas escolas, aos aspectos mais e/ou menos conseguidos na implementação do Plano Tecnológico da Educação (PTE), à introdução das TIC nos processos de ensino/aprendizagem, ao apoio e desenvolvimento de conteúdos, quer através da formação quer do reforço das boas práticas, destacamos, nesta publicação, a entrevista efectuada ao emérito Professor Doutor Paulo Maria Bastos da Silva Dias, o qual integrou a equipa de autores do estudo de Competências TIC, Estudo de implementação publicado em 2008 pelo Ministério da Educação e, nessa qualidade, é a pessoa mais avalizada para nos 6


esclarecer sobre essas questões. A sua acuidade enquanto observador do processo projectado e em curso há já alguns anos, a sua visão analítica de um grande investigador e o seu indubitável saber nestas matérias dá-nos a percepção exacta do que tem falhado e do muito que ainda temos que fazer se quisermos acompanhar a escola do futuro. O artigo que se segue, do abalizado Professor Doutor Bento Duarte Silva, de certa forma ajuda-nos a aprofundar as questões explanadas que perpassaram na entrevista efectuada ao Professor Doutor Paulo Dias. Contrastando com a visão acutilante, experiente mas, para todos os efeitos, empírica, deste último, o Professor Bento da Silva dá-nos uma visão escrutinada pelos números. Através da análise e avaliação dos Planos Tecnológicos das Escolas, aquando do universo temporal do seu lançamento (2006-2007) e tendo por base uma amostra de 483 escolas provenientes das cinco Direcções Regionais de Educação existentes no país, o Douto Professor Bento Silva coloca em destaque as principais forças e potencialidades do Programa, pondo ´o dedo na ferida` nas suas fraquezas, nas oportunidades identificadas e nas ameaças emergentes, com a finalidade de promover as mudanças desejáveis no paradigma organizacional e curricular das escolas, norteado pela implementação e a correcta utilização das TIC, se quisermos alcançar a famigerada Sociedade da Informação e Comunicação, tão propalada e a par dos tempos que correm. Seguem-se as conquistas de algumas escolas associadas ao Centro de Formação Braga/Sul no âmbito da recente iniciativa concursal promovida pelo Ministério da Educação, através da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, no âmbito do PTE, e cujos projectos sintetizamos nesta publicação com o objectivo de podermos, todos nós, usufruir das boas práticas dessas escolas e assim acompanharmos o desenvolvimento dos respectivos processos e resultados desses projectos, os quais fazemos menção de continuar a divulgar em posteriores publicações. Como Hargreaves (2000, p152) afirma, “O ensino já não é o que era, nem a aprendizagem profissional requerida para se ser professor e para se desenvolver profissionalmente ao longo do tempo.” Os restantes artigos da primeira parte do livro corroboram a afirmação de Hargreaves. 7


A ilustre Professora Doutora Lia Raquel Oliveira, a respeito de uma “Breve Reflexão sobre os e-portefólios em Educação”, presenteia-nos com um artigo cuja profundidade da reflexão não é de todo despicienda, recorrendo por vezes ao tom um pouco provocatório para despoletar no leitor a cogitação inserida nos discursos actuais sobre o seu uso em Educação. É também com contundência que justifica a mudança de paradigma avaliativo imposto pela introdução do e-portefólio, e pelo uso das tecnologias pedagógicas online, de acordo, por exemplo, com os discursos oficiais, levando a autora a dissertar sobre as implicações decorrentes do “momento histórico que vivemos, pautado por uma violenta globalização neoliberal”, com implicações irreversíveis ao nível do declínio do poder dos docentes e da centralidade da sala de aula, quiçá, “preparando-se seguramente o terreno para os avanços do homeschooling…”. Por estas e outras razões, aconselhamos vivamente o leitor a não dispensar um olhar atento e uma leitura obrigatória a este excelente artigo, consubstanciado em citações muito oportunas e actuais, de autores vários a que recorre. Seguem-se dois excelentes artigos de Adelina Moura e de Sónia Cruz sobre as potencialidades de utilização da Web 2.0 em todas as disciplinas dos curricula, níveis e anos de escolaridade, através de uma panóplia de aplicações e de recursos passíveis de utilização em processos de ensino/aprendizagem com as novas ferramentas da web 2.0. Adelina Moura vai mais longe e explica como se pode congregar a aplicação das ferramentas da Web 2.0 com a Web móvel 2.0, explanando riquíssimos exemplos de aplicações pedagógicas viáveis, motivadoras para os alunos e muito eficazes para o processo de ensino aprendizagem – novos conceitos, muitos exemplos para explorar e, principalmente, para aplicar na sala de aula. A aplicação da Web 2.0 em contexto da Educação Pré-Escolar é também explorada pela prestigiada Professora Doutora Altina Ramos que apresenta, conjuntamente com Adília Faria, doutoranda na Universidade do Minho, a importância da utilização das narrativas digitais utilizando as novas ferramentas. A mesma Professora Doutora Altina Ramos explana também conjuntamente com Paulo Faria, também doutorando na Universidade do Minho, uma experiência interessante, inovadora e riquíssima ligada à construção de um Blogue em Língua Portuguesa e da sua exploração em contexto educativo. 8


Paula Flores, no seu artigo “Os Dez Princípios de uma Boa Prática com TIC”, realça as potencialidades do uso das TIC e as virtualidades dos seus resultados quando empregues com regularidade em alunos do 1º ciclo do ensino básico. Alberto Vale explora a utilização do telemóvel e das TIC enquanto ferramentas imprescindíveis ao trabalho fotográfico dos alunos em Educação Visual e Tecnológica. A não perder, a excelente descrição do estudo efectuado com alunos da educação pré-Escolar por Paula Carqueja, a respeito da aplicação dos recursos multimédia à ciência, despertando as crianças para a temática através dos “laboratórios concretos e virtuais.” António Sorte Pinto apresenta o seu estudo de caso no âmbito da aprendizagem da Matemática e, principalmente, do desenvolvimento do cálculo mental em alunos do 4º ano, do 1º ciclo do ensino básico, através do uso do “Magalhães” e do contributo do Scratch. Vera Magalhães fala-nos da sua experiência na promoção da leitura e da escrita em alunos de diferentes faixas etárias através do sítio Riscos e Rabiscos, cujo endereço electrónico se encontra presente no seu artigo. Alexandra Paz disserta sobre a utilidade em introduzir, desde cedo, o contacto dos alunos do Pré-escolar com as TIC. José Alberto Silva, na qualidade de formador PTE, enquadra pedagogicamente o leitor nas virtualidades da utilização em contexto de sala de aula das TIC e focaliza o seu artigo na construção de Blogues motivando o leitor, de forma muito pedagógica, para se lançar na empreendedora missão da sua construção. Sílvia Viana apresenta-nos um estudo de caso sobre o tradutor online como auxiliar no ensino das línguas estrangeiras, bem como o seu contributo na produção de trabalhos de qualidade. Por último, Ana Catarina Simão, na qualidade de investigadora em Metodologia do ensino da História e de formadora PTE, nomeadamente dos quadros interactivos, relaciona as Metas de Aprendizagem na disciplina com o uso do ainda recente hardware, os quadros interactivos. 9


No tocante à parte II do livro e quanto à famigerada última temática nela versada, não é só nossa intenção continuar a assinalar a comemoração do evento que teve lugar no ano transacto, até porque tivemos o cuidado de lhe dar a devida ênfase na nossa última publicação do Boletim Informativo nº 16, mas pretendemos, antes, ultrapassar a perspectiva de abordagem histórica tradicional, optando por uma outra perspectiva assaz inovadora, como teremos a oportunidade e o deleite de apreciar através da leitura do texto do autor. A apresentação do referido texto será acompanhada também pela perspectiva exploratória de um slideshow, amavelmente concebido pela formadora do CFAE Braga/Sul e prestigiada investigadora Professora Doutora Adelina Moura. Este recurso pedagógico/didáctico é passível de apresentação aos alunos, servindo a temática de exemplo para integrar os professores, menos atentos, nas novas potencialidades do software ActivInspire, aplicado aos quadros interactivos, caso queiram apesentar este slide show ou adaptar o texto a um flipchart. Outros flipcharts abrirão o DVD que acompanha o livro, nomeadamente relacionados com a República, a par de outros exemplos de flipcharts de diferentes disciplinas, construídos em contexto de formação PTE. Mas voltando ao texto que integra a Parte II deste livro, “O Feminino em Caleidoscópio. O Corpo da Mulher na Imprensa Bracarense da 2ª década do século XX”, da autoria do emérito Professor Doutor Rodrigo Azevedo, realçamos, na temática de História local abordada, o modus vivendi das mulheres do povo nessa época e na nossa cidade, permitindo-nos fazer extrapolações para a mesma época no restante país. Não fora esta, por si só, uma temática deveras apelativa porque é absolutamente inovadora em termos de investigação Histórica, [ainda

hoje nos ressentimos de velhas e únicas abordagens nacionalistas e ancilosadas típicas do velho regime e que foram veiculadas através dos manuais por um lado e, por outro lado, através das práticas docentes (Gomes, 2008, p 95-11 ) (In, O Estudo da História, Revista nº 7, ed. Associação Portuguesa de Professores História)], tem também o mérito de permite-nos sentir a ’lufada de ar fresco’ que este artigo nos apraz apreciar.

Não despicienda, é também a função da História em capacitar os alunos para a historicidade de concepções, mentalidades, práticas e formas de relações sociais, sem idiossincrasias que as destorçam. Ora, o estudo de temas que perfilam o género foi profusamente abordado neste texto 10


e constitui um tema deveras importante para que os alunos possam entender a condição feminina em determinada época e transpor para o presente resquícios dessa condição, através das percepções culturais das diferenças sexuais e da influência das ideias criadas a partir dessas percepções na constituição das relações sociais em geral. Mas, “se uma minoria das mulheres tinha possibilidade de aceder à esfera pública [no tempo da Repúbulica], a camponesa e a operária, tal como o camponês e o operário, tinham dificuldades em fazer ouvir a sua voz”. (Samara, 2007). Contudo, é nos relatos da imprensa da época, utilizados pelo autor, que as histórias de vida da mulher singular, da mulher do povo, da mulher anónima, da mulher que pouco ou nada sabe ler, da mulher que pertence ao mundo camponês ou ao mundo operário sobressaem, enquadrando a ambiência feminina, familiar e quotidiana da mulher do povo vista pela imprensa local, através da invulgar abordagem de diferentes temáticas, algumas delas de grande actualidade e pertinência cívica: o casamento, a honra, a castidade, o adultério, o crime passional, o abandono do lar, o alcoolismo, o divórcio, o rapto, o suicídio, a prostituição, as agressões, as obscenidades, as injúrias, a burla, a mendicidade, as punições…, entre uma panóplia de aspectos culturais, sociais e morais inovadores para a exploração didáctica na sala de aula. A corroborar o que temos vindo a salientar, nomeadamente a urgência em eivar a História de estórias de mulheres, a inexistência de referências de figuras públicas femininas na 1ª República na abordagem dos conteúdos dos manuais escolares. “Na verdade, se procurarmos marcas de feminilidade, apenas encontramos a imagem e o busto da República e a imagem da Monarquia, representadas por figuras de mulheres, e uma referência ao “Congresso feminista da educação, em Lisboa, (Maio)”, de 1924. Aparece ainda uma referência a duas mulheres rainhas no quadro genealógico dos últimos Reis de Portugal (…)” (Machado, 2009, in Boletim Informativo, nª 16, Formação ao Centro)). Por último, uma palavra de agradecimento a todos os autores que colaboraram neste novo livro da colecção Cadernos, Escola e Formação e, principalmente, a todos os professores da Universidade do Minho que apoiaram e incentivaram esta publicação, quer como colaboradores directos ou indirectos. Esta publicação está escrita de acordo com a antiga ortografia. 11



Paulo Maria Bastos da Silva Dias (n. Valadares, 27 de Junho de 1954) É Professor Catedrático no Departamento de Estudos Curriculares e Tecnologia Educativa do Instituto de Educação da Universidade do Minho desde 2003. Doutorado em Educação pela Universidade do Minho em 1990, realizou as provas de Agregação no grupo disciplinar de Desenvolvimento Curricular e Tecnologia Educativa em 1999, na mesma universidade. Desenvolve a actividade científica no Centro de Investigação em Educação, tendo como principais áreas de interesse a inovação educativa com as tecnologias de informação e comunicação, educação e formação em rede, educação a distância e e-learning, e comunidades de aprendizagem online, no âmbito das quais coordena e participa em projectos nacionais e europeus. Foi Presidente do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho de Outubro de 2006 a Fevereiro de 2010. Coordena o Centro de Competência da Universidade do Minho, criado no quadro do programa Nónio Séc. XXI em 1997, e no âmbito do qual organiza a Conferência Internacional de Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação, Challenges, cuja primeira edição teve lugar em 1999. Integra os conselhos editoriais e científicos de revistas nacionais e internacionais da especialidade e é membro da comissão científica em conferências nacionais e internacionais. É autor e co-autor de mais de uma centena de trabalhos científicos publicados no país e no estrangeiro, nomeadamente na Alemanha, Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos da América, Holanda, Inglaterra e México. Integrou a equipa de autores do estudo Competências TIC. Estudo de Implementação, publicado em 2008 pelo Ministério da Educação.


Entrevista

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“O

plano tecnológico da educação (PTE) na perspectiva do investigador”

Dr.Vítor Martins - Bom dia Senhor Professor. Em primeiro lugar permita-me agradecer-lhe o facto de ter acedido amavelmente ao nosso convite, permitindo-nos realizar esta entrevista a tão ilustre Professor da Universidade e mui conhecedor das matérias que enformam o Plano Tecnológico da Educação (PTE), pelas razões que explicitaremos em seguida. O plano em causa definiu a estratégia do Governo para a modernização tecnológica do ensino como um conjunto articulado de projectos de passível execução, com a colaboração de um grupo alargado de entidades públicas e privadas. De entre esses projectos, o desenvolvimento de competências TIC inseridos na problemática mais ampla que se relaciona com a integração das TIC no processo de ensino/aprendizagem era fulcral para o desenvolvimento do PTE nas escolas. O Sr. Professor fez parte activa e colaborante da equipa de autores do estudo e implementação do projecto“Competências TIC”, publicado em 2009, e será umas das pessoas mais indicadas para nos dizer o que pensa relativamente à temática da implementação das TIC no ensino/ aprendizagem. Quais terão sido, na sua perspectiva, os pontos fortes e fracos dos desígnios nacionais no processo da implementação das TIC nas escolas? Prof. Doutor Paulo Dias – O lançamento do programa PTE em 2007 consiste numa aposta de intervenção e mudança radical para a Educação. O PTE apresenta, nos seus diferentes eixos, um conjunto de objectivos orientados para uma visão estratégica de implementação e operacionalização das TIC quer na perspectiva da tecnologia, quer também da formação. 1 Entrevista concebida por Victor Martins, consultor pedagógico do Centro de Formação Braga Sul, e Ana Paula Vilela, Directora do CFAE Braga Sul.

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No plano da tecnologia, grande parte dos objectivos foi concretizada até ao presente, nomeadamente com a instalação de equipamentos e meios nas escolas. No caso específico da formação, o PTE tinha um objectivo muito claro. Formar 90% dos docentes no domínio da utilização das TIC até 2010. Bom, 2010 já passou e os 90% não foram ainda atingidos. O estudo “Competências TIC” foi elaborado com o objectivo de apresentar à tutela um modelo de acção para cumprir o plano de formação dos docentes e, assim, a sua qualificação para a utilização das tecnologias dentro das metas temporais do PTE. Este trabalho envolveu uma equipa constituída por investigadores das Universidades de Lisboa, Minho e Évora, tendo sido coordenado pelo Prof. Fernando Costa do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Partindo da análise das experiências internacionais neste domínio, bem como das práticas de intervenção na formação desenvolvidas desde a implementação do projecto Minerva, procurámos identificar e reunir as condições para a elaboração de um quadro de referência do pensamento orientador do modelo de acção a desenvolver. O modelo apresentado à tutela baseia-se na organização da formação em competências TIC em três níveis, orientados para a qualificação dos docentes num formato que permite a progressão numa linha de formação, a qual, no nível inicial se centra na formação para a utilização, no nível dois está orientada para a integração curricular das TIC e, no último nível, compreende a formação para a inovação. Este plano de acção tinha e tem a virtude de envolver no esforço de formação para as competências TIC o cada vez maior número de professores que possuem estudos pós-graduados ao nível de mestrado e doutoramento, esperando-se através desta mobilização promover a mudança nas práticas escolares, em especial ao nível da inovação. O objectivo era o universo dos docentes? Naturalmente. O objectivo orientador do estudo consistiu em organizar um modelo de formação para os docentes através do qual se procurou 15


desenvolver uma estratégia orientada para a promoção da intervenção activa das TIC no ensino-aprendizagem. No entanto, se podemos retomar a questão dos aspectos com menor sucesso ou pontos fracos, o que aconteceu foi que a equipa do PTE não reuniu as condições para responder aos objectivos do próprio programa neste domínio. Após a apresentação e aprovação da tutela do plano de formação em competências TIC elaborado pelo grupo de estudo era esperada maior agilidade na implementação, mesmo quando foi necessário produzir regulamentação, para além da articulação fundamental com os centros de formação de professores. Por exemplo, a regulamentação do modelo de formação só foi publicada em Junho de 2009, com entrada em vigor em Setembro, e o reconhecimento da formação no âmbito dos mestrados e doutoramentos neste domínio não foi ainda definido pela tutela para o terceiro nível de formação apresentado no plano. Este reconhecimento implica a listagem dos estudos de pós-graduação das universidades portuguesas, de mestrado e doutoramento, que compreendem este domínio de estudos. Que estão em funcionamento neste momento! Na Universidade do Minho posso referir o curso de mestrado em Educação, actualmente com a designação de Ciências da Educação, na área de especialização em Tecnologia Educativa, e o mestrado em Estudos da Criança, na área de especialização em TIC. Para além destes, temos ainda um outro curso de mestrado em Educação que foi descontinuado, na área de especialização em Informática no Ensino. Mas, apesar da descontinuidade, entendemos que deverá ser objecto de reconhecimento para o nível de formação avançada no âmbito do programa de formação do PTE. De igual modo, os doutoramentos em Educação, ou com a nova designação de Ciências da Educação, e Estudos da Criança, respectivamente nas áreas de conhecimento em Tecnologia Educativa e em TIC deverão integrar esta listagem de reconhecimento da formação para o nível três. Sobre esta matéria tivemos já a oportunidade de apresentar à tutela o pedido de reconhecimento da formação pós-graduada, no sentido de contribuir de forma decisiva para a certificação dos docentes e para o seu envolvimento nos processos de formação e qualificação a desenvolver 16


no âmbito das actividades dos centros de formação de professores. Por outro lado, se me é permitido, retomo a questão da seguinte forma: como poderemos contribuir para o sucesso do PTE? O PTE consiste numa aposta estratégica mas, mais do que isso, o PTE consiste no reconhecimento de uma janela de oportunidade, fundamental para o desenvolvimento e a inovação na Educação. E para este esforço, entendo que a formação avançada realizada pelas universidades criou já um número significativo de professores com competências nesta área cujo contributo para este programa é, e será, fundamental. Na prática, o impacto inicial do PTE foi forte no plano da tecnologia mas tendeu a diluir-se em sucessivos atrasos ou adiamentos na implementação generalizada da formação e qualificação, facto que leva a questionarme sobre o efeito que teve e poderá vir a ter nas práticas escolares. Principalmente se deixarmos passar esta janela de oportunidade para a mudança sistemática das práticas de utilização das TIC na Educação. Temo que estejamos a deixar passar a oportunidade de iniciar uma mudança profunda do sistema e, deste modo, a contribuir para a consolidação dos processos anteriores, agora com uma nova imagem tecnológica, mas que por esta mesma razão poderá não constituir mais do que isso. Apesar de tudo, entendo que existe o reconhecimento da importância do PTE por parte de todos os actores da comunidade escolar: professores, alunos, pais e demais técnicos da educação. No entanto, neste contexto o esforço de operacionalização já não pode resultar exclusivamente da iniciativa individual, como por exemplo a que é realizada pelo professor na sala de aula, pelo contrário, este esforço terá de ser integrado no projecto da escola, envolvendo a gestão, terá de estender-se aos pais, para que compreendam e se solidarizem com o sentido da mudança e, por último, terá de ter o enquadramento e definição do decisor político, principalmente na articulação da rede que compreende a escola, os centros de formação de professores, as universidades e também os centros de competência, que tiveram desde a sua criação um papel fundamental no apoio local, no acompanhamento e dinamização das iniciativas dos professores, transformando-as em projectos das escolas, tendo contribuído assim para o desenvolvimento da inovação e da mudança. Mas, o que temos vindo a assistir é que, de um modo geral, esta rede 17


tende para um funcionamento desarticulado. Por exemplo, os centros de competência que constituíam uma estrutura de um modo geral ancorada nas universidades e politécnicos, com a vantagem de constituírem não só o meio de ligação entre a escola e a universidade como também uma forma de aproximação entre os territórios da prática educativa e da investigação estão reduzidos a uma expressão mínima. Perante este cenário a liderança tem seguido uma abordagem centrada na implementação da tecnologia e esqueceu a visão estratégica do impacto do programa nos actores. Por exemplo, através do programa foram colocados os instrumentos, os meios tecnológicos, desde os quadros interactivos ao “Magalhães”, bem como a melhoria das condições de acesso à rede, etc., tudo isso foi e tem vindo a ser realizado mas, e a formação e qualificação dos professores para utilizarem esses meios nos novos cenários de ensinoaprendizagem? Não foi síncrona? Não foi atempada? Exactamente. E eu acho que este é o principal momento de perda da janela de oportunidade. A formação dos professores deveria ter sido realizada ao mesmo tempo ou até antecipada à disponibilização dos meios, de forma a permitir a familiarização com os novos meios e a integração destes nas práticas. Por razões várias, em parte pela desarticulação que referi, só agora é que está a ser implementada a formação de professores, mas ainda sem o impacto necessário no sistema, o que significa um atraso na utilização dos meios, os quais, no domínio dos equipamentos informáticos têm um tempo de vida muito curto! Exagerando um pouco, poderia dizer que a janela de oportunidade do Magalhães está a fechar e a formação de professores para a sua utilização, ao nível do ensino básico, não foi realizada extensivamente. Foi muito pontual! Sobre esta matéria refiro dois estudos, realizados por orientandos meus, no domínio da utilização do Magalhães e ambos reflectem a ausência de formação ou o facto de esta ter sido episódica como o principal factor que contribuiu para a sua escassa utilização. Como não foi feita de forma extensiva e como não houve um encorajamento à sua utilização em termos sistemáticos, o Magalhães, num número significativo de situações, não está a ser utilizado na sala de aula, o que é grave! 18


Por outro lado, o Magalhães tem as suas virtudes! Porque representa um enorme potencial para o desenvolvimento das aprendizagens. Para as crianças foi o computador que puderam utilizar na escola e para muitas famílias foi o primeiro computador a entrar nas suas casas. E, deste modo, o acesso a um novo mundo digital! Apresenta, sem dúvida, aspectos positivos na construção do pensamento para a mudança na comunidade escolar e o facto de ter sido estabelecida uma decisão política desta natureza, no quadro da Educação, merece o maior reconhecimento. Aliás, seria impensável, como refere Papert numa das suas metáforas, que para uma turma tivéssemos um único lápis para ser utilizado por todos os alunos, à vez, para escrever ou desenhar. Com o computador passa-se exactamente o mesmo, na medida em que é um instrumento para construirmos as experiências digitais da aprendizagem. Espera-se que todos os alunos tenham um meio deste tipo. Não há, sequer, lugar para qualquer hesitação sobre a importância ou a oportunidade da disponibilização de computadores às crianças. Neste sentido, subscrevo completamente a disponibilização de computadores no 1.º ciclo, o que vem na sequência do impacto da iniciativa Escola, Professores e Computadores Portáteis lançada em 2006. O objectivo desta iniciativa incidiu na utilização dos computadores pelos alunos e professores na sala de aula, rompendo com o conceito de laboratório de informática que representa, em certa medida, a limitação apresentada na metáfora do lápis por Papert, como referi anteriormente. Esta iniciativa teve como grande objectivo a familiarização com a mobilidade do portátil e, através dela, a integração nas actividades de ensino e aprendizagem de uma forma simples, natural e fluida. Neste sentido, concordo perfeitamente com a iniciativa e a coragem de investir numa linha de acção que foi também referenciada internacionalmente nos meios académicos como um modelo de inovação. Mas isto não dispensa uma leitura crítica do processo e, neste sentido, não se pode desvalorizar a importância da formação como meio fundamental para concretizar a mudança. Na sua opinião, esse aspecto, o da formação, foi, nitidamente, o menos conseguido? Foi e continua a ser o aspecto menos conseguido. É o lado que é responsável pelo sucesso/insucesso desta empresa, desta nova iniciativa e, não tendo a formação acompanhado este processo, digamos que é o elo mais fraco. 19


E acaba por desvirtuar as potencialidades de todo o processo? Exactamente! Acaba não só por desvirtuar, mas tende a anular o potencial de todo este esforço. No âmbito do PTE foi desenvolvido o sistema de formação e de certificação de competências TIC, aprovado pela portaria nº 731/2009. O que pensa o Sr. Prof. da forma como foi conceptualizada a formação e a certificação das competências TIC, tal como está a ser implementada no terreno, a partir da publicação da referida portaria? No âmbito do estudo referido foi elaborado um modelo de formação orientado para o desenvolvimento das competências TIC tendo como quadro de referência a aquisição de competências ao nível da utilização e da promoção dos processos de integração e inovação. O modelo conceptual baseou-se numa linha de desenvolvimento organizada em três níveis que compreendem o acesso às tecnologias, a integração curricular e a inovação. O primeiro consiste na aquisição das condições de acesso à tecnologia, referidas no diploma como ‘competências digitais’. O segundo está orientado para o desenvolvimento das ‘competências pedagógicas e profissionais em TIC’ a implementar nos contextos de prática. O terceiro e último nível compreende a ‘formação de competências avançadas em TIC na Educação’, as quais consideramos que constituem o cenário de trabalho para o domínio da inovação. Isto significa que a definição do modelo de formação de competências TIC se baseou num processo orientado para a utilização, a integração e a inovação. O primeiro é claramente um nível de acesso ainda próximo ao DCB, diploma de competências básicas em TIC. O segundo nível introduz a complexidade da integração curricular das tecnologias nas práticas de ensino e aprendizagem. E o terceiro compreende o desenvolvimento da intervenção na educação orientada para a inovação. No plano da certificação parece-me importante referir, para além do quadro regular que decorre da frequência da formação, a possibilidade de reconhecimento das competências adquiridas e desenvolvidas em contextos de prática. A valorização dos percursos de experiência dos docentes foi fundamental na elaboração deste modelo que procurou assim evidenciar a importância do envolvimento formal e não formal no 20


desenvolvimento pessoal e da comunidade escolar no domínio das TIC. A implementação merece um olhar atento, pois o importante não é conseguir o número de docentes com certificação mas sim uma comunidade de utilizadores que partilhem a visão da mudança na educação para a sociedade digital e, deste modo, desenvolvam a percepção de que a utilização das TIC não se limita ao plano da utilização da tecnologia, centrada na ferramenta, mas sim como um meio para a construção das experiências de aprendizagem.. O que é desejável é que a formação seja generalizada a todos os docentes e que através dela se consiga uma mudança de atitudes que permita a integração da tecnologia nas estratégias e processos de exploração dos conteúdos e construção do conhecimento, fundindo-a nos contextos e práticas das aprendizagens. Basicamente é isto que deverá acontecer, como quando estou a escrever e não penso na caneta, apenas preciso dela para escrever. Este é o olhar que deveremos desenvolver. É um instrumento. Deve-se ultrapassar o domínio do instrumento para tornar natural a sua utilização! Sem dúvida! E toda a formação a realizar nos centros de formação deverá ter, como orientação, esta linha de intervenção e desenvolvimento. Saber utilizar um “powerpoint”, um processador de texto, uma folha de cálculo ou outra aplicação da Web 2.0 não constituem o objectivo último da formação para este projecto de mudança. O domínio das ferramentas é necessário mas o objectivo a atingir situa-se para além da mera utilização. As competências em TIC deverão responder aos desafios da gestão dos conteúdos e contextos para a aprendizagem online. Um outro aspecto que decorre desta discussão sobre o desenvolvimento das competências em TIC considera as linhas orientadoras do PTE para a construção da escola do futuro. Para além da leitura tecnológica e instrumental do PTE defendemos a pedagogia com as tecnologias, nomeadamente como meio para a experiência e partilha nas comunidades de aprendizagem emergentes na rede.. Esta é uma pedagogia para a mudança e a inovação a realizar não só através dos processos de mediação tecnológica da interacção mas, 21


principalmente, através dos processos de mediação social e cognitiva na construção das aprendizagens. A inovação constitui um enorme desafio para a educação, em especial nos cenários emergentes. A escola tem de ser capaz de preparar o aluno para situações que não sabemos ainda definir com exactidão mas que constituirão os contextos de intervenção futuros. O aluno terá de ser capaz de tomar decisões face a cenários e situações problema diferentes dos actuais. Neste sentido, a escola, para além de formar para o presente, deverá ter como grande objectivo formar para o futuro, o que consiste numa estratégia de Educação para a Inovação. Educar para a Inovação significa preparar o aluno com as necessárias ferramentas de pensamento que lhe permita tomar decisões, resolver problemas ou enfrentar cenários que ainda não existem. Foi de acordo com este enquadramento que se propôs o nível avançado para a formação em competências TIC, bem como a articulação desta formação com as universidades, na medida em que desenvolvem investigação nesta área. Sobre esta questão refiro ainda uma proposta apresentada pelo Prof. Dias de Figueiredo no âmbito do Conselho Científico do Observatório do Plano Tecnológico da Educação, a qual foi depois assumida colectivamente pelo grupo de trabalho deste mesmo Conselho. A proposta consiste basicamente no seguinte: na sociedade competitiva global, onde o conhecimento é peça fundamental, a actividade da escola deverá ser orientada para a inovação. Portanto, uma educação para a inovação. Mas, para isto acontecer, a intervenção deverá ser profunda e orientada para as abordagens da investigação-acção que envolvem a escola como um actor privilegiado no processo e fundamentam assim a mudança e a sustentabilidade das novas práticas. Neste sentido, a formação avançada deverá basear-se em equipas constituídas por investigadores e os professores que estão no terreno, criando parcerias entre a universidade e a escola, e desenvolvendo assim uma rede de actores com forte potencial de intervenção para a construção da mudança. Claro que neste enquadramento a formação a implementar tem como objectivo não só reflectir sobre o presente mas ser capaz de olhar para o futuro. E fazer um percurso de formação que não se limite ao presente irá constituir um desafio para a sociedade, 22


para a comunidade escolar e para os pais, principalmente pela memória que têm da escola e do que isso poderá significar para a aceitação das novas formas de aprendizagem. Olhar para o futuro é, neste sentido, um percurso muito exigente. É muito exigente. E poderá ser demasiado exigente para a maior parte dos pais!? É com toda a certeza, muito exigente. Não nos podemos limitar a formar os alunos para resolver os problemas que as gerações anteriores tiveram de enfrentar, apesar de contextualizados no presente. A exigência está no processo e capacidade de antecipação. Antecipar! É uma atitude fundamental, que implica a maior liberdade de pensamento e inovação. A última questão tem a ver com a componente da avaliação, quer no âmbito da implementação do PTE quer no âmbito da formação e da certificação das competências TIC. Tem sido feita avaliação por entidades independentes? Qual a sua perspectiva nesta questão? Neste domínio estão em curso diversos estudos, de entre os quais refiro o Pigaffeta, sobre a utilização do Magalhães, coordenado pelo Prof. António Osório da Universidade do Minho, o estudo sobre a iniciativa Escola, Professores e Computadores Portáteis, coordenado pelo Prof. José Luís Ramos, da Universidade de Évora e ainda os estudos sobre o PTE realizados no âmbito do Conselho Científico do Observatório do PTE, coordenado pelo Prof. Roberto Carneiro. Para além da importância destes estudos e da sua contribuição para a compreensão do processo nesta fase de implementação, e o facto de no âmbito do programa a formação extensiva não ter sido realizada de forma antecipada à disponibilização dos meios, entendo que a avaliação do programa deverá ser continuada de forma a permitir estudar o impacto desta iniciativa na educação e na elaboração dos indicadores para a mudança das práticas no novo enquadramento. Não tem visto, na literatura, referências a esse aspecto da avaliação, por exemplo da aquisição de competências na área das TIC? Como é que tem estado a decorrer o processo? No plano internacional há um número significativo de estudos sobre a utilização das TIC e do impacto na educação. No site www.elearningeuropa. 23


info está publicada uma meta análise dos estudos no domínio, realizada por Avrim e Talmi, sobre as principais abordagens seguidas na análise do impacto das TIC. De igual modo, o site www.elearningpapers.eu tem vindo a divulgar resultados da investigação internacional na área, para além de outras publicações. Por outro lado, no âmbito dos estudos de pósgraduação de mestrado e doutoramento, realizados no país, esta área tem sido objecto de investigação sistemática. De um modo geral, refiro que os estudos realizados ou em curso revelam uma orientação para a análise do impacto das TIC na pedagogia. Estarão 30% dos 90% de professores, na base da formação que funcionou no ano passado. Presumo que sim, pois não foi estabelecido um programa de formação extensivo. Para além disto a formação só está regulamentada, até ao presente, para os dois primeiros níveis e apresenta a maior incidência de implementação no primeiro nível. O objectivo não é ficar neste patamar inicial da formação mas, pelo contrário, dirigir o programa para os dois últimos níveis. A formação avançada é também uma formação para a liderança absolutamente necessária para criar um efeito de contágio que conduza à mudança das práticas de ensino e aprendizagem. Que nos interessa ter equipamentos numa escola se eles não estão a ser plena e adequadamente utilizados? Os mecanismos de avaliação de execução do programa realizados pelo GEPE, por exemplo, no que respeita ao rácios de aluno/computador, o objectivo era atingir dois alunos por computador no final de 2010 o que foi conseguido, revelando o sucesso do programa. Contudo, este rácio nada nos diz sobre a utilização e integração curricular. Ou encomenda. O estudo da Universidade Católica apresenta exactamente esse rácio … Sim. É interessante que, nesse estudo, um dos aspectos que os alunos referem é a apreciação crítica que fazem à prestação dos docentes em TIC. 24


Para além dos indicadores relativos aos bons exemplos de integração das tecnologias desde a internet aos quadros interactivos e aplicações para a educação, no âmbito do estudo, os alunos evidenciam que as TIC constituem um factor de motivação. Mas, por outro lado, não deixam de assinalar também as dificuldades dos professores em lidarem com os novos meios. Ou seja, é o ponto crítico e mais fraco de todo o processo das várias vertentes do PTE. Será esse o ponto mais fraco? Competências TIC dos professores? É. Declaradamente, é! O aspecto mais frágil está na formação dos professores em competências TIC que lhes permita uma utilização inovadora e orientada para as necessidades de aprendizagem dos alunos. Ao que me parece é também o ponto que tem ficado mais aquém daquilo que seriam as expectativas no âmbito do PTE. Exacto, e dos próprios professores que esperavam que a formação tivesse sido realizada mais cedo e dirigida para além da tecnologia, para um plano de integração da tecnologia na pedagogia. Um dos problemas que os professores apontam, e agora apresento como referência um estudo realizado pela UM, é que os professores sentem não terem tido a formação necessária antes de os meios terem sido colocados na sala de aula. O que, de certo modo, boicotou o modelo de intervenção do professor. E menorizou os professores relativamente aos alunos, nesse aspecto? Nesse estudo de avaliação da U. Católica, em relação aos alunos, os próprios entendem que são muito competentes em TIC e depois tem uma apreciação exactamente inversa no que respeita às competências dos professores. Exactamente, por causa disso, em grande parte por causa disso. Os professores, apesar da boa vontade e disponibilidade que têm, foram colocados numa situação para a qual não estavam preparados. Colocálos num ambiente com novas exigências tecnológicas e pedagógicas para as quais não houve preparação extensiva, prévia, revela uma falta de planeamento ou desarticulação na implementação. Isto é dramático! Porque o professor não se sente apoiado e à insegurança irá seguir-se o processo de resistência à mudança. 25


Não tenho mais nenhuma questão a colocar.Talvez o Senhor Professor queira concluir com algum comentário final, não sei bem?! Quero sim. Quero aproveitar a oportunidade para dizer que, apesar das fragilidades que temos vindo a encontrar na implementação do PTE, nomeadamente na formação, a qual talvez seja a parte mais crítica deste programa, os professores têm revelado ao longo dos últimos anos a capacidade de ultrapassarem situações difíceis e de se organizarem. As inúmeras iniciativas de projectos de escola com as TIC que tenho vindo a acompanhar no âmbito das actividades do Centro de Competências são a prova de que os professores são capazes de se organizarem e desenvolverem projectos orientados para a inovação na escola. Aproveito para referir que isto tem vindo a ser conseguido através de encontros onde se partilham experiências, onde se conta o que se faz mas, fundamentalmente, se cria uma cultura de partilha das boas práticas. E esse é o percurso para o futuro. Acredito que nesta rede de actores, os professores têm um papel decisivo. Ainda no âmbito do estudo de avaliação da U.Católica, merece referência o facto de algumas escolas, não em número muito significativo, mas existem algumas que se sentiram invadidas pelo PTE, o que é uma constatação curiosa! Disponibilizar tecnologia para a educação sem formar para a sua utilização conduz a isso. O aspecto inesperado é a percepção de invasão da escola. O facto de os equipamentos não serem desejados por algumas escolas! A percepção de invasão quer dizer que faltou o trabalho prévio na mudança das atitudes e na formação para os novos ambientes. O trabalho a desenvolver consiste na mudança para a educação em rede a partir da qual as tecnologias serão desejadas e necessárias nos territórios escolares. Que fossem apropriadas pelas próprias escolas e pelos seus actores, até de forma autónoma. Quando forem apropriadas e quando forem consideradas absolutamente 26


necessárias, irão fluir e circular normalmente. Quando isso acontecer, será excelente. Será o momento em que os professores e os alunos utilizarão os materiais e os meios de forma natural e integrada. Em todos os estudos que temos vindo a desenvolver, a “voz” do professor vai sempre nesse sentido. É curioso, não dizem que não querem. Dizem que querem, só que acabam por referir que não sabem como, por não terem usufruido da formação adequada, pois na maior parte dos casos a formação recebida incidiu na tecnologia. A discussão, hoje em dia, deverá ser orientada para os contextos de utilização e de inovação para um processo de mudança continuada, forte, e que deverá ser entendida por todos como o percurso a seguir. E, na sua opinião, crítica. A não ser feita essa mudança continuada, vai condicionar-nos futuramente? Cada vez mais. Muito bem. Muito obrigado pelas suas ideias e pelo tempo disponibilizado.

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Bento Duarte Silva

Bento Duarte Silva é Professor Associado com Agregação de Educação, do Instituto de Educação da Universidade do Minho (Portugal). Doutorado em Educação, na área da Tecnologia Educativa. Actualmente, é também VicePresidente do Instituto de Educação e Director do Departamento de Estudos Curriculares e Tecnologia Educativa. É membro do Centro de Competência da UM para a área das Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação. Desenvolve actividades de docência, pesquisa e orientação nos Programas de Mestrado e de Doutoramento na área de Tecnologia Educativa. É autor de diversos trabalhos de investigação sobre Tecnologia e Comunicação Educacional, recaindo os seus interesses de investigação no design de estratégias (concepção, desenvolvimento e avaliação) para a integração das TIC na Educação/Formação, Cibercultura e Aprendizagem em Rede.


P

lano Tecnológico da Educação em Portugal: Análise dos Relatórios dos Planos TIC (no ano de lançamento, 2006-2007)

Resumo Nos últimos anos temos assistido, um pouco por toda a Europa, a múltiplas iniciativas para promover o uso de computadores e outras tecnologias digitais e de rede no sentido de responder aos desafios da Sociedade da Informação. Em Portugal, a mais relevante dessas iniciativas sucedeu em 2005 com a aprovação do Plano Tecnológico (Resolução do Conselho de Ministros, nº 190/2005), em que a Educação era um dos principais eixos estratégicos, tendo sequência em 2006 com o Plano Tecnológico da Educação (PTE). Do lançamento e implementação de políticas, programas e projectos decorre, como sustentam diversos autores, a necessidade da sua avaliação, tanto mais premente quando estamos a viver uma mudança de paradigma sociocultural em que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) são um dos vectores dessa mudança. É neste contexto que se apresenta este texto, pretendendo-se efectuar uma síntese da análise aos Planos Tecnológicos das Escolas, referente ao ano de lançamento do PTE (2006-2007), tendo por base os relatórios elaborados por 483 escolas provenientes das cinco regiões educativas do país1 . Introdução Desde meados da década de 80 do séc. XX que estava em curso o que se entende hoje ser uma verdadeira revolução tecnológica no domínio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), de tal modo que a designação Sociedade em Rede passou a ser expressão de uso corrente para identificar o tempo civilizacional da Era de Informação (Castells, 1 Este texto é uma síntese de um estudo solicitado pela Equipa CRIE (Computadores, Redes e Internet nas Escolas), da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC) do Ministério da Educação, ao Centro de Competência da Universidade do Minho (CCUM) para analisar os Relatórios dos Planos TIC de 2006/2007. O estudo foi efectuado pelos membros do CCUM: Bento Silva (coord.), Maria João Gomes e Ana Maria Silva.

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2002). A novidade das actuais TIC advém da mudança que catalisam, permitindo novas formas de acesso ao conhecimento, novas formas de organização da economia, novas formas de cultura, novas formas de gestão do tempo e do espaço, e novas formas de relacionamento. Da integração das TIC na Educação (TICE) ressalta a importância para configurarem ambientes educativos, uma vez que introduzem novas possibilidades curriculares ao nível organizacional, dos conteúdos e das metodologias de trabalho de ensino e de aprendizagem (Silva, 2002). Neste sentido, as TICE terão tanto mais sentido no contexto de ensino e de aprendizagem, e os seus resultados poderão ser mais consequentes, quanto mais integradas estiverem no projecto pedagógico e educativo da escola, devendo fazer parte de um processo educativo e não constituírem momentos/espaços isolados de ensino-aprendizagem. Acompanhando esta mudança de paradigma, desde meados da década de 90 do século XX que diversos organismos internacionais, governos nacionais e organizações de âmbito nacional, regional e local - incluindo as escolas - prepararam, aplicaram e desenvolveram projectos de implementação das TIC (Silva, 2001). Mais recentemente, na sequência das recomendações da Comissão Europeia reunida em Lisboa, em Março de 2000 (Cimeira de Lisboa), no sentido de se reforçar a aposta do desenvolvimento da integração das TIC na educação e nas escolas, o Ministério da Educação criou, em 2004, a equipa CRIE (Computadores, Redes e Internet nas Escolas) com competências para “conceber, desenvolver, concretizar e avaliar iniciativas mobilizadoras e integradoras no domínio do uso dos computadores, redes e internet nas escolas e nos processos do ensino-aprendizagem”. Em Novembro de 2005 foi aprovado o Plano Tecnológico (Resolução do Conselho de Ministros, nº 190/2005) sendo a Educação um dos seus principais eixos estratégicos, e em 2006 foi lançado o Plano Tecnológico da Educação (PTE), aprovado em 2007 pelas Resolução do Conselho de Ministros nº 137/2007 de 18 de Setembro. O PTE, onde se integram os Planos TIC, constitui o programa mais recente de renovação das escolas. Incide em três eixos de acção (tecnologia, conteúdos e formação) e apresenta o objectivo estratégico de “colocar Portugal entre os cinco países europeus mais avançados na modernização tecnológica do ensino em 2010”. Do lançamento e implementação dos programas e projectos decorre, como sustentam diversos autores (Davis et al., 2001; Silva & Silva, 2008), a necessidade 30


da sua avaliação. Se a avaliação constitui uma componente essencial do desenvolvimento de planos concertados e potenciadores da qualidade, nomeadamente educativa e formadora, a introdução progressiva e inequívoca das TIC nas escolas é, sem qualquer dúvida, uma componente que não deverá ser alheia a este processo, no sentido de identificar as suas reais forças e potencialidades, mas igualmente perceber as fraquezas e ameaças com vista à sua correcção.

2.

Método

O objectivo deste estudo consistiu em analisar e sintetizar a informação de um conjunto alargado de relatórios de escolas dos Planos Tecnológicos de Educação (no ano de lançamento, 2006/2007), tendo em vista identificar linhas de força e indicadores de potencialidades e de fragilidades da integração das TIC nas escolas. Deste modo, a metaanálise foi o método adequado, tal como Glass (1976, apud Coutinho, 2005:233) a caracteriza: “análise estatística de um grande número de resultados de estudos individuais com o objectivo de os integrar”. O estudo foi desenvolvido através de diversas etapas: 1º) sistematização do material recepcionado; 2º) identificação do referencial para análise dos relatórios; 3º) análise dos relatórios a partir deste referencial; 4º) selecção de informações complementares aos relatórios em fóruns e entrevistas a alguns coordenadores TIC; 5º) Integração dos dados e redacção final. Como instrumentos de recolha de dados usamos uma grelha de registo e a análise de conteúdo dos fóruns e entrevistas. A grelha foi o instrumento central do estudo na recolha, tratamento e análise dos dados. O objectivo da sua elaboração foi o de ter uma visão global de quais foram os elementos mais presentes e, numa perspectiva de interpretação, quais os mais e menos valorizados pelos Coordenadores/ Equipa TIC. Para a sua construção, começamos por proceder a uma análise cuidada dos despachos e resoluções normativas (como o despacho nº 26 691/2005, de 27 de Dezembro; e a Resolução do Conselho de Ministros nº 137/2007, de 18 de Setembro), no sentido de se identificarem os elementos que deveriam ter sido considerados na elaboração dos Planos TIC, na sequência da implementação dos mesmos e posterior “balanço” e “avaliação dos resultados obtidos”. Em simultâneo, incidimos na revisão de literatura especializada sobre os projectos TIC nas escolas e a sua avaliação, procedendo a uma selecção dos indicadores relevantes 31


de sucesso destes projectos. Procedemos, ainda, à análise de 20 relatórios, escolhidos aleatoriamente de entre os relatórios das Escolas/ Agrupamentos integrados nas diferentes Direcções Regionais (DREN; DREC; DREL; DREALENT e DREALG 2), resultando na codificação de 73 indicadores que, pela sua regularidade (serem referidos em pelo menos 10 dos 20 relatórios), passaram a constituir a grelha de registo e análise. Foram definidas cinco categorias, incluindo cada uma delas um conjunto de dimensões a que correspondem os diferentes indicadores. i. Identificação (da Escola/Agrupamento e dos seus Recursos Humanos); ii. Tecnologia (contemplando as infra-estruturas – criação e manutenção – e articulação com projectos, nomeadamente de gestão da Escola/Agrupamento); iii. Conteúdos (a relação do Plano TIC com as actividades de ensinoaprendizagem e articulação do Plano TIC com outros projectos e/ou entidades); iv. Formação (identificação de necessidades, actividades de formação e entidades formadoras); v. Avaliação e Desenvolvimento (do Plano TIC na Escola/ Agrupamento, sua contextualização, fundamentação, consolidação e prospectiva). Sobre os fóruns de apoio ao trabalho dos Coordenadores TIC, criados na plataforma moodle CRIE analisamos o conteúdo de 9 fóruns, onde foram postados 825 temas que tiveram 3998 respostas, no período compreendido entre 19 de Julho de 2006 e 29 de Agosto de 2007. O objectivo desta análise foi identificar as dinâmicas produzidas que pudessem contribuir para uma leitura alargada e holística do processo de implementação dos Planos TIC ao nível das escolas. Para completar e colmatar informação realizámos uma entrevista aos Coordenadores TIC responsáveis pela elaboração dos relatórios dos “casos extremos”, ou seja, os casos com maior ou com menor número de itens da grelha de análise que foram referenciados no relatório. 2 DREN – Direcção Regional de Educação do Norte; DREC - Direcção Regional de Educação do Centro; DRELVT - Direcção Regional da Educação de Lisboa e do Vale do Tejo; DREALENT - Direcção Regional de Educação do Alentejo; DREALG - Direcção Regional de Educação do Algarve.

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Optámos por seleccionar um “caso extremo” de cada situação, num total de 10 (2 por cada Direcção Regional). Dada a dispersão territorial (2 escolas das 5 Direcções Regionais de Educação do país) optámos por entrevistas escritas, com o envio de um guião via e-mail, precedido de um contacto telefónico com responsáveis da Escola/Agrupamento seleccionada no sentido de os informar dos objectivos da entrevista e da metodologia a seguir. O guião incidia numa análise SWOT em que se procurava que cada coordenador identificasse as Forças (Strenghts), Fraquezas (Weaknesse), Potencialidades (Opportunities) e Ameaças (Threats) do Plano TIC que coordenou na sua Escola/Agrupamento.

3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Foram analisados 483 relatórios, sendo que cerca de metade são de escolas pertencentes à Direcção Regional Norte. D i r e ç ã o DREN Regional de Educação Nº relatórios 238

DREC

DRELVT

DREALENT

DREALG

Total

48

107

59

31

483

%

9,9 %

22,2 %

12,2 %

6,4 %

100 %

49,3 %

Optamos por apresentar e analisar os resultados por categorias, cruzando a informação das diversas fontes e instrumentos.

3.1. Categoria “Identificação” A falta de uma matriz que orientasse a organização dos relatórios das diferentes escolas conduziu a uma grande variedade de relatórios, quer quanto aos tópicos referidos quer ao grau de estruturação e profundidade da sua elaboração. Por exemplo, a referência explícita a dados de caracterização da escola, como seja o Código da Escola, o Concelho e o Distrito em que a mesma se localiza, apenas é feita em 12%, 27% e 22% dos relatórios, valores muito baixos. O valor também é muito baixo no que concerne à indicação do número de professores, alunos e funcionários das escolas/agrupamento: apenas 27% dos relatórios referem o número de professores e de alunos da escola/agrupamento, e menos ainda se referem ao número de funcionários (apenas 12%). Sobre a autoria do relatório, os resultados indicam que na generalidade dos casos foram elaborados exclusivamente pelos Coordenadores TIC 33


(94,1%), sendo que em algumas escolas houve a participação de outros elementos: da equipa TIC (3,6%), de outros professores da escola (1,4%) ou de membros do Conselho Executivo (0,9%). Constata-se, assim, que a responsabilidade pela elaboração do relatório esteve fortemente centralizada no Coordenador TIC.

3.2. Categoria “Tecnologia” Para uma melhor compreensão dos resultados, optámos por fazer a divisão desta categoria em dois tópicos: instalação e manutenção de infra-estrutura, e articulação do Plano TIC com projectos.

3.2.1. Instalação e manutenção de infra-estruturas tecnológicas Os aspectos relacionados com a instalação e a manutenção de infraestruturas de natureza tecnológica são os que mais ressaltam da análise global dos relatórios. Todos os relatórios se reportam a aspectos deste tipo, sendo que em algumas escolas esse esforço abarcou várias áreas de intervenção. Esta dimensão aparenta ter tido muita relevância nas actividades dos Coordenadores/Equipas TIC. De entre os aspectos relacionados com actividades de carácter técnico/ tecnológico podem referir-se, como exemplos, a manutenção e apoio à utilização das salas TIC, o apoio técnico aos “projectos dos portáteis”, a instalação e manutenção da plataforma Moodle e de outro software livre, a instalação ou manutenção das redes wireless e de intranet, bem como o desenvolvimento e manutenção do site de escola. Com mais destaque (referências entre 70 a 75%) surgem as actividades relacionadas com o site da escola (desenvolvimento e manutenção), a iniciativa do projecto dos portáteis, a instalação e/ou manutenção da plataforma moodle e a utilização da sala. O peso que os aspectos de natureza técnica e tecnológica tiveram nas actividades dos Coordenadores/Equipa do Plano é reforçado pelo facto de 31% dos relatórios fazerem referência à existência de problemas técnicos. A resolução destas situações passou pela intervenção directa dos Coordenadores TIC (41% dos casos) ou pelo recurso a serviços de empresas do ramo (39%). Neste âmbito, a intervenção da equipa ECRIE-ME (Equipa de Computadores, Redes e Internet nas Escolas) passou, sobretudo, pela criação no espaço moodle CRIE de quatro 34


fóruns com incidência no apoio técnico, que se revelarem de muita utilidade para a resolução de variados problemas, sendo de salientar o sentido de colaboração online que se estabeleceu entre os membros da comunidade (coordenadores TIC) na inter-ajuda mútua. O exemplo seguinte é elucidativo deste clima de fomento de uma aprendizagem colaborativa, pois um pedido de ajuda sobre os passos a seguir para implementar o moodle suscitou 24 respostas de apoio, num período curto de tempo (quase imediato). Moodle Por…. - Quarta, 25 Outubro 2006, 20:09 Olá o meu nome é […] sou [...]. Sei que vou implementar o Moodle mas não sei muito bem que passos seguir. Se houver alguém que me possa dar uma ajudinha agradecia Muito Obrigado

Nas entrevistas aos coordenadores TIC, é salientado que o Plano TIC constituiu uma real oportunidade para a melhoria das infra-estruturas tecnológicas – “a consecução de uma rede estruturada e reestruturação do parque informático” –, passando também pela “criação de ferramentas pedagógicas mais sofisticadas e dirigidas às reais lacunas dos alunos”.

3.2.2. Articulação do Plano TIC com Projectos Pedagógicos e de Gestão Administrativa Mais de metade dos relatórios (52%) referiu a articulação das actividades no âmbito de projectos pedagógicos concretos. No conjunto das 253 Escolas/Agrupamentos que mencionaram este indicador, identificamos 660 projectos, havendo uma grande amplitude, pois existem relatórios que apenas reportam 1 projecto e outros que identificam 11 projectos. De entre os projectos pedagógicos, sobressai o “Plano da Matemática” com 81 referências, seguindo-se, com 31 referências, o envolvimento na candidatura à iniciativa “Atribuição de Equipamentos Tecnológicos para o Enriquecimento do Ensino e da Aprendizagem”, e com 24 referências o projecto eTwinning, que constituiu a principal acção do Programa eLearning da União Europeia com o objectivo de promover a colaboração educativa na Europa através do uso das TIC. Para além da articulação com estes programas cuja iniciativa é do Ministério de 35


Educação, existem também referências a outros projectos de natureza pedagógica cuja iniciativa está mais centrada na escola, merecendo destaque o apoio à produção do “jornal da escola” (referenciado em 65 relatórios), “biblioteca escolar” e a projectos de criação/dinamização de blogues ou de rádios escolares. Uma percentagem menor de relatórios faz referência à articulação do Plano TIC com iniciativas centradas nas actividades de gestão administrativa, por vezes ligados a produtos e empresas com produção de software de gestão para o meio escolar. Entre estes projectos, contam-se referências ao GATo3 (Gestão de Actividades TIC na Educação – 17 referências) e ao “Programa Alunos” (12 referências)4 . As referências mais frequentes incidem na criação e manutenção de sistemas de correio electrónico, institucional, para os professores (referenciados em 24% dos relatórios), a implementação e manutenção de sistema de “cartões magnéticos” com diversas funcionalidades (8%). Menor número de referências surgem em relação ao apoio e/ou promoção do uso de sistemas de gestão de faltas, emissões de faltas e redacção de actas. Não obstante estes valores reduzidos, o aspecto a salientar é que foram medidas que vieram a ser preconizadas no Plano Tecnológico da Educação, publicado em Setembro de 2007, em data posterior à conclusão da redacção dos relatórios em análise. Este factor de antecipação permite considerar que os Planos TIC das Escolas/Agrupamentos lançaram iniciativas que contribuíram para a implementação e dinamização de medidas preconizadas no âmbito do Plano Tecnológico da Educação (2007-2010).

3.3. Categoria “Conteúdos” Nesta categoria fazemos referência a duas dimensões: ao “ensino/ aprendizagem” e à articulação do Plano TIC com a escola e com outras entidades.

3 “A ferramenta GATo (Gestão de Actividades TIC na Educação) visa facilitar a organização, planeamento e gestão de projectos de aplicação das TICs à Educação. Qualquer escola com acesso à Internet, independentemente dos seus recursos humanos e materiais poderá utilizar a aplicação para planeamento e avaliação de actividades, gestão de recursos, publicação de documentação, etc.” 4 O “Programa Alunos” é um produto comercial que visa apoiar tarefas de gestão administrativa como lançamento de faltas, classificações, etc.

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3.3.1. Utilização das TIC em Actividades Curriculares e Clubes Escolares Os resultados indicam que 371 relatórios (77%) fazem referência à utilização das TIC em actividades lectivas. Destes, 54% associa a utilização a disciplinas curriculares e 33% nas áreas curriculares não disciplinares. A diversidade disciplinar está bem patente, pois houve referência à utilização das TIC em 43 disciplinas do 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário. As disciplinas mais representadas são: TIC (174), Matemática (155), Português (94), História (76), Inglês (72), Ciências da Natureza (71), Geografia (56), Educação Física (51), Físico-Química (48), Educação Visual (46) e Francês (45). Nas actividades curriculares não disciplinares, o uso das TIC aparece com algum destaque na “Área de Projecto” (com 68% de referências), aparecendo depois o “Estudo Acompanhado” (29%) e a “Formação Cívica” (18%). No que respeita aos “clubes escolares”, há 101 relatórios (21%) que referenciam actividades com as TIC, sendo que 87 indicam o nome dos clubes, num total de 139 designações de diversas temáticas. Os clubes referenciados em maior número são os clubes de Informática (35 referências), os de Jornalismo (20 referências) e os clubes de Matemática (8 referências), seguindo-se os de Ciências (6), Artes (5), Rádio (4), Ambiente (3), Comunicação (3), Desporto escolar (3), Europeu /3), Floresta (3), História (3), Inglês (3) e Teatro (3). Considerando o conjunto das actividades de apoio/articulação do Plano TIC com projectos e clubes com fins pedagógicos fica-nos a percepção de que os mesmos constituem um pólo dinamizador e integrador da realização de actividades pedagógicas com recurso às TIC.

3.3.2. Articulação do Plano TIC com a escola e outras entidades externas De acordo com o Despacho n.º 26 691/2005, o Plano TIC deveria “ser concebido no quadro do projecto educativo da escola e do respectivo plano anual de actividades, em conjunto com os órgãos de administração e gestão, em articulação e com o apoio do centro de formação da área do agrupamento/escola (CFAE) e de outros parceiros a envolver”. Esta dimensão de articulação e legitimação do Plano TIC ao nível da escola não é muito patente nos 483 relatórios, pois apenas 74 dos relatórios (15%) fazem referência à articulação com o Projecto Educativo da 37


Escola, 51 (11%) ao Plano Anual de Actividades e, ainda, 107 relatórios (22%) referem que houve articulação com o Conselho Executivo e 45 (9%) com o Conselho Pedagógico. Os valores encontrados são muito baixos, o que pode sugerir uma desarticulação do Plano TIC com os Planos Educativos de Escola e com os Planos Anuais de Actividades, bem como um baixo envolvimento dos órgãos de administração e gestão das escolas no desenvolvimento do Plano TIC. Em termos de articulação do Plano TIC com entidades exteriores à escola há 42 relatórios (9%) que fazem referência aos Centros de Formação de Associação de Escolas - CFAE, 73 (15%) aos Centros de Competência Nónio e 101 (21%) a outros tipos de entidades, muito diversas, mas regra geral de associativismo comunitário. Estes valores também são muito baixos, particularmente o que respeita à articulação com os CFAE, pois o sentido de colaboração/parceria com os Centros é explicitamente preconizado no despacho normativo (n.º 26691/2005), pelo facto de serem a entidade com maiores responsabilidades na promoção da formação contínua de professores. Considerando que o envolvimento dos órgãos da escola – “compromisso, forte motivação e empenho das direcções executivas das escolas/ agrupamento” –, bem como o estabelecimento de parcerias institucionais com entidades externas foi das principais forças expressas nas entrevistas pelos coordenadores TIC para o desenvolvimento com sucesso do Plano nas suas Escolas/Agrupamentos, os resultados apontam no sentido da necessidade em reforçar esta dimensão.

3.4. Categoria “Formação” De acordo com o despacho nº 26 691/2005, uma das funções do Coordenador TIC consistia em colaborar na elaboração do diagnóstico de necessidades de formação, o qual devia servir de ponto de partida para o desenho do plano de formação em TIC a promover, de modo a satisfazer as necessidades de formação que tivessem sido identificadas. Este aspecto – do diagnóstico de necessidades às entidades formadoras – parece-nos particularmente relevante, por poder ser um dos elementos estruturantes das intervenções a fazer no domínio da promoção das utilizações pedagógicas das TIC. Os resultados indicam que uma ligeira maioria das Escolas/Agrupamentos (247, correspondendo a 51% da população) efectuou esse diagnóstico. Contudo, sendo expectável que a totalidade dos relatórios, ou pelo menos uma parte muito significativa, 38


fizesse referência ao levantamento das necessidades de formação, considerando que o mesmo é preconizado no despacho normativo, o resultado mais evidente incide na ausência em 49% dos relatórios desta dimensão. De igual modo, seria expectável que um número significativo de Coordenadores TIC tivesse procurado obter formação adicional, contudo, também este aspecto é referido apenas em 63 relatórios (13%). No conjunto das 483 escolas/agrupamentos, em 75% há referência à realização de actividades de formação em TIC dirigidas a professores, 15% para funcionários e 8% para alunos. Estes dados indicam que se realizaram iniciativas de formação em TIC mesmo em Escolas/Agrupamentos que não realizaram um levantamento formal de necessidades de formação neste domínio. Em 248 relatórios (51%) existe a identificação da entidade formadora, sendo que a maior incidência recai nos Centros de Formação (36,9%), seguida da formação interna na escola (26,3%), Centros de Competência Nónio (7,6%) e com expressão muito reduzida há a menção a outros agentes (2%). O facto de os CFAE apareceram nesta dimensão como a entidade mais envolvida, mas, por outro lado, como vimos, terem baixas referências explícitas a colaborações/parcerias (9%), tanto pode ser indiciador de incongruências na elaboração dos relatórios ou ser um sinal que a formação pode ser efectuada sem que se estabeleça qualquer tipo de parceria com a Escola/Agrupamento. Considerando a natureza estruturante do domínio da formação – todos os estudos apontam esta dimensão como uma condição necessária para uma efectiva integração curricular das TIC –, seria de todo recomendável que, efectuado o diagnóstico de necessidades, existisse um plano de acção entre as Escolas e os Centros de Formação. Esta recomendação ganha mais sentido em virtude de os coordenadores TIC, nas entrevistas, apontarem como uma das principais fraquezas na implementação do Plano TIC a “falta de formação dos actores da comunidade educativa em TIC (docentes e outros agentes) ”, motivo que está na origem das “reticências/resistências reveladas pelos docentes, para a implementação de medidas que pela sua natureza implicam uma alteração de hábitos de trabalho muito enraizados”. É de notar, ainda sobre este ponto, que o modelo de formação proporcionado pelo Centro de Formação foi sentido como uma ameaça ao desenvolvimento do Plano TIC, pelo “nível excessivamente avançado para as necessidades de formação inicial do corpo docente e do corpo não docente”, ou seja, não estar adaptado às enormes carências de formação básica que os membros da comunidade educativa apresentam. 39


3.5. Categoria: “Avaliação/Desenvolvimento” De entre as funções atribuídas ao Coordenador TIC inclui-se a responsabilidade de “Elaborar, no final de cada ano lectivo, e em conjunto com os parceiros envolvidos, o balanço e a avaliação dos resultados obtidos, a apresentar aos órgãos de administração e gestão do agrupamento/escola e à respectiva direcção regional de educação”. Deste modo, construímos uma categoria de análise que designamos por “Avaliação/Desenvolvimento”, centrando-nos nos aspectos relacionados com o “balanço e avaliação dos resultados obtidos”, incluindo também elementos respeitantes à existência e natureza da equipa TIC. Sobre o “balanço e avaliação dos resultados obtidos”, identificamos no conjunto de relatórios duas abordagens distintas. Em 36 Escolas/ Agrupamentos (7%) refere-se a realização de iniciativas objectivas de avaliação das actividades, através de formas sistemáticas e objectivas de recolha de dados, como o recurso a questionários (a professores e alunos) e a registos de taxas de utilização de equipamentos e de frequência de formação. Num conjunto significativamente mais elevado de relatórios (210, correspondendo a 43%), embora não sejam referidas práticas sistemáticas e objectivas, são tecidas considerações “avaliativas” sobre diversos aspectos respeitantes à implementação dos Planos TIC. Apenas 31 relatórios (6%) fazem referência à apresentação/aprovação dos mesmos no seio dos órgãos Directivos ou pedagógicos das escolas. Este baixo valor pode sugerir que os Planos TIC, em muitos casos, não foram claramente integrados e assumidos como sendo um projecto global da escola, validado e reconhecido pelos órgãos executivos e pedagógicos, e construído em articulação com outros documentos estruturantes como o Plano Educativo da Escola e o Plano Anual de Actividades. Sobre a Equipa TIC das Escolas/Agrupamentos, há em 264 relatórios (55%) referência à sua existência, valor muito aquém do expectável, pois seria de esperar um valor muito próximo dos 100%. A inexistência de Equipa TIC em cerca de 50% das Escolas/Agrupamentos é uma “fragilidade”, pois a constituição de uma equipa alargada, envolvendo professores de diferentes departamentos, funcionários não docentes e até mesmo alunos, poderia ser um factor de maior mobilização da escola e da comunidade à integração das TIC em contexto escolar. 40


Dos relatórios que referem a existência de Equipas TIC, apenas 49 (18,6%) incluem informação sobre a composição das Equipas TIC, fazendo esses relatórios menção a professores e a funcionários não docentes, 19 (7,2%) à integração de alunos na Equipa e 8 (3%) a pessoas exteriores à escola. Sobre os professores, constata-se que pertencem a 24 disciplinas/ grupos disciplinares diferentes. Os professores de Informática e de TIC são os que estão maioritariamente representados nestas equipas (27 referências), mas existem professores de outras áreas, seja de Ciências, Humanidades, Letras e Expressões. Relativamente a actividades futuras, 357 relatórios (74%) apresentam algumas reflexões, incidindo sobretudo na componente da plataforma MOODLE, parecendo existir uma vontade forte na dinamização da utilização desta plataforma em contextos pedagógicos.

4. Síntese final e recomendação Embora os relatórios dos Planos TIC em análise sejam muito díspares na sua elaboração, dificultando a comparabilidade e generalizações, é possível extrair as linhas de força sobre os factores que podem contribuir para uma integração mais eficaz das TIC nas Escolas, de forma a potenciar as mudanças desejáveis no paradigma organizacional e curricular (mais interactivo do que transmissivo) para responder aos desafios colocados pela Sociedade da Informação e Comunicação, objectivo principal do Plano Tecnológico da Educação. Assim, numa sistematização final dos resultados, consideramos ser de ressaltar as principais forças e potencialidades, as fraquezas, as oportunidades identificadas e as ameaças emergentes. Como principais forças/potencialidades podemos identificar: • O incremento da dimensão “tecnológica” nas escolas associado aos recursos mobilizados e às potencialidades acrescidas no domínio pedagógico (projectos pedagógicos) e organizacional (projectos de gestão); • A valorização da vertente “conteúdos”, nomeadamente na dimensão Ensino-Aprendizagem, sendo visível o esforço de algumas escolas para integrar as TIC em actividades curriculares, tanto em áreas de cariz disciplinar como não disciplinares; • A valorização da vertente “formação” no domínio das TIC e 41


o investimento feito pelas diferentes entidades (nomeadamente, Centros de Formação e Centros de Competência); • O trabalho em equipa e o seu envolvimento no Plano TIC. Nos casos em que existe é fortemente valorizado e reconhecido o seu impacto nas dinâmicas produzidas na Escola/Agrupamento; • O envolvimento dos órgãos de gestão no Plano TIC. Nos casos em que este envolvimento é efectivo, é percepcionado como fortemente motivador e mobilizador facilitando a implementação de medidas mais abrangentes e com um impacto transformador; • A receptividade e a colaboração dos diferentes actores da comunidade educativa são também factores reconhecidos como uma potencialidade evidente para o sucesso do Plano TIC; • O espaço dos fóruns evidencia a existência de verdadeiras comunidades de aprendizagens, ao reflectir as múltiplas experiências e saberes partilhados entre os Coordenadores TIC. As fraquezas mais evidenciadas situam-se a dois níveis: • Na lenta adesão dos docentes às TIC e a falta de formação nesta área por parte da generalidade dos docentes e trabalhadores não docentes; • Na acumulação de funções do Coordenador TIC que dificulta a sua disponibilidade para gerir recursos, assegurar a manutenção dos mesmos e dinamizar a implementação do Plano TIC, sobretudo quando este se situa ao nível de um Agrupamento de Escolas. As oportunidades mais evidentes situam-se ao nível do apoio financeiro e dos recursos humanos e materiais: • A disponibilização de meios financeiros por parte do ME; • A consecução de uma rede estruturada e com servidores novos/reestruturação do parque informático, potenciadora de novas dinâmicas ao nível das Escolas/Agrupamentos; • O forte investimento na formação de docentes e não docente e a avaliação da mesma; 42


• A existência de equipas de apoio nos serviços centrais e regionais, nomeadamente o proporcionado pelo intercâmbio de experiências e realidades nos Agrupamentos/Escolas da área geográfica (através do Centro de Formação e do Centro de Competências) e nacionais (através dos fóruns temáticos, por exemplo, pela ECRIE). Finalmente, as ameaças identificadas situam-se, fundamentalmente: • No modelo de ‘gestão’, quer ao nível dos recursos financeiros, quer materiais e humanos, onde se inclui a relação ME com o Coordenador TIC; • Na política de formação de professores adoptada pelos Centros de Formação, de nível excessivamente avançada perante as enormes carências dos docentes de formação básica em TIC.

Recomendação Na realização deste estudo foi particularmente sentida a falta de uma matriz que orientasse a organização dos relatórios das diferentes Escolas/Agrupamentos, resultando uma grande variedade de estilos de relatórios.A recomendação recai, assim, na necessidade de ser elaborada uma matriz comum de elaboração dos relatórios, com campos de preenchimento obrigatório e facultativo, campos de resposta “fechada” (“sim” ou “não”) e resposta “aberta” (com indicação do número máximo de caracteres), suficientemente flexível de forma a atender a situações singulares das Escolas. Pensamos que o contributo deste estudo no que concerne à construção da Grelha de Análise dos Relatórios, constituída por 5 categorias, 18 dimensões e 73 indicadores, pode constituir uma base sólida e fundamentada para a elaboração dessa matriz. A sua construção teve por base uma fundamentação teórica sobre as dimensões do impacto/ repercussões da integração das TIC nas escolas, o enquadramento legal dos Planos TIC e resultou, ainda, da análise de uma amostra dos relatórios elaborados, como é próprio dos estudos de meta-análise. Entendemos que essa matriz (Grelha) deveria possuir um suporte electrónico (informático) para redacção (tipo formulário) e que o seu preenchimento e envio deveriam ser efectuados via Internet, 43


eventualmente no espaço MoodleCrie. Deste modo, seria facilitado tanto o trabalho de quem efectuasse o Relatório nas Escolas (Coordenador TIC/Equipa TIC) como o trabalho de recolha e tratamento dos dados, a nível global, por parte dos responsáveis da ECRIE, permitindo ter uma análise dos relatórios de forma rápida (em tempo útil), de forma a efectuar-se a necessária interacção entre as Escolas e o ECRIE. Relembramos as palavras sábias de Stufflebeam (1987), ao alertar que a avaliação de Programas (como são os Planos TIC) é importante, decisiva mesmo, para a continuidade e qualidade da implementação dos programas, quando perspectivada como um processo pelo qual se delimitam, obtêm e fornecem informações úteis que permitem julgar sobre as decisões possíveis.

Referências bibliográficas Akker, J. (1999). Principles and methods of development research. In Jan van den Akker et al. (Eds.). Design approaches and tools in education and Training. Dordrecht: Kluver Academic Publishers. Castelles, M. (2002). A Sociedade em Rede. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. CM (2005). Resolução do Conselho de Ministros, nº 190/2005, 16 de Dezembro. Diário da República (cria o Plano Tecnológico). CM (2007). Resolução do Conselho de Ministros nº 137/2007, de 18 de Setembro. Diário da República (cria o Plano Tecnológico da Educação). Coutinho, C. (2005). Percursos da investigação em Tecnologia Educativa em Portugal. Uma abordagem temática e metodológica a publicações científicas (1985-2000). Braga: CIEd – Universidade do Minho. Davis, N., Hawkes, M., Heineke, W. & Veen, W. (2001). Multiple Perspectives on Evaluation of New Technologies in Education and Teacher Education. In Walt Heineke & Jerry Willis (eds.). Methods of Evaluating Educational Technology. Greenwich: IAP – Information Age Publishing, pp. 41-62. ME - Ministério da Educação (2004). Lei nº 4/2004 de 15 de Janeiro (cria o CRIE). 44


ME - Ministério da Educação (2005). Despacho nº 26691/2005 de 27 de Dezembro (estabelece as funções do Coordenador TIC). Silva, B. (2001).As tecnologias de informação e comunicação nas reformas educativas em Portugal. Revista Portuguesa de Educação, vol. 14, nº 2, Braga: Universidade do Minho, pp. 111-153. Silva, A. & Silva, B. (2008). Dispositivos de Avaliação de Projectos em TIC: uma experiência em Portugal, Revista Diálogo Educacionl, v.8 n.24 maio/agosto de 2008, Curitiba: Pontifícia Universidade Católica, pp. 389404. Silva, B. (2002). A inserção das tecnologias de informação e comunicação no currículo – repercussões e exigências na profissionalidade docente. In António Moreira Flávio & Elisabete Macedo (coords.) Currículo, Práticas Pedagógicas e Identidades. Porto: Porto Editora, pp. 65-91. Stufflebeam, D. (1987). Evaluación sistemática. Barcelona: Paidós – MEC.

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prender e Inovar com TIC Ana Paula Vilela

Directora do CFAE Braga/Sul

Aprender e Inovar com TIC constitui a recente iniciativa concursal promovida pelo Ministério da Educação (ME), através da DirecçãoGeral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), no âmbito do Plano Tecnológico para a Educação (PTE), com vista à melhoria das aprendizagens dos alunos. A iniciativa pretende apoiar projectos inovadores que promovam a utilização educativa das TIC, privilegiem o seu uso em todos os níveis de educação e ensino, assegurem a utilização de plataformas de gestão da aprendizagem pela comunidade educativa e a produção e partilha de recursos educativos digitais. O repto foi lançado a nível nacional a todas as escolas /agrupamentos de escolas também com o intuito de motivar os professores e toda a comunidade educativa para a imprescindibilidade em rentabilizar o investimento realizado nas escolas através de um apetrechamento massivo nas novas tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), apoiando-as na sua utilização efectiva. As respectivas candidaturas das escolas só seriam admitidas se perseguissem os seguintes requisitos estratégicos: 1. Promovessem o desenvolvimento de competências para o séc XXI, nomeadamente: a criatividade e inovação; a autonomia, iniciativa e capacidade de resolução de problemas; a comunicação; o trabalho colaborativo; as literacias da informação e digital; a adaptação a contextos diversificados; 2. Fomentassem a utilização das TIC de forma inovadora nos processos de ensino e aprendizagem em contexto de sala de aula, com destaque para o desenvolvimento de actividades práticas e experimentais, e rentabilizassem os equipamentos informáticos disponíveis nas escolas; 3. Contribuissem para a utilização crítica e segura dos recursos de comunicação generalizada, nomeadamente da Internet; 46


4. Promovessem o envolvimento da escola em projectos de parceria com outras escolas, nacionais ou internacionais, e/ou com entidades das comunidades onde se inserem; 5. Privilegiassem o trabalho colaborativo entre os alunos; 6. Favorecessem o envolvimento dos pais e encarregados de educação e o reforço da sua ligação à escola. Cumulativamente, valorizaram-se os projectos que envolvessem a produção de materiais que pudessem ser convertidos em Recursos Educativos Digitais, a disponibilizar no Portal das Escolas. Nesse sentido, constituía condição sine qua non a integração de equipas de docentes de várias áreas disciplinares e, no caso de agrupamentos de escolas, de vários níveis de educação e ensino. A nível nacional, anunciava-se a selecção de 100 projectos que iriam beneficiar de apoio financeiro a contratualizar entre o agrupamento de escolas e/ou escola não agrupada e o Ministério da Educação. Apraz-nos registar que das escolas associadas ao Centro de Formação de Associação de escolas Braga/Sul (CFAEB/S) que apresentaram cabdidatura, dois agrupamentos de escolas e uma escola agrupada foram contempladas com a aprovação das suas candidaturas, a saber, os agrupamentos de escolas de André Soares, de Maximinos e a escola secundária de Alberto Sampaio. Desses projectos, daremos conhecimento neste artigo. No próximo número de Cadernos, Escola e Formação informaremos sobre o desenvolvimento dos três projectos em análise e da avaliação intermédia que entretanto se for encetando.

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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE ANDRÉ SOARES Manuel Sousa RSA dip TEFL, Coordenador PTE do Agrupamento de Escolas André Soares, Assessor Pedagógico do Centro de Formação Braga/Sul

Comecemos por conhecer, ainda que em traços gerais, o Projecto do agrupamento de escolas de André Soares, designado Rumo às Competências do Séc. XXI . Ciente da necessidade em iniciar experências piloto no âmbito do PTE que potenciassem a asumpção de um novo paradigma de ensino/ aprendizagem dotando o aluno de um papel mais (pró)activo no processo do ensino /aprendizagem em conformidade com os objectivos definidos no Currículo Nacional do Ensino Básico (CNEB), o Conselho Pedagógico do referido agrupamento assumiu o desenvolvimento de um projecto-piloto de 3 anos, coordenado pelo professor responsável pela implementação na escola do PTE e assessor pedagógico do CAEB/S, o Professor Manuel Sousa. A experiência pedagógica longitudinal envolve três turmas do respectivo agrupamento, a saber, uma do 1º ano, uma do 5º ano e outra do 7ºano de escolaridade. No projecto participam directamente os professores das turmas, de todas as disciplinas e níveis de ensino, num total de 22 professores, estando ainda envolvidos os Encarregados de Educação dos respectivos alunos. O projecto tem como objectivos: • Exploração da integração sistemática das TIC no processo de ensino-aprendizagem (na apresentação, consolidação, aplicação dos conteúdos e na avaliação dos resultados); • Exploração do e-portefólio como instrumento preferencial de avaliação, explorando as suas potencialidades no desenvolvimento da autonomia do aluno, nomeadamente em articulação com um ensino por projectos; • Mobilização de professores, alunos e encarregados de educação para a colaboração na estruturação, implementação e avaliação do ensino-aprendizagem mediada pelas TIC; 48


• Avaliação anual do impacto da experiência (potencialidades e limitações) com base na observação, análise de tarefas de aprendizagem (do portefólio e outras) e recolha de opinião junto de alunos, professores e encarregados de educação.; • Promoção e generalização das novas práticas através da divulgação do projecto – estratégias, métodos e resultados. No sentido de dar cumprimento aos grandes objectivos nacionais do PTE, nomeadamente definindo o papel das TIC como o instrumento normal de acesso à informação, à educação, ao trabalho cooperativo e à discussão pública, deverá o discente, para esse efeito, adquirir a capacidade e o hábito de recorrer às TIC para encontrar informação, colaborar com outros na realização de tarefas, adquirir novos saberes/ competências, discutir assuntos de interesse.... Ora, estes objectivos entrecruzam-se/sobrepõem-se às Competências Gerais propostas pelo CNEB, como o autor do projecto o demonstra. Para operacionalizar o projecto, o agrupamento de escolas, com o aval do Conselho Pedagógico, assumiu assegurar as condições necessárias ao arranque do mesmo, dotando-o de recursos físicos e humanos imprescindíveis à sua concretização, não descurando o apoio nos aspectos organizacionais que este exigia. Seleccionou o corpo docente a envolver mediante critérios de abertura aos desafios da inovação e mudança pela primazia dada ao protagonismo do aluno no processo de ensino/aprendizagem, através do uso recorrente das TIC no apoio/suporte às competências e saberes desenvolvidas na sala de aula; permitiu espaços/tempos para reuniões semanais nos horários do referido corpo docente, de molde a propiciar um efectivo acompanhamento e avaliação das estratégias a implementar; disponibilizou os recursos físicos necessários, entre os quais, salas com conectividade à Internet e computador para cada dois alunos e com quadros interactivos; aprovou-se ainda a possibilidade de convidar entidades e personalidades relevantes exteriores ao agrupamento para participarem quer na definição, implementação e avaliação do projecto, quer contribuindo para a sensibilização/formação do referido corpo docente. Para esse efeito, o agrupamento de escolas formalizou um protocolo de colaboração com a Universidade do Minho que integra duas dimensões: consultoria e formação. Esse protocolo foi estabelecido com o Gabinete de Interacção com a Sociedade do Instituto de Educação 49


da Universidade do Minho. O projecto prevê ainda a aquisição de materiais, por exemplo, acessórios para o quadro interactivo que permita a interacção em tempo real com os alunos e para os computadores e uma impressora. Configura, também, financiamento para formação do corpo docente envolvido ao longo dos três anos de duração do projecto. Foi neste contexto que foi proposto ao CFAEB/S que organizasse e acreditasse formação, na modalidade de curso de formação, para este grupo de professores, dando-se desta forma início ao processo de implementação do projecto. De entre os formadores do curso de formação destacam-se os prestigiados professores da Universidade do Minho, a saber, Paulo Maria Bastos da Silva Dias, Isabel Flávia Gonçalves Fernandes Ferreira Vieira, Maria Alfredo Ferreira de Freitas Lopes Moreira e Lia Raquel Moreira Oliveira, para além do contributo do coordenador do projecto. Esta acção de formação, intitulada “Promover a Autonomia na Aprendizagem com Recurso às TIC”, teve início em Dezembro de 2010, prevendo-se o seu término para Abril de 2011. tem por objectivos: - Promover a actualização e aprofundamento de conhecimentos teóricos e práticos em áreas relevantes ao desenvolvimento do projecto a implementar no Agrupamento; - Desenvolver competências necessárias a uma aproximação das práticas dos professores a uma pedagogia para a autonomia, com recurso às TIC; - Apoiar a construção de projectos de aprendizagem (interdisciplinares) e de materiais didácticos (e-portefólio e outros) com recurso às TIC; - Apoiar a construção de metodologias e instrumentos de avaliação do projectopiloto. Em suma, com este curso de formação, pretende-se promover a mudança de representações e práticas dos professores, em articulação estreita com os objectivos do projecto-piloto em que estão envolvidos, de forma a garantir uma inovação sustentada e sustentável. 50


Nos casos dos encarregados de educação, prevê-se ainda formação para os dotar de competências necessárias que lhes permita acompanhar os seus educandos, a qual deverá ser articulada com os Directores de Turma e o professor titular da turma do 1º ciclo e o coordenador do PTE, em horário pós-laboral.

ESCOLA SECUNDÁRIA ALBERTO SAMPAIO João Manuel Esteves Dias de Andrade Adjunto da Directora para a Formação Qualificante / Director do Centro Novas Oportunidades Escola Secundária de Alberto Sampaio - Braga.

Aprender com a Robótica na ESAS A Escola Secundária de Alberto Sampaio foi, recentemente, uma das escolas a ver integralmente contemplada a sua candidatura à iniciativa “Aprender e Inovar com TIC”. Para a sua candidatura a escola seleccionou a Robótica, área não curricular em que tem feito uma forte aposta desde 2007, com a criação do “Clube da Robótica”. De iniciativa de alguns professores, imediatamente abraçada por alunos de todos os cursos, o Clube surgiu enquadrado no nosso Projecto Educativo, que preconiza como um dos seus objectivos o “proporcionar a consolidação, aprofundamento e domínio de saberes, instrumentos e metodologias que fundamentem uma cultura humanística, artística, científica e técnica, e favoreçam a definição de interesses e motivações próprios”, bem como a “promoção da qualidade do ensino e das aprendizagens”. Quisemos, assim, garantir que a escola se transforma num espaço permanente de construção do conhecimento, utilizando e criando tecnologias de ponta, num registo de sociedade de futuro. Além da vertente puramente técnica, procurou-se também transformar o processo de construção dos saberes e de aprendizagem em algo de apelativo para os aprendentes, equiparado aos instrumentos e meios de entretenimento que a sociedade moderna disponibiliza. Ou seja, garantir que o espaço de aprendizagem é tão apelativo, desafiador e estimulante quanto o espaço do «jogo» «lazer» do mundo actual e do mundo do futuro, em construção. 51


Neste mundo de mudança, as constantes inovações tecnológicas e a complexidade crescente do mundo laboral, social e cultural exigem uma formação versátil, que prepare os jovens para adaptações sucessivas ao longo da vida profissional e não só. Assim, torna-se particularmente importante fazer os alunos participar em projectos que potenciem a sua autonomia e em que os mesmos não sintam o “peso do currículo formal”. As oficinas e clubes, em que a Alberto Sampaio é fértil, assumem-se como espaço privilegiado dessa prática. No caso concreto da Robótica, além das valências anteriormente referidas, esta pode proporcionar ainda uma importante ponte de desenvolvimento cognitivo, aproximando o abstracto (programação) do concreto (controlo visível de uma máquina física). A dificuldade na travessia desta ponte tem sido um problema que, recorrentemente, os docentes da área da programação da escola têm referido, particularmente em relação aos alunos mais novos, cujo desenvolvimento cognitivo é, ainda, e para tal, incipiente. Realce-se que o desenvolvimento do raciocínio abstracto na programação pode potenciar ainda o raciocínio abstracto em outras disciplinas, tais como a matemática. Acessoriamente, outros objectivos são atingidos: desenvolvem-se competências interdisciplinares e transdisciplinares com recursos educativos do século XXI; contribui-se para a utilização crítica e segura dos recursos de comunicação e pesquisa generalizada, nomeadamente da Internet; privilegia-se o trabalho colaborativo entre os alunos, bem como as estratégias educativas assentes na dinâmica de grupos; facilitase ainda o envolvimento da escola em projectos de parceria com outras escolas, nacionais ou internacionais, bem como com as diversas entidades públicas e privadas da nossa envolvência. Além destes objectivos mais genéricos, O Clube da Robótica permite, num contexto específico, motivar e promover as aprendizagens nas áreas da programação, sistemas digitais e microcontroladores/ microprocessadores, dominar técnicas de construção e programação de sistemas de automação, com a interacção dos robôs com o mundo real (através de parâmetros tais como a temperatura, a luz, o som, medição de distâncias, etc.). No caso dos alunos dos cursos profissionais 52


de informática, diversificam-se assim, também, os espaços tecnológicos onde podem intervir. Na programação e electrónica, promove-se o contacto com várias linguagens e ambientes diferenciados, com equipamentos (robôs) diferentes, aproveitando ao máximo as características de cada equipamento, testando ainda os limites da sua configuração e programação. Entendemos como fundamentais projectos como este, que promovem a autonomia do aprendente, rumo à construção de cidadãos capazes de intervir na sociedade do futuro, de uma forma substantiva e crítica; Um dos grandes impulsionadores do projecto é o seu coordenador, o professor Lúcio Botelho, secundado pelos professores Carlos Silva, também Director do Curso Profissional de Técnico de Gestão de Equipamentos Informáticos, e a professora Manuela Mendes, Coordenadora Pedagógica da Equipa PTE. A este núcleo frequentemente juntam-se outros professores da escola. O Clube dispõe de um espaço específico, onde todas as semanas alunos e professores se reúnem para desenvolver projectos e preparar a participação em diversos eventos externos, contando já com três tipos de robôs diferentes, num total de cinco unidades. O último evento onde participamos foi na RoboParty 2011, que decorreu no pavilhão desportivo da Universidade do Minho, em Guimarães, de 10 a 12 de Março. As 103 equipas participantes atestam bem do interesse que a área suscita nos jovens. Este ano vamos ainda participar no Festival Nacional de Robótica, que teve a sua 1ª edição já em 2001, e que tem como objectivo “a promoção da Ciência e da Tecnologia junto dos jovens dos ensinos básico, secundário e superior, bem como do público em geral, através de competições de robôs”. Este Festival, que vai decorrer em Lisboa, nas instalações do Instituto Superior Técnico, conta ainda com um Encontro Científico, onde investigadores nacionais e estrangeiros da área da Robótica se reúnem para apresentar os mais recentes resultados da sua actividade. Este festival é uma iniciativa da Sociedade Portuguesa de Robótica (http://www.spr.ua.pt/site/). No âmbito do projecto “Aprender e Inovar com TIC”, prevê-se, além 53


da participação, até 2013, nas futuras edições dos dois eventos atrás referidos, a aquisição de mais três modelos de robôs diferentes e a promoção de diversas actividades lúdico-didácticas nas escolas da nossa envolvência. O projecto extravasa do Clube da Robótica, contando ainda com o envolvimento activo de outras áreas da escola, como a Biblioteca e os diversos grupos disciplinares. Uma das suas componentes é o subprojecto “Robôs dos Sete Saberes”, procurando a configuração e utilização de robôs para as diversas áreas do saber disciplinar. O que se entende por robótica, no Clube, parte do que é definido no site da NASA – Agência Aeroespacial Norte-Americana, que a define como o estudo dos robôs, considerando-os como máquinas que podem ser usadas para a execução de tarefas, com maior ou menor autonomia ou reacção a eventos externos, e maior ou menor nível de Inteligência Artificial. Uma das reflexões associadas à robótica é precisamente a tentativa de saber o que são, na verdade, a mente humana e a inteligência, levantando um conjunto de questões éticas, filosóficas e científicas em redor da criação, mais ao menos aproximada, de suas versões artificiais. O termo “robô” (“robot”, no original) foi utilizado pela primeira vez pelo escritor Checo Karel Čapek, na sua peça R.U.R. (Rossum’s Universal Robots), apresentada em 1920. Considera-se ainda que a popularização do termo “robótica” (“robotics”, no original) é devida ao escritor de ficção científica norte-americano Isaac Asimov, que no ano de 1941 a usa pela primeira vez no seu conto “Liar!”, publicado na revista Astounding Science Fiction. Devido ao receio da ameaça que máquinas inteligentes pudessem representar para o ser humano, este mesmo autor enunciou as famosas três leis da robótica: 1. Um robô não pode fazer mal a nenhum ser humano nem, pela inacção, permitir que um ser humano sofra algum mal; 2. Um robô deve obedecer às ordens dos seres humanos, excepto se tais ordens conflituarem com a Primeira Lei; 3.

Um robô deve proteger a sua própria existência, excepto se tal 54


protecção conflituar com as Primeira e Segunda Leis. Mais tarde juntaria uma quarta Lei, a Lei zero, precedendo as outras três, enunciando: 0. Nenhum robot pode fazer mal à humanidade ou, pela inacção, permitir que algum mal aconteça à humanidade. Tentando potenciar o desenvolvimento dos saberes, este projecto da ESAS parte dos interesses evidenciados pelos alunos, investindo na construção de um diálogo permanente com a sociedade do presente, enquadrando a sociedade do futuro. Centrado nas matérias das tecnologias de ponta, valoriza igualmente o que de essencial a escola deve promover: saber fazer para questionar o sentido, a cada momento, do saber ser.

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE MAXIMINOS João Bastos Coordenador PTE do Agrupamento de Escolas de Máximinos, Presidente da CAP

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) fazem parte do quotidiano de todos e encontram-se, mais do que nunca, presentes e disseminadas pela comunidade educativa. Estão presentes sob a forma de computadores de secretária, portáteis, entre estes os Magalhães, quadros interactivos, projectores, dispositivos móveis, redes sociais, internet de banda larga, etc, atingindo quantidades e mesmo um grau de utilização nunca antes visto. O reconhecimento da sua importância, para além da capacidade crítica na sua utilização, tornase crucial, uma vez que estes podem e devem ser excelentes aliados no processo de ensino e aprendizagem. Neste momento, a evolução destes meios bem como a facilidade de acesso à utilização rompeu definitivamente com o modo como os nossos alunos estudam, trabalham, escrevem e interagem uns com os outros, razão pela qual a escola não pode manter-se à margem; deve, portanto, adaptar-se e moldar-se aos novos hábitos dos alunos e à forma como estes processam a informação formal e não formal utilizando as novas tecnologias como um meio e não como um fim. Tanto a 55


escola como organização como os professores, como intervenientes directos no processo educativo, devem compreender que o processo de aprendizagem está em constante mutação nesta era digital, devendo acompanhar esta evolução, adaptando-se e inovando constantemente. A criação do Agrupamento de Escolas de Maximinos, constituído por oito escolas dispersas por várias freguesias, e que abarca desde o ensino Pré-Escolar ao Ensino Secundário, passando pelos Cursos de Educação Formação de Jovens, Cursos Profissionais, Educação Formação de Adultos e processos de RVCC através do Centro de Novas Oportunidades, conduziu à necessidade de reestruturar o trabalho, adaptando e articulando o modo de utilização das TIC, desde o pré-escolar ao secundário, aproveitando as experiências e dinâmicas já existentes nas diferentes organizações, mas considerando-as como fases de um processo gradual e global de desenvolvimento de competências tecnológicas dos alunos. Assim, foi idealizado um trabalho sequencial ao nível do Plano Tecnológico da Educação (PTE), que passou pelo alargamento da linha de acção dos projectos existentes e pela criação de novos projectos comuns a todos os níveis de ensino. A Iniciativa do Ministério da Educação “ Aprender e Inovar com TIC” à qual candidatamos o nosso projecto de intervenção no Agrupamento, abriu-nos a possibilidade de operacionalizar o trabalho no terreno. Foram identificados como prioritários quatro grandes eixos de actuação que de seguida se passam a descrever:

E- Learning A experiência existente ao nível do e-learning (Moodle), com consideráveis níveis de utilização por parte dos professores e alunos, irá ser alargada ao 1º Ciclo com a disponibilização de uma nova plataforma, mais apelativa para este nível de ensino, neste caso a plataforma Dokeos. O principal objectivo é o de proporcionar mecanismos que possam levar à melhoria dos resultados escolares dos alunos do 1º ciclo, tendo como mote as Metas de Aprendizagem estabelecidas para cada área disciplinar, e sobretudo promover uma efectiva utilização das TIC neste contexto.

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Recursos Digitais A produção de recursos educativos ao abrigo do projecto Frei Digital, que conta com a parceria do Centro de Computação Gráfica da Universidade do Minho, e o crescente número de recursos educativos digitais utilizados e criados pelos docentes, conduziu à necessidade de criar uma plataforma onde esses recursos pudessem ser disponibilizados à comunidade educativa em geral, organizados de uma forma lógica, por tipo de recurso e por disciplina, permitindo aos alunos a consulta em regime de b-learning e permitindo aos docentes a submissão de recursos em tempo real. Inicialmente contará com a área de recursos “normais” (apresentações electrónicas, fichas de trabalho, etc), recursos Flash, recursos de Quadros Interactivos bem como uma área de recursos dedicada ao áudio e ao vídeo. Uma vez que o Agrupamento dispõe de gabinetes de acompanhamento dos alunos, tornou-se necessária a criação de mais um recurso que permitisse a sua divulgação e utilização pela comunidade educativa, através da inclusão de fóruns online.

Novos ambientes de aprendizagem A utilização da robótica, uma tecnologia educativa emergente, até agora apenas aplicada no agrupamento ao nível do ensino secundário, será alargada ao Pré-Escolar e ao Ensino Básico, o que permitirá aos alunos o reconhecimento de novos ambientes educativos, possibilitando dessa forma novos espaços e contextos de aprendizagem.

Educomunicação O projecto da “Webrádio escolar”, também com parcerias exteriores à escola, nomeadamente o Instituto de Educação da Universidade do Minho e a Antena Minho, pretende tornar a escola mais atractiva, promovendo a integração dos alunos através da sua participação num processo de comunicação lúdico e criativo, com potencialidades educativas (Educomunicação). Este novo conceito possibilita um processo de aprofundamento da participação na comunidade, fomentando a inovação, partilha e 57


colaboração, assim como a possibilidade de disponibilizar arquivos, de transmitir em diferido, de ganhar outra temporalidade e outro campo de acção, estreitando a relação com o ouvinte, que participa activamente na programação. Esta tecnologia promove, ainda, uma mudança no papel dos alunos e dos professores que procuram centrar a sua actividade no acompanhamento e na mediação colaborativa, através da individualização de percursos pessoais combinados a partir de diferentes canais de representação e comunicação que se revelam pontos fulcrais para a aplicação deste tipo de tecnologia. Conscientes das potencialidades dos recursos informáticos colocados à disposição da comunidade escolar, bem como da importância da sua utilização e rentabilização no quotidiano dos alunos, torna-se imperativo que sejam assimilados por todos os intervenientes – professores, alunos e pais/EE – tendo em vista a melhoria do sucesso escolar dos alunos.

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reve reflexão sobre e-portefólios em educação. Lia Raquel Oliveira

Universidade do Minho Instituto de Educação Departamento de Estudos Curriculares e Tecnologia Educativa Professora Auxiliar

Dissertar sobre portefólios em educação, hoje, significa falar de portefólios digitais ou e-portefólios. Contudo, seria falacioso, ou pelo menos ingénuo, comentar sobre e-portefólios não referindo alguns dos tópicos fundadores dos discursos actuais sobre o seu uso em educação. Inicio, por isso, esta breve reflexão com uma citação que os enuncia. De acordo com o Plano Tecnológico, “uma das questões essenciais para a qualificação do mercado de trabalho é o reconhecimento, validação e a certificação de competências, quer pelo reconhecimento e validação das competências formais e não formais adquiridas ao longo da vida, quer pela orientação das pessoas para a formação contínua” (UCPT, 2005, pp. 11-13). Já em 1994, o grupo de trabalho constituído para “Pensar a avaliação, melhorar a aprendizagem” entendia ser necessário encontrar formas de avaliar as aprendizagens (...) que permitam identificar o desenvolvimento dos alunos ao longo do tempo de forma a torná-los avaliadores conscientes das suas próprias histórias como aprendentes (IIE, 1994). O portefólio surge “como um instrumento alternativo nesse sentido e o seu uso traduziu-se numa mudança das abordagens quantitativas para as qualitativas na avaliação das aprendizagens” (Alves, 2006, p. 15) (In Dias, Oliveira e Alves, 2009, p. 5974).

Temos, então, a questão das competências para o mercado de trabalho, a questão da avaliação das aprendizagens dos alunos e da sua auto-regulação e, por fim, a questão de uma mudança de paradigma avaliativo dessas aprendizagens e respectiva instrumentação. A todas estas questões não são alheias as Tecnologias da Informação e da Comunicação, vulgo TIC, suporte e motor da Sociedade/Economia do Conhecimento, ou seja, do mercado mundial livre auto-regulado, realidade que, para me servir da metáfora de Slavoj Zizek (2006), começa a ‘estourar o real’ da vida das pessoas nos países desenvolvidos. Refiro-me à falência declarada de alguns países europeus e à perca de soberania e de direitos sociais adquiridos. São também as TIC que, em 59


grande medida, suscitam o ressurgimento do uso do portefólio em educação. Comecemos pelas competências. A insistência na necessidade de “reforço das qualificações e das competências dos Portugueses para a construção da sociedade do conhecimento” (PTE, 2007, p. 6563), omite a sua fundação na pedagogia por objectivos, tão criticada pelas Ciências da Educação nas últimas três décadas. Como atempadamente sublinhou Giméno Sacristán (1982), esta pedagogia nasce amparada pelo eficientismo social que vê na escola e no currículo um instrumento para conseguir os produtos que a sociedade e o sistema de produção necessitam num dado momento. O movimento associado ao discurso das competências e à pedagogia por objectivos, ancorado no experimentalismo positivista e na psicologia condutista, nascido no seio do treino industrial e militar, deslocaliza o problema da própria racionalidade tecnológica e converte-a em tecnicismo (idem, 1982). Ou seja, este tecnicismo (disfarçado pelas vestes da modernização, do progresso e da inclusão social) neutraliza o problema da educação pública dissipando as discussões teóricas e ideológicas que devem subjazer à formulação do currículo. Entre outros aspectos, não se aprende para saber mas para saber-fazer, apenas, o que o mercado determina que tem valor, naquele momento. É esta ausência de fundamentos que serve, no momento histórico que vivemos, pautado por uma violenta globalização neoliberal (Sousa Santos, 2008, Beck, 2002), como justificação para inundar as escolas de computadores e de toda a parafernália associada. Todos queremos as escolas em bom estado físico, bem equipadas, limpas, seguras. Todos nos congratulamos com a ‘boa impressão’ do país junto da comunidade internacional. Só não queremos, julgo, é ficar pelas aparências. É também este tecnicismo que oblitera a imperiosa discussão – por fazer – sobre os conteúdos da escolaridade. Repare-se que nem uma palavra, em documentos legais, sobre o que importa aprender, como e para quê. Nem tampouco sobre quem terá a responsabilidade pela produção dos conteúdos digitais a ‘distribuir’. No Plano Tecnológico da Educação (PTE) a referência aos conteúdos de ensino-aprendizagem, também designados por “conteúdos pedagógicos” e “materiais pedagógicos” (PTE, p. 6572-6573) — exemplificados como “exercícios, manuais escolares, sebenta electrónica, etc” —, 60


surgem num discreto quadro (p. 6572). Ou seja, os novos e modernos métodos de ensino mais interactivos e construtivistas, afinal, assentam nos mesmos princípios e recursos dos métodos tradicionais (quais métodos, afinal?): o manual, a sebenta, o exercício. Qual poderá ser a ligação entre a introdução massiva de computadores na escola e nas famílias e os conteúdos da escolarização? Ora, não sendo este o lugar para aprofundar argumentos, parece -me óbvio, desde logo, que quem mais depressa produzir os “manuais electrónicos” e outros “conteúdos educativos” ficará com o negócio. Aliás, como já acontece há muitos anos com os habituais manuais escolares em papel e relativamente aos quais existe tanta investigação crítica realizada nas universidades portuguesas. Por outro lado, lembre-se que “o Banco Mundial prevê que o poder dos docentes e a centralidade da sala de aula declinará inexoravelmente à medida que se for generalizando o uso de tecnologias pedagógicas on line” (Sousa Santos, 2008, p. 29). Ou seja, as tecnologias on line, associadas aos conteúdos digitais, preparam, seguramente, o terreno para os avanços do homeschooling (ver Torres Santomé, Paraskeva e Apple, 2003, Paraskeva, 2006a e 2006b; Torres Santomé, 2006), temática que começa a surgir, discretamente, na imprensa nacional assim como a temática dos ‘cheque-escola’, à semelhança dos ‘cheque-dentista’... Por estas e outras razões que aqui não cabem, é que também assistimos a um arredar da palavra ‘ensino’ dos discursos comuns e dos discursos académicos. Ao esvaziar-se de sentido o binómio ensino-aprendizagem, acentuando, enfatizando, glorificando a aprendizagem, aniquila-se a relação pedagógica: os professores já não ensinam, ‘operam’ sobre manuais e aplicações electrónicas, transformam-se em técnicos que ‘orientam as aprendizagens’ das alunas e dos alunos. Também por estas razões as formações iniciais de professores mudaram radicalmente. Para ser professor agora, é necessário ter o grau académico de mestre (aparentemente ‘superior’)... sobre uma qualquer licenciatura de ‘banda larga’, como preconizado pela Declaração de Bolonha. Acabou-se pois, de uma penada, com a especificidade e importância da função docente. Nesta lógica, a vocação para o ensino (sem nenhum sentido religioso associado), a vontade de algumas e de alguns de ajudar a aprender, a adquirir conhecimentos, atitudes e destrezas que permitam participar activamente, produtivamente e com satisfação na sociedade — o seu desejo de dedicar uma vida profissional a estes nobres objectivos — evapora-se. “Trivializou-se a profissão Professor. (…) No entanto, o 61


professor é apenas um espelho da sociedade em que se insere e, em essência, é a imagem da formação que lhe ministram” (Paraskeva, 2006a, p. 249). Pelo caminho, que aconteceu aos pilares da educação europeia? Recapitulando, aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. (UNESCO, 1996, p. 90)

E isto em nome, precisamente, da necessidade de aprendizagem ao longo da vida. Os discursos (e as práticas) apresentam tantas contradições que me parece de bom senso questioná-los e discuti-los sensatamente. Como diz Palmira Alves (2006), o portefólio surge como um instrumento ao serviço da mudança de paradigma na avaliação das aprendizagens dos alunos. Pretende-se que esta avaliação das aprendizagens tenha um carácter mais qualitativo, desde logo porque se pretende que a aprendizagem ocorra ao longo de toda a vida e que as pessoas compreendam que terão de aprender durante toda a vida. Contudo, dizia já Condorcet, em 1792, que os jovens deviam adquirir “a arte de se instruírem por si próprios”, para continuarem a aprender ao longo da sua vida. E este princípio fundamental está na base de todas as concepções modernas de educação desde Pestalozzi, Rousseau e Kant… (Jacquinot, 1993, p. 65 citada por Oliveira, 2004, p. 52). Do que se trata agora é de uma aprendizagem ao longo da vida certificada (a formação contínua) e de certificação de competências (‘ser capaz de…’) para o mundo do trabalho. Como sabem os professores avaliar se uma aluna ou aluno é capaz de… redigir um texto argumentativo ou de realizar uma operação de multiplicação ou de jogar andebol segundo as regras ou de localizar cronologicamente um acontecimento histórico ou de executar uma partitura musical, consiste em criar situações de verificação que podem ser das mais variadas naturezas. Como também sabemos, a classificação dessa verificação — a atribuição de um valor quantitativo ou de uma notação qualitativa ao desempenho verificado — depende de opções do sistema educativo. Não cabe aqui explorar esta discussão mas certo é que mais contradições são evidentes: fala-se de necessidade 62


de mudança de paradigma e em tudo este discurso é arrasado por outras determinações relativas a exames nacionais e a rankings de escolas. Será que as melhores escolas serão aquelas que preparam para obter classificações elevadas nos exames nacionais ou aquelas que se preocupam com as reais aprendizagens das e dos alunos? Uma vez mais… e que aprendizagens? Posto isto, o que é um e-portefólio em contexto de educação? Helen Barret (2005, pp. 4-5), a partir de uma revisão da literatura, elege duas definições de portefólio: “uma colecção dos trabalhos do aluno que demonstra sucesso ou aperfeiçoamento. O material a recolher e a história a ser contada pode variar muito em função do contexto de avaliação” e um meio de comunicação sobre o ‘crescimento e desenvolvimento’ do aluno e ‘não uma forma de avaliação’; uma colecção intencional e significativa do trabalho do aluno que ilustra os esforços, o progresso e a realização num ou mais domínios [ao longo do tempo]. A colecção deve incluir: a participação do estudante na selecção dos conteúdos, os critérios para a selecção, os critérios para julgar o mérito, e provas de auto-reflexão do estudante. (id. ib.)

Fica-se em dúvida… De qualquer forma, julgar o mérito é avaliar. Em educação pretende-se que o e-portefólio seja uma forma de avaliar. A avaliação por e-portefólio pode, sem dúvida, servir uma avaliação diferente, que funcione por demonstração — com artefactos da mais variada natureza — de competências e de conhecimentos. Segundo a proposta de Carla Dias (2007, p. 40), que implementou, em 2006, na escola onde trabalha a plataforma de e-portefólios ELGG e que continua a usá-la, agora no contexto do programa Novas Oportunidades, um portefólio digital constitui uma forma de organização do conhecimento suportado por uma estrutura Web. Permite a cada indivíduo construir, organizar, reflectir e demonstrar as suas capacidades e competências ao longo da vida, interagindo colaborativamente e obtendo o feedback das suas experiências e reflexões, no caminho de um crescimento individual e ao mesmo tempo partilhado.

Esta parece-me ser uma definição suficientemente abrangente e que constitui um bom ponto de partida para a abordagem ao e-portefólio 63


em educação. O e-portefólio pode ser encarado, do meu ponto de vista, como uma tecnologia ao serviço da aprendizagem que pode e deve funcionar como espaço pessoal de arquivo e gestão da informação pessoal, como espécie de “escritório virtual” (Oliveira, 2004: 224). Para tal contribuem cinco ideias que se interpenetram e que passo a explicar. A Teoria do Caos (1) que é a hipótese que explica o funcionamento de sistemas complexos e dinâmicos — certos resultados determinados são causados pela acção e a interacção de elementos de forma praticamente aleatória — e que nos diz que o que as pessoas pensam que é acaso, na realidade, é um fenómeno que pode ser representado por equações. A inteligência colectiva (2) cunhada por Pierre Lévy (1997) na qual ganha corpo a afirmação de McLuhan (1964) relativa à era da electricidade, fase final das extensões do homem, a simulação tecnológica da consciência, pela qual o processo criativo do conhecimento se estenderá colectiva e corporativamente a toda a sociedade humana. A ideia de fractal (3), representando o que existe e não é imediatamente visível e cognoscível. Do mesmo modo que as tecnologias de ampliação e manipulação do mundo natural nos permitiram ver e conhecer para além da nossa visão e conhecimento macroscópicos conduziram ao que hoje designamos por nanotecnologias, também as tecnologias digitais da comunicação nos permitiram superar algumas barreiras do espaço e do tempo de uma forma que ainda mal entrevimos. A serendipidade (4) ou capacidade de fazer descobertas afortunadas, aparentemente por acaso e que inundam a história da ciência, considerada, nos dias de hoje, como uma forma especial de criatividade, ou uma das muitas técnicas de desenvolvimento do potencial criativo de uma pessoa adulta, que alia perseverança, inteligência e sentido de observação. Por fim, o Storytelling (5) ou arte de contar histórias, arte inerente à linguagem humana, inerente à condição humana. Regressando sobre o raciocínio, para fazer um e-portefólio é preciso saber contar histórias (storytelling), ser criativo e estar atento ao imprevisto (serendipidade), experimentar formas de expressão diversificadas para tentar compreender a complexidade que integramos

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Figura 1 – A lógica possível para o e-portefólio (adaptado de Barret, 2007 e interpretado)

e que ganha vida através dessas expressões (fractal), para, finalmente, usufruir da inteligência colectiva e poder transformar a realidade (teoria do caos). Não existem, à data, ferramentas de e-portefólio aberto (à excepção dos sistemas Elgg e Mahara) mas existem ferramentas gratuitas (comerciais) que permitem construí-los. O melhor exemplo é o das ferramentas de serviços integradas da Google que permitem imaginar como pode ser um e-portefólio (figura 1). Estas ferramentas permitem escrever em várias linguagens (multimodalidade), arquivar e partilhar esses documentos com quem se quiser, interagir colaborativamente. Tudo isto em suportes híbridos e multiusáveis, fixos ou móveis... Como deixamos dito noutro local: Continuamos a precisar (…) de sistemas abertos de portefólio electrónico, à imagem e semelhança do software social (...) que rompe com a estruturação formal e industrial do ensino e com aquela compartimentalização disciplinar dos saberes, sistemas estes muito mais adequados à ideia de aprendizagem em redes colaborativas e de construção de ‘uma inteligência colectiva’ (Paraskeva e Oliveira, 2008: 14). 65


Como escreve Joana Peixoto (2008), evocando o mito de Erisíchton (autofagia) e a estória de Macunaíma (antropofagia) importa comer apenas o que merece ser comido. Importa, portanto, que tomemos o tempo de parar para reflectir sobre o tanto que vai surgindo de ‘novo’. Sem nunca deixar de o encarar e de o experimentar!

Referências Barret, H. (2005). White Paper - Researching Electronic Portfolios and Learner Engagement. Acedido em http://electronicportfolios.com/ reflect/whitepaper.pdf (10/11/2006). Barrett, H. C. (2007). Electronic Portfolios Org. http://electronicportfolios. com/ (Acessível a 15 de Outubro de 2009). Beck, U. (2002). Qué es la globalización: falacias del globalismo, respuestas a la globalización. Barcelona: Paidós. Dias, C. (2007). O ePortefólio no Ensino Secundário: um estudo descritivo em torno do uso da plataforma Elgg. Dissertação de Mestrado. Braga: Universidade do Minho. Dias, C.; Oliveira, L. R. & Alves, M. P. (2009). Reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC): experiências de construção de portefólios reflexivos. In B. D. Silva e A. B. Lozano (Eds.) Actas do X Congresso Galaico-Português de Psicopedagogia. Braga: Universidade do Minho. Pp. 5973-5987. Gimeno Sacristán, J. (1982). La Pedagogia por Objetivos: Obsesión por la eficiencia. Madrid: Morata. Oliveira, L. R. (2004). A comunicação Educativa em Ambientes Virtuais: um modelo de design de dispositivos para o ensino-aprendizagem na universidade. Braga: Universidade do Minho, CIEd. http://hdl.handle. net/1822/7672. Paraskeva, J. M. (2006a). Fabricando edentidades - A problemática dos saberes da escolarização. In L. R. Oliveira & M. P. Alves (Orgs.) Actas do 1º encontro sobre e-Portefólio. Braga: Universidade do Minho. Pp. 239-256.

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eb 2.0 e Web móvel 2.0: Integração nas práticas educativas

Adelina Moura

Professora da Escola Secundária Carlos Amarante. Doutorada em ciências da educação, especialidade em tecnologia educativa, pela Universidade do Minho.

Introdução O desenvolvimento das TIC, essencialmente na década de 90, acarretou transformações em diferentes sectores das sociedades contemporâneas (Castells, 2005) com consequências para os sistemas educativos. Os avanços tecnológicos estão a moldar a forma de ensinar e aprender, quer presencialmente, quer a distância. A inserção responsável das TIC na aprendizagem dos alunos é condição indispensável para o desenvolvimento de competências essenciais para fazer face às exigências do mercado laboral no século XXI, pois vivemos numa época de novas literacias. Buckingham (2003) chama a atenção para a urgência de se repensar a ideia de literacia que condiciona a própria ideia de educação. Mas há novas formas de discurso e novas literacias, sustentadas por novos instrumentos e práticas de mediação. Perante estas tendências quanto mais a tecnologia se desenvolve, mais a escola deve incorporá-la. Porém, a cultura do papel parece constituir o maior obstáculo ao uso intensivo das tecnologias, em especial da Internet e das ferramentas Web 2.0. Com o aparecimento do conceito Web 2.0, surge uma nova Web, uma Web mais social e mais humana. Como referem Romaní e Kuklinski (2007: 15), a Web deixou de ser «una simples vidriera de contenidos multimedia para convertirse en una plataforma abierta, construida sobre una arquitectura basada en la participación de los usuarios». Apesar de existir alguma polémica à volta do termo Web 2.0, estes autores consideram que plataforma é o que melhor descreve o novo tipo de aplicações Web e a fase em que se encontra a rede. Também a presença, cada vez maior, das tecnologias móveis no quotidiano das pessoas, em especial das gerações mais jovens, tem aberto caminho à entrada de um novo conceito de aprendizagem. A evolução das 68


tecnologias móveis está a fazer surgir novas tendências do e-Learning, resultando num novo «paradigma» educacional a que se tem vido a chamar mobile learning, centrado na utilização de dispositivos móveis (telemóvel, PDA, Tablet PC, Pocket PC) para apoiar a aprendizagem formal e não formal e ao longo da vida. Neste texto, daremos destaque à descrição de alguns exemplos da implementação de ferramentas Web 2.0 e Web 2.0 Móvel no processo de ensino e aprendizagem.

A Web 2.0 e a Web móvel 2.0 Tim O’Reilly, o criador da Web 2.0, redefine a Internet não como um media mas como uma plataforma que permite a troca entre os utilizadores e os serviços, permitindo desenvolver a Inteligência Colectiva (Lévy: 2000), sendo esta mudança de perspectiva um ponto relevante e diferenciador da Web 1.0. O utilizador deixa de ser um simples espectador para passar a ser um construtor da sua própria aprendizagem e colaborador da aprendizagem dos outros através das potencialidades de novas ferramentas. São muitas as vantagens da sua utilização em contexto educativo. A maioria das pessoas já contactou em algum momento com blogues, redes sociais ou outras ferramentas Web 2.0 como a Wikipedia ou o YouTube. A Web 2.0 é composta por ferramentas que potenciam a rapidez e a troca de conhecimentos independentemente do tempo e do espaço, tornando a informação omnipresente. Tal como aconteceu com a televisão e o computador antes, hoje, as tecnologias móveis desafiam os educadores a responder e a garantir que o seu trabalho seja relevante para os seus alunos (Pachler et al., 2010).As tecnologias móveis estão em contínuo desenvolvimento, quer em ganhos de desempenho, quer no aparecimento de novos dispositivos e o futuro do ensino parece vir a ser informal e móvel. Informal porque, cada vez mais, se pode aprender fora da escola, fora de estruturas formais. Móvel, porque é suportado por dispositivos móveis que permitem aprender onde e quando se quer. Para Pachler et al. (2010) o mobile learning é um domínio da investigação em educação emergente e em rápida expansão em escolas, universidades e local de trabalho. Daqui decorre a necessidade de um verdadeiro 69


compromisso com este “paradigma educacional”, em todos os sectores educativos, para evitar uma potencial desconexão entre a forma como os jovens actuam nas suas vidas, altamente impregnadas de tecnologias, e a maneira como as instituições as integram na vida escolar. Actualmente, as características mais comuns dos telemóveis incluem, entre outras, acesso à Internet, voz, mensagens de texto (SMS), câmara, vídeo e grande capacidade de armazenamento. Para a aprendizagem de línguas, por exemplo, todas estas funcionalidades são fundamentais por possibilitarem práticas comunicativas da língua, acesso a conteúdo autêntico, resolução de problemas e conclusão de tarefas. As principais características dos dispositivos móveis são a portabilidade, funcionalidade, convergência multimédia, ubiquidade, propriedade privada, interactividade social, sensibilidade ao contexto, conectividade e personalização (Attewell et al., 2009). Actualmente, a Web 2.0 está a popularizar-se nos dispositivos móveis e já são muitas as aplicações que se podem utilizar através de qualquer um dos dispositivos de bolso (Telemóvel, PDA ou Pocket PC). A sociedade em rede móvel (Castells et al.: 2006) está em evolução. É grande a proliferação de aplicações para dispositivos móveis e a atenção dada por empresas e programadores a estas tecnologias. Os dispositivos móveis permitem o acesso ubíquo aos conteúdos e a Web 2.0 adiciona o princípio da inteligência colectiva, através de uma arquitectura de participação e criação (Romaní & Kuklinski: 2007). Em toda a história das tecnologias da educação nenhuma tecnologia esteve tão amplamente acessível aos cidadãos como a tecnologia móvel (Nix et al.: 2007).

Ferramentas Web 2.0 para integração educativa As ferramentas Web 2.0 trouxeram à rede mais dinamismo e interacção e maior personalização. Os internautas passaram de utilizadores passivos a agentes activos, relativamente aos conteúdos que circulam na Web. É impossível elencar todas as ferramentas Web 2.0, por isso, a seguir apresentamos alguns aplicativos com interesse para usar na sala de aula no século XXI. Usar estas ferramentas implica abrir espaço para a participação, partilha e colaboração online. São ferramentas fáceis de criar, de usar e actualizar, porque tudo se encontra online.

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Áudio e Podcasts Com este tipo de ferramentas é possível publicar e partilhar ficheiros áudio. O podcasting consiste na criação de ficheiros de som (geralmente em formato mp3) e de vídeo, chamados videocasts ou vodcasts, podendo ser distribuídos e subscritos através de um sistema de Feeds. Podem ser descarregados para o computador ou telemóvel e ouvidos quando e onde se deseja.

Ferramentas Web 2.01

Figura 1 – Ferramentas para criar Podcasts

Aplicações Pedagógicas • Enriquecer conteúdos curriculares com áudio; • Descarregar contos, programas de rádio ou televisão, conferências, debates, conteúdos complementares ao estudo; • Apresentar conteúdos, sínteses, problemas para serem resolvidos, ler poemas ou histórias, explicar a resolução de um problema, dar feedback ou fazer comentários a trabalhos, fomentar contributos à participação em fóruns, criar tutoriais em áudio e vídeo, gravar instruções, resumir informação importante, pedir aos alunos que criem os seus próprios podcasts; • Dar instruções num laboratório, indicações e procedimentos para a realização de trabalhos práticos, fazer recomendações de estudo, analisar entrevistas; 1

http://www.podomatic.com/featured; http://www.mypodcast.com/; http://www.voxopop.com/

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• Gravar e editar sons, trabalhar vocalização, respiração, entoação e expressão oral; • Ouvir conteúdos fora da sala de aula; • Ajudar a reforçar o estudo em situações educativas especiais.

Blogues Um blogue é um sítio Web frequentemente actualizado. Compila cronologicamente textos e artigos de um ou vários autores, aparecendo do mais recente para o mais antigo. O termo provém do inglês weblog, proveniente das palavras web e log (“log” em inglês significa “diário”).

Ferramentas Web 2.02 Figura 2 – Ferramentas para criar blogues

Aplicações Pedagógicas • Serve para comunicar, para criar um jornal online das actividades realizadas na sala de aula, para que os alunos contribuam como autores e reflictam sobre as suas aprendizagens; • Expressar opiniões pessoais, aprender a ser crítico com a informação publicada; • Fomentar a leitura compreensiva em formato digital; • Trabalhar a ortografia e a expressão escrita; • Fomentar a motivação, tornando o aluno activo e produtor de conteúdos.

Microblogging O microblogging é um serviço que permite enviar e publicar mensagens escritas breves. As actualizações surgem de imediato na página de perfil do utilizador, também são enviadas automaticamente para os seguidores que pretendam recebê-las. 2 https://www.blogger.com, http://wordpress.com/; http://edublogs.org/¸ http://blogs.sapo.pt/; http://www.sosblog.com/

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Ferramentas Web 2.03

Figura 3 – Ferramentas para Microblogging

Aplicações Pedagógicas • Estar actualizado sobre informação com interesse e enviar mensagens breves; • Trabalhar em equipa online em tempo real; • Criar e realizar actividades colaborativas e participativas; • Criar uma conta no Twitter para estar em contacto com os alunos ou outros professores em todo o mundo, para obter ideias e melhorar as aulas, para partilhar e encontrar bons recursos Web, criar sessões online ou usá-lo como um sistema de votação.

Mapas conceptuais São ferramentas disponíveis na Web que permitem a criação de diferentes tipos de mapas conceptuais, gráficos e diagramas.

Ferramentas Web 2.04 Figura 4 – Ferramentas para criar mapas conceptuais

Aplicações Pedagógicas • Criar mapas conceptuais, linhas de tempo ou diagramas em formato digital; • Promover a criatividade e assimilação de conceitos curriculares, estabelecendo relações hierárquicas dos conteúdos; • Tornar os alunos pensadores activos e independentes através da construção de estruturas cognitivas, fomentando o conhecimento através da descoberta; 3 4

http://www.tumblr.com/; http://youare.com/; http://twitter.com/; http://www.edmodo.com/ http://www.mindmeister.com/pt; http://www.bubbl.us/ ; http://www.gliffy.com/

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• Construir estruturas cognitivas e ajudar a visualizar conceitos.

Wikis Wiki é um termo havaiano que significa “rápido”. É uma aplicação que permite que vários utilizadores possam construir documentos em conjunto e de forma colaborativa, de uma forma fácil e rápida. Com esta tecnologia qualquer elemento do grupo pode juntar, editar e apagar conteúdos, mesmo que tenham sido criados por outros autores. É uma forma simples e rápida de publicar conteúdos na Web.

Ferramentas Web 2.05 Figura 5 – Ferramentas para criar Wikis

Aplicações Pedagógicas • Criar uma Wiki para proporcionar aprendizagem cooperativa ou colaborativa; • Criar um glossário de termos ou desenvolver uma lista de actividades e projectos de pesquisa; • Criar o e-portefólio do professor e dos alunos.

Ferramentas Web 2.0 com versão móvel Há serviços Web 2.0 com versão móvel que contribuirão para mudanças na forma como se ensinará e aprenderá nas próximas décadas. As ferramentas Web 2.0 estão a tornar a Web numa plataforma de produção poderosa e a sua inclusão nos dispositivos móveis está em expansão. Tanto a empresa Google como a Zoho apostaram há algum tempo no desenvolvimento das suas aplicações Web 2.0 com versão móvel. Destacamos duas ferramentas Web 2.0 móvel úteis para começar a pensar em integrar dispositivos móveis nas práticas educativas. O Wirenode6 é um editor de páginas Web para dispositivos móveis e o Mobile Study7 um editor de quizzes para a Web e para telemóvel. 5 http://www.wikispaces.com/; http://pbworks.com/; https://docs.google.com 6 http://www.wirenode.com/. Um exemplo de um projecto criado com esta ferramenta pode ser acedido neste URL http://geramovel.wirenode.mobi/. 7 http://www.mobilestudy.org/

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O telemóvel como repositório e ferramenta de produtividade A capacidade de escrita que os modelos de telemóvel mais recentes possuem faz deles excelentes suportes de apoio à aprendizagem quando conjugados com as destrezas de escrita rápida no teclado do telemóvel que a maioria dos alunos demonstra possuir. As tecnologias móveis, quando adequadamente usadas, podem proporcionar uma aprendizagem ubíqua, baseada em características de permanência, acessibilidade, imediaticidade, interactividade, actividades situadas e adaptabilidade. Ao longo do ano lectivo 2008/2009, realizámos um estudo de investigação de cunho qualitativo, com opção metodológica por múltiplos casos, onde explorámos o telemóvel dos alunos como repositório e funcionalidades multimédia através de diferentes actividades, como a construção de um dicionário personalizado, escrita de microcontos em grupo, escrita de Haikais, tomada de notas e apontamentos, Tweets com quadras de S. Martinho, provérbios, adivinhas, microbiografias, escrita de comentários, criação de poemas por SMS e envio de conteúdos curriculares por SMS (Moura & Carvalho, 2010).

iDicionário Aproveitámos as potencialidades de escrita e armazenamento de dados que os telemóveis possuem propondo que cada aluno criasse no seu telemóvel um dicionário personalizado (iDicionário), para aprendizagem e enriquecimento vocabular (língua portuguesa e francesa). Esta actividade surgiu como uma estratégia pedagógica possível, não só para apropriação do vocabulário de uma língua, mas também para apropriação do telemóvel como ferramenta de aprendizagem e motivação à aprendizagem. A facilidade com que os alunos escrevem no teclado do seu telemóvel que está sempre presente nas suas vidas, levou-nos a reconhecer a existência de grandes potencialidades para a aprendizagem e enriquecimento vocabular por intermédio deste dispositivo.

Microcontos Escrever microconteúdos parece ser uma forma de potenciar a escrita a partir do teclado de um telemóvel. Desta feita, os alunos foram desafiados por diversas ocasiões a criar microcontos, quer individualmente, quer em grupo. As estratégias pedagógicas usadas incidiram primeiro na redução 75


e depois na expansão textual.

Testes de escolha múltipla – Quizzes para telemóvel Desde há muito que os exercícios de escolha múltipla ou verdadeiro e falso fazem parte das práticas pedagógicas. Para que a aprendizagem da gramática aconteça, quer em língua materna quer em língua estrangeira, é possível apresentar aos alunos um conjunto de exercícios do tipo quiz, para repetição e treino e consequente memorização. Isto parece ser uma solução adequada, ainda mais se os exercícios forem executados por intermédio do telemóvel pessoal. Nesta actividade usámos o Mobile Study para criar quizzes para a Web e para o telemóvel.

Contexto de aprendizagem por SMS Os cenários de aprendizagem por SMS são talvez as formas mais simples de m-learning, já que não requerem telemóveis com amplas funcionalidades. Apesar das limitações, tais como o tamanho do texto e a falta de interface gráfica do utilizador, o SMS proporciona uma plataforma para experimentar uma variedade de serviços educacionais, académicos e administrativos, como por exemplo: lembrança de datas, envio de informação sobre inscrições, actividades de escolha múltipla com feedback imediato, conteúdos curriculares, mensagens motivacionais, mensagens com resultados de tarefas, envio de datas de exame, atribuição de tarefas de aprendizagem, envio de endereços, mudança de horários, envio de listas de leitura, questões de revisão com feedback individual.

Conclusões O século XX foi fértil no que respeita a mudanças tecnológicas com consequente impacto no quotidiano dos cidadãos. Porém, a estas mudanças não correspondeu uma consentânea transformação no seio do sistema educativo. O contínuo emergir de novas ferramentas Web 2.0 e Web 2.0 móvel pode constituir-se uma mais valia preciosa para a educação. Estas ferramentas conjugadas com uma pedagogia adequada podem contribuir para desenvolver nos alunos competências de autonomia, resolução de problemas, criatividade, síntese e espírito colaborativo, essenciais na sociedade actual. É urgente que se caminhe da sociedade da informação para a sociedade 76


do conhecimento. Para isso é necessário utilizar de forma racional e eficaz os recursos que a Internet disponibiliza de forma a promover o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e complexo (Jonassen, 2007). Ajudando a criar indivíduos críticos e capazes de obter conhecimento e aplicá-lo quando dele necessitam, para que participem activamente numa sociedade cada vez mais global e competitiva. Referências Attewell, J., Savill-Smith, C, & Douch, R. (2009). The impact of mobile learning examining what it means for teaching and learning. LSN MoLeNET. Disponível em https://crm.lsnlearning.org.uk/user/order. aspx?code=0900687 e acedido em 23 de Abril de 2010. Buckingham, D. (2003). Media education: Literacy, learning and contemporary culture. Cambridge: Polity Press. Castells, M. (2005). .A era da informação: economia, sociedade e cultura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Jonassen, D. (2007). Computadores, Ferramentas Cognitivas. Desenvolver o pensamento crítico nas escolas. Porto: Porto Editora. Lévy, P. (2000). A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola. Moura,A. & Carvalho,A. (2010).Twitter:A productive and learning tool for the SMS generation. In CassieM. Evans (Ed.), Internet Issues: Blogging, the Digital Divide and Digital Libraries. Nova Science Publishers, 199214. Nix, J., Fubynix, R, & Desmond, K. (2007). Mobile learning/ SMS academic administration kit. In EDEN Take Learning Mobile conference, IADT, Dublin, (online) http://www.eden-online.org/contents/publications/ SMS/Ericsson.Mobile.A5.pdf e acedido em 13 de Novembro de 2010. Pachler, N., Bachmair , B, & Cook, J. (2010). Mobile Learning: Structures, Agency, Practices. London: Springer.

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Romaní, C.C, & Kuklinski, H.P. (2007). Planeta Web 2.0. Inteligencia colectiva o medios fast food. Grup de Recerca d’Interaccions Digitals, Universitat de Vic. Flacso México, Barcelona, (online) http://www.planetaweb2.net/ e acedido em 20 de Novembro de 2010.

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ecursos da Web 2.0 em sala de aula: Professores inovadores alunos produtores

Sónia Cruz

Doutorada em Ciencias da Educação, especialidade em tecnologia educativa, pela Universidade do Minho. Docente do Externato Maria Auxiliadora. Coordenadora do Departamento de História e de TIC.

Introdução Há alguns anos a esta parte sentia-se o entusiasmo de poder navegar livremente na Web e ter acesso a uma vasta quantidade de informação que se acedia com um simples clicar do rato. Éramos, então, meros espectadores do que se produzia para a Web. Mas só essa possibilidade fascinava-nos. Vivia-se no que agora se apelida de Web 1.0. Contudo, a mudança de milénio traz-nos uma realidade ainda mais fascinante: o poder editar e publicar na Web. É o nascer da Web 2.0 (O’Reilly, 2005). Neste novo cenário, cabe ao utilizador a possibilidade de, além de consumir informação, poder publicar, gratuitamente, em servidores que oferecem ilimitadas possibilidades e cuja edição é praticamente intuitiva. Para Costa et al. (2009) “a Web 2.0 acaba com a dependência dos média físicos de armazenamento de dados, uma vez que através das ferramentas disponibilizadas o utilizador pode manter tudo online de forma pública ou privada, aumentando, desta forma, a sua divulgação ou privilegiando a segurança, se esta estiver disponível apenas a um número restrito de utilizadores” (p.5617). A Web 2.0 é, pois, um vasto número de aplicações que utilizam a rede como plataforma e que estão ao serviço da inteligência colectiva (Lévy, 2000). Autores como O’Reilly (2005), Alexander (2006), Carvalho (2007) e Coutinho & Júnior (2007a) apontam, como principais características da Web 2.0, o facto de esta possuir interfaces fáceis de usar (os registos e aplicações têm-se tornado tão simples e intuitivos que, após o primeiro registo numa das ferramentas da Web 2.0, a maioria das outras é semelhante); a possibilidade de trabalhar colaborativamente; o facto da maioria dos sistemas ser gratuito; a maior facilidade de armazenamento de dados e a criação de páginas online. As ferramentas da Web 2.0, cuja eficácia aumenta quanto maior for o número de utilizadores registados, possibilita a interacção e a colaboração entre os utilizadores e torna o 79


ambiente online mais dinâmico, uma vez que os utilizadores colaboram para a criação e organização de conteúdo. O termo Web 2.0 popularizou-se sem que, no entanto, sejam efectivamente conhecidas as suas potencialidades, em particular junto dos docentes da escolaridade obrigatória, já que, os alunos, mesmo que desconhecedores da evolução que a Web atravessou, são nativos digitais (Prensky, 2001) e assumem as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) como veículo preferencial de expressão, produção e comunicação do conhecimento (Castells, 2007). É com esta realidade que nos confrontamos e para a qual temos de nos formar. É também neste sentido que a mudança e a modernização da escola se têm assumido como área fulcral das políticas educativas. As iniciativas governamentais que têm sido levadas a cabo, nomeadamente, através do Plano Tecnológico da Educação, visam dotar as escolas de infra-estruturas tecnológicas e reforçar as competências TIC de alunos e docentes, subentendendo-se, naturalmente, uma mudança nas práticas pedagógicas. Apesar disso, estudos revelam resistências na implementação das inovações e na mudança de práticas (Faria, 2010). É esta a realidade que temos de alterar até porque a integração das TIC no currículo constitui uma, senão a possibilidade de inovar pedagogicamente em todas as áreas do conhecimento. Partindo desta realidade, enquanto professores, não mais podemos adiar uma efectiva integração das diferentes ferramentas que a Web 2.0 nos oferece. Nem podemos, por outro lado, deixar que outros não as utilizem por não conhecer as potencialidades daquelas ou por se acomodarem ao estilo de ensino que praticam.

A Web 2.0 na aula Não esqueçamos que para a maioria dos alunos a Web constitui a primeira fonte de informação. Nesse sentido, e apesar de serem nativos digitais, os nossos alunos carecem de uma formação profunda para a abordagem crítica das novas tecnologias. Partindo deste pressuposto, o professor tem ao seu dispor um conjunto de ferramentas que estão disponíveis online. Neste lote podemos incluir ferramentas como o GoogleSites, Slideshare, YouTube, Skype, Wiki, 80


eBay, Facebook, Timeliner, Podomatic; Blogger, entre centenas de outras ferramentas1 . Estas ferramentas podem contribuir qualitativamente para o desenvolvimento de novas posturas educativas, uma vez que permitem criar ambientes ou contextos potenciadores para uma aprendizagem significativa. Ressalvamos o facto da integração das mesmas dever ocorrer com base em alicerces teóricos em que o aluno desempenhe um papel de maior relevância no que toca à actividade, à participação e à experiência. Recentemente foi desenhado um modelo, o Modelo ITIC (Cruz, 2009), alicerçado no modelo de ensino Construtivista, na Teoria do Envolvimento e no Modelo ARCS, e formado pelas componentes da pesquisa de informação; da comunicação do conhecimento produzido e do uso de ferramentas que proporcionam uma aprendizagem

colaborativa (v. figura 1). Figura 1: Componentes do Modelo ITIC (Cruz, 2009: 171) De acordo com este modelo, procura-se que o aluno actue como consumidor consciente e crítico da informação com que interage e evolua para produtor de informação online que partilha com o outro (Cruz, 2009) o seu conhecimento. Desta feita, apresentamos de seguida um conjunto de ferramentas que 1 Ver em: http://www.go2web20.net/ Note-se que ferramentas há que podem funcionar offline (GoogleMaps, Audacity, Picasa, etc.) mas cujas vantagens são maximizadas se estiverem online.

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podem ser integradas no currículo e algumas sugestões de trabalho para professores de forma a proporcionar aos alunos tornarem-se produtores de informação para a Web.

Blogue O blogue, criado por Jorn Barger nos finais da década de 1990 (Barbosa & Granado, 2004), refere-se a um diário na Web cuja informação está organizada da mais recente para a mais antiga, em forma de mensagens (“post’s”). Podem ter um carácter pessoal e/ou colectivo, estar aberto a todos os internautas ou restrito a uma comunidade, sendo que a facilidade de criação e manuseamento permite que o seu autor se centre no conteúdo a publicar (dado não exigir conhecimentos avançados graças às interfaces disponibilizadas por serviços como o blogger2 ou o wordpress3 ). Para Carvalho et al. (2006), o blogue pode “funcionar como caderno, portefólio, fórum, apoio à disciplina, […] para disponibilizar pequenos sites como WebQuest e Caça ao Tesouro, que são actividades orientadas para a pesquisa na Web” (p.637), através do qual textos ficam acessíveis ao professor e aos colegas, que os podem ler, comentar, avaliar e sugerir ligações para sites pertinentes sobre os assuntos abordados (Cruz, 2007). Todas as áreas curriculares podem beneficiar das potencialidades desta ferramenta nas suas aulas. Cada professor, conhecedor da realidade que envolve os seus alunos, pode inovar e, de forma criativa, encontrar uma estratégia, através da utilização desta ferramenta, para desenvolver competências. A título de exemplo, não seria uma excelente estratégia para os professores de Línguas trabalharem colaborativamente e criar um blogue sobre determinado conteúdo em que cada post fosse traduzido nas línguas que estudam (Inglês, Francês, Espanhol, Alemão…)? E quem sabe, entrar em contacto com alunos de outros países através de projectos no âmbito do Programa Comenius4 ? É uma possibilidade.

Podcast O Podcast, conceito da autoria de Adam Curry e Dave Winer (2004), 2 www.blogger.com 3 http://wordpress.com/ 4 Saber mais em: http://juventude.gov.pt/EDUCACAOFORMACAO/AGIREUROPA/ PROGRAMAAPRENDIZAGEMLONGODAVIDA/Paginas/default.aspx#IpjTitle5

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refere-se a conteúdo áudio disponível na Internet que pode ser automaticamente descarregado para o computador pessoal, para um leitor de mp3 ou telemóvel, possibilitando a sua audição em qualquer altura e em qualquer lugar. A Web apresenta-nos servidores gratuitos como o Podomatic5 , entre outros, cuja produção de áudio se tem revelado bastante fácil e acessível ao comum utilizador da Web. Na prática, estes servidores criam uma página online onde figura a distribuição de conteúdo áudio. Há quem os reconheça como audioblogues (Sousa & Bessa, 2007) dado que além de reunir vários áudios é possível associar-lhes imagem e texto. Uma excelente forma de ser utilizado em contexto educativo é, por exemplo, pelos professores de História. Pode ser planeada uma visita de estudo ao centro histórico da sua localidade a fim de estudar in loco um tipo de arte específico, em que cada aluno munido de um mp3 ouve as explicações previamente gravadas e facultadas pelo professor e, com base nelas, responde a um guião onde pode reproduzir, em desenho, um pormenor do que mais lhe impressionou.

Wiki O Wiki, da autoria de Ward Cunningham (1995) trata-se de um software colaborativo que permite a edição colaborativa de documentos. A facilidade com que as páginas são criadas, editadas e reeditadas e a possibilidade de, colaborativamente, construir conteúdo para a Web são a grande característica da tecnologia wiki. É o caso do Zoho Wiki6 . A sua estrutura lógica é análoga à de um blogue, mas acresce a possibilidade de poder ser modificado, agregado ou suprimido o conteúdo da página, ainda que este tenha sido criado por outros autores (Coutinho & Júnior, 2007a). Estamos em crer que o ensino pode beneficiar desta tecnologia caso professores, como os de Língua Portuguesa, no âmbito do estudo da criação de narrativas, proporcionem aos seus alunos a possibilidade de, colaborativamente, dar continuidade a contos que ele inicia mas que desconhece a forma como se vai desenvolver e terminar. Além de desenvolver a criatividade dos seus alunos, o professor pode avaliar a evolução registada ao mesmo tempo que potencia a criação de comunidades de aprendizagem e permite aos seus alunos tornarem-se 5 http://www.podomatic.com 6 www.wiki.zoho.com

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produtores online.

Linhas de Tempo Serviços da Web como o Timeliner XE7 permitem a criação de uma linha de tempo onde se pode documentar desde períodos históricos a processos científicos transformando a informação em verdadeiro conhecimento. Além do conteúdo que se pode organizar sequencialmente ou em ciclos, a linha de tempo pode ser enriquecida com apresentações multimédia. É uma oportunidade para, a título de exemplo, professores de Geografia sugerirem aos seus alunos a construção de uma linha de tempo relativamente à adesão dos diferentes países à União Europeia, aproveitando para explorar as características naturais destes.

YouTube Criado em 2005 por Steve Chen, Chad Hurley e Jawed Karim com o objectivo de possibilitar a partilha de vídeos é criado o YouTube8 . Considerado pela revista Time (2006) como a melhor invenção do ano, esta ferramenta pode ser geradora de maior motivação em sala de aula. Para Moran (1995) o vídeo está umbilicalmente ligado à televisão, logo, ligado a um contexto de entretenimento, que passa para a sala de aula mas que o professor pode combater. Um professor de Ciências Físico-Químicas pode, por exemplo, gravar em vídeo uma experiência laboratorial que os seus alunos executem e que depois pode ser publicada nesta ferramenta, aproveitando para explicar o Procedimento (áudio ou legendagem).

GoogleSites O Googlesites9 é uma ferramenta da Web 2.0 que permite a criação, edição, publicação e alojamento de páginas Web não requerendo conhecimentos de programação. Exige apenas que cada utilizador possua uma conta no Gmail, podendo cada utilizador, a partir da mesma conta, criar vários sites. Esta ferramenta está ao dispor dos docentes que, através dela podem sugerir aos seus alunos que colaborem 7 http://www.tomsnyder.com/timelinerxe/ 8 http://www.youtube.com/ 9 www.sites.google.com

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na criação de um site sobre uma unidade temática específica. Um professor de Ciências Naturais pode com os seus alunos estudar a biodiversidade da localidade onde habitam caracterizando-a. Ou na área da Matemática criar um site para o estudo da Área e de Volumes e colocar exercícios de correcção automática (exemplo: HotPotatoes) no site.

E-book Um e-book é um livro ou publicação, em formato de ficheiro informático, que pode ser lido e, nalguns casos, descarregado para um computador, PDA (Personal Digital Assistant) e telemóveis. Os formatos mais comuns dos e-books são o PDF (Portable Document Format) que exige um leitor como o Acrobat Reader e em HTML (HyperText Markup Language) que apenas exige um browser para ser aberto. Dos serviços oferecidos pela Web destacamos o myebook 10. Trata-se de uma excelente ferramenta que permite importar conteúdos do YouTube, Flickr, Picasa, entre outros enriquecendo o material a ser disponibilizado na Web. Esta ferramenta pode, por exemplo, ser utilizada pelos professores da área de expressões artísticas como os professores de Educação Visual. Através do E-book podem ser publicados trabalhos feitos pelos alunos quer no estudo da história da arte, trabalho que pode ser continuado ao longo do ciclo, quer na mostra de trabalhos relativos à produção realizada. Em suma, foram referenciadas algumas das várias ferramentas da Web 2.0 que podem ser integradas no currículo e apresentadas propostas de trabalho. Cabe assim a nós professores, enquanto catalisadores da Sociedade do Conhecimento (Hargreaves, 2003), entender o computador como ferramenta pedagógica, como ferramenta cognitiva (Jonassen, 2007) que possibilita ao aluno a construção do seu próprio conhecimento, onde cada um selecciona e controla a informação de acordo com as suas necessidades e interesses (Coutinho & Bottentuit, 2007b).

Conclusão Os alunos desta geração, que Prensky (2009) apelidou de Homo sapiens digital, caracterizam-se pelo processamento constante de informação, “não se limita[m] a consultar passivamente informação mas sobretudo 10 http://www.myebook.com/

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a produzi-la e reproduzi-la, construindo, assim, conhecimento e alterando formas de estar, de trabalhar e de pensar” (Costa et al., 2009: 5618). Este Homo sapiens digital difere do Homem moderno em dois aspectos: “He or she accepts digital enhancement as an integral fact of human existence, and he or she is digitally wise, both in the considered way he or she accesses the power of digital enhancements to complement innate abilities and in the way in which he or she uses enhancements to facilitate wiser decision making” (Prensky, 2009, s.p.). Assim, a utilização de recursos e ferramentas da Web 2.0 no processo de ensino aprendizagem é inadiável uma vez que novas formas de aprender, de pensar e de ensinar ocorrem e colocam o aluno num papel de maior actividade. Além disso, possibilita-lhe a construção de competências várias e exige-lhe uma avaliação crítica da informação com que interage a fim de poder produzir conhecimento para si e partilhar com os outros. Lembremos o que Hargreaves (2003) nos diz quando menciona que o sucesso e progresso contínuo de uma sociedade “não assenta no poder das máquinas, mas dos cérebros – o poder de pensar, de aprender e de inovar” (p.379).

Referências Alexander, B. (2006). Web 2.0: A new wave of innovation for teaching and learning? EDUCAUSE, Review, 41, (2), 32-44. Barbosa, E. & Granado, A. (2004). Weblogs, Diário de Bordo. Porto: Porto Editora. Carvalho, A. A.; Moura, A.; Pereira, L. & Cruz, S.. (2006). Blogue - uma ferramenta com potencialidades pedagógicas. In António Flávio Moreira & José Augusto Pacheco (eds), VII Colóquio sobre Questões Curriculares (III Colóquio Luso-Brasileiro). Globalização e (des) igualdades: os desafios curriculares. CIEd 2006. Braga: Universidade do Minho. Carvalho, A. (2007). Rentabilizar a Internet no Ensino Básico e Secundário: dos Recursos e Ferramentas Online aos LMS. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, (3), 25-40. Consultado em 30 de Outubro de 2007 em http://sisifo.fpce.ul.pt. 86


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Blogue na Aprendizagem da Língua Portuguesa Paulo Faria

Maria Altina Ramos

Doutorando na Universidade do Minho

Professora Auxiliar da Universidade do Minho. Instituto de Educação. Departamento de estudos curriculares e tecnologia educativa.

Contexto Quando entramos hoje em qualquer escola do nosso país, deparamonos com um vasto conjunto de recursos informáticos, impensável até há bem pouco tempo. Na sala dos professores, na biblioteca, nas salas de aula, no auditório e noutros espaços encontramos computadores, quadros interactivos, projectores multimédia e mais meios tecnológicos à mercê de quem vive na escola. Ao mesmo tempo, faz parte da indumentária de qualquer estudante transportar consigo o computador portátil, o smartphone e outros dispositivos tecnológicos. Esta geração foi designada por Tapscott (1998) “net generation” porque nasceu imersa em tecnologia. Poder-se-ia, por isso, afirmar que a verdadeira identidade de qualquer jovem prolonga-se e confunde-se com esses artefactos, quase próteses digitais que possibilitam a conectividade e a vida permanentemente em rede – “a Internet é o tecido das suas [nossas] vidas” (Castells, 2004, p. 15). Ora, perante este quadro, podemos ser induzidos a questionar que expectativas tem a escola e a sociedade relativamente aos professores após a primeira década do séc. XXI. Cremos que, neste enquadramento, a integração das novas tecnologias na educação mostra-se irremediavelmente associada à necessidade do reforço do desenvolvimento profissional docente e de uma (re)organização das dinâmicas escolares (Nóvoa, 2007). Sabemos, de antemão, da literatura e da prática, que a tecnologia por si própria não provoca nem produzirá alterações de paradigma ou mudanças substanciais na escola. Os avanços tecnológicos e as conquistas técnicas exigem um esforço suplementar aos docentes na sua adequada inclusão no contexto educativo. Situados, portanto, nestes pressupostos, o grande 89


desafio de qualquer professor passará por uma alteração dos métodos tradicionais para novas metodologias e estratégias de interacção potenciadoras de processos de ensino e aprendizagem norteados pela inovação e conducentes ao sucesso educativo definido em cada plano de acção. Mesmo para os mais incrédulos “a revolução digital é um facto consumado e a escola tem que assumir esta realidade como um dos seus desafios” (Cruz, 2009, p. 6). O discurso vigente na sociedade e o reflexo das políticas educativas ao nível do nosso país e dos organismos internacionais, nos últimos anos, intensificam a prioridade da utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Veja-se, a título de exemplo, algumas das iniciativas da UNESCO: Educação, um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI (Delors, 1996) e Padrões de Competência em TIC para Professores: directrizes de implementação, publicado em Portugal em 2009. Por seu lado, a Comissão Europeia publicou também diversos documentos, entre eles o Livro Branco sobre a educação e a formação (1995); eEurope - Uma sociedade da informação para todos (1999); Estudo sobre indicadores de TIC na Educação (2009); Uma estratégia para a I&D e a Inovação no domínio das TIC na Europa: subir a parada (2009); Estudo sobre o impacto das TIC e dos Novos media na aprendizagem das línguas (2009) e, recentemente, Uma Agenda Digital para a Europa (2010). Em Portugal, desde o Projecto MINERVA (1985-1994) até ao recente Plano Tecnológica para a Educação, onde se inserem os projectos e.escolas, e.escolinhas e e.professores, muitas têm sido também as iniciativas ligadas à disseminação das tecnologias na sociedade e sua integração em ambientes educativos. Este discurso relativo à generalização do uso das TIC está difundido por todos os sectores da sociedade, mas é na escola que nos interessa centrar o nosso foco de análise. Importa, pois, apostar em “mudanças qualitativas na prática pedagógica e essas mudanças envolvem sempre um posicionamento crítico, explícito ou implícito, face as práticas pedagógicas tradicionais (Fino, 2007, p. 1).

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Integração das TIC em contexto educativo: o caso do Blogue da Língua Portuguesa a)Razões para a criação do blogue Quando, actualmente, nos referimos à Web e à sua importância nos processos de ensino e aprendizagem, pensamos já não na rede de conteúdos read only, mas na infraestrutura de suporte à criação e partilha de conteúdos e espaço de colaboração e discussão, ideias associadas ao conceito de Web 2.0. O blogue, um dos recursos que permite operacionalizar o conceito de interacção online, é, segundo Granieri, “a mais acessível e natural das ferramentas destinados à partilha e à publicação - para além do texto, as imagens, os filmes e o som, que progressivamente, com o aumento da velocidade de transmissão dos dados, serão cada vez mais difundidos” (2006, p. 31). É, pois, natural, que a utilização do blogue, como recurso, estratégia pedagógica ou com outras valências, seja cada vez mais frequente em todos os níveis de ensino (Gomes, 2005). No ano lectivo 2006/07, criei o blogue Língua Portuguesa que esteve activo até 2008/09 e continua disponível em (http://paulofaria.wordpress. com) movido pelo impulso de reinventar a aula de Língua Portuguesa e de a tornar um espaço reflexivo quanto à utilização da língua nos seus diversos registos e modalidades. Face à emergência de novas literacias, este projecto implicou uma reorientação das dinâmicas na sala de aula, o que exigiu um elevado investimento pessoal e profissional. Com o passar do tempo, a planificação didáctica, as estratégias e os métodos foram revistos em consequência das novas práticas que se iam construindo com recurso às TIC. Porém, mantinha sempre presente que o foco de actuação passaria por motivar os alunos e despertá-los para níveis de interacção mais intensos e autênticos, naturalmente conducentes a graus de mestria linguística tendencialmente mais ricos e complexos.

b)Estrutura e funções O blogue Língua Portuguesa estrutura o seu em categorias. O destaque está na possibilidade de aceder aos blogues de todos os alunos a partir deste domínio: figuram todos os seus nomes por ordem alfabética. O blogue incorpora também uma série de ligações que funcionam como ferramentas auxiliares da língua: i) dicionário de sinónimos, de 91


antónimos, de verbos, de termos literários; ii) sítios de divulgação de livros, como blogues temáticos, jornais, Plano Nacional de Leitura, e outros; iii) Plataformas virtuais de aprendizagem; iv) sítio da Escola; v) sítios da Web de conteúdo diversificado e de interesse para os alunos. Poder-se-iam estabelecer quatro grandes áreas, tendo em conta a funcionalidade do blogue ao longo dos três anos da sua existência, a saber: divulgação; projectos/desafios; avaliação; ligações. Numa descrição sumária da actividade desenvolvida no blogue, destacámos a diversidade de iniciativas através do esquema 1.

c) Destaque de algumas actividades Seleccionamos, a seguir, actividades que, de alguma forma, contribuíram globalmente para o desenvolvimento de estratégias de actuação centradas no aluno. Tentar-se-á também, com estes exemplos, evidenciar que “os ambientes [de aprendizagem] permitiam aos alunos

construírem activamente o seu próprio conhecimento” (Jonassen, 2007, p. 25). • Clube dos poetas, escritores & companhia e Dia Mundial da Poesia 92


http://paulofaria.wordpress.com/2007/10/23/jorge-reis-sa/ • Um filme, uma mensagem, uma notícia http://paulofaria.wordpress.com/2007/11/08/um-filme-umamensagem-um-texto/ • Diz-me o que lês http://paulofaria.wordpress.com/2008/10/23/diz-me-o-que-lesturma-a-2/ • Videopoema http://paulofaria.wordpress.com/2008/06/18/urgentemente/ • Preparação para o teste http://paulofaria.wordpress.com/2009/01/30/preparacao-parao-teste/ • Mapas conceptuais http://paulofaria.wordpress.com/2008/11/25/ainda-os-mapasde-conceitos/#comments

Conclusão e perspectivas Este artigo pretende fazer uma síntese do trabalho desenvolvido ao longo de três anos. O blogue Língua Portuguesa permitiu, para além do já referido, dar visibilidade às actividades realizadas na sala de aula: de um momento para o outro, o que se fazia exclusivamente num ambiente fechado de sala de aula passou a ser visto, comentado, criticado por outras pessoas. Este aspecto constituiu motivo de discussão quase fracturante, nomeadamente pelo facto de os textos colocados e consultáveis em toda a blogosfera, conterem imprecisões ao nível ortográfico, sintáctico e semântico, mesmo com a supervisão (possível) do professor. Todavia, esta situação nova gerou um dinamismo, um sentido de responsabilidade, de criatividade, de consciência reflexiva e crítica, de autonomia inquestionáveis e incomparáveis, na medida em que os alunos ganhavam uma nova percepção acerca do impacto que eventualmente causariam as sua publicações. Depois, creio que a maior parte dos alunos desenvolveram aprendizagens de uma forma mais significativa porque estavam mais envolvidos e se sentiam cada vez mais indivíduos activos e responsáveis pela sua própria aprendizagem, pelo incremento de novas ideias, do sentido de partilha, de colaboração e dos princípios de socialização. Criaram-se momentos de extraordinária oportunidade de interactividade, de cooperação, de colaboração e 93


de criação. Subjacentes a todas as actividades realizadas pelos alunos, estiveram as perspectivas construtivistas da aprendizagem. Não podemos afirmar que isso implicou a mudança para novos paradigmas de aprendizagem, uma vez que já assim trabalhávamos, mas consideramos que ficou claramente demonstrado que o trabalho com TIC exige da parte do professor uma abertura a novos modos de pensar e novas metodologias de trabalho em contexto lectivo.

Bibliografia Castells, M. (2004). A Galáxia Internet. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Cruz, S. (2009). Proposta de um Modelo de Integração das Tecnologias de Informação e Comunicação nas Práticas Lectivas: o aluno de consumidor a produtor de informação online. Tese de Doutoramento em Ciências da Educação, área de especialização em Tecnologia Educativa. Braga: Instituto de Educação, Universidade do Minho. Fino, C. (2000). Novas Tecnologias, Cognição e Cultura: um estudo no primeiro ciclo do Ensino Básico. Tese de Doutoramento. Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Lisboa. Gomes, M. J. (2005). “Blogs: um recurso e uma estratégia pedagógica”. In A. Mendes, I, Pereira e R. Costa (Eds.), Actas do VII Simpósio Internacional de Informática Educativa, ( pp.311-315). Leiria: Escola Superior de Educação de Leiria. Granieri, G. (2006). Geração Blogue. Lisboa: Presença. Jonassen, D. (2007). Computadores, ferramentas cognitivas - Desenvolver o pensamento crítico nas escolas Porto: Porto Editora Nóvoa, A. (2007). Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo. São Paulo: SINPRO. Tapscott, D. (1998). Growing up digital - The rise of the net generation. New York, McGraw-Hill, 1998.

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s Dez Princípios de uma Boa Prática com TIC Paula Flores

Doutoranda em Educação, Mestre em Administração e Planificação da Educação , Professora do 1º CEB no Agrupamento Vertical de Pedrouços- Maia.

Resumo: A importância que actualmente se concede à integração das novas tecnologias na educação impõe uma reflexão sobre as práticas pedagógicas hoje vividas nas nossas escolas e a sua repercussão na educação. Este estudo tem como propósito compreender os efeitos das boas práticas e apresentar os 10 princípios de boas práticas com TIC escorados num estudo realizado com professores do 1º Ciclo do Ensino Básico na região do grande Porto. Esperamos assim contribuir para uma reflexão crítica sobre a inclusão das TIC e realçar o seu potencial na educação. PALAVRAS-CHAVE: Boas práticas com TIC; Novas metodologias.

Introdução Renovar ou estagnar, duas realidades que mostram que num mundo em mudança, como o da actual conjuntura, em que a tecnologia se tornou o caminho do presente, a vida do futuro, há necessidade de decisões e atitudes firmes no sentido da mudança. A reflexão sobre as repercussões das TIC na educação tem presentemente um enfoque basilar. Primeiro analisaremos o conceito de boa prática e depois apresentaremos a metodologia do estudo e a discussão de resultados.

1 – Breve reflexão sobre o conceito de boa prática Falar de princípios de uma boa prática pressupõe perceber o conceito de boa prática, um conceito plural que envolve dimensões diferenciadas por circundar extensões no âmbito da preparação, do processo e dos resultados. Manuel Area (2007) aborda o tema na óptica dos critérios a ter em conta no momento da planificação, do desenvolvimento e 95


da avaliação de actividades, definindo os 10 princípios básicos que um professor deve ter em consideração. Beraza (2007) desenha o cenário de boas práticas centrado nos termos “qualidade” e “benchmarking”, sustentando-se na avaliação de práticas reconhecidas como representantivas das melhores práticas. Neste contexto, refere que a boa prática depende da qualidade do desenho e do processo, passando assim por fases de preparação, desenvolvimento e reflexãoavaliação. Segundo Brown y Webb (2004) a aprendizagem baseada em casos de boas práticas é o meio mais eficaz para entender os princípios e os detalhes de práticas efectivas e para analisar práticas de sucesso de outras organizações e partir desses casos para o desenvolvimento de soluções que melhor se adaptem às suas próprias organizações. Epper (2004) e Cabero & Román (2006), citando Art Chikering y Zelda Gamson, nomeiam os 7 princípios básicos de uma boa prática docente com recursos às TIC na óptica dos resultados. Assim, uma boa prática com TIC promove as relações entre professores e alunos, desenvolve reciprocidade e cooperação entre alunos, utiliza técnicas activas de aprendizagem, proporciona feedback, enfatiza o tempo de dedicação à tarefa, comunica altas expectativas e respeita a diversidade de talentos e maneiras de aprender. Segundo Epper (2004), estes princípios foram utilizados como crítica, guia e modelo contra o método predominante de aprendizagem na formação inicial (forma passiva de exposição/debate) e foram desenhados para apoiar o ensino baseado na tecnologia. Para Bento Silva (2001) as práticas com TIC correspondem às expectativas deste novo modelo por possibilitarem a adopção de uma nova definição de tempo escolar, de adaptação às necessidades dos alunos e às mudanças da planificação e programação. Salmon (2002), relativamente às práticas em e-actividades, diz que são motivadoras, significativas, provocam interacção, são de fácil organização, estimulam o desafio, são interactivas, implicam princípios pedagógicos para a aprendizagem, são úteis, fáceis de utilizar e de modificar. Foram desenhadas para atingir maior eficiência, são reutilizáveis, melhoram com o uso, são para todos e podem ser adaptadas. Quadros Flores, Escola & Peres (2009) apresentam um esquema do conceito de boas práticas evidenciando que este circunda múltiplos vectores, pois as boas práticas são soluções inovadoras, úteis, actuais, transformadoras, adaptáveis a contextos nacionais ou internacionais, optimizam resultados e produzem satisfação.

Metodologia Para compreender os efeitos das boas práticas com TIC, fizemos 96


entrevistas a 11 professores seleccionados entre aqueles que ganharam prémios pelo bom uso da tecnologia e os que responderam ao inquérito “Partilha de boas práticas com TIC”, distribuído na região do grande Porto em 2009 (188 inquéritos válidos). Das boas práticas narradas, recolhemos cerca de 90 experiências pedagógicas relevantes.

Discussão de resultados Tendo presente os sete princípios básicos de boas práticas referidos por Epper (2004) e Cabero & Román (2006) e tendo analisado as experiências dos nossos entrevistados, concluímos haver necessidade de acrescentar novos princípios tendo em consideração a frequência com que estas foram referidas (Fig. 1). Assim, no momento actual, parece-nos que os dez princípios básicos mais representativos de boas práticas com TIC são os seguintes: as boas práticas fomentam a resolução de problemas; comunicam altas expectativas; desenvolvem soft skills; respeitam a diversidade de talentos e maneiras de aprender; promovem a satisfação; aumentam o rendimento na sala de aula; melhoram os resultados; promovem a relação pais/escola/ alunos; promovem a utilização de técnicas activas de aprendizagem e desenvolvem a cooperação entre alunos.

Conclusão

Fig. 1 – Frequência com que os princípios de Boas Práticas foram referidos

As novas tecnologias quando bem aplicadas na educação promovem resultados em várias dimensões centrados sobretudo no aluno: motivação, satisfação, desenvolvimento, aprendizagem, democratização e 97


comunicação. Por outro lado, boas práticas com TIC são soluções para problemas que alunos e professores se deparam no dia-a-dia da escola. Neste contexto, a integração das novas tecnologias na educação pode revitalizar a escola no sentido da (re)construção de novas utopias que alentem a criação de um novo paradigma de educação.

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N

arrativas digitais: uma forma diferente de ler, contar e aprender

Maria Altina Ramos Professora Auxiliar da Universidade do Minho: Instituto de Educação. Departamento de estudos curriculares e tecnologia educativa.

Adíla Faria Educadora de Infância e Doutoranda na Universidade do Minho

1- Enquadramento teórico A expressão narrativa digital, no sentido mais geral, refere-se à criação e à exploração de uma narrativa multimédia com imagens, texto, música e narração em áudio. Este conceito subjacente à narrativa digital não é propriamente uma ideia original do nosso tempo. É, antes, o resultado de um processo evolutivo com a particularidade de congregar num só espaço diversas formas de expressão a que podemos chamar multimodalidade. Em retrospectiva e se recuperarmos todo o património literário oral, da forma como era propagado, difundido o texto, chegaríamos até aos contos tradicionais, às poesia dos trovadores, ao menestrel que, na Europa, ainda antes da invenção da imprensa, perpetuava pela oralidade as histórias reais e imaginárias. E, assim, se compreendia que todo o património oral passasse de memória em memória. Gutenberg legou-nos a possibilidade de partilhar, geração após geração, as narrativas que até aí quase só existiam no registo da memória dos povos. Porém, a partir desse momento, o texto morreu um pouco, porque perdeu a dimensão da interacção do narrador com o ouvinte: agora, quem conta um conto, já não aumenta um ponto… . Ora, a narrativa digital está justamente muito próxima desse tempo da oratura (Pio Zirimu), porque recupera a interacção dos antigos narradores com o texto e com os aqueles que ouvem. As histórias contadas aos mais novos são sempre um momento 99


de magia e as crianças demonstram grande interesse por esse momento. Entretanto, com toda a evolução tecnológica exponencial a que hoje assistimos, quando entramos no mundo da Web 2.0 somos surpreendidos pela popularidade de e-books para crianças, que reflectem a necessidade do compromisso com um novo tipo de histórias, despertando o interesse pelos livros, e também a promoção de literacias múltiplas, desde a digital à visual, e de novas competências como o aperfeiçoamento auditivo, particularmente a capacidade de se escutar a si mesmo e aos outros (Bus, Jong, Verhallen & Van Der KooyHofland, 2009; Korat & Shamir, 2007). Neste novo contexto, é necessário que as crianças desenvolvam novas literacias, isto é, segundo Ohler, sejam “capazes de ler e escrever usando diferentes meios integrados num todo significativo e coerente”(2009, p. 8). O mesmo autor argumenta que “as narrativas digitais permitem que as crianças falem a sua própria linguagem” (2008, p. 10) já que vivem num mundo caracterizado pela multiplicidade e pela multimodalidade e, frequentemente, quando chegam à escola já quase dominam as tecnologias digitais. Ainda segundo Ohler o futuro da narrativa digital passará pela inclusão de pequenos filmes, como os do YouTube e a Web 2.0 irá facilitar “a interactividade e a participação a nível local e a distância, permitindo aos alunos partilhar e colaborar em histórias digitais” (2009, p. 4). Algumas destas ferramentas já são do nosso conhecimento e, a título de exemplo, podemos mencionar as ferramentas Voicethread e Myebook, que usamos frequentemente nas actividades lectivas, e cujas potencialidades não terminam com a publicação da história digital, uma vez que os espectadores podem interagir com comentários, por meio de texto, áudio ou vídeo, classificar e até efectuar pesquisas por categorias. Com efeito, todo este processo não só é materialmente diferente, mas também o é cognitivamente, já que a dimensão interactiva e multimédia permite desenvolver várias, senão todas, as dimensões da inteligência denominadas inteligências múltiplas (Gardner, 1983) que a seguir especificamos.

2. Narrativas na Web 2.0 Dentro do imenso universo de ferramentas da Web 2.0 que a Internet 100


nos oferece de forma gratuita e de livre acesso, disponibilizaramse aplicativos que nos permitem, hoje, criar a nossa própria narrativa incorporando uma grande variedade de formatos multimédia. Apresentam-se como recursos atractivos e permitem ao aluno protagonizar a construção activa do seu saber, como defendido pelas perspectivas construtivistas da aprendizagem. As narrativas digitais podem ser usadas em qualquer grau de ensino, desde o Pré-escolar até aos níveis mais avançados. Através desta nova forma de criar e comunicar, e falando concretamente do Pré-escolar, as crianças podem participar activamente de várias maneiras: usar a máquina digital, dramatizar, digitalizar as imagens representativas da narrativa, narrar e gravar a história com as suas próprias palavras. Neste sentido, o envolvimento das crianças nas suas próprias produções torna o processo de aprendizagem mais significativo e, a nosso ver, mais eficaz. Por outro lado, a dimensão hipermédia que a narrativa assume, pela possibilidade de integrar e articular som, texto e imagem, links, favorece o desenvolvimento de diversas inteligências (Gardner, 1983) particularmente a verbal/linguística, a visual/espacial, a musical, e as intra e interpessoal. São competências em contínuo desenvolvimento, mas que assumem particular importância no Jardim-de-Infância por serem determinantes na emergência da leitura e da escrita e no desenvolvimento pessoal e social da criança.

3- Criação de narrativas digitais Seleccionámos dois exemplos que nos parecem representativos de práticas com recurso à tecnologia. Convém, antes de mais, referir que desde há alguns anos que integrámos recursos tecnológicos no contexto educativo. Iniciámos estas novas práticas com o blogue dajaneladomeujardim1 , em 2006, e prosseguimos, actualmente, com a plataforma Ning2 , desde 2007, com crianças em idade Pré-escolar no Jardim-de-Infância de Rio Côvo-Santa Eulália - Agrupamento de Escolas Vale D` Este. Estamos pois, perante uma estratégia metodológica que potencia processos emergentes de leitura e escrita e pressupõe uma autonomia crescente nesta área, na medida em que os alunos são responsáveis pela criação do seu próprio texto. Cada criança pode criar, imaginar, 1 2

http://dajaneladomeujardim.blog.com http://janelajardim.ning.com

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recontar, desmontar, experimentar contos do seu imaginário ou das suas aprendizagens diárias. Naturalmente que, como educadora, cabeme supervisionar todo o processo, nomeadamente a articulação dos textos, sons e imagens que constituem cada cena. Pretende-se com a dinamização destes projectos, centrar a nossa acção pedagógica essencialmente nas crianças, para que desenvolvam competências orais e escritas, a sensibilidade estética e criativa, a capacidade e discriminação auditiva e sonora e, simultaneamente, fomentar nas crianças maior sentido crítico e reflexivo, aspectos essenciais nos cidadãos do século XXI. Para iniciar a criação das narrativas digitais temos em consideração uma sequência de várias etapas: 1. Criar um enredo da história/argumento 2. Definir o texto de cada página 3. Seleccionar imagens e/ou desenhos digitalizados ilustrativos para cada página 4. Gravar o áudio da narrativa 5. Integrar todos os elementos na aplicação No que diz respeito ao áudio, utilizámos o software de gravação e edição Audacity. Para enriquecer as narrativas, é habitual utilizarmos músicas de fundo, com o intuito de enfatizar a mensagem e também de desenvolver a sensibilidade auditiva e o gosto musical das crianças. Por fim, integramos todos os elementos na aplicação seleccionada. 102


Das várias ferramentas existentes na Web 2.0, destaco o Myebook, pois permite-nos criar a nossa narrativa em livro digital. Para criar e partilhar o nosso ebook na Web, o primeiro passo é criar uma conta no Myebook. Temos duas opções: fazemos o upload de um arquivo em formato pdf, previamente gravado no computador ou criamos um livro de raiz, utilizando as ferramentas de edição, estratégia que privilegiamos. Os exemplos que a seguir

indicamos, “A Cinderela Encantada” (http://www.myebook.com/ebook_viewer. php?ebookId=10078) e “Lenda de S.Martinho” (http://www.myebook.com/ ebook_viewer.php?ebookId=55919) foram criados utilizando as ferramentas de edição disponíveis. Em todo este processo, há naturalmente regras de trabalho quer ao nível das responsabilidades, quer ao nível das tarefas. As regras são sempre negociadas com o grupo, como aliás é habitual em todos os contextos de situações de aprendizagem.

4-Equipamento/Recursos necessários Para a concretização da narrativa será necessário dispor de alguns recursos mais convencionais: • Computador com ligação à Internet; • Gravador de som; • Placa de som, microfone e colunas; • Scanner; • Imagens gratuitas da Web, por exemplo as disponíveis em http:// 103


search.creativecommons.org; • Máquina fotográfica digital; • Câmara de Vídeo, ou • Vídeos com endereço de URL (existentes na Internet). Por fim, fica o desafio de experienciar, de forma interactiva e participada, as diferentes maneiras de contar e de dar a ler, escutar, visualizar, sentir um conto...

Referências Alexander, B. & Levine, A. (2008). Web2.0 Storytelling: emergence of a new genre, Educause Review, 43 (6), Nov/Dec, pp.40-56. Consultado em 2 de Dezembro de 2010 em http://www.educause. edu/EDUCAUSE+Review/EDUCAUSEReviewMagazineVolume43/ Web20StorytellingEmergenceofaN/163262> Bus, A., de Jong, M., Verhallen, M., & Van der Kooy-Hyland. (2009). How onscreen storybooks contribute to early literacy. In A. Bus & S. Neuman (Eds.), Multimedia and literacy development (pp. 153-167). New York: Routledge, Taylor & Francis. Gardner, H. (1983). The frames of the mind: the Theory of Multiple Intelligences. New York: Basic Books. Korat, O. & Shamir, A. (2007). Electronic books versus adult readers: Effects on children’s emergent literacy as a function of social class. Journal of Computer Assisted Learning, 23 (3), 248-259. Ohler, J. (2008) Digital Storytelling in the Classroom: new media pathways to literacy, learning and creativity. Thousand Oaks, CA: Corwin Press. Ohler, J. (2009) Orchestrating the Media Collage, Literacy 2.0 Educational Leadership, pp. 8-13 . Consultado em 9 de Dezembro de 2010 em http://ascd.org/publications/educational-leadership/ mar09/vol66/num06/Orchestrating-the-Media-Collage.aspx

104


O

telemóvel como ferramenta de pesquisa e consolidação de conhecimentos e competências em Educação Visual e Tecnológica Alberto Vale Mestre em TIC, IE - UMinho Professor de EVT na Escola E.B. 2,3 de Paço de Sousa

1. Resumo O presente estudo baseia-se na exploração do telemóvel, mais concretamente na sua câmara fotográfica, com o intuito de compreender o seu contributo na aquisição de conhecimentos e competências na disciplina de Educação Visual e Tecnológica. Esta investigação consiste num estudo de caso em que três turmas do 5.º ano de escolaridade utilizam o telemóvel para desenvolver diversas actividades com vista a: estimular a pesquisa e a aplicação de conceitos através da observação da realidade; inferir de que modo o telemóvel pode fomentar e cooperar na aquisição de conhecimentos e competências; integrar, em contexto educativo, uma tecnologia cada vez mais preponderante na sociedade actual; despertar nos alunos novos interesses para a educação artística. Neste estudo encontram-se evidências de desenvolvimento de autonomia, motivação e cooperação. Verifica-se ainda que o telemóvel participa na aquisição e aprofundamento de competências em EVT, assim como, no desenvolvimento de novos interesses pela educação artística.

2. Investigação Para o desenvolvimento das diversas propostas de trabalho, os alunos percorreram seis etapas, em grupo, até à conclusão da actividade proposta: 1. Identificar o tema a pesquisar e expor algumas ideias/ conhecimentos relativamente ao mesmo; 105


2. Trabalho de grupo (fora da sala de aula): interpretar/ descodificar e pesquisar sobre o tema; 3. Trabalho de grupo (fora da sala de aula): registar fotograficamente exemplos reveladores do tema, através da observação atenta do meio envolvente. 4. Identificação de ideias referentes ao tema. Entrega e análise das fotografias recolhidas. 5. Trabalho de grupo (fora da sala de aula): aperfeiçoar ou reformular as ideias alcançadas na etapa anterior. 6. Entrega das aprendizagens.

fotografias

recolhidas.

Apreciação

das

Ao longo de três semanas foram sugeridos os seguintes temas a pesquisar: “figuras geométricas no quotidiano”, “estrutura” e “estruturas modulares e módulo/padrão”.

3. Análise dos resultados 3.1 Experiência com o telemóvel Esta análise irá ser realizada tendo por base três classes que se distinguiram ao longo deste estudo: motivação, autonomia e cooperação. Para estes alunos o facto de terem que utilizar o telemóvel como ferramenta de trabalho para a disciplina de EVT foi uma experiência completamente nova. Apesar deste instrumento ser bastante familiar para todos eles, ainda nenhum aluno tinha sido solicitado para o seu uso na escola. Esta surpresa, aliada a uma tecnologia que os alunos dominam e lidam diariamente, fez com que a sua motivação para o desenvolvimento das actividades na disciplina aumentasse. Outro factor de motivação foi a liberdade com que os alunos poderiam executar as actividades. Tinham a possibilidade de registar quando, como, onde e o que queriam, tendo como única condição obedecer ao 106


tema sugerido. Esta liberdade de execução da actividade, permitiu-lhes observar com atenção o meio envolvente e, a partir daí, criar os seus próprios exemplos. Tiveram, assim, a possibilidade de fazer as mais diversas experiências, desde a escolha do motivo, até à escolha do cenário, da luz, da cor e do ângulo de registo. Todas estas escolhas possibilitavam aos alunos tomar as suas próprias decisões e, desta forma, mostrar sua “visão” do tema. Esta motivação foi evidente ao longo das actividades, com a entrega de inúmeras fotografias, todas elas com uma visão diferente do tema indicado. Estas propostas de trabalho davam aos alunos autonomia para a criação e reformulação dos seus registos fotográficos. Assim, poderiam fotografar todos os elementos que achassem exemplificativos do tema sugerido, tal como, tinham a possibilidade de melhorar e reajustar essas fotografias através da escolha de outros ângulos ou outro tipo de iluminação. O desenrolar das diferentes etapas da actividade, que começou na identificação e compreensão do tema até às diferentes fases de recolha de imagens, permitiu que os alunos desenvolvessem e concretizassem as suas próprias ideias sem medo de errar. Assim, além de identificar e adoptar processos de resolução face ao problema proposto, tiveram que recolher, registar e tratar informação necessária à análise e compreensão do problema. As incorrecções que foram surgindo permitiram aos diferentes alunos registar e analisar os dados obtidos, assim como apresentar soluções de forma a ultrapassar essas dificuldades. Esta constante auto-correcção e reformulação das ideias levou os alunos a reflectirem, aprenderem e construírem a melhor estratégia para concretizar correctamente a actividade. O trabalho de grupo, neste estudo, desempenhou um papel de extrema importância. 107


Assim sendo, foram criados grupos de trabalho de modo a que os alunos com maiores capacidades de aprendizagem pudessem auxiliar os alunos com maiores dificuldades. Esta partilha de pensamentos e saberes permitiu que os diferentes elementos de cada grupo interagissem entre eles de modo a discutir, esclarecer e cimentar todas as suas ideias. Os alunos tinham assim a possibilidade de cooperar e estabelecer relações interpessoais, respeitando as regras de trabalho estabelecidas por todos. Estas competências são de extrema importância para o desenvolvimento do aluno enquanto cidadão de uma sociedade cada vez mais global e de partilha. É essencial que, ao longo das suas aprendizagens, tenha a possibilidade de desenvolver e alicerçar competências, valores e atitudes de modo a aprender a viver em comum.

3.2 Função do telemóvel na aquisição de conhecimentos e competências em EVT Neste estudo o telemóvel desempenhou um papel crucial. Para além de ter sido a tecnologia adoptada para a investigação, é nossa convicção que em muito beneficiou o processo de ensino-aprendizagem na disciplina de EVT. Não desprezando a importância da execução de registos gráficos para a disciplina como para o desenvolvimento integral do aluno, o telemóvel permitiu que os alunos recolhessem uma grande quantidade de exemplos para as diferentes actividades sugeridas. Sem a integração desta tecnologia os alunos iriam apresentar uma menor quantidade de exemplos, uma vez que a execução de registos gráficos requer maior tempo de execução, ou ir-se-íam limitar a reproduzir os exemplos fornecidos pelo docente ou retidos através da leitura e observação do manual escolar da disciplina. Desta forma, o telemóvel permitiu que, através da sua capacidade de armazenamento, os alunos apresentassem ao longo das diferentes actividades uma grande quantidade de registos fotográficos. Além disso, e ao contrário do que por vezes acontece relativamente a outro tipo de material necessário à disciplina, o telemóvel esteve sempre presente na sala de aula. 108


Sendo o telemóvel uma tecnologia cada vez mais presente na vida quotidiana das crianças, possibilitou que os alunos estivessem continuamente em posse de um instrumento de trabalho e desta forma em constante observação/pesquisa do meio envolvente. Deste modo, é possível observar a existência de fotografias recolhidas em passeios realizados juntamente com os seus familiares, nomeadamente, idas a centros comerciais. Por último, importa ainda referir que todas estas actividades permitiram aos alunos desenvolver competências relacionadas com o trabalho cooperativo. Estes demonstraram uma grande receptividade no desenvolvimento das diversas propostas de trabalho, assim como, na cooperação no planeamento das diferentes fases de trabalho e na organização e divisão de tarefas de grupo.

3.3 Novos interesses para a educação artística Ao longo das diferentes actividades propostas os alunos demonstraram progressos claros no que diz respeito aos seus registos fotográficos. Nos primeiros registos verificou-se, tal como já foi referido anteriormente, menos cuidados e/ou dificuldades ao nível da composição, nitidez e cor. Com o desenrolar das actividades e da análise dos diferentes grupos às fotografias visualizadas, os alunos demonstraram cada vez mais cuidado relativamente à qualidade fotográfica. Assim, além dos cuidados ao nível da cor, da luz e da nitidez, os alunos desenvolveram competências em organizar, com funcionalidade e equilíbrio visual, o espaço bidimensional da fotografia. Nos registos fotográficos recolhidos ao longo do estudo tivemos também a possibilidade de observar o crescente interesse que os alunos foram desenvolvendo pela educação artística. Além de registarem os elementos relacionados com as actividades propostas, os alunos começaram a entregar algumas fotografias a preto e branco e a sépia, assim como fotografias com moldura (disponibilizada pelo software de alguns telemóveis). É ainda necessário referir que os alunos desenvolveram um sentido crítico relativamente à imagem. Deste modo e posteriormente às actividades desenvolvidas para este estudo, sempre que o docente 109


apresentou imagens na sala de aula, os alunos demonstraram-se bastante críticos. Analisavam todos os pormenores que tinham tido em atenção na altura da realização das suas fotografias e, por vezes, apresentavam novas estratégias para o registo das imagens visualizadas. O uso da câmara fotográfica do telemóvel deu a possibilidade aos alunos de olharem com outros olhos a fotografia. As melhorias apresentadas nas composições entregues ao docente demonstram que a visão artística dos alunos ganhou um novo sentido. Ao entrarem no mundo da fotografia, os alunos tiveram a oportunidade de relacionarem a realidade com os conteúdos leccionados, abrindo os seus horizontes para fora da sala de aula. Olham agora o mundo envolvente com um olhar fotográfico e concebem imagens mentais de uma riqueza substancial.

Bibliografia Andreoli,V. (2007). O Mundo Digital. Lisboa: Editorial Presença. Bottentuit Junior, J. B. & Coutinho, C. (2007). Virtual Laboratories and M-Learning: learning with mobile devices. Proceedings of International Milti-Conference on Society, Cybernetics and Informatics, 275-278. Castells, M., Fernández-Ardèvol, M., Linchuan Qiu, J. & Sey, A. (2007). Comunicación móvil y sociedad, una perspectiva global. Consultado em 20 de Novembro de 2009, em Biblioteca Virtual de Derecho, Economía e Ciencias Sociales: http://www.eumed.net/ libros/2007c/312/index.htm Ganito, C. (2007). Comunidade e Mobilidade. In Isabel Gil (dir.), Comunicação & Cultura, 3, 11-16. Haddon, L. (2002). Juventud y móviles: el caso britânico y otras cuestiones. In Elena Villar (dir.), Revista de Estudios de Juventud, 57, 115-124. Jacquinot-Delaunay, G. (2006). Imagem e Pedagogia. Mangualde: Edições Pedago. Moura, A. (2009). Geração Móvel: um ambiente de aprendizagem suportado por tecnologias móveis para a “geração polegar”. VI Conferência Internacional de TIC na Educação, 49-77. 110


B

rincar com a Ciência no Jardim de Infância: Experiências Concretas em Ambiente Virtual

Paula Carqueja

Doutoranda em Educação na Universidade Portucalense. Mestre em Educação Mulitmédia pela Faculadade de Ciencias da Universidade do Porto. Professora Bibliotecária na Escola Básica 2.3 Adriano Correia de Oliveira-Avintes, Ministério da Educação Formadora em Tecnologias da Informação e Comunicação(e PTE)

Resumo: Brincar com a Ciência no Jardim de Infância - Experiências Concretas em Ambiente Virtual. Neste artigo descrevemos o estudo realizado com crianças em ambiente de Jardim de Infância, tendo como objectivo principal verificar como aplicar a multimédia à ciência. Será este um novo meio para "despertar" a ciência no Jardim de Infância? Para isso criámos "laboratórios" didácticos diferentes: concreto e virtual. Apresentámos assim às crianças a ciência em situação de experimentação real e experimentação virtual, onde diferentes caminhos e diferentes meios foram utilizados para obter o resultado desejado. Abandonámos situações singulares no ensino das ciências, no Jardim de Infância, para brincarmos em situações diversificadas: concreto e virtual. Para isso efectuámos experiências concretas "mãos na massa" e experiências "virtuais" no computador. Concebemos um produto multimédia Brinca com a Ciência, que facilitasse a concretização das experiências virtuais. Ao brincarmos assim com a ciência, pudemos comparar o efeito das duas abordagens no ensino desta através de uma gama de actividades de aprendizagem activa, seleccionadas em livros especializados da área. Apresentamos os resultados, conclusões e recomendações oriundas deste estudo, bem como a fundamentação teórica e a descrição das actividades que se revelem com potencial para serem utilizados de um modo eficaz no ensino das ciências na educação pré-escolar. Palavras-chave: Criança, ciência, computador, multimédia 111


Ponto de Partida Os livros Ciência a Brincar (Providência, Alberto & Fiolhais, 2000; Providência, Costa & Fiolhais, 2001; Providência & Reis, 2001) foram o ponto de partida para o estudo. Seleccionámos as seguintes experiências:1)Afunda ou flutua? 2)Como bebem água as flores? 3)O que faz encher os balões? 4)Como se faz um vulcão? Ao mesmo tempo, fomos ao encontro das orientações curriculares tratando da ciência tal como a expressão plástica ou expressão musical. Aprendizagens implícitas nas experiências:Percepção realidade;Noções de matemática;Novos vocábulos; Outras.

da

Para além da experimentação "mãos na massa", concreta, utilizámos o computador como ferramenta educativa.

Objectivos e Actividades O processo educativo foi planeado de acordo com os objectivos da Educação Pré-escolar1 , desta forma privilegiamos a concepção de aprendizagens significativas e diversificadas (Ministério da Educação, 1997). Neste sentido, os objectivos primordiais do estudo foram: desenvolver a expressão e a comunicação através de linguagens múltiplas como meios de relação, de informação, de sensibilização estética e de compreensão do mundo e despertar a curiosidade e o pensamento crítico. Pretendemos incentivar e criar condições de práticas de ensino e aprendizagens inovadoras que contribuíssem especialmente, para o despertar da criança, para o conhecimento científico em ambiente préescolar. Para além da utilização de materiais necessários à concretização das experiências, utilizámos os meios tecnológicos, para desenvolver as capacidades das crianças através de outros meios que não os tradicionais, tendo em conta a educação individualizada e integralestimulante, variada, estruturante, adaptada, consistente, que introduza sistematicamente a novidade. Mas, tendo também presente a realidade física e social como elementos potenciadores do conhecimento e 1 Lei n.º 5/97 de 10 de Fevereiro (Lei Quadro da Educação Pré-Escolar) Diário da República - I Série A - N.º 34 - 10-2-1997

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valorização da auto-estima da criança. Actividades práticas

Materiais Utilizados

Objectivos

Procedimento

O que faz encher os Balões?

Balão/ Balões Pacote de fermento em pó para bolos ou bicarbonato de sódio. Garrafa pequena transparente de vidro ou de plástico. Água. Vinagre.

Através desta experiência a criança vai perceber que pode encher balões com a ajuda da química (quando se junta vinagre e fermento ou bicarbonato de sódio, liberta-se um gás). Como é possível uma aplicação útil deste fenómeno. A criança adquire novos vocábulos: química, vinagre, fermento/ bicarbonato de sódio, gás.

Deita um pouco de vinagre na garrafa Deita o pacote de fermento em pó dentro do balão com a ajuda de um papel enrolado em forma de funil. Enfia o balão na boca da garrafa e levanta o balão para que o pó possa cair dentro da garrafa. Observa o que se passa.

Como se faz um Vulcão?

Placa de madeira, lata pequena cilíndrica e barro. Pedras, paus, folhas secas e areia. Vinagre, corante vermelho e bicarbonato de sódio.

Através desta experiência a criança vai aprender como se forma e como sai a lava de dentro de um vulcão em erupção. Construir o modelo de um vulcão. A criança adquire novos vocábulos: cratera, lava, erupção, vulcão.

Coloca a lata virada para cima bem no centro da placa de madeira,o barro à volta da lata dando-lhe a forma de um vulcão: Largo na base ou seja em baixo e estreito em cima de acordo com a largura da lata. Tenta esconder a lata com o barro, deixando só a abertura destapada. Coloca os paus, folhas e pedras no barro. Deixa secar durante alguns dias. Atenção! Não o ponhas ao sol senão pode estalar.

Design de Investigação O plano da investigação que levamos a cabo no nosso estudo, foi realizado através de um design quasi-experimental (Cohen & Manion, 1992) com grupo de controlo não equivalente. O plano com os grupos de controlo não equivalentes compreende um grupo de controlo e um grupo experimental. Como os grupos não são equivalentes foram submetidos a um Pré-teste e um Pós-teste, com 113


base num critério estabelecido, de modo a avaliar-se ao que gostariam de brincar, com apresentação de cinco actividades seleccionadas por nós. As crianças não foram aleatoriamente atribuídas nos diferentes grupos, uma vez que se trata de grupos a frequentarem o Jardim de Infância, em ambiente pré-escolar, não sendo possível desfazer os grupos para proporcionarem uma amostra aleatória ou equivalente. Este facto levanta problemas relativos ao controlo de variáveis que podem constituir ameaças à validade interna e integra as já referidas características de design quasi-experimental. A intervenção educativa experimental, foi atribuída ao grupo do CEPI Centro de Protecção à Infância. O grupo foi constituído por 21 crianças. Foram "expostas" a uma estratégia nova, baseada no computador, centrada numa aplicação informática: "Brinca com a Ciência” construída para o estudo. A intervenção educativa no grupo de controlo, Colégio Júlio Dinis e Jardim de Infância de Vila Cova,foi constituído por 27 crianças. Foram utilizadas estratégias tradicionais, "mãos na massa", em ambiente préescolar no brincar à Ciência. Tendo como objectivo estudar e comparar os efeitos da utilização de uma estratégia inovadora no domínio do brincar-aprender da Ciência, relativamente a uma estratégia tradicional, foram feitas observações e, por outro lado, acumulámos informações sobre os grupos para contextualizarmos melhor o seu comportamento e também para adquirirmos saber, através da comparação das formas de brincar à Ciência.Para o registo das observações, elaborámos grelhas de observação e questionários/fichas de registo. Para a realização do Préteste e Pós-teste, tivemos a preocupação de ilustrar as perguntas com imagens significativas para evitar que a criança não desse uma resposta clara, por não ter percebido a pergunta formulada. Como estratégia de recolha de dados, sendo designada por alguns autores como "triangulação metodológica (Manion & Cohen, 1992), permitindo-nos combinar os métodos de recolha de informação qualitativa e quantitativa de maneira a obter uma perspectiva explicativa e compreensiva de alguns efeitos na intervenção educativa, nomeadamente combinamos uma abordagem quasi-experimental com grupo de controlo não equivalente com uma abordagem qualitativa com recurso a observação directa e outras técnicas de natureza 114


qualitativa. O público-alvo do nosso estudo foi constituído por três grupos de crianças (48) com idades compreendidas entre os cinco e os seis anos a frequentarem três Jardins de Infância com realidades diferentes e distintas. Quanto ao género, a amostra foi constituída por 25 raparigas 23 rapazes. Uma amostra de conveniência, com o grupo de controlo a ser constituído – Colégio Júlio Dinis (Porto) e Jardim de Infância de Vila Cova (Gondomar). Grupo Experimental – CEPI Aurélia de Sousa (Porto). Nenhuma das crianças tinha sido submetida a qualquer instrução formal sobre ciência, nomeadamente na base da experimentação, manipulando os objectos e verificando o resultado. Todas as crianças tinham práticas educativas diferentes, Educadores de Infância diferentes e meios sociais. Esta diferença é notória no grupo de Vila Cova, um grupo diferente, pouco comunicativo, com um modelo de prática educativa dirigida. Todas as crianças frequentavam o Jardim de Infância desde os 3 anos.

Descrição do Estudo O estudo centra-se na análise do discurso e da prática pedagógica com as crianças envolvidas num projecto de ensino das Ciências através de experiências no Jardim de Infância. Com esta análise pretendemos identificar as representações das crianças quanto às formas que o trabalho experimental pode tomar, analisar a teoria de instrução privilegiada pelo Educador e caracterizar sociologicamente a prática pedagógica nos aspectos relacionados com as actividades experimentais, ao nível das práticas pedagógicas concretas e virtuais. Pretendemos também investigar o ajustamento/desajustamento entre as teorias e as práticas implementadas. Seguiu-se uma metodologia qualitativa e quantitativa recorrendo, como técnicas de recolha de dados, a entrevistas (através de questionários) e à observação participante do registo do trabalho experimental.

Acompanhamento científico Acompanhamento foi da competência do Departamento de Física da Universidade de Coimbra e do Departamento de Química da Faculdade de Ciências do Porto. 115


Equipamentos Kits, preparados por nós, segundo as orientações dos Docentes de acompanhamento científico/pedagógico, com materiais necessários à execução das experiências a realizar.

Elaboração das actividades A sequência didáctica foi planificada de acordo com uma estratégia mais simplificada inicialmente,aumentando gradualmente o seu grau de dificuldade e complexidade há medida que as crianças iam adquirindo maior conhecimento na compreensão dos fenómenos e nas competências relativas aos métodos de trabalho (capacidade de observar, de questionar e pôr à prova as suas ideias aprendendo a errar, a discutir, analisando e comunicando os seus pensamentos e as suas descobertas com os colegas da turma).

Instrumentos de recolha de dados para análise Os instrumentos de recolha e registo de dados foram : 1. Pré-teste - Actividade que prefere antes das experiências ciência; 2. Pré-teste - Actividade que prefere antes das experiências Aplicação do Brinca Com a Ciência - CD-ROM; 3. Pós-teste - Actividade que prefere depois das experiências ciência; 4. Pós-teste - Actividade que prefere depois das experiências Aplicação do Brinca Com a Ciência - CD-ROM; 5. Experiência (1) - AFUNDA OU FLUTUA? 6. Experiência(2) - COMO AS FLORES BEBEM ÁGUA? 7. Experiência (3) - O QUE FAZ ENCHER OS BALÕES? 8. Experiência (4) - COMO SE FAZ UM VULCÃO? 116


O tratamento dos questionários foi efectuado de acordo com o tipo de resposta (aberta ou fechada) tendo obrigatoriamente tratamentos estatísticos diferentes. Apesar disso, tivemos necessidade de tratar perguntas abertas, como respostas fechadas, em virtude de se ter verificado que após análise das mesmas, as crianças respondiam só sim ou não.

Conclusão Neste estudo, reconhecemos a importância da utilização de suportes multimédia no Jardim de Infância. Com os sistemas multimédia, a variedade de estratégias é enorme, o que permite motivar mais facilmente a criança. Pretendemos que este estudo seja ponto de partida para uma reflexão acerca das actividades a realizar na área da Ciência como uma prática educativa no Jardim de Infância. Tentarmos confirmar/infirmar se vale a pena BRINCAR COM A CIÊNCIA! Concluímos que se justifica a inclusão da informática, computadores, na sala do Jardim de Infância na educação pré-escolar. Uma das vantagens, é o facto de a criança perceber o computador como um agente inovador o que pode servir de estímulo a algumas crianças. Por outro lado, a criança fica limitada às actividades apresentadas o que pode ser prejudicial, provocando um desinteresse pelo tema. Contudo, a utilização do computador torna a actividade mais rápida, mais “limpa”, a criança cria outra forma de brincar, contribuindo com uma nova metodologia nas actividades lúdicas apresentadas às crianças. Com o presente estudo concluímos concretamente: • As crianças gostaram muito das actividades com a ciência, tanto na forma de "mãos na massa", como com actividades virtuais. Verificámos em duas experiências concretas que as crianças tinham adquirido noções prévias a partir do CDROM, que souberam aplicar em actividades "mãos na massa". No entanto, também observámos que o método virtual leva à memorização e é demasiado abstracto o que implica uma utilização doseada; • As Educadoras não se mostraram entusiasmadas com as 117


actividades "mãos na massa" (possivelmente por falta de formação) e, em particular, da confusão geral na sala de aula. Pelo contrário as actividades virtuais foram apreciadas e poderão ser uma ajuda na introdução de temas da Ciência; • Destes últimos dois pontos sugerimos que a introdução de temas de ciência utilizando aplicações multimédia poderá ajudar os Educadores, a introduzir o ensino da ciência préescolar, transpondo a barreira existente devido à sua formação essencialmente em humanidades; • Confirmámos que a ciência no pré-escolar é importante porque a criança aprende a observar, pôr hipóteses, testar, tirar conclusões; • Foi claro, em certas situações, que a criança conhecimentos prévios da sua vivência pessoal;

tem

• O Pré/Pós-teste aplicado mostrou um interesse acrescido pelas ciências após as actividades desenvolvidas. Este interesse foi maior após a utilização do CD-ROM. Brincámos com a ciência nos dois contextos, com experiências concretas e experiências virtuais. Verificámos que no contexto das experiências concretas as crianças brincam com a ciência, "mãos na massa", experimentam, manipulam, observam, cheiram e "sentem" os fenómenos - são sujeitos de todo processo. No contexto das experiências virtuais, as crianças nas diversas actividades brincam com a ciência através da imagem. A ciência e as TIC ou vice-versa complementam-se. A Ciência não é somente uma fonte de conhecimentos e uma escola de pensamentos, mas também uma escola de expressão e de comportamento, que contribui para o respeito e tolerância do outro. O projecto de ensino através do lúdico, das ciências e da tecnologia, dirigido pelos Educadores é um empreendimento realista.

Referências Bibliográficas COHEN, Louis & MANION, Lawrence (1992). A guide to teaching practice. London: Routledge. 118


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: DEB PROVIDÊNCIA, Constança; ALBERTO, Helena & FIOLHAIS, Carlos (2000). Ciência a Brincar. Lisboa: Bizâncio. PROVIDÊNCIA, Constança; COSTA, Benilde & FIOLHAIS, Carlos (2001). Brincar com água, brincar com ciência. Lisboa: Bizâncio. PROVIDÊNCIA, Constança & REIS, Schreck Isabel (2001). Ciência a Brincar 2. Lisboa: Bizâncio.

119


S

cratch na aprendizagem da Matemática no 1.º Ciclo do Ensino Básico: estudo de caso na resolução de problemas

António Sorte Pinto

Mestre em Estudos da Criança: Especialização em Tecnologias de Informação e Comunicação, pela Universidade do Minho, Professor na E.B 2,3 de Penafiel n.º 3 e no Instituto Superior de Ciências Educativas de Felgueiras, formador no Centro de Formação de Paredes, Penafiel e Paços de Ferreira.

Resumo Actualmente, todos os alunos do 1.º Ciclo do Ensino Básico (1.º CEB) têm à sua disposição, um computador portátil, designado “Magalhães”. Tendo-se verificado que a integração do computador no currículo escolar não tem sido pacífica e que a área da Matemática é uma componente do currículo escolar onde existe muito insucesso e desmotivação, ajuizou-se pertinente efectuar um estudo centrado nesta área tendo como recursos o computador e o Scratch. Esta investigação assumiu a forma de estudo de caso e alicerçou-se numa perspectiva de ensino-aprendizagem construtivista, onde o computador é entendido como um meio para aprender ao invés de uma mera máquina para ensinar. Deste modo, estudou-se como o Scratch poderia contribuir para que alunos do 4.º ano do 1.º CEB aprendessem Matemática, particularmente desenvolvessem: a capacidade de resolução de problemas, o cálculo mental e a capacidade de comunicar matematicamente. Pela necessidade da limitação do campo de estudo enfatizou-se a capacidade de resolução de problemas e o cálculo mental. Para a consecução do estudo foi feita uma intervenção dividida em dois momentos. Inicialmente, os alunos foram incentivados a resolver três problemas, recorrendo apenas ao cálculo mental. Posteriormente, foram propostos os mesmos problemas, sendo a sua resolução auxiliada pelo Scratch. Da análise dos resultados da intervenção, há evidência de um maior empenho dos alunos quando resolvem problemas com o auxílio 120


do Scratch. Afigura-se, deste modo, que o Scratch se constituiu como recurso adequado à resolução de problemas, permitiu que os alunos tentassem procedimentos alternativos quando sentiam dificuldades. Este estudo defende que o Scratch tem potencial pedagógico e que poderá aumentar o interesse e a qualidade das aprendizagens efectuadas na área da Matemática. Recentemente, em Portugal foi feito um investimento, através do Plano Tecnológico da Educação, nas TIC. Neste âmbito, foi distribuído um computador portátil, denominado computador Magalhães, a todos os alunos do 1.º CEB. Ainda neste contexto, tem sido proporcionada formação básica em TIC para os professores. Porém, ainda há um longo percurso para se conseguir que as TIC sejam abordadas de uma forma transversal nos currículos e se eliminem algumas resistências. É necessária uma verdadeira revolução nas práticas pedagógicas para se ultrapassarem resistências, sob pena de se esconderem práticas pedagógicas obsoletas sob a capa da modernidade e da tecnologia (Gutiérrez, 2008). O computador, por si só, não reflecte mudanças do ponto de vista cognitivo ou afectivo. Neste prisma, “a tecnologia não substitui um grande mestre orientador numa sala de aula” (Valente & Osório, 2007, p. 30). Neste trabalho, dado as TIC integrarem um campo tão vasto, surgiu a necessidade de delimitarmos o nosso olhar, assim, o âmbito do estudo foi limitado ao computador Magalhães e à utilização de uma linguagem de programação orientada a objectos, denominada Scratch, que teve origem no Massachusetts Institute of Technology. O enfoque deste estudo foi a resolução de problemas, particularmente o cálculo mental, neste ambicionou-se: i) percepcionar os processos que os alunos usam na resolução de problemas de cálculo mental; ii) analisar eventuais contribuições do Scratch na formulação de problemas pelos alunos; iii) verificar se o Scratch pode fazer ultrapassar obstáculos que surjam na resolução. Uma vez que o cálculo mental está associado a cálculo usando apenas a cabeça, importa clarificar em que medida se pretendeu relacionar o Scratch com o cálculo mental. O uso desta linguagem de programação 121


não pretendeu substituir os processos mentais usados no cálculo mental. A utilização desta tecnologia teve como objectivo perceber quais os processos usados na resolução do problema e verificar se esta tecnologia poderia ajudar a superar os obstáculos ao cálculo. O suporte teórico nuclear usado, no âmbito da resolução de problemas, foi o modelo de Pólya (2003), segundo este autor o processo de resolução de um problema inclui quatro fases: 1. Compreensão do problema – nesta fase tenta-se extrair a informação necessária para entender o problema tentando delimitar com precisão a incógnita. É necessário identificar os dados (o que se conhece); o objectivo (o que é desconhecido) e as condições apresentadas. 2. Elaboração de um plano – nesta fase tenta-se arranjar estratégias com o intuito de conseguir chegar à solução, é uma fase de extrema importância. 3. Execução do plano – aqui vai-se proceder à operacionalização do plano elaborado no passo anterior, examinando-o detalhadamente até conseguir chegar à solução. Se não se conseguir, volta-se novamente à fase de planificação. Verificação dos resultados – aqui é feita uma análise crítica do trabalho desenvolvido, verificando o resultado final em função do ponto de partida e dos procedimentos necessários para chegar à solução.

Metodologia A metodologia utilizada nesta investigação foi o Estudo de Caso, este é um método “especialmente indicado para investigadores isolados” (Bell, 1997, p. 22), os dados, apesar de difíceis de organizar devido à sua complexidade, são significativos do ponto de vista real (Bassey, 1999). Alicerçando-nos nestes princípios, fez-se um estudo com os alunos de uma turma do 4.º ano. Estes usaram a tecnologia Scratch, recorrendo ao computador “Magalhães”. O estudo dividiu-se em dois momentos distintos. Num primeiro momento, os alunos realizaram três problemas de capacidades, recorrendo apenas ao cálculo mental. Efectuaramse os registos deste momento para posterior análise. Num segundo momento os alunos foram incentivados a resolver os mesmos 122


problemas, recorrendo ao computador Magalhães e ao Scratch. Este trabalho desenvolveu-se numa turma do 1.º ciclo do 4.º ano de escolaridade, com 25 alunos, 15 rapazes e 10 raparigas, na escola de Ribaçais, Vila de Abragão, concelho de Penafiel, distrito do Porto. A escolha destes intervenientes foi baseada em critérios de conveniência, dada a facilidade em realizar a componente prática da investigação, uma vez que o investigador era também professor da turma. Os dados foram colhidos através da observação participante; da elaboração de um diário de bordo, de registos áudio e da análise dos trabalhos dos alunos realizados com recurso ao Scratch.

Resultados Da análise da primeira intervenção em que os alunos foram incitados a resolver três problemas recorrendo apenas ao cálculo mental, enumeram-se alguns obstáculos: na fase de confirmação, desde a explicitação dos procedimentos usados até chegarem à solução final; nas partes intermédias de cálculo, por vezes, os alunos estavam no caminho certo, mas acabavam por se confundir ou se perder nos cálculos, dado que havia uma exigência, a nível da memorização, bastante elevada. Em alguns grupos os alunos sentiam a necessidade de colocar os outros membros do grupo a ajudar, contando pelos dedos, para que não se perdessem. Um destes exemplos ocorre nas adições sucessivas. Alguns destes constrangimentos podem ter contribuído para que os alunos abandonassem a resolução. Apesar de esta fase ser designada de “resolução de problemas sem recursos” verificou-se que a discussão dos procedimentos levantada pelo investigador contribuiu para que os alunos reformulassem cálculos e em algumas situações alcançassem a solução. Isto pode significar que sem estas intervenções os alunos, maioritariamente, não validariam os resultados. Isto poderia conduzir a um maior insucesso na resolução dos problemas. Depois de identificados estes obstáculos, recorremos ao Scratch para ver se este contribuía para debelar estas barreiras. Da intervenção com recurso ao Scratch e ao computador Magalhães conclui-se que o uso do Scratch na resolução de problemas permite 123


fazer uma representação do problema. Esta representação parece fundamental no processo de compreensão. Na fase de resolução dos problemas, sem recurso ao Scratch, observa-se que alguns grupos de alunos estão no caminho certo para descobrir a solução, mas, ou porque perdem o fio condutor do raciocínio, ou porque se perdem, mentalmente, na realização das operações, não conseguem chegar, facilmente, ao resultado final. Estas dificuldades fazem com que alguns alunos abandonem a resolução do problema. Verifica-se que a memorização dos vários passos intermédios de cálculo é um obstáculo que contribui para que alguns alunos desistam da resolução do problema. Para ajudar a ultrapassar alguns obstáculos ao cálculo, na resolução de problemas de capacidades, poderá o Scratch constituirse como um recurso adequado? Da análise dos resultados obtidos, parece que sim. Recorrendo ao Scratch é possível representar os vários passos e olhar para trás, analisando as várias fases. Desta forma, podese validar os cálculos ou alterá-los, caso se descubra onde reside o erro. Obtendo, assim, um raciocínio coerente. Tal como afirma Fosnot (1999), o acto de representar parece ser benéfico ao pensamento, ao criar tensão entre este e a representação. A representação que o Scratch proporciona, de acordo com as heurísticas de Pólya (2003), auxilia na fase de compreensão do problema. Os alunos representam o problema segundo as suas vivências, apropriando-se dele de um modo mais significativo. O Scratch permite desenhar cenários, personagens, de modo a que estes representem fielmente o enunciado do problema. Ao representar a situação, segundo as suas vivências, cada aluno pode apropriarse mais facilmente do que pretende descobrir. Deste modo, pode permitir uma correcta identificação dos dados (o que é conhecido) e do objectivo (o que se desconhece), enquadrando a situação perante as condições fornecidas. No que respeita ao estabelecimento de um plano, recorrendo ao Scratch, é também necessário pensar numa estratégia que permita chegar à solução. Nesta fase, as diferenças evidenciadas relativamente à resolução recorrendo ao Scratch e na resolução sem recursos, parecem não ser significativas. Na resolução do problema sem recursos é possível verificar, através dos registos áudio, que existiu um plano consciente ou inconscientemente elaborado, embora no Scratch o plano seja mais explanado. A terceira fase, a execução do plano, tanto na resolução sem recursos, como com recurso ao Scratch, acaba por estar enredada na segunda, elaboração 124


do plano. Porém, na resolução do problema sem recursos verificase que os alunos por vezes identificam a estratégia adequada, mas, depois, quando passam à fase de operacionalização perdem-se e/ou confundem-se. Na resolução de um problema que aludia a compras, os alunos de um grupo, quando estavam a adicionar sucessivamente 45 cêntimos, num dado momento, uma aluna afirma “ (A) noventa mais 45 dá…. cento e trinta e cinco… quantas vezes já contei? Já me estou a atrapalhar toda! (risos) …” O recurso ao Scratch, na resolução do mesmo problema, permitiu ultrapassar essa dificuldade, ao ter a representação dos passos intermédios acessível, permitindo olhar para o passo anterior e retomar a resolução. A representação favorece a etapa de avaliação. Uma vez que permite uma mais fácil verificação dos resultados. Proporciona aos alunos a possibilidade de olharem para trás e verificarem os procedimentos adoptados. Isto, permite detectar os erros e corrigi-los, potenciando capacidades avaliativas dos cálculos efectuados, uma vez que os dados desde o começo da resolução até ao final, estão permanentemente acessíveis.

Conclusão e Discussão É frequente na resolução de situações problemáticas, os alunos procurarem a operação para resolver o problema, sem atender à compreensão do mesmo. Uma das grandes dificuldades dos alunos reside na compreensão. O Scratch, ao permitir representar um cenário próximo do real, pode contribuir para o aumento da compreensão dos dados do problema. Na realidade, a matemática exige uma linguagem formal, rigorosa e abstracta, dominada por regras complexas e precisas. Porém, esta ideia pode ser minorada se o ensino da matemática estiver contextualizado, de modo a que haja compreensão do seu significado e se crie nos alunos a ideia de que em matemática, para resolver um problema, não basta saber seguir um procedimento adequado, é necessário compreender. Em suma considera-se que o Scratch permite desenvolver a capacidade de resolução de problemas. Nesta investigação foram estudados os problemas de cálculo mental. Dos seus resultados, ressaltam as ideias centrais que consideram que o Scratch: ajuda a ultrapassar os obstáculos ao cálculo, contribuindo desta forma para o desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas. Deste modo, acredita-se que este software é uma proposta pedagogicamente válida, que pode ser 125


trazida para sala de aula do 1.º CEB, com recurso ao computador Magalhães, para ajudar os alunos a aprender matemática de um modo significativo.

Referências Bibliográficas Bassey, M. (1999). Case study research in educational settings. Buckingham: Open University Press. Bell, J. (1997). Como realizar um projecto de investigação. Lisboa: Gradiva.Fosnot, C. (1999). Constructivismo e Educação. Teoria Perspectivas e práticas. Lisboa: Instituto Piaget. Gutiérrez, A. (2008): “La Educación para los Medios como Alfabetización Digital 2.0 En La Sociedad Red. In Revista Comunicação e Sociedade, nº 13. Pólya, G. (2003). Como resolver problemas. Lisboa: Gradiva Valente, L. & Osório, A. (2007). Recursos on-line facilitadores da integração das TIC na aprendizagem das crianças. In Osório, A, J. e Puga, M.P.V. As Tecnologias de Informação e Comunicação na escola. Braga: Universidade do Minho.Vol. 02, pp.25-30.

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ontribuição dos tradutores online para o desenvolvimento de competências linguísticas e cognitivas. Sílvia Viana

Mestre em Estudos da Criança – TIC Professora do Quadro de Agrupamento de Escolas Lousada Este

Este artigo apresenta um estudo de caso realizado no âmbito da minha tese de mestrado, no decorrer do ano lectivo 2008/09. Uma vez que os alunos têm tendência a “consumir” na Web o que primeiro lhes aparece, sem espírito crítico, o principal objectivo desta investigação foi estudar a evolução de um conjunto de alunos desde o início até ao final do ano escolar, em termos de pensamento reflexivo, operacionalizado no uso crítico do tradutor online. Assim, este trabalho pretendeu desenvolver as competências necessárias à elaboração de trabalhos escolares de qualidade através do tratamento de informação, da tradução, com apoio de tradutores online, e do sentido crítico de correcção e adequação. Este estudo surgiu da necessidade urgente de trabalhar o pensamento reflexivo e crítico dos nossos alunos que vivem actualmente numa sociedade onde tudo se compra e/ou aparece feito. Esta temática do uso crítico do tradutor online pelos alunos nas escolas está (segundo as minhas pesquisas) pouco aprofundada/ investigada. Muito se fala de tradução, mas muito pouco da tradução nas escolas e como auxiliar no ensino das línguas estrangeiras bem como do seu contributo na produção de trabalhos escolares de qualidade. O fácil acesso à informação online facilita o tipo de procedimento “copiar/ colar”. É necessário fazer com que os alunos saibam pesquisar, seleccionar e trabalhar a informação que obtêm na Web. No caso dos tradutores online, é fundamental termos em conta que são apenas uma ajuda e que não são, por si só, eficazes. Mas os nossos alunos não o sabem! Por isso se torna necessário ensinar os alunos a utilizá-los de modo a que sejam, de facto, uma ferramenta vantajosa e o mais eficaz possível, articulando esse trabalho com o desenvolvimento 127


de capacidades de pesquisa e tratamento da informação na Web. Na génese deste trabalho está pois, por um lado, o contacto diário com esta realidade (enquanto professora) e, por outro, a expectativa de ser possível melhorar o uso que os nossos alunos fazem das tecnologias digitais com que trabalham no seu dia-a-dia. Este estudo centrou-se na tradução de Inglês para Português. Foi escolhida a Língua Inglesa porque é aquela que é ministrada no nosso sistema de ensino obrigatoriamente a partir do 2ºCiclo e, em muitas escolas, desde o 1ºCiclo. É também a Língua considerada universal e, em termos de pesquisas online, é em Inglês que nos aparece grande parte da informação. Hoje em dia sente-se uma maior necessidade de aprender línguas estrangeiras bem como da tradução e isso deve-se a variados factores, desde o número crescente dos canais de televisão, a fenómenos como a globalização, o desenvolvimento tecnológico e até a própria mobilidade dos cidadãos. Este é um dos aspectos da fundamentação teórica, sendo eles: Problemática da tradução automática; Uso de tradutores em contexto de ensino; Crianças, tecnologias, pensamento crítico, ensino das línguas estrangeiras e o papel do professor. Mas, visto este tratar-se de um pequeno artigo, não irei aprofundar a fundamentação teórica nem a metodologia (tendo isso sido feito na tese), passando assim de seguida a descrever o mais brevemente possível, o projecto de intervenção em si. Tratou-se de um grupo de 13 alunos do 8ºAno de escolaridade que trabalharam em laboratório de línguas (em funcionamento numa sala de TIC na escola), semanalmente (45m), durante um ano lectivo. Inicialmente foi feita uma breve apresentação e explicação ao grupo de alunos sobre esta temática, ou seja, a “ginástica mental” que é traduzir. Foi-lhes explicado que uma boa tradução deve ter em conta o contexto, as diferenças culturais, a estrutura e as regras gramaticais, o estilo, os potenciais sentidos múltiplos da palavra, os sinónimos e os jogos de palavras. Foi para mim prioritário explicar aos alunos que os tradutores online devem ser vistos como um instrumento de trabalho à nossa disposição (tradutores humanos) mas não nos substituem. É sempre necessária uma abordagem crítica do resultado final de uma tradução automática e “a mão humana”. 128


Após esta introdução explicativa prosseguiu-se com o trabalho propriamente dito. Escolhi três textos em Inglês para serem utilizados ao longo das sessões. Destes já havia uma tradução correcta para Português, feita por tradutores profissionais, de forma a ser possível fazer um estudo comparativo final. Escolhi como primeiro texto um texto técnico e pequeno, as instruções de funcionamento de uma máquina de café. O segundo era um texto literário, um excerto da obra “The Pearl” de John Steinbeck que considerei de tamanho médio. O terceiro, um excerto da obra “The Blackboard jungle” de Evan Hunter, era bastante descritivo, bem maior do que os anteriores e mais complexo em termos de vocabulário. Desses textos em Inglês, o primeiro foi fornecido aos alunos no início do estudo, o segundo a meio do estudo e o terceiro no final do mesmo. Tivemos, portanto, três fases de estudo. Pedi aos alunos que traduzissem os textos para Português com a ajuda dos tradutores online escolhidos por eles e que fizessem uma análise da tradução obtida com a ajuda, se necessário, de outras ferramentas tais como dicionários, gramáticas, etc., antes de darem por terminada a tarefa e o entregarem. Em cada uma das fases foi feita uma análise com os alunos, em mesa redonda, dos vários produtos obtidos por eles. Verificou-se o que foi “perdido” ou “acrescentado” ou simplesmente “mal traduzido” pelos tradutores online e não detectado pelos alunos. Foi feito um estudo comparativo com os textos obtidos e o texto “bem traduzido” que lhes foi apresentado só no final. Foram detectadas as “falhas” e foi incentivado o espírito crítico dos alunos. Estes fizeram sempre reflexões escritas no final de cada tradução. No final dos três textos surgiu a ideia de voltar a dar aos alunos o primeiro texto, pedir-lhes um trabalho semelhante e verificar se tinha havido alguma evolução relativamente à primeira tradução, o que se revelou pertinente porque os alunos nunca tinham levado consigo os textos nem os trabalhos realizados. Forneci novamente o primeiro texto, que era o mais simples e curto, e expliquei-lhes o que pretendia. Pedi ainda que, no final, avaliassem o grau de dificuldade da tradução comparativamente à primeira vez que o tinham traduzido. 129


Ao longo das sessões fui-lhes fornecendo também alguns conteúdos relacionados com a problemática da tradução bem como trabalhos anónimos apresentados por alunos, em contexto de sala de aula, muito mal traduzidos, como forma de sensibilização.

Resultados: Após a tradução do 1ºtexto verificou-se que a maior parte dos alunos fez “copiar” e “colar” directamente do que lhes foi fornecido pelo tradutor automático para o designado “trabalho final”; Não fizeram correcções ao texto em termos de Língua Portuguesa (construção frásica; concordância em número e género,…); O vocabulário desconhecido pelo tradutor, e portanto não traduzido, manteve-se em Inglês e os alunos não identificaram esses vocábulos nem os alteraram (porque nem sequer uma leitura atenta fizeram). Medidas implementadas: Análise de uma tradução correcta do texto (feita por um profissional) e comparação com a tradução dos alunos; Chamada de atenção para a necessidade de se avaliar o resultado fornecido pelo tradutor e aperfeiçoar, recorrendo a dicionários, gramáticas e prontuários. Após a tradução do 2ºtexto verificou-se que os alunos pediram mais sessões para a execução desta segunda tradução; Fizeram algumas correcções ao texto em termos de Língua Portuguesa; Identificaram o vocabulário desconhecido pelo tradutor automático e recorreram a dicionários para corrigir; Leram várias vezes o trabalho antes de o entregarem Após a tradução do 3ºTexto verificou-se que os alunos necessitaram de mais tempo para a execução desta terceira tradução; Fizeram correcções ao texto em termos de Língua Portuguesa; Dividiram o texto em segmentos/frases. (intuitivamente); Utilizaram dicionários, gramáticas e nem tudo foi traduzido “à letra”, recorrendo para isso a sinónimos que melhor se adequassem ao contexto; Leram várias vezes o trabalho antes de o entregarem. Após a tradução do 1ºTexto (novamente) verificou-se que os alunos não necessitaram das minhas intervenções/ ajuda e que se sentiram confiantes, tendo já “em mente” a metodologia usada, por isso obtiveram uma melhor tradução, quando comparada com a primeira. 130


Conclusões: Os alunos aprenderam a fazer pesquisa e a usar com espírito crítico o tradutor online recorrendo não só aos tradutores mas também a dicionários, gramáticas, prontuários e enciclopédias; descobriram que os tradutores online não são eficazes: desconhecem muitas palavras e traduzem mal muitas outras (pois desconhecem o contexto em que se inserem bem como os binómios e as expressões idiomáticas); deram-se conta que podem ser “Falantes Ingénuos” (Fillmore, 1979) quer como aprendizes de uma língua estrangeira quer como falantes da própria língua materna; aprenderam que há palavras que, quando “acompanhadas por outras” adquirem novos significados (expressões idiomáticas); enriqueceram o vocabulário; aprenderam que é mais fácil dividir o texto que se pretende traduzir em frases/segmentos (unidades de tradução); assumiram uma postura crítica perante o texto fornecido pelo tradutor (a que já não lhe chamavam “produto final”) e não davam o trabalho por concluído sem, eles próprios, analisarem construtivamente e fazerem as devidas correcções/ alterações. Em suma, e com base nas reflexões feitas quer pelos alunos intervenientes como pelos professores envolvidos, todos afirmaram que foi uma experiência enriquecedora e que as suas habilidades recém-adquiridas de pesquisa, análise crítica e pensamento reflexivo no uso dos tradutores online bem como a sua contribuição para o desenvolvimento de competências linguísticas e cognitivas lhes vai ser útil ao longo do seu percurso escolar.

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iscos e Rabiscos: para promover a criatividade, a leitura e a escrita

Vera Magalhães

Mestre em Estudos da Criança – área de especialização em Tecnologias de Informação e Comunicação. Licenciatura em Ensino de Português

As tecnologias de informação e comunicação estão cada vez mais presentes tanto no dia-a-dia como em contexto educativo: existem inúmeros programas com potencialidades educativas, a Internet oferece-nos várias ferramentas, as salas de aula começam a apresentar diversos equipamentos tecnológicos como quadros interactivos, computadores, projectores multimédia… A sociedade, cada vez mais tecnológica, conduz a mudanças educativas, pois exige aos alunos novas competências. Como refere o documento Estratégias para a acção – As TIC na educação (2001): “[u]ma sociedade em constante mudança coloca um permanente desafio ao sistema educativo. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) são um dos factores mais salientes dessa mudança acelerada, a que este sistema educativo tem de ser capaz de responder rapidamente, antecipar e mesmo promover” (p. 4). Além disso, também o corpo estudantil se alterou - muitos dos nossos alunos demonstram uma enorme apetência pelas tecnologias: comunicam diariamente utilizando ferramentas de comunicação síncrona (como o Messenger) e assíncrona (fóruns), integram redes sociais (Facebook, Hi5), assistem a vídeos dos seus programas preferidos (YouTube), partilham jogos online, recorrem a programas informáticos para realizar e apresentar os seus trabalhos (Word, PowerPoint, MovieMaker), utilizam diversas funções do seu telemóvel (chamadas, mensagens, leitor de mp3 e mp4, gravador de som e vídeo, câmara fotográfica, Internet, jogos, alarmes, cronómetro)… Tapscott (2007) chamou-lhes Geração Net ou Net-G: “The New Generation is exceptionally curious, self-reliant, contrarian, smart, focused, able to adapt, high in self-esteem, and has a global orientation. Not only are they, demographically speaking, the greatest challenge to the cultural supremacy of the baby boomers, but technologically speaking, there has been a change in the way children gather, accept and retain information” (p. 2).

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Estas mudanças na forma como os nossos alunos interagem com o meio, poderão conduzir a novas formas de percepcionar a realidade e, consequentemente, de aprender. A integração de recursos digitais em contextos educativos poderá ser uma forma de motivar os alunos e aproximar a Escola da sociedade, que exige, cada vez mais, aos seus cidadãos o domínio de ferramentas tecnológicas. Contudo, não é suficiente utilizar as ferramentas tecnológicas reproduzindo as metodologias utilizadas anteriormente. É necessário repensar a Educação, ponderando, com parcimónia, a aplicação das tecnologias, criando actividades específicas e não optando pela simples reprodução destas num outro meio, analisando sempre que competências serão desenvolvidas e comparando as vantagens e desvantagens entre as várias ferramentas ao dispor dos docentes. O carácter motivador das tecnologias e as suas potencialidades podem promover a inovação em contexto educativo. Tendo em consideração estes factos, em Janeiro de 2007,no âmbito no Mestrado em Estudos da Criança – especialização em Tecnologias de Informação e Comunicação, foi criado o sítio Riscos e Rabiscos (www. riscoserabiscos.pt) que visa promover a leitura e a escrita criativa. O projecto agrega actividades que promovem a escrita, o recurso à criatividade e que incentivam a leitura. Quando este sítio foi criado, existiam já, noutros países europeus, projectos dedicados à promoção da escrita criativa para crianças. Contudo, em Portugal tal não acontecia. Os projectos existentes visavam um público mais velho, geralmente adultos, que pretendiam melhorar as suas competências nesta área. Deste modo, e para compensar esta lacuna, inicialmente, o sítio destinava-se a alunos do ensino básico e secundário; mais tarde, e tendo em consideração a necessidade da aprendizagem contínua e o interesse de alguns adultos em participarem neste projecto, este foi alargado a todas as faixas etárias.

Figura 1- Ícones “Riscos e Rabiscos” - Lápis, Caneta e Aparo

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No entanto, as actividades sugeridas não se encontram divididas em faixas etárias, mas em níveis de dificuldade designados Lápis, Caneta e Aparo, sendo o primeiro o mais fácil e o último o mais difícil. Esta divisão foi criada tendo em consideração o conceito de “zona de desenvolvimento próximo” de Vigotsky (2000) que, segundo este autor, é “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” (p. 112), o que permite que os utilizadores realizem progressivamente exercícios com um maior grau de dificuldade sem estarem limitados por factores etários, podendo socorrer-se da ajuda de um par ou de um adulto. Deste modo, o utilizador realiza as actividades que considera adequadas ao seu grau de desenvolvimento e conhecimentos. Existem também sugestões de actividades para crianças muito pequenas, que, no entanto, necessitam do auxílio de um adulto para utilizar o sítio, pois ainda não existe acompanhamento auditivo. Actividades que utilizam a imagem como ponto de partida para a criação de histórias como as Cartas Mágicas, ou palavras como a Roda de Histórias, que sugerem a criação de fantoches ou de um teatro de sombras são passíveis de serem utilizadas por pré-leitores. As actividades apresentadas, relacionadas maioritariamente com a escrita criativa, procuram que os utilizadores desenvolvam autonomamente as suas competências de leitura e escrita. Para tal, pretende-se que estes realizem algumas actividades, troquem ideias com outros utilizadores sobre os textos apresentados (procurando melhorá-los, sugerindo temas, relacionando com outras obras conhecidas), consultem sítios que explicitem alguns dos conceitos abordados, pesquisem sobre os autores referidos, sugiram obras, sítios… Algumas das actividades apresentadas procuram também promover a interdisciplinaridade, procurando abranger várias áreas do conhecimento de modo a motivar os alunos e envolvê-los na construção do conhecimento. Este envolvimento do utilizador e a relevância do produto para si contribui, segundo Papert (1997), para uma aprendizagem melhor sucedida: “basear o desempenho intelectual 134


em algo pessoalmente significativo é sempre vantajoso, mesmo para os adultos, e que uma das grandes vantagens de se trabalhar com computadores reside nas possibilidades existentes de se fazer exactamente isso” (p. 150). Após o contacto com as actividades é solicitado aos utilizadores que enviem os seus trabalhos: textos, grafismos, vídeos, sons, o que contribui para um aumento do interesse na realização da actividade, uma vez que poderão partilhar os seus produtos com outros. Após aprovação da Administradora, os trabalhos são publicados numa secção denominada Os nossos trabalhos. Todas as actividades e trabalhos podem ser comentadas e avaliadas numa escala qualitativa de 1 a 5. A possibilidade de reconhecimento da qualidade do trabalho, sua submissão a críticas construtivas e possibilidade de alteração do trabalho, assim como a troca de ideias sobre este, contribuem para um aumento da motivação dos utilizadores e para o aperfeiçoamento das produções. Contudo, mais importante do que o produto final é o processo que a ele conduz. Baseando-nos em princípios construtivistas, procuramos que o papel do utilizador fosse central, que não existisse um percurso predefinido, que cada um escolhesse as actividades a desenvolver. Pretende-se que o utilizador construa o seu conhecimento com base na investigação e na criação dos textos, sua reescrita, correcção e no estabelecimento de relações entre temas. O facto de o Riscos e Rabiscos ser um projecto colaborativo que vive da troca de ideias entre utilizadores e partilha de materiais, pode ser, segundo Harassim et al. (2005), “enriquecedor do ponto de vista tanto pessoal quanto educacional (…) Estes “fluxos de comunicação propicionados pelas redes geram amizade, camaradagem, estímulo intelectual e satisfação pessoal” (p. 55), o que contribui para um maior interesse nas temáticas abordadas e uma participação mais activa e empenhada dos utilizadores. Relativamente à sua estrutura, este sítio apresenta as seguintes áreas, Actividades (dividida nas secções – Lápis, Caneta e Aparo), Os nossos trabalhos, Notícias, Os nossos Autores, Fórum, Outras histórias, Ligações, Contactos, Quem somos, Envia uma mensagem áudio… Existem também áreas de apoio aos utilizadores: Pais e Professores, Procura e Dúvidas. 135


Desde o início deste projecto, foram publicados diversos trabalhos oriundos de vários países, embora, naturalmente, os principais intervenientes sejam Portugal e o Brasil. Os trabalhos recebidos são principalmente textos, mas recebemos também fotografias, esquemas e vídeos. Várias escolas têm utilizado o sítio, enviando-nos posteriormente os resultados para publicação. Além disso, foram desenvolvidas Oficinas de Escrita em algumas escolas, nomeadamente a Escola Básica 1.º Ciclo do Fujacal e a Escola Secundária de Barcelinhos e em instituições como a Casa do Professor. Esperamos que no futuro esta participação aumente, que cada vez mais os professores nos enviem os trabalhos dos seus alunos, sugiram actividades, histórias, criem poemas, nos mostrem como promovem a leitura, a escrita e a criatividade nas suas aulas. Esta interacção e partilha entre todos, contribuirá, com certeza, para melhorar e ampliar os conteúdos e a dinâmica do site Riscos e Rabiscos.

Bibliografia Estratégias para a acção - As TIC na educação. (2001). Consultado em 10 de Outubro de 2007 em http://www.giase.min-edu.pt/upload/docs/ estrategias.pdf. Harasim, L., Teles, L., Turoff, M., Hiltz, S. (2005). Redes de aprendizagem: um guia para ensino e aprendizagem on-line. São Paulo: Editora Senac. Magalhães, V. (2007). Riscos e Rabiscos: para promover a criatividade, a leitura e a escrita. Tese de Mestrado não publicada e disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/8219. Papert, S. (1997). A Família em Rede – Ultrapassando a barreira digital entre gerações. Lisboa: Relógio de Água. Tapscott, D. (2007). Growing Up Digital: The Rise of the Net Generation. New York: McGraw-Hill. Vigotsky, L. (2000). A Formação Social da Mente. São Paulo: Editora Martins Fontes. 136


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Propósito da Formação PTE… José Alberto Silva

Coordenador da EB1/JI Quinta da Veiga - Braga; DESE Educação Infantil e Básica em Novas Tecnologias no Ensino; Licenciatura em Educação; Mestrado em Administração e Planificação em Educação. Formador na Educação de Adultos; Formador na Formação Contínua dos Professores; Formador habilitado pelo PNEP; Formador no âmbito da Iniciação à Língua Portuguesa para Estrangeiros.

1- As TIC e/na Educação Os tempos de hoje são tempos em que imperam as Tecnologias da Informação e da Comunicação, as chamadas TIC. No mundo actual o Homem não pode ser indiferente às TIC, elas estão presentes em todo o lado, influenciam o nosso quotidiano alterando completamente as vivências do cidadão comum. Alguém acreditaria, no passado, que as “paredes” nos iriam dar dinheiro? E na realidade, com base em tecnologias de ponta aí temos os multibancos a gerir o nosso quotidiano. Numa simples pen, hoje, carregamos uma biblioteca de informações, jamais algum dos nossos antepassados pensaria em tal feito e no entanto é uma certeza. O nosso mundo muda a cada instante. As transformações são a todos os níveis muito rápidas e demasiado aceleradas. O presente parece não existir, há um passado e um futuro que cada vez é e será mais incerto. A Educação não pode estar e ser indiferente a estes “tempos “ de mudança e nem deve ignorar as transformações tecnológicas que consciente ou inconscientemente somos obrigados a viver. A Escola de Hoje, perante tudo que a circunda, tem de estar constantemente a actualizar-se e a adaptar-se para cumprir os objectivos/competências de ensino, pois essa é uma das exigências dos seus “clientes” e da sociedade, uma sociedade cada vez mais incerta, mais inconstante, mais impertinente. É a própria sociedade que força e exige que a escola se adapte às transformações operadas no seu seio. A Escola atravessa um período de profunda mudança, no sentido de que 137


tem de conjugar o que lhe exigem com a realidade social em que se insere. Não vivemos tempos fáceis na Educação, nem em cada Escola vista como Agrupamento e nem nas Escolas analisadas sob a perspectiva de unidades. Assim sendo, conscientes que a realidade na Educação é cada vez mais complexa, há que tentar minorar as dificuldades e tentarmos ser empreendedores de novas atitudes e motivações, em especial, em relação às TIC e à sua incorporação no ambiente de ensinoaprendizagem, servindo-nos delas como mais um excelente auxiliar e recurso que nos é proposto. A Escola deve pois, e penso que todos estamos de acordo, proceder à integração de modo válido e crítico das TIC no seu seio, educando para elas e através delas, preparando os alunos, desde o Jardim de Infância até aos outros graus de ensino, para esta sociedade que se transforma permanentemente. Para que isso aconteça, há que dar condições às escolas. Não se podem exigir metas de aprendizagem, nem competências relacionadas com as TIC se as carências são de toda a ordem. Sabemos que com pouco se pode fazer muito, mas muitas das vezes nem o pouco existe, logo inviabilizando um “conjunto de sonhos” idealizados para uma nova forma de ensinar. Há, por conseguinte, que sensibilizar os diversos poderes, desde os mais próximos, Juntas de Freguesia (de quem dependem na maioria dos casos os Jardins de Infância), passando pelas Câmaras Municipais (responsáveis pelas escolas do Iº Ciclo), até ao 2º, 3º e Secundário (a cargo do ME) para que disponibilizem e dêem condições logísticas e materiais para a plena integração das TIC na sala de aula. Não devem, nem podem ser os professores, nem os alunos, a suprimir as carências existentes como tantas e tantas vezes acontece. Disponibilizados os recursos relativos às TIC compete ao professor ou à educadora, como condutores incondicionais do processo de ensinoaprendizagem a responsabilidade, que, temos de convir, não está muitas vezes consciencializada de proceder à sua integração como mais um recurso. Poderíamos referir, por aquilo que nos apercebemos, até enquanto formador, que os professores e as educadoras assumem fundamentalmente as seguintes atitudes em relação às TIC: há aqueles que as vêem como seus rivais e que constatam que o seu monopólio 138


de transmissão cultural é substituído por outras linguagens simbólicas, ou seja, desconfiam; há outros que apesar das carências existentes quer ao nível do sistema escolar quer ao seu nível de formação, esforçam-se e reconhecem a “obrigatoriedade” de uma nova postura e, na medida do possível, uma relação com elas, ou seja, aceitam; há, ainda, a daqueles que ainda não tomaram consciência da necessidade de introduzir e mudar a sua actuação em relação a elas, ou seja, rejeitam. Nós professores e educadoras, como principais agentes do sistema educativo, não podemos ficar à margem de todo este movimento de mudança e teremos de saber integrar e utilizar as TIC na prática pedagógica, como também, servir-nos das mesmas para a nossa formação e auto-formação. Urge pois reconhecer e tomar consciência que a função histórica e a forma de ser docente foi substancialmente modificada e que novos desafios são colocados. É então neste âmbito que a formação dos docentes e, em especial, estes Cursos inseridos no actual Plano Tecnológico da Educação surgem como um aspecto essencial para, entre outros objectivos, desenvolver competências que possibilitarão (acreditamos nós) uma melhor literacia tecnológica, novas metodologias de trabalho e práticas inovadoras, bem como, uma melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos. Em suma, uma Escola inserida numa Sociedade em constante mutação e evolução, tem de enquadrar as TIC como modo de inovar e acompanhar a actualidade. A integração das TIC no sistema de ensino tem de ser equacionada desde o Jardim de Infância e de uma forma transversal. Por sua vez, a formação dos docentes tem de ser perspectivada numa lógica de formação certificada (ex: Certificação de Competências Pedagógicas com as TIC), como também, pela via da autoformação ao longo da vida.

2 – Blogues Os Blogues estão na moda. Em muitas turmas eles fazem parte da “vida” e da dinâmica da própria sala. Muitas das actividades que se tem criado e desenvolvido com as TIC, quer seja a nível do PTE quer seja a nível de outros projectos, passam pela criação de Blogues. E, se fizermos uma pesquisa de Blogues na Internet visionámos uma enorme variedade de algumas “obras de arte”. Eles estão presentes cada vez mais no quotidiano de cada Escola. Por isso, neste espaço, é nossa intenção 139


contribuir com mais algumas informações acerca dos mesmos para que aqueles que ainda não entraram na “onda” o façam e, desse modo, dinamizem o seu contexto educativo. Comecemos por dar uma noção de Blogue. Assim, a palavra Blog, em português blogue, é o diminutivo de weblog, que consiste na junção das palavras Web e log, o que significa “registo na rede”, representando uma tecnologia da Web 2.0, o que significa “nova Internet”, pois é baseada em conteúdos colaborativos. Os Blogues surgiram a par desta nova geração Web e, desde aí, têm ganho cada vez mais admiradores em variadissimos contextos, nomeadamente no educativo, sendo hoje um dos recursos TIC mais em uso nas escolas. Os blogues são sítios da Internet destinados à comunicação online, sendo criados, facilmente, por qualquer pessoa. Aqui ficam algumas “dicas” muito simples e fáceis de colocar em prática para aqueles que se assustam perante estas ferramentas e acham que é difícil construir um Blogue. Acreditem, não é. O que exige é alguma dedicação e paciência, assim como, não desanimar ao primeiro erro. Vamos então aos principais passos iniciais, os outros vão sendo descobertos à medida que vamos empreendendo a nossa “viagem”. Temos de ter uma conta de E-mail no Google. Se não a tem crie uma no Google (peça Criar conta no Gmail; depois preencha os campos, aceite as condições e já está); 2º De modo fácil, volte ao Google e escreva Blogger. Vai-lhe aparecer um site dizendo: Blogger: Create your free blog. Peça para Criar uma conta e na janela que lhe aparece preencha os campos, I, 2, 3 e aceite as condições. Já tem o seu blogue. 3º Criado o Blogue, há que lhe dar “vida”, ou seja formatá-lo e identificá-lo. Para isso, preencha as janelas das Definições, e, escolha um Design do seu agrado das sugestões dadas. Nunca se esqueça de mandar Guardar o que deseja colocar no Blogue, quer seja Texto e/ ou Imagens no Arquivo do Blogue ou no Perfil do mesmo. Caso queira alterar alguma aplicação é só clicar em Editar e proceder às alterações desejadas na aplicação pretendida e depois mandar Guardar. 4º Quando pretender colocar algo mais no Blogue, crie sempre um Pasta. Clique em Envio de mensagem/nova mensagem. Depois mande 140


Publicar mensagem. 5º Sem stressar… mãos à obra. Vê como conseguiu…assim se inova e se faz autoformação. Após estas “dicas” que mais não são do que simples passos de abertura de um Blogue, voltemos a dar mais informações de forma a nos inteirar e a adquirir mais conhecimentos acerca dos mesmos. Assim, os Blogues podem ser públicos ou privados. Quando são privados, e como é fácil de compreender, somente as pessoas autorizadas pelo proprietário do Blogue é que o podem consultar, aceder aos seus conteúdos e deixar comentários. Quando são públicos, qualquer pessoa é livre de aceder a esse Blogue, contudo poder-se-á, sempre que se achar pertinente, vedar o acesso a anónimos ou somente autorizar que apenas sejam alguns os utilizadores do blogue a comentarem o que nele aparece publicado. Nos Blogues podemos tudo colocar, desde imagens, textos, sons, vídeos, hiperligações e, ainda, autorizar que outras pessoas possam aí deixar os seus comentários. A título de exemplo, e para um contexto educativo de uma turma ou até de uma escola, poderemos animar pedagogicamente a “comunidade” sugerindo que façam criticas e análises ao que nele surge, ou, até, “obrigando” os nossos alunos e suas famílias a dar-lhe vida com os seus próprios comentários. Os Blogues podem ser “tudo” e ter tudo, isto é, podem ser pessoais, educativos, paroquiais, empresariais, desportivos, políticos, bem como, tratar de uma infinidade de assuntos e temáticas, desde aquelas mais simples até às mais complexas. Os Blogues são páginas Web, cujas mensagens ou “posts” são ordenadas cronologicamente, sendo apresentadas em primeiro lugar as mensagens mais recentes. Passemos, de seguida, e em jeito de largas pinceladas, a analisar algumas potencialidades que um Blogue pode ter no contexto educativo, reforçando de antemão que a sua utilização e utilidade depende, em grande parte, dos interesses e objectivos que nele e a ele queiramos dar. Como vimos já anteriormente, ele pode ser uma ferramenta facilitadora da interacção entre alunos, professores e comunidade escolar permitindo a partilha de informações e a reflexão relativa a temas 141


educativos, bem como, assuntos/conteúdos das próprias aprendizagens. Contribui também para o aumento de comunicação entre pares e ao desenvolvimento de novas competências. Temos, no entanto que ter consciência que nem tudo são aspectos positivos na relação com os Blogues, pois também há constrangimentos a ter em conta, tais como, haver mentes perversas a servirem-se dos Blogues para incentivarem os alunos a terem atitudes de cyberbullying contra os seus pares, publicando conteúdos provocadores, violentos, humilhantes e ameaçadores, potenciando desse modo situações de sofrimento emocional às suas vítimas. Em resumo, os Blogues estão cada vez mais presentes no quotidiano da escola contribuindo para que os nossos alunos cresçam em competências e conhecimentos tecnológicos. Todavia, é preciso acautelar certas informações e dados para que os mesmos não sejam usados para fins menos apropriados. A vigilância e contribuição dos pais, professores e de toda a comunidade em geral é importante para que as nossa crianças se desenvolvam de forma saudável.

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nsino e Aprendizagem com TIC na Educação Pré-Escolar e no 1º Ciclo do Ensino Básico. “Como introduzir o computador no jardim de infância” Alexandra Paz Educadora do Quadro de Agrupamento de Escolas de Maximinos. Mestre em Educação - Tecnologia Educativa

Nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, a principal referência à utilização das Novas Tecnologias encontra-se na Área da Expressão e Comunicação, muito embora este aspecto seja apenas superficialmente aflorado. Assim, e uma vez que nem sempre se torna fácil “encontrar”, “descobrir” informação sobre a utilização do computador em contexto de jardim de infância, optei por partilhar neste espaço alguma pesquisa recolhida por mim ao longo do meu percurso profissional. Assim, decidi, no âmbito desta formação PTE e destes Cursos para o Ensino e Aprendizagem com TIC na Educação Pré-Escolar, apresentar este texto que “baptizei” de: “Como introduzir o computador no jardim de infância” À medida que a tecnologia vai sendo incluída nos programas escolares, continua-se cada vez mais a procurar a forma mais apropriada para a utilizar em crianças pequenas (Yost, 2000b). A melhor forma encontrada pelos investigadores Kontozis e Pange (2001) para efectuar com sucesso a introdução do computador em contexto de educação de infância, divide-se em três fases: uma primeira durante a qual se discute, em grupo, sobre o computador e outros assuntos relacionados com a sua utilização; estas conversas baseiam-se em imagens que mostram a utilização de computadores em diferentes locais e situações e também de impressoras e outros acessórios; uma segunda fase, durante a qual se realizam visitas a locais onde existem e são utilizados computadores; por fim, uma terceira fase em que se leva para a sala de actividades um computador ou mais computadores, de modo a que as crianças possam experimentar a nova tecnologia. Penso, no entanto, que esta forma de introdução do computador não é 143


muito adequada em contexto de jardim de infância, pois tende a ser um processo algo moroso e, como tal, pouco estimulante para crianças de tão baixo escalão etário. Davis (1994) aponta, também, algumas condições que o educador deve observar para que a referida implementação se concretize eficazmente: o educador tem de ser um instrutor que guie a criança através do software, encorajando a exploração do mesmo; o educador necessita de assegurar que a criança realize as tarefas o mais autonomamente possível; o educador deverá ser um modelo, utilizando e integrando visivelmente o computador na vivência da sala; o educador terá de ser crítico ao seleccionar o software apropriado. É fundamental que, antes de integrar o software no currículo, os educadores estejam devidamente familiarizados com o software (Bostic, 2000). Para Kelly e Schorger (2001), uma utilização adequada do computador na sala de actividades deverá incluir: duas ou mais crianças a trabalhar juntas; o computador situar-se numa zona calma e livre de distracções; uma boa oferta de software educativo; promover um ambiente no qual os adultos incentivem a criança a procurar solucionar com os seus pares dificuldades que surjam, promovendo-se um sentido de independência. Segundo Haugland (2000), a forma apropriada para introduzir e utilizar o computador deverá ser distinta em crianças de 3 e 4 anos ou em crianças mais velhas, já no último ano de jardim de infância e primeiras classes do 1º Ciclo do Ensino Básico, pois, crianças tão novas precisam de tempo suficiente para experimentar e explorar uma tecnologia com aplicações tão vastas. Esta autora sugere que na sala de actividades as crianças poderão trabalhar em grupo no computador. Assim, poderão aprender a delegar responsabilidades, resolver problemas interagindo e cooperando de forma a atingir determinado objectivo. A localização física dos computadores na sala de actividades é, também, relevante. Colocar dois lugares em frente ao computador e um outro de lado, para, por exemplo, se sentar o educador e pode fomentar e encorajar interacções sociais, assim como colocar os computadores perto uns dos outros facilitam a troca de ideias entre as crianças (Clements 1999). Colocar duas ou três cadeiras em frente ao computador estimulará a interacção, colaboração e partilha entre as crianças. (Early Connections - Technology in Early Childhood Education, 144


2002). A organização da sala de actividades é, segundo a Early Connections - Technology in Early Childhood Education (2002), um factor importante no sucesso da aprendizagem. A colocação do computador num espaço aberto e convidativo encoraja e promove a sua integração nas actividades da sala. Ainda segundo a Early Connections - Technology in Early Childhood Education (2002), existem outras questões a considerar aquando da sua colocação na sala de actividades: onde pode ser colocado o equipamento de forma a estar facilmente acessível, mas longe das zonas de maior afluência; que tipo de actividades será aconselhável realizar perto ou longe dessa área (por exemplo comer, beber, usar giz, etc.); onde estão colocadas as tomadas eléctricas; qual a parede ideal para colocar o equipamento de forma a impedir que a criança tropece nos fios de ligação; onde podem as crianças trabalhar juntas mas sem distrair as restantes; onde existe um local com luz suficiente mas afastado das janelas ou outras fontes de luminosidade. Este tipo de localização facilita, ainda, a participação do educador, pois pode encontrar-se suficientemente próximo para orientar e assistir, sem, no entanto, estar demasiado ou constantemente perto de forma a poder inibir a participação da criança (Clements 1999).

Referências Bibliográficas CLEMENTS, D. H. (1999). The Effective Use of Computers with Young Children. In J. V. Copley (ed.), Mathematics in the Early Years. Reston, VA: National Council of Teachers of Mathematics, 119-128. Publicado em http://www.terc.edu/investigations/relevant/html/ EffectiveUse.html (Retirado em 03.04.2003). DAVIS, B. C. e SHADE, D. D. (1994). Integrate, Don’t Isolate! Computers in the Early Childhood Curriculum. ERIC/EECE Publications-Digests. Publicado em http://ericee.org/pubs/digests/1994/shade94.html (Retirado em 03.06.2003). EARLY CONNECTION - TECHNOLOGY IN EARLY CHILDHOOD EDUCATION (2002). Classroom Arrangement. Publicado em http:// www.netc.org/earlyconnections/primary/classroom.html (Retirado em 29.05.2003). 145


HAUGLAND, S. W. (2000). Computers and Young Children. ERIC/ EECE Publications-Digests. Publicado em http://ericee.org/pubs/ digests/2000 /haugland00.html Retirado em (03.04.2003). KELLY, K. L. e SCHORGER J. R. (2001). “Let’s Play Puters”. Expressive Language Use at the Computer Center. In D. D. Shade (ed.), Information Technology in Childhood Education Annual. Norfolk: AACE, 125-138. YOST, N. (2000). Emerging Literacy: Crayons, Marker , Pencils and Computer Experiences. Publicado em Articles/emerging_literacy.htm (Retirado em 12.03.2000).

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s quadros interactivos multimédia no ensino da história Ana Catarina Simão

Licenciada em História pela FLUP; Mestre em História da Cultura Portuguesa na Época Moderna pela FLUP; doutorada em Educação – Metodologia do Ensino da História e Ciências Sociais pela UM. Investigadora, professora de História na Escola EB 2/3 Dr. Flávio Gonçalves na Póvoa de Varzim, formadora de professores.

O ensino da História assenta num currículo oficialmente estabelecido que encadeia, segundo critérios, inúmeras temáticas a que chamamos o conhecimento substantivo e obedece a orientações didácticas que focam as competências a desenvolver nos alunos de determinado ano lectivo no que respeita a conhecimentos e competências que embrincam na própria ciência histórica. Estas competências incluem conceitos de segunda ordem, ou seja, conceitos estruturantes do conhecimento histórico. As recentemente publicadas Metas de Aprendizagem constituem um documento orientador da prática docente e focam a consolidação desses conhecimentos de segunda ordem que, apesar do nome que lhe foi dado, não são subalternos aos conhecimentos substantivos, mas constituem o cerne de todo o conhecimento histórico. Estes emanam da própria ciência histórica e das suas características específicas. Qualquer processo de ensino-aprendizagem que os descure no ensino da História compromete a compreensão histórica dos alunos e o grau de sofisticação dos seus raciocínios históricos. Uma leitura atenta das Metas de Aprendizagem divulgadas pelo Ministério da Educação revela-se muito profícua, pois estas destacam o trabalho com ideias de segunda ordem e que deve estar subjacente ao tratamento dos conteúdos temáticos. As aprendizagens neste documento são progressivas, sendo aprofundadas até à meta final que ocorre no ano final de ciclo. Assim, a par com a espacialidade e temporalidade, comparecem conceitos como o de significância, mudança, evidência histórica, empatia, interculturalidade, narrativa histórica. Esta evolução no ensino da História em Portugal ficou a deverse ao trabalho que tem sido levado a cabo pela Professora Doutora Isabel Barca na Universidade do Minho, como orientadora de inúmeras teses de mestrado e doutoramento e coordenadora de projectos de 147


investigação como o Hicon 1 e 2, financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia(FCT). Foi também a responsável e coordenadora do grupo que estabeleceu as Metas de Aprendizagem para o ensino da História. Por conseguinte, são muitos os desafios que se colocam hoje ao ensino da História em Portugal. Verter o resultado das investigações na prática docente é de facto algo que a formação de professores tem permitido e que é o propósito dessas mesmas investigações. A teoria informa a prática. Após um esforço aturado na investigação em cognição situada é gratificante perceber que os docentes estão já a começar a integrar nas suas práticas o que de melhor se tem feito na investigação. A recente aquisição para as escolas de um parque informático vasto, projectores multimédia e quadros interactivos multimédia entusiasmou alguns docentes e especialmente os discentes que, sendo da geração que Humberto Eco declara ter mais um polegar, são fãs das novas tecnologias. Para além destas aquisições foi elaborado um projecto de formação, a longo prazo, para os docentes que, não sendo ‘nativos digitais’, precisam de alguma orientação no uso das tecnologias disponibilizadas. Neste momento os primeiros grupos de professoresformandos já concluiu o primeiro curso de formação. O quadro interactivo multimédia é um hardware que está associado ao software ActivInspire. Este software não é dificil de utilizar para os docentes que utilizam o computador com o Microsoft Word, o Microsoft Powerpoint e o Paint, visto que resulta, em grande parte da associação dessas valências. É, como podemos ver, um recurso polifacetado, pleno de funcionalidades e oportunidades. A utilização dos quadros interactivos multimédia no processo de ensino-aprendizagem apresenta como a grande mais valia a interactividade. A principal potencialidade deste recurso é essa. Abre a possibilidade do aluno construir as suas aprendizagens no quadro com tarefas desafiantes, devidamente planificadas pelo professor, que permitem uma reflexão conjunta em grupo-turma e a auto-regulação. No entanto, este recurso exige planificação cuidada das tarefas propostas. Quando utilizado pelo professor permite aceder a ficheiros audio, vídeo, conectar a internet através de um link, entre outras valências. 148


Na sua utilização didáctica, se a aula for bem planeada, dentro do modelo aula-oficina, o quadro interactivo multimédia permite ao aluno ter um papel mais activo na sua aprendizagem. Para isso é preciso construir momentos de aprendizagem significativa, em que os alunos sejam levados ao quadro, mas onde a aprendizagem seja monotorizada pelo docente que deve construir exercícios de cruzamento de fontes diversas na sua natureza, na sua linguagem e nas suas mensagens e trabalhá-las para a construção da evidência histórica recorrendo a este recurso tão apelativo para os alunos e tão prático pela sua versatilidade. Este recurso facilita a realização de actividades significativas como o levantamento de ideias tácitas no início da aula, podendo ser chamados no início da aula vários alunos ao quadro para reagistarem o seu contributo. Este pode ser gravado na página onde foi realizado e pode ser retomado no final da aula, no sentido de analisar a mudança conceptual que ocorreu durante a mesma. Alguns cuidados a ter com este tipo de recurso e que são extensíveis a outros recursos como o Power point, prendem-se com a planificação cuidada da sua utilização, a necessidade de não abandonar o manual didáctico, mas fazer a ponte com o mesmo, ainda que seja com o registo de página em que a temática se encontra, pois o manual é um recurso sempre disponível para o aluno e o que o acompanha para sua casa. Os recursos de que o professor dispõe devem facilitar o seu desempenho, mas não podem ser usados de forma repetitiva, pouco consistente ou avulsa. Não é a tecnologia que garante o sucesso do processo de ensino-aprendizagem, é a planificação cuidada da intervenção didáctica, a preparação de exercícios que levem o aluno a explorar os documentos com espírito crítico, tomando posições fundamentadas. No momento presente parece que a exposição caiu em descrédito e que as novas tecnologias tomam a dianteira. No entanto, estas podem ser tão expositivas como o manual. A aula com utilização de novas tecnologias pode ser tão maçadora como uma aula expositiva. Sendo assim, é necessário pensar que a aula carece de momentos expositivos, sejam eles com recurso às novas tecnologias ou realizados pelo professor e de momentos de trabalho autónomo ou de pares, em que o aluno devidamente orientado, realiza tarefas propostas que lhe permitam construir a sua aprendizagem, que no caso especifico da História deve ser realizada sempre com base no trabalho com fontes. 149


O Quadro Interactivo Multimédia comparece como um excelente recurso no tratamento de todo o tipo de arte, na utilização e identificação em mapa, em momentos de realização de exercícios formativos com conceitos-chave e que não impliquem a narrativa, entre outros. É, no entanto, importante salientar que nenhum recurso tecnológico pode levar o professor a dispensar a construção de narrativas históricas pelos alunos. A História é por natureza narrativa e a avaliação da compreensão histórica dos alunos tem que passar sempre pela análise das narrativas históricas que estes produzem, devidamente fundamentadas na evidência.

Referências Bibliográficas Ashby, R. (2001). Children’s ideas on evidence.Comunicação apresentada no Congresso dos Professores de História. Porto: Universidade Portucalense. Ashby, R. (2005). Students’ Approaches to Validing Historical Claims. Barca, I. (2000). O pensamento histórico dos jovens. Braga: CEEP – Universidade do Minho. Barton, K. (1997). ‘I just Kinda Know’ - Elementary student’s ideas about historical evidence. Theory and Research in Social Studies, 25(4), pp. 407-430. Cooper, H. (1992).The teaching of history. London: David Fulton. Gard,A.e Lee, P. (1978). Educational objectives reconsidered. In Dickinson, A.& Lee, P. (Eds.), History teaching and historical understanding (pp. 2138). Londres: Heinemann. Moreira, (2004). As Fontes Históricas propostas no Manual e a Construção do Conhecimento Histórico: um estudo em contexto de sala de aula. Tese de Mestrado – Universidade do Minho, Braga. Simão, A. C.(2007). A construção da evidênciahistórica: concepções de alunosdo 3.ºciclo do ensinobásico e secundário. Tese de Doutoramento – Universidade do Minho, Braga. Van der Dussen, W. J. (1991). The historian and is evidence. In Van der Dussen, W. J. &Rubinoff, L. (Eds.).Objectivity, method and point of view: essays in the philosophy of history (pp.154-169). Leiden, The 150


Netherlands. Wineburg, (1991). Historical problem solving: A study of the cognitive processes used in the evaluation of documentary and pictorial evidence. Journal of Education Psychology, 83 (1), pp.73-87.

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Rodrigo Azevedo RParticipou em dezenas

de Congressos Nacionais e Internacionais, onde apresentou de comunicações e realizou, a convite das Comissões Organizadoras, várias conferências principais. Foi organizador, ou membro das Comissões Científicas, de vários destes Congressos. Escreveu mais de três dezenas de artigos científicos, publicados em diversas revistas. Realizou catorze capítulos de livros. É autor ou co-autor de seis livros. Tem integrado várias equipas de Projectos de investigação de âmbito nacional e internacional. Fez parte da equipa de coordenação da Secção de História da Educação da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, sendo membro da Associação Ibero-Americana de História da Educação e do International School Council of History of Education. Orientou e orienta diversas teses de Mestrado e Doutoramento. Iniciou a sua carreira pelo estudo da Alfabetização e da Escolarização ao nível do Ensino Primário, dedicando-se à História das Instituições Educativas do Ensino Secundário, bem como à História do Quotidiano Estudantil, com principal enfoque na problemática disciplinar e na das sociabilidades fora da Escola. Actualmente dedica-se à problemática da História das Mulheres, especialmente no referente à educação e ao quotidiano. Actualmente integra a equipa do Projecto Escolas de Formação de Professores em Portugal: História, Arquivo e Memória e realiza um vasto estudos sobre a Mulher na Primeira República Portuguesa, estando a preparar um livro sobre esta temática. É autor ou co-autor de seis livros. Tem integrado várias equipas de Projectos de investigação de âmbito nacional e internacional.

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feminino em caleidoscópio O Corpo da Mulher na Imprensa Bracarense da 2ª década do Século XX

“A mulher tem numerosos traços comuns com a criança, o seu senso moral é deficiente, ela é vingativa, ciumenta, levada a exercer vingança através duma crueldade refinada, mas nos casos ordinários estes defeitos são neutralizados pela piedade, a maternidade, o pouco ardor das suas paixões, a sua frieza sexual, a sua fraqueza e a sua menor inteligência.” 1 Estas afirmações produzidas por dois autores dos fins do século XIX, entre eles Lombroso, o então famoso antropólogo criminal, mostram a perspectiva sob a qual a imagem da mulher era dominantemente traçada no contexto científico de então. Esta visão não se afasta determinantemente da imanada, através dos séculos, das consequências da criação divina de Eva e de Pandora. Quer a tradição grega, quer a judaico-cristã são variantes de um mito disseminado no Mundo Antigo, no qual a mulher é criada posteriormente à criação, ou existência dos primeiros homens e sempre como uma categoria secundária. Para os gregos, a mulher, que pertence a uma raça diferente, é um vingativo presente divino para os homens, que acarretará a sua perdição, enquanto para o judaísmo e, depois, para o cristianismo a mulher é criada para as necessidades do homem, de quem provém e de cuja existência deriva. É ela que conduz o homem à transgressão, tornandose responsável, também, pela sua própria pobreza de espírito, pelo mal e pela infelicidade. A sua punição, porque condenada a sofrer as dores de parto, é mais severa que a do homem e o seu desejo monogâmico por este, é a forma que Deus encontrou para a manter fiel e submissa àquele, que também recebe o direito de a dominar. Ao longo do século XIX desenvolve-se uma visão dominante sobre a mulher – a burguesa. Impondo-se inicialmente ao grupo social dominante, rapidamente se pretendeu generalizar a toda a sociedade, com o apoio das Igrejas, da Ciência, muito particularmente da Medicina, e do Poder Político, que através das diversas instituições que controlava, especialmente a Polícia e os Tribunais, a tenta fazer cumprir. 1 428

LOMBROSO, Cesare e FERRERO Guglielmo - La femme criminelle et la prostitute. Paris, 1896, p.

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Duas esferas de actuação, consoante o sexo, são então marcadas – a pública para o homem e a privada para a mulher. À mulher destina-se o espaço privado, o da casa, onde ela seria livre e autónoma para a administrar, para dirigir a criadagem, para educar os filhos na infância e as filhas até ao seu casamento. No espaço público só lhe caberia um papel de representação, ao lado do marido, contribuindo pelos seus dotes – sociabilidade, saber estar e receber, beleza, porte, vestir de forma distinta, execução musical e de canto, silêncio e afastamento quando se discutem assuntos “de homens”, muito particularmente a política – para a promoção deste na sociedade. É construída uma imagem da mulher, com a contribuição fundamental do campo médico, que, apelando para a Natureza e para a Ciência, dá relevo à sua fragilidade física, da qual resultaria a sua delicadeza e debilidade intelectual e moral e, em suma, a sua inferioridade relativamente ao homem. Marcas essenciais do ser feminino eram a fraqueza, a sensibilidade, a doçura, a indulgência, o recato e a submissão. A mulher estaria, por estas características, e pelo coração, predisposta para o amor, ao contrário do homem, que o fazia pela via dos sentidos. Assim, passa a ser apontada como a grande finalidade do homem e da mulher a paternidade e a maternidade. Como afirma Margareth Rago, “Por caminhos sofisticados e sinuosos se forja uma representação simbólica da mulher, a esposa-mãe-dona-de-casa, afetiva mas assexuada (…) Certamente, a construção de um modelo de mulher simbolizado pela mãe devotada e inteiramente sacrificada, implicou sua completa desvalorização profissional, política e intelectual. Esta desvalorização é imensa porque parte do pressuposto de que a mulher em si não é nada, de que deve esquecerse deliberadamente de si mesma e realizar-se através dos êxitos dos filhos e dos maridos. É claro que, em grande parte, este modelo vitoriano de comportamento feminino determinou suas opções e condutas.” 2 Durante muito tempo à mulher foi aconselhado, quando não imposto, o silêncio. No dizer de Michelle Perrot: “O silêncio é um mandamento reiterado através dos séculos pelas religiões, pelos sistemas políticos e pelos manuais de comportamento.” 3 Esse silêncio é-lhe imposto nos templos de todas as religiões monoteístas, menos para ciciar as orações, como lhe 2 RAGO, Margareth – Do cabaré ao lar. A Utopia da Cidade Disciplinar. Brasil: 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3º ed., 1997, pp. 62 e 65. 3 PERROT, Michelle – As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: Editorial da Universidade do Sagrado Coração, 2005, p.9.

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é também proibido tomar a palavra pública, quando não participar, nas reuniões políticas e, ao menos nos primeiros tempos, sindicais. O silêncio é também aconselhado no espaço público (rua, mercado, loja, teatro) onde surge, em muitos casos, semi-velada, ou mesmo velada, e, quando não tal não é possível, ao menos a contenção dos gestos, das expressões e do tom e volume da voz, contenção essa que também deve ser seu timbre na semi-privacidade dos salões burgueses ou aristocráticos. Em suma, “o silêncio era ao mesmo tempo disciplina do mundo, das famílias e dos corpos, regra política, social, familiar – as paredes da casa abafam os gritos das mulheres e das crianças agredidas -, pessoal. Uma mulher conveniente não se queixa, não faz confidências, exceto, para as católicas, a seu confessor, não se entrega. O pudor é sua virtude, o silêncio, sua honra, a ponto de se tornar uma segunda natureza.” 4

A importância da Imprensa para o estudo dos quotidianos femininos A Imprensa teve, ao longo do século XIX, um enorme desenvolvimento em Portugal. Com o triunfo do Liberalismo e a liberdade de publicação, apesar de alguns períodos em que ela foi restringida, nascem, um pouco por todo o país, inúmeros títulos. A Imprensa local afirmou-se através da publicação de inúmeros títulos. Se muitos tiveram uma existência efémera, outros singraram e fizeram um caminho que durou dezenas de anos ou que, nalguns casos, ainda hoje continua. A imprensa bracarense foi sempre marcada pela pluralidade de títulos. Inicialmente, como no resto do País, a generalidade dos jornais era subsidiada pelos partidos políticos, ou/e por personalidades destacadas desse campo. Assim sendo, estavam essencialmente virados para a luta política e para a polémica partidária, sendo o noticiário informativo geral nulo, ou escasso. Na fase final do século XIX, alguns jornais começam a dar maior importância a este tipo de notícias, acantonando as notícias políticas no editorial e em parte significativa da primeira página. A Biblioteca Pública de Braga tem, para a Primeira República, evidentes e graves lacunas quanto aos periódicos publicados, essencialmente no respeitante aos mais importantes jornais de orientação republicana, sendo este o período em que a Imprensa local está mais mal 4

Idem, p.10.

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representada, já que nem para os primórdios da Imprensa periódica bracarense se verifica tão grave falha. Os dois jornais utilizados como fontes para este estudo são o Ecos do Minho e O Comércio do Minho. O primeiro era diário, enquanto o segundo era trissemanário. Este último iniciou a sua publicação em 2 de Janeiro de 1873, tendo o seu último número, o 7007, sido publicado em 2 de Janeiro de 1922. Já o Ecos do Minho começou a ser publicado a 8 de Janeiro de 1911, sendo o seu número derradeiro o 1810, de 14 de Fevereiro de 1919. Nos dois casos, cada número é composto por quatro páginas. 5 Estes periódicos são de orientação claramente monárquica, fortemente conservadora e profundamente marcados por uma orientação católica ortodoxa, quando não ultramontana, sendo o Ecos do Minho geralmente muito mais virulento nas suas posições anti-republicanas. Tanto num caso, quanto noutro, os seus editoriais não se remetem exclusivamente à temática política, tratando de questões do quotidiano e de temáticas diversas, entre as quais as de ordem moral, as relativas à higiene, às relações sociais e familiares, à infância e à mulher, para além doutras mais específicas como a fome, a mendicidade, a vagabundagem e a prostituição. O seu noticiário sobre o quotidiano da cidade e do concelho de Braga, bem como do Minho, é abundante e diversificado, surgindo, para além disso, um número elevado de notícias relativas ao resto do país. As elites sociais têm um papel destacado nestas notícias, mas repartem-nas com os grupos sociais menos favorecidos e, no concernente à Mulher, o mulherio (como depreciativamente é chamada a mulher popular) nas suas actividades diárias, nos seus conflitos, nos seus motins, nas suas transgressões à ordem moral e social instituída, como mendigas, vadias, ou prostitutas, ou enquanto trabalhadoras rurais, operárias, ou vendedoras, emerge das páginas destes jornais ao lado das senhoras e das donas, com quem reparte, embora com muito menor destaque, as notícias relativas à maternidade, ao casamento, ou ao divórcio, às cerimónias religiosas, ou às festas, e a quem, por vezes, cede destaque, no que se refere à criminalidade, ao homicídio e ao suicídio. A grelha de análise da conduta do sexo feminino é rígida, nela se imprimindo todos os preconceitos e cânones comportamentais aos quais, no início deste artigo, se fez referência. Essa rigidez é implacável 5 A excepção é a da fase final da Primeira Guerra Mundial em que, por dificuldades de obtenção de papel, os diários foram obrigados a semanalmente publicarem dois números de apenas duas páginas e os trissemanários a passarem a bissemanários.

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para as actividades não normativas, especialmente quando praticadas pelo mulherio. Por tudo o que acaba de ser dito, a Imprensa e, no caso concreto, estes dois jornais, constitui uma fonte preciosa de análise, pois que quebra os silêncios em torno das mulheres e mostra quanto elas próprias transgrediam a sua imposição na sua vivência quotidiana, individual, ou grupal. E essa importância mantêm-se, mesmo se estamos em presença de periódicos escritos exclusivamente por homens, imbuídos de doutrinas e preconceitos nos títulos que produzem, nos comentários que fazem e no conteúdo do noticiário que transmitem. Como lembrou Jacques Le Goff “um documento é uma mentira se for adoptado no sentido positivista, pois que se esquece que a sua verdade está quase toda nas suas intenções” 6 e, como afirmou Marc Bloch a visão enviesada dos factos “é à sua maneira um testemunho”. 7

As senhoras e o mulherio nos seus corpos em O Comércio do Minho e Ecos do Minho Um dia, Michelle Perrot disse: “Até mesmo o corpo das mulheres amedronta. É preferível que esteja coberta de véus.” 8 É evidente que estes véus não se restringem às simples roupas que cobrem e ocultam o Corpo Feminino, tendo antes uma carga profundamente metafórica, que abrange todos os modos de torná-lo invisível e interdito. A este corpo é destinada uma função vista como primacial e a essencialidade para que foi criado – a reprodução. Às mulheres é proibido falar dele e, muitas vezes, conhecê-lo devidamente. Ser feminina é estar marcada pelo pudor e pela vergonha do corpo que se tem e dos fluidos que gera – leite, sangue, água. No entanto, ele é objecto do mais profundo desejo e do olhar constantemente insistente, até à violação da privacidade. É cantado pelos poetas e músicos, é pintado pelos pintores, modelado, em todos os materiais, pelas mãos dos escultores, dissecado, estudado, (re)construído pelos médicos, alvo dos mais profundos sermões e diatribes por parte dos sacerdotes e dos discursos protectores ou sancionatórios dos políticos. No teatro, no circo, no cinema nascente, ou na publicidade assume o papel de espectáculo para o olhar masculino. Sofre a exposição, o aviltamento, a violação e a mortificação na tortura, na execução, na guerra. No entanto, a sua beleza, mutável 6 7 8

GOFF, Jacques – Reflexões sobre a História. Lisboa : Edições 70, s.d., p. 87. BLOCH, Marc – Introdução à História. Lisboa: Publicações Europa-América, 1974, pp. 84-85. PERROT, Michelle – Minha história das mulheres. São Paulo: Editora Contexto, 2007, p.17.

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consoante as épocas, constitui um capital simbólico que pode ser admirado, e que tem valor próprio no mercado do matrimónio e das relações sociais e afectivas, principalmente quando consideradas como ilegítimas. Serve, ainda, para mitificar os regimes através das suas patrióticas representação e exposição, tornando-se a encarnação de revoluções e nacionalismos e, quais musas encantadas, coroando ou celebrando os grandes homens, muito particularmente os pais das Pátrias nascentes, em conjuntos escultóricos disseminados pelos mais nobres lugares de cada cidade. Utilizando como fonte os dois periódicos já referidos, vamos procurar reflectir sobre a forma como o corpo feminino, nas suas múltiplas dimensões, é visto, analisado e exposto aos leitores. Estes jornais, dadas as suas características atrás referidas, deviam ter um público imediato composto principalmente por membros da burguesia urbana e rural integrantes dos sectores monárquicos e católicos. Muito provavelmente, seriam lidos pelas muitas centenas de padres, titulares de paróquias ou não, que viviam por todo o Minho. Principalmente através destes, entre outros intérpretes atentos, as suas notícias seriam dadas a conhecer, quantas vezes reelaboradas, a um outro público, maioritariamente analfabeto, especialmente nas zonas rurais. Através da análise das suas redes de correspondentes, é possível perceber que tinham um público atento, muito para além da zona minhota, principalmente noutros locais do Norte e do Centro. Chegavam também às colónias e ao estrangeiro, sendo lidos pelos grandes grupos de emigrantes políticos que se tinham formado no Brasil e na Espanha, com particular destaque, neste último caso, para a Galiza.

A boa esposa e a boa mãe – um ideal em reelaboração “Num dos últimos dias da semana passada, atravessava eu uma aldeia da vizinha freguesia de Fraião, em passeio higiénico. (…) Ao passar perto da habitação dum caseiro, parei a contemplar uma mulher que se aproximava da casa e que trazia, à cabeça, um feixe de ervas, cheia de água, porque o dia estava de aguaceiros, pela mão direita uma criança de 2 anos e meio a 3, no braço esquerdo outra de pouco mais de um ano e mesma uma almotolia e uma chave. Vestia uma saia que nalguns pontos deixava sair a parte inferior da camisa; era de tiras, ou melhor, de farrapos. Além de tudo isto o seu estado, de mais de 6 meses com certeza, devia incomodá-la. Trazia 3 filhos…. 159


(…) - O sr. é que vem procurar o António por causa do carreto das pipas? - Não. Estou a contemplar a sua cruz. As crianças choravam ambas ao mesmo tempo. - Olhe, são coisas que Deus quer. - E como você tem paciência…. - Ora? O que a gente quer é que ele à noite não venha de má catadura. (…) (…) Aquela [mulher] é que é digna de respeito e admiração. As mulheres que assim trabalham e sofrem são as que realizam o pensamento de Deus e cumprem a lei de expiação.” 9 , 10 O cronista de O Comércio do Minho, Dourães Castro, apresenta aqui um texto paradigmático do pensamento ortodoxo católico do início do período republicano. A mulher é respeitável por desempenhar o seu papel de mãe, tendo filho após filho, ao sabor da fertilidade natural. É admirável por se submeter ao marido, mesmo quando ele não surge de boa catadura, e talvez a maltrate. As trabalhadoras rurais e as agricultoras, pequenas proprietárias, ou caseiras, surgem, neste texto, na miséria do seu vestuário esfarrapado, na aceitação da sua difícil e paupérrima vida quotidiana e na permanente mortificação do seu corpo, como as legítimas descendentes de Eva, expiando permanentemente e para sempre, o atrevido e capital pecado da sua antepassada para com os ditames divinos. A mulher cumpre o modelo feminino quando desempenha o papel de esposa exemplar, ligada profundamente à família e exercendo a sua influência moralizadora sobre o marido: “A esposa carinhosa e crente acha sempre maneira de suavizar uma dor, fadiga, exaltação ou qualquer mal-estar do marido. E, se por desgraça, este se afasta do caminho da honra ou do dever, é também do coração e da inteligência daquela que pode vir a regeneração: não com exprobrações mas com meiguices, com exortações, com rogos, com súplicas, com lágrimas.” 11 9 CASTRO, Dourães - Feminismo na “Liberdade” in O Comércio do Minho, Nº 6253 de 20-21915, p.1. 10 Para mais fácil leitura, a ortografia das notícias citadas foi actualizada. 11 Idem - Feminismo na “Liberdade” in O Comércio do Minho, Nº 6252 de 18-2-1915, p.1.

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Neste texto é possível reconhecer uma aproximação à teoria comteana, que atribuía à mulher uma superioridade afectiva face ao homem, em contraponto com uma superioridade de carácter por parte deste. Esta nova mulher, que vai sendo ideologicamente forjada ao longo do século XIX, é simultaneamente esposa, dona de casa e mãe. Dela se espera o afecto de todos os momentos, a crença e a prática do amor conjugal (praticado de modo afectivo, mas que se quer essencialmente assexuado) mesmo, como em muitos casos acontecia, principalmente entre os sectores burgueses, se estava em presença de um casamento combinado pelos pais. Este tipo de família nuclear passa a ser considerado o ideal a atingir, com os papéis bem demarcados, entre os membros do casal e os seus filhos, e é desenvolvida a sua propaganda visando, primeiro generalizá-lo entre a burguesia e, depois, generalizá-lo aos restantes grupos sociais. Neste contexto, passa a ser defendido que a mulher “precisa da protecção da família, da sombra da casa, da paz do lar. A mulher se confunde com seu sexo e se reduz a ele, que marca a sua função na família e seu lugar na sociedade.” 12 Num período com escassos e muitos falíveis meios contraceptivos, para além do aumento da idade ao casamento, que necessariamente diminuía o período de fecundidade (a abstinência, com, ou sem, a prática de outros tipos de sexualidade, o coito interrompido, a utilização do preservativo, em crescimento e com anúncio em diversos jornais de orientação não católica), que, com excepção da abstinência, eram alvo de ferozes ataques pela Igreja Católica, a maternidade era uma fatalidade, que podia, ou não, ser bem aceite pela mulher. Este é um período em que os Estados assumem uma política natalista, cujas características são, em muitos casos, agressivamente impositivas. A partir do início do século XVII, o sentimento maternal é ideológica e praticamente incrementado e a figura materna é idealizada e santificada. O positivismo torna a maternidade numa evidência científica. Assim, afirma-se que o instinto maternal é primacial na mulher, enquanto o sexual o seria no homem.

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PERROT, Michelle – Minha história…, ob. cit. p. 64

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Parto O parto é ainda um momento muito arriscado para a mulher. O momento em que o seu corpo se abre, para permitir o nascimento dum novo ser, está rodeado de rituais, de superstições e de cuidados. A grande maioria das mulheres não se dirige aos hospitais. Entre as camponesas e as mulheres das camadas populares urbanas, a ajuda vem de familiares, das vizinhas, das parteiras formadas na escola das tradições e da aprendizagem prática informal. Só quando esta é inexistente, ou são encontrados problemas graves durante o parto, é que se recorre ao hospital. No caso das mulheres com possibilidades monetárias afirmase, cada vez mais, a assistência obstétrica especializada, geralmente ainda no próprio domicílio, através da intervenção do médico (surgindo em significativo crescimento o número de médicas, que se dedicam, em boa parte dos casos, à ginecologia e obstetrícia), ou das parteiras diplomadas. Estas, formadas nas antigas Escolas Médico-Cirúrgicas da Monarquia, ou nas novas Faculdades de Medicina e Escolas de Enfermagem da República, montam consultórios, onde decorre um número crescente de partos, e publicitam a sua actividade nos jornais. Assim, por exemplo, a parteira Olímpia Carvalho, diplomada pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, publica o seguinte anúncio: “Diagnósticos e partos, por sistema modernamente ensinado, sem receio de infecções. Recebe parturientes em sua casa, para o que dispõe de bons alojamentos. Sítio muito saudável.” 13 Os partos das mulheres da elite social merecem referência nas colunas dos jornais, geralmente com o título em francês délivrance. Este termo, que mostra a que ponto a utilização da língua francesa chegava nestas camadas da população, tem dois sentidos cujos valores semânticos, quando relacionados, são interessantes, já que significa, simultaneamente, parto e libertação. Numa das muitas notícias do género dizia-se: “Felicitamos muito sinceramente o sr. Narciso Marques Loureiro, benquisto comerciante desta praça, pelo bom sucesso de sua exc.ma esposa, que o brindou com um galante filhinho.”14 Este tipo de expressões é característico do entendimento dominante sobre o papel diferente dos dois cônjuges na sua relação, já que o felicitado do parto da mulher era sempre e exclusivamente o marido, a quem ela tinha oferecido um brinde filial. Para além disso 13 14

Olímpia Carvalho, Parteira in O Comércio do Minho, Nº 5788 de 6-1-1912, p.3 Délivrance in O Comércio do Minho, Nº 6346 de 2-10-1915, p.3.

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os recém-nascidos do sexo masculino eram, quase sempre galantes, enquanto as recém-nascidas recebiam, em alternativa, os atributos de interessantes ou de formosas. Já o parto da maioria das mulheres não era assinalado, excepto quanto se revestia de características inusitadas, como a referida em seguida: “O guarda civil nº 62 fez conduzir em maca, da congosta dos Prados, para o hospital de S. Marcos, Maria Baptista, casada, da freguesia de S. Lázaro, a qual inesperadamente teve ali o seu bom sucesso.”15 De qualquer modo, é significativo notar que a popular em causa apenas teve um bom sucesso e não uma délivrance. Todo o parto se revestia de dor, maldição imposta por Deus a Eva, quando, ao expulsá-la do Éden, lhe disse: “Tu darás à luz na dor”. O parto era, então, uma das principais causas da mortalidade feminina. As informações jornalísticas só possibilitam o conhecimento desse facto quanto às parturientes dos grupos sociais destacados: “Depois de um parto laborioso, faleceu na manhã de domingo a srª D. Maria de La Salette, casada, de 29 anos, esposa do sr. Alberto Soares, industrial.” 16

Infanticídio O infanticídio era alvo de notícias frequentes nos jornais. Prática comum em séculos anteriores, muito particularmente durante a Idade Média, em paralelo com o aborto e o abandono das crianças, a sua penalização tornou-se cada vez mais significativa por parte do Estado. Para a Igreja esses três tipos de actos eram um pecado exclusivamente feminino. No Portugal das décadas iniciais do século XX, o infanticídio era praticado principalmente por mulheres solteiras. Estava-se em presença, na sua maioria, de jovens serviçais agrícolas, criadas, ou operárias, seduzidas ou violadas, em boa parte dos casos, pelos patrões, feitores, gerentes ou encarregados de fábricas, ou parentes destes. Descobrindose grávidas, tentavam ocultar o seu estado através da utilização de roupas largas, ou cintas apertadas. Se descobertas pelas patroas, eram liminarmente despedidas, o que agravava o seu desespero. O parto era realizado de forma oculta, com a mulher só, a qual rapidamente matava ou abandonava o recém-nascido, já que, com a necessidade de 15 16

In O Comércio do Minho, Nº 6297 de 5-6-1915, p.2. Falecimento in O Comércio do Minho, Nº 6347 de 5-10-1915, p.3.

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não despertar suspeitas, tinha de regressar rapidamente ao trabalho, escondendo o corpo em locais onde era facilmente encontrado. Outro grupo de infanticidas eram constituído pelas prostitutas e mendigas que, desprotegidas geralmente de redes de solidariedade familiar, tinham graves dificuldades em sustentar os filhos. Finalmente, o último grupo respeitava a mulheres casadas com maridos ausentes e que, não sabendo como esconder o ter praticado relações extraconjugais, queriam ocultar o que seria considerado a sua desonra. Entre diversos outros, é este o caso noticiado, em Julho de 1913, pelo O Comércio do Minho: “Francisca de Faria, do lugar da Silva, freguesia de Duas Igrejas, concelho de Vila Verde, casada, mas com o marido ausente no Brasil, deu há dias à luz uma criança do sexo masculino. Querendo encobrir a sua falta, asfixiou-a ao nascer, escondendo-a depois debaixo do soalho da sua casa de habitação, onde foi descoberta pelo regedor da freguesia.” 17 Esta notícia mostra a existência duma rede de controlo informal da vida pessoal, certamente constituída por vizinhas, e que conduziam à divulgação das suspeitas e a sua comunicação às autoridades, aqui representada pela figura do regedor.

Violação Os homens com quem estas mulheres tinham tido relações, muito raramente, até pelo poder económico e social que muitos deles dispunham, eram confrontados com as suas responsabilidades. Como afirma Miren Llona, “ La doble moral que estimulaba la vida sexual masculina pero castigaba la feminina era un lugar común. El doctor Juarros18 describia la mentalidad masculina respecto a los temas sexuales y afirmaba que: ‘la infedilidad en la mujer constituye un deshonor (…) Cuantas más mujeres se hayan poseído, más mérito varonil (…) Comprar el amor no es humillante’.” 19 Havia, no entanto, um limite de censura social e da moral dominante imposto a estes homens, que abusavam da sua situação de poder, já que 17 Infantícidio in O Comércio do Minho, Nº 5926 de 20-7-1913, p1 18 A autora cita o livro do médico César Juarros, El amor en España. Características masculinas, publicado, em 1927, em Madrid. 19 LLONA, Miren – Entre Señorita y Garçonne. Historia oral de las mujeres bilbaínas de clase media (1919-1939). Málaga, Universidade de Málaga, 2002, p. 285.

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“estas prácticas se realizaban observando una frontera sibilina que separaba las señoritas de las que no lo eran. En este sentido, la doble moral no solo tenía un contenido de género, sino también de clase. Los hombres de la clase media colocaban la barrera del respeto a la mujer haciéndola coincidir com los limites de su propia clase.” 20 Se estas situações seriam comentadas privadamente e provocariam murmúrios públicos, quantas vezes essencialmente de desaprovação da mulher que se teria deixado desonrar, as reacções podiam ser diversas, quando se tratava de uma mulher inserida num grande grupo de semelhantes e vítima de situações de abuso idênticas às de outras colegas. Tal sucedia, essencialmente, nas grandes fábricas, podendo levar a fortes tumultos entre o operariado, como sucedeu em 1913, no Porto. “Realizou-se domingo, em aquela cidade [Porto] o funeral da tecedeira Guilhermina Gomes Ferreira, de 21 anos, solteira, que se envenenara ingerindo ácido azótico, em virtude do mestre da fábrica onde ela trabalhava à avenida da Boavista, tentar violentá-la. O cadáver saiu da morgue onde foi feita a autópsia, sendo acompanhado ao cemitério de Agramonte pelos companheiros da fábrica e muitas outras pessoas, algumas das quais conduziam flores. Numerosos operários que acompanhavam o féretro, ao chegar à Praça Mousinho de Albuquerque, em vez de seguirem para o cemitério de Agramonte dirigiram-se até à frente da casa de habitação do francês Jules Falopin, que é apontado como causador da morte da fiandeira dizendo-se mais que ele é useiro em ofensas graves às mulheres que trabalham na fábrica que dirige. Estacionaram ali com o ataúde, promovendo ruidosa manifestação hostil contra o arguido, havendo morras. No meio de grande confusão, os populares arrombaram a porta e invadiram a casa, quebrando vários haveres e agredindo Falopin, que tentou defender-se a tiro. Acudiram alguns soldados da Guarda Republicana e Polícia, que com meios brandos, procuraram conter a multidão amotinada e livraram o francês de ser vítima das iras populares.” 21 Os relatos destas situações são muito raros, mas bem explícitos quanto à acção de protesto gerada pela violação das regras de conduta social por parte de um homem que, para além dessa sua condição, era 20 21

Idem. Grande rebuliço no Porto in O Comércio do Minho, Nº 6055 de 23-10-1913, p.1.

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representante da autoridade patronal, o que teve como consequência verificar-se uma violenta reacção de classe por parte dos operários e todos os outros participantes no funeral. Interessante é a cautelosa reacção policial que, embora se podendo dever a desconhecidos circunstancialismos, como fosse o possível elevado número de manifestantes face a um pequeno quantitativo de agentes da autoridade, não se compagina com a habitual violência policial sobre o operariado que então se verificava. Provavelmente, desta actuação não estaria arredado o repúdio sobre os actos do director da fábrica. Os casos de violação, face ao escasso número de referências encontradas, raramente deviam ser relatados. A expressão violação nunca surge, sendo substituída por outras expressões tais como crime grave, torpezas, ou fins ilícitos. Nas notícias recenseadas as vítimas eram, em todos os casos, crianças do sexo feminino ou mulheres do povo, bem como, com uma única excepção, os seus agressores, pelo menos nos relatos em que a profissão destes foi indicada. Nas notícias encontradas as violentadas eram, quase sempre, jovens, quando não crianças. O meio em que o acto sucedia era principalmente o rural e, em alguns casos, o violador era o pai ou outro parente. A notícia reproduzida, em seguida, é exemplar da maioria das características assinaladas. “Marcelina Rosa de Abreu, solteira, residente na freguesia de Pousada, queixouse à polícia contra Inácio Belchior, casado, jornaleiro, da freguesia de Crespos, por cometer um crime grave numa menor de 12 anos, filha da queixosa, quando se encontrava no monte a guardar gado.” 22 Nos dois títulos jornalísticos analisados o aborto é uma temática inexistente. Não se reflecte sobre a sua prática, não é referido um único caso em que tivesse sido encontrado um feto abandonado, não se fala de quem o faz, nem de quem o realiza.

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Crime grave in O Comércio do Minho, Nº 6613 de 2-8-1917, p.2.

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Casamento – desigualdade, agressão e homicídio Não se fala directamente, nestes jornais, da vida sexual feminina e, muito menos, do quotidiano sexual do casal. É evidente que, para os nossos jornalistas, como para os grupos sociais dominantes, o casamento era o único caminho aceitável para a união entre um homem e uma mulher. As noivas deviam chegar ao casamento ignorantes e ser possuídas pelo marido na noite de núpcias, num acto que, em muitos casos, era uma autêntica violação. Assim, tornavam-se verdadeiro terreno conquistado por aqueles que, apesar dos novos direitos civis concedidos pela República à mulher, após tantos anos de recusa por parte da Monarquia Constitucional, - direito ao divórcio, novas leis sobre a família e o adultério, bem como o fim da obediência ao marido, entre outros – continuavam a não ser iguais às suas cônjuges. Segundo a Lei do casamento como contrato civil, “A sociedade conjugal baseiase na liberdade e na igualdade, incumbindo ao marido, especialmente, a obrigação de defender a pessoa e os bens da mulher e dos filhos, e à mulher, principalmente, o governo doméstico e uma assistência moral tendente a fortalecer e aperfeiçoar a unidade familiar.”23 A partir daí, para muitas destas mulheres, a sexualidade resumir-se-á à prática, defendida religiosa e politicamente, do chamado dever conjugal. Ao analisar a vivência entre os membros dos casais, não nos podemos esquecer que o estudo da família e do seu quotidiano tem que, indispensavelmente, ter em conta as particularidades de cada grupo social, não podendo ignorar a existência, apesar da imposição ideológica dos valores da classe dominante, de uma estrutura de classes. A mulher da família burguesa estava, geralmente, muito dependente economicamente do marido, já que não trabalhava e, apesar de, na maioria dos casos, ter bens próprios eles eram administrados pelo cônjuge. Nas famílias de pequenos agricultores as mulheres obtinham rendimentos próprios através da venda, em casa, ou na feira, de diversos produtos. Quanto à mulher operária, jornaleira agrícola, criada urbana, costureira, lavadeira, vendedora nos mercados e feiras ou ambulante, ou desempenhando uma da miríade de trabalhos remunerados que as cidades propiciavam, tinha rendimentos próprios o que lhe possibilitava ter outra voz e outro peso na relação conjugal. Em suma, “A mulher trabalhadora ameaçava, a nível simbólico, a família, porque se tornaria 23 Artigo 39ª da Lei do casamento como contrato civil de 25-12-1910 in Diário do Governo nº 70 de 27-12-1910.

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liberada do marido e inviabilizaria a sua posse pelo homem. Assim, a mulher pobre que precisava trabalhar trazia em si mesma uma doença, por não se reduzir ao papel de mãe, fator fundamental, junto com o machismo, para a estabilidade conjugal.” 24 A violência dentro dos casais surge muito frequentemente nos jornais, principalmente através do relato de queixas à polícia, da participação da intervenção desta em conflitos entre homem e mulher, ou dos relatos da entrada de feridos nos hospitais. As notícias dizem praticamente sempre respeito a casais populares. É claro que isso não pode querer dizer que a agressão não sucedesse nas famílias dos grupos sociais privilegiados, mas apenas que esta não chegava à crónica policial dos jornais. Fácil se tornar traçar um paralelo similar ao do caso francês, tão bem relatado por Perrot: “A quantidade de mulheres que apanhavam dos maridos era imensa. Bater nas mulheres e nos filhos era considerado meio normal, para o chefe de família, de ser o senhor de sua casa – desde que o fizesse com moderação. Tal comportamento era tolerado pela vizinhança (…) Apanhar e bater era o cotidiano de muitos casais e (e não somente da camada popular)”.25 As notícias são geralmente secas, limitando-se a descrever os factos, sem utilização de atributos, ou comentários: “Rosa Gomes Vilaça, casada, jornaleira, da freguesia de Arentim, queixou-se à polícia contra seu marido, Manuel Joaquim Martins Pereira, por este ter agredido a queixosa com um cabo de enxada, de cuja agressão ficou gravemente contundida.” 26 A agressão reveste-se quase sempre, pelo menos nos casos relatados na Imprensa, de forte violência: “Deu entrada no Hospital de S. Marcos: Cândida Rosa, de 44 anos, casada com Domingos José de Sá, da freguesia de S. Lázaro em virtude do seu marido a ter agredido com um pontapé no baixo-ventre, causando-lhe grande perda de sangue.” 27 Em vários casos, as mulheres queixam-se das agressões atingirem também os filhos: “Maria Josefa, casada, moradora na freguesia de Nogueiró, queixou-se contra seu marido António Baptista, por constantemente lhe dar maus tratos, bem como ter espancado sua filha de nome Custódia

24 ESTEVES, Martha de Abreu – Meninas perdidas. Os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1989, p. 79. 25 PERROT, Michelle – Minha história…, ob. cit. p. 77. 26 Ocorrências policiais in O Comércio do Minho, Nº 5830 de 18-4-1912, p.1. 27 Do hospital in Ecos do Minho, Nº1401 de 9-10-1917, p.2.

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Peixoto, de 19 anos de idade.” 28 Das muitas dezenas de notícias encontradas, a grande maioria refere-se a mulheres agredidas pelos maridos, mas uma pequena percentagem de 8,9% relata o facto contrário. Isto contraria o estereótipo ideológico da “natural” fragilidade, delicadeza de constituição e submissão da mulher, mostrando que algumas se negavam a desempenhar o papel social a que estariam destinadas. Os títulos destas notícias encerram, desde logo, um comentário depreciativo para com a agressora: “Esposa pouco amorável” ou “Mulher de pêlo na venta”. Para além disso, os maridos são apresentados como vítimas infelizes da sua relação conjugal: “Silvestre António de Azevedo, de S. Jerónimo de Real, queixou-se à polícia de que, no dia 1 do corrente, sua mulher, na ausência do queixoso, arrombou as portas da casa e subtraiu vários objectos e, à noite, encontrando-se o infeliz marido com a mulher, convidou-a a ir para casa, ao que ela respondeu descarregando-lhe uma sacholada na cabeça, fazendo-lhe um grave ferimento.” 29 Num único caso, uma agressão relatada trata de um casal de comerciantes com algumas posses já que tinha, pelo menos, uma criada. Esta, aliás, faz causa comum com a patroa, ajudando-a a bater no patrão: “No hospital de S. Marcos recebeu curativo o sr. António Painçais, vendeiro, residente na freguesia de S. Jerónimo de Real, o qual apresentava graves ferimentos na cabeça, em consequência de ter sido valentemente espancado pela esposa e uma criada.” 30 Num grau mais elevado de violência, surge o homicídio de um membro do casal pelo outro. Dos cerca de quarenta casos noticiados ao longo da década em equação, 84% foram cometidos pelos maridos e 16% foram realizados, ou instigados, pelas esposas. Os homicídios são referidos, boa parte das vezes, de forma sintética, com as suas personagens a merecerem o tratamento devido à classe social a que pertencem, como se pode notar nos dois casos seguintes. “Em Queluz, um trabalhador da Quinta Nacional, após uma questão com a mulher, degolou-a com uma foice roçadora.” 31 28 29 30 31

Ocorrências policiais in O Comércio do Minho, Nº6596 de 19-6-1917, p.3. Esposa pouco amorável in O Comércio do Minho, Nº 5716 de 6-7-1911, p.2. Esposa pouco amorável in O Comércio do Minho, Nº 6125 de 9-4-1914, p.2. Que fígados! in O Comércio do Minho, Nº 6285 de 13-5-1915, p.1.

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“No Porto, segunda-feira, o industrial Lopo de Mesquita, após uma violenta desavença com sua mulher, D. Maria do Patrocínio Silva Mesquita, matou-a por estrangulamento, entregando-se em seguida à prisão.” 32 Quando o processo chegava a tribunal o relato era mais detalhado, como se nota num caso de um processo de homicídio de um marido pela sua mulher. “Respondeu ontem, em audiência de júri, no tribunal desta comarca, Felicidade Exposta, viúva, da freguesia de Cunha, deste concelho, acusada de, em de Março do corrente ano, agredir seu marido João Luís da Costa, que em virtude do bárbaro espancamento faleceu no dia 6 de Abril último. Foi condenada em 3 anos e 3 meses de prisão maior celular, ou na alternativa em 6 anos de degredo em possessão de1ª classe, e nas custas e selos do processo.” 33 É de assinalar, que o júri, sancionou o acto da mulher com uma condenação relativamente pequena para quem, segundo o mesmo periódico, espancou “valentemente”34 o marido, causando-lhe a morte. É evidente que, faltam dados para podermos avaliar os motivos desta decisão judicial.

Adultério O adultério, apesar da evolução legislativa da República, consubstanciada nas leis do Divórcio (que aponta como “causas legítimas do divórcio litigioso” o adultério praticado por cada um dos cônjuges35 ) e do Casamento (onde se afirma “Os cônjuges têm obrigação: De guardar mutuamente fidelidade conjugal”36 ), continua a merecer uma censura bem diferente se praticado pelo homem, ou pela mulher. Quando julgam um marido, que defendeu aquilo que é reconhecido socialmente como a lavagem da sua honra traída, matando o autor dela, os jurados são absolutamente complacentes na sua decisão. Tal é nítido numa decisão de um júri do Tribunal de Braga, como é relatado numa notícia de O 32 33 1912, p.2. 34 1912, p.2 35 1910. 36

Assassinato in O Comércio do Minho, Nº 6110 de 5-3-1914, p.1. Julgamento – Mulher que matou o marido à pancada in O Comércio do Minho, Nº 5875 de 8-8Uma virágo – Mulher que matou marido à pancada in O Comércio do Minho, Nº 5828 de 13-4Pontos 1 e 2 do artigo 4º da Lei do Divórcio de 3-11-1910 in Diário do Governo nº 26 de 4-11Ponto 1º do Artigo 38ª da Lei do casamento, cit.

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Comércio do Minho: “No tribunal judicial respondeu sábado, em audiência de júri, Manuel Barbosa, casado, vendeiro, natural de Mire de Tibães e que morou na rua dos Biscainhos, por ter alvejado com um tiro de revólver, em Fevereiro último, o carpinteiro José da Silva, na ocasião em que este cometia adultério com a esposa do réu e na casa do mesmo, resultando a morte do agredido, no hospital de S. Marcos. O júri deu o crime como provado, com a atenuante de ser praticado em ocasião de flagrante adultério, sendo portanto o réu condenado apenas em 6 meses de desterro na comarca de Aveiro.” 37 O ciúme nas relações de casamento terminava, muitas vezes, com situações de grande violência e, por vezes, pelo homicídio. Tal situação expressava-se mais no masculino, mas também sucedia no feminino. Esse é o caso que aqui se assinala. Na Chamusca, no dia 22 do corrente, às 8 e meia da tarde, Maria Rosa Castelo, casada, de 19 anos, esperou Maria Cipriana Cardadora, solteira, de 22 anos, no regresso da fonte, e cravou-lhe uma navalha no peito, dando-lhe morte instantânea. A causa do crime foi a Castelo suspeitar que a Cardadora mantinha relações com seu marido. A assassina foi presa.” 38

Defensa da honra Defender a sua honra ultrajada era considerado essencial no Portugal das primeiras décadas do século XX. A honra da mulher era então vista como vinculada à defesa da virgindade, enquanto não se casasse, e de cumprimento da fidelidade conjugal, após o casamento. A imprensa informa sobre os actos de várias mulheres que respondem agressivamente a acusações que lhe foram feitas de incumprimento da fidelidade. “Em 29 de Agosto último, na freguesia de Castro Laboreiro, Maria Rosa Gonçalves, casada, agrediu Guilhermina Gonçalves, da mesma freguesia, com um punhal, produzindo-lhe sete ferimentos no ventre, de que resultou falecer a agredida em 22 do mês corrente. 37 38

Julgamento in O Comércio do Minho, Nº 5689 de 2-5-1911, p.2. Assassinato in O Comércio do Minho, Nº 6031 de 28-8-1913, p.1.

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(…) O motivo da agressão foi uma difamação propalada pela vítima contra a criminosa.” 39 No contexto dos valores dominantes a actuação desonrosa por parte duma jovem atingia também a reputação familiar. Se ela se recusava a alterá-la, só um acto radical, que podia ir até ao homicídio, mostrava que a família a censurava e punia publicamente. “Num prédio da rua das Gaivotas, em Lisboa, como a menor de 16 anos Sara da Conceição Baptista não atendesse os bons conselhos que lhe eram dados por seu irmão Augusto César Baptista, este, após uma forte altercação que tivera com ela, disparou-lhe três tiros de revólver, matando-a instantaneamente. O cadáver da rapariga foi conduzido para a morgue e o criminoso, que fora internado da Casa Pia, onde fez o curso dos liceus, e era agora revisor do jornal ‘O Rebate’, foi preso e conduzido para o governo civil, onde confessou o crime. A rapariga havia sido raptada há meses pelo barbeiro Ornelas, estabelecido na rua do Capelo.” 40 Claro que esta jovem não tinha sido raptada sem a sua anuência, facto esse que nos abre o caminho para o mundo dos relacionamentos afectivos íntimos, sem a sanção das autoridades, através do casamento civil, e/ou da igreja, através do casamento religioso.

Para além do mundo burguês – práticas de namoro e amasiamento Apesar da transmissão, pela Igreja, pela normatização legislativa e pelo discurso médico, que cada vez alargava mais a sua influência ao conjunto da sociedade, do comportamento amoroso burguês, mantinham-se, bem resistentes, formas de relacionamento alternativas, essencialmente entre os grupos sociais desfavorecidos. Como constata Sidney Chalhoub, “Os teóricos da patologia social deram uma contribuição importante ao constatarem que os padrões de comportamento amoroso praticados pela classe trabalhadora não se ajustavam àqueles propalados pela classe dominante. A constatação é essencial na medida em que sugere limites claros à possível eficácia dos mecanismos de controle e repressão 39 40

In O Comércio do Minho, Nº 6045de 30-9-1913, p.1. Fratricídio in O Comércio do Minho, Nº 6040 de 18-9-1913, p.2.

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sexual ativados pelos detentores do poder e do capital.”41 Nas cidades, o operariado, os funcionários públicos de nível mais baixo, os empregados comerciais pior remunerados, muitos dos quais já não viviam em casa dos patrões, os trabalhadores dos mais diversos tipos de Serviços e os indiferenciados que sobreviviam do trabalho intermitente, bem como as suas famílias, moravam em quartos, em partes de casas, em ilhas, em pátios. Era este um mundo de escassa privacidade, em que todos se conheciam, em que os conflitos estalavam facilmente, em que a rua não era o anverso da casa, como acontecia com a burguesia, mas sim um prolongamento dela, em que a taberna, ao contrário dos países do Norte (onde há dezenas de anos tinha sido proibida a entrada às mulheres), era o local de encontro de todos, para além dos mercados e das fontes, ainda tão importantes devido ao lento avanço do abastecimento de água ao domicílio. Era nestes dédalos de becos e de ruas onde antigamente tinha vivido a burguesia, entretanto ida, ou a partir para bairros novos, que viviam muitas famílias, parte importante das quais constituídas por casais informais. Algumas viviam já em bairros operários, obra de beneméritos republicanos, ou de industriais e do Estado, que melhor queriam controlar todo esta mole humana, as suas práticas sociais e as suas súbitas fúrias, influenciadas estas, por vezes, por um sindicalismo que se ia afirmando, em paralelo com os movimentos republicanos radicais, o anarquismo e o nascente e ainda muito frágil movimento comunista. Os recenseamentos populacionais não permitem sabermos qual era a percentagem deste tipo de casais, que também existia nos campos, talvez mais a Sul do que a Norte. Mas os jornais possibilitam a visão do tipo de relacionamentos pessoais e colectivos que se verificavam no seio desta imensa população, bem como a forma como as mulheres e os seus corpos viviam, eram cuidados, encarados, e interagiam. O tipo de violência entre os casais constituídos sem o abrigo da capa matrimonial não era diferente da verificada entre os constituídos da forma então considerada legal. “Em Lisboa, Félix José de Carvalho, de 20 anos, serralheiro, empregado na fábrica de tabacos, assassinou com três facadas a sua amásia Maria de Jesus

41 CHALHOUB, Sidney – Trabalho, lar e botequim. O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. Campinas: Editora da UNICAMP, 2ª ed., 2ª reimp., 2008, p. 173.

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Silva, de 43 anos, viúva, com cinco filhos, operária da mesma fábrica.” 42 Os jornais, monárquicos ou republicanos, tratavam sempre os membros destes casais sob o título de amante ou amásia(o), mostrando uma censura explícita sobre este tipo de relacionamentos. Em todos os grupos sociais os homens estavam imbuídos por uma cultura marcadamente machista, que levava a ver as mulheres como seres inferiores e que, tanto sob a capa da sedução, como da conquista podia conduzir a episódios de explosão violenta, como se torna bem explícito pela leitura das duas notícias seguintes. “Terça-feira, na rua Sá da Bandeira, do Porto, o capitalista Carlos Luís de Castro, ao passar por seus primos Luís da Silveira Castro, também capitalista, e D. Beatriz de Castro, irmã deste, desfechou uma pistola contra o mesmo, matando-o, e depois contra si próprio, morrendo também. O motivo deste crime diz-se que foi a recusa de D. Beatriz à mão de seu primo, que atribuiu a sugestão do irmão daquela senhora e primo do tresloucado assassino e suicida.” 43 “Filomena Maria, de Adaúfe, queixou-se também no comissariado de polícia contra Joaquim Gomes, por a ter agredido e ameaçado, pelo facto da queixosa não acede aos desejos do arguido, de viver maritalmente com ela.” 44 O namoro tinha ritos próprios, com diversa literatura aconselhadora e dogmática publicada sobre ele, com pedidos aos pais da jovem, com acompanhamento duma vigilante, em casa, ou durante os passeios em público. Só que isto se passava essencialmente no contexto burguês. Aí, “El ideal para el que aquellas mujeres habíam sido destinadas, y del que participaban era el matrimónio. Sin tener ninguna possibilidade de ganarse la vida, la creción de una nueva unidad familar a que dar sentido constituía la meta de la mayoría de las señoritas. (…) Cambiar una tutela, la paterna, por outra, la conyugal, y sin embargo percibir este lazo de subordinación como una forma de liberación porque marcaba el comienzo de la vida própria, era fundamental en sus vidas y expresaba los estrechos márgenes de decisión que tenían estas jóvenes.” 45 42 43 44 45

Assassinato in O Comércio do Minho, Nº 6605 de 14-7-1917, p.1. Tragédia sangrenta in O Comércio do Minho, Nº 5785 de 28-12-1911, p.1. Ocorrências policiais in O Comércio do Minho, Nº 6271 de 4-4-1915, p.1. LLONA, Miren, ob. cit., pp. 42-43.

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No ambiente popular, as jovens não estavam recolhidas em casa, não saíam apenas quando acompanhadas (embora esta situação estivesse lentamente a mudar entre a burguesia), trabalhavam quotidianamente (como algumas jovens, principalmente da pequena burguesia, começavam a fazer enquanto professoras, enfermeiras, telefonistas e dactilógrafas) e, devido à porosidade visual, sonora e de linguagem do seu ambiente, bem como à promiscuidade de contactos humanos trazida pela habitação degradada em que viviam, tinham conhecimento das práticas da vivência sexual. O namoro iniciava-se muito cedo, gozando os casais, principalmente nas cidades de Lisboa e do Porto, devido ao anonimato que o seu elevado número de habitantes proporcionava, de uma liberdade de encontro e de relacionamento muito maior do que os seus congéneres do mundo burguês. A tentativa que muitos dos jovens do sexo masculino faziam, dadas as práticas machistas dominantes, para dominar as relações com os seus pares, logo desde a fase de namoro, e o entendimento diverso do comportamento prático a adoptar nestas relações, por parte de muitas das jovens, conduzia a armadilhas mortais para elas, quando não para os dois. “Na rua de Nova Cintra, da mesma cidade [do Porto], Eduardo Alves de Andrade, de 22 anos, (…) por motivos de ciúme, disparou três tiros de revólver contra a costureira Ester da Piedade, de 17 anos, deixando-a muito ferida, e depois disparou contra si próprio, tendo morte instantânea. ” 46 O ciúme era um dos motores destes homicídios, seguidos de suicídios, por parte de um número significativos de jovens, o que era forte e ironicamente censurado pelos jornalistas, como se pode verificar no exemplo seguinte. “Segunda-feira de manhã, na avenida das Freiras, em Lisboa, o empregado comercial António Carlos Aranha o ‘Tata’, de 18 anos, disparou um tiro de revólver contra a sua namorada Olívia dos Santos, de 15 anos, a qual foi conduzida em estado grave para o hospital de S. José, onde faleceu. António Aranha, depois de praticado o crime, caiu também por terra sem vida, sendo-lhe encontradas algumas cartas. Agora estão em moda estas cenas. 46

Cenas sangrentas in O Comércio do Minho, Nº 5710 de 22-6-1911, p.1.

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Ao menor contratempo, os jovens Romeus matam as suas Julietas e matam-se também em seguida. Que tempos!” 47

Os acidentes no contexto do trabalho feminino As mulheres trabalhavam para poder sobreviver, ou ajudar a sobreviver as famílias, numa década problemática, pontuada por uma Guerra Mundial, que acrescentou ainda mais dificuldades a essa luta quotidiana, com o encerramento, ou diminuição de dias de funcionamento, de muitas unidades fabris e nem a partida de largos milhares de homens para as trincheiras europeias, ou para as batalhas nas colónias, melhorou substancialmente a situação do emprego feminino. Em ambientes de trabalho boa parte das vezes insalubres, sem protecção para os trabalhadores e com jornadas laborais muito longas e fatigantes, para além de terem uma alimentação deficiente, as trabalhadoras, a exemplo dos seus colegas, sofriam acidentes frequentes, muitos dos quais tinham consequências graves, fortemente incapacitantes, ou até mortais. “Na sala de observações do hospital da Misericórdia foi recolhida para tratamento a fiandeira Ana Marques de Santo André de Candelo, Gaia, que andando a trabalhar na fábrica de tecidos do sr. Azevedo Meireles, à rua D. Pedro V, foi ali atingida no peito por uma lançadeira, que se deslocou do seu respectivo lugar, caindo sem fala”. 48 Os acidentes aconteciam também nos campos, como se verifica pelas duas notícias seguintes. “Deu entrada no hospital de S. Marcos, Maria da Conceição, de 40 anos, residente na freguesia de Nogueira, a qual andando a trabalhar em um campo, foi inesperadamente investida por um boi, que com uma das hastes lhe perfurou o baixo-ventre.” 49 “Remígia Marques, da freguesia de Palmeira, andando a colher uvas, quebrou um cabeço de árvore, caindo a mulher e magoando-se a ponto de deitar 47 Cena de sangue in O Comércio do Minho, Nº 6409 de 9-10-1913, p.1. 48 Desastre no trabalho in Ecos do Minho, Nº 1265 de 28-4-1917, p. 2 49 Mulher investida por um boi que lhe rasga o ventre in O Comércio do Minho, Nº6099 de 7-21914, p.2.

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sangue pela boca.” 50 Mesmo na pesca, faleciam mulheres, como sucedeu, em 1913, a uma solteira de 19 anos e uma viúva de 36 anos, naturais de Vila Chã, num naufrágio de três barcos de pesca, ao largo de Esposende, no qual também morrem sete homens.51 Muitas crianças do sexo feminino trabalhavam quotidianamente, como indiferenciadas, nos mais diversos ofícios, incluindo os de maior dureza como as minas, sofrendo na pele o difícil confronto com a sua fragilidade física: “Com uma perna fracturada por haver ficado debaixo de uma vagoneta das minas da Borralha, deu sábado entrada, às 8 e meia da noite, no hospital de S. Marcos, Gracinda Ribeiro, de 8 anos, filha de Vicente Ribeiro e Rosa Martins, natural da freguesia de Salto, concelho de Montalegre.” 52 Na agricultura e trabalhos correlativos o trabalho no contexto familiar era normal para as jovens das famílias pobres e remediadas, que, por vezes, se enfrentavam com dificuldades novas, que as suas mães não tinham tido, resultantes do confronto do seu mundo tradicional, onde o transporte era milenar e pouco tinha evoluído, com o novo mundo das máquinas rolantes trazidas pelo dealbar do século XX: “Ontem de manhã, na rua D. Pedro V, um automóvel que seguia atrás dum carro de bois, provocou um embate sobre este, resultando espantarem-se os animais e ser atropelada uma rapariga que os conduzia, Glória de Carvalho, de 15 anos de idade, filha de Manuel Carvalho, lavrador, de Pedralva. A infeliz ficou muito maltratada, sendo removida para o hospital de S. Marcos, onde se encontra.” 53 O trabalho doméstico também se revela perigoso para as mulheres, principalmente em habitações em que a lareira era um dos focos, como local em que se cozinha e, em torno do qual, as pessoas se aqueciam. O tipo e dimensão das roupas usadas também contribuíam para a existência frequente de acidentes, bem como os problemas de saúde recorrentes de boa parte da população. São numerosas as notícias referentes a casos destes. 50 51 52 53

In O Comércio do Minho, Nº5606 de 6-10-1910, p.2. Barcos naufragados – Mortes in O Comércio do Minho, Nº6061 de 6-11-1913, p.1. Desastre in O Comércio do Minho, Nº6280 de 27-4-1915, p.1. Atropelamentos in Ecos do Minho, Nº1238 de 27-3-1917, p.3.

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“Há dias, na freguesia de Soutelo, quando Ermelinda Fernandes, solteira, de 24 anos estava a cozinhar, foi acometida dum ataque, caindo ao fogo. Este comunicou-se-lhe logo à roupa e a infeliz morria de ali a pouco, inteiramente carbonizada.” 54

Violência e agressão As dificuldades pessoais constantes levam a que violência rebente facilmente os diques da convivência. Os casos de luta envolvendo mulheres, pelo menos de um lado da contenda, a que os jornais se referem são várias centenas ao longo da década em análise. Boa parte das vezes, terminam com a intervenção da polícia e a sua condução à esquadra, podendo, depois e consoante a sua gravidade, seguir para inquérito judicial e para julgamento. “O guarda civil nº 39 conduziu à esquadra, por serem encontradas em desordem, Maria Ferreira, casada, e Narcisa Pereira, ambas da freguesia de S. Lázaro, sendo a segunda ferida num braço com uma navalhada, pela primeira arguida.” 55 Como se verifica, algumas destas mulheres andavam mesmo armadas, não tendo, necessariamente, que integrar grupos que se dedicavam ao roubo, ou à mendicidade, como meio de vida. Nas zonas rurais os enfrentamentos físicos também não eram raros e os espancamentos de uma mulher por várias outras sucediam com alguma frequência. “Maria Angelina, lavradeira, moradora na freguesia de S. Pedro de Este, queixou-se na esquadra de polícia que três mulheres residentes naquela freguesia a agrediram, fazendo-lhe alguns ferimentos no rosto e outras contusões pelo corpo. A ferida recebeu curativo no banco do hospital de S. Marcos, seguindo para sua casa.” 56 Muitas vezes a luta travava-se entre vários oponentes e, nos meios rurais, podia incluir ainda o apedrejamento da casa de um dos lados em 54 55 56

Morte desastrosa in O Comércio do Minho, Nº6694 de 23-5-1918, p.2. Ocorrências policiais in O Comércio do Minho, Nº 5841 de14-5-1912, p.1. Agressão in Ecos do Minho, Nº1330 de 17-7-1917, p.2.

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conflito. “Maria Vilaça, solteira, moradora na freguesia de Tebosa, apresentou queixa no comissariado de polícia, contra Francisco de Sá e António Barbosa, ambos da referida freguesia, acusando-os de lhe apedrejarem a casa, e agredirem à cacetada.” 57 Outras vezes, revestia a forma de espancamento violento de uma mulher por parte de um homem. ”Teresa Ribeiro, costureira, moradora no Largo dos Penedos, queixou-se na polícia contra João, solteiro, correeiro, da Rua do Carvalhal, arguindo-o de espancar violentamente a queixosa.” 58 Estes incidentes sucediam, como é este o caso, entre vizinhos. Noutros a mulher era a agressora, mesmo quando do outro lado se encontrava um homem. “José Maria Peixoto, da freguesia de Adaúfe, também se queixou na esquadra contra Joaquina Cândida, da mesma freguesia, por esta ter agredido o queixoso à bengalada.” 59 Os incidentes aconteciam, por vezes, mesmo entre parentes próximos. “Foi presa e hoje enviada a tribunal de investigação Maria de Jesus Pereira, da rua da Fonte Taurina, que após vários insultos obscenos agrediu brutalmente sua mãe, Rita de Jesus Pereira, ferindo-a; pelo que foi curar-se ao hospital da Misericórdia.” 60 A resistência à autoridade e à sua intervenção era frequente, por parte de muitas mulheres, mas, pelo menos a avaliar pela informação jornalística, raramente chegava ao confronto físico, como veio a suceder no caso a seguir reproduzido. “Foi detida no comissariado de polícia, Ana Gonçalves, vendedeira de leite, da freguesia de Nogueira, a qual investiu contra o guarda municipal nº 17, que por sua parte tentara agredir a soco a detida.” 61

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Agressão in Ecos do Minho, Nº1402 de 10-10-1917, p.2. Espancamento in Ecos do Minho, Nº1328 de 14-71917, p.2. Ocorrências policiais in O Comércio do Minho, Nº 5964 de15-3-1913, p.2. Filha que bate na mãe in Ecos do Minho, Nº1411 de 20-10-1917, p.2. Detenção in O Comércio do Minho, Nº 6355 de 4-11-1915, p.3.

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Motins de fome Os mercados, as feiras, as padarias, as mercearias, entre outros estabelecimentos, são os locais onde a mulher do povo compra e vende, conversa e murmura, protesta e pragueja, esbraceja e luta. Quando há carestia ou falta dos produtos alimentares, em especial o pão, estas mulheres amotinam-se e reagem violentamente. “A mulher do povo tem mais independência gestual [do que a burguesa]. Seu corpo continua livre, sem espartilho (…) A dona de casa vai, com os cabelos à mostra (…) indiferente à moda e a seus mandamentos que tiranizam as mulheres da ‘classe de lazer’, preocupada apenas com a limpeza que as dificuldades para a obtenção de água complicam singularmente. Ela tem o gesto pronto, assim como a resposta. Esta mulher é um artigo inflamável cujas reacções são temidas pelas autoridades.” 62 País capitalista da periferia, com estruturas económicas e uma industrialização frágeis, Portugal estava ainda muito sujeito a crises de escassez de alimentos, especialmente de pão. Com a Guerra, a situação alimentar agravou-se substancialmente e conduziu a motins de fome, tanto nas urbes, quanto em zonas rurais. Neles, as mulheres, como responsáveis imediatas pela aquisição dos víveres, tomaram um papel destacado. Nas ruas, praças e estradas ouviam-se as alteradas vozes femininas e os seus corpos, impulsionados pela necessidade de obter mantimentos para si e para a sua família, não hesitavam em enfrentar com impetuosidade as forças policiais que, com a violência que a representação da autoridade do Estado lhes dava, os feriam duramente e, por vezes, matavam. “Durante a tarde e noite de quarta-feira, juntou-se mulherio na rua 5 de Outubro, fazendo grande algazarra por causa duma exportadora de pão para o Porto, que se preparava para exportar uma fornada. (…) De tarde, quando o ajuntamento era maior, compareceu ali uma força da Guarda Republicana, que fez remover o pão, em duas carroças, para o Comissariado de Polícia, onde ontem foi vendido ao povo a 30 réis o quilo (…) Muitas mulheres acompanharam as carroças fazendo grande alarido, sendo presas 7 pela polícia e as outras dispersas à espadeirada.” 63

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PERROT, Michelle – As mulheres …p. 212. In O Comércio do Minho, Nº 6602 de 7-7-1917, p.2.

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A embriaguez Com o avanço das doutrinas higienistas e os progressos da imposição da ordem burguesa, o alcoolismo passa a ser profundamente condenado e a embriaguez, pelo menos quando pública, é fortemente sancionada, não só no capítulo moral, mas também no policial. Se já é condenável um homem apresentar-se embriagado em público, isso torna-se muito mais censurável quando se trata de uma mulher e, particularmente, se esta usa linguagem considerada como imprópria: “Foi recolhida na esquadra, por ser encontrada embriagada e proferir obscenidades, Maria Angelina, viúva, da freguesia da Cividade.” 64 Os jornais transmitiam, aliás, exemplos de casos fatais do consumo do álcool, associando-os à prática da marginalidade social: “Domingo à noite faleceu, por ter ingerido quartilho e meio de aguardente, Mariana da Fonte, mulher de vida fácil.” 65 As mulheres merecem mesmo a explícita solidariedade dos jornalistas, nos casos em que tiveram o azar de casar com um homem alcoólico: “António Moreira, carpinteiro das obras públicas, de 50 anos, e morador no Pátio do Mendonça, a S. Bento, é pouco afeiçoado ao trabalho, entregando-se ao vício da bebedeira. Havia dias que não comparecia ao serviço. Hoje faltaram em casa os meios de subsistência, e a mulher teve com ele, por esse motivo, algumas explicações. Irritado, feriu brutalmente a pobre mulher, Maria das Dores Silva Murteira, matando-a. A vítima tinha 40 anos. O cadáver foi para o necrotério, e o assassino refugiou-se numa escada, onde depois foi preso. Do infeliz matrimónio ficam três filhos.” 66

Mendicidade Um fenómeno endémico no Portugal de então era a mendicidade, situação que se agravou muito com a eclosão da 1ª Guerra Mundial e a posterior entrada do País no conflito. As ruas das cidades e vilas eram percorridas por mendigos dos dois sexos, adultos e crianças, sujos, com roupas velhas, muitas vezes carregados de parasitas e com fome, 64 65 66

Ocorrências policiais in O Comércio do Minho, Nº 6601 de 4-7-1917, p.2. Vítima da aguardente in O Comércio do Minho, Nº 6642 de 22-12-1917, p.2 Esposo assassino in Ecos do Minho, Nº1402 de 10-10-1917, p.2.

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pedindo simplesmente, ou tocando e cantando nas esquinas. A Imprensa fazia-se eco descritivo desta situação, de uma forma, no caso dos jornais em análise, influenciada pela oposição ao regime republicano, mas que não se afastaria significativamente da realidade que então se vivia: “A miséria alastra duma maneira assustadora. As classes baixas lutam por pavorosas dificuldades de vida, provenientes da escassez de trabalho, que se nota nos diversos ramos da actividade humana. (…) À hora em que o rancho é distribuído nos quartéis da guarnição, vemos nós sempre uma aglomeração de famintos, homens, mulheres e crianças, andrajosos e nus, de aspecto macilento denunciador de miséria, que à porta de armas se reúne na ânsia de mitigar a fome.” 67 Sem uma estrutura de apoio social relevante e consistente, por parte do Estado, com as instituições particulares, que em boa parte pertenciam à Igreja, não dando uma resposta minimamente cabal, outras iniciativas surgiam, mesmo ligadas à Imprensa, como fossem a abertura de subscrições, junto dos leitores, a favor de certos pobres, caracterizados sempre, nas palavras dos redactores, por uma vida exemplar anterior e por uma miséria provocada pela doença. “Uma respeitável senhora desta cidade pede-nos que imploremos a caridade dos nossos leitores em benefício de duas pobres mulheres mãe e filha, que, tendo estado a servir, se encontram agora na mais confrangedora miséria, devido a doença.” 68 A fome, as doenças, a falta de condições habitacionais provocavam a morte súbita de muitos mendigos, particularmente no caso dos do sexo feminino, como era informado constantemente e se releva nos dois exemplos seguintes. “Nos albergues da polícia, onde pernoitava, faleceu sem ter assistência médica, a indigente Laurinda da Glória, de 25 anos, natural de Chaves.” 69 “À 1 hora da madrugada de ontem, apareceu morta na Praça Municipal, Maria Teresa Domingas, viúva, de 59 anos, natural de S. Romão da Ucha, concelho de Barcelos.

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O quadro in O Comércio do Minho, Nº 6596 de 19-6-1917, p.1. À caridade dos nossos leitores in Ecos do Minho, Nº1618 de 2-7-1918, p.1. Sem assistência in Ecos do Minho, Nº1374 de 7-9-1917, p.2.

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Supõe-se que morresse de frio.” 70

Vadiagem A vadiagem entrelaçava-se com a mendicidade, embora se procurasse distingui-las, sendo defendido pelos jornalistas que esta última era legítima para os deficientes, os doentes e aqueles que tinham ficado no desemprego, e, embora procurando activamente um novo trabalho, o não tivessem ainda conseguido. Os vadios eram todos os outros, os que se dedicariam a pedir esmola por não quererem trabalhar. Vadiar é, para além disso, estar disposto a participar em actividades condenáveis ou criminosas (roubo, assalto violento, rixas, embriaguez, prostituição, ou proxenetismo). Neste tipo de discurso existe todo um contexto ideológico sobre os aspectos positivos do trabalho e a indispensabilidade da sua obrigatoriedade, sendo o seu oposto a perniciosa vadiagem, dos ociosos pobres que não queriam trabalham. Por todo o país existiam muitas mulheres consideradas como vadias e, como tais, se reincidissem, podiam ser internadas nas Instituições criadas propositadamente pela República, ou, pelo menos no sidonismo, serem enviadas, como muitos homens, para as colónias. É muito difícil perceber se estamos em presença de mulheres que, por vontade própria, ou necessidade, viviam de expedientes, para além da linha do considerado como normalidade social, ou se, em bastantes casos, não eram prostitutas a tempo inteiro, ou quando tinham necessidade dessa prática, para sobreviverem. Estas prostitutas eram clandestinas, percorrendo as ruas, muito particularmente de noite. A polícia efectuava regularmente rusgas pela cidade, visando a detenção dos vadios de ambos os sexos. Tais operações e as suas consequências são referidas regularmente pelos jornais. “Foram detidas na esquadra, Joaquina da Silva, solteira, de Caires, Amares, e Rosalina Gomes, da freguesia da Lama, Barcelos, por andarem de mistura com vadios” 71 “Foram apresentadas ao sr. Juiz de Direito, por serem incorrigíveis na vadiagem, Patrocínia de Jesus e Silva, de Amares, e Adelina Gonçalves, de 18 anos, da freguesia da Lage, do concelho de Vila Verde” 72 70 71 72

Mulher morta na via pública in O Comércio do Minho, Nº 6080 de 23-12-1913, p.2. Vadiagem in O Comércio do Minho, Nº 6350 de 12-10-1915, p.2. Prisão de vadias in O Comércio do Minho, Nº 5725 de 29-7-1911, p.2.

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“A polícia deteve na noite de quarta-feira, após uma rusga que realizou, 25 mulheres que encontrou a vadiar.” 73 Todos estes casos respeitam à cidade de Braga, o que mostra a elevada quantidade de mulheres detidas constantemente como vadias. A maioria das pessoalmente identificadas pelos periódicos, ou eram naturais das zonas rurais do concelho, ou dos concelhos limítrofes, ou ainda eram referidas como residentes na cidade. A sua idade era geralmente inferior aos 30 anos, sendo bastantes menores, a partir dos 15 anos. Muitas destas jovens deviam ter abandonado os campos, fugindo à miséria, quer por conta própria, quer trazidas, ou atraídas, à cidade para se empregarem como criadas, ou noutros trabalhos com pouca diferenciação. Sem obterem emprego ou, caídas em desgraça, por terem comportamentos considerados à margem do decoro (namoro não autorizado, perda provada da virgindade, sedução ou violação por parte do patrão ou seus familiares) eram despedidas e passava a serlhes muito difícil arranjar novo trabalho, o que as conduzia para um tipo de vida considerado à margem.

Mulheres de vida fácil Uma das práticas destas mulheres para sobreviverem era a prostituição – a de rua, proibida, a tolerada, legalizada e controlada através da matrícula e inspecções sanitária e policial, a para as elites, exercida em casas clandestinas, embora conhecidas por muitos e convenientemente ignoradas pelas autoridades. “Não é só a mendicidade e a vadiagem que nos envergonham e nos aviltam. Avilta-nos também a prostituição desenfreada que por aí campeia, esse tráfico vergonhoso a que se entregam menores, arrastadas à desgraça por mães criminosas que fazem com elas comércio e procuram auferir lucros da inocência vendida.” 74 “(…) ou porque se julgam impotentes para sustentarem, com o produto dum trabalho honesto, o luxo que as seduziu e de cuja proveniência as mães se fizeram ignorantes.” 75 A acusação às mães de atirarem as filhas para a prostituição, ou de não as terem sabido convencer a aceitar o seu baixo estatuto social, certamente que se aplicava a alguns casos. No entanto, é evidente que o jornalista não quis compreender, ou não o conseguia, a realidade 73 74 75

Vadiagem in O Comércio do Minho, Nº 5884 de 31-8-1912, p.3 Uma trindade vergonhosa in O Comércio do Minho, Nº 6314 de 20-7-1915, p.1. O quadro in O Comércio do Minho, Nº 6596 de 19-6-1917, p.1.

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que levava, no plano colectivo, muitas jovens a transformarem-se em prostitutas. Integra-se, assim, no contexto, do pensamento dominante, que responsabiliza essencialmente as mães pela educação das filhas, muito particularmente quanto à moral e aos costumes. O recurso masculino à prostituição é justificado, em boa parte, por uma proclamada frigidez da mulher casada. Esta, no seu comportamento honestamente correcto, não teria prazer, sentindo o acto sexual apenas como uma devoção, a prestar no altar matrimonial, ao marido, já que nem sequer o desejaria. Daí resultaria a necessidade que os homens, seres quentes e ardorosos, cujo corpo exigia uma actividade sexual regular, teriam de possuir amantes, de seduzir mulheres dependentes profissionalmente de si, de frequentar prostitutas. O sistema de tolerância da prostituição existente, apesar do longo e aceso debate travado entre regulamentaristas e proibicionistas, apenas conseguiu enquadrar um pequeno número de prostitutas, num bairro, ou rua específica de cada cidade, com as suas casas dirigidas por mulheres, geralmente antigas prostitutas, as suas janelas de tabuinhas, para ocultar o interior e o seu corrupio de clientes era apenas uma das faces da prostituição que praticamente nunca surge nos jornais. Já o ambiente da prostituição clandestina, mais pobre, onde a sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis não eram minimamente controladas, é referido, como escandaloso e a reprimir. “O cabo nº 43 da polícia cívica deu conhecimento de que um grande número de praças do Exército costuma estacionar nos bairros mais centrais da cidade, com mulheres de vida fácil, o que se torna ridículo e escandaloso.” 76 “O soldado número 664 da 4ª bateria de Artilharia 6 José Marques das Neves quando esta noite se encontrava numa casa da rua da Cordoaria Velha pertencente a Maria José Damas, foi agredido à navalhada por umas mulheres das muitas que ali se costumam abrigar, ficando muito ferido no rosto.” 77 Este mundo circula entre a rua, as casas clandestinas e as tabernas. É também o mundo da boémia, em que se iniciam muitos jovens das várias camadas sociais, dos operários aos camponeses, dos empregados comerciais e aos estudantes liceais. É um mundo não desejado pela 76 77

Pró moralidade in O Comércio do Minho, Nº 6097 de 3-2-1914, p.2. In Ecos do Minho, Nº1402 de 10-2-1917, p.3.

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vizinhança que tenta afastá-lo dos seus olhos e impedir a perturbação que causa. “Diversos moradores do Largo da Sé entregaram uma representação ao sr. Comissário de Polícia, pedindo que seja encerrada uma casa de má nota existente no mesmo Largo .”78 Estamos, pois, em presença de um dos vários universos paralelos que marcam a vivência quotidiana das urbes e vilas portuguesas da primeira década da República. Sobre ele exerce-se a repressão social e política, pontuada pela construção legislativa, pela actividade dos higienistas e pela actuação, quantas vezes dúbia, do aparelho policial. “Na noite de sexta-feira, a polícia fez uma rusga à cidade, prendendo homens e mulheres de má nota, em tascos funcionando fora da hora regulamentar.” 79 Os dois mundos femininos, encontravam-se, por vezes, na realidade, ou na efabulação preconceituosa do jornalista. Este, na notícia que se reproduz em seguida, põe em oposição chocante dois mundos femininos, marcados por valores opostos e irreconciliáveis. “Duas mulheres bem postas no seu vestuário e um grupo de indivíduos boémios dançando, no largo do templo e arruados do Santuário, duma maneira indecorosa, com gestos indecentíssimos, o que é impróprio do local que pisavam, e tudo de mistura com palavreado fácil e ditos do mais descarado impudor! Senhoras que ali se encontravam tiveram de fugir vexadas com o que se presenciava. Dir-se-ia que o Bom Jesus do Monte se transformara numa estância de depravação e pouca vergonha.” 80

Meninas burguesas à solta pelas ruas e a moral cristã Os cronistas mais conservadores expressam as suas opiniões desfavoráveis, quanto a um novo hábito – o das jovens burguesas saírem à rua sem a companhia da mãe, duma familiar ou de alguém responsável e mais velho. A crítica estendia-se mesmo à participação destas jovens em peditórios realizados na rua para ajuda aos soldados que combatiam na Grande Guerra e suas famílias.

78 Representação in O Comércio do Minho, Nº 6114 de 16-3-1914, p.3. 79 Rusga in O Comércio do Minho, Nº 6693 de 14-5-1918, p.2 80 Falta de educação cívica. – Em plena estância do Bom Jesus do Monte in Ecos do Minho, Nº315 de 22-1-1914, p.1.

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“Não se compreende, não pode ser genuinamente cristã uma caridade que serve para as meninas andarem à solta pelas ruas e perderem no ambiente da rua a modéstia e o pudor cristão. (…) Bom era que as nossas mamãs ponderassem (…) sobretudo agora, quando parece que o desejo de ajudar as obras de guerra, o pretexto da caridade, vai servindo de factor importante de perda de decoro e modéstia, que eram o melhor adorno da mulher portuguesa. Fazer da caridade, instrumento de reclame da própria pessoa, fazer da caridade ocasião para descer o nível da moral social, não é nem pode ser espírito cristão. Tudo isto está longe da tradição dos nossos maiores, tudo isto merece ser severamente profligado. Tenham ao menos os jornalistas católicos coragem e isenção para se não curvarem diante do respeito humano. A defesa do lar português exige que se fale sem contemplações. As associações católicas do país, sobretudo as das senhoras, como são as Congregações das Filhas de Maria, etc., combatam abertamente esta infiltração perigosa do paganismo que ameaça a família portuguesa cristã. Os pregadores exponham claramente aos fiéis o que ensina a moral católica no que diz respeito a espectáculos, danças, modas, etc. Sigam o exemplo do Sacerdote que numa das nossas capitais recusou administrar a Sagrada Comunhão a uma senhora cujo traje não condizia com o respeito que se deve a acto tão sagrado.” 81 Estamos em presença duma visão profundamente retrógrada, quanto à educação feminina e ao papel da mulher em Sociedade. Nela, a partir da construção ficcional duma pretensa entidade colectiva – a família portuguesa cristã – defende-se a prática duma moralidade rigorosa de fundamentação católica ultramontana, que recusa tudo o que seja encarado como “moderno”, e a que atribui o epíteto de pagão, que relaciona com maquinações da Maçonaria e, logo, do regime republicano. Este é o pensamento de alguns dos colaboradores dos jornais investigados, principalmente no caso do Ecos do Minho, que defendiam uma Monarquia Absoluta, e chamavam de malfadada à Monarquia Constitucional. Sem ser dito, é claro que o cronista sabia que as jovens burguesas podiam aproveitar estes momentos sem vigilância directa para poderem ter momentos de liberdade e, a pretexto dos diálogos de rua que os peditórios propiciavam, poderem flertar com jovens rapazes, pecado 81

Por esse mundo fora in Ecos do Minho, Nº1238 de 27-3-1917, p.3.

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capital no contexto da visão do mundo que vem sendo analisada.

A Moda, os corpos expostos e o olhar do Outro Outros cronistas usavam uma crítica mais mordaz, mais solta. Através dela traçava-se a Moda, entidade neutra, como a responsável pela alteração dos costumes e a prática censurável da exposição de partes do corpo. “E de quando em quando as nossas meninas e as nossas damas aí vão passando na doce ostentação dos seus colos nus! É o cortejo de Sua Majestade a Moda! Criaturas franzinas, a tiritar de pouca roupa, a tremer de esquelética magreza, ei-las de colo ao vento, arrostando com o vendaval da Moda! Nos largos salões saltam aos pares ao calor da dança febril. Arqueiam os peitos e os colos abertos deixam aparecer os seios mal guardados: frutos da Moda! Ao piano é por vezes nervosa a posição da menina que desempenha um complicado trecho musical. Há movimentos torácicos fortes e emotivos. O recorte do colo deixa aos olhos curiosos penetrar os segredos do peito mal defendido. É a moda que manda!” 82 A beleza feminina era alvo de parte importante dos anúncios publicados nos jornais, através da publicidade a roupas, chapéus, sapatos e acessórios de todo o género. Embora com menor importância, surgiam anúncios aos mais diversos cremes e poções, bem como alguns mais específicos, o que mostra existir já um mercado para certo tipo de produtos, que parecem responder ao autor do artigo acabado de analisar. “Sim eu posso proclamá-lo agora altamente: basta de mulheres contrafeitas pela mesquinha Natureza, basta de bustos magros e ombros ossudos, basta de peitos brandos e caídos. A casualidade me tem feito acertar além onde tantos outros têm buscado inutilmente. Em o intervalo de poucos dias o meu descobrimento, o qual, verdadeiramente, é prodigioso consegue um peito cheio, redondo, duro, harmoniosamente desenvolvido, uma garganta bem cheia e 82

Os colos nus in O Comércio do Minho, Nº 6234 de 5-1-1915, p.1.

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gordinha e ombros admiráveis.” 83 Este anúncio parece ser feito para uma mulher moderna, mulher essa que dá importância ao seu corpo e ao autoembelezamento deste. Constitui-se, assim, uma mulher a quem é proposto que forme a sua identidade virada para o olhar do outro: os pretendentes, o namorado, o noivo, o marido. A esta mulher dos grupos sociais privilegiados, a quem é sugerido agora que assuma, por meio de produtos e tratamentos de beleza, um mundo de predicados até então só pertencentes a destacadas mulheres de palco (actrizes de teatro e cinema e músicas), não deve assumir-se identitariamente mas, antes, virar-se para a alteridade, representada pelo homem.

Actrizes – da admiração ao repúdio As melhores actrizes teatrais eram admiradas pelos espectadores e consideradas como modelos a seguir, pelo menos no trajar e nas poses, por muitas das espectadoras. A abertura do bracarense Teatro Circo é um momento para isso ser recordado na Imprensa local. Segundo ela, nessa memorável noite em que a cidade de Braga passou a ter uma sala de espectáculos de qualidade, “As senhoras apresentaram-se ricamente trajadas, imprimindo grande realce à formosa e ampla sala de espectáculos.” 84 Nesta festa da burguesia bracarense o culto das actrizes, particularmente da cabeça de cartaz, é evidente e expressa de forma destacada: “A sr. ª D. Palmira Bastos, profundamente comovida, proferiu algumas palavras de agradecimento, sendo abraçada pelas suas companheiras de palco e delirantemente festejada pelos demais artistas e por toda a assistência.” 85 O Teatro considerado como menos sério – o de comédia brejeira e o de revista – é alvo de forte censura, pela linguagem, desde logo, mas, principalmente, pelo desnudar de parte dos corpos das intérpretes. “Há ainda a condenar nas tais revistas o guarda-roupa que elas exigem. Esse guarda-roupa, que tem por fim pôr o mais possível a descoberto o corpo das interpretantes, é simplesmente vergonhoso.” 86

83 Exuber Bust Devoloper metamorfoseará o vosso busto in O Comércio do Minho, Nº5864 de 137-1912, p.2. 84 Teatro Circo – Sua inauguração in O Comércio do Minho, Nº6279 de 24-4-1915, p.1. 85 Teatro Circo – Sua inauguração in O Comércio do Minho, Nº6279 de 24-4-1915, p.1. 86 As revistas de ano in O Comércio do Minho, Nº6020 de 31-7-1913, p.1.

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Porque motivo ficaram para tias A publicidade a todo o tipo de medicamentos é agressiva e, geralmente muito visual, com imagens explícitas e longos textos enquadrados na ideologia sexista dominante. “Muitas vezes, esse motivo foi o mau estado de saúde, que fez fugir delas os pretendentes. Concordem que é uma coisa pouco agradável e convidativa quando um homem é novo e tem o sangue na guelra, a perspectiva de ter uma mulher sempre doente, e de ver nascer dela crianças débeis, enfermiças, mal armadas para a luta da vida. Além disso, é mister considerar que o mau estado de saúde é no lar doméstico um elemento de discórdia deveras fértil. Aquele que mais nos ama e adora, a princípio condói-se do nosso estado e trata-nos o melhor que pode; mas vem a acabar por se enfadar de nos ver sofrer sem descanso. (…) As jovens que são posta de parte não têm em geral muito bom aspecto. Grande é, entretanto, o número das que não tendo cara de boa saúde, são apenas anémicas ou cloróticas (…) pela sua acção sobre o sangue, sobre o sistema nervoso, as pílulas Pink desenvolvem e mantêm a beleza das formas e da fisionomia.” 87 Este anúncio às pílulas Pink é um dos que a marca fez publicar ao longo da década em equação. Neles se vê uma das vertentes dominantes do discurso médico de então, que identifica o ser saudável com o ser belo e, logo, no caso da mulher jovem, ter atributos para atrair pretendentes e, quando casada, levar o marido a manter o seu desejo por ela.

Higiene, doença e suicídio A mulher era considerada um ser frágil, muito mais sujeito a doenças do que o homem, marcado pelo histerismo e com fortes tendências para a depressão e o suicídio. Os jornais publicavam colunas com conselhos para a manutenção da saúde e visando a divulgação de hábitos de higiene. A maioria deles era dedicada às mulheres, quer no referente a si próprias, quer enquanto mães. Não foram encontradas referências às pretensas características histéricas do sexo feminino, 87

Porque motivo ficaram para tias in O Comércio do Minho, Nº 6266 de 23-3-1915, p.2.

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nem artigos relevantes quanto ao suicídio. Neste último caso, apenas surgiram várias notícias relatando esse acto por parte de algumas mulheres. “Pelas 9 horas e meia da manhã de domingo, faleceu a srª Ana Baptista da Silva, de 24 anos, solteira, filha do sr. Miguel Baptista da Silva, industrial, morador, na rua da Cruz de Pedra. A sua morte foi produzida por intoxicação de massa fosfórica, que a infeliz, por motivos íntimos, tinha ingerido.” 88 Para os suicídios, são apontados, nos casos em que essa menção é feita, apenas dois motivos – alienação súbita, ou desgosto passional. O primeiro era, quase sempre, o referido para as mulheres mais idosas e o segundo para as mais jovens. É evidente, que tal se enquadra no quadro teórico aceite pela Medicina da maior fragilidade intelectual e de ânimo por parte do sexo feminino. As informações relativas a outros tipos de doenças já são tratadas de forma similar para ambos os sexos. Ocupam, por vezes, espaço significativo nos jornais, especialmente quando se trata de doenças infecto-contagiosas. A década de 1910 é, ainda, muito marcada pela raiva, devido à existência de um elevado número de cães vadios, principalmente nas maiores urbes. A imprensa revela o pânico que, muitas vezes, percorria a população e as suas consequências, quando o tratamento das pessoas mordidas não era atempado, ou correctamente seguindo. “Na freguesia de Covas, Vila Nova de Cerveira, morreu danada Deolinda da Conceição Gomes, de 24 anos, mordida há cerca de um mês por um cão raivoso. A infeliz recebera tratamento no instituto bacteriológico de Lisboa, mas regressando dali, não seguiu com o devido cuidado as indicações médicas sobrevindo-lhe a raiva. Antes de morrer, a desgraçada mordeu sua mãe, Antónia Afonso, viúva, a qual partiu para Lisboa, a fim de receber tratamento no referido instituto.” 89 As grandes vagas de doenças epidémicas ainda percorriam o país, ou 88 89

Intoxicação – Morte in O Comércio do Minho, Nº 5844 de 21-5-1912, p.2. Morta pela raiva in O Comércio do Minho, Nº 5676 de 8-3-1911, p.1.

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algumas regiões com regularidade e o Estado procurava já estabelecer redes de prevenção com a eficácia possível. Muitas notícias referente ao funcionamento dos Serviços de Saúde revelam a enorme miséria existente em muitas das nossas cidades, como é exemplo paradigmático de uma relativa à grande epidemia de tifo que afectou o Porto em 1918. “Filomena de Jesus, moradora na Travessa da Glória nº 22, encontra-se há dias atacada de tifo. (…) anteontem de manhã tendo ido ali o carro de desinfecção para conduzir a doente para o hospital do Instituto Moderno, os empregados se recusaram a pegar-lhes, [sic] devido a ela encontrar-se munida e coberta de parasitas, deixando-a abandonada e rodeada de quatro filhos.” 90

Os gritos de Cassandra Em período de Guerra, os jornais tentam dar a noção de unidade de sentimentos entre a população. Isso verifica-se na descrição da partida da Estação ferroviária de Braga de tropas a caminho da frente francesa. “Ambos [os batalhões] foram acompanhados à estação do caminho-de-ferro pela Banda de Infantaria 8 e por milhares de pessoas. Deram-se cenas comoventíssimas de mães, pais, esposas, irmãos ou irmãs que se despediam dos militares. Em muitos olhos se viam lágrimas abundantes e de todos os lados se ouviam gritos de dor soltados por mulheres aflitas. Os oficiais e soldados iam em geral bem dispostos, mas muito comovidos pelas saudades dos entes queridos que deixavam. Alguns choravam também.” 91 Neste trecho é evidente a presença das mulheres como actrizes essenciais do drama que se desenrola. Elas aqui encarnam o que se queria que fosse a Mulher portuguesa – mãe, esposa, irmã – cumprindo o seu destino eterno de chorar e dilacerar-se de dor no dia de partida dos guerreiros e sabendo, depois, esperar pelo regresso dos heróis – triunfantes ou mortos. Note-se que nele não existem amantes, 90 p.1. 91

Um gravíssimo caso que merece o devido correctivo in Ecos do Minho, Nº1558 de 19-4-1918, Partida de tropas in Ecos do Minho, Nº1261 de 24-4-1917, p.2.

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namoradas, nem sequer, noivas, mas apenas uma cena de drama, em que cada um soube cumprir o papel que, de forma imutável, lhe estaria destinado desde o início dos tempos.

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CFAE Braga/Sul Braga 2011


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