DOSSIER TEMÁTICO
Algarve Médico 2021; 16 (5): 10-11
FEATURE ARTICLE
Há esperança! - Do Hospital de Campanha à vacinação em Cabo Verde Sílvia Saraiva1 1
Aluna do Mestrado Integrado de Medicina – Universidade do Algarve
a63515@ualg.pt
A 19 de janeiro, ingressei voluntariamente na equipa do Hospital de Campanha, até ao encerramento do hospital, a 15 de fevereiro de 2021 e 4 semanas no Hospital Dr . Agostinho Neto, principal hospital público de Cabo Verde.
A 19 de janeiro, ingressei voluntariamente
da DGS; casos sociais, que aguardavam
com hospital e serviço social num
na equipa do Hospital de Campanha, até
definição de lares ou estabilidade
momento ímpar da saúde no país. Um
ao encerramento do hospital, a 15 de
familiar; e doentes que atingiram o teto
orgulho estar na linha da frente!
fevereiro de 2021 e 4 semanas no Hospital
terapêutico e que receberiam cuidados de
Dr . Agostinho Neto, principal hospital
enfermaria ou paliativo.
público de Cabo Verde. A Pandemia
O objetivo do projeto seria integrar,
Um conforto familiar ... e, algumas vezes,
através da ONG Médicos do Mundo, o
um último adeus...
projeto governamental “Menos Álcool,
O meu eletivo foi realizado em dois
mais vida”, numa vertente de Saúde
ambientes complexos, desafiadores, mas
Os turnos eram de 12 horas. A nossa rotina
Pública. Teríamos também uma parte
com contextos diferentes. O primeiro
era similar à da restante equipa médica
clínica, com um estágio
em Portugal, durante o terceiro pico
e, equiparada a “medicina de guerra”.
da pandemia de COVID19, no Hospital
Isto implicava um olho clínico às queixas
de Campanha do Centro Hospitalar
principais e que alterariam o prognóstico
Universitário do Algarve (CHUA) em
do doente. Todas as queixas e patologias
Portimão. O segundo em Cabo Verde (CV),
“secundárias” seriam acauteladas após
inserido num projeto da Organização Não
a alta. De forma a minimizar a nossa
Governamental Médicos do Mundo, onde
exposição na zona COVID, toda a
acompanhámos os projetos e desafios na
preparação para a avaliação dos doentes
área da saúde na ilha de Santiago e mais
era realizada na zona limpa: análise da
profundamente na cidade da Praia, capital
medicação em uso, histórico clinico,
do país, desde a saúde primária até a
patologias prévias, análises realizadas.
diferenciada, desde os centros de saúde,
Após a preparação com o EPI necessário,
hospital, saúde pública, formação em
entrava na zona COVID, realizava um
saúde e vacinação COVID19.
exame objetivo completo aos doentes.
Contexto do eletivo em Portugal: com
Sob a nossa responsabilidade estava uma
o agravamento do número de casos
parte muito relevante: A comunicação.
COVID19 no início de 2021 em Portugal,
Desde chamadas telefónicas aos familiares
o conselho de ministros, a 14 de janeiro
para informar o estado do doente até
decide instituir o estado de emergência e
as vídeo chamadas... Neste caminho,
novo confinamento geral.
acompanhei muitas lágrimas e sorrisos,
Os doente no Hospital campanha poderiam ser divididos em três grandes blocos: estáveis que aguardavam a negativação do teste COVID ou a data de cura, definida de acordo com os critérios
palavras de conforto e força, declarações de amor, mensagens de agradecimentos, logística do dia a dia, como o pagamento de contas ou compras de mercado.... E algumas despedidas.... Foi um mês de grandes aprendizagens: notas de entrada, transferência, alta e óbito, exames, tratamentos, articulação
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Contexto do eletivo em Cabo Verde
A Semiologia nunca fez tanto sentido. A falta de recursos humanos e financeiros fazem com que o ditado “a clínica é soberana” seja utilizado constantemente. E é lindo observar, escutar/auscultar de verdade um doente a espera da resposta à sua angústia. Não há lugar para análises clínicas sem fundamento. O reverso da moeda é quando a semiologia aponta para um tratamento ou um exame indisponível por falta de recursos... Ou, também por falta de recursos, quando o tratamento da dor é negligenciado... A literacia em saúde é sempre necessária e os profissionais foram recetivos. Foi-nos solicitada uma formação de Suporte Básico de Vida. Realizámos formações na Cruz Vermelha para 35 pessoas, além de workshops nos centros de saúde, num total aproximado de 60 pessoas. Foi enriquecedora a troca de experiência e uma surpresa ver que os materiais estão disponíveis, e só falta mão de obra especializada. Inclusive, a mesma situação foi observada nos centros de saúde,