Revista Algarve Médico 20

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Medicina e Humanidades uma relação que se mantém - Medicina Narrativa

Adequação do diagnóstico e tratamento da infeção do trato urinário no Serviço de Urgência

O perfil do aluno de medicina da UAlg no ano letivo de 2021-22

O impacto da pandemia COVID-19 nos doentes psiquiátricos

N.12 | JUL-SET 2022

EDITOR / EDITOR - IN - CHIEF

Daniel Cartucho

CO - EDITOR / CO - EDITOR

Amália Pacheco

Francisco Serra Nuno Vieira

EDITOR PARA ESTATÍSTICA STATISTICAL EDITOR

Ana Marreiros

ASSESSORIA EDITORIAL EDITORIAL ADVISORY

Carina Ramos

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COMISSÃO CIENTÍFICA / EDITORIAL BOARD

Alexandra Dias Arsénio

Álvaro Botelho

Ana Cristina Trindade

Ana Lares

Ana Lopes

Ana Macedo

Ana Paula Silva

Ana Paula A. Silva

Aníbal Coutinho

Antónia São Braz

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Carlos Basílio

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EDITOR ASSOCIADO / ASSOCIATED - EDITOR

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Ana Camacho

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Ana Pimenta de Castro

Carlos Cabrita Gabriela Valadas

CENTRO DOCUMENTAÇÃO E BIBLIOTECA DOCUMENTATION CENTER AND LIBRARY

Ângela Mota

PAGINAÇÃO PAGINATION

Luís Gonçalves (ABC)

Edgar Amorim Fernando Guerreiro Francisco Aleixo Francisco Moreno Graça Sequeira Gonçalo Cevadinha Ilídio Gonçalves Ilídio Jesus Inês Simões

Irene Furtado

Isabel Lares

Isabel Rodrigues

João Dias

João Estevens

João Ildefonso João Munhá

João Pedro Luz

Joaquim Correia Jorge Brito Jorge Severino José Manuel Almeida José Marquez

Joana Pestana Jorge Brito Jorge Moleiro Manuel Parreira Nuno Marques Sandra Gestosa

PLATAFORMA INFORMÁTICA ONLINE SOFTWARE PLATFORM

José Carlos Mugeiro

José Morera Juan Rachadell Luís Barradas Luísa Arez Madalena Sales Mahomede Americano Maria do Carmo Cruz Maria José Castro Mercedes Sanchez Paulo Caldeira Pedro Quaresma Rui Pereira Ulisses Brito

Informação aos Autores / Information to authors: As condições de publicação podem ser consultadas no nosso site. Conditions for the publication of articles in the Algarve Médico journal can be consulted on our website.

Algarve Médico é uma revista do Centro Hospitalar Universitário do Algarve destinada à divulgação do conhecimento médico desde a investigação básica à clínica ou à educação aplicada à Medicina com o intuito de contribuir para a disseminação das boas práticas. Esta revista incentiva a publicação de originais que reflitam sobre a diversidade das questões emergentes da prática médica.

The Algarve Médico Journal is the property of the Algarve Hospital University Center. The purpose of the Journal is to divulge knowledge from research to pathology and education applied to medicine, thereby contributing to the dissemination of good clinical practices. This Journal also incorporates reflections on issues emerging from medical practice.

Algarve Médico é uma revista com processo de revisão interpares. A revista permite o uso, distribuição e reprodução do seu conteúdo desde que autor e publicação sejam referenciados. Algarve Médico is a peer-reviewed journal. Use, distribution and reproduction of contents is authorized provided that the author/s and the publication are mentioned.

FICHA TÉCNICA / EDITORIAL BOARD Periodicidade/Periodicity Trimestral/Quarterly PROPRIEDADE / PROPERTY Centro Hospitalar Universitário do Algarve
2184-0393
Português e Inglês
Portuguese and English
ISSN
Linguagem:
Language:
CONTACTOS / CONTACTS www.chualgarve.min-saude.pt algarve.medico@chalgarve.min-saude.pt

A revista Algarve Médico aceita que os autores tenham a opção de escrever com a ortografia prévia ao acordo ortográfico.

Sumário

Editorial / Editorial

4 | Algarve Médico e um percurso de 5 anos - Elementos de uma identidade Nuno Vieira, Daniel Cartucho

Pré-Graduação e Pós-Graduação / Pre and Postgraduate Education

8 | Uma reflexão sobre o perfil do aluno de Medicina da Universidade do Algarve: a coorte de 2021-22 Sofia Nunes, Sandra Silva, Maria Inês Silva, Ricardo Nunes, Daniel Cartucho, Ana Marreiros

Artigo Original / Original Article

12 | O Impacto da Pandemia COVID-19 nos doentes Psiquiátricos The impact of the COVID-19 on psychiatric patients Carolina Malhão, Bruno Luz, Tomás Grevenstuk

22 | Adequação do diagnóstico e tratamento da infeção do trato urinário no Serviço de Urgência Appropriateness of diagnosis and treatment of urinary tract infection in the Emergency Department Maria Margarida Rosado, Claúdia Queiroz, Nuno Vieira, João Estevens

28 | Medicina e Humanidades uma relação que se mantém - Medicina Narrativa Medicine and Humanities a relationship that makes its way - Narrative Medicine Juan Rachadell

Imagens em medicina / Images in medicine

36 | Peritonite esclerosante encapsulante – causa rara de oclusão intestinal Coccum sindrome - rare cause of intestinal oclusion Inês Miguel, Beatriz Mendes, Edgar Amorim

Caso Clínico Flash / Flash Report

38 | Sarcoma retroperitoneal gigante – Um tumor da era COVID-19 Giant Retroperitoneal Sarcoma – An Era COVID-19 Tumor Miguel Sousa Leite, Andreia Amaral, Sofia Mateus, Mafalda Leal

40 | Ruptura esplénica espontânea no contexto da toma de DOAC em doente com peliose esplénica Spontaneous splenic rupture in the context of taking DOAC in a patient with splenic peliosos Bárbara Santos, Beatriz Mendes, Pedro Almeida, Beatriz Dias, Inês Miguel, Sofia Pina, João Melo

Perspectivas / Perspectives

44 | Psiquiatria Comunitária no Barlavento do Algarve Diogo Mota da Silva, João Mariano Marques

Algarve Médico 2022; 20 (6):4-7 EDITORIAL EDITORIAL

Algarve Médico e um percurso de 5 anos

- Elementos de uma identidade

"The art of surgery can only be carried to a certain point of excellence. That we have nearly if not quite reached the final limite, there can be little question".1

A partir desta sua edição, número 20, Algarve Médico entra no seu sexto ano de vida.

É-nos difícil, enquanto editores da revista, ficar indiferentes a um percurso que tomou forma, o percurso desta revista e que - a dado passo num aniversário - ao revê-lo avivamos a evidência que este caminhar já tem uma certa expressão. Revista que nasce da confluência de várias iniciativas, todas com a intenção de quebrar cadeias de inatividade e de permitirem o crescimento contínuo neste magíster do exercício da Medicina.

Curioso o paralelo que verificamos neste que vem sendo o circuito da revista, com aquele que vimos fazendo na medicina. Para trás, depois da fase da aprendizagem, ficaram as etapas probatórias à entrada num universo, como um exame final que vem tornar patente, como todos os exames, o que já existe, mas cujo reconhecimento toma expressão só a partir desse dia: a Revista iniciou o seu percurso.

Depois, tal como na medicina, com o provimento e algumas movimentações propiciadoras da sedimentação, do emergir dos nossos méritos e limitações, a revista vai fazendo o seu percurso. De facto, neste paralelismo de circuito, quando optamos pela medicina e saímos para a universidade, não antevíamos minimamente todo o trabalho - e simultâneo encanto – que esta profissão acarreta. Nem de como a Especialidade que mais tarde iriamos abraçar, no caso Medicina Interna e Cirurgia Geral, é exigente em termos de devoção.

Nessa altura não antevíamos sequer que a progressão nesta senda, tão cheia de desafios, sucessos memoráveis, mas igualmente de

fracassos, iria decorrer numa época de mudança, numa época de substituição aos mais diversos níveis, dos paradigmas vigentes. Época de novos paradigmas emergentes em que assistimos à tentação de substituir a compreensão de uma linguagem habitual à medicina milenar, a linguagem dos sinais e dos sintomas, por uma ultrapassagem - marca do tempo que atravessamos - expressa na mudança para uma outra linguagem feita de um mero somatório de exames complementares. Mas, igualmente, época assombrosa onde nos damos conta que evoluímos mais em termos clínicos nas últimas décadas, do que nos últimos 3000 anos. Veja-se a declaração acima neste texto de Sir John Erichsen, um dos cirurgiões mais proeminentes de então, que a esta distância ganha uma perspectiva que terá certamente paralelismo hoje. Quando se fala da excelência que atingiram na cirurgia daqueles dias e que dificilmente seria ultrapassada, sabemos hoje que a arte e ciência cirúrgica naqueles dias, meramente, estava a iniciar-se. A nossa excelência de hoje será certamente meramente uma etapa neste caminhar na Medicina.

Para além disto, na medicina há a possibilidade e o gosto de sermos um factor dessa mudança. De poder ser simultâneamente espectador e participante neste processo da evolução do conhecimento. Daí este gosto por escrever, por comunicar, por propiciar elementos que levem a uma melhoria sistemática da prática médica que uma revista propícia. Todos sabemos o que é o sinal de Babinski. Mas o que nem todos sabem é que quando a sua descrição foi comunicada o texto tinha o tamanho de meia página!2 O conteúdo, a singularidade do que se transmite não vem só numa formatação. Por vezes ocorrem momentos breves mas singulares.

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O caminho que a revista Algarve Médico vem trilhando é um percurso onde, tal como nas narrativas bem construídas, há um momento em que se começa a antever um novo ciclo.

Esta é a altura em que se inicia um novo ciclo: Algarve Médico começou as etapas para a sua indexação.

Não abdicando das características que vêm marcando a sua identidade, tal como numa medicina em equipa, é importante que uma revista esteja em sintonia com as melhores práticas do meio. E pela importância determinante da equipa, no caso dos Editores, para esta progressão, estas palavra de um entendimento, de um ponto de vista estruturante, enquanto Editores do Algarve Médico, será repartido por esta e pela próxima edição da revista.

E um dos elementos de identidade mais claros da revista, como dissemos anteriormente, queremos com Algarve Médico pugnar por uma Medicina Humana e culta3. Acerca do entendimento do conceito de humanista, lemos recentemente do autor do livro "El sueño del humanismo" que graças à recuperação de escritos antigos, os primeiros humanistas descobriram que não vivemos em uma essência eterna, mas na história, na mudança e na diversidade, no relativismo. Daí surge a esperança de que a vida pode mudar, pode melhorar4. E acrescenta Francisco Rico que, com o tempo, este conceito se restringiu para a filologia clássica e aquele que era um “fermento cultural revolucionário” se tornou numa “disciplina especializada”. Para esses gregos de então o objeto da arte é a realidade, não a que vemos, mas sim a ideal.

Na Medicina esta noção de “fermento” do humanismo não se extingiu completamente. Se verificarmos através da MeSH (Medical Suject Headings)5, dicionário de sinónimos de vocabulário referenciado pela National Library of Medicine, usado para indexar artigos para o PubMed, a palavra Humanities - MeSH Descriptor Data 2022 6 - é associada ao entendimento que constitui matéria de investigação na edificação da expressão humana, em oposição a eventuais processos naturais e relações sociais, sendo que estas matérias decorrem tradicionalmente do estudo da literatura, filosofia e religião. Este entendimento, edificação da expressão humana que vem de encontro ao que expressamos na identidade desta revista.

Neste sentido, a titulo de exemplo, no quinto centenário da morte de Leonardo da Vinci - génio do Renascimento onde o Humanismo ganhou expressão - em 2019, Algarve Médico publicou trabalho original acerca de elementos do entendimento deste imenso génio aplicados à anatomia7,8. Efetivamente não sendo factual no detalhe, Leonardo da Vinci, na globalidade, exprime uma antevisão apropriada com o seu entendimento da função do apêndice ileo-cecal, num códice onde pela primeira vez na história da humanidade, em simultâneo, se representa imagem do órgão e se escreve acerca da sua função.

Na presente edição da revista verificamos desta perspectiva um componente mais alargada do humanismo que Juan Rachadel iniciou com a publicação de um trabalho acerca de Medicina Narrativa 9

Cruzando este entendimento com o encontrar do "momento". Encontrar o momento e ter a perceção que é um dessa momentos chave. Como verificamos em Momento monumento10, de Pedro Romero, existe toda uma serie de situações, de acontecimentos secretos, de momentos nos quais o mundo muda, ou melhor, um mundo muda. Momentos que não são fáceis de identificar, mas que existem.

São fatos menosprezados, muitas vezes reduzidos à categoria de anedotas. Mas constituem momentos em que nasce uma ideia, surge um afeto, algo nos move e muda o mundo. Com o tempo, funcionam como a borboleta que, batendo as asas no mar da China, causa maremotos na Europa. Há momentos na vida em que vemos algo, lemos algo, alguém nos beija, e suas consequências são irreversíveis. Depois disso, tudo muda. Tem coisas que nos mudam e não podemos fazer nada com esse conhecimento, com esse amor, com esse tanto faz. Ainda não percebemos. Mas, a longo prazo, suas consequências são devastadoras, nesse sentido monstruoso que se dá à palavra. Porque uma "devastação" é o melhor, o revés construtivo da vida10

Que felicidade se um desses momentos fundadores de uma mudança, aqui antevistos, vier desses elementos de leitura enunciados pelo artigo Humanismo e Medicina Narrativa que este artigo de Juan Rachadell reporta. Que regozijo que o hospital com uma biblioteca possa produzir esse efeito tanto para a pessoa internada, como para o familiar que o acompanha. Porque tudo isto também é Medicina.

Algarve Médico e um percurso de 5 anos - Elementos de uma identidade 6

Referências:

1. Gibson J. The Development of Surgery. London: Macmillan, 1967 citado por Kapadia HM. Sampson Gamgee: a great Birmingham surgeon J R Soc Med. 2002 Feb; 95(2): 96–100. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1279323/ pdf/0950096.pdf. Visualizado a 12 maio 2022.

2. Babinski JF. Sur le rιflexe cutanι plantaire dans certaines affections organiques du systθm nerveux central. Comptes Rendues de la Sociιtι de Biologie de Paris 1896;3:207-8. Disponível em https://www.neurologyindia.com/viewimage. asp?img=ni_2007_55_4_328_37090_3.jpg. Visualizado a 12 maio 2022.

3. Cartucho D. Da Identidade da Revista Algarve Médico - Cada vez mais para uma Medicina Humana e Culta. Algarve Médico, 2017; 1 (1): 4 - 5. Disponível em https:// www.chualgarve.min-saude.pt/wp-content/uploads/sites/2/2017/06/AM01_revista.pdf. Visualizado a 12 maio 2022.

4. Marcos JR. Francisco Rico: La RAE es un mito porque el diccionario da poder. Babélia - El País 14 maio 2022. Disponível em https://elpais.com/ babelia/2022-05-14/francisco-rico-la-rae-es-un-mito-porque-el-diccionario-da-poder. html?mid=DM117145&bid=1039070475. Visualizado a 15 maio 2022.

5. National Library of Medicine. Welcome to Medical Subject Headings. Disponível em https://www.nlm.nih.gov/mesh/meshhome.html. Visualizado a 15 maio 2022.

6. National Library of Medicine. MeSH - Humanities. Disponível em https://www.ncbi. nlm.nih.gov/mesh/?term=humanities. Visualizado a 15 maio 2022.

7. Vieira N. Do génio em Leonardo da Vinci e da Medicina. Algarve Médico, 2019; 9 (3): 4 - 5. Disponível em https://www.chualgarve.min-saude.pt/wp-content/uploads/ sites/2/2021/03/ALGARVE-MEDICO-9.pdf. Visualizado a 15 maio 2022.

8. Cartucho D. Do apêndice ileocecal em Leonardo Da Vinci (On the ileocecal appendix thought the vision of Leonard da Vinci). Algarve Médico, 2019; 9 (3): 30 - 41. Disponível em https://www.chualgarve.min-saude.pt/wp-content/uploads/sites/2/2021/03/ ALGARVE-MEDICO-9.pdf. Visualizado a 15 maio 2022.

9. Rachadell J. Medicina e Humanidades uma relação que se mantém - Medicina Narrativa. Algarve Médico 2022; 20 (6): 30-35.

10. Romero PG. Momento monumento. Babelia - El País ,14 maio, 2022. Disponível em https://elpais.com/babelia/2022-05-14/momento-monumento.html. Visualizado a 15 maio 2022.

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Uma reflexão sobre o perfil do aluno de Medicina da Universidade do Algarve: a coorte de 2021-22

Sofia Nunes1,2, Sandra Silva3, Maria Inês Silva3, Ricardo Nunes3, Daniel Cartucho4, Ana Marreiros1,2

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snluz@ualg.pt

Atualmente, em Portugal, o acesso ao Ensino Superior e, mais especificamente ao curso de Medicina, é feito através da média do Ensino Secundário e da média dos resultados obtidos nos exames nacionais correspondentes às provas de ingresso exigidas para o Curso. Na Universidade do Algarve (UAlg) e, mais concretamente, no Mestrado Integrado em Medicina (MIM) da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas (FMCB), o processo de admissão é distinto e direcionado apenas a candidatos já detentores de um curso superior. Este processo de candidatura não valoriza apenas os atributos cognitivos do candidato mas sim e, em igual modo, as características do futuro aluno enquanto “ser Humano” pelo que, é composto por dois momentos de avaliação distintos: numa primeira fase, provas de aptidão cognitiva (raciocínio abstrato, numérico e verbal) e, uma segunda fase, em que se avaliam outras dimensões de caracter não académico, através de 10 múltiplas minientrevistas (MME).

Este, que tem sido desde a sua génese, um curso descrito como sendo um curso distinto em termos pedagógicos, baseado numa aprendizagem ativa e participativa, lecionado através da análise e discussão de casos clínicos, aleados a um corpo docente e clínico altamente qualificado e que permite aos seus alunos a construção do seu próprio currículo ao escolher as suas áreas de investigação laboratorial e clínica e, ainda, as áreas de intervenção e atuação na comunidade, permite e contribui ativamente para a construção do seu ser social, humano e profissional destes alunos.

Ao longo destes mais de dez anos de processos de candidatura ao MIM e, após já se ter adquirido alguma competência e conhecimento sobre esta matéria, considerou a Unidade de Educação Médica (UEM) da FMCB ser importante perceber se seria possível traçar um perfil de aluno à entrada do MIM da UAlg.

Neste sentido, realizou-se um estudo retrospetivo aos candidatos que ingressaram no MIM, no ano letivo de 2021/2022.

A amostra do presente estudo foi constituída por 135 candidatos que compareceram à 2ª fase do processo de avaliação do MIM da UAlg no ano letivo 2021/22.

Definiram-se como objetivos para este estudo:

a) estratificar, por idades, os resultados obtidos pelos candidatos nos testes psicotécnicos (raciocínio abstrato, raciocínio numérico e raciocínio verbal) e dividir o grupo de candidatos em diferentes clusters selecionados pelo software SPSS®;

b) Compreender quais dos clusters englobam os candidatos selecionados e não selecionados e diferenciar a distribuição de género nos diferentes clusters;

c) Obter o resultado dos scores totais nos testes psicotécnicos em cada cluster;

d) atestar a presença de diferença entre a distribuição das escalas de avaliação (domínios) das múltiplas minientrevistas dos candidatos que entram no MIM UAlg face aos que não entram e averiguar a necessidade e possibilidade de criação de setpoints mínimos para cada domínio avaliado.

Os dados foram recolhidos em formato Microsoft Excel. A codificação das variáveis e organização dos candidatos foram processadas com recurso ao programa informático Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®), versão 28, para MacBook Pro 2019.

PRÉ E PÓS - GRADUAÇÃO PRE AND POSTGRADUATE EDUCATION Algarve Médico, 2022; 20 (6): 8 - 11
Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas, Universidade do Algarve ABC Ri– Algarve Biomedical Center Research Institute, Universidade do Algarve Aluna Mestrado Integrado Medicina, Universidade do Algarve Serviço de Cirurgia II - Centro Hospitalar Universitário Algarve
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Figura 1. Infografia sobre o processo de candidatura e distribuição por domínios.

Figura 2. Distribuição por género e faixa etária e respetivos scores nas estações das MMEs.

Figura 3. Composição dos clusters pelos resultados das provas cognitivas.

Sofia Nunes et al
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Quadro I - Estratificação da amostra por género e resultado de candidatura. Caracterização relativa aos pontos de corte dos domínios (domínio a) Responsabilidade; domínio b) Ética e moral; domínio c) Comunicação; domínio d) capacidade de gestão; domínio e) Resolução de problemas; domínio f) Autoconsciência; domínio g) Trabalho em equipa; domínio h) Resolução de conflitos)domínios.

Domínios Selecionado Não selecionado p-value

MASCULINO (n=47)

(n=18) (n=29)

Domínio a), n (%) ≤ 5,50 > 5,50 3 (13,0%) 15 (62,5%) 20 (87,0%) 9 (37,5%)

Domínio b), n (%) < 6,11 ≥ 6,11 3 (10,3%) 15 (83,3%) 26 (89,7%) 3 (16,7%)

Domínio c), n (%) ≤ 5,67 ]5,67;7,33[ ≥ 7,33

Domínio d), n (%) ≤ 6,20 ]6,20;6,40[ ≥ 6,40

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4 (16,0%) 10 (55,6%) 4 (100,0%)

2 (6,7%) 6 (85,7%) 10 (100%)

21 (84,0%) 8 (44,4%) 0 (0%)

28 (93,3%) 1 (14,3%) 0 (0,0%)

Domínio s), n (%) ≤ 5,67 > 5,67 4 (14,8%) 14 (70,0%) 23 (85,2%) 6 (30,0%)

Domínio f), n (%) ≤ 5,75 > 5,75 7 (21,9%) 11 (73,3%) 25 (78,1%) 4 (26,7%)

Domínio g), n (%) < 6,33 ≥ 6,33 0 (0,0%) 18 (66,7%) 20 (100%) 9 (33,3%)

Domínio h), n (%) ≤ 5,75 > 5,75 2 (8,7%) 16 (66,7%) 21 (91,3%) 8 (33,3%)

FEMININO (n=88) (n=47) (n=41)

Domínio a), n (%) ≤ 5,50 > 5,50 5 (17,9%) 42 (70,0%) 23 (82,1%) 18 (30,0%)

Domínio b), n (%) < 6,11 ≥ 6,11 2 (5,6%) 45 (86,5%) 34 (94,4%) 7 (13,5%)

Domínio c), n (%) ≤ 5,67 ]5,67;7,33[ ≥ 7,33

Domínio d), n (%) ≤ 6,20 ]6,20;6,40[ ≥ 6,40

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5 (14,7%) 19 (63,3%) 23 (95,8%)

4 (9,1%) 0 (0,0%) 43 (100,0%)

29 (85,3%) 11 (36,7%) 1 (4,2%)

40 (90,9%) 1 (100%) 0 (0,0%)

Domínio e), n (%) ≤ 5,67 > 5,67 11 (28,2%) 36 (73,5%) 28 (71,8%) 13 (26,5%)

Domínio f), n (%) ≤ 5,75 > 5,75 14 (31,8%) 33 (75,0%) 30 (68,2%) 11 (25,0%)

Domínio g), n (%) < 6,33 ≥ 6,33 9 (20,9%) 38 (84,4%) 34 (79,1%) 7 (15,6%)

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Uma reflexão sobre o perfil do aluno de Medicina da Universidade do Algarve: a coorte de 2021-22
Domínio h), n (%) ≤ 5,75 > 5,75 5 (14,3%) 42 (79,2%) 30 (85,7%) 11 (20,8%) 10

As variáveis de natureza métrica foram analisadas descritivamente com base nas características amostrais: média; desvio-padrão (DP); mediana e amplitude interquartil (AIQ). Para as variáveis categóricas (nominais e ordinais) foram realizadas tabelas de distribuição de frequências absolutas e relativas, simples e acumuladas, respetivamente. Para além destas anteriormente referidas, foi ainda necessário realizar outras análises, nomeadamente em relação ao comportamento da distribuição das variáveis. Aferiu-se mediante o teste Kolmogorov-Smirnov o conhecimento da distribuição das variáveis quantitativas. Utilizou-se o teste U de Mann-Whitney (não paramétrico) para comparação de grupos. Complementarmente, recorreu-se ao teste de associação Qui-Quadrado de Pearson para as variáveis de natureza categórica. Executou-se, também, o comando “Optimal Binning” cujo algoritmo determina a existência de pontos ótimos que maximizam a distribuição de uma variável categórica. Assim, determinaram-se, sempre que possível, os pontos ótimos de todos os domínios que maximizavam a variável dicotómica de seleção (Selecionados vs Não Selecionados). Obtiveram-se os seguintes pontos ótimos: responsabilidade – 5,50; julgamento ético e moral – 6,11; capacidade de comunicação – 5,67 e 7,33; capacidade de gestão – 6,20 e 6,40; capacidade de resolução de problemas – 5,67; autoconsciência – 5,75; trabalho em equipa – 6,33 e capacidade de resolução de conflitos – 5,75.

Os resultados obtidos foram considerados estatisticamente significativos sempre que o valor de p< 0,05.

Após aplicar os devidos testes estatísticos, os resultados demonstraram que na 1ª fase de avaliação (provas de aptidão cognitivas) os scores elevados nos testes psicotécnicos (raciocínio abstrato, raciocínio numérico e raciocínio verbal) da faixa etária mais jovem (< 22 anos), provavelmente justificam-se devido à maior capacidade de memória visual nas camadas mais jovens 1. A ausência de relação entre o score nos testes psicotécnicos e nas MME valida a importância das MME como método que enfoca atributos diferentes dos testes psicotécnicos.

Mediante os resultados nos domínios nas MMEs, verifica-se que os melhores scores nos diferentes domínios estão resumidos ao cluster 3 e 4 (figura 3) que são precisamente os clusters que reúnem a totalidade dos alunos selecionados para ingressarem no MIM da UAlg. Esta constatação sustenta a lógica do processo de seleção tal como está desenhado, mas remete para um olhar mais atento nos candidatos em posição borderline do ranking em consideração.

Concluiu-se que a maioria dos candidatos selecionados apresenta notas médias nas escalas de avaliação das múltiplas minientrevistas acima dos pontos ótimos de corte definidos, todavia algumas destas podem, eventualmente, ser influenciadas pelo género. Assim, pode-se concluir que o estabelecimento de setpoints mínimos nos domínios poderá vir a ser viável nos casos borderline e/ou empate. Esta constatação também ajudará a definir, futura e possivelmente, diferentes pesos dos Domínios do conjunto final das MME.

A preocupação em acolher alunos no MIM UAlg que tenham os melhores desempenhos em termos cognitivos é tão importante como os que tenham as melhores performances nas MME o que, que de algum modo, reflete a componente social e humana destes candidatos/futuros alunos. Quando o lema de um curso é “(…) formar homens e mulheres com elevado grau de humanismo na sua relação profissional com os doentes, atuando sempre com empatia e compaixão” 2, dever-se-á dar continuidade a este estudo com coortes futuras e conseguir, eventualmente, ajustar os aspetos necessários nos métodos de seleção por forma a conseguir definir, o mais aproximadamente possível, o perfil do aluno MIM da UAlg.

Referências:

1. Blanch D, Hall JA, Roter DL, Frankel RM. Medical student gender and issues of confidence. Patience Educ Couns. 2008: Sep; 72 (3): 374-81.

2. Ponte JC. Apresentação/História. UAlg Medicina. Disponível em https://fmcb.ualg.pt/ curso/1916/outros?tipo=historia

Sofia Nunes et al 11

O Impacto da Pandemia COVID-19 nos doentes Psiquiátricos

The impact of the COVID-19 pandemic on psychiatric patients

Carolina

1, Bruno Luz2

1 Aluna Mestrado Integrado Medicina, Universidade do Algarve

2 Serviço de Psiquiatria, Unidade Faro - Centro Hospitalar Universitário Algarve a52210@ualg.pt

Resumo

PROPÓSITO: Desde março de 2020 que a pandemia COVID-19 levou à reestruturação das rotinas das populações, levando ao aumento dos períodos de permanência em casa e ao isolamento social. Os doentes psiquiátricos são mais frágeis a estas alterações e decidiu-se verificar qual o impacto da pandemia nesta população.

MÉTODOS: Foram avaliados num estudo retrospetivo dois grupos de doentes internados na unidade de psiquiatria do CHUA entre julho e outubro de 2018 e 2020. Registaram-se as causas de internamento, as características sociodemográficas e dados clínicos relativos ao ano civil seguinte, nomeadamente o número de consultas, quer de medicina geral e familiar quer de especialidade, hábitos de consumo toxicofílico ou idas ao Serviço de Urgência. Foi feita uma análise estatística para procurar diferenças entre os grupos e para estabelecer associações entre as variáveis, com recurso aos testes de chi-quadrado de Pearson, teste T para amostras independentes e teste exato de Fisher.

RESULTADOS: O ano de 2020 apresentou maior número de internamentos no sexo feminino (P=0,029), maior prescrição de benzodiazepinas (P=0,016), especialmente nas perturbações psicóticas (40,2%) e de antipsicóticos de 1ª geração (P=0,033). Foi observado o aumento das doenças infeciosas (P<0,001), especialmente agudas (P<0,001).

CONCLUSÕES: O impacto da pandemia COVID-19 nos doentes psiquiátricos manifestou-se principalmente no género dos doentes mais afetados, na prescrição de ansiolíticos e na incidência de doenças infeciosas. As comorbilidades destes pacientes continuaram a ser seguidas e controladas pelas unidades de saúde.

Palavras Chave: COVID-19, Patologias Psiquiátricas, Benzodiazepinas, Doenças Infeciosas.

Abstract

INTRODUCTION: Since March 2020, the COVID-19 pandemic has led to the restructuring of routines in populations, leading to increased periods of home stay and social isolation. Psychiatric patients are more fragile to these changes. The authors verify the impact of the pandemic on this population.

METHODS: Two groups of inpatients of CHUA psychiatric unit were evaluated between July and October 2018 and 2020 in a retrospective study. The causes of hospitalization, sociodemographic characteristics and clinical data for the following calendar year were recorded, namely, the number of appointments, either family medicine or one of the specialties, drug addiction consumption habits or visits to the Emergency Department. In order to search for differences between the groups and to establish associations between the variables, a statistical analysis was performed, applying Pearson’s chi-square test, T test for independent samples and Fisher’s exact test.

RESULTS: The year of 2020 presented the highest number of hospitalizations in females (P=0.029), a greater prescription of benzodiazepines (P=0.016), especially in psychotic disorders (40.2%) and 1st generation antipsychotics (P=0.033). An increase in infectious diseases (P<0.001), especially acute ones (P<0.001), was observed.

CONCLUSIONS :The impact of COVID-19 pandemic on psychiatric patients was mainly manifested in the female gender of the most affected patients, the roush the prescription of anxiolytics and in the incidence of infectious diseases.

Keywords: COVID-19, Psychiatric Pathologies, Benzodiazepines, Infectious Diseases.

Algarve Médico, 2022; 20 (6):12 - 20 ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE 12

Introdução

A 11 de Março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) caracterizou a COVID-19 como uma pandemia. Este termo refere-se à distribuição geográfica de uma doença, reconhecendo a existência de surtos em várias regiões e países do mundo.

Foi a partir deste mês que se iniciaram as restrições de circulação e, desde então, a doença que mudou os hábitos quotidianos de toda a população, instaurando a necessidade da permanência em casa e do afastamento social, tem sido estudada de forma exaustiva, tal e qual como o seu impacto nos mais variados aspetos.

Este trabalho tem como objetivo estudar o impacto da pandemia COVID-19 numa população específica, conhecida pela sua

LISTA DE ABREVIATURAS

AVC – Acidente Vascular Cerebral

CHUA – Centro Hospitalar Universitário Algarve

COVID-19 – Coronavirus disease 2019

DPSM - Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental

EAM – Enfarte Agudo do Miocárdio

FSO – Internamento sala de observação do serviço de urgência

GABA – Ácido gama-aminobutírico

HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana

INE – Instituto Nacional Estatística

MGF – Medicina Geral e Familiar

OMS – Organização Mundial de Saúde

PIB – Produto Interno Bruto

SU – Serviço de Urgência

vulnerabilidade e alguma dificuldade na integração social, o doente psiquiátrico.

A História da Psiquiatria mostra-nos que as particularidades da doença mental tendem a colocar aqueles que delas padecem à margem das sociedades. Até há pouco tempo, os chamados alienados eram colocados em instituições fora dos olhares comuns, onde pouco havia a fazer para contrariar a bizarria das suas perturbações. A evolução na abordagem à doença mental tem sido paulatina, mas consistente, existindo à data de hoje estratégias robustas para a sua estabilização, nomeadamente psicofarmacológicas. Contudo, o estigma associado à doença mental constitui um dos desafios atuais para a inclusão social, contribuído não apenas para o agravamento psicopatológico como também das comorbilidades.

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) colocam Portugal no segundo lugar da lista de países com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa, contando com 22,9% da população (CNS, 2019). O encargo destes doentes para o estado constituiu 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, contabilizando um total de 600 mil milhões de euros distribuídos entre os custos diretos do sistema de saúde, segurança social e custos indiretos (CNS, 2019).

Estes dados demonstram o impacto que a doença mental tende a ter na economia ocidental, adivinhando-se um futuro desafiante caso não sejam tomadas medidas eficazes para contrariar esta tendência.

Porém, o doente psiquiátrico não padece necessariamente apenas de patologia psiquiátrica. Na verdade vários estudos têm demonstrado uma relação entre as doenças psiquiátricas e uma diminuição da esperança média de vida em cerca de 15 a 20 anos comparativamente à população não psiquiátrica (Hjorthøj et al., 2017). Têm sido identificadas múltiplas causas para esta diferença na mortalidade, sendo possível agrupar as mais relevantes em: Doenças metabólicas; Doenças Infeciosas e Suicídio (Lawrence et al., 2013).

Salienta-se que a presença de doenças que aumentam o risco cardiovascular, tais como a dislipidemia, a diabetes, a obesidade e a hipertensão arterial são, também, duas a três vezes mais prevalentes em doentes psiquiátricos em comparação com a população geral (Anil Subedi, Ram Prasad Lamichhane, 2020), associando-se não só aos efeitos adversos da medicação antipsicótica (Jakobs et al., 2020), como à dificuldade na manutenção de um estilo de vida saudável.

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Quadro I - Caracterização da população global separada pelo ano de internamento na Psiquiatria. DV = Desvio Padrão. AIQ = Amplitude interquartis

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Este grupo de doentes parece ter também maior risco de ter doenças infeciosas, tanto crónicas como agudas, nomeadamente HIV, hepatites, pneumonias ou gripes (Lawrence et al., 2013).

Está estabelecido o consenso de que, na presença de patologias psiquiátricas, há maior dificuldade por parte dos pacientes em seguir orientações terapêuticas, em serem regularmente acompanhados pelos serviços de saúde ou em terem as suas comorbilidades de causa orgânica estabilizadas (CNS, 2019), o que coloca estes doentes em maior risco de exacerbação das patologias de base e, por consequente, uma maior probabilidade de morte prematura (Weye et al., 2020).

Perante estes dados coloca-se a questão de avaliar se o acompanhamento dos doentes psiquiátricos para as suas comorbilidades sofreu algum impacto durante o período da pandemia COVID19, que tem sido marcada por sucessivos estados de emergência, isolamento social ou constrangimento dos serviços de saúde primários e hospitalares em avaliações clínicas presenciais.

O objetivo deste estudo é procurar se existem diferenças entre duas amostras de pacientes internados na psiquiatria do Centro Hospital Universitário do Algarve (CHUA) antes e após a pandemia COVID-19, nomeadamente nas doenças que aumentam o risco cardiovascular e doenças infeciosas.

Metodologia

Este foi um estudo retrospetivo. Foram incluídos neste estudo todos os doentes internados no Serviço de Psiquiatria 1 do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental (DPSM) do CHUA entre 1 de julho e 31 de outubro de 2018 e entre 1 de julho e 31 de outubro de 2020, considerando-se este critério para definir os dois grupos distintos a ser comparados. Os dados foram colhidos através de consulta do processo clínico – SClinic – durante o período compreendido entre março e abril de 2022 e tiveram em consideração a informação relativa ao ano civil seguinte ao ano do internamento considerado. Foram excluídos todos os pacientes que faleceram durante o ano decorrente do seu estudo (2019 ou 2021).

Foram definidas 67 variáveis (Quadro I). As variáveis sociodemográficas foram a idade, o género, a nacionalidade, o ano de escolaridade, a situação habitacional e o estado laboral, estas assumem o valor à data da admissão a internamento. As variáveis clínicas foram a existência de comorbilidades como a Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus, Dislipidemia, História de AVC, História de EAM, Doença renal, Doença Respiratória, Doença Hepática, Alterações hematológicas, que foram divididas nos grupos anemias, trombose, Coagulopatias e outros; Doenças gastrointestinais, Doenças Neurológicas, Doenças Infeciosas, Doenças Tiroideias, História de Neoplasias, também divididas em diferentes grupos de neoplasias. Os consumos atuais são os

realizados até aos 6 meses anteriores. Foi considerado o diagnóstico psiquiátrico aquele que justificou o internamento, adotando-se para este estudo os grandes grupos de perturbações psiquiátricas, nomeadamente perturbações psicóticas, afetivas ou perturbações da personalidade. Os dados acerca de psicofármacos ilustram as prescrições à data de alta de internamento. Foram contabilizados apenas os episódios de urgência no CHUA, tal como o internamento noutras especialidades e o número de consultas hospitalares ambulatórias. O mandato de condução e o internamento compulsivo referem-se ao internamento que serviu de base do estudo e não a histórias de outros internamentos. O acompanhamento em MGF diz respeito a todos os centros de saúde do país e o número de consultas em MGF por ano refere-se a todas as vezes que o doente foi consultado por um médico de família. A história de cirurgias, de suicídio e de intoxicação medicamentosa referem-se ao passado de cada paciente até à data de internamento. O número de óbitos refere-se ao número de pacientes que morreram ou após 2019 ou após 2021.

A análise estatística foi processada no programa IBM SPSS Statistics 28.0.0.0.

A análise multivariada foi efetuada com uso dos testes chi-quadrado de Pearson, teste T para amostras independentes e teste exato de Fisher. Considerou-se existir significância estatística perante um P-value < 0,05.

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Quadro II - Resultado do acompanhamento da população. AVC = Acidente Vascular Cerebral, EAM = Enfarte Agudo do Miocárdio, FSO = Internamento na sala de observações, MGF = Medicina Geral e Familiar, SU = Serviço de Urgência, DV =Desvio Padrão. AIQ = Amplitude interquartis

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Resultados

Caracterização da amostra

Os resultados relativos às variáveis sociodemográficas estão resumidos na Tabela 2. Não parecem existir diferenças quanto à idade e à nacionalidade (P-value = 0,805), verificando-se uma medida de idades entre os 48-50 anos e uma predominância da nacionalidade portuguesa. Salienta-se uma diferença quando ao género, dado que em 2018 estiveram internados mais homem e em 2020 mais mulheres (38,6% vs. 61,4%, P-value = 0,034). Observou-se também um aumento superior ao dobro dos pacientes internados que já tinham concluído o 12º ano de escolaridade no grupo de 2020 (15,8% vs. 37,6%, P-value = 0,618). Existiu um aumento no número de indivíduos que moravam sozinhos em 2020 (18,8% vs. 26,7%, P-value = 0,231) e uma diminuição daqueles que viviam com familiares (73% vs. 58,4%, P-value = 0,231), sendo que em ambos o número de sem-abrigos manteve-se semelhante. Quanto à situação laboral, verificou entre os doentes internados em 2020 um decréscimo do número de empregados (30% vs. 15,8%) e o aumento de desempregados (37,8% vs. 42,6%) e reformados (32,2% vs. 41,6%) (P-value = 0,033). Observou-se nos dois grupos, na maioria, o internamento de pacientes com perturbações psicóticas embora em 2020 tenha existido um aumento de 13% destes pacientes e uma diminuição de 6% dos pacientes com perturbação afetiva bipolar e perturbações depressivas unipolares, sendo o número de internados com demência, perturbações de ansiedade e outras patologias bastante semelhante.

No internamento compulsivo na psiquiatria foi observado um aumento de 18,8% em 2018 para 30,7% em 2020 (P-value = 0,050). Salienta-se que não existe significância estatística entre os consumos atuais nas duas amostras, nomeadamente tabaco, álcool e drogas,

A nível da medicação foi observada o aumento da prescrição de benzodiazepinas 66,3% dos pacientes internados em 2018 para 81,2% dos pacientes internados em 2020 (P-value = 0,016), sendo a sua maior prescrição nas Perturbações Psicóticas (40,2%), e pacientes do sexo feminino (66,2%). A diferença entre as patologias psiquiátrica, a prescrição deste medicamento e as duas amostras não apresenta significância estatística. Salienta-se ainda que para estes doentes a presença de doença base equivale a 80,8% (P-value = 0,012).

A prescrição de antipsicóticos típicos também aumentou em 2020, subindo de 38,7% em 2018 para 61,3% (P-value = 0,033). Salienta-se o aumento de 58,3% dos antipsicóticos injetáveis de primeira geração prescritos em 2018 para 81,6% em 2020 (P-value < 0,001) e não existir diferença com significância estatística entre a prescrição de antidepressivos.

Foi observado um aumento significativo de doenças infeciosas (24,3% vs. 75,7%, P-value < 0,001), especialmente agudas (20,7% vs. 79,3%, P-value < 0,001), nomeadamente infeções gastrointestinais, infeções respiratórias, infeções urinárias, infeções da pele e outras. Por outro lado, não se verificou diferença quanto á presença de doença infeciosa crónica (6,2% vs. 9,9%, P-value = 0,338). Constata-se ainda a relação

cruzada entre a patologia psiquiátrica e a doença infeciosa nas duas amostras com P-value = 0,021 e a diminuição dos doentes infetados que apresentavam doença hepática (55,6% vs. 18,8%, P-value < 0,001).

Não foram observadas diferenças quanto às variáveis de risco cardiovascular, nomeadamente a dislipidemia, hipertensão e ou diabetes.

Não foram também observadas diferenças em relação a tentativas de suicídio, nomeadamente intoxicação medicamentosa voluntária.

Não se observaram diferenças quanto ao período de internamento na psiquiatria, Número de consultas em MGF por ano, Número de consultas no hospital por ano e Número de episódios de Serviço de Urgência por ano.

Discussão

O Inquérito Nacional de Saúde (2014) demonstrou que 10% da população portuguesa apresentava sintomas depressivos sendo que mais de 70% dessa população era do género feminino (CNS, 2019).

É bem documentada a associação do género para o tipo de patologia psiquiátrica, sendo que é mais comum os homens apresentarem perturbações de adição e patologias psicóticas, e as mulheres apresentarem perturbações afetiva bipolar e depressão unipolar (R. Kathryn McHugh, 2017).

Neste trabalho a comparação entre as patologias psiquiátricas nos dois anos

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não apresentou significância estatística (P-value = 0,600), porém foi observada significância estatística no geral dos dois anos (P-value = 0,029) no que diz respeito à distribuição dos homens e mulheres dentro de cada uma destas patologias. Foi observado o aumento do peso das mulheres em todas as patologias com consequente diminuição da contribuição masculina. Esta diferença poderá dever-se ao impacto que a permanência no domicílio durante o confinamento terá tido nas mulheres e na sobrecarga destas perante as tarefas domésticas, o trabalho virtual e o cuidado da família, nomeadamente os filhos (Almeida et al., 2020). O Índice de Saúde Mental Headway 2023 relevou o impacto negativo que a pandemia teve na saúde mental, com 83% das mulheres em comparação com apenas 36% dos homens. Sendo que 44% das mulheres com filhos menores de 12 anos relataram a dificuldade nas responsabilidades domésticas em comparação com apenas 20% dos homens (Ambrosetti, 2023).

Esta diferença de género poderá ser uma das explicações para o aumento da prescrição de benzodiazepinas verificada neste estudo, uma vez que vários autores já demonstraram que existe uma maior tendência para o uso de benzodiazepinas pelo sexo feminino (R. Kathryn McHugh, 2017).

As benzodiazepinas são uma classe medicamentosa que, ao se ligarem ao recetor GABA, atuam como um ansiolítico, hipnótico (indutor de sono), anti convulsionante e relaxante muscular. Esta classe é uma das classes medicamentosas psiquiátricas mais prescritas no mundo (R. Kathryn McHugh,

Figura 1. Gráfico da distribuição em % das patologias psiquiátricas que levaram a internamento dos pacientes nos anos 2018 e 2020.

Figura 2. Gráfico com a distribuição em % dos pacientes a quem foi prescrita a classe medicamentosa de benzodiazepinas entre o ano 2018 e 2020

2017) pelos seus efeitos terapêuticos. É, no entanto, altamente aditiva o que levou à necessidade de um controlo sobre a sua prescrição e sobre a existência de um desmame adequado aquando da sua utilização (Votaw, 2017). Estes factos tornam espectável a diminuição da prescrição destes medicamentos com o passar dos anos, ao contrário daquilo que é encontrado neste trabalho.

Salienta-se pelo gráfico abaixo apresentado, efetivamente, um aumento da percentagem de mulheres com prescrição de benzodiazepinas entre os dois anos de internamento; porém

a análise estatística em conjunto não demonstra significância no cruzamento destes dados.

Quando comparada a prescrição destes medicamentos por patologia psiquiátrica também é revelado um aumento desta classe nos pacientes com patologia psicótica, porém, novamente, sem significância estatística.

Quanto a esta observação, pode teorizar-se o aumento da prescrição de benzodiazepinas durante o período

O Impacto da Pandemia COVID-19 nos doentes Psiquiátricos 18

da pandemia pela necessidade de um maior controlo da ansiedade gerada pela obrigatoriedade do confinamento, visão que pode ser apoiada pelo aumento descrito de stress que adveio da permanência em casa (Freitas et al., 2021) e de um maior convívio familiar (Bates et al., 2021). Especialmente, como é visto, nos pacientes com patologias psicóticas que, pela necessidade de alterar os seus hábitos quotidianos. Também foram documentadas alterações nos quadros de sono (Freitas et al., 2021) que podem justificar a maior necessidade de uso desta classe medicamentosa.

O aumento do uso de antipsicóticos de primeira geração não também era expectável, uma vez a sua já provada forte relação com sintomas parkinsónicos. Foi então observada uma relação positiva com os injetáveis, subindo de 58,3% dos antipsicóticos injetáveis de primeira geração prescritos em 2018 para 81,6% em 2020 (P-value < 0,001). Estado a justificação desta diferença fora do âmbito deste estudo, um fator relevante a ser considerado nesta decisão poderá ser o agravamento das condições financeiras dos utentes perante as condições adversas importas no contexto pandémico.

Dados do INE apontam uma subida na taxa de desemprego a nível nacional de 3% entre os anos 2020 e 2021, juntamente com o relatório da OMS que estabelece uma relação entre o desemprego ou a reforma antecipada e a presença de doença psiquiátrica em 90%, sendo responsável por estes números a dificuldade para estes pacientes não só superarem os estigmas da sociedade que os impede de conseguirem

Figura 3. Gráfico com a distribuição em % da prescrição de Benzodiazepinas conforme a patologia psiquiátrica no ano 2018 e 2020.

Figura 4. Distribuição em % das doenças infeciosas nas diferentes patologias psiquiátricas nas duas amostras.

encontrar postos de trabalho, como a instabilidade das próprias doenças que os impossibilitam, muitas vezes, de se manterem nesses postos durante muito tempo. Uma vez que com o aumento do desemprego se condiciona o aumento das dificuldades monetárias, é de salientar que à data da pandemia COVID-19 os injetáveis de antipsicóticos de segunda geração não eram comparticipados pelo estado português, acarretando um maior encargo económico para as famílias e, por isso, tornando a escolha dos antipsicóticos de primeira geração uma melhor escolha.

É ainda de evidenciar o aumento das doenças infeciosas no período da pandemia.

Quando relacionada a doença infeciosa com a categoria de perturbação psiquiátrica salienta-se o aumento de 22,2% para 57,1% dos pacientes que tiveram infeção nos anos 2019 e 2021, respetivamente, tinham diagnóstico de Perturbações psicóticas. As demências constatarem um aumento de 10% na lista dos doentes com infeções. Porém em

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todas as outras patologias constatou-se um decréscimo do papel destas nas doenças infeciosas. A significância estatística para esta diferença tem P-value = 0,021.

Outro dado interessante relativo à doença infeciosa é a diminuição de 55,6% para 18,8% dos doentes infetados que apresentavam doença hepática, de 2019 para 2021 (P-value < 0,001). Salienta-se, por último, que embora todos os consumos, seja de álcool, tabaco ou estupefacientes, apresentam com as doenças infeciosas e os diferentes anos (P-value < 0,001), o uso de cocaína é o único que não apresenta diferença no ano de 2020.

Como já referido, é positiva a relação entre as doenças infeciosas e a mortalidade dos pacientes psiquiátricos, existindo inclusive uma relação contrária que demonstra o aumento da probabilidade de desenvolver distúrbio psiquiátrico em pessoas com histórias de infeções com alguns patógenos. (Orlovska et al., 2017)

Vários estudos demonstram uma estreita relação entre as patologias psiquiátricas e défices da microbiota intestinal que conduzem a um sistema imunitário menos capaz (Ouabbou et al., 2020), relacionando também fatores genéticos de doenças mentais com uma maior suscetibilidade de doenças infeciosas gastrointestinais (Nudel et al., 2020); um maior risco de pneumonia associado ao uso de benzodiazepinas (Taipale et al., 2017) e uma relação positiva entre a doença mental e as infeções gastrointestinais (Nudel et al., 2020).

Porém, todos estas relações entre a patologia infeciosa e a patologia psiquiátrica já são estudadas e não foram alteradas durante o período pandémico, o que leva à questão do que poderá ter acontecido durante o confinamento que potenciasse o aumento destes números.

Embora o período de confinamento tenha levado ao uso de máscaras e ao maior hábito de desinfeção das mãos, o que por sua vez deveria ser indicador de um decréscimo das doenças infeciosas devem ser tidas em conta as condicionantes sociais associadas às perturbações psiquiátricas, bem como as limitações de autonomia e autocuidados nos casos mais severos. Além disso, para os pacientes que vivem sozinhos, mas dependentes da ajuda de familiares ou de cuidados de instituições, vale relembrar que o número de visitas ao domicílio, e por consequente o apoio a estas pessoas, foi menor ou quase nulo, o que poderá também ser um fator potenciador de um menor cuidado com a higiene e com as condições habitacionais.

Outro dos objetivos deste trabalho era relacionar o impacto da pandemia COVID-19 com as comorbilidades dos pacientes psiquiátricos, nomeadamente patologias que aumentam o risco cardiovascular.

Foi já estabelecida a relação positiva entre a toma de antipsicóticos de segunda geração e uma maior propensão de desenvolver diabetes (Holt, 2019), de aumentar o peso e de

desenvolver hipertensão arterial (Holt & Peveler, 2011) tal como a relação da toma de benzodiazepinas com o maior risco de doença cardiovascular (Patorno et al., 2017).

Foi observada uma diferença com significância estatística para a existência de comorbilidades e o uso de benzodiazepinas, tendo sido verificado que 80,8% destes doentes estava medicado com uma benzodiazepina (P-value = 0,012).

Porém, e apesar desta associação, salienta-se que a diferença quanto à presença de comorbilidades entre o ano 2018 e 2020 não possuía significância estatística (P-value = 0,993).

A variação da média de consultas de acompanhamento pelos centros de saúde e pelas consultas de especialidade no hospital também não apresentou significância estatística entre os anos 2019 e 2021.

Estes dados revelam que, apesar do período de confinamento ter alterado o funcionamento das unidades de saúde, o acompanhamento dos pacientes psiquiátricos não sofreu alterações significativas, traduzindo a eficácia das estratégias implementadas e o esforço e competência dos profissionais de saúde que assistem estes doentes.

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Conclusões

A pandemia de COVID-19 foi responsável por alterar o quotidiano da maioria da população mundial, refletindo-se num aumento do isolamento social e da dinâmica familiar. A sociedade civil viu-se obrigada a adotar procedimentos adequados aos desafios, em especial as instituições de saúde, que se viram diante de uma necessidade emergente para dar resposta a uma patologia ainda pouco conhecida, muito vezes condicionando a sua atividade habitual.

Tal como a generalidade da população, os doentes psiquiátricos sofreram também as consequências da pandemia, pretendendo-se com este trabalho avaliar o seu impacto na vida destes doentes.

Neste trabalho observou-se que a pandemia levou ao aumento do internamento de mulheres, de doentes psicóticos, a uma maior prescrição ansiolíticos e de antipsicóticos injetáveis de 1ª geração; as taxas mais altas de desemprego e a uma maior incidência de doenças infeciosas, especialmente agudas e entre os doentes psicóticos.

No entanto, apesar destes achados, verificou-se que os doentes mantiveram o acompanhamento hospitalar e nos centros de saúde, nomeadamente para comorbilidades, traduzindo assim a eficácia das medidas tomadas e a competência dos profissionais de saúde.

Propõe-se a realização de projetos futuros no sentido de estudar a causa para o aumento das doenças infeciosas nos doentes psiquiátricos durante o período pandémico.

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Catarina Malhão et al
21

Adequação do diagnóstico e tratamento da infeção do trato urinário no Serviço de Urgência

Appropriateness of diagnosis and treatment of urinary tract infection in the Emergency Department

2

1

1 Serviço de Medicina Interna – Unidade Hospitalar de Portimão, Centro Hospitalar Universitário do Algarve 2 Serviço de Urgência – Unidade Hospitalar de Portimão, Centro Hospitalar Universitário do Algarve mmargaridas@gmail.com

Sumário

O uso incorreto de antibióticos associa-se ao surgimento de microorganismos resistentes. O Serviço de Urgência é o local de entrada da maioria dos doentes com infeção do trato urinário. Com o objetivo de determinar a adequação do diagnóstico e prescrição de antibioterapia em doentes adultos, que recorreram ao Serviço de Urgência da Unidade Hospitalar de Portimão e foram diagnosticados com infeção do trato urinário, foi realizado um estudo observacional transversal, com colheita de dados retrospetiva.

Foram incluídos 104 doentes, 65% do sexo feminino, com idade média de 57 anos. 65% foram diagnosticados com infeção do trato urinário não especificada, 31% com cistite aguda e 3% com pielonefrite aguda. 16% realizaram Urocultura e em 10 casos foi isolado agente, sendo a Escherichia coli o microorganismo mais frequente. Em 97% dos casos foi prescrito antibiótico, sendo a Amoxicilina-Ácido clavulânico o mais prescrito, sendo todas as suas prescrições inadequadas. Em 36% dos casos o diagnóstico foi inadequado e em 85% dos casos a prescrição foi inadequada (38% dos casos o doente não cumpria critérios de infeção e em 19% a duração do tratamento foi inadequada).

A prevalente incorreta utilização de antibióticos pode ser justificada pelo grande volume de doentes, sobrevalorização da Urina tipo II, simplificação da classificação do diagnóstico e tomada de decisões sem dados microbiológicos, sendo necessário implementar programas de stewardship antibiótica neste contexto.

Palavras-chave: Antibioterapia; Infeção do trato urinário; stewardship antibiótica

Abstract

The incorrect use of antibiotics is associated with the emergence of resistant bacteria. The majority of patients with urinary tract infection present frequently to the Emergency Department. The aim of this study was to determine the appropriateness of the diagnostics and prescription of antibiotics in adults presenting to the Emergency Department of Unidade Hospitalar Portimão diagnosed with urinary tract infection. An observational, retrospective study was conducted.

We included 104 patients, 65% female, with a mean age of 57 years. 65% were diagnosed with unspecified urinary tract infection, 31% with acute cystitis and 3% with acute pyelonephritis. 16% underwent urine culture and in 10 cases there was identification of an agent, with Escherichia coli being the most prevalent. In 97% of cases an antibiotic was prescribed, with Amoxicilin-Clavulanic Acid being the most common prescription. Every prescription of this antibiotic was considered inappropriate. In 36% of cases the diagnosis was inappropriate and in 85% if cases the prescription was inappropriate (38% of patients didn’t meet criteria for infection and in 19% the duration of treatment was inappropriate).

The high prevalence of inappropriate antibiotic usage might be justified by the high volume of patients, the overestimation of urinalysis, simplification of diagnosis classification and lack of microbiological data. It is imperative to implement antibiotic stewardship programs in this context.

Keywords:

Antibiotics; Urinary tract infection; Antibiotic stewardship

Maria Margarida Rosado , Claúdia Queiroz1, Nuno Vieira1, João Estevens
Algarve Médico, 2022; 20 (6):22 - 27 ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
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Introdução

O uso indiscriminado e incorreto de antibióticos, com consequente surgimento de microorganismos resistentes, é um dos maiores problemas na Medicina atual.

Vários fatores são implicados na emergência de estirpes resistentes, mas a pressão seletiva exercida pelo uso de antibióticos, particularmente o seu uso disseminado e inapropriado, tem sido apontada como um dos que mais contribui para o problema. Deste modo, uma correta utilização destes fármacos é essencial para a manutenção da sua eficácia.

O Serviço de Urgência (SU) é o local de entrada da maioria dos doentes com doenças infeciosas que recorrem ao Hospital, sendo a infeção do trato urinário (ITU) uma das doenças infeciosas mais prevalentes neste contexto. Tendo em conta o exposto, pretende-se com o presente estudo determinar a adequação do diagnóstico e prescrição de antibioterapia em doentes que recorrem ao SU por ITU.

Material e Métodos

Foi realizado um estudo observacional, retrospetivo e unicêntrico, com recurso ao processo clínico e registo Alert dos doentes que recorreram ao SU do Centro Hospitalar Universitário do Algarve – Unidade Hospitalar de Portimão (CHUA-UHP) entre 1 de julho e 31 de agosto de 2021.

Foram incluídos os doentes com idade igual ou superior a 18 anos e com o diagnóstico final de ITU, realizado pelo médico que avaliou o doente. Foram excluídos os doentes com outras doenças infeciosas concomitantes.

Foram recolhidos os seguintes dados da amostra: demográficos (sexo e idade), comorbilidades, prescrição de antibiótico nas últimas 3 semanas, presença de dispositivo nas vias urinárias (cateter vesical, nefrostomia, cateter duplo J), quadro clínico, meios complementares de diagnóstico (MCDs) realizados, resultado dos MCDs, diagnóstico final, antibiótico prescrito e respetiva posologia, especialidade prescritora e destino do doente, tendo sido posteriormente determinada a adequação do diagnóstico e prescrição.

O quadro clínico foi categorizado em “sintomas compatíveis com cistite”, definido como a presença de disúria, polaquiúria, urgência urinária, dor suprapúbica, hematúria e/ou alteração

do estado de consciência; “sintomas compatíveis com pielonefrite”, definido como a presença de febre, calafrio, dor nos flancos/lombalgia, náuseas, vómitos e/ou alteração do estado de consciência na presença ou ausência de sintomas compatíveis com cistite; e “ausência de sintomas compatíveis com ITU”.

A adequação do diagnóstico foi baseada nas guidelines de 2020 da European Association of Urology (EAU), sendo bacteriúria assintomática definida como Urocultura (UC) ou Urina II positiva em doente sem sintomas compatíveis com ITU; ITU não especificada: presença de critérios de diagnóstico de cistite e/ou pielonefrite; cistite: sintomas urinários baixos (disúria, frequência e urgência) ou sintomas atípicos na presença de UC positiva; pielonefrite: sintomas urinários altos (febre, calafrio, dor no flanco, náuseas, vómitos, sinal de Murphy renal positivo) na presença de Urina II positiva e aumento dos parâmetros inflamatórios1

A adequação da terapêutica foi baseada nas guidelines de 2020 da EAU e na Norma de Orientação Clínica da Direção Geral de Saúde número 015/2011.(2)

A análise estatística foi realizada com recurso ao IBM SPSS Statistics Version 25.

Maria Margarida Rosado et al
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Resultados

Foram incluídos no estudo 104 doentes com o diagnóstico de ITU, 65% do sexo feminino (n= 68) e 35% do sexo masculino (n=36), com uma idade média de 57,0 anos e mediana de 59,5 anos (idade mínima de 18 anos e máxima de 94 anos).

Do total, 38% (n=40) dos doentes não apresentavam comorbilidades, enquanto 11 doentes apresentavam comorbilidades do foro urológico, sendo as mais prevalentes: hipertrofia benigna da próstata, neoplasia do trato urinário e litíase renal. Identificaram-se 5 doentes portadores de um dispositivo no trato urinário (4 cateteres vesicais de longa duração e 1 cateter ureteral duplo J) e apenas 3 tinham prescrição de antibiótico nas últimas 3 semanas.

Diagnósticos: Dos 104 doentes, 65% (n=68) foram diagnosticados com ITU não especificada, 31% (n=32) com cistite aguda, 3% (n=3) com pielonefrite aguda e 1% (n=1) com sépsis de ponto de partida urinário, figura 1.

MCDs realizados: 8% (n=8) dos doentes não realizou qualquer tipo de MCD, sendo que dos restantes 96 que realizaram MCDs, apenas 1 não realizou Urina tipo II. A Urina tipo II foi o MCD mais requisitado, tendo sido realizado em 91% (n=95) dos casos, e desses, em 25% (n=24) dos casos foi mesmo o único MCD realizado. Salienta-se ainda que 69% (n=72) dos doentes realizaram análises sanguíneas e apenas 16% (n=17) realizaram UC.

Figura 1. Distribuição dos diagnósticos.

Figura 2. Prescrição terapêutica vericada na série.

Terapêutica prescrita: Em 97% (n=101) dos casos foi prescrita terapêutica antibiótica, nos restantes casos não foi prescrita terapêutica (n=2) ou foi prescrito antifúngico (n=1), figura 2. Em 36% (n=37) dos casos foi prescrita Amoxicilina-Ácido clavulânico, sendo este o antibiótico mais prescrito. A Fosfomicina foi prescrita em 23% (n=24) dos casos, sendo o segundo antibiótico mais prescrito. As quinolonas foram a terceira classe de antibióticos mais prescrita, o que ocorreu em 15% (n=16) dos doentes. A Ciprofloxacina (n=10) foi a quinolona mais prescrita, seguida da Norfloxacina (n=5) e da Prulifloxacina (n=1). Em 11%

(n=11) dos casos foi prescrita Cefuroxima, em 5% (n=5) dos casos foi prescrito Trimetropim/Sulfametoxazol, em 3% (n=3) Nitrofurantoína e em 1% (n=1) Meropenem, Cefradina ou Cefixima, figura 3.

Especialidade prescritora: Em 87% (n=90) dos casos a terapêutica foi prescrita por um Clínico Geral. Em 8% (n=8) dos casos a terapêutica foi prescrita pela Medicina Interna, seguida de 4% (n=4) pela Ginecologia-Obstetrícia e 1% (n=1) da Urologia, havendo 1 caso de automedicação.

Adequação do diagnóstico e tratamento da infeção do trato urinário no Serviço de Urgência
24

Destino: Dos 104 doentes incluídos, 91% (n=95) tiveram alta para o domicílio e os restantes 9% (n=9) foram internados.

Adequação do diagnóstico: Em 64% (n=67) dos casos o diagnóstico de infeção foi classificado como adequado, não o sendo nos restantes 36% (n=37).

Adequação da prescrição: Em 85% (n=87) dos casos a prescrição não foi adequada. Dos casos de prescrição inadequada, 43% (n=37) ocorreram por o antibiótico prescrito não ser o adequado, sendo o antibiótico mais inadequadamente prescrito a Amoxicilina-Ácido clavulânico; 38% (n=33) ocorreram por o doente não cumprir critérios de diagnóstico para

ITU, tendo a maioria apenas critérios para bacteriúria assintomática; e em 19% (n=17) dos casos a posologia da prescrição foi inadequada, em todos os casos por duração inadequada do tratamento (18 casos de Fosfomicina 2 tomas em vez de 1, 1 caso de pielonefrite medicada apenas durante 8 dias e 2 casos de Nitrofurantoína 10 dias em vez de 5-7 dias).

Resultados das UC: Das 17 UC colhidas, em 10 foi isolado agente, sendo a Escherichia coli (n=3) e a Klebsiella pneumonia (n=3) os microorganismos mais prevalentes. 2 das estirpes de K. pneumoniae eram produtoras de beta-

lactamases de espectro alargado (ESBL+). Foram também isolados Citrobacter freundii (n=1), Serratia marcescens (n=1), Proteus mirabilis (n=1) e Pseudomonas aeruginosa (n=1) (Gráfico 4). Das restantes 7 UCs, 6 foram negativas e 1 contaminada. Das 10 UCs com isolamento de agente, a prescrição empírica de antibiótico só foi adequada ao TSA em 3 dos casos.

Discussão e Conclusão

este estudo, a população foi maioritariamente (65%) do sexo feminino e com idade mediana de 59 anos, o que está de acordo com a conhecida epidemiologia da ITU.(3) Dos doentes em que, aquando do diagnóstico, foi feita a distinção entre ITU alta ou baixa, o diagnóstico de cistite foi mais prevalente (31%), o que também está de acordo com a referida epidemiologia.(3)

O diagnóstico de ITU não especificada foi o mais prevalente, sendo que o médico prescritor optou por não subclassificar a ITU em cistite ou pielonefrite. A escolha antibiótica no tratamento da ITU baseia-se, entre outros critérios, na localização da mesma. A simplificação do diagnóstico levou a que tenham sido cometidos erros na escolha e duração do antibiótico prescrito, já que a classificação de casos de pielonefrite aguda como ITU não especificada levou a que a duração da antibioterapia não fosse adequada.

Dos 8 doentes a quem não foram requisitados MCDs, 5 corresponderam a mulheres jovens com sintomas típicos de cistite aguda, cujo diagnóstico foi considerado adequado, tendo a opção

Maria Margarida Rosado et al
Figura 3. Antibióticos prescritos e respetiva frequência.
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Figura 4. Microorganismos isolados em urocultura.

de não os realizar sido a correta. Apenas foram realizadas 17 UC, 5 dessas em doentes que foram internados. Porém, dos 9 doentes internados (todos eles com o diagnóstico principal de ITU), apenas 6 realizaram UC.

O antibiótico mais prescrito foi a Amoxicilina-Ácido clavulânico, não tendo esta sido a prescrição adequada em nenhum dos casos. As aminopenicilinas não são adequadas na terapêutica empírica da ITU, dado a elevada resistência da Escherichia coli a estes antibióticos. A sua combinação com um inibidor da beta-lactamase também não é recomendada como terapêutica empírica de primeira linha, devido aos efeitos colaterais a nível ecológico e à sua menor eficácia, podendo, contudo, ser usados em casos selecionados, nomeadamente na indisponibilidade ou contraindicação para os antibióticos de primeira linha1,2,4 É de notar que, em estudos nacionais, a resistência da E. coli à AmoxicilinaÁcido clavulânico atinge quase os 20%, o que contrasta com o perfil de sensibilidade aos antibióticos atualmente recomendados como primeira linha5

Na maioria das vezes em que foi prescrita Fosfomicina, foi utilizada uma posologia incorreta, sendo prescritas 2 tomas em vez de apenas uma. A utilização de várias doses de Fosfomicina pode ser considerada em uso off label no tratamento da prostatite e no tratamento da ITU a microorganismos multirresistentes, ou na profilaxia da ITU6 A escolha tão prevalente desta posologia talvez se deva ao facto de em Portugal existir a possibilidade de prescrever uma

embalagem com 2 saquetas, porém múltiplas doses não aumentam a eficácia desde antibiótico no tratamento da cistite aguda não complicada, enquanto amplificam os eventos adversos.

A maioria das prescrições foram feitas por Clínicos Gerais, sendo a sua maioria inadequada. Metade das prescrições feitas pela Medicina Interna e Ginecologia-Obstetrícia foi inadequada e a prescrição efetuada pela Urologia adequada, porém a amostra de doentes avaliados por estas especialidades foi muito pequena, não havendo poder estatístico que permita retirar conclusões definitivas.

O microorganismo mais frequentemente isolado foi a Escherichia coli, o que é concordante com a epidemiologia da ITU, porém a amostra de UC positivas foi muito reduzida, não permitindo retirar conclusões. Destacam-se os 2 casos de Klebsiella pneumonia ESBL+, que confirmam a prevalência crescente de microorganismos resistentes7

A maioria dos diagnósticos incorretos e respetiva prescrição inadequada de antibiótico baseou-se nos achados da Urina tipo II, independentemente da apresentação clínica do doente. Como é sabido, a Urina tipo II é um MCD barato e fácil de obter, porém a sua interpretação é complexa, com vários fatores confundidores, podendo a sua incorreta valorização ter consequências nefastas, nomeadamente no que à a prescrição inadequada de antibióticos diz respeito8

Para além de dever ser garantida uma colheita apropriada da amostra, o médico prescritor apenas deve requisitar este MCD com uma justificação específica, tendo sempre em conta a sua baixa especificidade e a elevada prevalência de bacteriúria assintomática, principalmente na população mais idosa.

O SU constitui um ambiente com características muito específicas que dificultam a implementação de programas de stewardship antibiótica, nomeadamente o grande volume de doentes, a ausência de continuidade de cuidados e a tomada de decisões na ausência de informação microbiológica9 A isto se acrescenta a particularidade de no centro hospitalar onde o estudo foi conduzido, não existir um antibiograma.

Não obstante as dificuldades, a introdução deste tipo de programas é uma importante estratégia na melhoria de resultados clínicos e na proteção dos antibióticos como recurso de saúde pública10

Sugere-se a realização de ações de formação para os médicos prescritores e a criação de uma consulta de avaliação do resultado de UCs colhidas no SU, para ajuste da antibioterapia conforme o TSA, se necessário.

Adequação do diagnóstico e tratamento da infeção do trato urinário no Serviço de Urgência 26

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Maria Margarida Rosado et al 27

Medicina e Humanidades uma relação que se mantém - Medicina Narrativa

Medicine and Humanities a relationship that leads to Narrative Medicine

Resumo

O conceito de Medicina Narrativa começou a estabelecer-se na viragem do século XX para o XXI. A Medicina Narrativa propõe uma mudança de paradigma na atenção médica que não tenta substituir a nossa prática actual, mas antes complementá-la e nessa medida melhorar o nosso desempenho. Tenta reconhecer a história integral do doente como pessoa que procura ajuda.

O autor situa o panorama da Medicina à data de emergência deste conceito e desta prática, onde a competência narrativa acrescenta a capacidade de reconhecer, absorver, metabolizar, interpretar e se emocionar com histórias de doença. A Medicina exercida com competência narrativa tende a restabelecer a relação entre médicos e pacientes, com os seus colegas, a sociedade e até com eles próprios.

Abstract

The concept of Narrative Medicine began to establish itself at the turn of the 20th to the 21st century. Narrative Medicine is a paradigm shift in medical care that does not try to replace our current practice, but rather complements it and, to that extent, improve’s our performance. The attempt is to recognize the patient’s full story as a person seeking help.

The author situates the panorama of Medicine at the emergence of this concept and this practice, where narrative competence adds the ability to recognize, absorb, metabolize, interpret and be moved by stories of illness. Medicine practiced with a narrative competence tends to restore the relationship between doctors and patients, with their colleagues, society and even with themselves.

Keywords:

Medicina, Humanism, Narrative, Subjectivity, Empathy, Compassion

Palavras Chave: Medicina, Humanismo, Narrativa, Subjectividade, Empatia, Compaixão
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE Algarve Médico, 2022; 20 (6): 28 - 35 28

“About a little girl”

Knowledge defeats its own end approaching the state of heaven when it envisions through the glass delicately adjusted in the sliding tubes —to prove death inevitable— the red and blue dots of anilene stained blood which shout derisively at our despair

But the child walks laughing from room to room of her gentle home She is eleven and her parents love her very much Over her the trees hold their leaves dripping with the rain shining green

William Carlos Williams, 1883 – 1963, Pediatra e Poeta

“Onde houver amor pela arte da Medicina, também haverá amor pela Humanidade.”

Hipócrates, 460-370 aC

Introdução

Dedicamo-nos à medicina pelo desejo de ajudar os que sofrem, pelo desafio intelectual de descobrir o que os aflige e talvez por ter uma defesa contra o nosso medo da doença e da morte. Certas características de nossa profissão permaneceram inalteradas ao longo do tempo como o estudo cuidadoso do caso e a comunicação de um plano de acção.

Durante séculos, os médicos tiveram pouco mais do que suas habilidades analíticas e suas de comunicação para cumprir o objetivo de sua profissão. Encontramos múltiplos exemplos na pintura dos séculos passados da expressão desta realidade como as presentes nas figuras 1 e 2. As intenções poderiam ter sido as melhores, mas o conhecimento da Nosologia e Fisiopatologia era muito limitado.

Há quem considere o início da Medicina Moderna com uso generalizado dos antibióticos na segunda metade do século XX. Iniciava-se uma era que prometia a aplicação do mais rigoroso método científico para a solução de todas as doenças. Falávamos das imensas possibilidades terapêuticas que viriam da decodificação do genoma humano, das repostas na ponta dos dedos que proporcionaria a ainda recente Internet, que acabariam por nos fazer sábios

a todos. A rainha seria a Medicina Baseada na Evidência que eliminava a subjectividade e que iria iluminar qual o curso de acção em cada situação.

Mas no início desta terceira década do Sec. XXI médicos e doentes estamos cansados e desiludidos. A solução aos problemas de saúde parece cada vez mais longe. A promessa da terapia genética tarda em chegar. A Internet entrega cada dia mais desinformação e entretenimento banal nas nossas casas. Acabamos por não ficar mais sábios. Pelo contrário cada vez más acredita-se em absurdas teorias de conspiração e pensamento mágico. Os nossos doentes vêm até nós, mas a desconfiança embacia a nossa relação. Muitos médicos não ouvem, muitos doentes também não querem ouvir - verifiquemos o exemplo expresso no BJM1, presente no quadro I - consultam “especialistas” em Medicinas Alternativas que para além de um ouvido amigo pouco mais tem para dar.

Porque esta situação é desesperadora? Embora existem grandes injustiças e desigualdades, desde um ponto de vista objetivo, o estado de saúde da humanidade como um todo está

Juan Rachadell
29

melhor do que nunca por avanços na Saúde Pública e na Terapêutica. Conseguimos agora curar muitas doenças que antigamente produziam uma enorme carga de sofrimento humano. A esperança de vida no primeiro mundo chega a idades inimagináveis há poucas décadas. Nunca na história da humanidade houve tantas pessoas com a possibilidade de aceder a tratamento médico. Fazemos campanhas mundiais para melhorar a segurança do ingente

número de cirurgias que se realizam cada dia no mundo, diminuir as infeções. Não seria lógico estar numa nova era de iluminismo, razão e saúde universal?

Pelo contrário parece que voltamos lenta mais inexoravelmente a tempos obscuros de superstição e ódio. Falta empatia e compaixão. Se realmente este for o diagnóstico: Que fazer para o remediar? Onde se aprende a ser uma

pessoa integral? Em que ano da carreira, em que cadeira?

Os curricula de muitas faculdades de Medicina descuraram durante anos os soft skills que eram adquiridos de maneira subconsciente nos longos anos de formação mestre-aluno, e que foram propositadamente apagados para evitar a subjetividade, o viés, tudo aquilo que a Medicina Baseada na Evidencia tentava

e
Medicina
Humanidades uma
relação que se mantém - Medicina Narrativa
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Figura 1. “The Doctor” Londres 1891. Óleo sobre tela, Sir Luke FIldes. Galeria Tate Britain. O quadro apresenta uma cama improvisada composta por duas cadeiras e uma criança acamada, possivelmente afetada pela tuberculose. Seus pais estão no fundo da sala. Especificamente, o pai está esperando ansiosamente a decisão do médico. A mãe permanece apoiada numa mesa, talvez chorando tristemente pela situação de seu filho. Pela sua parte, o Médico está com a mão no queixo, referindo-se ao ato que emerge da razão que irá guiá-lo para uma conclusão a partir da interpretação dos sintomas daquela criança doente.2

eliminar com a intenção de ser objectivos e isentos no tratamento dos doentes.

O efeito perverso desta prática tem sido a alienação de médicos e doentes, criando um abismo entre uns e outros que dificulta a construção duma relação terapêutica eficaz. Recuperar a “Humanidade” na nossa prática pode ajudar a criar essa conexão que falta para que a relação médico-paciente se

estabeleça com confiança e o tratamento seja eficaz e estimulante.

A nossa preocupação já foi magistralmente descrita pelo grande João Lobo Antunes: Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de cada pessoa que sofre, pois embora

se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão”. 3

No mesmo sentido: “ Uma Medicina cientificamente competente não pode ajudar ao doente a enfrentar a perda da saúde ou a encontrar um sentido ao sofrimento”. 4

Juan Rachadell
Figura 2. “El niño enfermo”. Paris 1886. Óleo sobre tela, 80 x 85,5 cm, Arturo Michelena. Coleção da Galería de Arte Nacional, Caracas – Venezuela. A pintura mostra uma criança acamada provavelmente com um estado febril. A criança doente, com o olhar extraviado no meio da branca cama, a face angustiada da mãe, o pai num segundo plano, a face de preocupação da menina (uma irmã mais nova?) move-nos à piedade. Mas quem domina a cena é o Médico. Grave e aprendido comunica o seu veredicto a atenta audiência. Pintado em 1887, sem dúvida tanto o diagnóstico feito como o tratamento indicado seria inexacto e ineficaz respectivamente com grande probabilidade. E mesmo assim o Médico transmite serenidade e certeza.2
31

Está na hora de analisar o problema desde um ponto de vista novo. Temos a sorte de que “hoje somos testemunhas duma nova permeabilidade entre a arte e as ciências”5 pelo que temos variadas ferramentas para ajudar a imaginar soluções.

Algumas atitudes evidenciam uma nova sensibilidade para esta relação MedicinaHumanidades. “Após dois anos de portas fechadas e passeios on-line, os museus de Bruxelas têm um novo propósito: ajudar aqueles que procuram tratamento de saúde mental a lidar com estresse, ansiedade e depressão”.6

Narrativa e Medicina

A utilização de Narrativas poderá ser parte da solução ao problema da Medicina actual?

Muitos autores parecem pensar assim. “Uma característica que distingue os seres humanos é a capacidade de contar e compreender histórias. Por isso, os profissionais da área de comunicação e divulgação sabem que construir histórias é uma forma eficaz de levar o conhecimento científico a toda a sociedade. Eles sabem que as histórias podem despertar e manter o interesse do público, tirando a ciência do laboratório para aproximá-la de áreas que são percebidas como parte do cotidiano”.7

Nós “sonhamos na narrativa,…lembramos, antecipamos, esperamos, desesperamos, acreditamos, duvidamos, planejamos, revisamos, criticamos, construímos, fofocamos, aprendemos, odiamos e amamos pela narrativa”. Episódios de doença são marcos importantes nas narrativas encenadas da vida dos pacientes.

Médico: Pode dizer como se descobriu que era diabético?

Paciente: Bem, a minha língua começou a ficar muito, mesmo muito seca e também estava a beber grande quantidade de líquidos e também tinha dor de estômago. Fui ao meu médico e contei tudo isto, e tudo o que ele diz foi que tinha “um problema de estômago”. E eu diz que pensava que era diabético e ele diz que eu estava a dizer tonteiras.

Médico: Porque esses sintomas sugeriram diabetes?

Paciente: Porque conhecia um diabético que já morreu. O conhecia-o desde que tinha 9 anos e os sintomas que eu tinha, ele já me tinha descrito. E assim pensei que era diabético. Fui a um outro médico que me diz a mesma coisa: “um problema de estômago”. Assim aguardei e aguardei. Na final voltei ao meu médico, porque a minha urina tinha começado a cristalizar, e ele diz que tinha uma doença venérea.

Médico: Que quer dizer?

Paciente: Quando urinava a ponta do meu pénis ficava toda branca e também as vezes quando a urina caia na sanita ficava branca.

Médico: que aconteceu a seguir?

Paciente: Pronto, eu decidi ir até a consulta de Doenças Venéreas…e fui lá numa sexta-feira à tarde e entreguei a carta de referência. E ele leu e diz, “Que acha que tem?” E eu diz, “penso que tenho diabetes” e ele diz, “Que idiota o enviou para aqui? Ele deveria ter visto isso antes de você ser enviado aqui” E depois diz, “Olhe, eu não posso fazer nada por si esta noite, mas venha ao Hospital amanhã” Seria Sábado de manhã. Então fui para a casa e voltei ao Hospital no Sábado de manhã, mas com a caminhada de Sexta à noite no Sábado de manhã, o que normalmente faço em 5 minutos, levei 35 minutos até chegar à paragem do autocarro.

Médico: E porquê?

Paciente: Porque estava tão fraco que quase não podia me movimentar. Então fui e cheguei ao Hospital, entrei e falei com a enfermeira da receção que queria ver a alguém da consulta de Diabetes. E ela me diz que não podia agendar uma consulta até dentro de duas semanas. Nesta altura estava bastante zangado e comecei a gritar. Com o barulho, saiu uma outra enfermeira que leu a carta. Tão pronto a leu ela gritou a primeira enfermeira para arranjar uma cadeira de rodas, enfio-me nela e levou-me direto a Consulta de Diabetes”

Quadro I. “A História de Robert ” publicada no BMJ1por T Greenhalgh e B Hurwitz.

Medicina e Humanidades uma relação que se mantém - Medicina Narrativa
32

Assim, não apenas vivemos pela narrativa, mas, muitas vezes com nosso médico ou enfermeira como testemunha, adoecemos, melhoramos, pioramos, permanecemos os mesmos e, finalmente, morremos também pela narrativa. A narrativa fornece significado, contexto e perspectiva para a situação do paciente. Define como, por que e de que maneira ele ou ela está doente. O estudo da narrativa oferece a possibilidade de desenvolver uma compreensão que não pode ser alcançada por nenhum outro meio. Médicos e terapeutas frequentemente veem seus papéis como facilitadores de “histórias alternativas que façam sentido do ponto de vista do paciente”.1

“Embora ouvir as histórias dos pacientes tenha sido um elemento-chave da medicina clínica, o uso da pesquisa narrativa para aprimorar a compreensão dos contextos culturais da saúde é mais recente.”8

“Uma boa parte de ser um bom medico…é ser um bom contador de histórias…Contar histórias sobre as coisas que mais nos afetam é um ato redentor e ajudará a todos nós – pacientes e médicos – no esforço para curar.” 9

“As pessoas prestam atenção, lembram e são transformadas por histórias. Uma narrativa (história) é um relato com um começo, uma sequência de eventos que se desenrolam e um final. Ela coloca personagens, eventos, ações e contexto juntos de modo a dar sentido a estes, e geralmente segue uma forma e um padrão reconhecíveis (por exemplo, romance, mito ou caso clínico)”.8

Illness Narratives

Desde a publicação de “The Illness Narratives” de Arthur Kleinman em 1988, considerado por muitos como o nascimento do movimento de Humanidades Médicas, a ideia de que as histórias dos pacientes são um recurso para uma medicina mais eficaz e precisa ganhou popularidade e interesse entre os pesquisadores. Tentamos alcanzar “uma prática clínica fortalecida pela competência narrativa que é a capacidade de reconhecer, absorver, metabolizar, interpretar e se emocionar com histórias de doença.” 10 E com este conhecimento, actuar em prol do doente.

Com o início dos seminários sobre humanidades e medicina realizados pelo grupo da Dra. Rita Charon na última década do século XX na Universidade de Columbia em NY, surge um movimento que finalmente se chamará Medicina Narrativa. Explicado nas suas próprias palavras “... a Medicina Narrativa ensina as habilidades de leitura atenta (“Close Reading”), a fim de ter melhor competência narrativa e ‘relacionalidade’ e explorar suas implicações para a saúde... o filósofo e crítico literário Roland Barthes, apontou para o fato de que a ficção literária envolve os leitores em uma experiência criativa, posicionando-nos para preencher lacunas, fazer inferências sobre personagens e tornar-nos sensível aos pormenores e complexidade”12

No entanto, não podemos deixar de assinalar que nunca se advoga uma regressão ao ignorante bemintencionado. Queremos e temos de ter a força de conseguir ter o melhor dos dois mundos. Existem “… duas formas de cognição humana lógico-científica (que busca entender eventos observados em termos de verdades generalizáveis e as leis da ciência) e narrativa (que busca entendê-los em termos de experiência humana, criação de significado e propósito)”.8

“Sem experiência clínica”, diz Sackett em um artigo de 1996 no British Medical Journal, “a prática corre o risco de se tornar tiranizada pela evidência, pois até mesmo evidências externas excelentes podem ser inaplicáveis ou inadequadas para um paciente individual. Sem as melhores evidências atuais, a prática corre o risco de se tornar rapidamente desatualizada, em detrimento dos pacientes... nenhum dos dois sozinho é suficiente.” 13

As duas abordagens não podem representar formas antagónicas de praticar a Medicina. Pelo contrário, se complementam. A mudança que tenta introduzir a Medicina Narrativa é a de deixar de perguntar “Que doença tem?” e começar a perguntar “ Que é o que sente?”. No fundo tentando avaliar a saúde desde um ponto de vista Bio-Psico-Social como preconiza a Organização Mundial da Saúde.

Juan Rachadell
33

Figura 3. Visualmente um diagrama onde a importância da narrativa se torna óbvia, presente por Pascal Bornet.11

O mundo académico começa a incluir Patient Centered Outcomes nos melhores trabalhos randomizados, demonstrando assim que não podemos avaliar o sucesso duma terapêutica ou intervenção apenas com métricas que fazem sentido para nós médicos. Temos que ouvir o que os doentes têm para dizer. Temos de ouvir as suas histórias.

“É que, se nos dedicarmos apenas a cultivar o que é útil, a dar importância apenas aquilo que possa fornecer um benefício imediato, pronto nos encontraremos imersos numa sociedade insípida e desvalorizada, numa espécie de comunidade doente, sem memória, perdidos…Música, literatura, arte, ciências sociais, espiritualidade permitem ao ser humano de se colocar diante de um espelho onde pode se ver... sem máscaras.”14

A Medicina Narrativa pode aperfeiçoar as nossas competências para ouvir atentamente e perceber bem estas histórias de doença e saúde. Incluindo não só aos médicos, mas a outros profissionais da saúde que, com as suas diferentes sensibilidades, possam complementar uma história que se aproxime mais a realidade do paciente.

Assim a Medicina Narrativa poderá mais do que solucionar muitos dos problemas que afligem a nossa prática actual, se transformar numa guia que permita a entrada a uma nova era luminosa na Medicina do Sec. XXI.

Finalmente gostaria de agregar que a Medicina Narrativa com as suas ferramentas da “Leitura Atenta” e “Escrita Reflexiva” pode ser tão positiva para o profissional como para o doente. Em próximos artigos revisitaremos os aportes que a Medicina Narrativa pode fazer em quatro vetores principais segundo a Dra. Rita Charon:4

- Médico com o Paciente - Médico consigo próprio - Médico com os seus colegas - Médico com a Sociedade.

Medicina e Humanidades uma relação que se mantém - Medicina Narrativa 34

Referências:

1. Greenhalgh T, Hurwitz B. Narrative based medicine: Why study narrative? BMJ 1999;318;48-50.

2. Astudillo-Delgado A, García-Fajardo AL, Ocampo ÁA. Clínica de la salud mental, arte y acto creativo. in Neurociencia, mente e innovación. Una aproximación desde el desarrollo, el aprendizaje y la cognición creativa. Editor Ocampo ÁA. Cali, Colombia: Editorial Universidad Santiago de Cali; 2020. p. 287-307. Disponível em https://www.researchgate.net/ publication/355061526_Capitulo_11_Clinica_de_la_salud_mental_arte_y_acto_creativo/figures.

3. Antunes JL. “Ouvir com Outros Olhos”. Lisboa, 2015, Gradiva.

4. Charon R. The patient-physician relationship. Narrative medicine: a model for empathy, reflection, profession, and trust. JAMA. 2001 Oct 17;286(15):1897-902.

5. Charon R. Knowing, seeing, and telling in medicine. Lancet. 2021 Dec 4;398(10316):2068-2070.

6. Médicos belgas estão prescrevendo idas a museus em prol da saúde mental. Galileu digital. Disponível em https://revistagalileu.globo.com/saude/noticia/2022/11/medicosbelgas-estao-prescrevendo-idas-a-museus-em-prol-da-saude-mental.ghtml.

7. Storytelling. Metode. Disponível em https://metode.es/noticias/convocatoria-es/ storytelling.html

8. Greenhalgh T. Cultural Contexts of Health: The Use of Narrative Research in the Health Sector [Internet]. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2016. (Health Evidence Network Synthesis Report, No. 49.) Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/ NBK391066/

9. Groopman J. “Why Storytelling Is Part of Being a Good Doctor”. New Yorker, July 18, 2022

10. Charon R. What to do with stories: the sciences of narrative medicine. Can Fam Physician. 2007 Aug;53(8):1265-7.

11. Bornte P. The power of #data!. Linkedin.com. Disponível em https://www.linkedin. com/feed/update/urn:li:activity:6998150644117254144/

12. Charon R et al. “The Principles and Practice of Narrative Medicine”. Oxford University Press, 2017.

13. Seia C. Narrative medicine: from theory to clinical practice. Disponível em https:// www.ibsafoundation.org/en/blog/narrative-medicine

14. Ricci, R T. Humanidades médicas: hacia la optimización de la práctica clínica - 1ª Ed.Mendoza : Universidad del Aconcagua, 2022. Libro digital,

Juan Rachadell 35

Peritonite esclerosante encapsulante – causa rara de oclusão intestinal

Cocoon sindrome - a rare cause of intestinal oclusion

A peritonite esclerosante encapsulante, ou síndrome de Cocoon, consiste num processo inflamatório crónico que leva ao envolvimento de órgãos intra-abdominais, maioritariamente ansas de intestino delgado, por uma membrana de fibrina. É uma causa rara de oclusão intestinal, sendo o diagnóstico predominantemente intra-operatório.As imagens apresentadas correspondem a uma doente do género feminino, 68 anos, com antecedentes de colecistectomia laparoscópica, observada no serviço de urgência por quadro de dor abdominal e vómitos com 2 dias de evolução. Ao exame objectivo apresentava abdómen distendido, doloroso à palpação nos quadrantes superiores, sem sinais de irritação peritoneal. Dos exames complementares de diagnóstico destaca-se TC que documentava oclusão ao nível do íleon distal de etiologia indeterminada. Durante a abordagem por via laparoscópica, constatou-se a existência de dilatação exuberante do íleon terminal sem causa evidente de obstrução. Optou-se por libertação da goteira parietocólica direita e exteriorização do íleon. Verificou-se então que a imagem sugestiva de dilatação do íleon terminal correspondia a um aglomerado de ansas intestinais envolvidas por uma cápsula que foi dissecada e excisada, contribuindo para a resolução do quadro oclusivo. Com boa evolução clínica, tendo alta ao 4º dia pós-operatório. Seguimento na consulta de cirurgia, sem evidência de complicações. A histológia constatou fragmento laminar de tecido fibroso hialinizado, concordante com o diagnóstico de peritonite esclerosante encapsulante. Este caso ilustra a necessidade de elevado grau de suspeição clínica para um correcto diagnóstico pré-operatório, bem como a possibilidade de abordagem minimamente invasiva.

Encapsulating sclerosing peritonitis, or Cocoon’s syndrome, consists of a chronic inflammatory process that leads to the involvement of intra-abdominal organs, mainly loops of the small intestine, by a fibrin membrane. It is a rare cause of intestinal occlusion, the diagnosis being predominantly intraoperative. Physical examination of a 68 year old female patient with a history of laparoscopic cholecystectomy revealed a distended abdomen, painful on palpation in the upper quadrants, with no signs of peritoneal irritation. Among the complementary diagnostic exams, the CT scans stand out, which documents an occlusion at the level of the distal ileum of undetermined ethiology. During the laparoscopic approach, the existence of an exuberant dilation of the terminal ileum with no obvious cause of obstruction was verified. It was decided to release the right parietocolic gutter and exteriorize the ileum. It was then verified that the suggestive image of dilation of the terminal ileum corresponded to a cluster of intestinal loops surrounded by a capsule that was dissected and excised, contributing to the resolution of the occlusive condition. With a good clinical evolution, the patient was discharged on the 4th postoperative day. Follow-up at surgical consultation, showed no evidence of complications. Histology found a laminar fragment of hyalinized fibrous tissue, consistent with the diagnosis of encapsulating sclerosing peritonitis. This case illustrates the need for a high degree of clinical suspicion for a correct preoperative diagnosis, as well as the possibility of a minimally invasive approach.

Inês Miguel1, Beatriz Mendes1, Edgar Amorim1 1 Serviço de Cirurgia II - Centro Hospitalar Universitário Algarve barbara.rbrsantos@gmail.com
IMAGENS EM MEDICINA IMAGES IN MEDICINE Algarve Médico, 2022; 20 (6): 36 - 37 36
Inés Miguel et al
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B A D C

Sarcoma retroperitoneal gigante – Um tumor da Era COVID-19

Giant Retroperitoneal Sarcoma – A tumor in the Era of COVID-19

Resumo

Apresentam-se as imagens de um caso clínico de homem com 77 anos internado por massa abdominal. O volume da neoplasia observada poderá́ ter como fator, para além da sua localização e crescimento lento da lesão no contexto de doença psiquiátrica, as dificuldades pelo atraso no diagnóstico causadas pela pandemia SARS-CoV-2.

Palavras chave: Sarcoma, COVID-19, tumor retroperitoneal

Abstract

Images of a clinical case of a 77-year-old man hospitalized for an abdominal mass are presented. The volume of the neoplasm observed may have as a factor, in addition to the location and it’s slow growth, the delay of the diagnosis due to associated psychiatric illness and the SARS-CoV-2 pandemic.

Keywords: Sarcoma, COVID-19, Retroperitoneal neoplasm

Caso Clínico

Homem de 77 anos, história de doença psiquiátrica, enviado à urgência por prostração, desidratação e massa abdominal palpável.

Apresentava-se consciente, asténico, hemodinâmicamente estável, auscultação cardíaca normal, murmúrio vesicular diminuído, roncos e fervores bibasais.

Abdómen com ruídos hidroaéreos diminuídos, globoso, mole e depressível à palpação, discretamente doloroso à palpação profunda, massa no hipocôndrio esquerdo, dura, limites bem definidos, bordos regulares, móvel em relação aos planos suprajacentes, sem outras massas. Realizou tomografia abdóminopélvica, que revelou volumosa lesão retroperitoneal esquerda com cerca de 23 x 15 x 15cm, figuras 1 painel A e B.

O estudo histológico revelou tratar-se de um sarcoma de baixo grau com áreas mixoides. As imagens foram obtidas 10 dias antes da morte do doente.

Discussão

Os tumores retroperitoneais são neoplasias independentes dos órgãos retroperitoneais, dividem-se em mesenquimais, parassimpáticos, células germinais extragonadais e linfoides.1 Os sarcomas são neoplasias raras de origem mesenquimal, que representam 1% das neoplasias malignas, 15% são retroperitoneais. 2 Quase todos são volumosos3 e existe discrepância entre o volume tumoral e a sintomatologia.1

CASO FLASH FLASH REPORT Algarve Médico, 2022; 20 (6):38 - 39
Miguel Sousa Leite1, Andreia Amaral1, Sofia Mateus1, Mafalda Leal1 1 Serviço de Medicina 2.5, Hospital de Santo António dos Capuchos - Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central miguelsousaleite@hotmail.com
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Com a pandemia a COVID-19, observou-se nos Estados Unidos que o confinamento e relutância em recorrer aos serviços de saúde, terá levado a uma diminuição ou atraso substancial no número de rastreios, consultas, tratamentos e cirurgias, levaram a que as neoplasias sejam observadas em estádios mais avançados.4

Em Portugal observou-se um aumento da mortalidade por todas as causas, não explicada apenas pela pandemia COVID-19 e que poderia ser explicada, pelo menos em parte pela diminuição do acesso aos cuidados de saúde.5

As imagens ilustram a magnitude que podem atingir as neoplasias, hoje menos exuberantes, pela intervenção mais precoce. A fragilidade do doente pela doença psiquiátrica, aliada ao atraso diagnóstico na “era COVID-19” e localização, permite que observemos o percurso de uma neoplasia se deixada crescer sem intervenção. Devemos estar alerta, no futuro, para o aparecimento de neoplasias em estado avançado na população.

Referências:

1. Improta L, Tzanis D, Bouhadiba T, Abdelhafidh K, Bonvalot S. Overview of primary adult retroperitoneal tumours. Eur J Surg Oncol. 2020;46(9):1573–9.

2. Scali EP, Chandler TM, Heffernan EJ, Coyle J, Harris AC, Chang SD. Primary retroperitoneal masses: what is the differential diagnosis? Abdom Imaging. 2015;40(6):1887–903.

3. Francis IR, Cohan RH, Varma DGK, Sondak VK. Retroperitoneal sarcomas. Cancer Imaging. 2005;5(1):89–94.

4. Patt D, Gordan L, Diaz M, Okon T, Grady L, Harmison M, et al. Impact of COVID-19 on Cancer Care: How the Pandemic Is Delaying Cancer Diagnosis and Treatment for American Seniors. JCO Clin Cancer Informatics. 2020;(4):1059–71.

5. Vieira A, Peixoto VR, Aguiar P, Abrantes A. Rapid estimation of excess mortality during the COVID-19 pandemic in Portugal -beyond reported deaths. J Epidemiol Glob Health. 2020;10(3):209–13.

Miguel Sousa Leite et al
Figura 1. Painel A em corte coronal com imagem de massa abdominal com localização predominante do flanco e hipocondrio esquerdo onde está assinalada o seu maior eixo. No painel B em corte sagital, a localização retroperitoneal da massa abdominal fica mais patente, assinalando-se igualmente o seu maior eixo que verificamos corresponder a 24,5 cm.
A B 39
Apresentação prévia ao 27º Congresso Nacional de Medicina Interna

Ruptura esplénica espontânea no contexto toma de DOAC em doente com peliose esplénica

Spontaneous splenic rupture in the context of taking DOAC in a patient with splenic peliosis

Bárbara Santos1, Beatriz Mendes1, Pedro Almeida1, Beatriz Dias1, Inês Miguel1, Sofia Pina1, João Melo1

Resumo

Os autores apresentam um caso clínico de uma mulher de 64 anos, trazida ao SU por quadro de dor retroesternal e epigástrica, com cinco dias de evolução. Uma semana antes do início do quadro clínico foi prescrito apixabano, pós diagnóstico de fibrilhação auricular. À admissão apresentava TA 70/40mmHg com FC <100 bpm, palidez cutânea, e abdómen mole e depressível, com dor à palpação profunda no hipocôndrio esquerdo, sem defesa ou sinais de irritação peritoneal. Uma TC abdominopelvica revelou “volumoso hematoma esplénico envolvendo a sua metade inferior,com pelo menos 6 cm, com áreas de descontinuadas da cápsula ... compatível com hemorragia activa”. Intraoperatoriamente verificou-se a presença de volumoso hemoperitineu com ponto de partida em ruptura da cápsula esplénica, tendo-se procedido à esplenectomia. A doente teve alta ao 5o dia de pós operatório. A anatomia patológica mostrou uma peliose esplénica.

Abstract

Rupture of the spleen is a medical emergency that occurs as a result of disruption of the surface of the organ, usually following trauma, but when spontaneous, it is a rare clinical entity. Although the first description by Rokitansky dates back to 1861, the incidence, specific symptoms or etiology are examples of elements not yet fully established. Several possible causes for this clinical condition are mentioned, such as neoplastic, infectious, hematological, inflammatory and metabolic causes. Iatrogenic or idiopathic causes are also admitted. The authors present a clinical case of a 64-year-old woman, brought to the ED with retrosternal and epigastric pain, with five days of evolution. One week before the onset of the clinical picture, apixaban was prescribed, after diagnosis of atrial fibrillation. On admission, she presented BP 70/40mmHg with HR <100bpm, skin pallor, and a soft and depressing abdomen, with pain on deep palpation in the left hypochondrium, without defense or signs of peritoneal irritation. An abdominopelvic CT revealed “voluminous splenic hematoma involving the lower half of the spleen, at least 6 cm, with areas of discontinuous capsule ... consistent with active hemorrhage”. Intraoperatively, the presence of voluminous hemoperitineum was verified, starting with rupture of the splenic capsule, and splenectomy was performed. The patient was discharged on the 5th postoperative day. Pathological anatomy showed a splenic peliosis.

Keywords: Spleen; Spontaneous rupture; DOAC; splenic peliosis

CASO FLASH FLASH REPORT Algarve Médico, 2022; 20 (6):40 - 43
1 Serviço de Cirurgia II - Centro Hospitalar Universitário Algarve barbara.rbrsantos@gmail.com Palavras Chave: Baço; Ruptura expontânea; DOAC; Peliose explénica
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Introdução

A ruptura do baço é uma emergência médica que ocorre como resultado de uma disrupção na superfície do órgão, normalmente na sequência de um trauma. A ruptura espontânea, descrita pela primeira vez em 1861 por Rokitansky, é uma entidade clínica rara, associada na maioria dos casos a etiologia infecciosa, hematológica ou a neoplasia subjacente.

A peliose é uma entidade rara caracterizada pela existência de múltiplos quistos ou espaços preenchidos por sangue no parênquima de órgão sólidos, descrita pela primeira vez por Schoenland em 1916. Afetando mais frequentemente o fígado, a peliose esplénica isolada (descrita pela primeira vez em 1978) é muito rara e a ruptura espontânea por esta causa ainda mais rara. A sua incidência é difícil de estabelecer uma vez que a maioria dos doentes são assintomáticos, sendo tipicamente um achado incidental (após cirurgia ou durante a autópsia).

Têm sido descritos casos que identificam o uso de anticoagulantes como causa de rupturas esplénicas espontâneas, com o uso crescente destes fármacos. O apixabano é um anticoagulante oral direto (DOAC) que inibe o factor Xa e não tem antídoto. A primeira associação com a ruptura esplénica espontânea foi descrita pela primeira vez em 2016 e a literatura sugere que esta ocorre por agravamento de microtraumas não detectados préviamente.

Apresentamos um caso de uma ruptura esplénica espontânea no contexto de toma de apixabano numa doente com peliose esplénica, previamente desconhecida.

Caso Clínico

Doente de 64 anos, sexo feminino, foi trazida ao Serviço de Urgência com um quadro com 5 dias de evolução de dor retroesternal e epigástrica com irradiação dorsal, associada a náuseas, com agravamento sintomático nas últimas horas. Sem história de trauma. A realçar que iniciou a toma de Apixabano (5 + 5 mg por dia) uma semana antes, após o diagnóstico de fibrilação auricular.

Como antecedentes pessoais, a referir hipertensão arterial, dislipidémia e fibrilhação auricular. Tem como medicação habitual, bisoprolol (10 mg), amlodipina (2.5mg) e apixabano (5 + 5 mg) e nega alergias medicamentosas.

À observação, encontrava-se hipotensa (TA 70/40 mmHg), normocárdica (FC <100 bpm) e com boas saturações periféricas

- V

Introdution

A ruptured spleen is a medical emergency that occurs as a result of disruption of the organ’s surface, usually following trauma. Spontaneous rupture, first described in 1861 by Rokitansky, is a rare clinical entity, associated in most cases with an infectious, hematological etiology or an underlying neoplasm.

Peliosis is a rare entity characterized by the existence of multiple cysts or blood-filled spaces in the parenchyma of solid organs, first described by Schoenland in 1916. Most frequently affecting the liver, isolated splenic peliosis (first described in 1978) is very rare and spontaneous rupture from this cause even rarer. Its incidence is difficult to establish as most patients are asymptomatic, typically being an incidental finding (after surgery or during autopsy).

Cases have been described that identify the use of anticoagulants as a cause of spontaneous splenic ruptures, with the increasing use of these drugs. Apixaban is a direct oral anticoagulant (DOAC) that inhibits factor Xa and has no antidote. The first association with spontaneous splenic rupture was described for the first time in 2016 and the literature suggests that it occurs due to aggravation of previously undetected microtraumas.

We present a case of spontaneous splenic rupture in the context of taking apixaban in a patient with previously unknown splenic peliosis.

Case Report

A 64-year-old female patient was brought to the Emergency Department with a 5-day evolution of retrosternal and epigastric pain with dorsal irradiation, associated with nausea, with worsening symptoms in the last hours. No history of trauma. It should be noted that he started taking Apixaban (5 + 5 mg per day) one week before, after the diagnosis of atrial fibrillation.

As a personal history, mention should be made of arterial hypertension, dyslipidemia and atrial fibrillation. Her usual medication is bisoprolol (10 mg), amlodipine (2.5 mg) and apixaban (5 + 5 mg) and she denies drug allergies.

Upon observation, she was hypotensive (TA 70/40 mmHg), normocardic (HR <100 bpm) and with good peripheral saturations (SpO2 98% in room air). She also presented with pale skin and, on abdominal examination, with pain on deep palpation of the left hypochondrium, without signs of peritoneal irritation.

An analytical study was performed which revealed a hemoglobin of 10.7 g/dL, leukocytes of 10.4 x10E3/Ul (Neutrophils 6.9) and an increase in CRP (47.4 mg/L). Contrast-enhanced abdominopelvic

Bárbara Santos et al
Apresentação prévia ao ABC Days Jornadas Algarve Biomedical Centre
41

(SpO2 98% em ar ambiente). Apresentava-se ainda com palidez cutânea e, no exame abdominal, com dor à palpação profunda do hipocôndrio esquerdo, sem sinais de irritação peritoneal.

Realizou estudo analítico que revelou hemoglobina de 10,7 g/ dL, leucócitos de 10,4 x10E3/Ul (Neutrófilos 6,9) e aumento da PCR (47,4 mg/L). Na Tomografia Computorizada abdominopélvica com contraste foi identificado um “… moderado volume de hemoperitoneu, distribuído por todos os quadrantes … volumoso hematoma esplénico envolvendo a sua metade inferior, com pelo menos 6 cm, com áreas de descontinuidade da cápsula, evidenciando extenso extravasamento de contraste para o espaço subfrénico, sendo compatível com hemorragia activa”. Foi submetida a laparotomia exploradora, objectivando-se um volumoso hemoperitoneu com ponto de partida em ruptura da cápsula esplénica. Procedeu-se a esplenectomia, com perdas estimadas ~1500 mL.

A doente teve alta ao 5º dia de pós-operatório, sem complicações. Cumpriu vacinação pós esplenectomia no 14º dia pós-operatório. Na anatomia patológica objetivou-se além de uma extensa laceração da cápsula, áreas quísticas intraparenquimatosas contendo sangue imagens consistentes com o diagnóstico de peliose do baço.

Discussão

A peliose é uma entidade rara caracterizada pela existência de múltiplos quistos ou espaços preenchidos por sangue no parênquima de órgão sólidos. É mais frequente em órgãos que pertencem ao sistema monofagocítico (fígado, baço, medula óssea e gânglios linfáticos) mas também pode aparecer nos pulmões, rins e glândulas paratiroides. A peliose esplénica

computed tomography identified a “… moderate volume of hemoperitoneum, distributed over all quadrants… large splenic hematoma involving its lower half, at least 6 cm, with areas of capsule discontinuity, evidencing extensive extravasation of contrast to the subphrenic space, being compatible with active hemorrhage”. She underwent exploratory laparotomy, aiming at a voluminous hemoperitoneum with a starting point in the rupture of the splenic capsule. Splenectomy was performed, with estimated losses ~1500 mL.

The patient was discharged on the 5th postoperative day without complications. She was vaccinated post-splenectomy on the 14th postoperative day. In the pathological anatomy, besides an extensive laceration of the capsule, intraparenchymal cystic areas containing blood were observed, images consistent with the diagnosis of peliosis of the spleen.

Discussion

Peliosis is a rare entity characterized by the existence of multiple cysts or blood-filled spaces in the parenchyma of solid organs. It is more common in organs belonging to the monophagocytic system (liver, spleen, bone marrow and lymph nodes) but can also appear in the lungs, kidneys and parathyroid glands. Isolated splenic peliosis is very rare and may be idiopathic or associated with other conditions, such as neoplasms, tuberculosis, HIV, hematological disorders (myeloma and myelofibrosis) and the use of anabolic steroids, immunosuppressants or oral contraceptives. Given the diagnosis of splenic peliosis, further investigation should be carried out to investigate its presence in other organs and to establish a possible cause.

Figura 1. TC em planos transversais onde se vê no painel A imagem de fase arterial e no painel B em fase portal. Figure 1. TC scan, where in panel A the arterial phase can be viewed and panel B, the portal phase.
Ruptura esplénica expontânea em DOAC e peliosa esplénica/Spontaneous
rupture in DOAC
A B 42
splenic
and splenic peliosis

isolada é muito rara, podendo ter causa idiopática ou associada a outras condições, como neoplasias, tuberculose, HIV, distúrbios hematológicos (mieloma e mielofibrose) e a toma de esteróides anabólicos, imunossupressores ou anticontraceptivos orais. Perante o diagnóstico de peliose esplénica, deve ser realizada investigação adicional para investigar a sua presença noutros órgãos e estabelecer uma possível causa.

Apesar de os doentes com peliose esplénica serem frequentemente assintomáticos, pode ocorrer ruptura espontânea dos quistos (traumática ou não) resultando num choque hemorrágico ameaçador de vida, principalmente quando há um factor precipitante, como neste caso o início de anticoagulação oral. O diagnóstico de ruptura esplénica espontânea deve então ser considerado em qualquer doente sob DOAC que apresente dor abdominal associada a hipotensão e anemia, mesmo na ausência de trauma.

Pode ser adotada uma abordagem conservadora caso o doente se mantenha hemodinamicamente estável sem evidência de hemorragia activa ou peritonite. Se hemodinamicamente instável ou se ocorrer agravamento da situação clínica, como no caso apresentado, é recomendada uma laparotomia exploradora emergente com esplenectomia.

Conclusão

A peliose esplénica é uma causa demasiado rara para ser incluída por rotina no diagnóstico diferencial de uma dor abdominal inespecífica. No entanto, tendo em conta que a ruptura de um quisto hemorrágico pode ter um resultado fatal, a suspeita diagnóstica é crucial, para a realização de uma esplenectomia atempada. A realização de uma esplenectomia atempada pode salvar o doente. Tanto quanto sabemos este é o primeiro caso que reporta na literatura esta associação de peliose com DOACs na ruptura expontânea do baço.

Although patients with splenic peliosis are often asymptomatic, spontaneous rupture of the cysts (traumatic or not) can occur, resulting in life-threatening hemorrhagic shock, especially when there is a precipitating factor, as in this case the initiation of oral anticoagulation. The diagnosis of spontaneous splenic rupture should therefore be considered in any patient on DOAC who presents with abdominal pain associated with hypotension and anemia, even in the absence of trauma.

A conservative approach may be adopted if the patient remains hemodynamically stable with no evidence of active bleeding or peritonitis. If hemodynamically unstable or if the clinical situation worsens, as in the case presented, an emergent exploratory laparotomy with splenectomy is recommended.

Conclusion

Splenic peliosis is too rare a cause to be routinely included in the differential diagnosis of nonspecific abdominal pain. However, considering that the rupture of a hemorrhagic cyst can have a fatal outcome, the diagnostic suspicion is crucial in order to perform a timely splenectomy. As far as we know, this is the first case that reports in the literature this association of peliosis with DOACs in spontaneous spleen rupture.

Referências/References:

1. Slaiki, Saad, Hicham El Bouhaddouti, Abdelmalek Ousadden, Khalid Ait Taleb and El Bachir Benjelloun. “Spontaneous Splenic Rupture Case Report”. J Surg 16 (2020): 2. doi: 10.37421/ jos.2020.16.2.

2. Basnet, S., Mohanty, E., Mir, I., Dhital, R., Koirala, A., & Tachamo, N. (2019). Atraumatic splenic rupture associated with apixaban. SAGE Open Medical Case Reports, 7, 2050313X1983249. https://doi.org/10.1177/2050313x19832490

3. Lowry, L. E., & Goldner, J. A. (2016). Spontaneous splenic rupture associated with apixaban: a case report. Journal of Medical Case Reports, 10(1). https://doi.org/10.1186/ s13256-016-1012-6

4. Natarajan, P., Thangarasu, S., Ruck, L., Estrada, P., Gajendran, M., Renganathan, G., Prakash, B. V., & Aduroja, O. (2021). Atraumatic Splenic Rupture in a Patient on Apixaban and Dual Antiplatelet Therapy. Journal of Investigative Medicine High Impact Case Reports, 9, 23247096211026492. https://doi.org/10.1177/23247096211026492

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6. Prats, M. M., & Aronson, J. F. (2016). An Autopsy Case of Spontaneous Splenic Rupture Due to Isolated Splenic Peliosis and Review of the Literature. Academic Forensic Pathology, 6(2), 331–337. https://doi.org/10.23907/2016.034

7. Rhu, J., & Cho, J. (2020). Ruptured splenic peliosis in a patient with no comorbidity: A case report. World Journal of Clinical Cases, 8(3), 535–539. https://doi.org/10.12998/wjcc.v8.i3.535

8. Chieng, G. H., Zanetto, U., & Harper, E. (2010). Splenic peliosis: an incidental finding. Case Reports, 2010(nov30 1), bcr0420102935–bcr0420102935. https://doi.org/10.1136/ bcr.04.2010.2935

9. Lashbrook, D. J., James, R. W., Phillips, A. J., Holbrook, A. G., & Agombar, A. C. (2006). Splenic peliosis with spontaneous splenic rupture: report of two cases. BMC Surgery, 6(1). https://doi.org/10.1186/1471-2482-6-9

10. Deballon, P. O., Lobato, R. F., Muñoz, P. O., Pé, P. A., Luengas, D. F., & Azcoita, M. M. (1999). Splenic peliosis: A cause of spontaneous splenic rupture. Surgery, 126(3), 585–586. https://doi. org/10.1016/S0039-6060(99)70104-2

Bárbara Santos et al 43

Psiquiatria Comunitária no Barlavento do Algarve

Evolução do serviço comunitário

Historicamente, à semelhança de outras regiões periféricas do país, a capacidade assistencial em saúde mental no Barlavento Algarvio foi, durante muito tempo, bastante deficitária1 Com a criação dos Centros de Saúde Mental distritais nos finais dos anos 60 do século XX, e mais concretamente na cidade de Faro no ano de 1968, surgem os primórdios da atividade clínica em Psiquiatria de cariz estatal no território do Barlavento, na forma de “brigadas” constituídas por médico e enfermeiro, que partiam da sede de distrito para prestar cuidados de saúde mental em ambulatório nas cidades de Portimão e Silves com uma periodicidade mensal. Durante as décadas de 70 e 80 manteve-se este modelo, com alargamento do seu alcance até Lagos, e posteriormente a Monchique2

É apenas em 1999, com construção do Hospital do Barlavento na cidade de Portimão, que é criado um Serviço de Psiquiatria nesta região do país, sendo ainda recente a sua história. À data da fundação, este serviço contava com três médicos psiquiatras e dava uma

resposta importante às necessidades crescentes desta população ao nível da saúde mental, tendo em conta as limitações ao nível dos recursos humanos. Mantiveram-se as consultas médicas descentralizadas nos Centros de Saúde (CS) e ocorria a administração de medicação crónica nestes espaços e no domicílio de uma porção dos doentes.

A implementação dos cuidados de saúde mental de base comunitária nesta região, tal como são atualmente conceptualizados, resultou da convergência nacional nesse sentido, explanada no Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 (PNSM 07-16)3, aliada à necessidade sentida diretamente pelos técnicos, doentes e seus familiares, de facilitar a acessibilidade aos cuidados de saúde mental e alcançar um acompanhamento mais frequente, mais próximo e mais assertivo das pessoas portadoras de doença mental, promovendo a adesão terapêutica, prevenção e deteção precoce de descompensações e episódios inaugurais, bem como a reabilitação, integração e autonomização do doente, fora do contexto hospitalar4

A primeira equipa de saúde mental comunitária (ESMC) de caráter multidisciplinar formou-se em Lagos e

iniciou funções em março de 2011, com atendimento semanal, abrangendo os utentes provenientes dos concelhos de Lagos, Aljezur e Vila do Bispo. Operava a partir das instalações da Consulta Externa da Unidade Hospitalar de Lagos, contando com médico psiquiatra, enfermeiro especialista, psicólogo e terapeuta ocupacional, e mantém a sua constituição sobreponível desde a criação, sob a coordenação do Dr. Orlando Tur. As atividades desenvolvidas incluíam consultas de Psiquiatria e Psicologia e cuidados de enfermagem, bem como grupos terapêuticos, procurando otimizar os recursos disponíveis. Complementarmente, foi feita uma aposta nas intervenções domiciliárias por forma a prevenir o abandono terapêutico, personalizar a abordagem terapêutica e recrutar o apoio dos familiares disponíveis. Como principais dificuldades, foram identificadas as limitações de horário dos diferentes profissionais (acumulação de outras funções e disponibilidade de apenas um dia por semana para o trabalho da equipa), bem como a dispersão geográfica dos doentes, reduzindo o tempo útil de intervenção devido aos períodos de deslocação.

Algarve Médico, 2022; 20 (6): 42 - 45
1 Serviço de Psiquiatria 2, Unidade Hospitalar de Portimão - Centro Hospitalar Universitário Algarve diogo.m.silva@chalgarve.min-saude.pt
PERSPECTIVAS PERSPECTIVES 44

O défice de recursos humanos foi o principal fator limitante para o desejado desenvolvimento de equipas comunitárias para os restantes concelhos do Barlavento. Esta situação observou uma inversão recentemente, com contratação de novos técnicos, especialmente ao nível médico, permitindo assim expandir este tipo de cuidados.

A atividade da ESMC de Monchique teve o seu início de forma informal e abrupta no final do verão de 2018, motivada pela situação de calamidade associada aos incêndios florestais que assolaram de forma significativa este território e deixaram a descoberto a elevada necessidade sentida pelos médicos de família e populações ao nível da intervenção em crise e referenciação precoce a acompanhamento nas situações de ajustamento e/ou descompensação de doença mental.

Em 2019, verificou-se um avanço assinalável na atuação do serviço ao nível comunitário, com a oficialização das ESMC de Monchique e de Silves. Estas são constituídas por médico psiquiatra, enfermeiro e psicólogo, e

desenvolvem a sua atuação a partir do espaço físico das respetivas Unidades de Cuidados de Saúde Primários (UCSP), com periodicidade semanal. Em simultâneo, realizou-se a transição da atuação da ESMC de Lagos das instalações da unidade hospitalar de Lagos para a UCSP da mesma localidade, o alargamento do seu horário para uma frequência bissemanal, e a deslocação mensal às UCSP de Aljezur e Vila do Bispo, de forma a melhorar a articulação com os Cuidados de Saúde Primários (CSP) e reduzir as desigualdades no acesso aos cuidados por parte destas populações.

Capitalizando um interesse renovado da tutela, através dos primeiros mecanismos de contratualização direta para este fim4, em 2021, dez anos após a criação da primeira equipa estruturada, iniciou tarefas a ESMC de Portimão e Lagoa, encontrando-se em fase de implementação da sua atuação no terreno.

Áreas de intervenção

A Psiquiatria Comunitária do Barlavento Algarvio tem como missão intervir a vários níveis na comunidade, com aumento da acessibilidade aos cuidados de saúde, promoção da saúde mental e diminuição do estigma. As equipas dispõem de consultas de proximidade nas valências de Psiquiatria, Psicologia, Terapia Ocupacional, Serviço Social e Enfermagem nas instalações das UCSP de Lagos, Aljezur, Vila do Bispo, Monchique e Silves, e existem reuniões multidisciplinares semanais para discussão de casos selecionados. A interação com os CSP é de índole clínica e formativa, já que não se procura apenas a deslocalização física das consultas hospitalares para os Centros de Saúde, mas antes uma ação facilitadora da comunicação com os utentes, famílias e outras estruturas da comunidade.

As ESMC têm como objetivo central a recuperação e integração do doente na comunidade, mantendo uma abordagem centrada no doente, promovendo o seu empoderamento, autodeterminação, participação ativa no seu plano de tratamento e reintegração sociolaboral. Para atingir esse fim, as equipas encontram-se em contacto direto e promovem reuniões com as autarquias, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e outras estruturas relevantes.

Diogo Mota Silva et al
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Entre as atividades específicas levadas a cabo pelas ESMC destacam-se:

• Intervenções individualizadas: treino de atividades de vida diária (AVD), de técnicas de gestão da ansiedade e mecanismos adaptativos de coping; apoio na procura ativa de emprego e

elaboração de currículo profissional; visitas domiciliárias de intervenção em situações específicas e em crise.

• Intervenções de grupo: programa psicoterapêutico para pessoas com experiência de depressão; treino de competências básicas e competências

sociais elaboradas; programa de adesão terapêutica para jovens com experiência de psicose.

• Sessões de consultadoria, supervisão e discussão de casos com os clínicos e técnicos de saúde dos CSP.

Psiquiatria Comunitária no Barlavento do Algarve
Figura 1. Projeto de intervenção comunitária no Barlavento Algarvio (adaptado de Cruz, Maria do Carmo 2020). Legenda: CSP – Cuidados de Saúde Primários; UCC – Unidade de Cuidados Comunitários; ETET-DICAD – Equipa Técnica Especializada de Tratamento - Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências; GASMI - Grupo de Apoio à Saúde Mental Infantil; CCISM – Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental; DGRSP – Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais; PSP – Polícia de Segurança Pública; GNR – Guarda Nacional Republicana; IPSS – Instituições Particulares de Solidariedade Social; CPCJ - Comissões de Proteção de Crianças e Jovens.
46

• Sessões de esclarecimento e formação, quer por iniciativa própria quer a pedido das instituições, como é exemplo a presença em escolas, lares, IPSS e meios de comunicação social locais, abordando temas relacionados com a promoção da saúde mental, a prevenção da doença e, como seja o abuso e dependência do álcool, o suicídio, e no caso específico dos técnicos de lares residenciais, a gestão de agitação psicomotora e de comportamentos agressivos.

• Administração de medicação injetável de longa duração.

Projetos em curso e desafios futuros

A meta do Serviço de Psiquiatria de Portimão é alcançar uma cobertura completa de cuidados de saúde mental de vertente comunitária para a sua área de referenciação. A escassez de recursos humanos tem sido o fator mais determinante para limitar a evolução neste sentido, apesar das conquistas já obtidas.

Atualmente pretende-se fortalecer a resposta das equipas já em funcionamento e estabelecer protocolos de seguimento estruturados, com metas bem definidas e planos individuais de tratamento e recuperação. O projeto delineado para os próximos anos centra-se na necessidade de estender e aperfeiçoar a articulação das ESMC com as restantes estruturas da comunidade, de modo a gerar sinergias no acompanhamento dos utentes e transpor para a esfera dos cuidados comunitários alguns dos protocolos implementados ao nível hospitalar, nomeadamente com outras entidades sanitárias (CSP, Saúde Pública, UCC, CCISM, ETET-DICAD, GASMI), justiça e forças de segurança

(DGRSP, PSP, GNR), proteção social (CPCJ, IPSS), instituições educativas e poder político5. O projeto encontra-se esquematizado na figura 1.

O futuro vislumbra desafios e oportunidades na área da saúde mental comunitária. Será fundamental incrementar de forma robusta a resposta ao nível de soluções para o emprego apoiado e de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental, nomeadamente através de residências de apoio moderado e de apoio máximo (inexistentes no Algarve) e de unidades sócio-ocupacionais (atualmente apenas uma no Barlavento). A fixação e alocação de recursos humanos continuará a ser um fator importantíssimo na desejada evolução da Psiquiatria Comunitária, pelo que a contratualização e financiamento direcionados especificamente à conceção de equipas e projetos comunitários poderá ser um mecanismo eficaz para a aceleração deste processo.

Agradecimentos

Os autores remetem uma sentida nota de agradecimento à Dr.ª Maria do Carmo Cruz e ao Dr. Orlando Tur pela colaboração na elaboração deste artigo.

Referências:

1. Caldas De Almeida JM. Community psychiatry in Portugal. Epidemiologia e Psichiatria Sociale. 1996;5(2):92-95.

2. Trindade AC. Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar do Algarve. In: P. Cintra e N. Pessoa Gil (Coord.) História dos Serviços de Saúde Mental. 1ª Edição. Lisboa: Parsifal; 2016. Vol. 2, pp 269-288.

3. Coordenação Nacional para a Saúde Mental. Plano Nacional de Saúde Mental 20072016 — Resumo Executivo. Lisboa: Ministério da Saúde; 2008.

4. Comissão Técnica de Acompanhamento da Reforma da Saúde Mental. Relatório da Avaliação do Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 e propostas prioritárias para a extensão a 2020. Lisboa: Ministério da Saúde; 2017.

5. Cruz MC. Projeto de Gestão Clínica para o Serviço de Psiquiatria 2 - CHUA Portimão [Documento de trabalho não editado, cedido pela autora]. Portimão; 2020.

Diogo Mota da Silva et al
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