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O Impacto da Pandemia COVID-19 nos doentes Psiquiátricos
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Carolina Malhão1, Bruno Luz2
1 Aluna Mestrado Integrado Medicina, Universidade do Algarve 2 Serviço de Psiquiatria, Unidade Faro - Centro Hospitalar Universitário Algarve
a52210@ualg.pt
Resumo
PROPÓSITO: Desde março de 2020 que a pandemia COVID-19 levou à reestruturação das rotinas das populações, levando ao aumento dos períodos de permanência em casa e ao isolamento social. Os doentes psiquiátricos são mais frágeis a estas alterações e decidiu-se verificar qual o impacto da pandemia nesta população.
MÉTODOS: Foram avaliados num estudo retrospetivo dois grupos de doentes internados na unidade de psiquiatria do CHUA entre julho e outubro de 2018 e 2020. Registaram-se as causas de internamento, as características sociodemográficas e dados clínicos relativos ao ano civil seguinte, nomeadamente o número de consultas, quer de medicina geral e familiar quer de especialidade, hábitos de consumo toxicofílico ou idas ao Serviço de Urgência. Foi feita uma análise estatística para procurar diferenças entre os grupos e para estabelecer associações entre as variáveis, com recurso aos testes de chi-quadrado de Pearson, teste T para amostras independentes e teste exato de Fisher.
RESULTADOS: O ano de 2020 apresentou maior número de internamentos no sexo feminino (P=0,029), maior prescrição de benzodiazepinas (P=0,016), especialmente nas perturbações psicóticas (40,2%) e de antipsicóticos de 1ª geração (P=0,033). Foi observado o aumento das doenças infeciosas (P<0,001), especialmente agudas (P<0,001). CONCLUSÕES: O impacto da pandemia COVID-19 nos doentes psiquiátricos manifestou-se principalmente no género dos doentes mais afetados, na prescrição de ansiolíticos e na incidência de doenças infeciosas. As comorbilidades destes pacientes continuaram a ser seguidas e controladas pelas unidades de saúde.
Abstract
INTRODUCTION: Since March 2020, the COVID-19 pandemic has led to the restructuring of routines in populations, leading to increased periods of home stay and social isolation. Psychiatric patients are more fragile to these changes. The authors verify the impact of the pandemic on this population.
METHODS: Two groups of inpatients of CHUA psychiatric unit were evaluated between July and October 2018 and 2020 in a retrospective study. The causes of hospitalization, sociodemographic characteristics and clinical data for the following calendar year were recorded, namely, the number of appointments, either family medicine or one of the specialties, drug addiction consumption habits or visits to the Emergency Department. In order to search for differences between the groups and to establish associations between the variables, a statistical analysis was performed, applying Pearson’s chi-square test, T test for independent samples and Fisher’s exact test.
RESULTS: The year of 2020 presented the highest number of hospitalizations in females (P=0.029), a greater prescription of benzodiazepines (P=0.016), especially in psychotic disorders (40.2%) and 1st generation antipsychotics (P=0.033). An increase in infectious diseases (P<0.001), especially acute ones (P<0.001), was observed.
CONCLUSIONS :The impact of COVID-19 pandemic on psychiatric patients was mainly manifested in the female gender of the most affected patients, the roush the prescription of anxiolytics and in the incidence of infectious diseases.
Palavras Chave:
COVID-19, Patologias Psiquiátricas, Benzodiazepinas, Doenças Infeciosas.
Keywords:
COVID-19, Psychiatric Pathologies, Benzodiazepines, Infectious Diseases.
Introdução
A 11 de Março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) caracterizou a COVID-19 como uma pandemia. Este termo refere-se à distribuição geográfica de uma doença, reconhecendo a existência de surtos em várias regiões e países do mundo.
Foi a partir deste mês que se iniciaram as restrições de circulação e, desde então, a doença que mudou os hábitos quotidianos de toda a população, instaurando a necessidade da permanência em casa e do afastamento social, tem sido estudada de forma exaustiva, tal e qual como o seu impacto nos mais variados aspetos.
Este trabalho tem como objetivo estudar o impacto da pandemia COVID-19 numa população específica, conhecida pela sua
LISTA DE ABREVIATURAS
AVC – Acidente Vascular Cerebral
CHUA – Centro Hospitalar Universitário Algarve COVID-19 – Coronavirus disease 2019
DPSM - Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental EAM – Enfarte Agudo do Miocárdio FSO – Internamento sala de observação do serviço de urgência GABA – Ácido gama-aminobutírico HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana INE – Instituto Nacional Estatística
MGF – Medicina Geral e Familiar
OMS – Organização Mundial de Saúde PIB – Produto Interno Bruto vulnerabilidade e alguma dificuldade na integração social, o doente psiquiátrico.
A História da Psiquiatria mostra-nos que as particularidades da doença mental tendem a colocar aqueles que delas padecem à margem das sociedades. Até há pouco tempo, os chamados alienados eram colocados em instituições fora dos olhares comuns, onde pouco havia a fazer para contrariar a bizarria das suas perturbações. A evolução na abordagem à doença mental tem sido paulatina, mas consistente, existindo à data de hoje estratégias robustas para a sua estabilização, nomeadamente psicofarmacológicas. Contudo, o estigma associado à doença mental constitui um dos desafios atuais para a inclusão social, contribuído não apenas para o agravamento psicopatológico como também das comorbilidades.
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) colocam Portugal no segundo lugar da lista de países com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa, contando com 22,9% da população (CNS, 2019). O encargo destes doentes para o estado constituiu 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, contabilizando um total de 600 mil milhões de euros distribuídos entre os custos diretos do sistema de saúde, segurança social e custos indiretos (CNS, 2019). Estes dados demonstram o impacto que a doença mental tende a ter na economia ocidental, adivinhando-se um futuro desafiante caso não sejam tomadas medidas eficazes para contrariar esta tendência.
Porém, o doente psiquiátrico não padece necessariamente apenas de patologia psiquiátrica. Na verdade vários estudos têm demonstrado uma relação entre as doenças psiquiátricas e uma diminuição da esperança média de vida em cerca de 15 a 20 anos comparativamente à população não psiquiátrica (Hjorthøj et al., 2017). Têm sido identificadas múltiplas causas para esta diferença na mortalidade, sendo possível agrupar as mais relevantes em: Doenças metabólicas; Doenças Infeciosas e Suicídio (Lawrence et al., 2013).
Salienta-se que a presença de doenças que aumentam o risco cardiovascular, tais como a dislipidemia, a diabetes, a obesidade e a hipertensão arterial são, também, duas a três vezes mais prevalentes em doentes psiquiátricos em comparação com a população geral (Anil Subedi, Ram Prasad Lamichhane, 2020), associando-se não só aos efeitos adversos da medicação antipsicótica (Jakobs et al., 2020), como à dificuldade na manutenção de um estilo de vida saudável.
Quadro I - Caracterização da população global separada pelo ano de internamento na Psiquiatria. DV = Desvio Padrão. AIQ = Amplitude interquartis
Este grupo de doentes parece ter também maior risco de ter doenças infeciosas, tanto crónicas como agudas, nomeadamente HIV, hepatites, pneumonias ou gripes (Lawrence et al., 2013).
Está estabelecido o consenso de que, na presença de patologias psiquiátricas, há maior dificuldade por parte dos pacientes em seguir orientações terapêuticas, em serem regularmente acompanhados pelos serviços de saúde ou em terem as suas comorbilidades de causa orgânica estabilizadas (CNS, 2019), o que coloca estes doentes em maior risco de exacerbação das patologias de base e, por consequente, uma maior probabilidade de morte prematura (Weye et al., 2020).
Perante estes dados coloca-se a questão de avaliar se o acompanhamento dos doentes psiquiátricos para as suas comorbilidades sofreu algum impacto durante o período da pandemia COVID19, que tem sido marcada por sucessivos estados de emergência, isolamento social ou constrangimento dos serviços de saúde primários e hospitalares em avaliações clínicas presenciais.
O objetivo deste estudo é procurar se existem diferenças entre duas amostras de pacientes internados na psiquiatria do Centro Hospital Universitário do Algarve (CHUA) antes e após a pandemia COVID-19, nomeadamente nas doenças que aumentam o risco cardiovascular e doenças infeciosas.
Metodologia
Este foi um estudo retrospetivo. Foram incluídos neste estudo todos os doentes internados no Serviço de Psiquiatria 1 do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental (DPSM) do CHUA entre 1 de julho e 31 de outubro de 2018 e entre 1 de julho e 31 de outubro de 2020, considerando-se este critério para definir os dois grupos distintos a ser comparados. Os dados foram colhidos através de consulta do processo clínico – SClinic – durante o período compreendido entre março e abril de 2022 e tiveram em consideração a informação relativa ao ano civil seguinte ao ano do internamento considerado. Foram excluídos todos os pacientes que faleceram durante o ano decorrente do seu estudo (2019 ou 2021).
Foram definidas 67 variáveis (Quadro I). As variáveis sociodemográficas foram a idade, o género, a nacionalidade, o ano de escolaridade, a situação habitacional e o estado laboral, estas assumem o valor à data da admissão a internamento. As variáveis clínicas foram a existência de comorbilidades como a Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus, Dislipidemia, História de AVC, História de EAM, Doença renal, Doença Respiratória, Doença Hepática, Alterações hematológicas, que foram divididas nos grupos anemias, trombose, Coagulopatias e outros; Doenças gastrointestinais, Doenças Neurológicas, Doenças Infeciosas, Doenças Tiroideias, História de Neoplasias, também divididas em diferentes grupos de neoplasias. Os consumos atuais são os realizados até aos 6 meses anteriores. Foi considerado o diagnóstico psiquiátrico aquele que justificou o internamento, adotando-se para este estudo os grandes grupos de perturbações psiquiátricas, nomeadamente perturbações psicóticas, afetivas ou perturbações da personalidade. Os dados acerca de psicofármacos ilustram as prescrições à data de alta de internamento. Foram contabilizados apenas os episódios de urgência no CHUA, tal como o internamento noutras especialidades e o número de consultas hospitalares ambulatórias. O mandato de condução e o internamento compulsivo referem-se ao internamento que serviu de base do estudo e não a histórias de outros internamentos. O acompanhamento em MGF diz respeito a todos os centros de saúde do país e o número de consultas em MGF por ano refere-se a todas as vezes que o doente foi consultado por um médico de família. A história de cirurgias, de suicídio e de intoxicação medicamentosa referem-se ao passado de cada paciente até à data de internamento. O número de óbitos refere-se ao número de pacientes que morreram ou após 2019 ou após 2021.
A análise estatística foi processada no programa IBM SPSS Statistics 28.0.0.0.
A análise multivariada foi efetuada com uso dos testes chi-quadrado de Pearson, teste T para amostras independentes e teste exato de Fisher. Considerou-se existir significância estatística perante um P-value < 0,05.
Quadro II - Resultado do acompanhamento da população. AVC = Acidente Vascular Cerebral, EAM = Enfarte Agudo do Miocárdio, FSO = Internamento na sala de observações, MGF = Medicina Geral e Familiar, SU = Serviço de Urgência, DV =Desvio Padrão. AIQ = Amplitude interquartis
Resultados
Caracterização da amostra
Os resultados relativos às variáveis sociodemográficas estão resumidos na Tabela 2. Não parecem existir diferenças quanto à idade e à nacionalidade (P-value = 0,805), verificando-se uma medida de idades entre os 48-50 anos e uma predominância da nacionalidade portuguesa. Salienta-se uma diferença quando ao género, dado que em 2018 estiveram internados mais homem e em 2020 mais mulheres (38,6% vs. 61,4%, P-value = 0,034). Observou-se também um aumento superior ao dobro dos pacientes internados que já tinham concluído o 12º ano de escolaridade no grupo de 2020 (15,8% vs. 37,6%, P-value = 0,618). Existiu um aumento no número de indivíduos que moravam sozinhos em 2020 (18,8% vs. 26,7%, P-value = 0,231) e uma diminuição daqueles que viviam com familiares (73% vs. 58,4%, P-value = 0,231), sendo que em ambos o número de sem-abrigos manteve-se semelhante. Quanto à situação laboral, verificou entre os doentes internados em 2020 um decréscimo do número de empregados (30% vs. 15,8%) e o aumento de desempregados (37,8% vs. 42,6%) e reformados (32,2% vs. 41,6%) (P-value = 0,033). Observou-se nos dois grupos, na maioria, o internamento de pacientes com perturbações psicóticas embora em 2020 tenha existido um aumento de 13% destes pacientes e uma diminuição de 6% dos pacientes com perturbação afetiva bipolar e perturbações depressivas unipolares, sendo o número de internados com demência, perturbações de ansiedade e outras patologias bastante semelhante. No internamento compulsivo na psiquiatria foi observado um aumento de 18,8% em 2018 para 30,7% em 2020 (P-value = 0,050). Salienta-se que não existe significância estatística entre os consumos atuais nas duas amostras, nomeadamente tabaco, álcool e drogas,
A nível da medicação foi observada o aumento da prescrição de benzodiazepinas 66,3% dos pacientes internados em 2018 para 81,2% dos pacientes internados em 2020 (P-value = 0,016), sendo a sua maior prescrição nas Perturbações Psicóticas (40,2%), e pacientes do sexo feminino (66,2%). A diferença entre as patologias psiquiátrica, a prescrição deste medicamento e as duas amostras não apresenta significância estatística. Salienta-se ainda que para estes doentes a presença de doença base equivale a 80,8% (P-value = 0,012).
A prescrição de antipsicóticos típicos também aumentou em 2020, subindo de 38,7% em 2018 para 61,3% (P-value = 0,033). Salienta-se o aumento de 58,3% dos antipsicóticos injetáveis de primeira geração prescritos em 2018 para 81,6% em 2020 (P-value < 0,001) e não existir diferença com significância estatística entre a prescrição de antidepressivos.
Foi observado um aumento significativo de doenças infeciosas (24,3% vs. 75,7%, P-value < 0,001), especialmente agudas (20,7% vs. 79,3%, P-value < 0,001), nomeadamente infeções gastrointestinais, infeções respiratórias, infeções urinárias, infeções da pele e outras. Por outro lado, não se verificou diferença quanto á presença de doença infeciosa crónica (6,2% vs. 9,9%, P-value = 0,338). Constata-se ainda a relação cruzada entre a patologia psiquiátrica e a doença infeciosa nas duas amostras com P-value = 0,021 e a diminuição dos doentes infetados que apresentavam doença hepática (55,6% vs. 18,8%, P-value < 0,001).
Não foram observadas diferenças quanto às variáveis de risco cardiovascular, nomeadamente a dislipidemia, hipertensão e ou diabetes.
Não foram também observadas diferenças em relação a tentativas de suicídio, nomeadamente intoxicação medicamentosa voluntária.
Não se observaram diferenças quanto ao período de internamento na psiquiatria, Número de consultas em MGF por ano, Número de consultas no hospital por ano e Número de episódios de Serviço de Urgência por ano.
Discussão
O Inquérito Nacional de Saúde (2014) demonstrou que 10% da população portuguesa apresentava sintomas depressivos sendo que mais de 70% dessa população era do género feminino (CNS, 2019).
É bem documentada a associação do género para o tipo de patologia psiquiátrica, sendo que é mais comum os homens apresentarem perturbações de adição e patologias psicóticas, e as mulheres apresentarem perturbações afetiva bipolar e depressão unipolar (R. Kathryn McHugh, 2017).
Neste trabalho a comparação entre as patologias psiquiátricas nos dois anos
não apresentou significância estatística (P-value = 0,600), porém foi observada significância estatística no geral dos dois anos (P-value = 0,029) no que diz respeito à distribuição dos homens e mulheres dentro de cada uma destas patologias. Foi observado o aumento do peso das mulheres em todas as patologias com consequente diminuição da contribuição masculina. Esta diferença poderá dever-se ao impacto que a permanência no domicílio durante o confinamento terá tido nas mulheres e na sobrecarga destas perante as tarefas domésticas, o trabalho virtual e o cuidado da família, nomeadamente os filhos (Almeida et al., 2020). O Índice de Saúde Mental Headway 2023 relevou o impacto negativo que a pandemia teve na saúde mental, com 83% das mulheres em comparação com apenas 36% dos homens. Sendo que 44% das mulheres com filhos menores de 12 anos relataram a dificuldade nas responsabilidades domésticas em comparação com apenas 20% dos homens (Ambrosetti, 2023).
Esta diferença de género poderá ser uma das explicações para o aumento da prescrição de benzodiazepinas verificada neste estudo, uma vez que vários autores já demonstraram que existe uma maior tendência para o uso de benzodiazepinas pelo sexo feminino (R. Kathryn McHugh, 2017).
As benzodiazepinas são uma classe medicamentosa que, ao se ligarem ao recetor GABA, atuam como um ansiolítico, hipnótico (indutor de sono), anti convulsionante e relaxante muscular. Esta classe é uma das classes medicamentosas psiquiátricas mais prescritas no mundo (R. Kathryn McHugh, 2017) pelos seus efeitos terapêuticos. É, no entanto, altamente aditiva o que levou à necessidade de um controlo sobre a sua prescrição e sobre a existência de um desmame adequado aquando da sua utilização (Votaw, 2017). Estes factos tornam espectável a diminuição da prescrição destes medicamentos com o passar dos anos, ao contrário daquilo que é encontrado neste trabalho.
Salienta-se pelo gráfico abaixo apresentado, efetivamente, um aumento da percentagem de mulheres com prescrição de benzodiazepinas entre os dois anos de internamento; porém
Figura 1. Gráfico da distribuição em % das patologias psiquiátricas que levaram a internamento dos pacientes nos anos 2018 e 2020.
Figura 2. Gráfico com a distribuição em % dos pacientes a quem foi prescrita a classe medicamentosa de benzodiazepinas entre o ano 2018 e 2020.
a análise estatística em conjunto não demonstra significância no cruzamento destes dados.
Quando comparada a prescrição destes medicamentos por patologia psiquiátrica também é revelado um aumento desta classe nos pacientes com patologia psicótica, porém, novamente, sem significância estatística. Quanto a esta observação, pode teorizar-se o aumento da prescrição de benzodiazepinas durante o período
da pandemia pela necessidade de um maior controlo da ansiedade gerada pela obrigatoriedade do confinamento, visão que pode ser apoiada pelo aumento descrito de stress que adveio da permanência em casa (Freitas et al., 2021) e de um maior convívio familiar (Bates et al., 2021). Especialmente, como é visto, nos pacientes com patologias psicóticas que, pela necessidade de alterar os seus hábitos quotidianos. Também foram documentadas alterações nos quadros de sono (Freitas et al., 2021) que podem justificar a maior necessidade de uso desta classe medicamentosa.
O aumento do uso de antipsicóticos de primeira geração não também era expectável, uma vez a sua já provada forte relação com sintomas parkinsónicos. Foi então observada uma relação positiva com os injetáveis, subindo de 58,3% dos antipsicóticos injetáveis de primeira geração prescritos em 2018 para 81,6% em 2020 (P-value < 0,001). Estado a justificação desta diferença fora do âmbito deste estudo, um fator relevante a ser considerado nesta decisão poderá ser o agravamento das condições financeiras dos utentes perante as condições adversas importas no contexto pandémico.
Dados do INE apontam uma subida na taxa de desemprego a nível nacional de 3% entre os anos 2020 e 2021, juntamente com o relatório da OMS que estabelece uma relação entre o desemprego ou a reforma antecipada e a presença de doença psiquiátrica em 90%, sendo responsável por estes números a dificuldade para estes pacientes não só superarem os estigmas da sociedade que os impede de conseguirem encontrar postos de trabalho, como a instabilidade das próprias doenças que os impossibilitam, muitas vezes, de se manterem nesses postos durante muito tempo. Uma vez que com o aumento do desemprego se condiciona o aumento das dificuldades monetárias, é de salientar que à data da pandemia COVID-19 os injetáveis de antipsicóticos de segunda geração não eram comparticipados pelo estado português, acarretando um maior encargo económico para as famílias e, por isso, tornando a escolha dos antipsicóticos de primeira geração uma melhor escolha. É ainda de evidenciar o aumento das doenças infeciosas no período da pandemia.
Quando relacionada a doença infeciosa com a categoria de perturbação psiquiátrica salienta-se o aumento de 22,2% para 57,1% dos pacientes que tiveram infeção nos anos 2019 e 2021, respetivamente, tinham diagnóstico de Perturbações psicóticas. As demências constatarem um aumento de 10% na lista dos doentes com infeções. Porém em
Figura 3. Gráfico com a distribuição em % da prescrição de Benzodiazepinas conforme a patologia psiquiátrica no ano 2018 e 2020.
Figura 4. Distribuição em % das doenças infeciosas nas diferentes patologias psiquiátricas nas duas amostras.
todas as outras patologias constatou-se um decréscimo do papel destas nas doenças infeciosas. A significância estatística para esta diferença tem P-value = 0,021.
Outro dado interessante relativo à doença infeciosa é a diminuição de 55,6% para 18,8% dos doentes infetados que apresentavam doença hepática, de 2019 para 2021 (P-value < 0,001). Salienta-se, por último, que embora todos os consumos, seja de álcool, tabaco ou estupefacientes, apresentam com as doenças infeciosas e os diferentes anos (P-value < 0,001), o uso de cocaína é o único que não apresenta diferença no ano de 2020.
Como já referido, é positiva a relação entre as doenças infeciosas e a mortalidade dos pacientes psiquiátricos, existindo inclusive uma relação contrária que demonstra o aumento da probabilidade de desenvolver distúrbio psiquiátrico em pessoas com histórias de infeções com alguns patógenos. (Orlovska et al., 2017)
Vários estudos demonstram uma estreita relação entre as patologias psiquiátricas e défices da microbiota intestinal que conduzem a um sistema imunitário menos capaz (Ouabbou et al., 2020), relacionando também fatores genéticos de doenças mentais com uma maior suscetibilidade de doenças infeciosas gastrointestinais (Nudel et al., 2020); um maior risco de pneumonia associado ao uso de benzodiazepinas (Taipale et al., 2017) e uma relação positiva entre a doença mental e as infeções gastrointestinais (Nudel et al., 2020). Porém, todos estas relações entre a patologia infeciosa e a patologia psiquiátrica já são estudadas e não foram alteradas durante o período pandémico, o que leva à questão do que poderá ter acontecido durante o confinamento que potenciasse o aumento destes números.
Embora o período de confinamento tenha levado ao uso de máscaras e ao maior hábito de desinfeção das mãos, o que por sua vez deveria ser indicador de um decréscimo das doenças infeciosas devem ser tidas em conta as condicionantes sociais associadas às perturbações psiquiátricas, bem como as limitações de autonomia e autocuidados nos casos mais severos. Além disso, para os pacientes que vivem sozinhos, mas dependentes da ajuda de familiares ou de cuidados de instituições, vale relembrar que o número de visitas ao domicílio, e por consequente o apoio a estas pessoas, foi menor ou quase nulo, o que poderá também ser um fator potenciador de um menor cuidado com a higiene e com as condições habitacionais.
Outro dos objetivos deste trabalho era relacionar o impacto da pandemia COVID-19 com as comorbilidades dos pacientes psiquiátricos, nomeadamente patologias que aumentam o risco cardiovascular.
Foi já estabelecida a relação positiva entre a toma de antipsicóticos de segunda geração e uma maior propensão de desenvolver diabetes (Holt, 2019), de aumentar o peso e de desenvolver hipertensão arterial (Holt & Peveler, 2011) tal como a relação da toma de benzodiazepinas com o maior risco de doença cardiovascular (Patorno et al., 2017).
Foi observada uma diferença com significância estatística para a existência de comorbilidades e o uso de benzodiazepinas, tendo sido verificado que 80,8% destes doentes estava medicado com uma benzodiazepina (P-value = 0,012).
Porém, e apesar desta associação, salienta-se que a diferença quanto à presença de comorbilidades entre o ano 2018 e 2020 não possuía significância estatística (P-value = 0,993).
A variação da média de consultas de acompanhamento pelos centros de saúde e pelas consultas de especialidade no hospital também não apresentou significância estatística entre os anos 2019 e 2021.
Estes dados revelam que, apesar do período de confinamento ter alterado o funcionamento das unidades de saúde, o acompanhamento dos pacientes psiquiátricos não sofreu alterações significativas, traduzindo a eficácia das estratégias implementadas e o esforço e competência dos profissionais de saúde que assistem estes doentes.
Conclusões
A pandemia de COVID-19 foi responsável por alterar o quotidiano da maioria da população mundial, refletindo-se num aumento do isolamento social e da dinâmica familiar. A sociedade civil viu-se obrigada a adotar procedimentos adequados aos desafios, em especial as instituições de saúde, que se viram diante de uma necessidade emergente para dar resposta a uma patologia ainda pouco conhecida, muito vezes condicionando a sua atividade habitual.
Tal como a generalidade da população, os doentes psiquiátricos sofreram também as consequências da pandemia, pretendendo-se com este trabalho avaliar o seu impacto na vida destes doentes.
Neste trabalho observou-se que a pandemia levou ao aumento do internamento de mulheres, de doentes psicóticos, a uma maior prescrição ansiolíticos e de antipsicóticos injetáveis de 1ª geração; as taxas mais altas de desemprego e a uma maior incidência de doenças infeciosas, especialmente agudas e entre os doentes psicóticos.
No entanto, apesar destes achados, verificou-se que os doentes mantiveram o acompanhamento hospitalar e nos centros de saúde, nomeadamente para comorbilidades, traduzindo assim a eficácia das medidas tomadas e a competência dos profissionais de saúde. Propõe-se a realização de projetos futuros no sentido de estudar a causa para o aumento das doenças infeciosas nos doentes psiquiátricos durante o período pandémico. Referências:
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