Algarve Médico 16

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PERSPECTIVAS

Algarve Médico 2021; 16 (5): 54-55

PERSPECTIVES

Inevitabilidade da morte | desejo de viver para além dos dias - Reflexões sobre um caso clínico real em Cuidados Paliativos Maria Lurdes Cabezuelo1, Sofia Coito1, Tiago Veríssimo2, Helena Gonçalves1, Madalena Sales1 1 2

. Unidade Cuidados Paliativos de Portimão - Centro Hospitalar e Universitário do Algarve . Capelão Hospitalar, Unidade de Portimão - Centro Hospitalar e Universitário do Algarve

maria.cabezuelo@chalgarve.min-saude.pt

G. de 77 anos de idade, do género feminino, viúva desde os

Os episódios de ansiedade generalizada, a necessidade de

30 anos, 3 filhos adultos, natural de uma aldeia em meio rural,

estar sempre acompanhada pela filha (cuidadora principal

a residir, naquele momento, com a filha, o genro e dois netos.

e figura muito significativa), o humor deprimido cada vez

Sempre apresentara contacto reservado na conversação,

mais persistente e o descontrolo de sintomas generalizado,

mantendo na sua intimidade emoções, sentimentos,

evidenciavam per si um sofrimento total. A exaustão emocional

espiritualidade e expectativas. Há cerca de dois anos que

da filha era nitida, tendo esta o peso da gestão dos cuidados à

lhe fora diagnosticado cancro do colo do útero, metastizado

progenitora, a manutenção da sua actividade profissional e a

para aos orgãos circundantes, tendo iniciado uma série de

persecussão de tarefas domésticas.

tratamentos que tinham como objectivo o controlo da doença.

Apesar dos estreitos laços afectivos com a filha, em forma

Aquando da referenciação para Cuidados Paliativos, a doente

de díade, a comunicação entre elas, a respeito da condição

mantinha a expectativa de cura, tendo a intenção de dar

clínica da progenitora, sempre fora inócua e pouco explorada,

continuidade aos tratamentos já iniciados (apesar dos efeitos

apesar dos incentivos da equipa, da realização de conferências

colaterais), interpretando-os como fonte de esperança.

familiares e das estratégias fornecidas. Comportar a finitude

Apesar de reconhecer as alterações inerentes à progressão da doença – declínio funcional e sintomas indesejáveis que comprometiam a sua autonomia, rotinas e projectos pessoais -,

como um processo natural, desencadeava um sofrimento insuportável – “não aceito a morte da minha mãe… não quero pensar nisso” (cit.).

o desejo de prolongamento da vida evidenciava-se, com base

A presença de sofrimento, enquanto reação emocional

numa esperança irrealista.

associada aos sintomas físicos e à dificuldade de posicionamento do Eu face ao que desejo em relação ao expectável, envolve o sentido de falta de controlo, insegurança, desesperança, intolerabilidade, interminabilidade, e, consequentemente, a incerteza de poder superar a situação. Foi neste contexto que ocorrera o internamento.

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