A saúde e a doença nos países em desenvolvimento tem consequências para o mundo inteiro Catarina Garcia1 1
. Aluna do Mestrado Integrado de Medicina – Universidade do Algarve
a46845@ualg.pt
O Eletivo foi desenvolvido durante 8 semanas em duas instituições: Clínica de Radiologia de Albufeira e Hospital Dr. Ayres de Menezes, Hospital Central de São Tomé e Príncipe.
Se me questionar, para além do
estágio foi de que um bom médico não
de assegurar a realização atempada dos
contexto de pandemia que vivemos,
resulta apenas da experiência clínica, mas
exames hospitalares. É importante refletir
qual o impacto deste Eletivo na carreira
também da capacidade de reconhecer e
sobre este tema e questionar se a área de
médica, penso que devo dividir em duas
ultrapassar limitações (no conhecimento
atuação das clínicas de radiologia terá de
grandes componentes.
e nas competências) e de comunicar
ser alargada de forma a dar uma resposta
eficazmente com os membros da equipa.
a todos os cidadãos.
estágio em Radiologia são que a história
O Eletivo representa uma experiência
Olhando para os cuidados de saúde de STP
clínica é o fio condutor da interpretação
diferenciadora na formação do estudante
é difícil não observar semelhanças com a
de qualquer exame imagiológico e que o
de medicina ao permitir-lhe alargar
realidade portuguesa de há décadas atrás.
doente é sempre a prioridade. A relevância
horizontes, confrontar-se com realidades
Hoje curam-se condições patológicas
dos achados radiológicos tem sempre que
distintas e desenvolver-se como indivíduo.
que há 50 anos não tinham qualquer
ter em conta a história clínica de forma a
A vivência de STP e a interação com
opção terapêutica, o que é possível
não comprometer a utilidade do exame
a comunidade foi indubitavelmente o
graças à evolução técnico-científica e
para o diagnóstico. Para além disso, a
aspeto mais impactante neste Eletivo, pelo
ao investimento feito na saúde. Há que
explicação do exame ao doente – que deve
contacto com uma identidade cultural
reconhecer que apesar das falhas do SNS
incluir benefícios, riscos e procedimento - e
diferente, com uma visão própria da
português - que devem ser avaliadas
a sua adequação às particularidades do
doença e da morte. O contexto de uma
e, sempre que possível, corrigidas
indivíduo é fulcral para o estabelecimento
população não pode ser descurado, pois
– este garante a todos os cidadãos,
de uma relação médico-doente efetiva,
tem consequências na sua relação com os
independentemente dos seus recursos,
bem como para diminuir a iatrogenia e os
cuidados de saúde.
acesso a cuidados de saúde de qualidade.
1. Duas lições importantes a retirar do
gastos em saúde.
Aqui as clínicas de radiologia são
2. Devido à falta de especialistas em São
entidades privadas que garantem a
Tomé e Príncipe (STP), o funcionamento
realização dos exames imagiológicos
dos serviços do hospital é assegurado
dos cuidados de saúde primários, uma
principalmente por médicos santomenses
vez que as instituições públicas não
indiferenciados que se empenham
a conseguem assegurar. Contudo,
diariamente na melhoria contínua dos
nalgumas situações estão limitadas no
cuidados ao doente. A presença de
seu trabalho. Por inexistência de equipas
equipas médicas internacionais no país
médicas específicas – que apenas existem
e a frequente rotatividade dos médicos
nos hospitais – não estão habilitadas
especialistas estrangeiros representam
a realizar sedação de doentes (muitas
uma barreira à comunicação e à criação
vezes necessária na população pediátrica)
de espírito de equipa. No entanto, essa
ou administração de radiofármacos
multiplicidade de vivências contribui
em doentes com maior risco de reação
para a tolerância cultural e fomenta
anafilática. Estes casos são encaminhados
o debate de ideias e a discussão de
para os hospitais públicos. Contudo, os
diferentes abordagens clínicas. Uma
próprios serviços de imagiologia públicos
das convicções reforçadas durante o
estão assoberbados e sem capacidade
Por falta de recursos, em STP, algumas condições médicas relativamente comuns, como a insuficiência renal ficam sem resposta. Para um estudante de medicina português esta é uma realidade chocante. Felizmente, as missões internacionais de cooperação fazem um importante trabalho, respondendo às maiores necessidades da população e limitando estas situações. Contudo, esta ajuda também deve fornecer ferramentas aos governos para que continuem este trabalho e invistam na saúde. Importa não esquecer que a saúde – ou melhor, a doença – nos países em desenvolvimento tem consequências para o mundo inteiro. Esta é uma das lições aprendidas com a COVID-19.
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