A História do Navio Logos

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2ª ED I Ç ÃO | 2019


Copyright © 1988 by Elaine Rhoton Published by OM Publishing. All rights reserved. Carlisle, Cumbria, CA3 0QS, UK Todos os direitos reservados para os países de língua portuguesa. Copyright © 1999, 2019 por Operação Mobilização 1ª edição – 1999 2ª edição – 2019 É proibida a reprodução desta obra em quaisquer meios sem a expressa permissão da detentora dos seus direitos. Tradução: Paulo Eduardo Marques Leite e Mônica Lopes Revisão: Rebeca Inke Lima Direção Editorial: Sebastian Steiger Ilustração de capa: Débora Moreira Santos Projeto Gráfico: Stefan Yuri Wondracek Salvo indicação em contrário, todas as passagens da Escritura foram extraídas da Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, NVI®, copyright © 1993, 2000, 2011 por Biblica, Inc. Todos os direitos reservados mundialmente.

Operação Mobilização Av. Dr. Mário Galvão, 198 – Jd. Bela Vista São José dos Campos / SP – CEP: 12209-004 www.om.org.br – info.br@om.org

Composto e impresso nas oficinas da Obra Missionária Chamada da Meia-Noite

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação R478h Rhoton, Elaine A história do navio Logos / Elaine Rhoton ; tradução Paulo Eduardo Marques e Mônica Lopes. – 2. ed. – Porto Alegre: Obra Missionária Chamada da Meia Noite, 2019. 256 p.; 13,5 x 20,5 cm. ISBN 978-85-7720-174-7 1. Evangelização. 2. Cristianismo. 3. Navio. 4. Logos. I. Marques, Paulo Eduardo. II. Lopes, Mônica. III. Título. CDU 266 CDD 266 (Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)


SUMÁRIO Prefácio 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16.

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Começos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Chegou a hora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 O navio de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Preparando-se para navegar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Viagem inaugural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Travessia para a Índia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 O navio dos milagres? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Curando as feridas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 Batalhas a bordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 Mudanças na ponte de comando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 País em guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 Nunca sem perigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 Refugiados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185 A realização de um sonho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197 Portas fechadas, portas abertas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209 O arco-íris no céu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 Epílogo: o fim do começo Fatos e estatísticas Posfácio

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Dedicado a Bjørn Kristiansen (1934-1987), John Yarr (1924-1980) e George Paget (1911-1978). A fé e o compromisso desses homens foram utilizados por Deus para formar o ministério do Logos.


P R E FÁC I O Judith Fredricsen, uma jovem neozelandesa atraente e cheia de vida, não conseguia parar de mexer naquele leito estreito de hospital. Aqueles estalos e rangidos constantes que acompanham os navios quando abrem caminho através de águas tempestuosas acabam por criar uma atmosfera sinistra. Tudo o que ocorrera no dia anterior não parava de passar como um filme em sua cabeça. Um passeio repleto de aventuras nas montanhas argentinas terminara num pequeno desastre quando ela escorregou, tropeçou e caiu sobre rochas pontiagudas que causaram ferimentos dolorosos. Sem nem bem conseguir caminhar, foi levada por seus amigos de volta ao Logos, onde o médico do navio limpou os ferimentos, enfaixou sua perna e mandou que ela ficasse na cama. Na manhã seguinte, a condição da perna piorou. O médico resolveu levá-la ao hospital da cidade para tirar alguns raios-x. Ruptura de ligamento foi o diagnóstico. Sendo assim, a perna pálida e inchada foi engessada. E agora Judith se encontrava sozinha naquele ambiente estranho do hospital do navio, onde fora colocada para poder descansar sem ser incomodada. Descansar? Se pelo menos ela conseguisse cair no sono! Um arrepio repentino fez com que seu corpo estremecesse por completo. Que susto! Um estrondo dilacerante cortou o ar; era o som de ferro esmerilhando contra rochas. Sentindo-se cheia de náuseas por causa do susto, Judith sabia que algo sério tinha acontecido. “Que hora mais doida para estar com a perna engessada!”, pensou nervosa. Sentou-se, levando a perna sobre o lado da cama, já pronta para levantar e tentar descobrir o que estava acontecendo. ... Após quinze meses a bordo do Logos, Bagus Surjantoro, da Indonésia, já se sentia bem em casa no navio. O pessoal de bordo já


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era como sua “família”, sentia-se muito apegado a todos. Passara a noite no seu escritório, a sala da programação, tentando finalizar o planejamento das conferências do próximo porto. Lá pelas 22:30, Nimrod Twaine, um jovem negro sul-africano, muito alegre e descontraído, chegou para arrancá-lo do trabalho para que pudessem ensaiar com o quarteto que acabavam de formar. Já no estúdio, Nimrod insistia que tinham que ensaiar uma canção que não saíra de sua mente o dia todo: Rocha Eterna, aquele hino inglês bem conhecido. “Olha só”, disse Bagus impaciente. “Vamos ter uma conferência sobre evangelização na quinta-feira e temos que ter alguma coisa preparada para cantar nessa reunião. Rocha Eterna não tem nada a ver com o tema.” Finalmente chegaram a um acordo. Cantaram Rocha Eterna e depois continuaram o ensaio por mais ou menos uma hora, preparando algo para cantar na conferência – um pequeno incidente que depois viria a ganhar um significado todo especial para eles. Já estava ficando bem tarde. Hora de ir para cama, decidiram. Bagus resolveu dar uma passadinha pelo escritório para ver se tudo estava em ordem antes de descer para o seu camarote, o qual compartilhava com outros onze rapazes. Trocou-se sem fazer ruído e pulou no seu beliche; leu uma passagem bíblica e orou. Quando finalmente puxou o cobertor para dormir já era quase meia-noite. Inesperadamente ouviu-se aquele barulho ensurdecedor de batida e o navio foi como que se arrastando até parar. Seguiu-se um silêncio sepulcral. E então o pessoal começou a pular das camas, indagando incertos: “Que pasó? O que houve?”. ... Antes de cada travessia, Linda Wells se achava irritada e deprimida. Tentava continuamente lidar com as ondas de terror que ameaçavam subjugá-la. Lembrava-se vividamente da travessia


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anterior, quando o Logos entrara numa zona tempestuosa e fora pego de lado por uma onda imensa. O navio inclinou-se repentinamente, jogando a mobília de seu camarote de um lado para o outro. Gavetas caíram, e livros voaram das prateleiras. Linda gritara em pânico. No dia seguinte ficara muito chateada com seus medos, irritada com o navio e talvez até um pouco irritada com Deus. Subindo ao convés, ela gritou: “Senhor, não consigo confiar minha vida a esta banheira de ferro!”. Foi então que uma voz calma respondeu no seu interior: “Você não confia sua vida à esta banheira de ferro. Sua vida está confiada a mim”. O medo desapareceu e voltou a paz. Num certo momento foi informada de que o navio não estaria passando pelo Estreito de Magalhães, como havia pensado. O navio daria a volta pela ponta setentrional do continente sul-americano. Foi como uma avalanche de medos e temores todos de volta. Sentindo-se oprimida com uma sensação de que algo estava para ocorrer, falou com o comandante e com seu esposo, Graham, implorando que levassem o navio por uma outra rota. Ambos tentaram convencê-la. Ainda buscando uma saída, ela foi ao médico do navio. “Olha”, disse ela, “vamos passar quatro dias no mar e sempre fico terrivelmente mareada. Estou grávida e tenho certeza de que isto não vai ser bom para o bebê. Será que não seria melhor se eu fosse por terra até o próximo porto?” “Não, Linda”, respondeu o médico. “Você já teve um aborto espontâneo. Acho que seria melhor estar a bordo, onde posso cuidar de você.” Depois de muita luta interior, Linda decidiu que teria que aceitar a opinião do médico. O navio zarpou de Ushuaia, na Argentina, naquela noite. Surpreendentemente, Linda sentia-se relativamente em paz. Contu-


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do, sentiu que deveria deixar preparada uma bolsa com roupas de frio, biscoitos e suco para sua filhinha Aimee; quase – pensou mais tarde – como se soubesse o que estava prestes a ocorrer. Isto feito, deitou-se completamente vestida, deixando seu marido meio atônito. Ao se deitar, disse baixinho: “Senhor, eu realmente não estou com medo. Por que então estou fazendo tudo isso?”. E mais uma vez ouviu aquela doce voz dentro de si dizendo: “Linda, vou fazer algo que vai lhe deixar completamente estupefata”. Ao cair no sono, pensou: “Bem, isto pode significar duas coisas: ou vamos naufragar, ou vamos conseguir um navio muito melhor que este”. Duas horas mais tarde, Linda foi abruptamente retirada do seu sono por aquele barulho ensurdecedor do navio raspando contra a rocha. Pulou da cama instantaneamente, trazendo consigo seu esposo Graham. Pegou a bolsa que havia preparado e um casaco, e rapidamente puxou Aimme da cama de cima do beliche. “Vamos com calma”, avisou Graham, ao levantar-se tonto de sono, sem poder crer no que estava acontecendo. “Pode ter sido só o prático descendo do navio.” Suprimindo a irritação que sentira contra a conclusão, no mínimo absurda, de seu marido, Linda abriu a porta do camarote e saiu, parando somente o suficiente para dizer: “Quando você estiver pronto, não esqueça de trazer os coletes salva-vidas!”. ... Era quase meia-noite do dia 4 de janeiro de 1988. E, para o Logos, era só o princípio do fim.


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CO M E ÇO S

Lá pelo final dos anos cinquenta, nenhuma ideia poderia ser tão inusitada na imaginação de George Verwer e daqueles com quem ele trabalhava do que a ideia de um navio. Eram simplesmente um pequeno grupo de seminaristas da região de Chicago. A grande questão que os inquietava era a de conseguir alguma forma de transporte para que, junto com suas coisas, chegassem ao México para as férias. Para estudantes sem dinheiro, esse era um problema de enormes proporções. Estavam, porém, determinados a passar as férias de verão no México; mas não era para pegar um bronzeado naquelas praias de areias brancas depois de um mergulho refrescante nas águas cristalinas. Tinham uma razão bem mais importante para isso. Ouviram dizer que o México era um país cheio de pessoas religiosas que criam piamente em Deus. Poucos, contudo, sabiam que seria possível conhecer Deus de uma maneira pessoal. Estavam perdendo a experiência mais importante da vida! E estes estudantes achavam que essa era uma situação que deveria ser resolvida. “Não podemos fazer tudo”, diziam eles, “mas vamos fazer a parte que nos cabe.” As ideias eram ótimas, mas como poderiam ser realizadas se não utilizassem uns dois carros, ou pelo menos uma pequena


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caminhonete? Eles não conseguiam ver uma solução possível, mas sabiam que se a obra é de Deus então é ele que vai dar a resposta. Sendo assim, muitas horas eram passadas em oração pedindo que Deus agisse. Um dos jovens que foi à reunião de oração semanal do grupo ouviu quando oraram por um veículo. Quase que imediatamente lembrou-se de seu tio, que era dono de uma frota de caminhões. Quem sabe ele teria um que os estudantes pudessem utilizar para a viagem? “Claro que sim”, disse o tio quando o jovem lhe pediu. “Está vendo aquele caminhão velho ali sobre os blocos? Bem, podem usá-lo, só duvido que ele consiga sair de Chicago, muito menos chegar até o México”. Poucos dias depois aquele caminhão velho, abarrotado de estudantes, livros e folhetos evangelísticos, partia em direção ao México. O velho caminhão, além de fazer a viagem de ida e volta ao México, ainda repetiu a dose duas vezes nos verões seguintes. No início dos anos sessenta, a mesma cena se repetiria em proporções bem maiores na Europa. Agora todos estavam formados. Dois ou três deles estavam morando no México para dar continuidade ao trabalho. Os outros voltaram seus olhos para a Europa. A meta ainda era a mesma – entusiasmar as pessoas a conhecerem Deus de uma maneira pessoal. O método também continuava sendo o mesmo, através de conversas com as pessoas e da distribuição de literatura. E a busca por um meio de transporte era sempre presente. Um dos maiores desafios que sempre lhes assombrava o pensamento era o fato de a Europa ser tão grande e variada! Qual era o verdadeiro impacto que um grupo de mais ou menos vinte e cinco pessoas poderia causar? O trabalho de distribuição era claramente vital, mas simplesmente não era o suficiente. Como poderiam envolver outros, muitos outros?


Começos

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“Envolvendo as igrejas já existentes! Esta é a resposta”, pensou George Verwer. “Quando chegarmos nas cidades, ao invés de fazer todo o trabalho sozinhos, vamos tentar trazer alguns membros das várias igrejas para trabalhar conosco. Quando essas pessoas se envolverem e experimentarem pessoalmente o que Deus pode fazer através delas, vão querer continuar mesmo depois de termos partido para uma outra cidade.” Este foi o início da Operação Mobilização, melhor conhecida como OM. A ideia de mobilizar o povo de Deus para alcançar as pessoas necessitadas, perdidas e sofredoras na Europa começou a pegar fogo. A cada verão várias centenas de jovens provenientes das mais variadas igrejas e denominações se reuniam durante alguns dias para treinamento e orientação e depois eram divididos em pequenos grupos. Carregados com sacos de dormir, colchonetes e muita literatura cristã, partiam para as mais diversas partes da Europa para trabalhar com as igrejas interessadas naquelas áreas. Às vezes as equipes montavam barracas em áreas de camping. O mais comum mesmo era simplesmente jogar o saco de dormir no chão de uma igreja e acampar por ali mesmo. Embora o estilo de vida fosse muito simples, a questão financeira ainda era muito pesada. A maioria dos jovens não tinha nenhum dinheiro, e a OM também não tinha dinheiro para que pudesse dar algum tipo de pagamento e às vezes nem mesmo para suprir as suas necessidades. Eram as igrejas desses jovens e amigos interessados que financiavam a viagem. Quando nem mesmo esse dinheiro bastava, e esse era geralmente o caso, os jovens oravam pedindo a Deus que providenciasse outras fontes. Deus sempre providenciava o necessário, mas nunca em demasia. No outono de 1963 partia a primeira equipe da OM para a Índia. Ao invés de trabalhar durante algumas semanas do verão, este grupo de jovens planejava ficar um ou dois anos no país. A


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cada outono um novo grupo partia da Europa para substituir aqueles que estavam retornando. A questão do transporte continuava sendo um problema, exatamente igual àquele enfrentado na época das viagens para o México. Levar os jovens de avião nunca foi nem considerado. Não havia recurso para esse tipo de transporte. O pessoal da OM acabava indo de caminhonete. Caminhonetes velhas, amassadas e carregadas até as bordas. Era uma travessia de dois meses através de montanhas cobertas de neve, desertos secos e remotos, e às vezes por trilhas que mal podiam ser chamadas de estradas. Sendo jogado para cima e para baixo, de um lado para o outro na traseira de uma dessas caminhonetes, George Verwer tentava encontrar uma posição menos desconfortável. Impaciente para chegar à Índia e totalmente irrequieto com todo aquele tempo gasto somente com a viagem, ele começou a refletir sobre a situação. “Tem que haver uma forma melhor”, pensava ele. Alguma forma de se cortar gastos, que na opinião de George ainda eram exorbitantes com esse tipo de viagem. Embora fosse um estilo muito simples, e até mesmo primitivo de viagem, “o que seria ideal”, pensou ele, “seria alguma maneira em que fosse possível combinar a viagem e o ministério de distribuição de literatura e evangelização”. Uma certa ideia começou a germinar em sua mente enquanto ele pensava sobre o assunto. Alguns meses mais tarde ele estava descansando com alguns dos líderes, já de volta na Inglaterra. Enquanto conversavam sobre vários assuntos, alguém ventilou a ideia de um navio para evangelização. “É disso que a gente precisa!”, exclamou George, pegando a ideia com grande entusiasmo. “Imaginem só o que poderíamos fazer com um navio! Há alguns meses venho pensando nisso, são tantas as possibilidades que fico alucinado! Considerem só o dinheiro que pode ser economizado em viagens!”


Começos

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Então começou a falar sobre todo o dinheiro que poderia ser economizado e de como o tempo da viagem de navio poderia ser aproveitado em vez de ser desperdiçado, como era com as viagens de caminhonete. Seu entusiasmo era contagiante. Logo, logo, todos que estavam na sala começaram a levantar ideias, algumas bem loucas, outras espertas, mas todas muito sérias. Muito tempo depois, algumas pessoas se perguntavam se tinha sido nesse momento que pela primeira vez o nome Logos (“Verbo”) fora sugerido, mas ninguém sabe dizer com certeza. Encorajado por essa reação, George decidiu apresentar a ideia a um grupo maior de líderes da OM. Esse grupo sabia que George era um homem que transbordava criatividade; muito hábil e rápido na formulação de ideias originais, frases brilhantes e declarações engraçadas na velocidade da luz. Suas ideias eram geralmente permeadas com uma visão e percepção incomuns; e o desenvolvimento da OM era um contínuo testemunho disso. Outras vezes essas ideias eram tão loucas que chegavam aos limites do que se considera praticável, e às vezes eram mesmo absurdas. Mas eram interessantes, sempre extremamente interessantes! Sendo assim, quando George começava a apresentar suas ideias sobre um navio, os ouvintes pareciam quase conseguir vê-lo. Mesmo as declarações mais sérias feitas por ele eram sempre interpeladas por comentários hilariantes que conseguiam arrancar gargalhadas da audiência. E dessa vez eles riram mesmo! Embora ele tenha arrancado muitas gargalhadas, elas eram acompanhadas de uma séria avaliação de suas ideias. Dessa vez elas foram consideradas como ideias que caíam no campo do muito irreal; nada prático, e que nunca poderia dar certo. George, contudo, não desistiu da ideia. Quando ouviu falar de um navio antigo que estava à venda na Suécia, decidiu ir até lá para ver. Enquanto explorava o interior do navio, sua mente


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explodia e ficava maravilhada com as inúmeras atividades que poderiam ser executadas num local como aquele. Naquela época, ninguém dava valor aos navios antigos; a manutenção para manter um navio desses em boas condições de navegabilidade era muito trabalhosa e cara. E por isso estavam pedindo um preço muito baixo por ele. Este navio em particular, que podia carregar cerca de cem pessoas, estava sendo vendido por vinte e cinco mil libras esterlinas. “Como pode ser?”, pensou George estupefato. Lembrou as centenas de caminhonetes amassadas que a OM comprara por quase nada e que tinham sido consertadas e depois utilizadas para transportar o pessoal da OM durante vários anos. George teve absoluta certeza de que a OM deveria comprar um navio. Talvez não aquele que acabara de ver, mas um navio que fosse adequado às aplicações por ele sonhadas. Deveriam estudar melhor a situação e ver qual seria o melhor tipo de embarcação. O primeiro passo, contudo, era o de convencer as pessoas do potencial que vira. Para depurar suas ideias e com o intuito de difundi-las, começou a pô-las no papel. Passou-se um ano. Nada aconteceu. Dois anos, e ainda nada ocorrera. Quase ninguém no mundo da navegação mostrou interesse. Das reações que suscitara, pelo menos oitenta por cento eram negativas. Um dos principais líderes da OM na Índia enviou-lhe uma carta pesada condenando o seu “devaneio” e dizendo o seguinte: “Aqui estamos nós na Índia lutando para conseguir folhetos evangelísticos. O que você acha que está fazendo em Londres querendo gastar um montão de dinheiro numa pilha de ferro-velho?” ... Por que um navio para a evangelização mundial? Essa era a frase chave do folheto. Um jovem uniformizado com trajes navais ficou intrigado, pegou o folheto e começou a ler. Naquele mo-


Começos

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mento nasceu um interesse que viria a ter um grande efeito na realização do projeto do navio. Esse jovem era um oficial em ascensão na marinha mercante britânica. A vida no mar oferece uma enorme gama de tentações em forma de mulheres da vida, bebidas, dentre outras coisas, mas esse homem tinha um testemunho impecável. Servindo como imediato numa grande linha, já terminara sua formação como comandante e tinha toda a possibilidade no mundo de ter um futuro brilhante. Mas depois de se corresponder com George Verwer durante um bom tempo, decidiu deixar sua carreira lucrativa para passar um mês trabalhando com a OM. Não tinha certeza de que a OM era, na verdade, o lugar ideal para ele, mas estava disposto a experimentar. Em 1966 comprometeu-se com o projeto do navio. Deus havia fornecido a equipe perfeita para fazer da visão do navio uma realidade. A presença de um comandante britânico dava o conhecimento profissional necessário, além de que só a sua presença já assegurava um certo ar de solidez e credibilidade à ideia. E, do outro lado, tínhamos George Verwer, que tinha visão e dinamismo para levar o projeto adiante. Loiro, de ótima aparência, trajando um terno azul impecável, o jovem oficial era a personificação perfeita do comandante britânico. No seu entender, só havia uma maneira de se fazer a coisa certa no mundo da navegação marítima, e era fazendo a “coisa certa” da maneira certa. Com seu treinamento e formação, ele sabia exatamente o que deveria ser feito e como fazê-lo. Seria impossível imaginar alguém que pudesse representar tão bem o oposto de George Verwer. Magro, ansioso, em movimento constante, seja mental ou físico, George era a personificação do dínamo. Para ele, a excelência era uma meta honrada, mas a prioridade era estar em ação. E adicione-se a isso o fato de que George, ao lançar a ideia de um navio, era completamente ignorante em questões marítimas. Obviamente não demorou


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para que ele desenvolvesse um apetite voraz que fazia com que consumisse qualquer tipo de informação sobre navegação. Lia tudo o que caía em suas mãos, visitava navios e conversava com pessoas envolvidas no mundo da navegação. Chegou até a navegar com um prático cristão indiano que trazia navios ao porto de Bombaim, na Índia, e pediu que o prático lhe explicasse muitas coisas sobre os navios. Essa vasta diferença em personalidade e perspectiva certamente causava divergências de opiniões tão vastas quanto a distância entre seus mundos. Sendo o único membro da OM com formação profissional na área da navegação, o comandante britânico muitas vezes se sentia o “homem no meio da garotada”, como ele mesmo dizia. Como poderia comunicar-se de maneira eficaz com colegas que não possuíam o conhecimento e formação para realmente entender o que tinha a dizer? Surgiam várias perguntas sobre embarcação. Que tipo de características seriam necessárias para realizar o ministério que evoluía nas mentes de George e do pessoal da OM? Quais, dentre essas inúmeras ideias, eram realmente viáveis? Quais eram sonhos impraticáveis daqueles que eram completamente ignorantes nas questões de navegação? E ainda piores eram os questionamentos sobre a tripulação. Deveriam ser todos profissionais? Receberiam um salário? E a questão mais difícil e delicada de todas: quem teria autoridade? Quem daria a última palavra? O comandante ou George Verwer, como diretor da OM? Eram perguntas que não apresentavam respostas fáceis. O navio da OM seria singular, extremamente diferente dos navios normais no mundo comercial. Ninguém conseguia apresentar ou vislumbrar exatamente como seria o funcionamento desse navio. Era um feito nunca antes realizado, pelo menos não nas proporções que George e o comandante tinham em mente. Durante os quatro anos que se seguiram ao engajamento do comandante com o projeto, ele e George falaram juntos e sepa-




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