BETH-SHALOM
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JUNHO DE 2007 • Ano 29 • Nº 6 • R$ 3,50
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Prezados Amigos de Israel
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A Síndrome de Sansão
Notícias de
ISRAEL É uma publicação mensal da “Obra Missionária Chamada da Meia-Noite” com licença da “Verein für Bibelstudium in Israel, Beth-Shalom” (Associação Beth-Shalom para Estudo Bíblico em Israel), da Suíça. Administração e Impressão: Rua Erechim, 978 • Bairro Nonoai 90830-000 • Porto Alegre/RS • Brasil Fone: (51) 3241-5050 Fax: (51) 3249-7385 E-mail: mail@chamada.com.br www.chamada.com.br Endereço Postal: Caixa Postal, 1688 90001-970 • PORTO ALEGRE/RS • Brasil Fundador: Dr. Wim Malgo (1922 - 1992) Conselho Diretor: Dieter Steiger, Ingo Haake, Markus Steiger, Reinoldo Federolf
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O Cânon das Escrituras Hebraicas - De Gênesis a Crônicas
Editor e Diretor Responsável: Ingo Haake Diagramação & Arte: Émerson Hoffmann Assinatura - anual ............................ 31,50 - semestral ....................... 19,00 Exemplar Avulso ................................. 3,50 Exterior: Assin. anual (Via Aérea)... US$ 28.00 Edições Internacionais A revista “Notícias de Israel” é publicada também em espanhol, inglês, alemão, holandês e francês. As opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade dos autores. INPI nº 040614 Registro nº 50 do Cartório Especial
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HORIZONTE • O xeique antiterrorista que apóia Israel - 11 • O caso Dreyfus - 12 • Uma viagem ao mundo de Anne Frank - 16
O objetivo da Associação Beth-Shalom para Estudo Bíblico em Israel é despertar e fomentar entre os cristãos o amor pelo Estado de Israel e pelos judeus. Ela demonstra o amor de Jesus pelo Seu povo de maneira prática, através da realização de projetos sociais e de auxílio a Israel. Além disso, promove também Congressos sobre a Palavra Profética em Jerusalém e viagens, com a intenção de levar maior número possível de peregrinos cristãos a Israel, onde mantém a Casa de Hóspedes “Beth-Shalom” (no monte Carmelo, em Haifa).
“O SENHOR levanta a voz diante do seu exército; porque muitíssimo grande é o seu arraial; porque é poderoso quem executa as suas ordens; sim, grande é o Dia do SENHOR e mui terrível! Quem o poderá suportar?” (Joel 2.11). Joel proclamou o juízo vindouro de Deus sobre Judá, Israel e o mundo inteiro. Aqui está a mensagem: “Tocai a trombeta em Sião e dai voz de rebate no meu santo monte; perturbem-se todos os moradores da terra, porque o Dia do SENHOR vem, já está próximo” (Joel 2.1). Sião é o alvo imediato, o que corresponde ao que o apóstolo Pedro escreveu no Novo Testamento: “Porque a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada...” (1 Pedro 4.17). Aqui lemos como o juízo começará: “dia de escuridade e densas trevas, dia de nuvens e negridão! Como a alva por sobre os montes, assim se difunde um povo grande e poderoso, qual desde o tempo antigo nunca houve, nem depois dele haverá pelos anos adiante, de geração em geração. À frente dele vai fogo devorador, atrás, chama que abrasa; diante dele, a terra é como o jardim do Éden; mas, atrás dele, um deserto assolado. Nada lhe escapa” (Joel 2.2-3). Trata-se de algo único, pois lemos: “qual desde o tempo antigo nunca houve, nem depois dele haverá pelos anos adiante”. Portanto, esse acontecimento é incomparável na história, sem precedentes e jamais voltará a ocorrer. Isso nos faz lembrar das palavras do Senhor Jesus Cristo em Mateus 24.21: “porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido e nem haverá jamais”. Por essa razão, devemos ser cautelosos em nossas tentativas de identificar rapidamente “um povo grande e poderoso”. Aqui temos a descrição do juízo de Deus sobre um mundo rebelde, mas o executor do juízo não é claramente identificado. Que espécie de juízo é esse? Antes lemos: “Ah! Que dia! Porque o Dia do SENHOR está perto e vem como assolação do TodoPoderoso” (Joel 1.15). Trata-se claramente da ação de Deus: “vem como assolação do Todo-Poderoso”. Baseado nesse e em outros fatos que analisaremos a seguir, temos de considerar a possibilidade de que a referência não
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é a um exército terreno, mas a forças sobrenaturais. Vamos ler a descrição a seguir, que é diferente da de inimigos representados por nações vizinhas: “À frente dele vai fogo devorador, atrás, chama que abrasa; diante dele, a terra é como o jardim do Éden; mas, atrás dele, um deserto assolado. Nada lhe escapa. A sua aparência é como a de cavalos; e, como cavaleiros, assim correm. Estrondeando como carros, vêm, saltando pelos cimos dos montes, crepitando como chamas de fogo que devoram o restolho, como um povo poderoso posto em ordem de combate” (Joel 2.3-5). Obviamente, trata-se de destruição sobre a terra: a vegetação será queimada, restando apenas o deserto. Mas, observe quem está fazendo isso: não se trata de pessoas, mas de criaturas “como cavalos” e “como cavaleiros”. Além disso, lemos: “como carros”, “como chamas”. Essa descrição indica que se trata de forças demoníacas. Entretanto, esses poderes estão nas mãos do Deus Todo-Poderoso e são Seus instrumentos de juízo. A seguir vem um descrição detalhada das atividades desse exército: “Diante deles, tremem os povos; todos os rostos empalidecem. Correm como valentes; como homens de guerra, sobem muros; e cada um vai no seu caminho e não se desvia da sua fileira. Não empurram uns aos outros; cada um segue o seu rumo; arremetem contra lanças e não se detêm no seu caminho. Assaltam a cidade, correm pelos muros, sobem às casas; pelas janelas entram como ladrão” (Joel 2.6-9). Esse será o evento mais chocante que já foi visto pelos seres humanos. Somos lembrados das palavras que Jesus usou quando se referiu aos tempos finais: “haverá homens que desmaiarão de terror e pela expectativa das coisas que sobrevirão ao mundo; pois os poderes dos céus serão abalados” (Lucas 21.26). Sem dúvida, essas são referências à Grande Tribulação, o julgamento sobre as nações que o TodoPoderoso executará utilizando os poderes das trevas. O versículo 7 revela outro detalhe com as frases “Correm como valentes; como homens de guerra, sobem muros” (Joel
2.7). Novamente, esses não são valentes, não são homens de guerra, mas entidades diferentes de qualquer coisa que já vimos no planeta Terra. Em linguagem moderna, poderíamos chamá-las de “super-homens”, pois “sobre a mesma espada se arremessarão, e não serão feridos” (Joel 2.8, Almeida Corrigida Fiel – ACF). Na terra estará acontecendo algo que nenhum homem experimentou, nem jamais experimentará. Nesse tempo será “...expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos” (Apocalipse 12.9). Qual será o resultado? “Por isso, festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais. Ai da terra e do mar, pois o diabo desceu até vós, cheio de grande cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta” (Apocalipse 12.12). Outra indicação que reforça a idéia de que se trata de forças demoníacas é que a linguagem usual relacionada a guerras e vítimas não está sendo usada. Não há menção a matanças, mortes, saques e pilhagens. Apesar dessas criaturas entrarem pelas janelas como ladrões, nada lemos sobre roubos. Que tipo de guerra será essa? Eu arriscaria dizer que se trata de uma guerra das trevas, da qual ninguém conseguirá escapar. Até mesmo o Universo estará envolvido: “Diante deles, treme a terra, e os céus se abalam; o sol e a lua se escurecem, e as estrelas retiram o seu resplendor” (Joel 2.10). Nenhum exército na terra é capaz de fazer tremer a terra, de abalar os céus, de afetar o brilho do sol, da lua e das estrelas. Portanto, temos a confirmação de que as forças demoníacas autorizadas por Deus terão pleno acesso ao planeta Terra e seus habitantes. Se perguntarmos porque Deus o permite, temos a resposta em João 1.5: “E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam” (ACF). Observe no versículo introdutório que “O SENHOR levanta a voz diante do seu exército; porque muitíssimo grande é o seu arraial”. Essa é a ação de Deus, não de um inimigo humano. Quando o Seu juízo se abater sobre a terra, o povo reconhecerá que não se trata da ação de homens, mas da interferência de Deus. Este será o testemunho dos homens do mundo: “Os reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro,” (Apocalipse 6.15-16). Não haverá arrependimento e não haverá conversões, apenas tentativas vãs de se esconder da ira do Cordeiro. Tudo isso será iniciado pela “trombeta em Sião”. Muito poderia ser escrito sobre trombetas – elas são
mencionadas por toda a Escritura, começando em Êxodo 19.13 e terminando em Apocalipse 9.14. Mas a maioria dessas trombetas é específica; elas servem a um certo propósito e não devem ser confundidas entre si. Há trombetas de ajuntamento e de guerra, de júbilo e de alegria, de paz e de confraternização. Há também trombetas de juízo, sobre as quais lemos principalmente no livro do Apocalipse. Aqui, porém, a “trombeta em Sião” é dirigida ao povo de Israel. Eu a chamarei de trombeta de graça, de convite, de reconciliação, indicando um espaço de graça para o Seu povo. Por isso, ouvindo Sua voz, não endureça seu coração. Tome a decisão de seguir o Messias, tendo em vista a aproximação do juízo! Shalom!
Arno Froese
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Milhões de americanos estão sofrendo da “Síndrome de Sansão”. Quase 20 milhões já compraram o livro Uma Vida com Propósitos, de Rick Warren, comprovando o fato de que esta geração está buscando desesperadamente um propósito e significado para sua vida. As pessoas sentem que têm potencial, mas lhes falta a percepção e a disciplina necessárias para realizá-lo. O homem mais forte que já existiu também era assim, e o seu fracasso ficou registrado na Bíblia para que pudéssemos aprender com seus erros.
O livro de Juízes relata os feitos de vários indivíduos levantados por Deus para libertar Israel do castigo divino. Em geral, eles eram pessoas comuns, que derrotavam os opressores de Israel depois que a nação se arrependia de seu pecado e clamava pelo Senhor. Sansão foi o único designado como juiz antes mesmo de sua concepção. Esse livro bíblico mostra os repetidos ciclos de rebelião, opressão, arrependimento e restauração (através de um juiz), pelos quais o povo de Israel passava periodicamente. Deus sempre foi fiel para restaurar Israel, mas cada novo ciclo provocava uma degradação total na condição espiritual da nação israelita (Jz 2.19). Cada novo juiz que surgia era um líder menos espiritual que seu antecessor, e Sansão foi o último da lista.
O Anúncio A profecia do nascimento de Sansão foi cheia de promessas. A mãe de Sansão viveu sem filhos por um tempo suficiente para ser considerada estéril, até que recebeu a visita do Anjo do Senhor*, trazendo-lhe a maravilhosa notícia de que teria um filho. Ele lhe ordenou que não tomasse vinho, * Quanto à identidade do Anjo do Senhor, recomendamos ler o artigo Quem é o “Anjo do Senhor”? na revista Chamada da Meia-Noite 6/07.
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nem bebida forte, e não comesse nada impuro, porque seu filho seria nazireu por toda a vida; até mesmo sua existência pré-natal era importante para Javé. A mulher contou a epifania a seu marido, Manoá, e narrou as exigências do nazireado que o filho prometido deveria cumprir. Dedicado a Deus desde a concepção, ele começaria “a livrar a Israel do poder dos filisteus” (Jz 13.5), após anos de opressão. Imagine só a surpresa de Manoá. Ele pediu a Deus que tornasse a enviar o mensageiro e lhe desse mais informações. Assim, o Anjo de Javé visitou a mulher novamente. Quando ela trouxe seu marido, este perguntou: “Qual será o modo de viver do menino e o seu serviço?” (v. 12). Mas as instruções dadas a Manoá repetiam apenas tudo o que já havia sido dito à sua mulher, principalmente o que dizia respeito à sua dieta. A Palavra de Deus afirma explicitamente que aquela criança seria um nazireu desde o ventre até o túmulo. Depois disso, o casal ofereceu sacrifícios ao Senhor. O Mensageiro aceitou a oferta e subiu aos céus na chama do altar (Jz 13.20), enfatizando a origem divina da profecia. Então, Manoá temeu por sua vida e pela de sua es-
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umprindo as palavras que o anjo dissera, nasceu Sansão (Shimshon em hebraico), o “brilho do sol”, o “raio de luz” do casal.
posa: “Certamente, morreremos, porque vimos a Deus” (Jz 13.22). Mas sua esposa argumentou que eles estavam seguros, porque Deus tinha aceitado sua oferta e prometera um libertador. Isso nos leva a pensar que, possivelmente, a falta de visão espiritual de Manoá contribuiu para o fracasso de seu filho. Uma visita angelical e uma declaração sobre o destino de Sansão já teriam sido suficientes, mas a repetição enfatizou de forma ainda mais clara o potencial da criança. Cumprindo as palavras que o anjo dissera, nasceu Sansão (Shimshon em hebraico), o “brilho do sol”, o “raio de luz” do casal.
Os Primeiros Anos A introdução (“E o Espírito do SENHOR passou a incitá-lo”, Jz 13.25) e o sumário (“Sansão julgou a Israel, nos dias dos filisteus, vinte anos”, Jz 15.20), englobam os capítulos 14 e 15 num único bloco. Como essa inserção mostra de forma inequívoca, os eventos que cercam o casamento de Sansão representam a descrição geral do seu período como juiz. A ausência de atos de bravura realmente positivos, e de grandes livramentos de Israel da opressão dos filisteus, reforçam o retrato de seu ministério como extremamente ineficaz. A narrativa é
uma mistura frustrante da capacitação sobrenatural de Deus (força) e da negligência de Sansão em relação ao seu chamado. Mas, por que Sansão desdenhou tudo o que foi profetizado antes de seu nascimento? Por que preferiu satisfazer sua própria vontade, em vez de obedecer a Deus, demonstrando não ter a menor noção de seu destino? Por que ele não demonstrou ter consciência do propósito de Deus para sua vida? A Bíblia não menciona nenhum ato singular de patriotismo ou qualquer interesse de Sansão em libertar seu povo. Fica claro que “o Espírito do SENHOR de tal maneira se apossou dele” três vezes (Jz 14.6,19; Jz 15.14), revelando que havia força e habilidade sobrenaturais à sua disposição. Mas ele não usava essa capacitação divina eficazmente, exceto para sua própria preservação ou gratificação. A única preocupação de Sansão era satisfazer seus próprios desejos. Vivendo em território danita, ele gastava seu tempo livre procurando prazer no vizinho reino filisteu. Ao invés de buscar uma esposa israelita, como Deus havia ordenado, Sansão insistiu em se casar com uma mulher timnita, dizendo “só desta me agrado” (Jz 14.3). Embora pareça incrível, sua insistência “vinha do SENHOR, pois este procurava ocasião contra os filisteus” (Jz 14.4).
Deus usou a proximidade de Sansão com os filisteus para cumprir todo o propósito da vida daquele homem – quebrar o jugo dos filisteus – embora Sansão e seus pais parecessem não enxergar esse fato. Em sua festa de casamento, Sansão propôs um enigma a trinta rapazes (convidados pelos parentes da noiva), tendo como prêmio, para quem achasse a resposta, uma roupa nova para cada um. O clima mudou quando, não conseguindo decifrar o enigma, os convidados ameaçaram a mulher e seus parentes. Desesperada, ela chorou e implorou a Sansão que lhe dissesse a resposta. Imagine como Sansão deve terse sentido traído quando viu que a esposa com quem estava recém-casado tinha revelado o segredo a seus novos “amigos”. Enfurecido, ele atacou e matou trinta filisteus para pagar o que havia prometido e, muito provavelmente, aplacar sua mágoa. Depois disso, em vez de retornar para sua esposa, ele voltou para a casa de seus pais. Passado algum tempo, ele voltou à casa de seu sogro, mas não lhe permitiram entrar, porque sua esposa tinha sido dada a um de seus “amigos”. Irritado e desgostoso, Sansão deve ter gasto uma quantidade enorme de tempo e energia para apanhar 300 raposas, juntá-las de duas em duas pelas caudas e soltar cada par, com tochas ardentes amarradas ao rabo, nas plantações de cereais dos filisteus. Quando os filisteus se vingaram queimando sua ex-esposa e o pai dela, Sansão atacou-os impiedosamente “com grande carnificina”, dizendo: “Se assim procedeis, não desistirei enquanto não me vingar” (Jz 15.7-8). Enfurecidos com o que tinha acontecido, os filisteus marcharam contra Judá para capturar Sansão. Os habitantes de Judá estavam amedrontados e frustrados, pois,
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ansão deve ter gasto uma quantidade enorme de tempo e energia para apanhar 300 raposas, juntá-las de duas em duas pelas caudas e soltar cada par, com tochas ardentes amarradas ao rabo, nas plantações de cereais dos filisteus.
aos olhos deles, Sansão era mais uma grande dor de cabeça do que um líder teocrático. Assim, 3.000 homens de Judá foram atrás dele para amarrá-lo e entregá-lo aos filisteus; e ele se deixou prender. Ao ser entregue, Sansão, capacitado pelo Espírito de Deus, matou 1.000 filisteus com uma queixada de jumento. Feito isso, ele se gabou de sua proeza e depois clamou a Deus, porque estava com sede. Surpreendentemente, Deus o abençoou fazendo jorrar água fresca de uma rocha. Ele fez a vontade de Deus, mas foi movido apenas por razões egoístas. Em conseqüência dessa busca da satisfação de seus desejos carnais, Sansão desprezou o estilo de vida nazireu que lhe fora imposto por Deus. Os nazireus não podiam consumir nenhum produto da vide, nem cortar o cabelo, nem tocar em nenhum corpo morto (Nm 6.1-8). A palavra nazireu vem do verbo hebraico nazir, que significa “separar ou consagrar”, indicando a total separação do indivíduo para Deus,
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enquanto durava o voto. Sansão praticou alguns aspectos físicos desse voto (ele nunca cortou o cabelo), mas ignorou o espiritual: a consagração a Javé. Seus contatos com coisas mortas (leão, carcaça, roupas dos homens mortos, queixada, etc.) não parecem ter representado nada demais para ele. Da mesma forma, a charada que propôs mostra sua atitude negligente em relação à sua consagração, assim como a peça que pregou com as raposas, animais cerimonialmente impuros. Embora não fossem explicitamente condenados pela lei do nazireado, o casamento de Sansão com uma filistéia e seus outros relacionamentos amorosos certamente contradizem sua separação para Deus. Sansão confraternizou com a comunidade filistéia em vez de combatê-la, e foi guiado, principalmente, pelo impulso de seus desejos egoístas. Esse homem não era nenhum Josué, Samuel, Gideão ou mesmo Jefté. Quando examinado mais de perto, o ministério de Sansão se desfaz como uma miragem.
A derrota e a morte acabam ocorrendo porque Sansão continuou a se relacionar com aqueles que tinha nascido para destruir. Do mesmo modo que (literalmente) prostituiu sua consagração ao Deus que o criou, ele também prostituiu o propósito e o destino de sua vida. Como numa tragédia grega, sua vida, tão cheia de potencial e de promessas, desgastou-se melancolicamente até o triste final. Apanhado numa armadilha durante um encontro amoroso com uma prostituta filistéia em Gaza, Sansão usou a força que Deus lhe deu para se livrar. Levantando-se à meia-noite, ele arrancou os portões, ombreiras e trancas da cidade e levou-os para o alto da montanha. Mais uma vez, ele escapou ileso depois de desobedecer abertamente à lei de Deus. Mas ninguém zomba de Deus indefinidamente. Surge Dalila. Nesse relacionamento mais duradouro, o embotamento espiritual e emocional de Sansão demonstrou claramente que ele tinha a ilusão de que poderia viver eternamente na beira do precipício. Dalila, uma filistéia, tentou persuadi-lo a revelar a fonte de sua força para que os filisteus pudessem escravizá-lo. A Bíblia diz: “Importunando-o ela todos os dias com as suas palavras e molestando-o, apoderou-se da alma dele uma impaciência de matar” (Jz 16.16). Ignorando os óbvios sinais de alerta, ele finalmente contou-lhe seu segredo. Dalila o fez adormecer nos seus braços, raspoulhe a cabeça e o entregou (vv. 1920). O mundo de Sansão desmoronou; ele desprezara sua consagração pela última vez. O Senhor “se tinha retirado dele”, e ele perdeu toda a força (v. 20). É claro que Sansão jamais imaginou que uma coisa dessas pudesse acontecer.
pacitasse pela últi- drome de Sansão? Do mesmo moma vez e, deslo- do que Sansão poderia tê-la evitacando os pilares do. A chave do sucesso foi registracentrais que sus- da para ele por Moisés (Dt 30.15tentavam o teto, 20) e Josué (Js 1.8): amar ao fez ruir o edifício, Senhor, meditar na Sua Palavra, matando todos os obedecer a Ele e servi-lO. Paulo reque ali estavam. sumiu muito bem esse princípio paAssim, destruiu ra os romanos (Rm 12.1-2; 13.13mais filisteus na 14). Chafurdar na lama do mundo hora da morte do traz destruição. que durante sua Em sua primeira visita à Inglavida inteira. terra, D. L. Moody ouviu o evangeQue exemplo lista Henry Varley dizer: “O mundo impressionante de ainda está para ver o que Deus pouma vida desper- de fazer com, através e pelo homem diçada! O homem que se consagra inteiramente a que Deus havia Ele”. Moddy respondeu: “Farei tucapacitado para do o que puder para ser esse ho>> ansão implorou a Deus que o capacitasse pela acabar com a mem”. E você? (Israel My Glory) ■ última vez e, deslocando os pilares centrais que opressão realizou sustentavam o teto, fez ruir o edifício, matando todos os que ali estavam. Assim, destruiu mais mais na sua morte filisteus na hora da morte do que durante do que ao longo sua vida inteira. de seus vinte anos como juiz. Será Seus senhores filisteus foram tão que as pessoas irão dizer o mesmo impiedosos com ele quanto o peca- sobre nós? Que fizemos mais em Richard D. Emmons é professor titular de Bíe doutrina na Universidade Bíblica da Fido. Primeiro, eles vazaram seus prol do reino de Deus no nosso fu- blia ladélfia e pastor presidente da Bible Baptist Church, em Hamilton/NJ (EUA). olhos – as portas do caminho de neral do que durante a vida toda? sensualidade que ele havia trilhado. A Síndrome de Depois, o levaram para Gaza e o Sansão pode ser prenderam com correntes de bron- mortal. Suas caze à roda do moinho da prisão. racterísticas são: >> chave do sucesso é: amar ao Senhor, meditar na Dessa vez, não houve saída. Prova- ignorar nosso chaSua Palavra, obedecer a Ele e servi-lO. Chafurdar na lama do mundo traz destruição. velmente substituindo um boi, ele mado celestial, viagora servia, sem qualquer dignida- vendo exclusivade, ao povo cuja destruição tinha si- mente para a sado o propósito de seu nascimento. tisfação de nossos Porém, Deus muitas vezes é mi- apetites carnais; sericordioso até mesmo com aque- desprezar a santiles que desprezam Seu chamado. dade que Deus Pouco tempo depois, os filisteus se exige para satisfajuntaram para adorar seu deus, a zer nossos anseios quem atribuíam o mérito de entre- terrenos; e anular gar Sansão em suas mãos. Trans- nossa eficácia no bordantes de alegria por causa da Reino de Deus comemoração, eles mandaram bus- pela busca do pracar Sansão para divertir-se às suas zer em outro reicustas no templo, mas não sabiam no. que seu cabelo já havia crescido. Como podeSansão implorou a Deus que o ca- mos evitar a Sín-
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➜ O cânon das Escrituras Hebraicas (o Tanakh) não está disposto na mesma ordem em que se encontra o nosso Antigo Testamento. Dividido em três seções – a Lei [no hebraico, Torá], os Profetas [no hebraico, Neviyim] e os Escritos [no hebraico, Ketuvim] – o cânon das Escrituras Hebraicas começa pelo livro de Gênesis e se encerra no livro de 2 Crônicas. Essa ordem explica a razão do comentário de Jesus acerca dos líderes religiosos corruptos registrado em Mateus 23.34-35: “Por isso, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade; para que sobre vós recaia todo sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho [i.e., descendente] de Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar”. Jesus se referia aos justos que foram assassinados desde o primeiro até o último livro das Escrituras Hebraicas. O assassinato de Abel foi relatado em Gênesis 4.8; o assassinato de Zacarias foi descrito em 2 Crônicas 24.20-22, onde se faz o registro de que o rei de Judá, Joás, numa atitude de desprezo para com o amor leal que o falecido sumo sacerdote Joiada lhe devotara, mandou assassinar Zacarias, neto de Joiada, no templo do Senhor. A Bíblia Hebraica segue esta disposição: Torá: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Neviyim: Os Primeiros Profetas – Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis. Os Últimos Profetas – Isaías, Jeremias, Ezequiel e Os Doze (i.e., os doze Profetas Menores).
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Ketuvim: Os Livros Poéticos – Salmos, Provérbios, Jó. Os Cinco Megilloth (i.e., Rolos) – Cantares de Salomão, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester. Os Livros Históricos – Daniel, Esdras, Neemias, 1 e 2 Crônicas. (Is■ rael My Glory) Thomas C. Simcox é diretor de The Friends of Israel no Nordeste dos EUA.
O xeique antiterrorista que apóia Israel Nos dias atuais, poucos muçulmanos têm a coragem de dar apoio à existência de Israel e de condenar o terrorismo. Dentre esses poucos, destaca-se o xeique Abdul Hadi Palazzi, um homem tremendamente culto que é imame [i.e., líder religioso muçulmano], professor, co-fundador e codiretor da Islam-Israel Fellowship [Associação Islã-Israel], além de ser líder da comunidade islâmica italiana. Ele conversou recentemente com Jamie Glazov, editor-chefe da revista eletrônica FrontPageMagazine.com, o qual nos deu permissão para publicar as opiniões e comentários do Prof. Palazzi. Seguem, abaixo, trechos selecionados dessa entrevista. Palazzi: Israel existe por Direito Divino que se confirma tanto na Bíblia quanto no Alcorão. Eu constato no Alcorão que Deus concedeu a Terra de Israel aos filhos de Israel e que lhes deu ordens para que lá se estabelecessem (cf., Alcorão, Sura 5:21). Constato, ainda, que antes do Último Dia, Deus levará os Filhos de Israel a retomarem a posse de sua terra, trazendoos de diversos países e nações para lá reuni-los (cf. Alcorão, Sura 17:104). Por conseguinte, como um muçulmano que permanece fiel ao Alcorão, creio que opor-se à existência do Estado de Israel significa colocar-se contra um decreto divino. Todas as vezes que os árabes lutaram contra Israel sofreram derrotas humilhantes. Ao contrariarem a vonta-
de de Deus guerreando contra Israel, os árabes, na realidade, guerreavam contra o próprio Deus. Eles ignoraram o Alcorão e Deus os puniu. Agora, depois de sucessivas derrotas e de não aprenderem nada com isso, os árabes tentam obter através do terrorismo aquilo que não conseguiram por meio da guerra, ou seja, a destruição do Estado de Israel. O resultado de tais intentos é completamente previsível, pois assim como foram derrotados no passado, serão novamente derrotados. Em 1919, o emir Feisal (i.e., líder da família hashemita, ou seja, o líder dos descendentes do profeta Maomé) chegou a um acordo com Chaim Weizmann para a criação de um Estado Judeu e de um Reino Árabe separados pela fronteira natural do rio Jordão. O emir Feisal escreveu: “Percebemos que árabes e judeus são primos, quanto à raça, e que sofreram opressões semelhantes nas mãos de potências mais fortes do que eles, mas que, por feliz coincidência, foram capazes de, juntos, darem os primeiros passos rumo à conquista de seus ideais nacionais. Os árabes, particularmente os mais cultos e esclarecidos entre nós, olham com a mais profunda simpatia para o Movimento Sionista”. Na época de Feisal, ninguém alegou que o ato de aceitar a criação do Estado de Israel e de ser simpático ao Movimento Sionista era contra o islã.
Até mesmo os líderes árabes que eram contrários ao acordo entre Feisal e Weizmann nunca lançaram mão de um argumento islâmico para condenálo. Infelizmente, esse acordo nunca chegou a ser concretizado, porque os britânicos se opuseram à criação do Reino Árabe e optaram por entregar nas mãos dos saqueadores de Ibn Sa’ud [os antepassados da família de Sa’ud, ou seja, da família real “saudita”], a soberania sobre a Arábia. A partir do momento em que os sauditas começaram a governar um reino rico em petróleo, também começaram regularmente a investir uma parte de sua riqueza na propagação do wahhabismo ao redor do mundo. O wahhabismo é uma seita totalitária que apóia o terrorismo, o massacre de civis, bem como a guerra permanente contra judeus, cristãos e muçulmanos que não sejam adeptos do wahhabismo. No mundo árabe da atualidade, a influência do wahhabismo é tão
O xeique Abdul Hadi Palazzi.
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Horizonte quanto muitos outros lhe dizem: “Nós concordamos com você, mas temos medo de dizê-lo”. O mesmo acontece comigo. A Al-Qaida é “A Al-Qaida é uma organização saudita, criada pela família de uma organizaSa’ud, financiada pela família real saudita com o lucro dos ção saudita, criapetrodólares...” da pela família de Sa’ud, financiada pela família real saudita grande, que muitos árabes muçulma- com o lucro dos petrodólares e utilizanos mantêm a convicção de que para da pela família de Sa’ud para realizar ser um bom muçulmano é preciso atos de terrorismo em massa primeiraodiar Israel e almejar sua destruição. mente contra o Ocidente e, também, Conseqüentemente, nos países on- contra o resto do mundo. de o wahhabismo não se difundiu, esGlazov: Para onde vai a alma de sa idéia avessa a Israel não se consoli- um terrorista suicida a exemplo dos dou. Uma organização chamada Mus- homens-bomba? lims For Israel [“Muçulmanos em Prol Palazzi: Todas as pessoas que de Israel”] foi recentemente fundada morrem na prática de pecados capino Canadá. Uma jornalista muçulma- tais, tais como suicídio e assassinato, na pró-Israel afirma que alguns muçul- serão lançadas no fogo do inferno, manos a apóiam declaradamente, en- com exceção daquelas que se arre-
penderem antes que a morte as atinja. No islamismo, tanto assassinato quanto suicídio são pecados capitais de cuja natureza nenhum muçulmano pode duvidar, muito menos alegar ignorância. Todo muçulmano tem a obrigação de saber que as práticas de suicídio e assassinato são proibidas no islã, exatamente como todo muçulmano sabe que as orações diárias são em número de cinco, que o mês do jejum é o Ramadã, que o destino da peregrinação é Meca, etc. Logo, aquele que morre na condição de um homem-bomba suicida, por acreditar erroneamente que seu ato está de acordo com o islã, na realidade, morre sem ter uma correta fé doutrinária e sem qualquer outra oportunidade de arrependimento. Desse modo, tal pessoa nunca será admitida no céu e passará sua existência eterna no fo■ go do inferno. (Israel My Glory)
la segunda vez, em 1899, sendo em seguida indultado. Sua inocência só foi verdadeiramente reconhecida em 1905 e, no ano seguinte, foi reabilitado pelo governo francês. Na verdade, Dreyfus foi vítima flagrante do anti-semitismo fortemente arraigado na sociedade e nas Forças Armadas francesas. Sua primeira condenação, baseada em provas forjadas, foi puramente “ideológica”. Para o exército, ele se encaixava “como uma luva” no papel de culpado, ou seja, era o bode expiatório perfeito. Ainda mais grave foi o fato de que quando a verdade veio à tona, oficiais franceses de alta patente tudo fizeram para a ocultar. O Caso Dreyfus foi, sem sombra de dúvida, uma
das mais escandalosas fraudes judiciais da história moderna da França.
O caso Dreyfus No dia 12 de julho de 2006 a França celebrou 100 anos da reabilitação do capitão Alfred Dreyfus. O jovem oficial judeu foi protagonista do infame e mundialmente conhecido “Caso Dreyfus”. Acusado de espionagem a favor da Alemanha, o militar foi julgado sumariamente por alta traição, submetido à degradação militar em 1895, e condenado à prisão perpétua na famigerada prisão na Ilha do Diabo (na Guiana Francesa). Apesar das contundentes provas de sua inocência, foi condenado por um tribunal militar, pe-
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Site oficial do xeique Abdul Hadi Palazzi (em inglês): www.amislam.com
Origens de um drama A longa e dramática trajetória que envolveu o jovem oficial Alfred Dreyfus teve início em meados de 1894, quando uma agente de contra-espionagem francesa, que servia na Embaixada da Alemanha, em Paris, disfarçada de faxineira, descobriu no cesto de lixo do adido militar uma carta, em francês, que continha a promessa de passar aos alemães preciosas informações sobre a artilharia francesa. Imediatamente, entregou-a ao coronel Sandherr, chefe do Departamento de Inteligência Militar, e ao seu subordinado, o coronel du Paty de Clam. As evidên-
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O capitão Alfred Dreyfus.
cias eram claras: havia um traidor nas fileiras do exército que precisava ser descoberto. Peritos em caligrafia foram, em vão, convocados para determinar o autor do “Le Bordereau”, como passou a ser chamado o documento. Mas as Forças Armadas precisavam de um culpado e Sandherr se deixou facilmente convencer por seu ajudante, o coronel Hubert-Joseph Henry, de que o “provável” culpado era o capitão da artilharia Alfred Dreyfus. Dreyfus era judeu e rico, o “traidor ideal”, e evitaria que um francês cristão fosse apontado traidor da pátria. Pouco importava que sua caligrafia só tivesse uma vaga semelhança com aquela do autor da carta. Nascido na Alsácia-Lorena (região então ligada à Alemanha), filho de uma família abastada e bastante assimilada, era o primeiro judeu a servir no Estado-Maior do Exército, e sua presença irritava os oficiais, todos eles da elite, todos católicos. As Forças Armadas e o governo francês agiram rapidamente para dar
um desfecho ao caso. O próprio coronel du Paty de Clam se incumbiu de efetuar a prisão, aconselhando ao oficial judeu que “a melhor solução era o suicídio”, por serem incontestáveis as provas de sua traição. Inutilmente Dreyfus jurou inocência. Nem os dois meses de prisão, em meio aos quais um confinamento na solitária, nem outras formas de tortura psicológica foram suficientes para provocar sua confissão. Um julgamento sumário, realizado por um tribunal militar a portas fechadas, em dezembro de 1894, condenou-o à prisão perpétua. O tribunal hesitara em condená-lo frente às “provas”, escassas e inconsistentes, apresentadas, a principal sendo laudos periciais que atestavam uma “semelhança” entre a letra de Dreyfus e a do documento encontrado. Mas, após o testemunho do coronel Henry, que afirmara ter “outras” importantes informações que implicavam Dreyfus, que, no entanto, não podiam ser reveladas sem colocar em risco a segurança militar da França, o tribunal o considerou culpado de traição. Em janeiro de 1895 foi realizada a cerimônia pública de degradação militar, os galões de sua patente arrancados e a espada, quebrada ao meio. Enquanto Dreyfus clamava sua inocência, do lado de fora se ouvia o brado da turba que pedia “morte aos judeus”. No dia 21 de fevereiro ele foi embarcado para a prisão, na Ilha do Diabo, onde sofreria por longos anos, acometido por malária, disenteria e muitas outras enfermidades físicas, todas, no entanto, infinitamente menores que a dor da injustiça e do abandono. O caso parecia encerrado; ninguém, àquela altura dos acontecimentos, poderia sonhar com a tormenta que desabaria sobre a França, nos anos seguintes. O pano de fundo para o caso Dreyfus era uma França assolada por forte crise econômica, tensões sociais e confrontos políticos. O país estava di-
vidido entre uma direita reacionária, fortemente ligada às Forças Armadas e à Igreja; os republicanos liberais e as forças de esquerda. Enquanto os conservadores pediam o retorno da monarquia, os republicanos e a esquerda defendiam a continuidade da República. Nessa confrontação, as Forças Armadas desempenhavam um papel importante, principal sustentáculo da ordem vigente que eram. Destaca-se também o papel da imprensa de direita – muito ativa, ultra-reacionária e anti-semita, na incitação do povo contra os judeus – especialmente o jornal La Libre Parole, de Édouard Drummont, que se aproveitou do episódio para desencadear uma generalizada campanha antijudaica. Drummont, um anti-semita intrínseco e militante, publicara, em 1886, um “devaneio” antijudaico de dois volumes, intitulado La France Juïve (A França Judaica). Dos segmentos conservadores se ergueram as principais forças de acusação contra Dreyfus. Mesmo quando confrontados com provas contundentes da farsa
Em janeiro de 1895 foi realizada a cerimônia pública de degradação militar, os galões de sua patente arrancados e a espada, quebrada ao meio.
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Horizonte cruel que fora montada para condenar o oficial judeu, recusaram-se, ainda assim, a aceitar mudar o veredito, afirmando que tal atitude poderia denegrir a imagem das Forças Armadas junto à sociedade francesa, desestabilizando o país. Vale a pena lembrar que entre as vozes que se levantaram em defesa de Dreyfus encontrava-se a de Rui Barbosa, brilhante advogado e escritor brasileiro. Vivendo, à época, na Inglaterra, onde se auto-exilara após seu rompimento com o governo do Marechal Floriano Peixoto, Rui Barbosa escreveu um inflamado artigo denunciando os fatos que envolveram o oficial judeu. Datado de 7 de janeiro de 1895, dois dias antes da degradação do capitão francês, foi publicado no Brasil, no Jornal do Comércio, no mês seguinte. A história da “diabólica conspiração”, como diria o famoso escritor Émile Zola, provavelmente ter-se-ia encerrado com o desterro de Dreyfus, não tivesse o tenente-coronel Picquart assumido a chefia do Departamento de Contra-Espionagem do Exército.
Vale a pena lembrar que entre as vozes que se levantaram em defesa de Dreyfus encontrava-se a de Rui Barbosa, brilhante advogado e escritor brasileiro.
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Em março do ano seguinte, a mesma agente do caso Dreyfus encontrou, no mesmo escritório do adido militar alemão, uma nova carta na qual o remetente prometia entregar aos alemães mais segredos militares franceses. Com Dreyfus encarcerado, era mais do que evidente que o traidor estava à solta. Picquart tomou a si as investigações e conseguiu relacionar a letra com a de outro oficial, o major Charles Ferdinand Esterhazy, aventureiro de origem húngara com vultosas dívidas de jogo. Mas, ao revelar suas descobertas a seu assistente, o coronel Henry, Picquart ficou surpreso com a reação do subordinado que, enraivecido, lhe perguntou como cogitava pedir que as Forças Armadas francesas admitissem ter errado. Henry alertou seus superiores de que Picquart estava prestes a reabrir o caso. Assim, antes que Picquart pudesse agir, foi transferido para a Tunísia. Porém, na véspera de sua partida, o tenente-coronel comunicou suas suspeitas a seu advogado que, por sua vez, as revelou a Auguste Scheurer-Kestner, deputado liberal e vice-presidente do Senado. Para o deputado, a determinação das Forças Armadas em preservar sua “honra” minava o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, um conceito que incorpora a própria essência de qualquer governo republicano. E, tanto ele quanto outros deputados liberais iniciaram uma campanha pela reabertura do caso, com um novo julgamento. Desde a condenação a família de Dreyfus estava se movimentando para conseguir a reabertura do processo. Mathieu, irmão de Alfred, conseguiu um fac-símile do memorando original usado para a acusação e o submeteu a vários peritos que, em poucas semanas, determinam que a letra era, com efeito, de Esterhazy, não de Dreyfus. Quando a informação chegou à imprensa, o exército não teve outra saída a não ser levar Esterhazy à corte
marcial. Ainda que sobre ele pesassem graves provas, mesmo assim foi absolvido. Os juízes militares acreditavam que as dúvidas levantadas contra a sentença imposta a Dreyfus atingiriam em cheio as Forças Armadas, enfraquecendo seu poder de mando e seu prestígio. Um exército falível significava uma França fragilizada. A versão original da traição judaica seria mantida a qualquer preço. Theodor Herzl, então um jovem jornalista sediado em Paris, disse posteriormente que o Caso Dreyfus convenceu-o de que não havia nenhum lugar seguro para os judeus na Diáspora, o que tornava imperativo terem seu próprio Estado. Em 1898 o “Caso Dreyfus” incendiou a opinião pública francesa e dilacerou o país, que se dividiu em dois campos: de um lado, os que acreditavam na culpa de Dreyfus e viam como justa sua condenação, opondo-se, portanto, à reabertura do processo – de outro, os que acreditavam na inocência do condenado e denunciavam as irregularidades do julgamento, lutando pela revisão imediata do processo. A família de Dreyfus e Bernard Lazare, um influente jornalista judeu, conseguiram o apoio de figuras públicas, como os escritores Anatole France e Émile Zola, e de políticos republicanos, como George Clemenceau e Aristide Braind. Pouco depois, Lazare publicou um trabalho chamado “O erro judiciário: a verdade sobre o caso Dreyfus”. Em agosto daquele ano os acontecimentos chegaram ao clímax. Um parente de Esterhazy denunciou que as “provas” secretas contra Dreyfus eram um embuste. O novo chefe das Forças Armadas, General Cavaignas, apesar de não ser partidário da República nem amigo dos judeus, viu-se obrigado a investigar as acusações. Convocou Henry e exigiu a entrega imediata do suposto “dossiê secreto” do Caso Dreyfus. Descobriu, em questão de
Horizonte piração, complô, falso testemunho, mentira e fraude. Dez dias mais tarde, Zola foi preso. Processado, foi condenado a um ano de prisão e ao pagamento de 3.000 francos de multa, além de posterior exílio na Inglaterra. O proprietário do L’Aurore, por sua vez, foi condenado a 4 meses de prisão e 3.000 francos de multa. Em junho de 1899 o caso foi finalmente reaberto. O presidente eleito, Émile Loubet, liberal e defensor convicto de Dreyfus, preparou a revisão do processo. Além de dividir a França, o Caso Dreyfus estava assumindo Theodor Herzl, então um jovem jornalista sediado em Paris, disse posteriormente que o Caso Dreyfus proporções internacionais, convenceu-o de que não havia nenhum lugar pondo em risco a tão acalenseguro para os judeus na Diáspora, o que tada entrada de investimentos tornava imperativo terem seu próprio Estado. estrangeiros para a grande Exposição Internacional de 1900, em Paris. No fim do século 19, a doutrina de minutos, que os documentos entregues igualdade perante a lei ocupava um pelo coronel Henry – forjados por ele plano importante e o seu desrespeito próprio – eram falsos. Henry admitiu despertava mais indignação do que o crime e foi sumariamente preso. Na um pogrom*. mesma noite, suicidou-se na prisão. O Dreyfus, que desde o início de Caso Dreyfus estava em plena eferves- 1895 apodrecia, já meio enlouquecicência. Aumentavam as pressões po- do, em uma cela na Ilha do Diabo, foi pulares para um novo julgamento. Um trazido de volta para a França. Nos dos mais conhecidos símbolos dessa anos em que ficara preso acreditava luta foi a célebre “Lettre à la France” ter sido esquecido, pois nunca lhe fora (Carta à França), de autoria de Émile revelado o furor que sua prisão provoZola, endereçada ao então presidente cara na França. francês, Félix Faure, intitulada “J´AcA Corte de Cassação, o mais alto cuse!” (“Eu acuso!”). Publicada na edi- Tribunal de Justiça da França, anulou ção do dia 13 de janeiro de 1898, o veredicto anterior e determinou a foi impressa em letras enormes na pri- realização de novo julgamento militar, meira página do jornal L’Aurore, que desta vez aberto ao público, na cidateve mais de 300 mil exemplares ven- de portuária de Rennes. Centenas de didos em um só dia. No artigo, Zola jornalistas de vários países assistiram, revelou sua profunda indignação estarrecidos, ao espetáculo de ódio e diante da teia de intrigas e preconceitos que envolveram o caso. Acusou, um a um, os ministros do governo e os oficiais do Estado-Maior de cons- Movimento popular de violência contra os judeus.
preconceito despudorados contra o acusado. Não havia dúvida de que o único objetivo era confirmar a condenação do réu. Apesar de todas as irrefutáveis evidências da falsificação das provas e de que o traidor era Esterhazy, em apenas uma hora os oficiais do tribunal voltaram a pronunciar o veredito de culpado a Dreyfus, desta vez condenando-o a “apenas” dez anos de prisão. A sentença provocou indignação generalizada na França e no resto do mundo. Em uma tentativa de pacificar o país e o capital estrangeiro, o presidente Émile Loubet indultou Dreyfus em 19 de setembro de 1899. O perdão devolvia-lhe a liberdade, mas não a dignidade perdida. Dentre os defensores do oficial judeu havia quem o criticasse por ter aceitado o indulto. Para estes, ele respondeu que não teria sobrevivido mais tempo na prisão e, morto, não poderia continuar lutando para provar sua inocência, o que, de fato, fez. Em junho desse mesmo ano, Émile Zola, uma das mais fortes vozes da defesa de Dreyfus, fora autorizado a regressar do exílio na Inglaterra. O grande defensor não conseguiria, no entanto, ver a reabilitação de Dreyfus. Foi encontrado morto, asfixiado, em seu apartamento, em circunstâncias misteriosas e, até hoje, não esclarecidas, em 29 de setembro de 1902. Em seu enterro, Dreyfus foi publicamente insultado. Somente em 1906, quando Clemenceau, um dos defensores de Dreyfus, assumiu a presidência da França, fez-se justiça. Em 12 de julho desse ano, a Corte de Cassação finalmente anulou o julgamento de Rennes e o capitão Dreyfus foi reabilitado, reintegrado ao exército como major e condecorado com a Legião de Honra. Em paralelo, Picquart foi nomeado ministro da Guerra. A resposta da Justiça foi tardia e foi preciso recorrer a um subterfúgio
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Em 1985, o presidente François Mitterrand ofereceu uma estátua de Dreyfus à Escola Militar, mas o Exército recusou-se a exibi-la.
legal, pois, como ressaltou Hannah Arendt, renomada cientista política judia, a Corte de Cassação não tinha competência legal para julgar casos
militares. Somente um tribunal militar poderia reverter o veredicto dado por um outro tribunal militar e nenhum destes jamais chegou a fazer a pronúncia da não-culpabilidade de Dreyfus. Em 1985, o presidente François Mitterrand ofereceu uma estátua de Dreyfus à Escola Militar. O Exército recusou-se a exibi-la e, hoje, ela está exposta nos Jardins das Tulherias. Somente em 1995, mais de um século após a deportação do capitão para a Ilha do Diabo, sua inocência foi reconhecida pelas Forças Armadas. Esse fato ocorreu apenas depois que um historiador oficial do
Exército provocou um escândalo ao questionar publicamente a injustiça humana e histórica cometida. (extraí■ do de www.morasha.com.br)
Bibliografia: – Sachar, Howard, The Course of Modern Jewish History, Vintage Books, 1990 – Cain, Fabrice, “L’Affaire Dreyfus”, publicado em março de 1994 no Rak Rega, publicação do Departamento de Juventude e Hehalutz do O.S.M. – Baltz, Matthew, “The Dreyfus Affair, Its Causes, and its Implications”, 25 de janeiro de 1999. – Schechter, Ronald, “The Ghosts of Alfred Dreyfus”, publicado no jornal “Forward, The Jewish Daily”, 7 de julho de 2006.
Uma viagem ao mundo de Anne Frank Milhões de pessoas leram “Anne Frank: Diário de uma Jovem”, obra que narra o cotidiano de uma garota judia e sua família, de 1942 a 1944, enquanto viviam no anexo secreto, um esconderijo em Amsterdã (Holanda). O diário é um comovente testemunho sobre a maldade perniciosa dos nazistas. Sobre a obra, o escritor soviético Ilya Ehrenburg escreveu: “Uma voz fala pelos 6 milhões de judeus mortos; a voz não é de um sábio, nem de um poeta, mas de uma jovem como tantas e tantas outras”. A voz de Anne revestiu o Holocausto de uma face tangível, dando-lhe uma dimensão mais fácil de ser entendida, apesar da dificuldade da mente humana em lidar com tamanho horror. Ao ler o diário, o leitor é pessoalmente confrontado com a realidade da perseguição contra os judeus, sen-
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do, portanto, compreensível o interesse em ver de perto o lugar onde Anne, a mais conhecida e discutida vítima do Holocausto, escrevia. Desde a primeira publicação do diário, em 1947, o “Anexo” tem sido visitado por milhares de pessoas. Em 1960 foi transformado no museu denominado The Anne Frank House. A visita ao museu é uma viagem no tempo ao mundo de Anne, dos “ocupantes” do “Anexo” e de seus “Ajudantes” – os quatro funcionários de Otto Frank, pai de Anne, que os ajudaram e protegeram nos dois anos em que viveram escondidos. O pano de fundo são os terríveis anos da Shoá (Holocausto). Há, no entanto, uma diferença em relação ao livro. Enquanto a narrativa do diário termina alguns dias antes dos ocupantes serem presos pela Gestapo (a polícia política nazista), o museu vai além, revelando o
Anne Frank.
destino de cada um deles mediante imagens, documentos e depoimentos. Para recordar o 75º aniversário do nascimento da jovem, o museu publicou o livro Inside Anne Frank’s House, an Illustrated Journey through Anne’s
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Otto Frank, pai de Anne.
O diário de Anne.
World (Por Dentro da Casa de Anne Frank – Uma Jornada Ilustrada Através do Mundo de Anne). O título da obra revela o intuito de seus editores – permitir a um número ainda maior de pessoas conhecerem a adolescente e o mundo em que viveu. Não há dúvida de que as imagens reproduzidas são parte do testamento e do legado de Anne, que permanece vivo. Um legado sobre o qual ela se manifestou no dia 5 de abril de 1944, ao escrever: “Eu quero continuar a viver depois da minha morte e, por isso, sou grata a Deus por ter me presenteado com o dom de escrever, de conseguir expressar tudo o que está dentro de mim”.
uma franquia, a Opekta Works, para a comercialização de pectina, substância usada na fabricação de geléias. Edith, Anne e a irmã Margot se juntaram a ele, tempos depois. Em Amsterdã, voltaram a desfrutar de liberdade e relativa tranqüilidade, apesar das alarmantes notícias sobre a intensificação da discriminação aos judeus em outras partes. Nem a tolerante e pacífica Holanda conseguiu escapar da fúria que se abateu sobre a Europa. Em maio de 1940, os exércitos alemães ocuparam o país, a monarquia foi deposta e o austríaco Artur Seyss-Inquart, conhecido por seu brutal anti-semitismo, assumiu o governo, dando início à campanha de perseguição judaica. Otto, que não tinha ilusões sobre os nazistas, imediatamente tomou medidas para proteger sua família. Em setembro de 1941 transferiu a titularidade da firma a um dos ajudantes, Johannes (Jo) Kleiman, apesar de continuar à frente do empreendimento. Kleiman o ajudou a planejar o “mergulho”, como era chamada a passagem de judeus para a vida na ilegalidade. Eles transformaram num esconderijo perfeito um anexo vazio na casa 263 da rua Prisengracht. Era um prédio atrás do escritório onde ficava
Uma curta vida A vida da jovem destinada a ser a voz dos milhões de judeus mortos durante o Holocausto foi curta, mas significativa. Annelise Marie nasceu em 12 de junho de 1929, em Frankfurt, e era a segunda filha de Otto e Edith Frank, abastados judeus alemães. Os pais a chamavam de Anne. Em 1933, com a ascensão de Adolf Hitler ao poder, os Frank decidiram viver em Amsterdã, na Holanda. Otto se mudou imediatamente, pois se apresentara a oportunidade de montar
o depósito da firma. Algum tempo depois, Otto pediu ajuda a mais três antigos e fiéis funcionários: Victor Krugler, Miep Gies e Bep Voskuij. Junto com Jo Kleiman, compunham o quarteto dos “Ajudantes”. No dia do seu 13º aniversário, 12 de junho de 1942, Anne recebeu de presente um diário. Ela não imaginava a importância que este teria. Quando, em 5 de julho, sua irmã Margot foi convocada pela Gestapo, os Frank decidiram que não podiam adiar nem mais um minuto o “mergulho”. Assim,
Margot, Otto, Anne e Edith Frank em Merwedeplein (Amsterdã), 1941.
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Vista atual da casa de Anne Frank.
no dia seguinte, passaram para a clandestinidade. Uma semana mais tarde, juntou-se a eles o casal Van Pels, sócios e amigos, e o filho Peter. Em novembro chegou o último ocupante, Fritz Pfeffer. Um velho rádio, ao qual viviam colados, era, além dos “Ajudantes”, seu único contato com o mundo exterior. Todos os cuidados eram necessários para que a vizinhança e os demais funcionários da empresa, principalmente os que trabalhavam no depósito, não suspeitassem que ali havia judeus escondidos. Surpreendendo pela sua maturidade apesar dos 14 anos, Anne descreveu no diário, com pormenores, seu cotidiano e o dos outros “ocupantes”. A sensação de estarem presos sem poder ver ainda que uma nesga do céu e o medo de serem descobertos estavam sempre presentes. Em vários trechos Anne dá detalhes das crescentes restrições e perseguições nazistas contra os judeus. Em março de 1944, a adolescente ouviu uma transmissão da rádio inglesa em que Gerrit Bolkestein, ministro do governo holandês no exílio,
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convidava os cidadãos a preservarem documentos e histórias pessoais sobre a guerra. A jovem então decidiu que, ao término do conflito, publicaria um livro baseado em seu diário. Apesar do medo e do sofrimento, Anne ainda nutria esperanças – prova de que desconhecia a real face do Holocausto. Em uma de suas últimas anotações, em 15 de julho de 1944, escreveu: “Vejo o mundo se transformar, gradualmente, em um grande deserto, ouço o trovão se aproximando, o mesmo que nos destruirá a todos. Sofro com o sofrimento de milhões e, no entanto, se levanto os olhos aos céus, sei que tudo acabará bem, toda essa crueldade desaparecerá...”. O diário de Anne Frank termina no dia 1º de agosto, três dias antes de sua prisão. Foram as últimas palavras que escreveu.
A prisão Em 4 de agosto de 1944, após a denúncia, a Gestapo invadiu o escritório da empresa e imediatamente se dirigiu à entrada do “Anexo Secreto”, obrigando Victor Kugler a abri-lo. Seus ocupantes, o próprio Victor e Jo Kleiman foram presos. Assim que os nazistas deixaram o local, Miep Gies e Bep Voskuijl voltaram ao esconderijo e encontraram cadernos e anotações de Anne espalhados pelo chão, que recolheram e guardaram juntamente com vários álbuns de fotos. As jovens decidiram, então, que Miep os guardaria para devolvê-los a Anne assim que a guerra terminasse. A mobília do Anexo foi confiscada e removida, por ordem da Gestapo.
A entrada para o “Anexo”, escondida por uma estante de livros.
Os presos tiveram destinos diferentes. Os oito ocupantes foram levados para o campo de trânsito de Westerbork, de onde saíam os trens “rumo ao Leste”. Por não serem judeus, os dois “Ajudantes”, Victor e Johannes, foram enviados para Amersfoort, um campo de trânsito. Kleiman acabou sendo libertado e Kugler conseguiu fugir. No dia 3 de setembro todos os ocupantes do Anexo foram juntados a outros mil judeus, no último trem que saiu de Westerbork para Auschwitz, na Polônia. Testemunhas contam que Anne, Margot e Edith ficaram juntas até as duas irmãs serem transferidas, em outubro, para Bergen-Belsen, na Alemanha. No mês seguinte, Edith adoeceu, morrendo em janeiro de 1945, aos 44 anos. Em Bergen-Belsen, para onde as jovens foram levadas, as condições de vida eram ainda piores que em Auschwitz e as duas irmãs logo contraíram tifo. Doente e muito fraca, Margot não resistiu, vindo a falecer em março, com apenas 19 anos. A morte da irmã fez em Anne o que nada até então fora capaz de fazer – quebrar seu espírito. Alguns dias mais tarde, faleceu. Não se sabe ao certo quando, mas a data universalmente aceita é 31 de março de 1945. Anne tinha 15 anos.
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O casal Van Pels.
Fritz Pfeffer.
Apenas algumas semanas depois, em 15 de abril, o campo foi libertado pelo exército inglês. Das oito pessoas do “Anexo Secreto”, apenas Otto sobreviveu, por milagre. Havia sido enviado para o barracão de doentes de Auschwitz, em novembro de 1944, enquanto outros prisioneiros do campo, cerca de 11 mil, evacuados pelos nazistas à medida que os russos avançavam, foram levados a pé nas terríveis Marchas da Morte, das quais poucos sobreviveram. E o pai de Anne se encontrava ainda lá quando, no dia 27 de janeiro de 1945, o campo foi libertado pelas forças soviéticas. Dos 140 mil judeus que viviam na Holanda e se registraram junto às autoridades alemãs, 107 mil foram deportados. Desse total, apenas 5.500 retornaram. Cerca de 24 mil pessoas conseguiram esconder-se, 8 mil das quais foram capturadas. Apenas 35 mil judeus conseguiram sobreviver ao Holocausto na Holanda. Ou seja, 70% dos judeus holandeses foram vítimas da Shoá, um índice superior a qualquer outro registrado nos países ocupados pela Alemanha, na Europa Ocidental. A viagem de Otto de volta para Amsterdã durou vários meses. No tra-
jeto, foi informado por uma amiga de Edith sobre a morte dela, em Auschwitz. Em junho, ele chegou à capital holandesa, onde encontrou, ainda funcionando, sua empresa Opekta, agora dirigida por Jo Kleiman. Procurou, desesperado, qualquer informação sobre o paradeiro das duas filhas, mas no mês seguinte foi obrigado a aceitar o fato de que não haviam sobrevivido. Miep lhe entregou então os cadernos que encontrara, dizendo: “Este é o legado de sua filha Anne para você”. Otto nunca desconfiara da existência daqueles registros. Estimulado por amigos, decidiu publicar o diário, mas não encontrou nenhuma editora interessada. Os manuscritos acabaram nas mãos do casal Romein, historiado-
res holandeses. Impressionado com o material, o Dr. Romein escreveu um artigo, “A Voz de uma Criança”, para o renomado jornal Het Parool, onde afirmou: “Este diário de aparência infantil incorpora toda a hediondez do nazismo de forma muito mais visível e contundente do que todo o conjunto de evidências apresentadas perante o Tribunal de Nuremberg”. O artigo despertou o interesse de uma editora e, em junho de 1947, o “Diário de Anne Frank” foi publicado na Holanda, pela primeira vez. Otto conseguira realizar o desejo da filha: ser escritora. Desde sua publicação, o “Diário” foi traduzido para 67 idiomas, tornando-se um dos livros mais lidos no mundo. Seu texto deu origem a produções de televisão, cinema, teatro e, até mesmo, uma ópera.
Museu Anne Frank Como vimos acima, a publicação da primeira edição do “Diário” despertou o interesse do público sobre o local onde aconteceram os eventos narrados por Anne. Assim, de maneira informal, começou a visitação ao “Anexo Secreto”. Entre 1950 e 1953, a construtora Berghaus, interessada na aquisição de propriedades antigas para transformálas em novas edificações comerciais, adquiriu vários imóveis da rua Prinsengracht, inclusive a casa onde ficava
O campo de concentração de Bergen-Belsen.
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Horizonte o Anexo. Paralelamente, crescia a fama do “Diário”. Nos Estados Unidos anunciou-se também o projeto de montagem de uma peça. O diretor do espetáculo visitou o Anexo e pediu à fotógrafa Maria Austria fotos detalhadas de todos os ângulos do local. Quando a peça “O Diário de Anne Frank” estreou na Holanda, em novembro de 1956, fez aumentar, ainda mais, a fama do esconderijo. Otto Frank passou a se dedicar integralmente ao diário da filha. Com a ajuda principalmente de Kleiman, lutou pela preservação do edifício onde a família se escondera. Entre a população de Amsterdã havia um consenso geral de que o local deveria ser preservado. O jornal holandês Het Vrije Volk organizou, em 23 de novembro, data em que o prédio seria derrubado, um protesto no local contra a demolição. Como resultado, a empresa recebeu ordens de interromper os trabalhos. O governo municipal de Amsterdã, em troca, ofereceu à companhia um terreno alternativo. No dia 3 de maio de 1957 foi criada a fundação The Anne Frank House que visa a preservação e a renovação do número 263 da Prisengracht, além da divulgação do legado de Anne. Em outubro, a construtora Berghaus fez a doação oficial do prédio. Após dois anos de restauração, no dia 3 de maio de 1960, a Anne Frank House foi oficialmente aberta ao público. Mais de nove mil pessoas passaram pelo local, em seu primeiro ano, multiplicando-se rapidamente este número na década seguinte. O volume crescente de visitantes tornou necessárias algumas reformas – a primeira, em 1970. As demais ocorreram entre 1996 e 1999, sendo ampliado o museu. Foram incorporados novos espaços para exposições, um novo prédio foi construído próximo ao museu, facilitando a reconstituição da frente da casa – onde ficava o esconderijo – ao seu estado original.
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Notícias de Israel, junho de 2007
Os escritórios, que ficavam em frente, foram reconstruídos exatamente como eram em 1940. Os trabalhos duraram até 1999. Durante todo o tempo da reforma o “Anexo Secreto” permaneceu aberto ao público. Em 2004, o museu recebeu aproximadamente um milhão de visitantes. O local é estruturado para contar a história das oito pessoas que lá se refugiaram e também daqueles que as ajudaram. Os visitantes podem ver de perto objetos pessoais dos ocupantes como, por exemplo, um pôster com fotos de artistas de cinema colocado na parede por Anne; um papel de parede no qual Otto Frank registrava a altura de suas filhas em fase de crescimento e um mapa no qual marcava os avanços das forças aliadas. Nos quartos estão expostos trechos do diário de Anne, para que as pessoas possam ter uma idéia de como transcorriam os dias no “Anexo Secreto”.
Viagem no tempo O livro Inside Anne Frank’s House conduz os leitores através da mesma rota que os visitantes fazem no tour pela casa e reproduz páginas do “Diário” expostas no museu, bem como o testemunho de Otto e de várias pessoas que ajudaram ou tiveram contato com a jovem. Há também comentários sobre o impacto que suas impressões causaram nos leitores. Muitas das fotografias em preto e branco, tiradas em 1954 por Maria Austria, podem ser vistas no livro. Foram também incluídas outras imagens coloridas do mobiliário provisório, para que os leitores pudessem ter uma melhor percepção da vida dos ocupantes do “Anexo Secreto”. Através de imagens da família Frank, da casa, dos amigos de Anne e das pessoas que os ajudaram, podese reviver a época. Essa documentação fotográfica representa parte crucial na reconstituição da história dos
judeus durante a 2ª Guerra Mundial e do Holocausto. Coloridas ou em preto e branco, as imagens provocam profunda emoção. Em 9 de abril de 1944 Anne escreveu: “Um dia, esta guerra terrível acabará. Há de chegar a hora em que novamente seremos considerados seres humanos e não apenas judeus”. Como já dissemos, seu diário termina no dia 1º de agosto de 1944. Ela não deixou nada escrito sobre os meses que passou nas mãos dos nazistas e sobre os campos de concentração. Anne Frank tornou-se para muitos a “face” de milhões de vítimas da Shoá, sem rosto e sem nome. O escritor Primo Levi, que sobreviveu a Auschwitz, explica: “Uma única Anne Frank nos emociona mais do que milhares de outros que sofreram tanto quanto ela, mas cujos rostos permaneceram na sombra. Talvez seja melhor desta forma, pois se tivéssemos que absorver o sofrimento de todas essas pessoas, talvez não estaríamos mais vivos”. (extraído de www.morasha.com.br) ■
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