Principais Conceitos da Psicologia Analítica de Jung Semelhanças e Diferenças entre a Psicanálise de Freud e a Psicologia Analítica de Jung, Principais conceitos de Jung e características da prática clínica junguiana
desses temas nos homens e em fazer analogia com o funcionamento da psique. Hoje elas são consideradas duas abordagens diferentes dentro da psicologia, mas é importante saber que a psicologia analítica possui muitos fundamentos da psicanálise, pois tem esta em sua base. A análise junguiana está então, dentro da corrente psicanalítica, porque trabalha com o inconsciente.
Para abordar esse tema, é preciso primeiro
Ambas consideram de suma importância para o
conhecer alguns dos principais tópicos da teoria
trabalho analítico a análise do inconsciente
de Carl Gustav Jung e também um pouco de
(inclusive no trabalho com sonhos) e utilizam o
sua trajetória. Jung atuava na psiquiatria
discurso verbal como ferramenta. Porém, a
quando conheceu o trabalho de Freud que, na
psicanálise faz uso da associação livre, que
época, já se coadunava com seu pensamento e
consiste em deixar o paciente falar livremente o
passou a contribuir muito para o atendimento
que lhe vem à cabeça, para que tudo seja
de seus pacientes.
objeto de análise.
Assim começou a união entre esses dois
E a postura do analista seria a de um
pensadores, o que colaborou muito para o
observador e ouvinte que analisa tudo que o
crescimento pessoal e profissional de ambos,
paciente traz, colocando-se atrás do mesmo
possibilitando o surgimento e desenvolvimento
para não interferir em seu processo e deixá-lo o
de duas grandes teorias da psicologia, um
mais a vontade possível. Pelo menos foi essa a
legado muito valioso nos consultórios, entre
postura que Freud passou na época, com o uso
outras áreas, até os dias de hoje.
do divã.
Duas teorias foram citadas porque eles não
Na psicanálise o analista deixa o paciente
permaneceram unidos por muito tempo. Isso
livremente, mas não tanto assim, fazendo
porque após divergências em seus
intervenções quando necessário e conduzindo
pensamentos, foi necessário que cada um
ou orientando o discurso, não de maneira a
seguisse e desenvolvesse seu próprio caminho.
influenciar, mas de modo a manter o indivíduo
Dessa maneira, Freud continuou enriquecendo
em seu discurso, não permitindo que ele perca
sua psicanálise e Jung criou sua psicologia
o foco e vá para caminhos que, muitas vezes,
analítica, estudando em paralelo temas como
podem ser distrações a serviço da resistência e
mitologia, cultura e literatura, religião e
de mecanismos de defesa. A postura do analista
alquimia e os utilizando em sua teoria,
nesse caso já é diferente, pois ele se coloca
interessado em saber os efeitos psíquicos
como uma outra personalidade a frente do
paciente, mostrando-se como uma outra
protegido, tanto pela relação terapêutica
pessoa passando pelos mesmos processos que
quanto pela própria caixa. Todas essas técnicas
o outro, apenas mais analisado e treinado para
proporcionam o diálogo entre consciente e
que possa ajudá-lo. Com isso, Jung defendia
inconsciente, ativando o desenvolvimento da
que a personalidade do analista está envolvida
personalidade.
e também era um dos fatores que determinava
Dois fatores foram decisivos na cisão do
aquela relação e aquele processo. Defendia
relacionamento entre Jung e Freud, suas
ainda, que ambos estavam numa jornada,
discordâncias a respeito da natureza do
aprendendo, se descobrindo e se influenciando
inconsciente e sobre a libido. Para Freud o
mutuamente, em busca de seus inconscientes.
inconsciente é visto como o repositório de
Jung compartilhava com Freud a questão da
memórias e pulsões negadas e/ou reprimidas
transferência, porém, colocou uma diferença.
da consciência desde o nascimento até a morte
Jung acrescentou que o analista deve ter
da pessoa, cujos conteúdos são oriundos
conhecimento da transferência que está
principalmente da infância e lutam sempre para
acontecendo ali, mas que não deve fazer uso
vir à consciência. Sua manifestação trazia à tona
dela. Deve, portanto, ter cuidado diante disso,
o que a censura permitia passar pelos
pois o paciente fica muito frágil e suscetível
mecanismos de defesa. Nos sonhos, as imagens
diante do analista, assim como qualquer pessoa
oníricas vinham o mais disfarçadamente
transferida por outra.
possível, para que pudesse passar pela censura, e possuíam o objetivo de realização de desejos
A Psicanálise utiliza também outras
reprimidos ou vinham simplesmente porque
ferramentas além do discurso verbal. Elas
eventos da vida ou conflitos interiores surgiam
podem ser expressões artísticas de todos os
incomodando a consciência, fazendo com que
tipos, como desenhos, pinturas e argila, por
tais conteúdos se manifestassem através dos
exemplo. Também a amplificação, que
sonhos.
possibilita a associação de mitologia e contos de fadas ao discurso do paciente, seja ele o
Jung partilhava dessa opinião, mas acrescentou
relato de um sonho, fantasia, ou até mesmo de
que, além disso, o inconsciente possuía outro
alguma situação de vida. Há ainda a imaginação
aspecto além do pessoal, que seria sua
ativa, que já existia entre os alquimistas, e que
parte coletiva, onde estariam presentes os
consiste em uma interação com os conteúdos
arquétipos, que são imagens primordiais
do inconsciente através de sua personificação.
herdadas por todos devido ao fato de tais
Ou seja, seria imaginar livremente (utilizando a
situações terem se repetido tantas vezes nas
intuição e o sentimento, e não a razão) tais
psiques na história da humanidade. Para Jung
conteúdos específicos em questão e também
as imagens dos sonhos e das fantasias não vêm
seu relacionamento com eles vivos. Outra
daquela forma difícil de ser entendida porque a
técnica utilizada é a caixa de areia, onde o
censura atua para que o sujeito não se depare
sujeito pode manusear a areia seca ou molhada
com o material recalcado, mas sim porque é
e acrescentar miniaturas, criando cenários em
próprio do inconsciente se comunicar de forma
um ambiente ao mesmo tempo livre e
simbólica (e o próprio conceito de símbolo diz
que nunca poderemos esgotá-lo totalmente,
encarando-os de forma mais saudável,
ficando um aspecto seu sempre inconsciente),
mudando para objetos e objetivos mais
ou seja, não porque vem disfarçado, mas sim
saudáveis. Para Jung o objetivo da análise era a
porque o inconsciente só sabe se manifestar
individuação, um caminho que cada um
dessa maneira, não possuindo uma linguagem
percorre de forma única e individual na direção
mais semelhante a que temos na consciência.
de sua unidade interna através de forças
Por isso é importante saber as associações do
interiores que sempre objetivam levar os
paciente, pois se o inconsciente dele usou tais
indivíduos ao centro de seu interior, o Self.
imagens, é importante ver a relação que ele tem com elas. O objetivo do inconsciente é passar uma mensagem, ser reconhecido e integrado, compensar a atitude da consciência e proporcionar maior plenitude ao homem, e só não faz isso de forma mais clara porque não possui as ferramentas necessárias, fazendo então à sua maneira, mas isso não significa que ele tenta dificultar disfarçando, para proteger a consciência. Para Freud a libido era considerada uma energia psíquica que direciona o sujeito na busca de prazer e estava relacionada aos fenômenos psicossexuais, mudando de objeto à medida em
Conceitos Junguianos Jung cresceu em uma casa que possuía
que o homem ia amadurecendo, como nas
uma enorme biblioteca, onde ele leu inúmeros
fases de seu desenvolvimento (oral, anal e
assuntos diferentes e com isso foi um estudioso
fálica), sempre buscando a maturação sexual,
das mais diversas áreas, como as religiões
caracterizada por um forte Eu e a capacidade de
orientais, a alquimia, a parapsicologia e a
retardar o desejo por recompensas. Jung
mitologia, entre outras. Dessa forma, sua
defendia que a libido não tinha somente a
análise sobre a natureza humana leva em
natureza sexual, mas tinha um sentido mais
consideração todos esses assuntos e isso faz
amplo, se manifestando por qualquer
com que ele desperte interesse e seja estudado
necessidade do indivíduo, à medida e no
por várias áreas além da psicologia.
momento que ela fossem surgindo, como a fome, a sede, a sexualidade, a intelectualização
Um dos principais conceitos de Jung e, pode-se
etc.
dizer, o objetivo de todo homem para ele, é o
Freud acreditava que não era possível uma cura
da individuação, que seria um processo de
completa, mas que a análise poderia ajudar a
desenvolvimento pessoal que envolve o
pessoa a abrandar as dificuldades inerentes à
estabelecimento de uma conexão entre o ego,
condição humana e, principalmente, entender e
centro da consciência, e o Self, centro da psique
transformar os traumas infantis, deixando de
total, o qual, por sua vez, inclui tanto a
ficar presa a eles de forma neurótica, mas
consciência como o inconsciente. Para Jung,
existe interação constante entre a consciência e
A função pensamento discrimina, julga e
o inconsciente, e os dois não são sistemas
classifica os fenômenos a partir da lógica da
separados, mas dois aspectos de um único
razão, buscando avaliar objetivamente os “prós”
sistema, por isso é tão importante manter a
e “contras” da natureza desses fenômenos.
comunicação e o equilíbrio do eixo ego-Self.
Nomeia e conceitua os objetos. De uma forma
A psicanálise junguiana está basicamente
sintética, a função pensamento exprime o que é
interessada no equilíbrio entre os processos
um objeto. Estabelece a relação lógica e
conscientes e inconscientes e no
conceitual entre os fatos percebidos. A
aperfeiçoamento do intercâmbio dinâmico
função sentimento faz a avaliação dos
entre eles, lutando sempre contra a
fenômenos a partir de uma dimensão valorativa
unilateralidade e buscando sempre o equilíbrio
– eles são agradáveis ou não. Tal como o
entre os pares de opostos, conscientizando-os e
pensamento, julga, porém, não pela lógica da
integrando-os à consciência através da
razão, mas pela lógica de valores pessoais –
comunicação do eixo ego-Self, mas sem cair na
que, por sua vez, recebe influências dos valores
enantiodromia, que seria passar de um oposto
sociais. O conceito de sentimento não deve ser
a outro sem fazer as devidas transformações e
confundido com os conceitos de emoção e
sem encontrar o equilíbrio entre eles.
afeto. Os sentimentos estão associados a uma
Em relação à consciência, Jung desenvolveu as
dimensão valorativa de julgamento, já a
atitudes de extroversão e introversão, e as
emoção é um afeto de grande intensidade de
funções psicológicas pensamento, sentimento,
energia chegando a alterar funções orgânicas,
sensação e intuição, usando tais conceitos no
tais como batimento cardíaco e ritmo
que chamou de Tipos Psicológicos. Segundo ele
respiratório alterados por afetos de amor, ódio,
todos possuímos ambas as atitudes e ambas as
ciúme, entre outros. A
funções, apenas em diferentes proporções, o
função sensação privilegia as informações
que faz com que uns sejam mais extrovertidos,
recebidas pelos órgãos dos sentidos,
outros mais introvertidos, uns possuam mais
constatando a presença sensorial das coisas
desenvolvidas uma função em detrimento de
que nos cercam no contexto do “aqui e agora”.
outras etc.
Corresponde à soma total das percepções dos
A extroversão é uma atitude objetiva e
fatos externos que ocorrem através dos órgãos
a introversão é uma atitude subjetiva. Essas
dos sentidos. Por fim, a função intuição vai
duas atitudes se excluem mutuamente, pois
além da percepção (sensação), buscando os
não podem coexistir simultaneamente na
significados, relações e possibilidades futuras
consciência embora possam alternar, e
das informações recebidas.
realmente o façam, uma com a outra. Uma
Trata-se de uma apreensão perceptiva dos
pessoa pode ser extrovertida em determinadas
fenômenos (pessoas, objetos e fatos) pela via
ocasiões e introvertida em outras. Entretanto
inconsciente. A intuição “vê” a natureza “oculta”
geralmente predomina uma dessas duas
desses fenômenos. A função intuição está
atitudes num determinado indivíduo durante a
associada a um tipo de percepção que antevê
sua existência.
possibilidades de acontecimentos. Corresponde aos pressentimentos, palpites e impressões.
Pensamento e Sentimento são funções
Conforme a criança vai crescendo, os primeiros
racionais e Percepção e Intuição são funções
grupos sociais com quem convive são a família
irracionais. E as funções psíquicas formam dois
e a escola. Nesses ambientes ela percebe que
pares de funções opostas, entretanto,
recebe aprovação por algumas coisas que faz e
complementares: o pensamento é oposto,
reprovação por outras, experimentando bons
porém, complementar ao sentimento. E a
sentimentos e recompensas nas primeiras, e
sensação é oposta, porém, complementar à
ruins na segunda situação. Com isso ela
intuição.
aprende a fazer mais aquilo que recebe aprovação, pois precisa do amor e da aceitação
Jung também estruturou as funções em função
desses primeiros grupos sociais, principalmente
principal, que é a mais desenvolvida pelo
dos pais e professora, para que possa se
sujeito, é usada de forma consciente; função
desenvolver de maneira confiante e saudável.
auxiliar, que é a segunda mais desenvolvida,
Dessa maneira ela começa a desenvolver o
também utilizada de forma consciente, auxilia a
arquétipo da persona, que seriam os diferentes
função principal; função terciária, que possui
papeis sociais que as pessoas desenvolveriam
desenvolvimento rudimentar, age num plano
para que pudessem conviver e se adaptar em
mais inconsciente; e função inferior, que é a
sociedade. Isso é necessário para que se possa
mais indiferenciada, menos desenvolvida ou
viver de forma saudável, desde que o indivíduo
infantil, permanecendo num plano quase que
transite entre suas diferentes personas de
exclusivamente inconsciente.
maneira a não se apegar demais a apenas uma
Todos os seus outros conceitos têm mais
ou algumas, deixando outras esquecidas, o que
relação com o inconsciente. Em relação à
o manteria numa atitude unilateral, causando
dinâmica da personalidade, pode-se entender
um desequilíbrio em sua personalidade.
que no início da vida o bebê está ainda numa
Personas seriam então os papeis que ocupamos
fase indiferenciada da mãe. Por não ter
na sociedade.
desenvolvido ainda um Eu próprio, compreende
Exemplos de persona seriam a de mãe, a de
que ele e mãe são uma única individualidade,
filho, a de sogra, a de irmão, a de policial, a de
estando, portanto, numa fase urobórica, onde
médico, a de professor, a de esposa etc.
não há limites ou fronteiras onde um começa e
Saudável é quando o homem assume a persona
o outro termina. À medida que vai se
de policial no trabalho, de pai e marido em
desenvolvendo ele vai desenvolvendo as
casa, de filho na casa dos pais e assim por
pulsões de vida e de morte, e aos poucos vai se
diante. Se ele assume, por exemplo a persona
diferenciando da figura materna, constituindo-
de policial em casa, terá problemas decorrentes
se como um Eu diferenciado. Esse, porém, é
disso, tanto em sua psicologia interna, devido à
apenas o início desse desenvolvimento e dessa
unilateralidade e desequilíbrio, quanto de
diferenciação, pois durante a vida será
relacionamento com os membros da família.
necessário haver a diferenciação do ego
Outro exemplo negativo seria se assumisse no
também com o Self no processo de
trabalho e em casa sempre a persona de filho, o
individuação.
que poderia fazer com que sua esposa precisasse ser mãe dele ao invés de mulher; que
seus filhos não o respeitassem tanto ou que ele
medida que vai tendo experiências, e
disputasse coisas com eles; ou ainda que não
desenvolvendo seu inconsciente pessoal. Dessa
fosse visto como um bom profissional no
forma o ego fica no centro da consciência, mas
trabalho.
não sendo ele o todo, e sim apenas uma parte do todo que é o Self, centro da psique total.
Em consequência do arquétipo da persona,
Como já foi visto, o conceito de inconsciente
outro arquétipo começa a se formar, o
para Jung pode ser dividido em dois, o pessoal
da sombra. Na sombra estariam contidos todos
e o coletivo. Independente de qual seja, Jung
os aspectos que a criança reprimiu em si para
concebia que a linguagem do inconsciente seria
que tivesse a aceitação que desejava, fazendo
por imagens, símbolos e fantasias, por isso seria
somente as coisas que saberia que receberia
difícil decifrá-lo, por ser um tipo de linguagem
aprovação social. Além disso, a sombra também
diferente (imagens) da utilizada pela
contém aspectos que a própria pessoa
consciência (palavras). Ele também trouxe a
considera negativo, independente do social, ou
ideia de que o inconsciente possui função
ainda, aspectos que até ela mesma desconhece,
compensadora da consciência, ou seja, se o ego
por não ter consciência. Ela também pode
está muito focado em uma única direção, o
conter aspectos positivos e desconhecidos do
inconsciente se manifestaria sempre numa
sujeito, que ele desconhece ou que não
direção oposta, com a intenção de mostrar
considera positivo. A sombra, portanto, é
outro ângulo à pessoa e também para buscar o
inconsciente e por isso costuma ser projetada
equilíbrio do sistema psíquico.
no outro. Quanto maior e mais inconsciente é a sombra, mais a pessoa a projeta e mais fica em
O inconsciente pessoal para Jung se originava
desequilíbrio, o que pode lhe causar muitos
a partir do coletivo e, como Freud, também
problemas, pois sua energia psíquica está toda
considerava que continha conteúdos mentais
represada nesse seu aspecto, ficando os outros
inacessíveis ao ego, reprimidos durante a vida e
carentes dessa energia, por isso é necessário
um lugar psíquico com seu caráter, suas leis e
que a pessoa se conscientize dela.
funções próprias. Acrescentou que também
Para Jung, a criança é a extensão da AÇÃO de
conteria conteúdos percebidos apenas de
seus pais e está sujeita às influências deles,
forma subliminar. E o inconsciente
estando suas experiências posteriores e
coletivo seria a parte do inconsciente que
relacionamentos adultos, dependentes da
contém aspectos que nunca foram conscientes,
forma como irão internalizar as figuras de seus
os arquétipos, bases filogenéticas e instintivas
pais e relacionamento deles e com eles. E
da raça humana que foram herdadas pela
quando se fala em internalizar tais figuras, não
psique devido às experiências repetidas que as
necessariamente se fala da figura real, mas
pessoas foram tendo durante toda a história da
também da imagem arquetípica de mãe e de
humanidade. Nesse inconsciente estaria contido
pai. Segundo ele, ao nascer a criança tem sua
o inconsciente pessoal e seus conteúdos
consciência toda dentro do inconsciente, ou
refletem processos arquetípicos. As
seja, ela é só inconsciente coletivo. Depois, vai
manifestações do inconsciente coletivo
aos poucos expandindo sua consciência, à
aparecem como motivos universais, ou seja, se
repetem independente da época ou cultura.
naturalmente acompanhados por um afeto. Por
Inclusive foi observando isso que Jung chegou à
essa razão e pelo fato de serem sempre em
conclusão da existência desse inconsciente.
parte ou totalmente inconscientes, acabam
Exemplo disso foi o sonho que ele analisou de
sendo relativamente autônomos, o que faz com
um paciente psicótico a respeito do falo do sol
que, quando constelados por alguma situação
ser a origem dos ventos, e tempos depois ter
que tenha relação com eles, tenham o poder de
encontrado a mesma referência num mito de
tomar à frente do ego na consciência e agirem
uma antiga religião persa, tendo certeza de que
por si. Isso é possível porque a constelação faz
não tinha como o paciente ter tido acesso a
com que ganhem uma quantidade grande de
esse dado.
energia psíquica que ultrapassa a energia do ego, que só volta ao controle da consciência
Através do método da livre associação, Jung
quando a energia do complexo em questão se
identificou relações entre idéias que das quais
esvazia, fazendo com que ele perca a força e
os pacientes não podiam ter conhecimento
volte ao inconsciente.
prévio, nem por ter ouvido ou lido a respeito.
Quando totalmente inconsciente de seu
Indo adiante em suas pesquisas, ele encontrou
complexo, o ego ao retornar ao controle, pode
paralelos entre as tramas e os símbolos dos
ficar surpreso e arrependido por ter agido de tal
sonhos de todo tipo de pessoas: desde seus
maneira, não entendendo o que o levou a fazer
pacientes até prisioneiros nas cadeias
aquilo. Se a pessoa possui uma persona muito
americanas e indígenas no meio da África. Não
bondosa, provavelmente sua sombra é bem
somente, ele se deu conta que havia temas
grande e, se nem ela e nem os outros a seu
recorrentes na história da cultura humana,
redor tiverem consciência disso, o susto pode
expressos tanto na mitologia como na
ser bem grande quando o complexo da sombra,
literatura. A conclusão de Jung foi que o
por exemplo, vem à tona em alguma situação.
inconsciente não podia ser somente pessoal. Há
Por isso é tão importante conscientizar o
um nível mais profundo que é coletivo,
máximo de conteúdos ou complexos possível,
pertencente a todo indivíduo do planeta.
pois eles só assaltam a consciência quando são
(NOGUEIRA, 2010 Mai 13)
negados e reprimidos por ela, pois seu único objetivo é ser reconhecido pela mesma. Uma
Jung falou também dos complexos, seriam
vez reconhecidos, conscientizados e
grupos de ideias ou imagens carregadas
trabalhados, o sujeito poderá perceber quando
emocionalmente, que possuem em seu núcleo
estiverem sendo constelados por alguma
um arquétipo correspondente. Dessa maneira,
situação e, conscientemente, terão o poder de
os arquétipos são os núcleos dos complexos,
escolher quando e como usará seus aspectos.
existindo um para cada situação da vida, de tal
Isso é possível de ocorrer porque a energia
maneira que Jung chamou de arquétipo
psíquica do ego estará maior, uma vez que os
também o ego. Pelo fato dos complexos serem
conteúdos não estão mais tão arraigados ao
carregados de emoção, e estarem ligados a seu
inconsciente e também porque o ego mais
núcleo arquetípico por um vínculo energético,
consciente e trabalhado, estará mais fortificado.
quando constelados ou ativados, são
A conscientização dos complexos e o trabalho
coisa que a ameace. Apesar das pessoas
decorrente disso, ocorrem através do diálogo
acharem que ele é tudo, que elas são ele, ele é
entre os conteúdos do indivíduo, ou seja, não
apenas uma parte do sistema psíquico. A outra
basta só tomar consciência dos aspectos de sua
parte é o inconsciente e nele se encontra o Self,
sombra, por exemplo, é necessário ir aos
que realmente é a essência de cada um, sendo
poucos integrando-os à consciência. Isso é um
o objetivo de todos ir de encontro a esse
trabalho longo e paulatino, que deve ser feito
verdadeiro centro e se tornar ele, ou seja, a
por toda a vida e, de forma resumida, é nisso
individuação, como já foi dito.
que consiste a individuação. Por isso ela nunca
O Self, portanto, é o arquétipo central,
está terminada, pois sempre haverá conteúdos
responsável pela ordem e totalidade da
a serem reconhecidos e integrados.
personalidade. É formado pelo consciente e pelo inconsciente juntos e é o centro da psique
Esse diálogo ou comunicação entre o ego e o
total. Geralmente é representado por símbolos
Self ocorre através do eixo ego-Self, quando
que remetam a essa totalidade, como
este está funcionando direito, sem interrupções,
mandalas, círculos e imagens impessoais.
e é feita através de imagens, onde o ego aos
Há ainda os arquétipos da anima e do animus,
poucos vai tendo acesso e se relacionando com
que são responsáveis por auxiliar o ego a entrar
o inconsciente. Se há uma interrupção nesse
em contato com o inconsciente, afim de
eixo, ego e Self não se comunicam direito e
aprofundar sua relação com o mesmo na busca
pode haver uma neurose, ficando a pessoa
e no caminho da individuação. Anima é a parte
egoica demais e sem contato com seus
interior feminina da psique do homem e animus
conteúdos internos. Nesse caso é necessário o
a parte interior masculina da psique da mulher,
fortalecimento desse eixo e o aumento do
servindo então ao equilíbrio do sistema
relacionamento dessa pessoa com suas
psíquico, uma vez que compensam a atitude
imagens e conteúdos inconscientes. Quando
masculina ou feminina da consciência.
essa interrupção é grande demais, existe uma fenda entre ego e Self e pode ocorrer a psicose, que é quando o ego se desestrutura por
A prática na clínica junguiana
completo e só o inconsciente passa a existir,
um arquétipo e é o centro da consciência,
A na clínica é psicanalítica porque trabalha com o inconsciente, e tem muitos pontos em comum com a psicanálise, afinal, Jung esteve junto com Freud por um tempo e compartilha de suas ideias. A diferença principal é que ele acrescentou coisas. Então, pode-se dizer que a prática clínica de Jung é bem semelhante à de Freud, apenas com algumas diferenças nos conceitos teóricos, principalmente na adição de alguns, como o do inconsciente coletivo, que foi adicionado ao conceito de inconsciente puramente pessoal de Freud.
sendo o responsável por dirigir nossa vida
Diante disso, é possível ver que a psicologia
consciente, nossas ações e escolhas, buscando
junguiana compartilha com a psicanálise a
sempre proteger a consciência de qualquer
questão conceitual do recalque e do
estando o ego mergulhado em suas imagens. Nesse caso é necessário o fortalecimento do ego e o resgate dele das imagens do inconsciente, através do próprio relacionamento com elas. Como foi visto, o ego também é considerado
inconsciente, com a questão da formação dos
sim em analisar os efeitos de tais manifestações
sintomas; e a questão prática da forma de
na psique do homem. Além disso, analogias
trabalhar, pois ambas estão interessadas em
entre a vida, sonhos e fantasias do paciente
proporcionar o surgimento do discurso do
com mitos, contos de fadas, processos
inconsciente.
alquímicos ou relatos religiosos funcionam de
Como já mencionado, a diferença aparecerá na
forma a enriquecer a gama de associações e de
escuta desse inconsciente, pois não
experiências, proporcionando insights e
necessariamente ele trará conteúdos recalcados
autoconhecimento, e nunca devem ser vistos de
daquele paciente, mas sim a manifestação de
forma literal.
conteúdos arquetípicos que nunca foram conscientes no sujeito, que nunca foram vividos
Como já foi exposto, junguianos utilizam muitas
por ele, mas foram trazidos pelo inconsciente
técnicas expressivas para auxiliar o discurso e a
coletivo por algum motivo, o que deve ser
manifestação do inconsciente. Além das já
analisado com ele de acordo com seu momento
mencionadas, pode-se usar também expressões
atual. Jung defendia a ideia de uma psique
corporais como a dança, ou ainda os desenhos,
autorreguladora, que está sempre buscando
modelagem, trabalho com o barro etc. Cada um
sua organização, mesmo em psiques em
escolhe aquela que preferir, mas todas possuem
estados bem caóticos. Dessa forma, às vezes a
o mesmo objetivo: trabalhar o que é expresso,
maneira que encontra de proporcionar essa
seja no discurso ou por sonhos, e buscar
organização, é trazendo conteúdos mitológicos,
entender e interpretar, com a finalidade de
por exemplo, em que sendo analisados e
proporcionar o conhecimento e a comunicação
associados com a vida do paciente, uma
entre consciente e inconsciente.
transformação ou entendimento pode surgir daí.
De acordo com esse objetivo, fica claro que a abordagem junguiana não trabalha com a
É importante frisar que a manifestação do
busca da cura, porque não acredita haver uma
inconsciente (pessoal ou coletivo) e o trabalho
cura específica. Para a psicologia analítica, a
do mesmo, não funciona apenas para resolver
“cura” seria encontrar a si mesmo, o grande si
conflitos, mas acima de tudo, tem o objetivo de
mesmo, e não o ego limitado e sempre parcial.
desenvolver todas as potencialidades daquele
O objetivo seria a pessoa se tornar aquilo que
indivíduo, mobilizando a consciência e
ela realmente é em essência, através de um
buscando o desenvolvimento como um todo,
trabalho de conscientização e aproximação de
que seria o processo de individuação.
consciência e inconsciência pela vida toda, em movimentos circum-ambulatórios, indo e vindo
Outro tópico que é importante esclarecer, é o
e cada vez se aproximando mais. Ou seja, o
do uso das religiões, mitos, alquimia etc. Jung
objetivo da análise junguiana é a busca da
por muito tempo foi considerado místico e não
individuação. Porém, sempre respeitando a
levado a sério pela comunidade científica por
capacidade do ego do paciente em lidar com
estudar tais assuntos. Porém, ele nunca esteve
seu inconsciente, e também a intenção do
interessado em obter respostas sobre eles, mas
paciente, pois uns podem apenas querer
resolver alguns sintomas ou questões
se correspondia e participava de encontros com
específicas, outros permanecem após isso e
colegas e discípulos. O grupo que se constituiu em torno dele promoveu congressos regulares a partir de 1908 e formou a Associação Psicanalítica Internacional, presidida pelo mestre. Das
entram em processo analítico. Por fim, a abordagem junguiana não prioriza tanto o diagnóstico, pois o que mais importa é como ela vai lidar e se organizar diante daquilo, e qual o significado que aquilo tem para a pessoa.
Por Chronos Psicanálise
Jacques Lacan, o analista da linguagem Seguidor de Freud explorou os mecanismos de expressão, abrindo novas possibilidades de entendimento das relações escolares Por Charles Lins –Especialista em Psicanálise
ramificações desse núcleo surgiram as gerações posteriores de psicanalistas. Uma delas tem como principal representante o médico francês Jacques Lacan (1901-1981). "Numa época em que a psicanálise buscava fundamentações na Biologia, Lacan escolheu a lingüística e a lógica para reconfigurar a teoria do inconsciente", diz Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Lacan retomou a obra de Freud ao lidar com conceitos como inconsciente, identificação e Eu (ego), se apoiando em outros autores, principalmente filósofos (leia o quadro na página 28). Ele rejeitava a tendência de considerar o ego como a força dominante na estrutura psíquica do sujeito. Afirmava, em vez disso, a impotência do Eu frente ao inconsciente. Para ele, o sujeito opera em conflito eterno, e a situação só é sustentável por meio de artifícios, entre eles a alienação. Na busca de uma prática psicanalítica que conseguisse abordar os mecanismos do inconsciente, Lacan chegou a seu mais famoso aforismo: "O inconsciente é estruturado como uma linguagem". A linguagem passou a ocupar o centro de suas preocupações e de seu trabalho clínico e teórico (leia biografia no quadro acima). Foi nesse aspecto que se deu sua maior contribuição para a Educação.
Enquanto criava e desenvolvia as bases teóricas e práticas da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939)
Qualquer que seja a abordagem ou a aplicação da obra de Lacan, contudo, é importante ter em mente que o ensino e a transmissão de seus conceitos e suas pesquisas foram primordialmente orais, dando-se por meio de seminários e conferências, a maioria transcrita e publicada em livro. "Há uma profusão de idéias lacanianas: invenções, fórmulas, aforismos e noções que tornam a leitura de seus textos uma verdadeira aventura pela cultura ocidental", diz Dunker. Lacan ainda concordava com Freud em relação à impossibilidade de aplicar a psicanálise em outros campos, inclusive a Educação, que também opera no terreno movediço
da linguagem e da interação.
dor e satisfação -, que nos torna apegados a formas
No caso de Lacan, a teoria torna o entendimento das funções da linguagem ainda mais complexo. Enquanto para Freud o inconsciente era, grosso
de relação conhecidas como sintomas, inibições ou angústias", explica Dunker. Ele ressalta que, nesse sentido, a linguagem também se constitui um lugar de gozo. O conceito é trabalhado por Leny Mrech
modo, uma instância individual, para Lacan ele sai do sujeito (indivíduo) para abarcar uma rede de relações sociais. Ou seja, à noção do sujeito dividido, soma-se também o conceito de Outro,
em seu trabalho teórico em Pedagogia. "Lacan nos revela que tendemos a funcionar por inércia e que não há um verdadeiro desejo de saber", diz. "Dificilmente o professor procura trabalhar com
podendo esse ser entendido como uma combinação dos sistemas simbólicos e socioculturais.
novas possibilidades de gozo dos alunos. Por isso, não é de estranhar que um dos sintomas da cultura atual seja o fracasso escolar provocado pelo desinteresse."
No campo da Educação, Lacan procurou elucidar a dinâmica entre o Eu e as instituições sociais, onde a escola se insere. "Ele constatou que certas mudanças na cultura implicavam a redefinição das teorias freudianas de gênese da personalidade", diz Leny Magalhães Mrech, professora da Faculdade de Educação da USP, referindo-se principalmente ao complexo de Édipo. "Assim, Lacan identificou que não estamos mais em uma sociedade orientada pela figura do pai." Segundo a educadora, isso quer dizer, entre outras coisas, que as relações sociais - antes hierarquizadas com grande rigidez, agora se distribuem de modo mais horizontal. "O pai, o professor e as demais figuras de autoridade perderam o lugar simbólico de poder e excelência", afirma. "E essa é uma das bases do modelo de escola participativa, na qual o aluno assume um papel mais central." Leny Mrech observa ainda que, antes da psicanálise, a Pedagogia não percebia a importância e o significado da fala do professor e do aluno e pouco se preocupava em escutar as crianças. Por isso, os conhecimentos provenientes daquela área do saber ajudaram a perceber e explorar alguns fenômenos que acontecem na vida escolar, como a resistência de alguns estudantes em aprender e de alguns professores em ensinar certos conteúdos. "O ensino não é mais concebido de forma ingênua e, com base nisso, tem-se a certeza de que não é possível haver a transmissão integral de conhecimentos", diz Leny. Na teoria lacaniana, também ocupa lugar fundamental a noção de gozo: "Ele é uma mistura de prazer e insatisfação - ou também pode ser de
acques Marie Émile Lacan nasceu em 1901, em Paris. Formou-se em Medicina e se especializou em psiquiatria. Seus primeiros estudos de casos o levaram a formular a teoria do "estádio do Eu" (processo de reconhecimento pelo qual passa a criança ao se observar no espelho). Em 1934, casou-se com Marie Louis Blondin, com quem teve três filhos. Em 1941, nasceu sua filha com Sylvia Maklès-Bataille, ex-mulher do escritor Georges Bataille (1897-1962). No ano seguinte, separou-se de Blondin. Seus seminários e suas palestras influenciaram o meio cultural francês. Lacan teve relações tensas com as associações psicanalíticas de seu país. Tornouse polêmico, entre outras coisas, pelo folclore criado em torno de seu hábito de receber pacientes em sessões que muitas vezes duravam apenas alguns minutos. Morreu de câncer em Paris, em 1981.
Os caminhos de Lacan O Eu, a história e as estruturas sociais Embora formado em medicina, Lacan só teve seu primeiro contato com a psicanálise por meio dos artistas do surrealismo, como Salvador Dalí (19041989), que procuravam representar as manifestações do inconsciente. Ao se aproximar da prática analítica, o médico freqüentou, como muitos intelectuais franceses, um curso do russo Alexandre Kojève (1902-1968) sobre o filósofo alemão Georg W. F. Hegel (1770-1831), fundamental para sua concepção de sujeito descentralizado. Tanto Hegel como Lacan rejeitavam a identificação do sujeito somente com o indivíduo, buscando-o também na
história e nas estruturas sociais. Em 1951, ele
inusitado
propôs um retorno a Freud, utilizando a lingüística do suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) e a antropologia estrutural do francês Claude LéviStrauss. Tornou-se importante figura do
ninguém. Há quem diga que tudo não passa de
estruturalismo - corrente que defendeu a supremacia das estruturas sociais sobre o homem como objeto de estudo das ciências humanas. Posteriormente, Lacan abriu o leque de referências teóricas, chegando à Matemática e à lógica. Essa amplitude contribuiu para que o lacanismo tenha influência em várias áreas, em especial na estética e na comunicação. A obra de Lacan está reunida nos livros Escritos e O Seminário, constituídos de transcrições das aulas que ministrou, a partir de 1953, em sua casa, na Escola Normal Superior e na Sorbonne, sempre em Paris.
fenômeno
não
é
novidade
para
uma confusão das ideias, outros afirmam que há um motivo por trás do erro. Quanto ao conceito principal, Freud explica. Um dos casos mais polêmicos foi a falha cometida pelo tucano José Serra, na ocasião candidato à presidência do Brasil. Em campanha, Serra afirmou “eu nunca disse que sou contra o aborto, até porque sou a favor”, querendo dizer exatamente
o
contrário.
Segundo
o
peessedebista, a ocasião não passou de um mal entendido. Outro caso bastante comentado foi o episódio em que a jornalista Ana Paula Padrão, apresentadora do Jornal da Record disse ao vivo da cerimonia de abertura dos jogos olímpicos de Londres: “você está assistindo o Jornal da Globo”. Para muitos isso tudo não passou de uma confusão de palavras. É o que também pensa a aposentada, Marlene Lapa, 74. “Na hora da confusão, a razão
FALHA NOSSA: SERIA
fala mais alto. Eu acho que quando isso
MESMO UM MAL ENTENDIDO?
Nada além disso”, comenta.
acontece, é apenas uma confusão de palavras.
Uma nova perspectiva A compreensão dos estudos acerca do ato falho pode ser de suma importância em vários setores, seja na análise de mídia, análise política, na educação ou até mesmo na rotina diária. A professora Soraya Farias, especialista em psicopedagogia
pela
Universidade
Severino
Sombra, destaca a importância da aplicação da psicologia nas relações com as crianças. “Todo mundo está sujeito a dizer as coisas sem pensar, mas Por que será que sempre quando estamos sob pressão, estressados, ou, até mesmo, distraídos, temos a estranha tendência em trocar o nome das coisas, falar o que não devemos, ou dizer o exato oposto do que pensamos em falar? Este
com
crianças
isso
ocorre
com
uma
frequência maior. O papel do psicopedagogo é escutar tudo o que se tem a dizer com atenção e transmitir confiança, assim o aluno poderá se abrir e dizer os problemas que normalmente não diria a um professor. Dessa forma pode-se trabalhar o problema”.
Quanto à percepção das atitudes dos estudantes,
Os atos falhos diferem do erro comum, pois este é
Soraya ainda lembra: “Ao conversar com a
resultado da ignorância ou conveniência. O fenômeno
criança, deve-se tomar o cuidado de adequar a
abrange também distração, falhas na leitura e audição
linguagem usada. Não se pode tratar a criança
equivocada.
como um adulto, mas tratá-las como bebês também não é eficaz. Uma simples análise de
A abordagem acerca do tema se voltará à seguinte
palavras ditas e atos pode ser suficientes para ter
prerrogativa: quais são as implicações do ato falho na
uma noção do que a criança vive em casa ou na
vida cotidiana? Até que ponto o ato falho pode ser
rua”, afirma.
prejudicial nas relações sociais. A matéria pode tratar de exemplos corriqueiros e empíricos, além de
Falar com calma, organizar ideias, e prestar
abordar as teorias desenvolvidas na psicanálise.
atenção no que se diz podem ser alternativas eficazes na elaboração de um discurso coerente. O que não se pode esquecer é que todos estão sujeitos a cometer falhas ou deslizes na hora de
A importância da escuta psicanalítica
se expressar. Coincidência? Talvez. Confusão? Não se sabe. Isso tudo pode ser uma boa peça
Freud inaugura um novo tempo, que é o tempo
pregada pelo inconsciente. Em meio a tantos
da palavra como forma de acesso por parte do
pensadores e cientistas, a afirmativa mais válida
homem ao desconhecido em si mesmo. Esse
talvez venha da boca de um sábio garoto
acesso é possibilitado pela escuta analítica, que
mexicano: “foi sem querer querendo”.
ressalta a singularidade de sentido da palavra enunciada. Freud destaca a emergência da
QUEM NUNCA PENSOU
transferência na situação de comunicação entre
ALGUMA COISA E DISSE OUTRA? QUAIS SÃO AS
paciente e analista. O paciente chega com
EXPLICAÇÕES
palavras por ver nestas a via de acesso ao
palavras marcadas pela angústia que demandam uma ajuda em sua dor. O analista escuta as
desconhecido que habita o paciente. A situação
CIENTÍFICAS PARA O
analítica é uma situação de comunicação, onde circulam demandas nem sempre regidas pela
FENÔMENO DO ATO FALHO?
racionalidade ou de fácil deciframento. Mas, através da demanda endereçada ao analista, o sujeito deixa escapar o desejo.
Ato falho é um conceito desenvolvido por Freud no ano de 1901 em seus estudos sobre o inconsciente. É
A psicanálise surge através de seu único
um erro na fala, na escrita, na memória ou em
instrumento: a escuta. Freud (1913), ao refletir
qualquer atuação física e expressional provocada hipoteticamente
pelo
inconsciente.
Segundo
a
psicologia freudiana, é por meio do ato falho que realiza-se o desejo do inconsciente. Desse modo, nenhum gesto, pensamento ou palavra acontece acidentalmente.
sobre o início do tratamento, alerta-nos para as dificuldades encontradas no estabelecimento de técnicas para a análise. Por se tratar do sujeito, é impossível instituir padrões na prática analítica. O rigor analítico não se encontra nas regras, mas está na condução
da análise, sobre a qual o analista deve
O tratamento de ensaio, segundo Freud, dura algumas
responder. Daí a importância de se estabelecer
semanas antes da entrada da análise propriamente dita,
um trabalho prévio à definição de se aceitar um
período no qual o analista observará sinais que leva-
indivíduo em análise
rão à determinação ou não do caso apresentado além da tentativa. Este tratamento inicial já é considerado
A psicanálise é marcada pelo convite feito ao analisando de que comunique-se e associe livremente, assumindo uma posição ativa diante de seu processo de cura.
a
que
se o paciente formulará uma demanda que possibilite a continuidade do tratamento, constituindo-se como uma sábia prudência que, segundo ele, poderá evitar a
Ao falar, o sujeito comunica muito mais do que aquilo
parte inicial da análise, mesmo que ainda não se saiba
inicialmente
se
propôs.
O
inconsciente busca ser escutado e ter seus desejos satisfeitos, comunicando-se por meio de complexas formações: sonhos, chistes, atos falhos, sintoma ou lapsos; fenômenos esses que apontam para esse desconhecido que habita o sujeito. Segundo Falcão; Macedo (2005),
interrupção da análise posteriormente. Designado por Lacan como entrevistas preliminares, este tratamento inicial é considerado a ‘porta de entrada’ na análise, abrigando três funções básicas para o andamento de um trabalho psicanalítico: o sintomal, a transferencial e a diagnóstica. Portanto, a prática das entrevistas preliminares significa que o começo é demorado, cuja função se encontra nesta preparação
Assim a associação livre ganha destaque. Ao paciente
para algo mais consistente. Há um tempo de
cabe comunicar tudo o que ocorre, sem deixar de
compreender, que implica na questão diagnóstica, e de
revelar algo que lhe pareça insignificante, vergonhoso
concluir, que é quando o analista toma sua decisão.
ou doloroso, enquanto que ao analista cabe escutar o
Portanto não há entrada em análise sem as entrevistas
paciente sem o privilégio, de qualquer elemento de seu
preliminares. (QUINET, 1996)
discurso. Na efetivação dessa regra fundamental
Segundo Quinet (1996), deixa-se que o paciente fale
instaura-se
não apenas o que quiser, de forma intencional e bus-
a
situação
analítica,
abrindo
possibilidades do desvelamento da palavra.[iii]
cando um alívio, mas também tudo mais que lhe venha
Associando, o paciente fala de um outro – o
à cabeça, mesmo que lhe pareça sem importância ou
inconsciente – que lhe é desconhecido e irrompe
absurdo. A importância de encorajá-lo a “contar sua
em sua fala quando a lógica consciente se
história com suas próprias palavras” possibilita ao ana-
rompe. A condução do processo analítico deve
lista realizar um diagnóstico, que diz respeito à com-
possibilitar a descoberta, por parte do paciente,
preensão da dinâmica dos sintomas e dos conflitos
de que ele é quem sabe sobre si, um saber que é
que o paciente traz.
patrimônio de um território desconhecido de si
Tendo abordado os princípios básicos da prática
mesmo.
psicanalítica,
Entretanto, de acordo com Quinet (1996, p.18), é
fragmento de um caso clínico, que permite ilustrar
necessário um tempo preliminar ao tratamento
os efeitos da escuta analítica sobre um sujeito.
analítico
Freud
Pedro[iv], do sexo masculino, com 53 anos de
chamava de tratamento de ensaio. Ele relata que a
idade, chega ao consultório relatando que havia
primeira meta da análise é a de ligar o paciente ao seu
45 dias que perdera seu filho mais velho em um
tratamento e à pessoa do analista.
acidente de carro.
propriamente
dito,
que
será
apresentado
abaixo
um
Bem, o motivo de eu estar aqui é por causa que perdi o
sentido, cabe ressaltar que a presença e a escuta do
meu menino (27 anos) num acidente de carro a mais
psicanalista permitem que algo deste confronto com a
ou menos 45 dias. Ele sofreu o acidente de carro, ficou
finitude possa ser encaminhado pela fala.
15 dias internado, e acho que ele ficou internado, só
Admitimos a morte do outro e podemos, inclusive,
para nos preparar para o pior. Acho que ele ainda
desejá-la
tinha
reconhecemos nossa própria finitude e, quando a
algumas
coisas
para
Porém,
inconscientemente.
não
resolver.
morte nos leva alguém que amamos, essas duas
Pedro relata essa história com intensa angústia, e
atitudes para com a morte (desejo e negação)
diz não querer aceitar e não entender o motivo
entram em conflito.
pelo qual Deus havia feito isso com ele.
Diante do sujeito confrontado com a iminência da morte, a psicanálise aposta na fala como aquilo
Eu não consigo entender… será que fiz tantas coisas erradas assim, para merecer isso? Acho que deveria ter frequentado a igreja mais vezes… Eu daria tudo pela vida do meu filho… queria muito estar em seu lugar…
que pode ajudar o ser falante a situar e significar algo relacionado à finitude, oferecendo a escuta para aquele que, mesmo tendo a vida perto do fim,
precisa
ser
relançado
como
sujeito
desejante.
Diante desse fato tão trágico, Pedro só consegue falar do filho que perdeu, que ele descreve como sendo o seu alicerce, o seu companheiro. Manifesta então uma preocupação com o fato de estar falando repetidamente do filho, pois acredita que está incomodando a psicóloga. Foi feita uma intervenção
nesse
momento,
marcando
a
importância dele falar sobre o que tivesse necessidade, sem se preocupar com a psicóloga. Foi também esclarecido sobre o processo de luto, que envolve um tempo de elaboração e que esse tempo é individual. Pedro precisou repetir, muitas vezes, a cena do acidente, relatando suas diferentes versões. Mesmo ao buscar “ver o acidente”, através de uma filmagem feita por alguém que presenciou a cena, Pedro continua precisando
“falar
dela”,
numa
tentativa
de
construir uma significação possível para esse encontro com o real.
REFERENCIAS FALCÃO, Carolina Neumann de Barros; MACEDO, Monica Medeiros Kother. A escuta na psicanálise e a psicanálise da escuta. Psyché, janeirojunho,
ano:
2005/
vol.
IX,
numero
015.
Universidade São Marcos. São Paulo, Brasil, p.65-76.
disponível
em:http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/307/307 15905.pdf. Acessado em : 20 de maio de 2009. FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
Imago,
1969. Sobre
o
início
do
tratamento: novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I. v.12. 1913. PERALVA, Elisa Lima Mayerhoffer. O Confronto com a finitude na clinica hospitalar: da morte como
limite
à
urgência
da
vida.
Disponível
em: http://www.praxiseformacao.uerj.br/pdf/a0607
A partir da abordagem psicanalítica, sabemos que a
ar11.pdf. Acessado 20 de maio de 2009.
morte, enquanto limite, engendra uma dimensão
QUINET,
de urgência, impulsionando a vida, através das
análise. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1996.
Antonio. As 4
+
questões que mobiliza em cada sujeito. Neste A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA
1
condições
da
se
que
crianças
e
adolescentes
que
apresentam
Observa-se na sociedade contemporânea uma busca
comportamentos e características de personalidade que
desenfreada por explicações biológicas, fisiológicas e
diferem dos considerados e catalogados como normais são
comportamentais que possam dar conta de diversos tipos de
frequentemente enquadrados em categorias nosológicas e
sofrimento psíquico, dentre estes, os mais frequentes são a
assim rotulados como depressivos, portadores de TDAH
ansiedade, estresse, depressão, síndrome do pânico,
(Transtorno de Déficit de Atenção e/ou Hiperatividade) ou de
transtorno bipolar e fobias. Todos muito divulgados na mídia
TDO (Transtorno Desafiador Opositor). Segundo a Agência
através de reportagens e documentários que pretendem
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), somente entre
ajudar os leigos a identificar os principais sinais e sintomas
2002 e 2006, a produção brasileira de metilfenidato,
de seu mal estar, contribuindo assim para que muitos
medicamento utilizado para o tratamento do TDAH cresceu
pacientes cheguem ao consultório buscando apenas uma
465% e as vendas saltaram quase 80% entre 2004 e 2008.
validação da hipótese diagnóstica que obteve através de Cabe esclarecer que os psicofármacos, quando
algum site.
prescritos de forma criteriosa e responsável, tornam-se um Nesta busca por um alívio imediato dos sintomas,
importante aliado na luta contra o sofrimento humano, mas
constata-se que cada vez mais pessoas depositam sua
de forma alguma se deve restringir o tratamento apenas a
confiança em receitas rápidas que possam diminuir o mal
uma resposta medicamentosa.
estar sem se preocupar em buscar um sentido para este sofrimento. A medicalização da vida e do sofrimento tornou-
Na contramão destas receitas instantâneas, encontra-
se uma prática comum e na atualidade tornou-se corriqueiro
se a psicanálise. Há mais de cem anos, através da escuta
ir a uma consulta e sair com uma receita em mãos. Segundo
de pacientes histéricas, Freud descobriu que os sintomas
Roudinesco (2000) há um pagamento do sujeito, pois seja
apresentados por estas pacientes não eram decorrentes de
qual for o sintoma, sempre haverá um medicamento a ser
nenhuma lesão orgânica, mas que estes possuíam um
receitado:
sentido,
um
significado
e
estavam
relacionados
às
experiências vivenciadas por estas pacientes. Cada paciente é tratado como um ser anônimo, pertencente a uma totalidade orgânica. Imerso numa massa em que todos são criados à imagem de um clone, ele vê ser-lhe receitada à mesma gama de medicamentos, seja qual for o seu sintoma. (ROUDINESCO, 2000).
O grande perigo da situação descrita acima é que se cria uma perspectiva totalizadora do ser humano, na qual se
Ainda hoje a psicanálise acredita que simplesmente extinguir o sintoma é silenciar o sujeito, pois o sintoma representa a única possibilidade encontrada por esse sujeito de expressar algo insuportável, para o qual ainda não foi possível construir nenhuma significação.
pretende atribuir todos os problemas vivenciais, emocionais a uma explicação orgânica e, especialmente, genética.
Assim, a psicanálise propõe uma experiência subjetiva
Assim, difunde-se a idéia de que existe um gene que poderia
na qual o sujeito construirá um significado para seu
explicar o alcoolismo, as doenças mentais e a infelicidade,
sofrimento, seu sintoma. Sua regra fundamental é a
fazendo com que hipóteses duvidosas sejam divulgadas
associação livre, que consiste em que o paciente fale
pela mídia como fatos comprovados (Leite, 2011).
livremente sobre seus pensamentos. Através deste método de investigação busca-se essencialmente evidenciar o
Explicar e reduzir a experiência humana através de um
significado inconsciente das palavras, das ações, das
saber totalitário, de categorias fechadas e limitadas, CID- 10
produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios, atos
e
para
falhos) de um sujeito. Desta forma, o sujeito poderá elaborar
determinados comportamentos diminui o real do sofrimento
situações traumáticas, esclarecer conflitos e ressignificar
e a angústia por não saber a razão deste sofrimento. Assim,
questões dolorosas.
DSM-IV,
que
oferecem
explicações
prontas
percebe-se atualmente uma grande adesão a estas formas de explicação que reduzem e até mesmo impedem o homem
______
de construir através de uma experiência particular e subjetiva um significado para seu sofrimento. (idem).
"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício
Além da exacerbada carga medicamentosa prescrita aos adultos, uma constatação ainda mais preocupante é o aumento da medicalização da infância. Atualmente observa-
inteiro”. Clarice Lispector.
A Função do Caráter Social em Erich Fromm Desde os seus primeiros textos Erich Fromm (1900-
1980) afirma que o marxismo é um humanismo que tem por objetivo possibilitar o pleno desabrochamento das potencialidades do homem. De modo tal, que o estudo do capital constitui o instrumento crítico que Marx utiliza para a compreensão da situação alienante do homem na sociedade industrial. Essa interpretação de Fromm deve revelar as raízes e o sentido geral que sua obra tomará, ou seja, o aprofundamento das argumentações humanista, que um pouco mais tarde buscará complemento no freudismo, com vistas a compreender a interação entre natureza humana e sociedade. No presente texto procuramos esclarecer a formação e o funcionamento do conceito frommiano de caráter social, o qual constitui um dos principais termos de suas análises. Com o desenvolvimento do pensamento de Marx, muitos socialistas marxistas, especialmente nos países do leste europeu que tentaram implantar o socialismo, mas também no ocidente, tornaram-se conscientes do fato de que a teoria marxista carece de uma teoria psicológica que satisfaça a necessidade do homem por um sistema de orientação e fundamentação de normas éticas. De outro lado, desenvolvendo o discurso crítico inaugurado por Marx, os pesquisadores do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt buscaram completar a crítica de Marx com a psicologia de Freud a fim de elaborar teorias críticas capazes de melhor diagnóstico e análise de situações sociais e culturais presentes. Trata-se do movimento conhecido como freudomarxismo que tem como pano de fundo, dois fatos históricos: a
Revolução Russa de 1917 e a ascensão de Hitler ao poder, em 1933. Ambos os fatos colocam em evidência a importância do fator subjetivo da história até então negligenciado pelos marxistas ortodoxos, haja vista que estes analisam os acontecimentos em termos políticos e econômicos. Se, no caso da Revolução Russa, o que chama a atenção é a constatação de que a revolução acontece mesmo sem as forças produtivas estarem prontas, no caso da tomada de poder por Hitler, é o apoio que este recebe da classe operária o fator intrigante. A questão gira em torno de saber por que o proletariado apoia Hitler, agindo em desacordo com seus interesses de classe, ou seja, como aceitam o fascismo voluntariamente. Tendo em vista que a análise em termos econômico-políticos não dá conta de esclarecer essa controvérsia, o conhecimento da psicologia será utilizado como um instrumento de crítica da sociedade, na medida em que pode explicar a subjetividade e o comportamento humano. Para ser fiel ao pensamento de Marx e poder completar sua teoria, a psicologia tem de ver a evolução das forças psíquicas como um processo de interação constante entre as necessidades do homem e a realidade social e histórica da qual ele participa. Tem de ser uma psicologia que surge, desde início, como psicologia social. E a psicologia de Freud, que começa a ser publicada depois da morte de Marx, cumpre essas condições principais. Contudo, a tradição que buscou unir o marxismo com o freudismo, da qual Fromm pertence, realizou a revisão de alguns dos conceitos e das teorias de Freud. Para Erich Fromm, fenômenos psíquicos como isolamento, medo, inatividade, alienação e ansiedade, que atuam e contribuem para fundamentar a sociedade tecnologicamente organizada, assumiram o papel central
que, na visão de Freud, era atribuído ao recalcamento da sexualidade. Em Erich Fromm, foi a teoria freudiana da libido que sofreu maiores críticas por estar enraizada num fisiologismo mecanicista de visão fundamentalmente biológica a respeito do homem. Fromm discorda dessa concepção, ele diz: Procurei ater-me às descobertas básicas de Freud, substituindo, porém, sua filosofia mecanicista-materialista por uma humanista. O homem não é uma máquina que é regulada por um mecanismo de “tensão-distensão” deflagrado quimicamente. O homem é uma totalidade e tem a necessidade de relacionar-se com o mundo.[1] (FROMM, 1992:14). Assim, na compreensão do conceito frommiano de homem, há um momento da história humana em que houve uma separação primordial de vivência com a natureza, quando se romperam seus vínculos imediatos com a mesma e o homem deixou de ser um animal puramente instintivo; ele se tornou um animal racional e ambíguo, que ganhou individuação e liberdade, ao mesmo tempo, em que perdeu a segurança e a harmonia do pertencimento unitário à natureza. Desde então, a história é construída pelos homens, que já sempre se encontram nessa condição de ambiguidade e dicotomia inerentes à sua existência. De um lado, o homem encontra-se livre para agir, do outro, está sempre determinado pelas maneiras que construiu para superar as adversidades. Desse ponto de vista, é a necessidade constante de superar essas dicotomias que influenciam as atividades humanas, levando-os a desenvolver as condições sócioeconômicas e ideológicas que podem tornar isso, de algum modo, possível.
A necessidade de encontrar soluções sempre renovadas para as contradições de sua existência, de encontrar formas cada vez mais elevadas de unidade com a natureza, com seus próximos e consigo mesmo, é a fonte de todas as forças psíquicas motivadoras do homem, de todas as suas paixões, seus afetos e suas ansiedades. [2] (FROMM, 1963:38). Portanto, partindo de outra concepção de homem, o revisionismo de Erich Fromm enfatiza a importância dos fatores econômicos, ideológicos e culturais na formação do caráter do homem. Na crítica social de Fromm está sempre presente o fato de que a natureza humana possui, além das necessidades fisiológicas básicas, algumas outras necessidades psíquicas decorrentes da condição humana que precisam, igualmente, serem satisfeitas, caso contrário, na interação entre natureza humana e forças econômicas, deverão surgir elementos que irão agir para a desintegração social. Enfatizando a influência de fatores econômicos e ideológicos na formação do caráter, o próprio Fromm descreve sua orientação como sendo sociobiológica e centralizada em torno do problema da sobrevivência, concebendo o homem, antes de tudo, como um ser social que necessita relacionar-se com o mundo a fim de sobreviver física e mentalmente. Isso insere o homem em dois processos fundamentais de socialização e assimilação que dizem respeito à necessidade humana de se relacionar com os outros e de adquirir coisas. Segundo Fromm, é a função do caráter orientar e canalizar a energia humana através desses processos que permitem ao homem sobreviver. Assim, O caráter cumpre uma função sócio-biológica que não só determina a formação do caráter individual ao modelar a energia do
indivíduo, mas também a do caráter social. Na base de sua abordagem, Fromm refere-se às afirmações de Freud em Psicologia Coletiva e Análise do Ego,onde se lê nas primeiras linhas do texto freudiano: É verdade que a psicologia individual diz respeito ao indivíduo e explora as trilhas pelas quais busca encontrar satisfação para seus impulsos instintivos, mas só raramente e sob certas condições excepcionais a psicologia individual está em posição de negligenciar as relações deste indivíduo com os outros. Na vida mental do indivíduo alguém mais está invariavelmente envolvido, como modelo, como objeto, como auxiliar e como oponente; e por isso, desde o começo a psicologia individual é simultaneamente, no sentido mais amplo da palavra, psicologia social.[3](FREUD, 1975: 69) Portanto, corroborando as palavras de Freud citadas acima, Fromm afirma que o indivíduo deve ser entendido, desde sempre, como já socializado e, portanto, tendo o seu caráter desenvolvido e determinado por meio da sua relação com a sociedade. Sendo assim, a diferença entre a psicologia individual e a psicologia social pode ser, por esta razão, apenas quantitativa. Para Fromm, tanto a psicologia social quanto a psicologia individual tenta compreender a estrutura psíquica a partir das experiências de vidas pessoais, Todavia, Fromm as compreende sendo determinadas, fundamentalmente, como resultado das práticas e estilos de vida comum a muitos indivíduos em uma determinada situação sócio-econômica e que são, portanto, de importância decisiva para a orientação do indivíduo específico. Consequentemente, a psicologia social de Erich Fromm deseja investigar como certos sintomas e neuroses observados nos membros de uma mesma sociedade
estão relacionados com as experiências de vida comuns entre os membros dessa sociedade. Nesse sentido, o caráter social compreende a soma dos traços comuns do caráter da maior parte dos indivíduos, formado como resultado das experiências de vida desses indivíduos enquanto inseridos em uma mesma situação social. No apêndice de seu livro O Medo à Liberdade Fromm diz: “A função subjetiva do caráter é levar a pessoa a agir de acordo com o que é necessário para ela sob um ponto de vista prático e, também, proporcionar-lhe satisfação psicológica através de sua atividade.” (FROMM, 1974: 223) Um dos principais fatores para a formação e a manutenção do caráter social são as organizações familiares e os sistemas educacionais. Estes podem ser considerados, diz Fromm, como os agentes psíquicos da sociedade. Por meio deles, principalmente da família, uma vez que o caráter da maior parte dos pais é expressão do caráter social, transmitem-se à criança os traços essenciais da estrutura de caráter socialmente desejável. Por isso, o sistema educacional e outros aparelhos culturais têm seu poder de autoridade facilitado e legitimado, apresentando o poder econômico e político como prolongamentos naturais da autoridade paterna, consolidando o caráter social, ao mesmo tempo em que nele se originam. Igualmente, agindo no sentido de sistematizar e estabilizar o caráter social, está a forma de organização do sistema de produção e distribuição em uma sociedade, que por sua vez, determinam as relações sociais e os modos de vida praticados em tal sociedade. Sendo assim, é incutido, por exemplo, no caráter dos homens da sociedade industrial moderna, por meio do caráter social, a exigência de que sua energia e disciplina sejam dedicadas ao trabalho.
Ele interioriza várias atitudes sobre o valor e dever do trabalho, o que funciona eficientemente para controlar o seu comportamento. A esse respeito, Fromm diz o seguinte: “A necessidade de trabalhar, de pontualidade e ordem teve de ser transformada em impulso interior para esses objetivos. Isto quer dizer que a sociedade teve de produzir um caráter social a que tais impulsos fossem inerentes.” (FROMM, 1963: 88) Como se buscou mostrar, uma vez que certas necessidades foram incutidas em uma estrutura de caráter, qualquer comportamento ajustado a elas é, ao mesmo tempo, satisfatório psicologicamente e prático sob o ponto de vista das condições objetivas. Enquanto uma sociedade oferece ao indivíduo essas duas satisfações simultaneamente, há uma situação em que as forças psicológicas preservam a estrutura social. Nessas circunstâncias, a estrutura libidinal típica, comum a todos os homens de um contexto histórico específico, exerce uma função decisiva para a estabilidade social. É ela que estabelece os vínculos afetivos pelos quais as classes oprimidas se relacionam com as classes dirigentes, levando as primeiras a aceitar passivamente sua opressão. Contudo, em circunstâncias anormais, quando surgem novas condições econômicas, os traços de caráter tradicionais se tornam inúteis, e podem gerar verdadeiras desvantagens e reações, nos sentidos destrutivos ou criativos, revolucionários ou conservadores. Essas considerações mostram que a síntese frommniana de marxismo e psicanálise envolve, no quadro do progresso histórico, o domínio social não só da natureza, mas, também do próprio ser natural do homem, no qual as racionalizações se inscrevem como ideologias do comportamento socialmente exigido no âmbito mais
vasto das relações entre indivíduos influenciados e determinados pelo esquema sócio-econômico em que encontram ou não a realização das suas necessidades. Por isso, mesmo o modo como as ideologias são produzidas e funcionam pode ser corretamente perspectivado se chegarmos à compreensão mais ampla da estrutura de caráter. Para tanto, Fromm parece ter dado um importante passo com a caracterização do dispositivo instintivo de um grupo, seu comportamento libidinal e predominantemente inconsciente, em função da estrutura econômica, por meio de seu conceito de caráter social. Isso pode fornecer um conhecimento mais objetivo de um fator essencial no processo social, a saber, a natureza do próprio homem como parte funcional da infraestrutura. Se Marx afirma que os homens são os produtos das suas ideologias, o conhecimento da estrutura de caráter pode descrever o processo de produção dessas mesmas ideologias, evidenciando como o mecanismo cultural da sociedade serve também para enfraquecer as forças da libido até que deixem de constituir uma ameaça à estabilidade social.
Bibliografia: FREUD, S. Psicologia das Massas e Análise do Ego. –na Standard Edition dos trabalhos psicológicos completos de Freud traduzida por J. Strachey. Amorrortu Editores. Buenos Aires. 1975. Vol. XVIII. FROMM, E. A descoberta do Inconsciente Social: Contribuição ao redirecionamento da Psicanálise. Tradução: Lúcia H. S. Barbosa. São Paulo. Manole. 1992. (Obras Póstumas; 3) ___________. Psicanálise da sociedade Contemporânea. Tradução: L. A. Bahia e Giasone Rebuá. Zahar Editores. Rio de Janeiro. 1963.
___________. O Medo à Liberdade. Tradução: Octavio A. Velho. Zahar Editores. Rio de Janeiro. 1974.
Carta ao Leitor É com prazer que escrevemos estes temas em psicanálise, desejamos que todos profissionais que lerem esta publicação digital apreciem os temas.
Charles Lins – Especialista em Psicanálise