Zine de Encruza Volume I

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ZINE DE ENCRUZA

Volume 1

Apresentação @veridianatonelli Forte @sementedadiscordia @nause.o O presente encantado de Oxum e Iemanjá @vitoriabrasil @compensaboy Lembranças de outra era @phanycascaes @rosiwelt Piracema de mim @superaadri @skrrinkle Percurso @nadymerebelo @wltiiii

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2 os jovens terão sonhos, os velhos terão visões ZDE OS JOVENS TERAO SONHOS OS VELHOS TERAO VISOES

Texto

Adria Moreira Adrian Santos Nadyme Rebelo Stephany Farias Veridiana Tonelli Vinícius Mesquita Vitória Brasil

Ilustração

Cadu Castro Luiz Oliveira Matheus Jennings Rosiwelt Cascavelt Saulo Oliveira Wellington Cardoso

os jovens terão sonhos, os velhos terão visões

Edição

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Revisão de Texto Danna Dantas Diagramação e Capa Gabriel de

Andrade

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ZDE OS JOVENS TERAO SONHOS OS VELHOS TERAO VISOES
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Apoio: APOIO: VPLI

Apresentação

Texto por Veridiana Tonelli

Sexta feira de sol quente, findando a semana corrida na cidade grande do beiradão do rio Negro. O sol pinta de rosa o céu azul manauara no fim da tarde.

Vestindo branco ou não, partimos para o centro da cidade. Na encruzilhada favorita, uma mesa de bar, cerveja gelada, cigarrinho na mão e muitas histórias compartilhadas. Histórias vividas Histórias inventadas Histórias curtas Histórias compridas Histórias de sonhos Histórias de passados Histórias de futuros

Histórias que ousamos dividir juntamente com um litrão na encruzilhada, sob a luz cheia da lua, contemplando as visagens urbanas

que se revelam na mística cidade concretada entre a mata e os rios.

São causos do interior, fofocas do terreiro da rua de cima, das férias na casa de parentes no interior, viagens para comunidades ribeirinhas, histórias do tempo da onça que a vovó já dizia, contos de acampamento ao redor da fogueira em Presidente Figueiredo, dicas de banhos de ervas e simpatias populares, ocorrências misteriosas no igarapé do bairro numa noite escura.

Isso que está nas suas mãos agora, é algo como um sonho lúcido coletivo onde nos encantamos com a potência e magia que as frestas da contação de histórias nos trazem. Não tem problema contar do jeito que lembrar, é assim que essas histórias vivem.

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O presente encantado de Oxum e Iemanjá
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Apresentação Texto por @veridianatonelli
Texto por @sementedadiscordia Ilustração por @nause.o
Texto por @vitoriabrasil Ilustração por @compensaboy
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de mim

Texto por @superaadri Ilustração por @skrrinkle Percurso Texto por @nadymerebelo Ilustração por @wltiiii

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Texto por @phanycascaes Ilustração por @rosiwelt Piracema vol1 7 ZDE

Forte

Texto por Adrian Santos Ilustração por Matheus

Vovó sempre me falava pra manter minha candeia acesa.

Às vezes os dias são ruins, às vezes a gente precisa se recolher.

Tem momentos que é difícil deixar a candeia de dentro da gente brilhando forte,fica frio, o vento sopra muito, a chuva invade a janela…

Nesses momentos, vovó dizia que todas as respostas que eu precisava, estavam dentro de mim.

Procurei, procurei, me revirei de cabeça pra baixo. Não achei.

Essas respostas devem estar escritas num papel, guardado num quarto escuro.

Que só com a candeia acesa, a gente consegue encontrar e ver o que está escrito.

Mas acho que nem sempre essas respostas vão estar num papelzinho escondido.

Por vezes até fiquei feliz de não encontrá-las.

Algumas respostas a gente não precisa saber, senão acaba com a graça da brincadeira.

As vezes é a curiosidade que faz nossa candeia brilhar forte.

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O presente encantado de Oxum e Iemanjá

Texto por Vitória Brasil Ilustração por Saulo Oliveira

Caminhávamos por um areal envolto de árvores, não sabíamos onde iríamos chegar, mas andávamos como se soubéssemos que ao fim do caminho havia uma esplendorosa surpresa. A intuição é algo que nunca devemos ignorar, ela sempre tem a função de nos alertar para o que há de vir.

Começamos a sentir que a areia estava fofinha e que nossos pés estavam ficando molhados, depois, sentimos que a água já batia nas nossas pernas. Isso me lembrou de uma das visões que o profeta Ezequiel teve, em que aos poucos era tomado por águas que davam nos tornozelos, pernas, lombos e ombros, até chegar onde seus pés não podiam sentir o profundo rio. Olhando para frente não era possível dimensionar a profundeza

e o tamanho do rio e pairava sobre nós uma intensa calmaria, ao mesmo tempo em que as lágrimas insistiam em cair dos olhos, tamanha a emoção que aquele lugar transmitia. Quanto mais nos banhávamos, mais sentíamos vontade de chorar, como se a encantaria nos envolvesse para nos mostrar uma paz nunca antes vivida. Seguimos por algum tempo até que não pudemos mais andar porque chegamos ao fim do caminho e ao início de uma infinita queda d’água. Se eu soubesse nadar, teria me lançado imediatamente.

Ela mergulhou. Retornou maravilhada pela magia que habitava na cachoeira, era tão esplêndido que mal podia descrever o que experimentou, falou que eu precisava ver e disse: “eu te levo”. Nos abraçamos para

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“Se eu soubesse nadar esse sonho não seria o mesmo…”

o mergulho. Fechei os olhos e nós saltamos, fiquei tão nervosa que não consegui abri-los novamente. Voltamos á superfície, agora eu já sabia que não se podia chegar ao fundo porque algo sempre nos empurrava para cima.

Saltamos novamente e foi a primeira vez que abri os olhos, entendi quem me abraçava e senti toda a vida se entrelaçar. Também entendi que é muito difícil descrever o que se via pois talvez não existam palavras para isso. O que posso dizer é que aquele momento brilhava, brilhava mais que qualquer coisa que eu tenha visto antes. Brilhava frente aos meus olhos e brilhava dentro do meu coração. Lá, desfrutamos da visão de uma magnífica árvore com folhas novas, bem verdes, caules reluzentes de ouro, muito ouro e raízes de

conchas do mar, era realmente uma escultura desenhada à mão. A luz que refletia sobre nós, tomava conta das profundezas e nos encantava, nos estarrecia, e eu via todas as estrelas que só surgem na vista quando estamos prestes a desmaiar. Fomos inundadas pelo infinito. O mergulho durou segundos, mas a memória dele é eterna.

Voltei à superfície com a sensação de que a vida não seria mais a mesma e desde então, não tem sido. Sonhos, visões e intuições também são presentes de nossos orixás. Esse foi o nosso.

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Lembranças de outra era

Texto por Stephany Farias Ilustração por Rosiwelt Cascavelt

Vi nos olhos de um senhor as lembranças de uma outra era Ouvi do seu falar o respeito que ele tinha pela floresta. Ribeirinho, caboclo De agricultor a pescador Ele que nasceu, cresceu E se vai no interior Tem o seu sustento a base de toda simplicidade Consigo carrega um conhecimento que transcende minha realidade Razões que não têm lógica ou explicação

Para ele a mata é mãe viva Que traz cura e sustento Vi nos olhos do senhor todo saber tradicional Que muitos, como eu, perderam ao

longo da vida Vi em cada olhar meus antepassados, que busco conhecer A cada piscar, as marcas de sangue que trago comigo Sangue esse vindo das árvores, vindo de lutas, vindo da terra Nos olhos daquele senhor as rugas carregam tantas histórias A cada olhar uma aula A cada olhar estava presente a essência do seu ser e saber Onde o seu brilho também reflete um pouco de você Nessa luta da vida Que se torna sempre uma só.

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Piracema de mim

Texto por Adria Moreira Ilustração por Cadu Castro

Na bacia amazônica, transpassados tempos e eras, co-habitavam ricas espécies amazônidas, forjadas da nascente à foz dos rios, eram conhecidamente donas da terra preta e dominavam as encruzilhadas desse rio barrento-corrente. A goteira dos Andes, tanto goteja que transborda a beira do rio e por muitas eras alimenta gerações com saberes e memórias, tão densamente que formam as enchentes e vazantes por aqui todos os anos, ano após ano. Houve um tempo nesse território, em que os povos que moravam na foz dos rios já perpetuavam suas histórias. A terra preta fecundava incríveis ferramentas de compreensão. Não somente a compreensão do todo mas já datavam tecnologia e conhecimento que partiam diretamente da nossa perspectiva e consciência do corpo em contínua

confluência da natureza, do rio, das montanhas, da corredeira, da boca das matas na selva amazônica. Passava o mês de junho no rio Solimões, período de enchente na região flutuante do catalão, onde o barco atracava próximo às várzeas. Era noite de lua cheia que muito brilhava, e o sol naquele dia parece que beijou meu rosto, tinha queimado a pele por inteira, que se encontrava vermelha como urucum. Eu que pescava e pesquisava por lá, sentia o corpo arrepiar durante longas noites, ouvia também o vento ressoando no vazio. Era o silêncio ruidoso confluindo o rio na mata e a mata no rio, onde o banzeiro embalava uma composição que misturava batuque e poema, mas não se via, não dava pra saber de onde vinha, só sentia quando fazia vibrar, olhando a lua refletir um tapete iluminado de memórias. Bateu no meu corpo todo aquele movimento interno remansoso, e de repente eu senti que todo meu medo

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sobre o desconhecido encontrava abraço, colo. Eu sentia saudades disso, e sentia uma memória que me fazia casa, ali no meu encontro com as águas. Foi reconhecimento. O tempo no rio Amazonas é diferente, eu sinto no presente uma prece ancestral. O pedido de quem acreditou que eu era o próprio deusorí. Entidade sobrevivente, corpo contra-corrente em diferentes tempos, outros ventres. Foi quando eu ouvi o (meu) canto ritmado, e foi no percurso de subida do rio Amazonas que esse som ganhou sentido e forma. Eu conto que a memória se fez nos ritos, e estes se repetiram através do tempo. Ao passo que neurônios se replicavam, também reproduziramse as preces. Eu imaginei que aquele movimento podia ser algo ruim, mas todos os acontecimentos até então perderam a mera casualidade, e os furos do rio Solimões me traziam esse canto n’um sussurro de ventos confluindo as lembranças de nunca ter ficado só. Atravessando as fronteiras desse rio que transformou meu corpo, incorporado-tempo. Sendo esse, um caso de luta e meu maior caso de amor. Não tinha relógio, a gente marcava as horas no sentido das

coisas, e na repetição dos ritos, ritmo, ritmado. Para aqueles que conseguem ouvir, ou sentir, assumo também que é uma passagem de encontros. A memória ganhou sentido quando viu ali, refletida a si mesma, o passado e o futuro se fez presente n’um espelho. Ouso aconselhar, que de olhos bem atentos, fitem o silêncio. Quem sabe assim, mais atentos a encarar esse percurso, consigam ouvir o canto entre-beiras, legítimo encanto das sereias. que memória é essa do teu corpo? quer voltar a se sentir em casa, como quando descansava nas asas de uma terra que ainda não queimava. sonha com o encontro, paradoxo de movimento guarda preces por cima do ombro esteja atento, conta os efeitos que guarda teu corpo-tempo fitando a viagem de retorno observa a travessia de si mesmo de quem foge e se encontra no meio

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Percurso

Texto por Nadyme Rebelo Ilustração por Wellington Cardoso

Hoje não teve pôr-do-sol, E o vento frio de dezembro tomava a praça. Enquanto caminhava, via as gentes: O corredor profissional, Um pai que ensinava o filho a pedalar, Jovens a patinar... E os velhos? Estavam a prosear, Alguns a correr, para manter a pujança; Outros a olhar o horizonte... São Raimundo, Glória, Aparecida: Os bairros a serem vistos de lá. Começo a correr, observo mais depressa: As crianças jogam bola... Os casais se apaixonam... e se encolhem diante do transitar das pessoas.

Os carros passam aos poucos... É uma nova avenida! Anoitece. Mas ainda sinto falta do sol, Que se foi sem ser visto. Canso, paro e sinto o vento; Vejo descaso em contraste à obras grandiosas, Periferia ao lado de belos casarões. E o moço pobre, arrastando seu carrinho... Bem ao lado da casa rosa.

Por lá, vivi muitos anos importantes de minha vida; Mas não causa nostalgia. Nem sequer lembra muita coisa. Parece outro lugar, É outro lugar! A Matinha.

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