A Vingança de Janus

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A Vingança de Janus Crônicas de Nova Patópolis – Volume 01 Daniel Alencar Capas: Pink Ghost Revisão Contextual: Pink Ghost

Críticas, elogios e sugestões: agibiteca@gmail.com


A Vingança de Janus 1° Edição – Outubro de 2013 Todos os personagens são de propriedade da Disney Inc. e utilizados sem a intenção de auferir qualquer valor a título de lucro direto ou indireto. As histórias são de autoria exclusiva do autor e podem ser copiadas, divulgadas e disponibilizadas à vontade. O autor se reserva ao direito de pedir que as histórias não sejam alteradas. Este livro virtual está disponível gratuitamente na Internet pelo site oficial: http://novapatopolis.blogspot.com E em diversos parceiros como: http://agibiteca.blogspot.com http://chutinosaco.blogspot.com http://quadradinhospatopolis.blogspot.com http://gibisclassicos.blogspot.com

Proibida a venda deste e-book ou sua versão impressa.


Para o Gabriel Papai te ama muito. Adoro quando você me puxa para mostrar algo novo ou comentar alguma novidade que você aprendeu. Você não imagina a sua importância na minha vida, pois ela ganhou um novo sentido após seu nascimento.


Agradecimentos Gostaria de agradecer a tanta gente pelo sucesso da trilogia Nova Patópolis, que tenho medo de esquecer alguém. Mas vamos lá: Primeiro a quem apoiou a ideia no início, quando nenhum livro existia, como as queridas Pink Ghost e Alessandra e o grande amigo para todas as horas, Luis Dias. Segundo, quem apoiou após o lançamento como o amigo Paulo Gibi, os blogueiros BR/PT como o Miguel, o Chesco e os EsquiloScans. Terceiro, para todos que opinaram e derem força após ler, como o amigo Juca_Son, a Cláudia e a minha amorosa mãe. E por último, a todos que lerem, gostaram e estão voltando aqui hoje para saber o quê aconteceu antes do epílogo do volume 03. Na minha última medição, estamos passando dos 25.000 leitores... UAU !!!! E não tem dia que não aparece um novo via download ou leitor virtual. Um grande abraço a todos, Daniel Alencar


Índice - Reflexões do Autor - Prólogo - Capítulo 01: Destino - Capítulo 02: Encontro - Capítulo 03: Mentiras - Capítulo 04: Renascimento - Capítulo 05: BackDoor - Capítulo 06: Janus - Capítulo 07: Invasão - Capítulo 08: Lixo - Capítulo 09: Egoísmo - Capítulo 10: Mainframe - Capítulo 11: Xeque-Mate - Capítulo 12: Alma Gêmea - Epílogo


Reflexões do autor E aqui estamos nós para a continuação (?) da trilogia Nova Patópolis. Mas é uma continuação? Sim e não... Sim, por que "A Vingança de Janus" começa após os eventos do capítulo 04 do volume 02 e termina antes do epílogo do volume 03. Não, por que a história é totalmente diferente. Não me importa mais as reações humanas dos habitantes de Patópolis, pois elas já foram demonstradas. Muito menos importa aqui a história da criação de Nova Patópolis, pois ela já foi contada. A única coisa que importa neste volume é o pior e mais primitivo dos sentimentos. A vingança, em sua forma mais simples, pura, cruel e satisfatória. Não existe sentimento mais antigo do quê devolver uma ofensa para quem nos prejudica. Não existe maior satisfação do quê ver seu antagonista se dar mal, de preferência da mesma forma (ou pior) da qual ele fez com você. E não estou falando sobre uma vingança passional, rápida e sem planejamento, mas sim de um evento premeditado e planejado por meses, de forma que seja impecável e mortífero. Também não é uma vingança causada por uma única coisa. São anos de sofrimento, que se transformaram em angústia. E como tudo nesta vida, a última gota faz transbordar o copo. "A Vingança de Janus" é a história mais sombria, violenta, humana e redentora que poderia ser contada com nossos grandes amigos patos. Veremos como uma simples atitude pode mudar sua vida para sempre. E como as consequências de uma decisão podem persegui-lo pelo resto dos seus dias. Por que a vingança pode ser satisfatória, mas ninguém disse que era doce. E este sabor amargo costuma durar por muito tempo... Aproveitem a leitura, Daniel Alencar


Prólogo O silêncio sepulcral dentro do prédio iria acabar em alguns segundos. Conforme havia sido programado, assim que o alarme de intruso disparasse, ele teria alguns minutos para derrubar seus oponentes. A confusão gerada era suficiente para evitar a criação de uma estratégia de defesa. Vários agentes já haviam sido abatidos. Outros, mesmo desnorteados, o procuravam inutilmente com as armas em punho. Ao mesmo tempo, ele trocava os pentes das armas automáticas, olhava o cronômetro e posicionava as granadas. A quantidade de adrenalina que corria em suas veias afiava seu raciocínio e mira. Cada passo e cada tiro eram cuidadosamente decididos entre uma sala e outra, o quê garantia 100% de acerto. Cada disparo havia atingido um agente. Ele olhou novamente o cronômetro, pensando em como era impressionante a sensação de quê alguns minutos pareciam horas quando você está com uma arma engatilhada e pronta para cuspir seu conteúdo mortal. Mas ele não poderia se apressar. Tudo deveria ser rigorosamente exato e sem falhas. Após três respirações longas, o cronômetro indicava quanto tempo faltava. Quatorze segundos, treze, doze, onze... Ele se levantou e ficou de frente a porta. Sete, seis, cinco, quatro... Houve tempo para mais uma respiração longa e um movimento para prendê-la, de forma que ele poderia sair totalmente em silêncio. Dois, um... O alarme voltou, as luzes se apagaram e a porta se abriu. Ele saiu da sala de forma resoluta e buscando os próximos alvos. Por mais que os agentes tentassem evitar os próximos acontecimentos, era tudo inútil. Janus não seria detido. E a Agência em peso sofreria com a sua vingança.


CapĂ­tulo 01 Destino


Há 33 meses... Donald Duplo e Ka K andavam cautelosamente na selva. Ambos sabiam que aquela missão estava em um patamar de periculosidade muito mais alto do quê as anteriores. Tentar resgatar a filha do senador daqueles guerrilheiros com certeza poderia matálos a qualquer momento. Com certa má vontade, Ka K aprendia como era conviver com um parceiro. O Diretor soube escolher bem, pois na maioria das situações em que ela mataria alguém sem pensar, Donald Duplo conseguia uma solução onde isto não era necessário. A contagem de corpos durante as missões da Lethal Ducky caíra drasticamente. Em determinado momento ambos se separaram para um reconhecimento do terreno, seguindo por lados opostos. À medida que avançava, Donald Duplo se concentrava no mínimo som que poderia sair de qualquer local daquele ambiente. Ele sabia que uma distração seria fatal. Após mais alguns passos, começou a contornar o tronco de uma árvore gigantesca. Com um passo mais longo, virou a direita bruscamente. A única coisa que seus olhos vislumbraram foi o cano de uma pistola apontando exatamente para eles. Com um conhecimento muito superior da mata, um guerrilheiro ouviu ele se aproximando e posicionou-se em um ponto cego, onde seria impossível vê-lo antes de ser tarde demais. Os próximos segundos transcorreram em câmera lenta. Em silêncio, o inimigo engatilhou a arma. Dois segundos depois, Donald Duplo viu o indicador pressionado o gatilho, para um tiro a queima-roupa em sua cabeça. Sem conseguir reagir, escutou o barulho seco do martelo batendo na agulha que explode a espoleta da bala. O tiro havia falhado. Surpreso, o inimigo olhou para a arma. Foi seu último movimento. Donald Duplo ouviu atrás de si o barulho abafado de um tiro disparado com silencioso. E como sempre, foi certeiro. Lethal Ducky o matara sem qualquer emoção e se aproximava rapidamente. O corpo do inimigo tombou pesadamente aos pés de Donald Duplo, que ainda estava congelado. - Tudo bem, DD? - perguntou Ka K mais por educação do quê preocupação em si. - Tão bem quanto ficaria alguém que viu uma arma ser engatilhada e disparada quase encostada na sua cara - respondeu ele, alguns segundos depois.


- A selva é muito úmida. Às vezes a pólvora perde seu poder explosivo, mas mesmo assim é bem raro. Você deu sorte - comentou Ka K friamente. - Eu nunca tive sorte - respondeu ele melancolicamente. - Então foi o destino. Ele não quis que você morresse hoje por algum motivo. Você ainda deve ter que fazer alguma coisa importante na vida - concluiu Ka K, perdendo o interesse na conversa enquanto se afastava e retomava seu caminho. Após respirar profundamente, Donald Duplo a seguiu e balbuciou para si mesmo: - Destino... Besteira... Daqui a 22 meses... O metrô de Nova Patópolis é o mais eficiente, rápido, infalível e confiável do mundo. Centenas de estações espalham-se por toda a cidade, em todas as direções. Não existem atrasos, quebras ou solavancos. A limpeza e manutenção são impecáveis, com equipes trabalhando 24 horas por dia para manter tudo perfeito. Telas de cristal líquido nas plataformas indicam os horários dos trens, o destino da composição, as integrações possíveis e notícias no geral. O sistema de pagamento das passagens é similar ao Londrino. Existem bilhetes unitários, diários, semanais e mensais. E o valor da tarifa é proporcional a distância percorrida. Não existe “horário de pico”, com estações abarrotadas de usuários. Claro que algumas têm mais movimento, mas o máximo de lotação é entrar no trem e não conseguir um lugar para sentar. Com tantas vantagens, a maioria dos habitantes prefere o transporte sobre trilhos para uso no dia a dia. Táxi, carro particular, motos ou bicicletas na ciclovia vêm em segundo lugar. Naquela quinta-feira, Donald acabara de entrar em uma composição. Em seguida sentou-se em uma poltrona dupla da terceira fila. Normalmente o vagão deveria estar mais cheio por ser o início da manhã, mas ele havia dado sorte. Seria mais fácil observar as pessoas que entravam e saíam rapidamente. Era o terceiro dia que ele fazia este caminho no mesmo horário. Em algum momento, encontraria seu objetivo. Nos dias anteriores, voltava para casa frustrado com a ideia de ter que voltar no dia seguinte.


Apesar da possibilidade de uma visita na hora do almoço, preferia que a situação ocorresse “sem querer”. Como os meninos ainda estavam com sua irmã Dumbela, ele tinha total liberdade para gastar este tempo com ele mesmo. Já fazia três meses que ele pedira para Dumbela acolhê-los. Assim que Donald alcançasse seu objetivo, eles poderiam voltar se assim desejassem. Claro que a saudade estava presente, mas ele precisava fazer isto. Era um distanciamento necessário. Durante o trajeto, abstraía o barulho dos anúncios no sistema de som. Os pensamentos dele estavam viajando para longe. Pensava em sua vida. No dia em que os meninos chegaram trazidos por sua irmã Dumbela. Ela se divorciaria em seguida por causa da agressividade do marido e entraria de cabeça no trabalho para esquecer tudo que passou. Lembrava-se de todas as aventuras e viagens com o tio Patinhas a míseros P$ 0,30 a hora. Cada tesouro ou viagem era uma lembrança agradável. Felizmente existiam muitas. As brigas com seu vizinho Silva, todos os empregos temporários, seus primos Peninha e Gastão, seus saudosos pai e mãe, a vovó e mais uma infinidade de dias e eventos. O trem parou na estação seguinte. Algumas pessoas entraram e outras saíram. Curiosamente, ele não se lembrava de quase nada do seu relacionamento com Margarida. Depois veio o Incidente. Muito angustiado com o desaparecimento do tio Patinhas, terminou tudo com Margarida para nunca mais voltar. Considerava bom que ela havia se casado, pois a lembrança mais significativa para Donald era o término da relação deles. Não que ela tenha aceitado na boa. Em qualquer oportunidade, eles se estranhavam. E costumava ofender Karen, algo que ele não tolerava. Em seguida o aparecimento do primo Patinhas e a retirada dos meninos do testamento, onde eram herdeiros universais. Eles perderam toda a herança, mas aparentemente não se importaram. Donald também não os imaginava fechados dentro de um escritório o tempo todo. Os meninos adoravam a natureza e suas vidas como Generais de dez estrelas dos Escoteiros. Pensou também em toda a loucura que fez nos últimos meses. - Melhor não pensar – conformou-se ele, com melancolia.


Lembrou-se dos detalhes da reconstrução da cidade que virou Nova Patópolis. Nesta época, sua vida pessoal entraria em parafuso. Mais uma estação era anunciada pelo sistema de som do vagão. Inevitavelmente ele pensava em Karen. Ela estava em suas lembranças praticamente todos os dias. Quando dormia, ela o visitava em seus sonhos. Donald a considerava sua alma gêmea, o amor de sua vida. Infelizmente a história deles terminou tragicamente. Após tantos perigos passados juntos, a Agência decidiu demiti-lo e ainda tiveram a pachorra de enviar Ka K para fazer isto. Ao final, ela foi atingida por um agente da Organização e levada em coma para o hospital por Donald Duplo. Mas antes, ele realizou o procedimento Mnemônico completo a pedido dela. A cerca de dois anos e meio, Donald a viu acordar no Hospital Geral de Patópolis. E foi embora, abandonando a mulher que amava sem as memórias de tudo que passaram juntos. Pelo menos era isso que ele acreditava. Ele torcia para Karen ter tido uma vida feliz após isto. Sem as dolorosas lembranças que a machucavam tanto. Graças a Donald, ela havia recebido uma segunda chance. E agora, ele tinha a oportunidade de ter uma também. - Como eu queria ter ela de volta – pensava Donald constantemente. Seu sorriso, voz, alegria de viver, perfume, olhos e penas macias. Qualquer item lembrado de Karen o deixava com uma saudade imensa. Parecia ontem que ela o visitava e se entregava em seus braços. Donald não tinha certeza se seu sentimento era recíproco, pois ela disse que o amava apenas uma vez. Mas não importava. A sensação ao lado dela era única, de uma forma que Margarida nunca o fez sentir. O trem parou em uma nova estação, abriu e fechou suas portas. Logo após, seguiu viagem. Donald sentiu o peso da pequena caixa em seu colo. Tão leve e tão importante. Esta caixa poderia dar a ele a tão sonhada segunda chance. Poderia devolver sua felicidade e sua vontade de viver. Claro que nos últimos anos ele havia vivido apenas para os seus sobrinhos, mas ultimamente isto era insuficiente. A questão é se ele teria coragem de utilizar o seu conteúdo. - Será que estou sendo egoísta? – pensava Donald há vários dias. - A minha segunda chance será boa só para mim? – outra dúvida.


As palavras e questionamentos daquele imbecil estavam martelando em sua cabeça. Começou no momento em que Donald retirou a caixa das mãos dele de uma forma grosseira e continuava até agora. - Quem ele pensa que é? – se remoía – Ele não nos conhecia de verdade, como pode dar opiniões sobre o quê devo fazer? - E se ele estiver certo? – era sua pergunta mais dolorosa. O trem parou na quarta estação. Finalmente, ele descobriria se a sorte lhe sorriria hoje. Donald estava novamente no terceiro vagão da composição, próximo a segunda porta da esquerda. Pelas probabilidades, a pessoa que ele procurava desceria pela mesma escada que usou na outra vez e entraria no mesmo vagão. Era sua melhor chance. Quase imediatamente, uma moça entrou apressadamente no vagão. Ao ver Donald sentado, foi em sua direção. Donald estava com a cabeça baixa, fingindo que não a via, mas a forma charmosa dela andar era inconfundível. Ele teve sorte. - Ora, ora. Se não é o Donald. Encontramo-nos de novo, quem diria – falou a moça com um sorriso. Ao mesmo tempo se ajeitou para sentar-se ao seu lado. - É verdade, eu não imaginava te ver de novo por aqui. Deve ser o destino... – ele falava ao mesmo tempo em que levantava a cabeça para olhar dentro dos olhos dela – ...Karen.


CapĂ­tulo 02 Encontro


Há 17 meses... Donald estava bem animado naquela tarde as 16:33 hs. A proximidade do encontro com sua querida patinha por volta das 20:00 hs preenchia suas emoções, impedindo qualquer pensamento ruim. Eles não se viam há alguns dias e a saudade era imensa. Felizmente ela havia ligou ontem e confirmado que poderia ir para a sua casa hoje, o quê causou minutos depois, a decisão de despachar seus sobrinhos para a casa de Dumbela. Sua ida ao mercado para comprar algumas guloseimas para antes e depois do encontro o ocupavam fisicamente, apesar de seu pensamento permanecer longe. A rede Duck Mart mantinha dezenas de unidades espalhadas pela cidade e pelo país. Desde vendinhas até hipermercados com absolutamente tudo que o cliente poderia querer. Com a cestinha no braço, pegava suco de morango, doces, frios, pães e chocolates. Karen poderia lanchar na chegada se estivesse com fome ou mesmo a noite antes de dormir. Donald estava tão distraído pensando em como seria seu encontro, que não viu uma moça se aproximando na curva do corredor. O impacto de seu corpo contra um pacote que ela segurava foi forte o suficiente para desequilibrá-lo, fazendo com quê sua cesta caísse. Voltando a realidade instantaneamente, ele apressou-se em se desculpar: - Desculpe, desculpe, eu não... Sua frase foi interrompida na metade. - Karen? - Donald? - respondeu ela, não sabendo se pegava o pacote ou olhava para ele. - O quê a senhorita está fazendo aqui? - perguntou ele surpreso. - Ah, eu ia levar uma sobremesa nova para sua casa hoje. Era uma torta de sorvete de nozes - respondeu ela, enquanto se agachava para pegar o pacote. A sensação de vê-la sobrepujou a surpresa. Donald a abraçou forte e lhe beijou com saudade. - Que bom te ver - disse ele, ainda abraçado. - Concordo - respondeu ela, com um sorriso e um olhar brilhante.


- Você pretende ir para sua casa e voltar as 20:00 hs? - questionou ele, lembrando-se que ainda era cedo. - Eu pretendia. Mas já que você está aqui, podíamos passar pelo caixa e ir direto para sua casa, que tal? - foi a resposta com outro sorriso. - Ah... Por mim, tudo bem. Mas não tive tempo de arrumar meu quarto ainda - disse ele, um pouco sem graça. - E daí? Você arruma e depois que eu chego tudo fica bagunçado em minutos respondeu ela com um tom malicioso. Donald entendeu a mensagem em segundos. Ela queria ir agora e nada que ele falasse iria mudar isto. - Então vamos minha linda - rendeu-se ele, oferecendo o braço. - Claro querido - concluiu ela, pegando seu braço e seguindo-o até os caixas. Após passar no caixa e já dentro do carro, Donald fez mais um comentário: - Que mundo pequeno. Onde eu imaginaria te encontrar aqui? - Viu? Se você estivesse com umazinha qualquer, eu teria descoberto - respondeu ela, em um tom brincalhão - E quebraria a cara dos dois. - Ora, se quisesse fazer alguma coisa, eu me esconderia muito bem. Você nunca me acharia - respondeu ele, entrando na brincadeira. Karen abraçou o pescoço de Donald, beijou a lateral de seu rosto e cochichou baixinho no seu ouvido: - Querido, ponha uma coisa nesta sua linda cabecinha. Por mais que você tente, nunca vai conseguir se esconder de mim. Donald virou o rosto, encarando-a com um olhar de desdém. - Estou falando sério querido. Não importa como, eu sempre vou dar um jeito de te encontrar – afirmou ela com toda a convicção do mundo. Daqui a 18 meses... Donald estava mais triste do que o normal naquela manhã. O dia estava bonito e ensolarado, mas não tão quente. Ele considerava este clima o momento perfeito para passear ou ficar sem fazer nada. Nestes dias, lembranças de encontros no parque afloravam. Com crianças brincando e lanches sendo consumidos. E estes encontros normalmente terminavam no quarto dele.


Ele havia sonhado com Karen novamente esta noite e era tão nítido que parecia real. Até o perfume e a maciez de suas penas eram palpáveis, como quando Donald ouvia a voz dela ao seu ouvido, dizendo o quanto ele era especial e importante. Após acordar e constatar a dura realidade, ele decidiu sair cedo para resolver uma série de compromissos na cidade. Pagaria contas, veria itens a serem comprados e até passearia um pouco. Se ele se ocupasse o dia todo, não haveria tempo ou espaço para a melancolia. Fez um farto café da manhã para os meninos e os avisou que não estaria lá quando eles saíssem para a escola. Em seguida pegou os documentos com as contas e saiu apressadamente. Não andou muito até encontrar a primeira estação de metrô disponível. Entrou, se identificou no leitor DNID e acessou as plataformas. O primeiro trem veio em menos de um minuto. A composição parou silenciosamente e abriu suas portas. Donald adentrou e sentou-se em uma cadeira dupla que estava vazia. Olhou o mapa das estações e conferiu que desceria na nona parada. A viagem transcorria sem qualquer problema ou novidade. Ele se mantinha sentado e quieto com o olhar visualizando o vazio. Muitas lembranças agradáveis e algumas ruins passavam por sua cabeça. Nas três primeiras paradas ninguém se sentou ao seu lado. O início de todos os eventos que o ocupariam durante os próximos meses, ocorreu na quarta estação. Totalmente distraído, ele não notou uma moça se aproximando. Ela era alta e vestia um uniforme azul-marinho, com saia e colete. Usava uma blusa branca e sapato com salto. - Dá licença? – pediu a moça, já começando a se sentar. - Claro – respondeu Donald virando o rosto em direção a ela – Fique a vonta... Ele não conseguiu terminar a frase. O susto associado a surpresa o deixaram mudo. - Tudo bem moço? – ela perguntou. - K-K-K-Karen? – gaguejou Donald, sentindo o chão desaparecer sob seus pés. - Sim, é o meu nome. A gente se conhece? – perguntou a moça surpresa também. Demorou cinco segundos para ele se recompor. Respondeu calmamente, tentando consertar o susto que levou:


- Não, claro que não. - Então como o senhor sabe o meu nome? – Insistiu a moça, em um tom desconfiado. - Ah... Eu... Ah... – Donald tentava se explicar quando percebeu o detalhe salvador: – Eu vi o seu nome no crachá. - Ah, bom. Como sou distraída – comentou a moça aliviada – Quando arrumava a maquiagem coloquei o crachá sem perceber. - Mas o senhor pareceu surpreso ao me ver, como se já me conhecesse – disse Karen. - Ah, é que eu me confundi. Você me lembrou muito uma pessoa e eu achei que era ela. Desculpe a minha cara de susto – respondeu Donald, tentando falar no tom mais normal possível, apesar da vontade de agarrá-la e enchê-la de beijos. - Espero que seja uma boa lembrança – disse Karen, com um sorriso tímido. - Sim. É uma lembrança maravilhosa, de uma pessoa única – respondeu Donald com toda a sinceridade e os olhos brilhando. Karen abriu o sorriso. Não conhecia aquele estranho, mas ele era bem simpático. Ao mesmo tempo, ficou feliz de trazer boas recordações a alguém. - Que bom então. Bom, muito prazer e como o senhor viu, meu nome é Karen – falou ela, estendendo a mão. - O prazer é meu. Sou Donald e não precisa do “senhor” – respondeu ele sorrindo e retribuindo o cumprimento. Ele não podia acreditar. Só podia ser o destino, encontrar a mulher que ele amava, sonhava e queria tanto por perto. - Tudo bem, Donald. Você não parece ser tão velho mesmo – disse Karen rindo. Donald leu com toda atenção o crachá dela para sabe onde podia encontra-la de novo. - Você trabalha na Av. Rio Bonito? Que coincidência, eu também – ele mentiu, para conseguir mais informações. - É verdade. Sou secretária de uma empresa no 14° andar do edifício Cetenco II. E você? – perguntou ela. - Ah, eu... – Donald tentava se lembrar dos prédios desta avenida, mas nenhum vinha a mente. Até que pensou no óbvio:


- Eu... trabalho no Cetenco I. - Que legal, é bem do lado – respondeu Karen – E você faz o quê lá? Donald já havia se preparado para esta pergunta e bolou de antemão a resposta de uma forma genérica que não precisaria explicar muito: - Sou consultor de tecnologia. Eu mexo em alguns sistemas de informação. - Puxa, então você é bem inteligente – respondeu Karen com uma pequena admiração. - Nem tanto. Não faço nada demais – Donald disse, com o seu velho costume de se colocar para baixo. Sua autoestima normalmente era inexistente de tanto ser menosprezado pela sua família. - Ainda é modesto. Que bonitinho – disse Karen sorrindo. - Sabe, eu gosto de gente que não fica se achando muito. Meu trabalho não é lá estas coisas e eu sempre escuto umas besteiras de pessoas que não se tocam. Donald não sabia exatamente como proceder, mas não queria perde-la de vista de novo. Ele tinha o endereço e agora poderia vê-la facilmente. Mas precisava criar uma abertura. - Então, quem sabe nos encontramos um dia para o almoço e continuamos esta conversa agradável – ele disse com uma aproximação mais direta. Karen pareceu surpresa. Aquele simpático estranho era bem atirado. - Você sempre é saidinho assim com as meninas que conhece? - perguntou Karen com um sorriso. Donald travou, pois não queria de forma alguma passar uma má impressão para ela. Após hesitar alguns segundos, respondeu: - Não, não. Desculpe se eu te passei uma impressão errada. Eu só queria conversar com você por que te achei uma pessoa agradável. E gente assim é difícil de encontrar nos dias de hoje. Eu sei que vai parecer mentira, mas eu nunca chamei ninguém para conversar assim, eu costumo ficar quietinho dentro do trem. Sem saber explicar o motivo, Karen acreditou nele. Ela também o considerou agradável e gostaria muito de encontrá-lo novamente. E foi com uma sensação de desapontamento que ela disse: - Olha, eu adoraria, mas não vai dar. Donald ficou preocupado. Será que a tinha espantado por que pareceu estar com pressa?


- Por favor, não me entenda mal. Eu só queria conversar, pois minha vida anda muito solitária – disse ele se justificando e tentando consertar. - Eu sei, está tudo bem – respondeu Karen em um tom tranquilizador - É sério, eu adoraria mesmo. Você é simpático e agradável, mas o problema é que meu namorado não iria gostar. Donald levou um tapa violento no rosto. Toda a sua empolgação esfriou imediatamente. Ela não era mais a agente especial Ka K, seu grande amor. Era apenas Karen, uma moça com namorado. Se realmente fora o destino que os colocou em contato de novo, ele agia de forma bem estranha. O destino devia ser muito cruel para fazer uma maldade deste tamanho com ele. Donald reencontrou o amor de sua vida, apenas para descobrir que ela estava comprometida com um sujeito qualquer.


CapĂ­tulo 03 Mentiras


Há 09 meses... Era uma segunda-feira, 08:25 da manhã. O dia estava bonito, sem nuvens no céu e com um sol não muito quente. - Um dia perfeito para recomeçar - pensou ela, de pé e olhando pela janela do 5° andar do Hospital Geral de Patópolis. Naquela manhã, ela estava melancólica. Apesar de desejar com todas as suas forças sair de lá, havia um grande receio sobre como seria sua vida a partir deste dia. Com a ajuda da polícia, ela descobriu quem era. Conseguiu seus documentos de volta e achou sua casa. Quando ela foi agradecer ao Diretor do hospital que a salvou e pagou todas as despesas, ele foi muito evasivo. Não explicou por que o fez e nem aceitou muitos agradecimentos. - Ainda bem que ainda existem pessoas boas - disse ela, emocionada ao conhecê-lo. O máximo de resposta foi um aceno de cabeça. Ela imaginou que o doutor devia ter um jeito retraído e não insistiu. E naquele dia, após três meses, finalmente Karen Duckhan teria alta. E agora era o momento de encarar e se despedir de seu anjo da guarda, o Dr. Patico. Ela sabia o quê o médico sentia. E sua melancolia vinha do fato incontestável de quê não poderia retribuir este amor. Por isto, estava ensaiando há vários dias o quê falaria para ele. Karen havia sido transferida do quarto há alguns dias. Como seu quadro ficou estável, não havia necessidade de um monitoramento tão intensivo. Sua alcunha de Jane Doe do 518, o caso misterioso do hospital, perdeu a força e interesse a medida que ela conversava e melhorava. Com o tempo, as pessoas se esqueciam das estranhas circunstâncias que a levaram até lá. Com isto esta etapa de sua vida estava terminada. Ainda olhando pela janela e de costas para a porta, Karen sabia que Patico estava entrando. Simplesmente pelo seu jeito de pisar no chão. - Fico feliz de te ver levantada - disse Patico, com sinceridade e a voz triste. - Sim. Mas fica triste por que eu vou embora hoje, não é? - respondeu Karen virandose e olhando diretamente para ele.


- E adianta negar? Você entrou na minha vida há tão pouco tempo, mas sinto que sempre te conheci. Nossa cabeça adora pregar peças na gente, não é? - respondeu ele, pegando o prontuário. - Eu sei Patico. Mas é hora de tocar a minha vida. E como agora sei quem sou, posso voltar para casa e daqui uns dias, procurar um emprego. Adorei te conhecer, mas viver em um hospital não é a melhor coisa que pode acontecer com uma pessoa. - Com certeza. Mas cada dia com você foi especial para mim. Parecia que te conhecer era a resposta da minha vida, que me levou a cursar medicina e escapar com vida do Incidente. Você parecia ser o motivo de tudo, e agora preciso me acostumar com o fato de que eu estava enganado - disse ele, mais triste ainda. - Não fale assim, que eu vou chorar - respondeu Karen, indo em sua direção. Ela chegou perto o suficiente para abraça-lo. Patico retribuiu, com vontade de não soltá-la mais. - Você sabe que eu te amo - disse ele, verbalizando pela primeira vez algo que sempre deu a entender. - Sim - foi a resposta dela, abraçando-o mais forte - Desculpe não conseguir te amar também. - Tudo bem querida - concluiu ele. O abraço deles durou mais de dois minutos em silêncio total. Após Patico soltá-la, Karen ainda tinha alguns itens a resolver com ele. - Eu quero te dizer três coisas. A primeira é que talvez você tenha razão. Talvez o fato de você estar aqui neste hospital foi por minha causa. Para me salvar e me apoiar com todo o seu amor. Se for o caso, sua missão foi cumprida com êxito. - Vou tentar pensar assim - respondeu ele com um sorriso. - Em segundo lugar, muito obrigada por tudo, pela companhia, sorriso, conversas agradáveis, atenção e todo o resto. Sua voz sempre me tranquilizou e sua companhia me faz muito bem. - Por causa disto, não pense que se livrará de mim, após eu me estabilizar direitinho, eu passo aqui e te deixo meu telefone. Sempre que quiser falar comigo, pode ligar. E se você permitir, eu queria continuar ouvindo sua voz, nem que seja pelo telefone. - Claro, claro. Eu sempre estarei disponível para uma conversa - disse ele, com outro sorriso.


- E finalmente, não pense que eu me esqueci do beijo roubado - concluiu ela com um sorriso malicioso. Patico corou. Ele também se lembrava de quando, algumas semanas atrás, foi medir a temperatura dela e aproximou-se demais do rosto no mesmo momento em que ela virou em sua direção. Seus bicos quase se tocaram. O problema foi que Patico não resistiu e desceu mais um pouco, dando um beijinho rápido, praticamente um selinho. Karen arregalou os olhos e exclamou surpresa: - Doutor Patico!!!! Ele ficou mais de vinte minutos se desculpando e tentando se explicar. E ficou tão constrangido que Karen teve pena e não tocou mais no assunto. - Me desculpe - respondeu ele - E obrigado por não contar ao meu supervisor. - E você acha que assim estamos quites? Você pede desculpas e pronto? - Eu não tenho muito jeito com as mulheres. Eu simplesmente não consegui resistir. O quê você quer mais que eu faça? Karen achava o jeito dele falar muito fofo. Ela também não estava mais resistindo. - Você nada. Mas eu farei você pagar por isto - disse ela, se aproximando novamente. Karen deu dois passos, estendeu os braços e agarrou o jaleco de Patico. Com força, puxou ele em sua direção e o beijou com gosto. Nos primeiros segundos, Patico ficou travado. Logo em seguida, retribuiu o beijo, passando o braço pelas costas dela, segurando sua nuca e suas costas. O beijo durou mais tempo que o abraço, com Patico finalmente sentindo a respiração e o corpo dela junto ao seu. Mais alguns minutos se passaram até que Karen soltou-se dele. Ela tentava recuperar o fôlego enquanto Patico olhava-a sem acreditar. - Uau! Para quem não tem jeito com as mulheres, você beija muito bem - disse ela, arfando. - Por quê? - foi a única coisa que ele conseguiu balbuciar. - Não é óbvio? Você me roubou um beijo e eu fiz o mesmo agora - disse ela rindo. - Estou falando sério. Você está me agradecendo?


- Também. E te deixo uma lembrança antes de ir embora. - Minha memória não anda muito boa - disse ele, se aproximando novamente. Karen não se mexeu. Patico a puxou de novo e o beijo recomeçou. Ela sentia um carinho imenso por ele. Mas ao perceber que ele a amava, ficou com receio de magoá-lo ao lhe dar esperanças. Karen sentia um pequeno vazio no peito que ele não preenchia. Por isto, ela tinha medo de que quando este vazio fosse preenchido, ele ficasse abandonado. Então preferiu não ter nada com seu anjo da guarda. Mas no momento não fazia diferença a sensação de cada um. Ambos se beijaram por quase meia hora e gostaram disto. Patico por amor, Karen por gratidão e carinho. Daqui a 18 meses... A avenida Rio Bonito localizada no centro de Nova Patópolis, é composta por uma série enorme de prédios comerciais. Muitas grandes empresas tem sede no centro, onde reuniões ou mesmo acordos entre elas eram facilitadas pela proximidade. Na rua, centenas de trabalhadores bem vestidos e de todas as idades, caminhavam apressadamente para cumprir seus compromissos. Mas uma das pessoas que estava nos arredores não trabalhava lá. E ao invés de caminhar, estava atrás de uma das paredes localizadas entre os prédios. Donald lembrava perfeitamente do endereço de Karen. E o nome da empresa, o andar e o prédio “Cetenco II”. Quando ele queria, sua memória era perfeita, e por isso ele decorou com muito cuidado todas as informações disponíveis no crachá. Apesar de Karen ter feito questão de frisar que estava comprometida, ele sentiu uma leve ponta de decepção em sua voz, como se ela quisesse também retomar o contato. E hoje Donald veria a cara do sujeito que pensava que ia ficar com ela. - Será que é aquele médico que cuidou dela no hospital? – ele se perguntava, lembrando-se de Patico. - Ou algum outro safado? – ele pensava com raiva. Mas Donald devia se controlar, pois a pior forma de Karen vê-lo era brigando com alguém. Faltavam quatro minutos para as 13:00 hs. Donald sabia que a grande maioria dos funcionários saía agora. E com sorte, o tal namorado viria almoçar com ela.


Os minutos foram avançando e Donald visualizava todas as pessoas que saíam do prédio. Mas ele ignorava o rosto de todas. A forma de andar de Karen era inconfundível e ele a reconheceria a qualquer distância. Mais um pouco e ele a viu. Aparentemente radiante e feliz. - Quem é o cara, afinal? – ele se perguntava e a seguia a distância. Após ela atravessar a rua para o outro lado da avenida, parou em frente a alguém e deu um beijinho nesta pessoa. - Só pode ser aquele. Mas era muito baixo para ser o médico – pensou Donald – Deixe-me ver melhor o sujeito. Karen estava parada conversando com seu acompanhante. Provavelmente estavam decidindo onde almoçar. Isto deu tempo para Donald se aproximar o suficiente pelas costas de Karen a ponto de ver o rosto do namorado. Donald congelou. Não podia ser ele. - Gastão? – ele balbuciou surpreso e sentindo seu sangue esquentar. - Sempre tentou me roubar a Margarida e agora queria fazer o mesmo com a Karen? – pensou com ódio. - E o miserável ainda está traindo a Margarida – foi seu último pensamento antes de sentir seu rosto queimando e os punhos se fechando. - Agora eu mato este desgraç... – Donald falava e cerrava o punho enquanto andava na direção deles, mas parou. - Calma, calma, calma – ele pensava – Karen não pode me ver como alguém agressivo. - Cadê a frieza que já te livrou de tantas, que já salvou sua vida na época da Agência. Pense, pense. Em alguns segundos, Donald teve o estalo. Já sabia o quê fazer. Engoliu o ódio com muito esforço e com um sorriso, seguiu em direção dos dois. Como ele vinha pelas costas de Karen, o primeiro que o viu foi Gastão. - Olá Gastão, tudo bem? Que legal te ver por aqui – Cumprimentou Donald com o máximo de falsidade possível. - Oi Donald – foi a resposta nervosa. Ouvindo a voz e o nome, Karen se virou.


- Donald, que legal te ver. Bem que você disse que trabalhava aqui. Mas você conhece meu namorado? – terminou a frase, perguntando de forma surpresa. - Ah, ele é o seu namorado? – Donald perguntou sarcasticamente. Gastão gelou quando ouviu esta frase. - Claro que conheço. Gastão é o meu primo favorito, somos grandes amigos desde crianças, não é primão? – perguntou Donald com um sorriso irônico. - Sim, é claro. Venha cá meu primo querido – falou Gastão se aproximando e dando um abraço em Donald. - Por favor primo, não conte para a Margarida – ele cochichou no ouvido de Donald. - Pode deixar, não contarei nada para a Margarida – Donald cochichou com toda a sinceridade. Gastão ficou mais tranquilo e se virou para Karen. - E vocês, se conhecem de onde? – perguntou Gastão para mudar de assunto. - No metrô, igual a gente – respondeu Karen – Incrível que de tantas pessoas, eu tenha conhecido dois primos na mesma situação. - É, foi uma feliz coincidência – respondeu Donald com ironia. Gastão se incomodou com a frase. Parecia que Donald iria falar alguma coisa a qualquer momento. - Então, vamos almoçar Karen? Tenho certeza que o primo Donald está ocupado e não pode nos acompanhar – disse Gastão, claramente o expulsando de lá. Karen notou que Gastão o estava dispensando, mas não entendeu por quê. Antes que conseguisse falar qualquer coisa, Donald respondeu: - Tem razão primão, eu já vou indo. Karen foi um imenso prazer revê-la – falou Donald acenando. Karen concordou com um aceno de cabeça. Sem saber explicar o motivo, ficou triste de imaginar Donald indo embora. - Gastão, quando voltar para sua casa, dê lembranças a Margarida – disse Donald olhando Gastão nos olhos. Gastão engoliu seco. - Você não me disse que tinha uma irmã – comentou Karen. Gastão não respondeu.


- Irmã? Não, estou falando da Margarida, a esposa dele – concluiu Donald. Ele havia cumprido sua promessa cochichada no ouvido de Gastão. Não contaria nada a Margarida, mas não disse nada sobre não contar a Karen. Karen levou o equivalente a um murro no estômago. - É verdade? – perguntou ela com raiva, virando o rosto na direção dele. - Ah, então... Não estamos muito bem... – começou a se justificar. - Não interessa – cortou Karen – Seu mentiroso sem vergonha, só queria me usar para trair sua esposa, não é? Negue se puder. Gastão não respondeu. A sorte de sempre parecia tê-lo abandonado. Espumando de raiva, Karen se aproximou de Gastão. Pretendia dar um tapa em seu rosto. Quando faltava um passo, ela não raciocinou. Simplesmente parou, apoiou a perna esquerda no chão e com um giro rápido do corpo, atingiu em cheio a cabeça de Gastão com um chute forte. Ele virou o corpo com a pancada e desabou sem oferecer qualquer resistência. Donald arregalou os olhos pois já havia visto este movimento dezenas de vezes. Era a especialidade dela. - Ka K? – perguntou para si mesmo. Karen estava assustada também. Não sabia o quê tinha feito e nem por quê. Ela olhava para seu próprio corpo tentando entender o movimento ao mesmo tempo em que via Gastão estirado no chão. Com um olhar confuso, começou a chorar e saiu correndo do local, voltando ao escritório. Gastão deu sorte (como sempre). Pela violência com que foi aplicado, este golpe poderia tê-lo aleijado se Karen estivesse em plena forma. Mas tanto tempo sem treino diminuíra a força e a precisão dela. Donald estava parado sem saber o quê fazer. Ele havia visto algo que nunca imaginava ver de novo e só havia uma explicação para isto. A Agência mentiu. O procedimento Mnemônico aplicado em Ka K que tinha Donald Duplo como alvo, não apagou suas memórias em definitivo como havia sido falado. Elas simplesmente foram escondidas.


Ka K ainda existia em algum canto do cĂŠrebro de Karen. E talvez o amor que sentia por Donald tambĂŠm.


CapĂ­tulo 04 Renascimento


Há 10 meses... A porta da sala abriu-se lentamente. Naquele dia, Donald estava letárgico em todos os sentidos. Seus movimentos indicavam a ausência de ânimo ou bons pensamentos. Há menos de duas horas, ele havia se despedido de seu grande amor após várias visitas ao Hospital Geral de Patópolis, feitas nos dias anteriores. Ver Karen acordada o fazia muito bem, mesmo sem ter a certeza de quê ela se lembraria dele. No dia anterior, ele propositalmente bateu no vidro do quarto e com o canto do olho, conseguiu notar que Karen o viu passando. Sua falta de interesse e atenção comprovou que ela não se recordava. E hoje ele havia tomado a decisão: Karen teria sua segunda chance e poderia viver em paz. Há menos de duas horas, ele a viu pela última vez, conversando alegremente com o médico que sempre a atendeu. E agora ele estava em casa, sozinho, pois os meninos acampavam com os Escoteiros. Ele não esquecia todas as vezes em que Karen o visitava nestas ocasiões. Como entre uma missão e outra os agentes eram dispensados, ela ficava quatro, cinco dias morando na casa dele. E agora, ela não voltaria mais. Donald não entendeu tudo que aconteceu. Gostaria de ir até a Agência apertar o pescoço de alguém até descobrir toda a verdade. Mas isto não a faria voltar. Ele tinha medo do quê faria se ficasse frente a frente com o responsável por isto. Então o melhor era esquecer e tocar a vida. Donald jogou-se no sofá e permaneceu em silêncio. Seu último pensamento antes de adormecer foi: - O agente Donald Duplo está morto. Esta era sua única certeza e nada o faria voltar atrás. Daqui a 19 meses... Aquela terça-feira havia sido agradável. Nem muito calor nem muito frio. E agora perto das 17:00 hs, o clima era perfeito para ficar em casa. Os habitantes de Nova Patópolis haviam terminado mais uma jornada de trabalho e se encaminhavam para casa sem maiores preocupações.


Mas existia um habitante que ficara em casa o dia todo. E tentava se concentrar. Donald estava na sala de estar andando de um lado para o outro. A televisão estava desligada, o telefone fora do gancho e a campainha desconectada. Todo seu nervosismo acumulado nos últimos tempos estava se transformando em revolta. E ele não podia permitir isto, pois seria perda de tempo e energia. Ele buscava o foco. Dois dias atrás, ele teve uma conversa séria por telefone com sua irmã Dumbela: - Dumbela, eu preciso de um tempo sozinho. - Claro mano, será um prazer. Depois do Incidente, eu sempre te ofereci um tempo, você que não queria ficar sem cuidar dos meninos. - Eu sei, eu sei. A questão principal é que não sei te dizer quantos dias eu vou precisar. - Tudo bem, são meus filhos. Mande-os para cá e resolva seus assuntos pelo tempo que for necessário. Quando quiser ou puder recebê-los de novo, basta me avisar. - Obrigado Dumbela, você é uma irmãzona. - Disponha. Só me prometa que você vai ficar bem durante este período de descanso. - É claro que sim. Ficarei ótimo – Donald respondeu pensando na palavra “descanso”. Dificilmente ele descansaria. - Ainda acho que você devia ter se resolvido com aquela moça. Você parecia tão feliz quando falava dela. - Quem sabe mana, quem sabe... – ele respondeu vagamente. Dumbela nunca poderia imaginar o quanto Donald gostaria de ter se resolvido. Mas ela não conhecia quase nenhum detalhe. - Tente esquecer as mágoas, lembrar coisas ruins só nos põem para baixo. – foi o último conselho de Dumbela. - Pode deixar mana, nada do que me fizeram no passado importa agora – concluiu a conversa, mentindo descaradamente. Neste mesmo dia, informou aos meninos sobre este tempo que precisava: - Fiquem tranquilos meninos, não os estou expulsando de casa. Seus quartos ficarão do mesmo jeito, aguardando vocês. Eu só preciso de uns dias ou talvez meses para ajeitar a minha vida. - A gente entende tio – respondeu Huguinho um pouco triste.


- Só sentiremos a sua falta – disse Zezinho, concordando com a cabeça. Luisinho só estava de cabeça baixa. Não queria falar nada, mas também estava triste. - Será só por um tempo – respondeu Donald – Agora venham cá – concluiu dando um abraço nos três. O abraço foi longo e demorado. Cortava o coração de Donald mandar os meninos embora, mas com eles lá, seria impossível atingir seus objetivos. Ontem, viu os meninos no carro de Dumbela se afastando. Ele realmente pretendia recebe-los de volta, mas com a vida e a alma completos novamente. Chega de melancolia, tristeza e vazio. Ele daria um novo sentido a sua vida, reconquistando seu grande amor. Hoje estava andando na sala, pensando em todos os acontecimentos recentes. Havia reencontrado Karen, dera uma lição no safado do Gastão e agora imaginava os próximos passos necessários. Donald se lembrava de cada detalhe ruim que a Agência havia causado a sua vida. Em sua primeira missão, quase foi morto pelo grande líder da Organização, que foi informado de sua localização por um traidor. Passando-se por um agente, o bandido o atacou jogando-o no mar. Durante a missão “Coração Térmico”, foi entregue ao outro lado de propósito. A Agência não sabia se o matariam ou não. Ele só sobreviveu por benevolência dos inimigos. E não era só Donald Duplo que era tratado assim. A agente Jana Smirnov foi abandonada para morrer em território inimigo apenas para não comprometer a missão. Ela escapou e traiu a Agência. Mas como poderiam culpa-la? Mas o pior foi Ka K ter sido baleada depois que um traidor infiltrado informou onde ela estava. A Agência brincava com a vida de seus agentes. Para eles, só importavam as missões. Qualquer pessoa era descartável e dispensável. Estava no manual da Agência: “Todo agente que não coloca a missão acima de tudo, inclusive de sua vida, é chamado de lixo”. E Donald Duplo sempre levou a sério este preceito, até ser demitido de forma sumária. E encarregaram Karen, seu grande amor, de entregar a carta de demissão, sem conversa, opção ou escolha.


Se Donald tivesse aceitado passar pelo procedimento Mnemônico, esqueceria seu passado de agente secreto e seu amor por Karen. E isto ele nunca aceitaria. Era a única coisa da qual ele não pretendia abrir mão. Karen também tinha tanta dor dentro dela e nunca havia dito o motivo. Mas devia envolver a Agência com certeza. E quantas mentiras, jogos duplos, triplos e até quádruplos. Donald não sabia em quem podia confiar. Esta era a vida de um agente secreto. E a última mentira ele descobriu recentemente. Ka K foi incumbida de apagar em definitivo a mente de Donald Duplo. Mas no final, ela própria decidiu passar pelo procedimento, sem saber que esta missão também era uma farsa. - Mentirosos – balbuciou ele. Com todos estes itens na cabeça, Donald tentava utilizar sua famosa frieza para conseguir “encontrar uma solução urgente da melhor forma possível”. Mas para chegar nisto, Donald Duplo deveria renascer. O estado mental que ele atingia quando trabalhava para a Agência deveria voltar. Para uma última e derradeira missão. Toda a tristeza, amargura e angústia deveriam sumir. Ele precisava focar apenas em seu objetivo primário: Vingança. Contra todos aqueles que o prejudicaram, todos que fizeram mal para Karen, todos que os fizeram sofrer. Donald continuava andando pela sala, tentando encontrar o foco necessário. Tentava apagar suas sensações ruins. Seu corpo deveria parar de sentir ou se importar, tendo apenas que funcionar no automático. Após horas de concentração e silêncio, aconteceu. Donald Duplo renasceu. O foco voltou a sua mente. Sua cabeça estava totalmente voltada para descobrir a melhor forma de se vingar. A forma de destruir todos eles e não ficar uma marca ou prova contra ele. Se ele deixasse uma prova, no mínimo pegaria prisão perpétua em um presídio federal sob a acusação de alta traição. O governo não teria piedade se o pegasse.


Seus neurônios estavam trabalhando a toda velocidade, analisando possibilidades, ponderando opções e avaliando os riscos envolvidos. O plano se formou naturalmente. - Sim, eu sei o quê devo fazer – pensou ele – É tudo tão óbvio agora. - Mas não como Donald Duplo. DD acreditava que trabalhava por um mundo melhor e tombou em missão juntamente com sua parceira Ka K. A partir de hoje, meu nome será Janus – decidiu dele – Um novo agente, para cumprir uma única missão. - Janus, como o deus Romano de duas caras. O símbolo do traidor que não merece confiança – pensava ele. - Karen, você me disse um dia que odiava pessoas que não cumprem o quê prometem – pensava consigo mesmo – Mas fique tranquila, eu prometo que não vou parar enquanto não derrubar estes calhordas da Agência. - E vou precisar de sua ajuda. Só depois poderemos nos encontrar de novo. Eu vou arrancar a verdade deles e trazer você de volta para a minha vida – concluiu ele. Para todos os efeitos, o agente Donald Duplo estava morto, era um desaparecido, um MIA. Mas a Agência descobriria da pior forma possível que as vezes nem mesmo a morte poderia impedir uma vingança. O agente Janus derrubaria a Agência. E seriam a agente Ka K e os criminosos da poderosa Organização que lhe forneceriam os meios para conseguir isto.


Capítulo 05 BackDoor


Daqui a 19 meses... Nesta sexta-feira, o dia estava mais quente do quê o resto da semana. Principalmente pelo horário. Por volta das 14:00 hs, o sol podia não estar em seu momento mais quente, mas o dia estava muito abafado. Donald Duplo havia renascido há três dias e agora utilizava o codinome Janus. Ele ficara todo este tempo planejando em detalhes tudo que seria feito, desde as datas até as armas necessárias. Sua primeira visita aconteceria a seguir. Apesar de ele preferir fazer isto de manhã, sua anfitriã tendia a ser mais receptiva na parte da tarde, pois como ficava a madrugada toda em computadores, ela dormia até o meio dia. Janus estacionou seu velho 313 duas ruas abaixo de onde iria. Precaução nunca era demais e ele não tinha certeza se alguém monitorava a casa que receberia sua visita. Descendo do carro, ficou imaginando como seria recebido. Com certeza ela estava informada de algum jeito da “deserção” de Donald Duplo e Ka K. Ele só não imaginava a forma como a Agência registrou isto. Chegando até o portão, tocou a campainha. - Quem é? – foi o grito ouvido lá de dentro. - Alguém que precisa de um favor – foi a resposta dele. - Bela resposta, mas quem é você? – insistiu a voz. Janus não respondeu. - Se for uma piada... – disse a mulher, abrindo a janela para ver o rosto de quem falou. Ao visualizar Janus, congelou. - Posso entrar? – ele perguntou. Ela acenou com a cabeça sem falar nada. Parecia que tinha visto um fantasma. Janus passou pelo portão e chegou na porta que foi aberta em seguida. Ele entrou sem cerimônia e falou rapidamente: - Pela sua reação, você devia acreditar que eu estava morto. Ela balançou a cabeça de novo.


- É um prazer revê-la, Irma. Preciso de um enorme favor que só pode ser realizado pela melhor de todas as hackers. E com isto, você vai me ajudar a vingar Ka K. - Sente-se – disse ela – Me conte tudo desde o início. Janus passou as duas horas seguintes contando tudo. Desde o inicio da parceria com Ka K, a paixão deles, as missões, a ordem para apaga-lo, o tiro, o apagão da própria Ka K, o coma, o reencontro e as memórias que não sumiram. E concluiu com a sua volta como agente Janus. - Que história incrível, Janus. A Agência divulgou que Donald Duplo e Ka K eram MIA. Eu pensei que haviam morrido em uma destas missões pelo mundo afora – Irma falou ainda muito surpresa. - Melhor ainda. Se Donald Duplo é MIA, não pode ser responsabilizado pelo que acontecerá – disse ele. - Realmente senhor Janus. Mas o quê você fará? – perguntou preocupada. - Derrubarei estes calhordas, não sobrará nada da Agência – respondeu Janus em um tom melancólico. Irma estava assustada. Além de nunca imaginar vê-lo vivo de novo, agora ele aparece com este plano maluco e com um tom de voz assustador. - Janus, se fosse fácil assim já teriam feito isto – ela disse. - Por isto que preciso do seu favor. Não contarei os detalhes para não te comprometer. Você só saberá a conclusão – disse Janus em um tom tranquilizador. - Vamos com calma. O quê você quer de mim? Depois eu digo se ajudo ou não – propôs Irma, ainda preocupada. - Duas coisas. A primeira é o nome e endereço de alguém do alto escalão da Organização. Alguém influente o suficiente para permanecer intocado, mas que provavelmente tem acesso ao grande Líder. - A segunda, quero acesso a BackDoor que você ajudou Ka K a implantar na sede da Agência – concluiu ele. Irma ficou pálida e sem reação. Ka K não podia ter lhe contado isto. Há 16 meses... Donald havia arrumado novamente a sua casa. Após a ligação no dia anterior e a marcação do encontro para as 22:00 hs, aguardava Karen para uma grande noite ao seu lado.


Ele não havia ligado na melhor hora, mas acreditava que sua linda não havia se importado. Passados alguns minutos, a campainha tocou. Donald seguiu apressadamente até a porta e a abriu com delicadeza. - Boa noite, é aqui que mora um pato inteligente e charmoso? – perguntou ela. - Sim. E que estava com saudades de uma patinha linda – foi a resposta. Karen entrou rapidamente e deu um beijinho na cabeça de Donald. Em seguida, disse: - Também senti sua falta. - Que bom - pensava Donald. Karen apoiou sua bolsa no braço do sofá e caiu pesadamente. - Desculpe, estou cansada – comentou ela. - Tudo bem. Eu que peço desculpas por te ligar ontem durante o trabalho – respondeu ele. - Fique tranquilo. Eu podia lidar com aqueles idiotas falando ao telefone, pintando as unhas e fazendo uma hidratação na pele – respondeu ela rindo. Donald havia ido até a cozinha enquanto ela falava e a serviu um copo de suco de uva. - Obrigada, querido – agradeceu – Mas eu notei que sua voz estava meio estranha quando eu atendi. - Ah, nada demais. Foi só a histérica da Margarida que me achou na rua e começou a gritar o quanto nós a traímos – respondeu ele. - As vezes tenho pena dela. Felizmente eu não fui responsável por nada – comentou Karen. - Claro que não. Mas vamos esquecer isto e nos concentrar na sua presença aqui – respondeu Donald. - Sim. Mas antes eu preciso de um banho quente e relaxante – disse Karen. - A vontade linda. Você sabe onde é o banheiro e a sua toalha está lá – foi a resposta com um sorriso. - Obrigada, meu querido – disse Karen, se levantando e indo até o banheiro.


Donald percebeu cansaço em sua voz. Ele a deixaria relaxar na água quente e depois faria uma massagem em suas costas do jeito que ela adorava. Quem sabe ela até dormiria lá naquela noite. Duas horas depois, Donald e Karen estavam deitados lado a lado. Ela havia relaxado e estavam conversando amenidades. Após alguns comentários sobre suas atividades para o dia seguinte, Karen falou da visita que faria a sua amiga Irma: - Irma ficou de me entregar algumas informações sobre o local que eu vou invadir na próxima missão. - Imagino que ela seja muito útil – respondeu Donald sorrindo – Ela até já conseguiu apagar uma multa de trânsito que eu pedi. - No ranking mundial da comunidade hacker, ela é uma das melhores – respondeu Karen seriamente. - E quem vê não dá nada por ela, hein? – respondeu Donald rindo – Se veste de qualquer jeito, cabelo desgrenhado, óculos de fundo de garrafa – ele comentou se lembrando da péssima aparência da qual se lembrava. Donald a conheceu rapidamente, durante uma das visitas de Karen. Toda vez que era preciso alguma informação por meios extraoficiais, Irma conseguia facilmente. - Não se deixe levar pelas aparências – disse Karen. - Eu a conheci durante meus treinamentos de tecnologia. Ela era melhor que os professores e como eu era uma das únicas alunas que conversava com ela, nos tornamos grandes amigas. - Ela até fez uma coisa para mim que não faria por ninguém – concluiu Karen, deixando escapar um grande segredo. - E o quê seria, linda? – perguntou Donald com curiosidade. Karen hesitou. Não devia ter falado a última frase. Após alguns segundos, respondeu: - Nada demais. Esqueça o assunto. - Nem pensar. Agora você vai falar. - Você não pode me obrigar – disse ela, fazendo bico. - Ah não? – disse Donald sentando-se na cama e começando a fazer cócegas na cintura dela.


- Para – falou ela rindo. - Para – falou começando a gargalhar - EU TE MATO! – gritou, rindo mais ainda e se debatendo. Karen não conseguia se soltar da tortura imposta por Donald. Ele subia rapidamente as mãos para as axilas, o pescoço e depois voltava para a cintura. - Chegaaaaa – ela implorava, ainda se debatendo e rindo muito. - EU FALO, EU FALO – gritou quase sem ar e ainda rindo. Donald a soltou e a deixou recuperar o fôlego. Com certeza seria muito difícil falar naquele momento. Karen ficou rindo um pouco ainda e respirando rápido para voltar ao normal. Estava com vontade de quebrar o bico de Donald com um murro, mas ela considerava sua culpa ter falado demais. - Tudo bem, eu conto. Mas preciso que esteja ciente de que se esta informação vazar, Irma e eu iremos fazer uma viagem de férias sem escala para a cadeia – disse ela gravemente. - Nossa, o negócio é sério – pensou Donald. - Pode ficar tranquila, linda. Não falarei nada nem sob tortura – foi a resposta. Karen tomou fôlego e se preparou para contar a história. - Quando eu entrei na Agência, não conhecia ninguém e ficava um pouco assustada com a nova vida que estava levando. Eu só podia confiar no meu instinto. - O mais preocupante era que se algum inimigo invadisse e tomasse o prédio, não haveria muita coisa a ser feita, pois ele é totalmente fechado. Só existem a saída principal e algumas laterais, todas controladas por um sistema centralizado. - Se o sistema fosse dominado, o prédio impediria a saída de qualquer pessoa – concluiu ela. - Tá, e o quê isto tem a haver com você e Irma? – perguntou ele. - Eu chego lá – ela respondeu - Irma foi contratada com a minha indicação como consultora para a montagem de alguns módulos adicionais, que precisavam de precisão extrema. Por exemplo, eventos para disparo de alarmes, backup, câmeras de segurança e outras coisinhas. - Enquanto trabalhava nisto, eu pedi que ela criasse uma BackDoor * no sistema principal.


* BackDoor - Porta dos Fundos. Em sistemas de informática, permite o acesso externo de um invasor ou administrador. É uma salvaguarda ou uma sabotagem montada por um programador ou hacker. Donald se assustou. Isto cheirava a sabotagem. - Só eu e ela sabíamos. Se acontecesse alguma coisa errada no prédio, a partir de uma senha eu poderia sobrescrever as ordens de qualquer um. Eu pedi isto a ela como um seguro de vida para mim – explicou Karen. - Os comandos básicos eu sei de cor, como apagar luzes, abrir portas, etc... Mas ela fez algo tão completo, que é possível controlar quase todo o prédio. - E isto não é perigoso? – perguntou Donald com uma preocupação genuína. - Só se alguém ficar sabendo, concorda? – respondeu Karen. Donald balançou a cabeça concordando. Nos minutos seguintes, Karen deu todos os detalhes desta falha de segurança. E frisou outra vez o quanto ele não poderia falar sobre isto com ninguém. Donald concordou novamente. Ela tinha razão, era melhor ele não saber sobre isto. Mas este segredo seria guardado e ele nunca mais tocaria no assunto. Donald começou a fazer uma nova massagem para Karen relaxar. Enquanto alisava as costas dela, uma frase se formou em sua mente: - Eu te amo... Mas ele não teve coragem de falar. Já era a segunda vez que tivera esta vontade, mas preferiu ficar quieto. - Temos tempo – pensou ele. Donald continuou massageando Karen até que ela dormiu profundamente. Em seguida, ele adormeceria com a cabeça próxima a ela, sentindo seu perfume. Um pouco antes, balbuciou para si mesmo: - Karen, eu te amo tanto... Daqui a 19 meses... Irma se recompôs do susto, mas demorou preciosos segundos para conseguir falar. Tentou escapar do assunto, dissimulando: - Ah, não sei do que você está falando.


- Sem joguinhos Irma. Você acha que Ka K não compartilhava seus segredos comigo? Ela tinha medo do QG da Agência ser tomado e pediu para você implantar uma falha que permitisse um acesso total. E não adianta negar – disse Janus muito seriamente. Irma ficou realmente preocupada. Se esta BackDoor fosse encontrada era motivo suficiente para uma estadia por décadas em um presídio, sob a acusação de crime de sabotagem. - Mas Janus, se vai utilizá-la precisarei destruí-la ao final para não restar provas – ela comentou, suando. - É exatamente o quê eu quero. Nenhuma prova. – respondeu ele. - Ka K te deu os detalhes? – perguntou ela nervosamente. - Sim. Digitando uma senha de acesso na entrada ou em qualquer console, você habilita a BackDoor. Em seguida, pode disparar comandos para qualquer rotina do sistema principal – respondeu Janus calmamente. - Com isto pode-se controlar o prédio inteiro, exceto duas áreas. O armazenamento central que fica em uma rede a parte e o laboratório técnico que tem geradores e segurança isolada – concluiu ele. - Eu não tenho escolha, não é? Se eu não ajudar, você pode me entregar – respondeu Irma. - Eu nunca faria isto, mas espero de coração que você me ajude. Por Ka K, que teve sua vida destruída por eles. Eu não vou permitir que eles façam isto com mais ninguém – respondeu Janus. Irma ficou quinze minutos pensando em todos os prós e contras. Até que se decidiu. - Tudo bem, eu ajudo. O endereço do sujeito é fácil. O quê você quer que a BackDoor faça? – perguntou ela imaginando se estava fazendo o melhor. - Eu lhe direi – foi a resposta. No dia seguinte... Aquele sábado começou agradável. A rua estava silenciosa e o clima ameno. Donald acordou em casa por volta das 14:00 hs. Havia estado com Irma até o meio da madrugada esperando ela programar tudo que ele precisava. Não poderia haver falhas, pois ele só teria uma chance. Após levantar e beber um copo de suco de laranja foi até a sala pensar um pouco. - O acesso e os comandos da BackDoor estão comigo. Agora só faltam as armas – pensava ele.


Mas precisaria esperar alguns dias para contatar o sujeito da Organização. Segundo Irma ele estava viajando e como era um figurão, podia ser facilmente rastreado. Nos próximos dias, ele descansaria e aprimoraria seus planos. Mas uma leve batida na porta interrompeu seus pensamentos. - Quem será? – pensou ele preocupado – Irma não seria louca de me entregar, não é? Caminhou até a porta e pelo olho mágico, viu a última pessoa que podia esperar. - Margarida? Espero que não tenha vindo para me encher – pensou ele, abrindo a porta. - Olá Donald – foi a frase dela. - Olá. Em que posso ajudar? – perguntou educadamente. - Me deixa entrar, por favor? – ela pediu bem baixinho. - A vontade. Mas espero que seu marido não se importe. Digamos que ele deve estar com raiva de mim – ele comentou sem explicar que havia causado a pancada que Gastão levou de Karen. - Está, mas não me disse o motivo – falou Margarida, entrando. – E também não me importa. Ele viajou em mais um cruzeiro que ganhou e eu não quis ir. - Então pode se sentar – disse Donald, ainda desconfiado. - Obrigada – foi a resposta, enquanto ela sentava-se no sofá. - Posso te oferecer alguma coisa? Suco, água? - Um copo de água, por favor. Donald foi até a cozinha, encheu um copo e voltou em seguida, entregando para ela. Margarida bebeu tudo rapidamente enquanto Donald se sentava de frente a ela em uma poltrona individual. - Então, posso saber o quê a esposa do Gastão veio fazer em minha humilde morada? – perguntou Donald com certo sarcasmo. - Vim lhe pedir desculpas, Donald – foi a resposta em um tom envergonhado. Donald se surpreendeu. O orgulho de Margarida sempre a impediu de admitir algum erro, muito menos pedir desculpas.


- A vontade – foi a resposta dele com certo cinismo. - Primeiro sobre a Karen – ela começou. - Uau, nunca imaginei ouvir você chama-la pelo nome. Eu estava tão acostumado com o apelido carinhoso “vadia” – respondeu ele com muito sarcasmo. - Erro meu, eu sei. A terapia do Professor Ludovico está me ajudando muito. A raiva que eu tinha da Karen era por que ela o fazia feliz, de uma forma que eu nunca consegui. Fazia sentido, pensou Donald. - Desculpe tê-la xingado por tanto tempo. Ela deve ser uma boa moça – desculpou-se Margarida. - Com certeza é – foi a resposta de Donald. Ele parou com o cinismo, pois notou sinceridade nas palavras. - Sei que vocês estão separados, mas não quero saber os motivos – concluiu ela. - Eu não contaria mesmo – pensou Donald. - Segundo, desculpe todas as vezes que saí com Gastão enquanto namorávamos – começou a falar de novo, bem envergonhada. - Após muitas sessões, eu cheguei a conclusão do motivo. Eu refletia em você a minha insegurança. Achava que se você tivesse certeza do meu amor, ficaria com outras meninas até achar uma melhor. Eu tentava te segurar mantendo-o inseguro, mas a insegura era eu. Também fazia sentido, pensou Donald. - Mas fique tranquilo. Ele só era meu acompanhante. Eu nunca o deixei me tocar, sentia até nojo dele – concluiu ela. - Mas casou-se com ele – acusou Donald. - É complicado. Outra hora eu explico – respondeu ela com um suspiro. - Está certo, aceito suas desculpas – disse Donald com um grande sorriso de satisfação – E agora? - A única coisa que espero de você é a sua amizade. Quando precisar conversar, desabafar ou mesmo se sentir bem, me ligue. Eu virei imediatamente – concluiu Margarida.


- Que ironia – pensava Donald – Eu sempre achei que estar com o Gastão fazia ela se sentir melhor do que estar comigo e na verdade é o oposto. - Ok Margarida. Eu aceito ser seu amigo. Mas não garanto a parte de te ligar, pois não sei se continuarei sozinho por muito tempo – falou Donald, sem entrar em detalhes. - Tudo bem, eu estou a disposição para quando você quiser – respondeu Margarida. - Muito bem. É só isto? Se for, agora eu estou ocupado – disse Donald muito feliz, dando a entender que ela devia ir embora. - Não, tem mais uma coisa – disse ela. Margarida se levantou e andou até a poltrona de Donald. Sentando-se em seu colo, começou a beijá-lo de forma intensa. Instintivamente Donald retribuiu aos primeiros beijos. Após alguns segundos, ele se incomodou. - Para, para. O quê está fazendo? – Perguntou Donald tentando se afastar. Mas não conseguiu tirá-la de seu colo. - Estou me sentindo viva – foi a resposta, enquanto começava a beijá-lo de novo com força. Donald a afastou de novo, mas mesmo não querendo, se sentia muito bem por Margarida procura-lo para sentir-se viva. Isto provava que o senhor pretencioso perfeito também falhava. E o safado do Gastão merecia uma esposa infiel. Margarida insistiu nos beijos. Quanto mais ele afastava, mais ela avançava. Este jogo duraria um bom tempo ainda e terminaria no chão da sala, quando Donald finalmente se desvencilhou. - O quê é isto? Você está louca, mulher? – perguntou ele enquanto se levantava com um misto de surpresa e bem estar. - Não. Estou totalmente lúcida – respondeu ela, se recompondo. - É melhor você ir agora – concluiu ele arfando. - Estou indo, Donaldinho. Só não esqueça o quê eu disse – falou ela indo em direção a porta. - Se precisar de qualquer coisa, me telefone que eu virei imediatamente – concluiu, saindo pela porta. Donald desabou no sofá, ainda não acreditando no quê tinha acontecido. Algumas horas mais tarde enquanto se preparava para dormir, ele pensava:


- Estas loucuras sĂł acontecem comigo. NĂŁo posso perder o foco do meu objetivo. Ele se deitou e antes de adormecer lembrava-se de sua Ăşnica meta: - Karen...


CapĂ­tulo 06 Janus


Daqui a 20 meses... O banqueiro Moneti estava relaxando em sua mansão. Aquele dia havia sido cansativo. Tantas reuniões, visitas, cartas e problemas a resolver. E tudo isto apenas do seu negócio principal, o Banco MoneGrana. Todas as operações oficiais rendiam muito, mas como todo homem ambicioso, ele queria mais e por isso nunca parava e nem descansava. Cada dia era usado para um negócio novo, desde os mais simples até os mais arriscados. Havia um toca-discos em sua grande sala de estar. Um item retrô nos dias de hoje, mas extremamente charmoso. Um disco de vinil contendo a 5° Sinfonia em Dó Menor de Beethoven preenchia o ambiente. Ele ouviria a sinfonia inteira bebendo uma taça de dry martini, feito por ele mesmo com o melhor gim que o dinheiro poderia comprar. O banqueiro estava tão absorto que não notou a presença de outra pessoa em sua sala. Este invasor entrou discretamente e seguiu até o toca-discos. Na melhor parte da sinfonia (na opinião do dono da casa), o som simplesmente parou. Moneti olhou rapidamente para o toca discos e viu um sujeito mascarado todo vestido de preto, segurando a agulha. - Quem é você? – perguntou assustado. - Um amigo – foi a resposta. - Você acha que eu acredito? – disse o banqueiro correndo até o controle do sistema de segurança. Alguns segundos antes de pegá-lo, um tiro disparado com silencioso destruiu o controle. Agora ele não podia chamar seus guardas. - Viu só? Se eu não fosse seu amigo, este tiro teria te matado – disse o invasor. - Mas isto não quer dizer que eu terei paciência com você. Se não me ajudar, basta mata-lo e procurar um outro qualquer. Será tão fácil quanto foi te achar e entrar aqui. O banqueiro estava ficando muito assustado. - O quê você quer? – perguntou nervosamente. - Calma. Primeiro vou te mostrar que sei com quem estou falando – disse o invasor, andando em sua direção, apontando a arma.


- Você é o banqueiro Moneti, dono do banco MoneGrana e um dos homens mais ricos de Nova Patópolis. Esta é sua identidade oficial. - Agora a identidade não oficial. Você é o 4° em comando do grupo criminoso conhecido como “A Organização”, sendo que seu banco funciona como uma lavanderia de dinheiro. Não existe negócio sujo que não tenha a sua mão. Moneti sentiu-se gelar por dentro. Quem era este sujeito? - Você está louco. Não sei do quê está falando – se defendeu o banqueiro – Você não tem como provar nada. - Provas são para a justiça. Eu tenho cara de policial ou promotor? – perguntou o invasor se aproximando. - Não têm – pensou Moneti. Ele parecia mais um assassino de aluguel. Mas se quisesse mata-lo, já teria feito isto. - E o quê você quer afinal? - perguntou o banqueiro. - Uma entrevista com o grande Líder – foi a resposta, em um tom tranquilo – E nem tente dizer que não sabe de quem estou falando. Já disse que não terei paciência. Moneti não esperava por isto. Confirmar que podia entrar em contato com o grande Líder era uma admissão de culpa. Mas o invasor falou que o mataria se não colaborasse. O banqueiro não tinha escolha. - Digamos que eu consiga que ele te atenda. O quê o impede que mande dezenas de seguranças aqui para mata-lo? – perguntou Moneti tentando ser o dono da situação. - Nada, mas eu te mato primeiro – foi a resposta curta e grossa – E como ninguém me impediu de entrar, creio que também não vão me impedir de sair. O banqueiro se arrepiou. O tom de voz era de alguém que estava falando muito sério. - Calma, calma, eu ligo para ele então – disse um pouco assustado. Moneti andou até a parede esquerda e retirou um dos quadros. Existia uma tela fina com alguns botões que ele pressionou rapidamente. A imagem de uma mesa com alguém sentado apareceu. A câmera apontava para baixo e não era possível ver o rosto da pessoa. - O quê você quer? – foi a pergunta grosseira. - Senhor, tem alguém aqui com uma arma na minha cabeça querendo falar com você – foi a justificativa, com um pouco de medo.


Um segundo depois, a coronha da arma desceu com força na nuca de Moneti. Ele desmaiou ali mesmo. - Espero que não se importe grande líder. A conversa é particular – falou o invasor. - Eu gosto de pessoas ousadas. Então ao invés de mandar te matar agora, vou te dar cinco minutos de atenção. Pode falar – disse o grande líder. O invasor retirou a máscara e se exibiu para a câmera. - Ora, ora. Se não é o meu amigo Hook que me custou trinta milhões. Ou devo dizer Donald Duplo? Acreditava que você estava morto – disse o líder em um tom de surpresa. - Donald Duplo está morto. E tanto sua morte como a de sua mulher foram causadas pelos canalhas da Agência, aqueles que ele chamava de amigos – respondeu Janus. - Meu nome é Janus, o duas caras. - Que resposta interessante. Que bom que ele morreu, era uma pedra no meu sapato. Mas creio que deveria mata-lo também, senhor Janus – ironizou o grande líder. - Pensou que me pegaria? Quanta ingenuidade – concluiu ele. - Não, pensei que poderíamos nos ajudar mutualmente – respondeu Janus. O grande líder se surpreendeu de novo. A conversa estava tomando um rumo inesperado. - E por que eu te ajudaria? – perguntou interessado – O quê eu ganharia com isto? - A queda da Agência – respondeu Janus laconicamente. Trinta minutos depois, Janus havia explicado tudo que a Agência fez a ele e a Ka K. E comentou seu plano de acessar o quartel general a partir de uma falha na segurança. - Resumindo Janus, você tem os meios de entrar na sede deles, mas precisa que eu forneça as armas necessárias para detoná-la, é isto? – perguntou o grande líder muito interessado. – Sim. Pense bem, eu garanto que vou acabar com eles. Se eu falhar, você perdeu uma dúzia de armas, mas se eu tiver sucesso, seu maior inimigo estará acabado – respondeu Janus. - Interessante – pensou o grande líder. Não podia ser um truque pois Moneti estava acima de qualquer suspeita e nenhuma missão federal poderia abordá-lo. Conversar comigo não mudaria nada e eles não arriscariam um agente que poderia ser capturado e torturado em troca de algumas armas.


- Então senhor Janus. Caso eu aceite, o quê o senhor vai querer? – questionou o líder. - Algumas bombas, explosivo C4, óculos de visão noturna, colete a prova de balas, duas pistolas e alguns pentes carregados com uma munição especial – foi a resposta. - Só isto? – pensou o líder – Ou este sujeito está louco ou tem um grande trunfo na manga. - Tudo bem. Minha perda seria mínima mesmo que você não consiga. Mas caso consiga, eu creio que poderei utilizá-lo na Organização. Você será um dos meus homens de confiança – disse o grande líder. - Então como faremos? – perguntou Janus. - Pode ir por enquanto. Amanhã procure Moneti em seu banco que ele estará instruído a te levar a nosso arsenal mais próximo – respondeu o grande líder – A partir de agora, você é nosso colaborador. E devo admitir que gostei de seu codinome. - Bem vindo a Organização, agente especial Janus. - Obrigado, então eu estou indo por hoje – disse Janus, virando as costas e saindo da sala. O grande líder estava curioso. Realmente a Agência havia dado baixa nos agentes Donald Duplo e Ka K. Então a história contada por ele fazia todo o sentido. - Imagine ter a Agência retirada do meu caminho em troca de umas armas? – pensou o líder, gargalhando. Fora da mansão, Janus entrou no carro e se afastou. - Consegui a segunda parte, meu amor – pensou consigo mesmo – Eu estou cada vez mais próximo de acabar com aqueles canalhas e ter você de volta. No dia seguinte... O grande banco MoneGrana abriu suas portas para mais um dia. Na área de atendimento ao público, tudo era agradável e confortável. Os clientes caminhavam pelo térreo sem se dar conta dos andares acima, como a área administrativa, financeira, tecnologia da informação e a presidência e conselho. No canto direito do térreo, havia uma recepção com vidros blindados que dava acesso a um elevador. É para lá que Janus seguiu tranquilamente. Nesta recepção uma moça muito bem arrumada estava no balcão. Três seguranças fortemente armados andavam pelos arredores. Ela viu Donald passando pela porta e perguntou de forma simpática:


- Bom dia, senhor. Em que posso ajudar? - Vim falar com o presidente, o Sr. Moneti. Diga a ele que Janus está aqui – ordenou Donald secamente. A moça se surpreendeu. Dificilmente alguém visitava o presidente. Mas algo no tom de voz daquele pato a fez obedecer sem questionar. - Um momento, por favor – foi a resposta. Após algumas ligações, a autorização havia sido dada. A recepcionista se surpreendeu com a desenvoltura do visitante. Devia ser alguém muito importante mesmo. - Siga-me, por favor – disse ela se levantando da mesa com uma chave na mão e seguindo até o elevador. Chegando lá, ela colocou a chave no painel de controle e virou. - Pronto Sr. Janus. Eu liberei o acesso ao 15° andar, privativo da presidência. O senhor Moneti o aguarda lá. – disse a moça respeitosamente. - Obrigado meu bem – respondeu Janus. Ele entrou no elevador, pressionou o botão de número quinze e aguardou. - Importante e bonitão – pensava a moça ao ver a porta se fechando – Quem me dera... Janus chegou ao 15° andar rapidamente. Seguindo pelo corredor, viu uma porta aberta e entrou. Moneti, com um curativo no pescoço, estava sentado em uma das cadeiras. - Sente-se, senhor Janus – disse ele. - Sem ressentimentos, tudo bem? – perguntou Janus, sentando-se. - Claro, é um dos preços a pagar por esta nossa vida – respondeu Moneti com sinceridade. - E o quê o grande líder decidiu sobre minha oferta? – questionou Janus. - As ordens foram claras. Você vai descer até o estacionamento do 2° subsolo e aguardar um sedan prata com três agentes – explicava Moneti - Eles vão confirmar que você não está armado ou grampeado, cobrir seu rosto e leva-lo até um dos nossos arsenais.


- O líder te deu um vale ilimitado de “compras”. Após pegar o quê você quiser, os agentes te soltarão em um local qualquer que você queria. Alguma pergunta? - Não. Estou indo então – respondeu Janus, levantando-se. - Só um conselho, senhor Janus. Ninguém brinca com o grande líder e fica vivo por muito tempo. Então cuidado com suas ações – falou Moneti gravemente. - Até qualquer dia, senhor Moneti – foi a resposta. Janus voltou ao elevador e desceu até o 2° subsolo. Lá chegando, aguardou por vinte minutos a chegada do carro combinado. - Agente Janus? – perguntou o motorista. Ele trajava terno e usava óculos escuros. - Sim – foi a resposta. - Por favor, entre pela porta de trás, para que o senhor possa ser revistado – pediu educadamente o motorista. - Claro – respondeu Janus, abrindo a porta do carro e entrando. No banco de trás, um outro agente com a mesma roupa do motorista passou um detector de metais procurando armas e um analisador de ondas de rádio, procurando celulares, GPS ou grampos. - Ele está limpo – falou o agente. - Então podemos ir – respondeu o motorista. Havia outro agente ao lado dele no banco do passageiro. - Com licença agente Janus – pediu o agente do banco de trás, colocando um saco preto na cabeça dele. Janus estava indefeso e sem ver para onde ia. Só podia torcer que o grande líder mantivesse a palavra ao invés de simplesmente mandar eliminá-lo. Após quase trinta minutos, o carro entrou em algum lugar. - Pode tirar o saco, agente Janus – falou o acompanhante dele no banco de trás. Ao tirar, Janus se viu dentro da garagem de um galpão. Finalmente ele entraria em um dos temidos arsenais da Organização. Em relação a criação de armas, eles eram bem mais criativos que o idiota do Gizmo. - Por favor, siga-nos – pediu o motorista. Janus seguiu os agentes por alguns corredores até chegar de frente a uma porta.


- Lá dentro, você conversará com o técnico em armas, o agente Pólvora. - Nome curioso – pensou Janus, entrando pela porta. - Olá agente Janus – falou um homem magro e estranho – Meu nome é Pólvora e cuido deste arsenal. - Olá – foi a resposta de Janus. - Eu recebi ordens de te entregar tudo que precisa. Posso saber quais serão as “compras” do dia? – perguntou o agente. A Agência recebia informes regulares das armas desenvolvidas pela Organização. Como os agentes também recebiam estas informações, Janus sabia exatamente o quê podia pedir. - Claro. Vamos começar com o básico – respondeu ele. - Capacete com óculos de visão noturna, infravermelho e binóculo ótico, protetor auricular com regulagem de tempo, colete de Kevlar nível cinco, pastilhas de explosivo C4, duas Magnum calibre 44 com silencioso e dez pentes vazios para eu levar já carregados – começou a lista. - Tudo bem – respondeu Pólvora anotando tudo. - Um kit de sobrevivência auto injetável com morfina e epinefrina. - Hmmm – concordou. - Cinco granadas clarão, cinco granadas sônicas, cinco granadas explosivas potência três e munição especial para as Magnum, em quantidade suficiente para encher todos os pentes. - Qual tipo? – perguntou o agente. - Modelo BCHAG, com SDT0445. O agente achou a escolha curiosa, mas não lhe cabia questionar. - E finalmente, as bombas – disse Janus com um suspiro. - A parte boa agora – respondeu o agente interessado. - Duas unidades modelo EFRAGLA em detonação sequencial de cinco segundos e um segundo, com SDT0432. - De novo a série SDT? – pensou o agente – Que tipo de gente ele vai enfrentar?


- E por último uma unidade modelo PELEMAG32, com detonação em dez minutos. É apenas isto, agente Pólvora – finalizou Janus. O agente Pólvora considerou os pedidos bem estranhos. Não conseguia imaginar a sequência de inimigos que seriam abatidos por estas armas específicas. Mas novamente preferiu ficar quieto. - Só aguarde um pouco, tá? Além de pegar tudo, preciso programar os detonadores e preparar o SDT – disse ele, imaginando todo o trabalho que teria. - A vontade, mas não erre nenhuma das especificações que eu te passei. Um erro mínimo e volto aqui para acertar as contas com você, compreendeu? – ameaçou Janus, em um tom bem calmo. - Pode ficar tranquilo – respondeu o agente – Será tudo 100% conforme você pediu. Após quatro tediosas horas, o agente Pólvora já tinha preparado tudo. Colocou todos os pedidos em pequenas malas escuras e trouxe para o agente Janus. - Aqui está seu pedido, agente Janus. Ainda bem que não precisa assinar nenhum recibo, né? – falou o técnico tentando ser engraçado. - Muito obrigado – foi a resposta, enquanto Janus pegava todas as malas e saía da sala. - Disponha – respondeu o técnico. Ele chegou a sentir pena dos indivíduos que estivessem no caminho deste homem. Janus voltou para a garagem onde os três agentes aguardavam por ele. - Já terminei senhores – disse ele – Por favor, me levem até a Rua das Hortênsias. Esta rua ficava duas quadras abaixo de sua casa. Era melhor não indicar a eles onde morava. Os agentes cumpriram os protocolos. O vendaram, levaram até a rua pedida e foram embora. Janus seguiu andando até sua casa com as malas recebidas da Organização. Chegando lá, deixou tudo na sala e entrou direito no banho. Relaxado e com um roupão confortável, voltou a sala para verificar suas aquisições. Enquanto conferia cada item, pensou: - Seu destino está selado Diretor. A Agência vai cair diante de seus olhos.


Capítulo 07 Invasão


Daqui a 21 meses... O quartel general da Agência era um prédio discreto localizado na área norte da cidade. Visto de fora, tinha apenas três andares e uma recepção simples. As poucas pessoas que entravam e saiam eram entregadores, o carteiro e encarregados da manutenção. Os agentes costumavam entrar e sair por outros locais, impedindo que possíveis olheiros os fotografassem ou os seguissem. O primeiro andar era a área de convivência com salas, mesas, computadores, banheiros e copa. No segundo estava a sala do diretor, áreas de treinamento, academia e biblioteca. O terceiro era a parte técnica, onde Gizmo tinha um laboratório e sua área de criação de apetrechos. Além dos três, alguns andares no subsolo guardavam segredos como os servidores, sala de interrogatório, prisão para agentes inimigos e outros. Janus acessaria o QG pela entrada próxima ao metrô. A partir da estação “Primavera no Canadá”, uma porta dava acesso a um corredor que levava a outras duas. Todas muito fáceis de arrombar. O problema era a última porta, blindada e com acesso através de um painel com senha. Se fosse digitada errada, acionaria o alarme. Ele escolhera uma sexta-feira a noite para entrar lá. Com ajuda de Irma descobriu a escala dos agentes e chegou ao número de dezessete. Durante dias normais, as vezes até quarenta agentes estavam presentes no QG. Além deles, tinha certeza que Gizmo e o Diretor também estariam lá (eles estiveram nas últimas sete sextas-feiras). Janus estava vestido normalmente até acessar o corredor que chegaria a primeira porta. Deste ponto em diante, câmeras de segurança poderiam filmá-lo. Ele se trocou rapidamente, vestindo um colante preto com o colete de Kevlar por cima, mais a máscara e o capacete que poderia acionar a visão noturna, infravermelha e binóculo ótico. Também usava o protetor auricular que se acionado, isolaria seus ouvidos de qualquer barulho externo. Utilizava um cronômetro no pulso para controlar os tempos de cada ataque. Neste momento, ele estava se aproximando da porta com o painel de senha. Tinha que digitar a monstruosa sequência numérica passada por Irma, sem errar nenhum dígito. Só tinha uma chance de entrar sem disparar o alerta de intruso. Não podia esquecer a sequência de comandos que a BackDoor realizaria. Eram muitos e ele devia se adaptar sabendo qual seria o próximo. Chegando a porta, reviu mentalmente toda a sequência pedida para Irma.


Daqui a 19 meses... Os últimos quinze minutos foram de uma longa batalha interna. Irma imaginava se devia fazer tudo que este rapaz estava pedindo, arriscando seu pescoço por ele e Ka K. Mas se fosse verdade tudo que ele falou, era injusto deixar barato. A Agência merecia o troco. Mesmo indo contra seu lado racional, Irma se decidiu em favor daquele casal outrora apaixonado. Ajeitando seus óculos, suspirou longamente e disse: - Tudo bem, eu ajudo. O endereço do sujeito é fácil. O quê você quer que a BackDoor faça? – perguntou ela imaginando se estava fazendo o melhor. - Eu lhe direi – foi a resposta. - Primeiro, desligue a gravação de todas as câmeras de segurança. Se alguém olhar os monitores, aparentemente estarão funcionando, mas nenhuma estará gravando. Não deve ficar nenhuma imagem de nada. - Tudo bem – respondeu Irma, pegando um bloco de anotações e começando a escrever. - Em seguida, dispare um comando para todas as centrais externas de backup de dados da Agência. Mande zerar as cópias em trinta minutos. Isto vai garantir que qualquer informação que esteja fora do prédio vai sumir. - Ok, mas o próximo backup vai copiar todos os dados dos servidores novamente – comentou Irma. - Calma. O passo seguinte é levantar um firewall triplo com uma senha aleatória. A partir deste momento, nenhuma informação entra ou sai do prédio da Agência. - Esperto – pensou Irma. - Desabilite todos os usuários ativos no prédio. Ninguém deve conseguir fazer nada lá. Crie um novo usuário de nome Janus com acesso total para o meu uso. - E por último desligue a central telefônica. O prédio deve morrer para qualquer acesso ou comunicação externa – concluiu Janus. - Tudo bem, eu entendi – respondeu ela – A primeira rotina é a comunicação e os dados. O prédio não será acessado por ninguém e só você poderá comandá-lo. - Perfeito. Vamos a segunda etapa – disse Janus se ajeitando na poltrona – Esta é mais delicada e precisa ser precisa.


- Pode falar rapaz – respondeu Irma. - Após ativar a BackDoor, me dê três minutos sem acontecer nada. Depois desligue todas as luzes por cinco minutos ao mesmo tempo em que ativa o alarme de intruso. E abra todas as portas. - Você quer gerar confusão – disse ela. - Sim. Como o prédio é blindado, não importa o barulho que ocorra lá dentro, nada será ouvido na rua. O alarme somente confundirá os agentes presentes. - Repita esta sequência três vezes, com um intervalo de três minutos entre cada uma. Durante o intervalo, acenda as luzes, feche as portas e desligue o alarme. - Ao final das três sequências, ligue as luzes, desligue os alarmes e abra todas as portas. É só isto, Irma – concluiu Janus. - Só? Você está brincando – respondeu ela – Tantos comandos vão gerar centenas de dígitos para você informar na entrada. E se errar um, eles serão avisados. - Não vai acontecer. Simplesmente faça-os, por favor – respondeu Janus calmamente. - Tudo bem Janus. Preciso incluir também que a BackDoor seja apagada. Você só terá uma chance – disse ela. - É tudo quê eu preciso – foi a resposta. Nas horas seguintes, Irma programou todos os comandos pedidos por Janus. Ao final, imprimiu uma folha com uma sequência monstruosa de números. Também tinha uma folha com o nome, endereço e foto do figurão da Organização que ele pediu. - Aqui está Janus. Boa sorte – ela disse, entregando a folha. - Eles é que vão precisar. Obrigado Irma – agradeceu Janus, se levantando e saindo da casa. Chegando ao carro, começou a imaginar todas as armas necessárias para a invasão. Daqui a 21 meses... Em frente a porta de acesso, Janus digitava com a maior concentração possível toda a sequência numérica. Não poderia haver erros, pois não haveria uma segunda chance. Ele demorou quase dez minutos para passar todos os números. Ao apertar a tecla verde, saberia se havia funcionado. A ausência de um alarme indicaria o sucesso.


Antes, programou seu cronômetro para três minutos e ligou. Imediatamente pressionou o OK do painel. Não houve qualquer barulho, a porta abriu normalmente. Ele havia conseguido e agora tinha três minutos até o início da confusão. Internamente, os comandos estavam acontecendo sem ninguém perceber. As câmeras pararam de gravar, as centrais de backup receberam o comando para apagar os dados e a comunicação estava sendo cortada. Todos os usuários perderam o acesso e a contagem regressiva dos próximos comandos havia começado. Janus correu pelo térreo passando pela recepção, seguindo até a escadaria que dava acesso ao primeiro andar. Sacou uma das Magnum e deixou três pentes cheios em um dos bolsos. Os demais itens estavam em pequenas bolsas presas com velcro em sua roupa. Olhando para seu cronômetro, viu que a bagunça começaria em um minuto. Programou novamente para seis minutos e ligou. - Quando chegar a cinco eu começo – pensou ele – Ao zerar, preciso me esconder – finalizou o raciocínio, ligando o visor noturno e o protetor auricular. Faltavam dez segundos. Janus engatilhou sua arma e pôs a mão no trinco da porta. Repentinamente, tudo se apagou e os alarmes de intruso soaram. - Hora do show – pensou ele abrindo a porta e correndo para dentro do primeiro andar. Todos os agentes presentes no prédio se assustaram. Escuridão total junto com o alarme de intruso? Não fazia sentido. - O quê é isto? – gritou um deles. - Não sei – foi a resposta. - O prédio foi invadido? – gritou o primeiro. - Sem confirmação visual de nenhum invasor – respondeu o segundo. - Pegue a arma – gritou novamente o primeiro. Não houve tempo. Um pequeno barulho metálico quicou dentro da sala no meio deles. Instintivamente eles olharam em direção ao som. A primeira granada clarão fez seu serviço. Com a variação violenta de luminosidade, ambos foram cegados momentaneamente. A medida que apalpavam o vazio procurando alguma coisa, Janus entrou na sala e com dois disparos, derrubou os agentes.


- Só faltam quinze agora – pensou ele, olhando para o cronômetro. Ainda tinha dois minutos e meio. Janus havia confirmado a inexistência de agentes em quatro cômodos do andar. Após sair da sala ia olhando as outras salas próximas. Em duas não havia ninguém, mas na terceira viu quatro agentes armados, um deles com uma lanterna apontando para a porta. - Um invasor – gritou ele, atirando em direção a porta. Janus se protegeu a tempo. Pegou outra granada clarão e lançou dentro da sala. O agente com a lanterna não teve tempo de gritar para os outros protegerem os olhos. A explosão cegou três deles, que ficaram com medo de atirar a esmo nos próprios companheiros. Durante a explosão luminosa, Janus atirou para dentro da sala e notou que dois agentes caíram. Seu pente havia esvaziado e ele pegou a outra arma rapidamente. - Eu te vi seu desgraçado – gritou um dos agentes, atirando em direção a porta. O outro ainda não enxergava. Janus olhou seu cronômetro. Tinha apenas quarenta segundos. - Sinto muito, colega – pensou ele. Em seguida pegou uma granada explosiva e lançou para o outro canto da sala, quicando três vezes e explodindo. Os agentes não tiveram tempo de se proteger. O deslocamento de ar lançou os dois contra a parede oposta. Em seguida Janus entrou e atirou em ambos, que já estavam caídos. Imediatamente, correu para dentro de uma sala vazia que tinha visto. Entrou nela faltando cinco segundos. Quase no mesmo instante, as luzes se acenderam e o barulho parou. Como as portas se fecharam, Janus estava seguro por três minutos naquela sala. Aproveitou para trocar os pentes das duas pistolas. Ele ouvia os gritos de outros agentes que não conseguiam sair de onde estavam no momento. Todas as portas estavam trancadas e não abririam. - Faltam onze agora – pensou ele, arfando e tentando retomar o fôlego. No andar de cima o Diretor não estava entendendo nada. As luzes se apagaram, o alarme tocou e agora tudo se normalizou. Seria uma invasão? Ele tentava acessar seu computador sem sucesso.


Janus reprogramou seu cronômetro para cinco minutos e esperava pela segunda sequência. A porta abriria e ele sairia de volta ao corredor. De repente as luzes apagaram, o alarme reiniciou, a porta abriu e ele ligou o cronômetro. Saindo devagar, viu a distância dois agentes que não o notaram por estarem de costas. Ele andou alguns passos e se aproximava discretamente. Sem querer, chutou a lateral de uma mesa. Em um segundo, os dois agentes se viraram para atirar em direção ao barulho. Janus já tinha um sob a mira e disparou. O primeiro agente começou a cair. Após mais um segundo, o agente de pé terminou o giro e atirou. Quase no mesmo instante que Janus, que havia refeito a mira após o primeiro tiro. Ambos foram atingidos quase ao mesmo tempo e caíram. Cerca de seis segundos depois apenas Janus se levantou gemendo. O tiro o acertara na altura do peito, do lado direito. O colete de Kevlar o manteve vivo, mas o impacto em cima de uma costela quase a quebrou e a dor era muito forte. Janus estava de pé, tentando não sentir a pontada dilacerante que vinha de onde o impacto o atingiu. - Droga, droga, droga. Eu não posso parar – pensava ele, contendo um gemido e pressionando o peito, com dificuldade para respirar. - Faltam só nove agora. Rapidamente colocou a mão direita em um dos bolsos e retirou uma ampola de morfina. Se aplicada em alguma veia, ela faria efeito em cinco minutos, mas ele não tinha todo este tempo. Segurando a pistola entre as pernas, com a mão esquerda apalpou o pescoço. Após identificar a artéria carótida, destampou a ampola e aproximou-a de seu pescoço. Em dois segundos, estava aplicado. Uma dose de morfina tão perto do cérebro causava efeito a partir de trinta segundos. Ele tinha que eliminar aquela dor que praticamente o impediria de fazer qualquer coisa. Após alguns segundos, a dor começou a aliviar. - Foco, foco, foco – pensava ele – Não existe dor e não existe volta.


- Continue sua missão. Sem hesitação e sem piedade – concluiu Janus, voltando a ativa. Ele sabia que a morfina tanto poderia causar euforia como sonolência. Se ele começasse a ficar com sono, teria que aplicar um estimulante e o único que tinha era epinefrina, uma versão da adrenalina. Esta mistura era perigosa e ele preferia evita-la. No andar restava apenas uma sala onde ele não havia olhado. Ele seguia até ela quando mais dois agentes saíram de lá com uma lanterna e o viram de relance. Começaram a atirar ao mesmo tempo em que ele se jogou dentro de outra sala vazia. A dor no peito o incomodou um pouco quando chegou ao chão. Rapidamente Janus engatinhou até a porta, sacou mais uma granada clarão e soltou o pino dela. Posicionou-a abaixo do batente e fechou os olhos. Como os agentes vinham correndo nesta direção, seriam atingidos em cheio. Alguns segundo depois, a explosão luminosa fez seu trabalho. Os dois agentes ficaram cegos, perderam a lanterna e não sabiam para que lado ir. Janus saiu da sala e com precisão, atingiu os dois com a Magnum. - Faltam sete – pensou ele, com um pouco de dor. Olhou o cronômetro que marcava dois minutos. Em seguida, trocou novamente o pente da pistola e correu até a última sala, confirmando não haver ninguém. Provavelmente os últimos agentes estavam em outro andar. Janus correu rapidamente para a escadaria que dava acesso ao segundo andar. Ele precisava chegar até a porta de acesso entre o primeiro e o segundo antes que elas travassem de novo. Ele subiu a escada rapidamente e ao chegar á porta de acesso do segundo, olhou o cronômetro que marcava trinta segundos. - Mais um descanso seguro de três minutos - pensou ele, arfando e quase sem sentir a dor no peito. Logo após as portas travaram, as luzes acenderam e o alarme parou. Enquanto ajustava o cronômetro para a última sequência, notou um detalhe que salvou sua vida. Existia uma câmera de segurança apontada exatamente para onde ele estava ao mesmo tempo em quê efeito da morfina estava completo, a dor havia desaparecido. Os agentes do segundo andar estavam cientes que ele estava lá. Assim que passasse pela porta, seria recebido com dezenas de tiros. - Hora da EFRAGLA – pensou ele.


Ele retirou uma unidade da bomba esférica com agulhas. Aparentemente era uma bola de metal feita de alumínio. Com um toque em um de seus lados, um led amarelo acendeu. - Cinco segundos, um segundo – pensou ele. Janus estava segurando a bomba na mão direita ao mesmo tempo em que apoiava o trinco da porta com a esquerda. Tanto o movimento de pegá-la, quanto o clique no botão para armá-la e a bomba em si estavam invisíveis aos agentes, pois ele a segurava na posição oposta da câmera. Do outro lado, seis agentes aguardavam com lanternas e armas apontadas para a porta. Não adiantava atirar agora pois a porta era blindada. Mas assim que o desgraçado a abrisse, um comitê de boas vindas o receberia. - Silêncio. Provavelmente ele entrará quando a luz apagar. Assim que acontecer, ligamos uma lanterna e quando tivermos confirmação visual, atirem a vontade – falou baixinho um dos agentes. De repente, as luzes apagaram. Os agentes engatilharam as armas e aguardavam a porta se abrir. Janus havia pressionado novamente o lado certo e o led ficara vermelho. Em seguida abriu o suficiente e empurrou a bomba para dentro, fechando em seguida. Os agentes apenas viram um pequeno movimento da porta e uma bolinha rolando. - O quê é isto? – disse um deles. Quatro segundos depois, uma pequena explosão lançou sua cobertura metálica para todos os lados, expondo centenas de agulhas que formavam o corpo da bomba. Um segundo depois, uma outra explosão mais potente, lançou as agulhas em todas as direções. Os agentes receberam dezenas de picadas. Gritaram de dor e caíram convulsionando, até que após alguns instantes, todos pararam. Janus abriu a porta e contou seis agentes caídos. - Ainda falta um – pensou ele. Ele entrou no segundo andar, indo até a primeira sala que estava vazia. - É apenas um e talvez ele tenha bom senso. É muito arriscado correr o andar inteiro só por causa dele. Vou esperar o fim da sequencia e o acendimento das luzes. – pensou Janus.


Mais quatro minutos se passaram e tudo terminou. A programação de Irma foi perfeita e agora todas as portas estavam abertas, não tinha barulho e só restava um agente. Janus retirou o capacete de visão noturna e manteve o protetor auricular já desligado, e a máscara. Ouviu de dentro da sala o último agente entrando correndo na área onde estavam os outros seis caídos. - Apareça desgraçado. A Agência tem mais um defensor de pé, pronto para acabar com você – gritou ele. - Novato – pensou Janus – Deve ser um rapaz, senão não gritaria indicando onde estava. - Acabou rapaz – gritou Janus – Renda-se que eu vou apenas te amarrar. - Nunca – gritou ele atirando na direção da sala onde Janus estava. - Azar o seu – pensou Janus, pegando uma granada sônica. Ativou o protetor auricular e retirou o pino, lançando-a para fora da sala. O agente viu a granada quicando no chão e pensou que fosse explosiva. Ele se abaixou e protegeu a cabeça, não o ouvido. Quando explodiu, o barulho foi tão intenso e agudo, que o rapaz instintivamente soltou a arma e tentou fechar os ouvidos. Ele gritava ajoelhado no chão com os tímpanos quase estourando. O grito só serviu para revelar sua posição. Janus já estava saindo da sala e com um tiro preciso, o acertou em cheio. - Acabaram os agentes – pensou ele, confirmando ser apenas um rapaz empolgado. A dor já não importava mais. A proximidade de seu objetivo o fez se esquecer de tudo. - Você é o próximo, Diretor – pensou Janus, retirando o protetor auricular e deixando apenas a máscara.


Capítulo 08 Lixo


Há 12 meses... Ka K havia sido chamada a sala do Diretor. Como isto só acontecia quando havia uma nova missão ou para receber uma bronca, ela esperava que fosse a primeira opção. Ao entrar na sala, viu o Diretor sentado e com os olhos baixos. - Ah, obrigado por ter vindo Ka K. Sente-se por favor – disse ele, indicando a cadeira. Ela dificilmente via aquele homem abatido. Alguma coisa errada havia acontecido ou iria acontecer. - Disponha Diretor. Posso saber o motivo da convocação? – perguntou ela. - Claro. Só peço uma coisa. Não me interrompa até que eu termine. Nem uma vez, combinado? – pediu ele, com um tom de voz triste. - Tudo bem, Diretor – respondeu ela, com a certeza de que seria algo grave. - Ka K, o quê eu vou te contar é sigiloso, pois provém de informações repassadas por agentes duplos infiltrados. Não pode ser repassado em hipótese alguma, em nenhuma situação – começou ele. Ka K concordou com a cabeça e se preparou para uma longa história. O Diretor se ajeitou na cadeira e olhando nos olhos dela, começou: - Quando te apresentei a ficha de Donald Duplo, comentei que ele havia realizado apenas uma missão e que havia passado por um procedimento Mnemônico parcial. - O motivo do procedimento é que durante a missão, Donald Duplo foi atacado pelo grande líder da Organização. Ele foi até o local da missão e o jogou no mar. - Por sorte, ele foi resgatado por pescadores e escapou. Mas ele é o único agente que viu o rosto do grande líder e ficou vivo para contar a história. Nós apagamos parcialmente a memória dele a seu pedido e o deixamos voltar para sua vida normal. - Tudo bem – foi a resposta de Ka K. - Até que precisamos dele novamente para ser seu parceiro e eu incumbi você de trazê-lo após ele assistir um DVD onde havia gravado uma mensagem dizendo ser um agente. Eu acreditava que como havia passado um bom tempo, a Organização o havia esquecido. - Ele trabalhou com você em diversas missões até hoje. E sei que vocês se tornaram ótimos amigos também – disse o Diretor com um olhar triste. O Diretor nunca havia citado a relação de Ka K com DD. Isto a deixou sem graça.


- Agora vamos ao motivo de você estar aqui. Com eu te pedi no início, não me interrompa – pediu ele. Ka K concordou de novo com a cabeça. Ela estava começando a ficar preocupada. - A cabeça de Donald Duplo esteve a prêmio todo este tempo. Diversos agentes da Organização já tentaram mata-lo e alguns mercenários também. - Com o tempo, o valor para sua morte subiu muito e as tentativas também. - Agora, segundo informações de agentes duplos, a Organização decidiu dar prioridade a este caso. Eles vão mata-lo de qualquer jeito. - Donald foi rastreado e eles conhecem alguns parentes dele, como os sobrinhos e os primos. A Organização vai ataca-lo a qualquer momento. E se neste dia ele estiver com a família, todos serão mortos. - Após analisar todas as opções possíveis, eu tomei uma decisão. E é aí que você entra. - Agente especial Ka K, caso aceite, a missão é neutralizar o agente Donald Duplo. Você deve obriga-lo a passar por um procedimento Mnemônico completo e irreversível, de forma que ele esqueça tudo da Agência. - Eu vou dar baixa no agente Donald Duplo como MIA. E ele terá a chance de viver em paz, sem ser perseguido ou atacado pelos chacais da Organização. Ka K não conseguiu responder. Ela deveria escolher entre o trabalho que dava sentido a sua vida e o pato que ela amava, apesar de nunca ter admitido isto a ele. Os próximos minutos seriam decisivos para a vida dela. Ka K ou Karen, uma delas perderia em definitivo algo muito importante. E ela teria que decidir o quê seria. Daqui a 21 meses... O prédio da Agência estava em silêncio, tão completo e absoluto quanto em um cemitério. Os alarmes cessaram juntamente com todo o barulho e movimento. As portas se abriram expondo todas as salas e seus ocupantes. Nenhum telefone ou console de computador estava funcionando. O Diretor estava desesperado. Sozinho em sua sala, ele acompanhou as três sequências de escuridão e alarmes. E os intervalos de silêncio e luzes.


Durante todo este tempo, tentava pedir reforços por telefone. Todos estavam mudos. Tentou entrar em seu computador para avisar outros agentes sobre o ataque. O acesso era negado. Ouvia os gritos dos agentes parando de repente. Ouviu alguns tiros e explosões. Mas agora tudo havia cessado. O prédio da Agência havia se voltado contra eles. Por ser blindado e reforçado, o barulho não era ouvido do lado de fora. Não podia contar que a polícia ou os vizinhos ouvissem tudo. O Diretor não sabia se permanecia em sua sala como um alvo fácil ou tentava abandonar o prédio e arriscar que os invasores o encontrassem. Deviam ser muitos para neutralizar tantos agentes. E a única arma que ele possuía na sala não daria nem para o começo. Esta indecisão durou pouco tempo. Uma voz gélida quebrou o silêncio. - Acabou Diretor. Os dezessete agentes foram neutralizados. O senhor está sozinho – foi a frase ouvida por ele. - Não tem mais ninguém? – pensava o Diretor suando muito – A voz disse o número exato, então eles contaram cada corpo caído. O Diretor continuava parado atrás da mesa com a arma engatilhada. Se estes desgraçados achavam que ele seria abatido como uma ovelha, estavam muito enganados. - Agora o senhor tem duas opções. Soltar a arma e conversar ou virar picadinho – falou novamente. Alguns segundos depois, um pacote quadrado foi lançado dentro da sala. - Esta é a segunda opção, um pacote de C4. Um simples tiro a distância vai fazer a sala e o senhor em mil pedaços. Decida rápido – concluiu a voz. O Diretor não tinha muita opção. Se aquele pacote era C4, não sobrariam nada dele ou da sala caso houvesse o tiro. E se o invasor queria conversar, ainda havia uma chance. O Diretor poderia convoca-lo ou talvez pagar mais do quê deram pela sua cabeça. Este tipo de mercenário só entendia a linguagem do dinheiro. - Tudo bem, você ganhou. Estou guardando a minha arma na gaveta, estou desarmado – ele gritou de volta. - Encoste-se na parede a sua esquerda, de costas e com as duas mãos na cabeça – foi a resposta.


O diretor obedeceu sem falar nada. Assim que encostou, gritou: - Tudo bem, eu estou na parede. Alguns segundos depois, o Diretor ouviu passos entrando na sala. - Estou com uma Magnum apontada para a sua cabeça. Qualquer movimento ou gracinha e o senhor vai conversar com os anjos – ameaçou a voz. O Diretor não respondeu. Ele não pretendia reagir, e sim, convocar este invasor mercenário. Se ele sozinho derrubou dezessete agentes, era melhor ter este sujeito a seu favor. - Coloque as mãos cruzadas atrás das costas agora, bem devagar – ordenou a voz, chegando bem perto. O Diretor obedeceu sem falar nada. Rapidamente o invasor prendeu os pulsos dele com uma braçadeira. Agora ele estava totalmente indefeso. - Agora vire-se – disse a voz. O Diretor virou-se e ficou de frente com seu algoz. Era um sujeito não muito alto, vestido todo de preto e com máscara. - Quem é você e o quê pretende? – perguntou o Diretor. - Eu sou apenas um fantasma que não pode descansar antes de cumprir uma missão – disse ele. O diretor não entendeu que tipo de maluco era este. - Teve uma época em que eu estava vivo, amava uma mulher e acreditava que poderia fazer do mundo um local mais seguro. Até que perdi tudo e hoje rastejo pelos cantos, sem ver sentido em nada. - Meu objetivo é... – começou a falar, retirando a máscara. - ...derrubar a Agência. – terminou de falar, exibindo seu rosto. O Diretor engoliu seco. Não podia ser. - Você é... – foram as únicas palavras que saíram roucamente de sua garganta. - Agente especial Janus da Organização. Chegou a hora de o senhor responder por tudo que fez contra os agentes Donald Duplo e Ka K – disse ele com os olhos injetados de ódio.


O Diretor não podia acreditar. Seu melhor agente, de quem ele não tinha notícias a quase três anos, estava na frente dele e armado. Ele havia passado por todos os outros que estavam em seu caminho e para piorar, se identificou como um agente da Organização. Como era possível ele ter sido convocado por aqueles bandidos? Mas se ele quisesse mata-lo, já o teria feito. Então bastava manter a calma e ver qual era o objetivo disto tudo. Ele esperaria o invasor falar. - Está sem palavras, Diretor? – perguntou Janus sarcasticamente – Espero que seu ânimo de conversar volte, pois tenho diversas perguntas e várias colocações a fazer antes de terminar aqui. O Diretor respirou aliviado. Ele realmente queria conversar antes de tomar qualquer atitude extrema. - Eu quero conversar sobre todos os erros cometidos pela Agência. Todas as atitudes erradas que prejudicaram a vida dos agentes – disse Janus. - Primeiro sobre o agente Donald Duplo. Durante a missão “Coração Térmico”, ele foi entregue de bandeja para os inimigos. E a única certeza de que ele não seria morto foi a palavra dos sequestradores. Estou correto, Diretor? – perguntou ele com raiva. - É verdade, mas Donald Duplo aceitou os riscos da missão. Ele sabia que a missão sempre vem em primeiro lugar, mesmo que arrisquemos a vida do agente – foi a resposta. - Certo Diretor. E quanto a agente Jana Smirnov que foi abandonada para morrer dentro do perímetro inimigo? – perguntou de novo. - Mesma situação. O cumprimento da missão era mais importante que a vida dela, que demorou um minuto e meio além do tempo do resgate – respondeu sem hesitar. - Ok. E quanto a agente Ka K? Qual a relação dela com a Agência, desde o início? – questionou Janus. - Seus pais verdadeiros eram agentes e morreram em serviço. Após alguns anos no orfanato, providenciamos sua adoção por outro casal de agentes. Seu pai adotivo morreu em missão também e a deixou com vontade de vinga-lo – respondeu o Diretor, se sentindo um pouco mal. - Entendi. E finalmente, por que Donald Duplo foi demitido de forma sumária? – perguntou com mais raiva na voz. - Para que a Organização não o matasse. Estavam planejando uma ofensiva para darem cabo dele de qualquer forma – foi a resposta. Janus sorriu.


- Então o senhor quer dizer que agiu em prol de Donald Duplo? Sua demissão foi para o seu bem, é isto? – perguntou com ironia. - Precisamente – foi a resposta. Janus começou a rir, cada vez mais alto e o Diretor começou a se assustar. Esta reação não indicava algo bom. - É incrível Diretor. Como alguém pode ser tão cínico como o senhor. Como pode fingir tão bem que realmente se importa com alguém. - Mas... – o Diretor começou a falar. - Silêncio. Agora eu que vou falar – foi a resposta de Janus, colocando a arma na boca do Diretor. - Donald Duplo não sabia que ia ser entregue nas mãos do inimigo. Jana Smirnov não sabia que só tinha alguns minutos para sua fuga. Tudo foi feito por baixo dos panos – começou a falar com raiva. - Duvido que os pais de Ka K deixaram em testamento que ela poderia virar uma agente. O senhor se apropriou da filha deles para suprir a sua necessidade. E a manipulou de forma a ser uma máquina de matar. - E quanto a demissão, se o senhor estivesse preocupado com Donald Duplo não o teria trazido de volta após sua primeira missão. O trouxe quando era necessário e ia dispensá-lo fingindo que ele era importante. - Mas se precisasse, não hesitaria em convoca-lo de novo. O procedimento que o senhor iria fazer nele não ia apagar as memórias em definitivo. Isto era mentira. O senhor poderia trazê-lo de volta a qualquer momento, não é? – falou Janus com mais raiva ainda. – NEGUE SE TIVER CORAGEM – gritou ele. O Diretor não conseguiu responder. Como ele poderia saber disto? - E mesmo podendo trazê-lo de volta, deixaria Ka K arrasada o resto da vida, acreditando que havia apagado o amor da vida dela – continuava acusando ele. - Todos os agentes conheciam o risco. Mas e quanto a Karen? – perguntava ele com raiva – A menina que perdeu seus pais sem saber o motivo. - O senhor destruiu a vida dela. A única culpa de Karen foi ter nascido e ficado ao seu alcance. - Como se sente acabando com a vida de uma menina, Diretor? – perguntou novamente sem ouvir uma resposta.


- A dor dela era tão grande, que preferiu não se lembrar de mais nada. - Ela voluntariamente fez o procedimento Mnemônico que era direcionado a Donald Duplo. Ela desistiu de sua vida de agente secreto e do seu amor por ele. - SATISFEITO? – gritou Janus novamente. O Diretor não conseguiu responder. Ele não imaginava que Ka K sofria tanto. Realmente foi insensibilidade total da parte dele. A cada frase proferida sobre Karen, a voz de Janus se alterava. - Você transformou uma menina ingênua e solitária em uma máquina de matar. Uma assassina na mais perfeita concepção da palavra. O Diretor esboçou uma resposta, mas preferiu ficar em silêncio. - Na primeira vez que li a ficha dela, eu não acreditei. O seu histórico de neutralização bateu todos os recordes da Agência. Ela chegou a matar vinte e sete pessoas em um único dia. - Causava-me arrepios o sorriso no rosto de Ka K quando ela se preparava para matar alguém. Ela sentia uma satisfação nisto que eu não entendia. - Centenas de mortes sem qualquer piedade. É isto que o senhor imagina que os pais dela desejavam para a filha? - RESPONDA DESGRAÇADO! - gritou Janus, apertando mais forte a arma contra o corpo do Diretor. Não houve resposta. Janus sorriu. Ele ainda não havia terminado: - Que ironia. O líder supremo do serviço secreto mais importante dos Estados Unidos não consegue responder a uma simples pergunta. - Mas vamos avançar um pouco. Após perceber que a sua Lethal Ducky estava perdendo o controle, o senhor finalmente se preocupou. - Eu tenho certeza que o senhor notou isso, que a sua assassina estava descontrolada e era apenas uma questão de tempo até que houvesse uma tragédia. Foi aí que eu fui convocado. O senhor queria que eu a controlasse, não é? - NEGUE SE EU ESTIVER ERRADO - gritou ele novamente. O Diretor continuava em silêncio.


- O senhor foi ameaçado por sua própria criação. Quem diria, não? - Mas vamos mudar de assunto – disse Janus, alterando o tom de voz para um misto de sarcasmo e ironia. - Segundo o manual que o senhor escreveu, o trabalho do agente secreto é pautado por uma regra de ouro: “Todo agente que não coloca a missão acima de tudo, inclusive de sua própria vida, é chamado de lixo.” - Se pensarmos bem, esta frase resume tudo - disse Janus, respirando profundamente. Sua voz soava melancólica e soturna. - Todos os agentes, todos sem exceção. Donald Duplo, Ka K, Jana Smirnov, Black Bird, Be J, B-Black, B-Berry, Lay L, M May, os pais de Karen e todos os que eu derrubei lá fora, são meros peões sem valor. - Dentro do seu jogo de poder, não há problema em perder os peões. Os agentes são descartáveis, são menos que nada, são apenas... lixo. - Mas quer saber? Eu penso diferente. - Quem não valoriza a vida das pessoas e brinca com seus sentimentos é pior do quê lixo. Quem faz isso tem o coração vazio. Este é o monstro no qual o senhor se tornou ou talvez sempre tenha sido. - Creio que não tenho mais nada a dizer – concluiu Janus, desencostando a arma do corpo do Diretor. O Diretor não conseguia responder. Ele estava certo. Suas decisões sempre visavam o melhor para a Agência, nunca para os agentes. Após dois minutos de silêncio, finalmente conseguiu falar: - E agora, você vai me matar como vingança por tudo isto, agente Janus? - Não Diretor. Eu não sou um assassino – foi a resposta. - Claro que não. Os dezessete agentes lá fora morreram sozinhos – respondeu o Diretor cinicamente. - Estão todos vivos – respondeu Janus. - A munição da Magnum é de borracha com micro agulhas de titânio. E estavam embebidas em um potente sedativo. Eles irão dormir por uns dias, nada mais. - A bomba de agulhas tinha outro sedativo mais fraco, mas como foram dezenas de picadas, eles devem dormir uma semana. Outros no máximo sofreram algumas concussões, nada de sério – concluiu Janus.


- Então o quê você vai fazer? – perguntou o Diretor muito aliviado sabendo que não teria que lidar com a morte de tanta gente. - Eu vim vingar todos os agentes que perderam suas vidas por causa de seu desprezo. E espero te mostrar o quê acontece quando você age assim. - Eu vou fazer duas coisas e tenho uma esperança. - Primeiro, vou te deixar um presente – falou ele retirando um pacotinho de um dos bolsos e colocando em cima da mesa – Siga as instruções e aproveite. O Diretor não entendeu. Ele receberia um presente? - Segundo, eu vou derrubar a Agência. Não vai sobrar nada do seu amado trabalho. - Ridículo – pensou o Diretor. - E a minha esperança, é que se a Agência for reconstruída, o senhor nunca se esqueça de valorizar as pessoas. Senão uma delas pode voltar para se vingar – concluiu Janus, recolocando sua máscara. - Adeus Diretor, não foi um prazer revê-lo – falou Janus sacando sua arma e apontando para ele. - Espere, não... – ele tentou argumentar. Já era tarde. O tiro certeiro na altura do pescoço o derrubou. Ele iria dormir por muito tempo. - Só falta você Gizmo – pensou Janus saindo rapidamente da sala do Diretor após recolher seu pacote de C4.


Capítulo 09 Egoísmo


Há 30 meses... Margarida estava sentada na poltrona da sala, pressionando nervosamente as mãos. Ela esperava ansiosamente Donald voltar de uma viagem a mando do Tio Patinhas, para que ele a levasse a ópera Don Giovanni, que estava em curta temporada no Teatro Municipal de Patópolis, pois no dia anterior, ele havia telefonado avisando que demoraria mais algum tempo. Claro que ela não sabia a verdade, que na realidade ele agia como Donald Duplo no Oriente Médio. E alguns dias antes tivera seu avião abatido por um míssil, causando o atraso da missão. Sua grande amiga e vizinha Mary, uma pata requintada e bem arrumada, estava tentando consolá-la, mas até o momento não havia tido sucesso nesta tentativa. - Calma Margarida. É apenas um imprevisto – falava ela em um tom conciliatório. - Uma hora é um imprevisto, amiga. Aquele canalha vai atrasar quatro dias e a ópera terá encerrado as apresentações – respondeu ela soltando fogo pelas narinas. - Mas não é o trabalho dele? – questionou Mary. - Ele disse que é. E o telefonema a cobrar que ele fez foi do Paquistão – respondeu Margarida, mordendo seus lábios com força. - Então. Ele está trabalhando e teve um imprevisto, apenas isto. - Eu sei que deve ser verdade, mas eu não me conformo. - Mas por que amiga? - Por que eu devia estar em primeiro lugar em qualquer situação. Eu não aceito que haja algo mais importante para ele – concluiu Margarida, cruzando os braços. - Mas você não pode pensar assim – argumentou Mary. - Eu sei. Mas não consigo me controlar – respondeu ela, soltando os braços e relaxando o corpo. - Se ponha no lugar dele um minuto. Ele sofre um imprevisto, fica chateado de não poder honrar um compromisso com você e ao ligar para te avisar, você solta os cachorros em cima dele? - Você está sendo muito egoísta. Uma hora ele pode cansar de tudo isto – alertou Mary. Margarida não respondeu. Ela ficou alguns minutos refletindo sobre a frase “Você está sendo muito egoísta”. Após pensar perguntou:


- Eu amo ele demais Mary. Quero estar sempre perto e ser a única na vida dele. Isto é egoísmo? - É sim amiga. Eu acho que o amor faz isto com a gente. Não se lembra daquele meu namorado, o Andreas? Ele falava igualzinho a você, mas apenas por que me amava muito. Amar em excesso nos torna egoístas. Margarida não argumentou ou se defendeu. Ela sabia que no fundo Mary estava certa. Mas também tinha a certeza que não conseguia evitar este sentimento ruim. Egoísmo ou não, ela só queria ser a pessoa mais importante da vida de Donald. Daqui a 21 meses... Janus seguia pela escadaria do segundo para o terceiro andar. A BackDoor de Irma não tinha acesso a duas partes do prédio da Agência. A primeira eram os servidores centrais do subsolo. Eles ficavam em uma rede separada e utilizavam um sistema a parte. A segunda era o laboratório da área técnica que também tinha vida própria. Como os maiores segredos da Agência saíam de lá, o técnico responsável Gizmo podia controlar o andar inteiro como achasse melhor. Como os geradores eram isolados e não foram afetados, Janus tinha quase certeza que Gizmo não percebera tudo que aconteceu. O isolamento acústico do laboratório era perfeito também, garantindo que nenhum som entrasse ou saísse. A partir deste ponto, Janus não poderia remover sua máscara de forma alguma. Assim que saiu da escada e acessou o terceiro andar, chegou em frente a porta do laboratório. Ela nunca estava trancada e ele esperava que não fosse hoje a primeira vez. Em último caso, bastava explodi-la. Assim que se aproximou da porta, ela abriu. Realmente ele não tinha mudado em nada. Janus entrou no laboratório e viu Gizmo agachado montando uma de suas tranqueiras e ele nem notara a entrada do intruso. Isso só ocorreu quando ele se aproximou muito. Gizmo estava com sua roupa de sempre. Uma calça folgada, blusa azul e jaleco branco. E como sempre, com seus óculos de fundo de garrafa. - Pois não? – perguntou Gizmo sem olhar para o intruso.


- Olá Gizmo. Preciso conversar com você um pouco – respondeu o intruso, aproximando-se dele. - Pode falar – disse Gizmo ainda sem olhar. - Desligue todo o sistema de segurança do andar – disse Janus apontando a arma quase no rosto de Gizmo. - E por qu... – ele começou a falar e finalmente olhou para o visitante. Deu de cara com o cano da Magnum e ficou quieto imediatamente. - Está esperando o quê para cumprir a ordem? – perguntou Janus de forma impaciente. Gizmo demorou alguns segundos para notar que estava diante de um inimigo e como ele odiava armas, obedeceria sem questionar. Por isso se levantou e andou até o console do computador. Sob a mira da arma, pressionou alguns botões e as câmeras de segurança se desligaram. - Muito bem Gizmo, pessoas obedientes vivem mais – comentou Janus. Gizmo concordou com a cabeça. Ele não entendia como um inimigo estava lá dentro falando tão tranquilamente, mas não pretendia perguntar. - Meu nome é agente Janus e eu preciso de uma aula sobre procedimentos Mnemônicos. Pode ser? – perguntou ele. Gizmo concordou de novo com um aceno. - Como funcionam os procedimentos permanentes e os reversíveis aplicados em agentes que devem esquecer a Agência? – questionou Janus. Apesar de ser um inimigo, Gizmo adorava explicar as coisas, e normalmente se empolgava. Pigarreou e começou a aula: - Tudo começa com o símbolo da Agência. O desenho da águia vermelha com fundo negro cria uma marca na memória que conseguimos isolar. Por isso é fácil apagar memórias “relativas a Agência”. - O problema é que nosso cérebro funciona em rede neural. Estas memórias se ligam a outras e a outras. Então ao apagar sobre a Agência, podemos chegar ao gosto do café da nossa máquina expressa, que pode puxar a memória do café no geral. Nós nunca temos certeza do alcance real do procedimento, pois varia entre cada pessoa. - Para os procedimentos permanentes, damos um choque com a amperagem exata das sinapses nervosas dos neurônios. Este choque queima algumas áreas e a


memória desaparece por completo. É impossível reverter, pois a região foi inutilizada. A desvantagem é que a pessoa pode passar a sofrer lapsos frequentes. - Nos reversíveis ao invés de queimar, invertemos a polaridade elétrica da região que desejamos isolar. A reversão é simplesmente inverter de novo e devolver ao estado normal. A desvantagem é que graças a rede neural, as memórias podem retornar como sensações. Não podem ser acessadas diretamente, mas em momentos de tensão ou concentração extrema, elas podem surgir. - O senhor quer saber mais alguma coisa? – perguntou Gizmo com um sorriso e suando, tentando não pensar onde estavam os mais de dez agentes que deveriam estar no prédio naquele momento. - Sim. Existe o procedimento para esquecer apenas o dia atual ou as últimas horas? – perguntou Janus. - Existe. Inclusive é fácil, por que as memórias ainda não foram “arquivadas” na área permanente. Este arquivamento ocorre a noite enquanto se dorme. São fáceis de localizar, mas a pessoa perderá tudo relativo ao dia, não dá para ser seletivo – foi a resposta. - Muito bom Gizmo. Agora eu quero que você monte duas coisas. Um reversor Mnemônico e um procedimento Mnemônico que apague apenas o dia. E não demore, por favor – pediu Janus educamente. - Sim senhor – respondeu Gizmo - Para um inimigo, até que ele tinha modos – pensou ele. Janus sabia que seria fácil ter a colaboração de Gizmo. Conhecia a sua fobia por armas e a ausência de explicações sobre os outros agentes do prédio tornava a coisa bem assustadora. Janus o deixou a vontade. Tinha certeza que não haveria qualquer reação. Gizmo passou quinze minutos sentado em sua mesa ajustando os dois aparelhos. Após terminar, guardou os dois em uma caixa e se voltou para o invasor. - Terminei. O reversor é o aparelho cinza e o procedimento é o aparelho branco – disse ele. - Muito bom, Gizmo – respondeu Janus. - Vocês capturaram um ex-agente e agora vão utilizar o reversor para voltar suas memórias antes de tortura-lo? - perguntou Gizmo preocupado. Janus foi pego de surpresa, pois não imaginava que passaria essa impressão. Ka K gostava muito do técnico Gizmo e como daqui a pouco não faria diferença o quê ele sabia, seria justo dar algumas explicações.


- Não. Este reversor é para voltar a memória de alguém muito importante para mim – foi a resposta de Janus. - E quem seria? – perguntou Gizmo com sua habitual curiosidade. Janus hesitou. Mas ao se lembrar do quê faria em seguida, decidiu contar em busca de apoio: - A agente especial Ka K. Ela passou pelo procedimento que era direcionado para Donald Duplo e perdeu todas as memórias e o amor por seu parceiro. Gizmo se assustou. Aquele sujeito de frente a ele era Donald Duplo? Preferiu não perguntar e ter mais detalhes sobre Ka K, já que ele também gostava muito dela. - Ela foi obrigada a passar pelo procedimento? – questionou ele. - Não, ela pediu para que fosse feito. Ela desistiu de tudo, pois suas lembranças a faziam sofrer muito – foi a triste resposta. - Então eu não entendi, senhor invasor – disse Gizmo. - O quê você não entendeu? – perguntou Janus. - Se foi ela quem pediu para esquecer, não entendi o motivo pelo qual você pretende devolver as memórias dela – foi a resposta Janus levou um murro no estômago. Ele nunca havia pensado por este lado. - Eu farei isto para ela ter uma segunda chance de ser feliz – respondeu Janus rispidamente. - Na verdade, creio que a segunda chance seria apenas sua, não? – perguntou Gizmo – Você não está fazendo isto apenas para a sua satisfação pessoal? Janus não respondeu. As palavras de Gizmo estavam doendo. Antes que ele pudesse raciocinar a respeito, foi dado o golpe de misericórdia: - A única coisa que estou vendo aqui é uma pessoa extremamente egoísta, que vai devolver uma tonelada de sofrimento para alguém que provavelmente hoje vive em paz. Janus não respondeu. Andou rapidamente até Gizmo apontando a arma. - Falei besteira – pensou ele tremendo. Ao se aproximar, tirou a caixa das mãos dele de forma grosseira e voltou a se afastar.


- Preciso de uma última coisa de você e não vou explicar nada. Depois eu vou embora sem te fazer mal – falou Janus finalmente. - Sim senhor – foi a resposta de Gizmo ainda assustado. - Vá até seu console, libere o elevador para o terceiro subsolo e abra a porta de acesso lá em baixo – ordenou ele, apontando a arma. Este elevador era uma porta no canto do terceiro andar. O subsolo só podia ser acessado a partir de lá. Gizmo não discutiu. Simplesmente obedeceu, liberando o acesso. Ele via pelo canto do olho que estava sob a mira da arma o tempo todo. - Pronto. Agora eu posso ir embora? – perguntou Gizmo com esperança. - Sim. Obrigado por tudo – respondeu Janus atirando nele. O técnico caiu dormindo no mesmo local. Janus abriu a caixa, pegou o aparelho branco, andou até onde Gizmo caiu e o posicionou em sua cabeça. Em seguida apertou o botão, fazendo ele se esquecer de tudo que ocorreu naquele dia. O único que devia saber sua identidade era o Diretor. Janus se encaminhou para o elevador que abriu a porta com a sua aproximação. Dentro dele, apertou o botão em que estava escrito 3S (terceiro subsolo). - Finalmente, o Mainframe – pensou Janus durante a descida.


CapĂ­tulo 10 Mainframe


Daqui a 21 meses... O elevador abriu as portas no restrito terceiro subsolo. Com um passo, Janus estava nele. Este andar do prédio da Agência só podia ser acessado a partir de um elevador no laboratório técnico e não podia ser chamado manualmente, mas sim, liberado pelo terminal a partir de uma senha. Como técnico master, Gizmo era um dos poucos que podiam realizar esta operação. Dentro do terceiro subsolo estava o coração da Agência. Um storage com todas as informações acumuladas durante décadas de serviço e mais o super computador mainframe com todos os sistemas de informação utilizados. Este computador estava ligado a maioria dos serviços de inteligência do mundo, como a CIA, FBI, Interpol, MI-6, Mossad, IMF e outros tão secretos que apenas o Diretor tinha conhecimento. Uma VPN direta com o Pentágono garantia o acesso a quaisquer informações sensíveis, necessárias para a tomada de decisões do alto escalão militar e estes dados eram replicados de forma criptografada para dezenas de locais. A saída do elevador era um longo corredor com um monitor e teclado ao seu final, para acesso direto aos dados e manutenções administrativas. Em toda a sua extensão, podiam-se ver as máquinas que estavam protegidas com gabinetes de vidro blindado. Cada gabinete possuía seu próprio termostato para o controle de temperatura e um sistema de refrigeração que utilizava nitrogênio líquido. Do lado direito, diversos racks continham os servidores de arquivos e e-mails. Já a esquerda, muitas caixas escuras parecendo armários continham o mainframe. Seu sistema era o quê existia de mais avançado no mundo. Um painel de senha e um leitor DNID permitia o acesso a qualquer gabinete e Janus não conseguiria acessar rapidamente nenhum deles. Ele não podia de forma alguma utilizar o DNID, pois seria uma admissão de culpa. Para resolver este problema, ele havia trazido uma bomba modelo PELEMAG32. O projeto da bomba de Pulso Eletromagnético (P.E.M.) era um dos mais ambiciosos da Organização. Baseado nos estudos que deram origem a Lei de Faraday (um dos principais pilares da física, envolvendo o magnetismo), é cientificamente comprovado que toda corrente elétrica gera um campo magnético e campos magnéticos podem induzir corrente elétrica em materiais condutores.


A estrutura da bomba não era tão complexa, difícil mesmo era controlar o processo devidamente. Uma bobina de ignição e uma fonte de energia de 400 amperes são ligadas a um interruptor parecido com um botão de campainha. Em paralelo ao interruptor, existe um condensador de 100 nanofarads que é o criador do pulso, capaz de gerar a onda eletromagnética. Finalizando, uma antena com terminal de alta tensão canaliza a energia e irradia o pulso. Ao pressionar o interruptor, a energia circula pelo primário da bobina e ao soltar ocorre o pulso no secundário. O sistema da Organização faz o processo automaticamente com um temporizador. O detonador da bomba é apenas um controle eletrônico de todo o processo. Resumindo, uma bomba que ao detonar queima qualquer aparelho eletrônico ao seu alcance, sem nenhum outro dano no ambiente, é muito útil para um serviço rápido e discreto. O alcance deste modelo específico era de trinta e dois metros. O pulso é uma força descontrolada, então o alcance é controlado pela quantidade de energia utilizada. Os gabinetes eram blindados, mas não tinham proteção contra um P.E.M. Certamente, ninguém da Agência nunca cogitou que alguém entraria naquele andar com este tipo de bomba. Não adiantaria matar todos os agentes ou mesmo o Diretor. Eles seriam substituídos. Não era suficiente destruir ou queimar o prédio. Eles comprariam outro. Para derrubar a Agência, era necessário apagar as suas informações. Todas elas. A BackDoor já havia apagando todos os backups e ao detonar a bomba, tudo que estava no prédio sumiria. A Agência deixaria de existir. Em seguida encaminhou-se para o centro do corredor, posicionou a bomba delicadamente e pressionou o botão do detonador. Quase que imediatamente, ligou o cronômetro que estava programado para dez minutos. Ao ver o led acima do detonador ficar verde, ele tinha a certeza que ela havia sido ativada. Janus voltou rapidamente para o elevador e pressionou o botão do terceiro andar. Um minuto e meio após a ativação, ele estava saindo do elevador pensando em sua rota de fuga. Passou por Gizmo que dormia tranquilamente. Chegou no segundo andar e viu seis agentes dormindo próximos. Havia se passado dois minutos e quarenta segundos.


Desceu para o primeiro andar onde estavam a maioria dos que haviam sido atingidos por ele. Correu e alcançou a porta de saída. Quatro minutos e cinco segundos haviam se passado. No terceiro subsolo, a bomba continuava no local com um led verde acesso e um relógio interno correndo. Janus alcançou o térreo e seguiu para a porta de acesso principal por onde havia entrado. Cinco minutos e doze segundos haviam se passado. Fora do prédio, Janus encontrou sua mala e trocou-se rapidamente. Ele não podia aparecer no metrô com aquele colante preto e cheio de equipamentos. Guardou toda a roupa, armas e equipamentos que sobraram e preparou-se para ir até a estação. Sete minutos e trinta e quatro segundos se passaram. Vestido normalmente chegou até a estação onde tudo havia começado. Por precaução, havia comprado um cartão de metrô para turistas que não possuíam DNID-Card, de forma que ele poderia ser rastreado. Janus chegou á plataforma e olhou seu relógio. Oito minutos e cinquenta e três segundos haviam se passado. Uma composição se aproximava e assim que pôde, Janus entrou e sentou-se no primeiro banco livre. Assim que o trem saiu da estação ele olhou novamente seu cronômetro. O tempo decorrido era de nove minutos e cinquenta e nove segundos. - Acabou – pensou ele. No terceiro subsolo da Agência, o led da bomba mudou de verde para vermelho. Em seguida, o sistema eletrônico entrou em ação, detonando a bomba. Um pulso de energia invisível irradiou-se pelo andar, queimando todos os equipamentos, placas e chips. Todos os dados e sistemas da Agência foram apagados e seus backups já não existiam graças a BackDoor. A Agência havia caído. Janus havia vingado Donald Duplo e Ka K. Todo o sofrimento por qual eles passaram fora devolvido com juros. O único problema era que agora ninguém poderia fazer frente ao grande grupo criminoso conhecido como a Organização. Mas Janus sabia disto. E uma última tarefa o aguardava.


CapĂ­tulo 11 Xeque-Mate


Daqui a 21 meses, sábado (dia 20)... Mais um dia estava amanhecendo em Nova Patópolis. Por volta das 07:00 hs o sol iluminava timidamente as ruas. A grande maioria dos habitantes ainda estava em casa, curtindo o final de uma ótima noite de sono. Mas para uma pessoa específica, a noite havia sido longa. Ele não conseguiu dormir pelo grau de excitação e pela dor latejante que o incomodava muito. Algumas horas atrás, Janus havia derrubado a Agência. Todos os dados, e-mails, documentos e gravações acumulados por anos estavam perdidos para sempre. Historicamente, seria considerado o ataque mais mortífero empreendido contra uma agência de inteligência do governo. Agora Donald estava sozinho em casa, sentado em sua poltrona favorita e pensando em tudo que havia feito. O saldo positivo era o reversor Mnemônico que estava em seu poder. O pequeno aparelho que poderia trazer Karen de volta a sua vida. O negativo era a dor acima de sua terceira costela direita. Por pouco o impacto do tiro não a quebrou, fazendo-a perfurar o pulmão. Mesmo assim, a dor vinha direto do osso e era de uma intensidade que não podia ser descrita. A morfina evitara a dor momentaneamente, mas agora, ele teria que conviver com ela durante uns bons dias. Além da dor, duas questões o atormentavam. A primeira era se ele deveria utilizar o reversor em Karen, pois segundo Gizmo, seria puro egoísmo da parte dele. Mas a decisão sobre isto teria que esperar. A segunda e mais urgente, era que com a Agência fora do caminho, a Organização estava livre para se expandir a vontade. O maior inimigo de Donald Duplo ainda estava vivo e mais forte do quê nunca. Donald havia dado uma última tarefa ao agente Janus, que para ter sucesso, dependia dos dois homens que ele mais odiava. O Grande Líder da Organização precisaria recebê-lo no início da semana e o Diretor da Agência deveria seguir as indicações do presente que ele deixou lá. Se ambos colaborarem, tudo iria terminar realmente. Mas até que isto ocorra, Donald não terá um minuto de sossego. Segunda-feira (dia 22)... O banqueiro Moneti estava no último andar do banco. As segundas-feiras, ele sempre revia relatórios de consolidação e auditoria que costumavam acontecer nos finais de semana.


Normalmente nestes dias, ele não devia ser incomodado e seus funcionários sabiam muito bem disso. Foi por volta das 10:28 hs da manhã que o telefone de sua sala tocou. Era a moça que atendia a portaria no andar térreo. - O quê foi? Você sabe que eu não gosto de ser interrompido as segundas-feiras. – disse ele de forma ríspida. - Me desculpe senhor, mas aqui está o senhor Janus e ele me disse que se eu não te informasse, eu iria me arrepender. E como ele já veio outra vez e o senhor o atendeu rápido, eu preferi obedecer. Moneti engoliu seco. O quê este sujeito poderia querer com ele agora? - Tudo bem, você agiu certo. Mande-o subir para a sala de reunião quatro. - Sim senhor – foi a resposta da garota antes de desligar. Moneti guardou rapidamente os relatórios na gaveta, engoliu a meia xícara de café frio que ainda estava em sua mesa e saiu da sala em direção ao local de encontro. Chegando lá, entrou, sentou-se e aguardou a entrada de seu convidado. Cerca de dois minutos depois, Moneti visualizou Janus entrando. Ele vestia um smoking preto com uma orquídea vermelha na lapela. Também utilizava um óculos escuro moderno e de aspecto sombrio. - É um prazer revê-lo, senhor Janus – disse Moneti nervosamente. - É claro – respondeu entrando na sala e se sentando de frente ao banqueiro. - Eu cumpri minha missão com sucesso. Quero falar com o grande Líder e precisa ser agora – ordenou ele sem cerimônia. - Que sujeito arrogante – pensou Moneti – Bom, eu posso ver se o Líder vai atende-lo – disse ele com um sorriso. - Faça isto. Moneti pegou um controle remoto e com um comando, abaixou uma tela de cristal líquido de frente a eles. Em seguida soltou o controle e com um aparelho telefônico sem fio, discou um número em especial. Após alguns segundos, a tela acendeu e alguém sentado com uma sombra por cima do rosto apareceu. Era o Grande Líder em pessoa. - Fale Moneti – disse ele em um tom de extremo bom humor.


- Senhor, o agente especial Janus está aqui e deseja lhe falar – disse o banqueiro sem hesitação. - Excelente. Eu imaginava quando nosso amigo iria reaparecer. Está me ouvindo Janus? - Em alto e bom som, Grande Líder – respondeu Janus. - O quê eu posso dizer? Meus parabéns, você prometeu acabar com os idiotas da Agência e cumpriu. Diferentemente da maioria dos incompetentes que chamo de colaboradores, você me garantiu uma missão quase impossível e a realizou com sucesso. - Muito obrigado Líder. - Não se fala em outra coisa. O FBI, CIA, Mussad, MI-5, MI-6, Interpol, IMF, BSAA, todos eles soltando boletins sobre o agente que entrou sozinho no prédio da Agência e acabou com eles. Estão morrendo de medo do terrível “Agente Janus”. - Seu reconhecimento me lisonjeia. - E agora, quando podemos combinar a sua próxima missão? É claro, após descansar um bom tempo e decidir quantos milhões vai me cobrar. - Por mim, pode ser amanhã. Mas existe uma condição, Grande Líder. - Você é atrevido rapaz, mas gosto disto. Qual a sua condição? – perguntou o Líder, imaginando se tratar de dinheiro, um carro ou algo do gênero. - Eu só continuarei trabalhando para a Organização se responder apenas ao senhor. E quero combinar tudo pessoalmente. O senhor me diz onde, seus agentes me buscam, confirmam que não estou grampeado e conversamos a vontade. O Grande Líder se surpreendeu. Nenhum agente nunca tinha tido a coragem de pedir algo assim. - Posso saber o motivo, agente especial Janus? - Claro. Eu simplesmente não aceitarei intermediários em nossa relação de trabalho. Eu falarei e responderei apenas a você, como seu braço direito. Se não for assim, como eu já me vinguei da Agência, simplesmente vou desaparecer e não assumirei mais nenhuma missão. O Grande Líder pesou os riscos. Este agente já havia visto seu rosto, então não era um problema. É claro que ele poderia espera-lo com dez seguranças, revista-lo e garantir que estivesse desarmado. - Tudo bem agente Janus. Se tentar qualquer truque, sua família só poderá reconhecê-lo pelo DNA, está entendido? – disse o Líder finalmente.


- Sem dúvida – respondeu Janus friamente. - Esteja amanhã as 10:00 hs em ponto no cruzamento da 5º com a 12º. Aguarde um carro preto com três agentes. Mal posso esperar para vê-lo, agente Janus. - A recíproca é verdadeira Grande Líder. - Então até amanhã – disse o Líder, desligando a transmissão. - Você não devia falar assim com o Grande Líder – aconselhou Moneti assim que a tela apagou. - Cale a boca seu covarde – respondeu Janus de forma grosseira. - Acha que sou igual a você que serve apenas de fachada para dinheiro ilegal? O Líder conseguiria uma dezena de pessoas assim apenas estalando os dedos. Moneti sentiu-se muito ofendido com esta provocação. - Você não sabe de nada – respondeu rispidamente. - Claro que sei. O quê seu banquinho mequetrefe faz além de lavar dinheiro para a Organização? - Seu ignorante, lavar dinheiro é a parte fácil. Complicado é subornar altos funcionários do governo que exigem pagamento para não nos investigar. Eu cuido pessoalmente desta parte também – respondeu Moneti com soberba. - Que surpresa, talvez você não seja tão inútil assim. Conte-me mais. Nos próximos minutos, Moneti confirmou tudo citando nomes, datas, valores e motivos para o pagamento de subornos milionários para assessores, promotores, políticos e até pessoas da mídia. E explicou como os pagamentos eram feitos de forma a não gerar suspeita, com sorteios, ganhos de capital e ofertas públicas de empresas fantasmas. Ao final, Janus estava impressionado e se retratou com o banqueiro. - Realmente senhor Moneti. Nunca imaginei que seu banco fosse tão útil a causa do Líder. Ele deve estar muito orgulhoso de tê-lo como colaborador. - Com certeza. O funcionamento de uma, digamos assim, empresa do porte da Organização exige muito mais do quê tiros, missões ou assassinatos. - Eu retiro tudo que disse e lhe dou meus parabéns – disse Janus, estendendo a mão. - Obrigado – respondeu Moneti, com um cumprimento vigoroso.


- Agora eu preciso ir, pois amanhã terei um dia cheio. Foi um prazer senhor Moneti – concluiu Janus, dando as costas e se encaminhando a saída. - Boa sorte, agente Janus – foi a resposta. Janus já havia saído da sala, quando Moneti teve um último pensamento: - Idiota, agora ele sabe com quem está falando. Após aguardar alguns minutos, Janus entrou no elevador e pressionou o botão do térreo. Durante a descida, ele não conseguia conter um grande sorriso de satisfação enquanto ajeitava a orquídea vermelha que estava na lapela. Quase chegando ao seu andar, permitiu-se um pensamento: - Como dizem por aí senhor Moneti, o peixe morre pela boca... Terça-feira (dia 23) ás 10:49 hs... O carro havia acabado de parar. Janus estava apreensivo, com receio do Grande Líder se aproveitar do fato que ele estava indefeso para livrar-se dele. Mas aparentemente ele valia mais estando vivo. Os agentes da Organização seguiram todo o protocolo. Pararam o carro ás 10:00 hs em ponto para ele subir, o revistaram, passaram um detector de metais e outro de ondas de rádio. Após isto eles tinham certeza que Janus não carregava nenhum microfone, celular, arma ou escuta. Ao terminar a manobra, retiraram o saco preto da cabeça de Janus e o mandaram descer e entrar pela porta a direita da garagem. Ele obedeceu e seguiu calmamente as indicações das dezenas de seguranças armados que sabiam da vinda dele e estavam de prontidão. Após alguns corredores e escadas, ele finalmente chegou de frente a uma porta branca, com detalhes de mármore e madeiras nobres. Girou a maçaneta sem hesitar e entrou. - Entre, entre, agente Janus. Seja bem vindo a nossa humilde morada – falou o Grande Líder, sentado em uma poltrona forrada com couro, de frente a uma grande mesa de carvalho. - Humilde – pensou ele com um sorriso. - Sente-se, fique a vontade – pediu o Líder.


Janus foi até a cadeira do outro lado da mesa e sentou-se. Após sentar, ajeitou a gravata borboleta vermelha e a orquídea da mesma cor. Seu smoking preto estava impecável e limpíssimo. - Quanto formalismo, agente – comentou o Líder. - Não é todo dia que conheço alguém da sua importância – respondeu Janus. - Obrigado, mas não precisa me bajular. Odeio pessoas como Moneti, que tremem de medo ao ouvir a minha voz. Pior é que tudo que falo, ele concorda e por isto gostei da sua proposta de ser meu braço direito, você tem uma rara combinação de atrevimento com competência. - E antes de conversarmos, quero te parabenizar com todas as letras pelo resultado de sua missão. A Agência destruída era um sonho antigo e distante. Devo admitir que você me deixou muito impressionado. - Eu agradeço grande Líder – respondeu Janus. - Então agente Janus, qual a sua ideia para a nossa relação de trabalho? – perguntou o Líder realmente interessado. - Primeiro eu quero conhecer vocês melhor. Eu cansei de ouvir as asneiras de sempre como “nós da Agência somos o bem e a Organização é o mal” ou “o mundo só ficará seguro após derrotarmos os bandidos da Organização”. - Eu quero perder a visão cinza que a Agência enfiou na minha cabeça, pois sei que as coisas não são tão simples assim. - A Agência se considerava do bem por seguir as regras, mas não hesitava em trair e abandonar seus agentes. A Organização não é formada por um bando de megalomaníacos que querem dominar o mundo, eu sei que você tem objetivos reais e com motivos bem definidos. E é isto que eu quero conhecer. - É justo, agente. Realmente não somos cientistas loucos. Eu nunca entendi o quê este tipo de vilão iria fazer da vida após dominar o mundo. Imagine ter que se preocupar com os problemas do planeta inteiro? – perguntou o Líder rindo. Janus concordou com a cabeça. - Não, nosso objetivo é bem mais simples. É tudo uma questão de poder. Ter as pessoas certas nas posições certas de forma que não sejamos incomodados. E quando estivermos em um ponto alto o suficiente, nós poderemos influenciar na política mundial. - Poderemos controlar políticas ambientais, acordos de livre comércio e concessões de mineração e petróleo. - E para que tudo isto? - perguntou Janus.


- Para garantirmos a segurança e a vida no planeta. Sem controle, as pessoas tendem a se autodestruir com o tempo. Nós fazemos isto para salvar a todos. - Entendi. E já tem muita gente em posições importantes? – questionou Janus novamente. - É claro que sim. É um trabalho que consumiu décadas, mas o resultado é impressionante – respondeu o Líder com convicção. - Fique tranquilo, você está lidando com gente séria e importante. A política é tudo e se controlarmos a política não há necessidade de dominar o mundo, podemos simplesmente indicar o melhor caminho para ele. Nas próximas duas horas, o grande Líder daria uma aula ao agente especial Janus. Uma aula de poder, dinheiro, chantagem, suborno e bastidores. E após ouvir tudo, o agente Janus sairia da sala do grande Líder com uma proposta milionária de serviço e com uma frase martelando sua cabeça. O grande Líder repetiua várias vezes com uma certeza que chegava a ser incômoda: “Todos tem seu preço”. Após ser vendado novamente e sentir que o carro se afastava do quartel general, Janus não pode evitar um pensamento: - Nem todo mundo tem um preço, seu bandido miserável... Terça-feira (dia 23) ás 15:12 hs... Donald estava em casa. Ele havia chegado há apenas alguns minutos e seguiu direto para o quarto. Retirando o Smoking preto, vestiu um roupão leve e relaxou. Ainda segurando o traje que usara o dia todo, ele retirou com cuidado a orquídea presa por um alfinete. Soltando a roupa em cima da cama, seguiu em direção a escrivaninha segurando firmemente a flor. Após se sentar, ele olhou fixamente para aquele belo exemplar em sua mão direita. Com um sorriso se formando, pensou consigo mesmo: - Xeque-mate. Quinta-feira (dia 25) ás 12:57 hs... O Diretor da Agência estava começando a ficar com fome naquela quinta-feira. Seu estômago pedia insistentemente por uma rosquinha ou ao menos uma xícara de café.


Depois de dormir quase quarenta e oito horas e só acordar no domingo, após a dose de sedativo que recebeu do agente Janus, sua fome voltou mais forte do que nunca. Isto não era bom para a sua dieta, mas devia se normalizar nos próximos dias. Claro que assim que acordou, ele tentou salvar alguma coisa da Agência. Apenas para descobrir que não havia mais nada a ser salvo. De uma forma que ele não entendia, Janus havia destruído seu computador central e todos os backups. A única coisa que ainda existia eram documentos impressos, telegramas e cartas. - Desgraçado – pensava o Diretor. Em seu íntimo o Diretor se culpava por tudo. Sua falta de preocupação com seus agentes tinha causado tudo isto. Mas Janus não precisava ter acabado com tudo para demonstrar seu ponto de vista. E para completar, ele deixou uma caixinha em cima da mesa que foi definido como “um presente”. Dentro desta caixinha existiam apenas duas coisas. Uma pequena chave com uma chapinha azul presa na parte superior com o número quinze. Aparentemente, era de um armário numerado. A segunda coisa era um bilhete impresso de cinco linhas, com uma mensagem vaga: “Aeroporto Internacional Terminal 02 Quinta-feira dia 25 13:00 hs Sozinho” Nenhuma das duas coisas tinha qualquer impressão digital. O miserável realmente havia pensado em tudo. O Diretor não podia falar e muito menos provar quem era Janus. Então ele decidiu apostar que esta carta misteriosa e esta chave trariam alguma compensação por tudo que havia acontecido. Ele já havia estado neste mesmo local no dia anterior para fazer um reconhecimento. Ao chegar no terminal dois, viu ao lado do Ckeck-In um conjunto de armários de bagagens. Então a chave era do armário quinze. Como a ordem era explícita para o dia vinte e cinco, o Diretor achou melhor não mexer lá. E agora já eram 13:04 hs e nada acontecia. O Diretor estava posicionado a uma distância confortável dos armários, aguardando alguma coisa acontecer. O quê aconteceu três minutos depois, o pegou de surpresa.


A distância, o Diretor conseguiu ver um menino de camiseta, bermuda e boné, com cerca de dez anos, andando em direção aos armários. Em seguida retirou uma chave do bolso, abriu o armário quinze, guardou uma caixinha dentro dele, trancou o armário e ficou de pé, olhando para os lados como se procurasse alguém. A definição da hora só podia ser por causa disto. De forma decidida, o Diretor seguiu até os armários. Quando estava quase chegando, o menino olhou para ele e perguntou sem cerimônia: - É o senhor que vai abrir o armário quinze? O Diretor se assustou. Mas não podia negar, pois o faria logo em seguida. - Sim, sou eu. Por quê? - Eu achei que o senhor ia demorar mais. Pode me pagar, por favor? – pediu o menino. - Como assim? – questionou o Diretor sem entender. - Ora, eu entreguei o pacote no armário quinze no horário combinado. Então agora o senhor deve me pagar vinte patacas – explicou o menino, sem entender o questionamento. - Esperto – pensou o Diretor – Se ele pagasse antecipadamente, o menino poderia não vir entregar. - Claro, claro – disfarçou o Diretor, enquanto pegava a carteira. Ele retirou uma nota de vinte, entregou ao menino e agradeceu. O garoto ficou muito feliz de receber tanto por um serviço tão fácil. Sem falar nada, saiu correndo em direção a primeira banca de jornal que viu, onde seu rico dinheirinho serviria para comprar gibis, balas e pirulitos. O diretor sabia que Janus havia enviado alguma coisa para ele. E que agora isto estava dentro do armário quinze. Olhando para os lados com desconfiança, o Diretor ficou em frente ao armário, abriu a porta de número quinze e retirou o pequeno pacote contido lá. Era uma simples caixa amarelada e lacrada com fita adesiva. Rapidamente, ele rompeu a fita e abriu a caixa. Ao olhar dentro, se surpreendeu novamente. - Não pode ser... – pensava ele, a medida que se afastava rapidamente dos armários e voltava a seu carro.


Sábado (dia 27) ás 08:53 hs... Aquela manhã de sábado havia começado agradável. A leve e fria brisa matutina já havia dado lugar ao calor do astro rei que despontava de forma majestosa em um céu sem nuvens. Tudo levava a crer que o dia seria quente. Em sua mansão, o senador republicano John Riggs servia-se de uma xícara de café forte e puro. Ele vestia um roupão azul escuro e começava a pensar sobre os compromissos que o esperavam nas próximas horas. Após degustar seu café, seguiu até a sala onde ligou sua aparelhagem de som e com o controle remoto escolheu um dos CDs a disposição. O escolhido do momento seria o álbum Yellow Submarine dos Beatles. Sentado em sua poltrona, não ouviu quando a porta da frente foi aberta. E nem foi avisado por seus funcionários que diversos visitantes entravam ao mesmo tempo na mansão. Dois minutos depois a porta de sua sala privativa foi escancarada com um aríete. - Tenho confirmação visual do alvo – foi a frase falada por quem entrou sem pedir licença. Era um sujeito alto, vestido todo de preto, com uma submetralhadora UZI, máscara e capacete. Com a surpresa, Riggs levantou-se. Mas antes que conseguisse falar qualquer coisa, ouviu: - No chão, no chão. De joelhos e com as mãos na cabeça – gritava o sujeito que estava na frente a medida que se aproximava, enquanto diversos outros entravam empunhando suas armas, apontando para todos os lados. Riggs obedeceu sem questionar. Eles podiam ser fanáticos ou sequestradores. - Senhor, tudo limpo aqui. O alvo foi dominado sem resistência – falou novamente o sujeito, ficando as costas de Riggs, mirando sua cabeça. Riggs não entendia o quê estava acontecendo. Estes caras eram profissionais e utilizavam jargão militar. - Rapaz, você sabe quem eu sou? – perguntou. Não houve qualquer resposta. Em seguida, todos os homens que entraram ficaram em posição de sentido. Isto só podia significar que o comandante entraria na sala.


Riggs não pode acreditar quando o viu. Em sua sala privativa, estavam entrando uma mulher que ele não conhecia e alguém que ele conhecia muito bem por fotos. Era o Diretor da Agência. - Bom dia excelentíssimo senador John Riggs – disse o Diretor com um tom de desdém, a medida que se aproximava. - Senhor, está havendo um terrível equívoco aqui – falou Riggs apressadamente. - Creio que não, senador Riggs. A senhora aqui ao meu lado é a Promotora Jean Adams e ela está de posse de um mandado para sua prisão preventiva e outro para a busca e apreensão de tudo que está em sua mansão e gabinete. - E claro, ela veio testemunhar que apesar do senhor ter resistido a prisão, nós o contivemos a força e realizamos todos os procedimentos legais garantidos pela constituição. - Como assim? – perguntou Riggs sem entender nada. - Levante-o para que eu possa ler seus direitos – ordenou o Diretor. Dois soldados obedeceram imediatamente, levantando o senador pelos braços e segurando firme. - Você tem o direito de permanecer calado – disse o Diretor, ao mesmo tempo em que desferiu uma forte cotovelada, quebrando o nariz de Riggs. A pancada o atordoou a ponto de cair. Mas os homens que o seguravam o mantiveram na mesma posição. - Tudo que disser pode e será usado contra você no tribunal – continuou o Diretor, com uma violenta joelhada na altura do estômago do Senador. Riggs não conseguia nem gemer. A falta de ar o fez se arquear em direção ao Diretor. Os homens o seguraram novamente. - Você tem direito a um advogado – continuou o Diretor, desta vez dando um murro em seu rosto, que balançou sem resistência. - Caso não tenha condições econômicas para pagar um advogado a corte definirá um para você – terminou o Diretor com outra cotovelada certeira, quebrando dois dentes de seu prisioneiro. Riggs só permanecia de pé por que estava sendo fortemente apoiado. A dor vinha de tantas direções que era difícil saber qual era pior. - O senhor tem alguma dúvida, senador Riggs? – perguntou o Diretor.


Como não houve resposta exceto um gemido rouco, ele virou-se para a mulher que vestia um terninho escuro e usava óculos. - Como a senhora pôde testemunhar, o nobre senador Riggs resistiu a prisão e feriuse na luta com os soldados. Mas quando conseguimos contê-lo, todos os procedimentos legais foram adotados – disse o Diretor. - É evidente, Diretor – respondeu ela, de forma impassível. - Podem levar – ordenou ele, olhando para os soldados. Riggs não conseguia falar ou se mexer, mas os soldados praticamente o carregaram para fora da mansão, onde um camburão o esperava. O Diretor suspirou aliviado, pois finalmente a tensão dos últimos dias fora descontada. Ele tinha certeza que foi com a melhor pessoa possível. - E agora Diretor? – perguntou a promotora. - Agora esperamos a equipe realizar os outros vinte e sete mandados de prisão – foi a resposta. - Sim, mas o senhor sabe que a gravação em si não poderá se utilizada como prova no tribunal. Ela foi feita sem ordem judicial. - Não importa. Basta um dos covardes aceitar um acordo, trocando uma pena possível de 40 anos por uma vida nova no programa de proteção a testemunha, que diversos outros vão embarcar. Tenho certeza que o banqueiro Moneti será um dos primeiros. - Eu sei. Ainda acho impressionante o senhor ter conseguido esta gravação. Seus agentes são fantásticos – elogiou a Promotora. - Obrigado – respondeu o Diretor, preparando-se para sair da mansão – Agora eu preciso ir, deixo a parte burocrática com você. - Pode contar comigo, senhor – disse ela com um sorriso. O Diretor virou-se e se encaminhou para fora. Lá, sorriu ao ver o lindo dia de sol que estava apenas começando. Um dia agradável como deveria ser sua vida após o término desta operação. Seguindo para o carro, pensava nos dois últimos dias que antecederam aquele sábado. Na quinta, após pegar o “presente” do Agente Janus, ele havia corrido para a sede da Agência. Mesmo tendo perdido todos os dados, o maquinário do laboratório ainda funcionava.


Lá, ele pode acessar o conteúdo de um cartão de memória feito de fibra de carbono e uma liga de porcelana, indetectável para qualquer sensor de metal. O Diretor lembrava bem deste cartão. Ele era acoplado a um protótipo de câmera em forma de orquídea. Basicamente, era uma flor verdadeira tratada quimicamente para não murchar. Em seu corpo, existiam micro lentes de alta definição, que permitiam gravar em quase 180º e um microfone de fibra ótica. Donald Duplo havia sido um dos agentes a receber este protótipo para teste. Considerando seu altíssimo custo, ele foi engavetado para pesquisa de viabilidade. Na própria quinta, ele já havia assistido a um filme com o banqueiro Moneti descrevendo operações fraudulentas e citando nomes, datas e valores. Mas o melhor foi outro vídeo do “Grande Líder” da Organização, o senador John Riggs, se gabando de como conseguia comprar qualquer em. E ele ainda foi muito legal ao citar dezenas de exemplos. Na sexta de manhã, o Diretor convenceu facilmente a promotora Jean Adams a encabeçar este caso. Ela ansiava há muito tempo uma oportunidade de projeção profissional e agarrou esta sem pestanejar. Após listar todos os citados nas gravações, ambos conseguiram uma audiência com o juiz Charles Dredd, conhecido por ser implacável contra o crime organizado. Após assistir as gravações, ele teve todo o prazer de emitir vinte e oito mandados de prisão preventiva e mais uma dezena de mandados de busca e apreensão. O fim da tarde de sexta, serviu para o Diretor formar as equipes e dar as instruções para a limpeza que eles fariam no sábado a partir das 09:00 hs em ponto. Para evitar fugas ou avisos, todas as prisões seriam feitas simultaneamente. Quanto ao inquérito, o Diretor contava com a covardia e falta de lealdade da “Organização”. Eles pressionariam um por um com acordos vantajosos, sendo seu único alvo o senador Riggs. Este, ele fazia questão de jogar fora a chave da cela. Já dirigindo, o Diretor não conseguia deixar de pensar em Donald Duplo e Ka K, sua melhor dupla de agentes. Seu maior erro foi tentar separá-los, mas agora era tarde para arrependimentos. Ele subestimou os sentimentos que os unia e pagou caro por isto. O agente Janus agiu como um mestre do xadrez, que planeja suas próximas vinte jogadas, sabendo o quê o adversário vai fazer a cada uma delas. Primeiro ele se associou a Organização para se vingar do Diretor e de uma forma que ainda não foi plenamente explicada, ele invadiu a sede da Agência, acabando com ela.


Ganhando a confiança de Riggs, ele o recebeu e falou demais. Janus sabia que isto iria acontecer, tanto que foi com a câmera para filmar tudo. A previsibilidade do comportamento do senador foi a sua ruína. Depois ele enviou o filme ao Diretor que tratou de prender todos. - O desgraçado jogou com os dois lados e nos venceu de forma impecável – pensava o Diretor com um sorriso. - Espero que ele e Karen sejam felizes finalmente – foi seu último pensamento, um pouco antes de ligar o rádio bem alto. Com a música preenchendo o ambiente, o Diretor seguia para casa. Quanto a Janus, ele realizara sua última tarefa com sucesso e agora poderia desaparecer. Só havia restado Donald, que tinha apenas um objetivo. Reconquistar seu grande e único amor, Karen.


Capítulo 12 Alma Gêmea


Daqui a 22 meses... A composição havia acabado de reiniciar a viagem naquela quinta-feira. - Destino... Você acredita mesmo nisto? – perguntou Karen, sentada ao lado de Donald. Ele mal continha a felicidade de vê-la novamente. Após tantos perigos, estava ao lado do seu grande amor. E em seu colo, o reversor Mnemônico que poderia devolvê-la a ele, desde que tivesse a coragem de utilizá-lo. - Dependendo da situação, sim – foi a resposta de Donald, com os olhos brilhando. Karen notou o olhar dele e ficou um pouco sem graça. Inexplicavelmente, ela estava muito feliz de vê-lo de novo. O metrô continuava sua corrida pelas estações. Donald não tinha muito tempo, precisava utilizar o reversor mas não sabia como tocar no assunto. Os questionamentos de Gizmo martelavam na sua cabeça e ele precisava resolver esta dúvida primeiro. - Karen, eu sei que mal nos conhecemos, mas tenho uma dúvida amorosa e poucas pessoas com quem eu possa contar. Você se importaria de ouvir uma breve história e me dar uma opinião sincera? - Claro que não, adoro histórias de amor – respondeu ela radiante. O fato de Donald confiar nela a ponto de se abrir a deixou muito contente, mesmo sem ela saber o motivo. - Imagine que um casal se ama muito. E quando eu digo muito, é bastante. Quero dizer, estou sendo redundante, desculpe. Mas eles se amam a beça – começou Donald, um pouco confuso. - Sim, sim – respondeu ela, achando-o gracioso. - Só que um dos integrantes, tinha uma carga de sofrimento imensa, gigante, enorme. Chegava ao ponto de chorar muito e ter pesadelos recorrentes – continuou Donald, tentando acertar a narrativa. Karen ouvia atentamente e muito interessada. - De um jeito que não importa agora, por uma decisão pessoal, esta pessoa conseguiu se livrar do sofrimento, esquecendo as mágoas e vivendo hoje uma vida em paz. Mas junto com o sofrimento, o grande amor desapareceu também e um pequeno vazio ficou no local. - Esta é a história. Posso fazer uma pergunta? – disse Donald.


- Claro – respondeu Karen concentrada como se assistisse a um último capítulo da novela. - Se esta pessoa tivesse a chance de ter novamente este grande amor, preencher o vazio, valeria a pena? Mesmo se o sofrimento voltasse junto? Karen não respondeu imediatamente. Começou a raciocinar a respeito, se colocando no local da pessoa. - Ih, é nossa estação. Vamos descer que eu te respondo na plataforma – disse ela. Donald nem havia notado. Ele a seguiu para fora do vagão e ambos se sentaram nos bancos de espera. - Ainda bem que saí mais cedo hoje. Posso ficar com você aqui mais uns dez minutos, antes de entrar no meu serviço – comentou Karen. - Eu agradeço muito – respondeu Donald – Realmente quero a sua opinião. - Vou ser sincera, tudo bem? – perguntou ela. - Por favor – disse ele ansiosamente. - Não acredito que valha a pena. Se a pessoa preferiu perder o grande amor da sua vida para se livrar do sofrimento, a dor era muito maior que este amor. - Nestes casos, o sofrimento sufoca o amor. Pode ser muito bom as vezes, mas a parte ruim é mais forte e suga suas forças. É uma pena, mas este amor não conseguiu superar a dor no coração desta pessoa – concluiu ela, ajeitando-se no banco. Donald ficou arrasado pois Gizmo tinha razão. Se trouxesse Ka K de volta, seria apenas para a sua satisfação pessoal e ele estaria sendo extremamente egoísta. As memórias de Ka K não voltariam e Donald havia perdido para sempre o grande amor de sua vida. Karen notou a decepção nos olhos dele e disse: - Olha, acho que eu não respondi o quê você queria ouvir, mas é apenas a minha opinião. Desculpe-me. - Tudo bem. Estou triste por que você tem razão – respondeu Donald. - Bom, se você me permitir, eu posso te dar uma segunda opinião – ela ofereceu. - A vontade – foi a resposta desanimada.


- A melhor forma de se curar de um amor velho é com um amor novo. Cheio de paixão, descobertas e sem mágoas – falou ela sorrindo. - Faz sentido, mas onde eu vou achar um amor novo? – falou Donald, olhando para ela. - As vezes está mais perto do quê você imagina – respondeu ela, se aproximando de seu rosto com um sorriso maior ainda. Como sempre, demorou alguns segundos para ele entender. Karen o estava paquerando? - Ah, é... Mas... Como eu vou saber se é mesmo? – disse ele sem conseguir pensar em qualquer outra coisa para falar. - Só tentando, concorda? – perguntou ela, ainda sorrindo. - Tem razão – foi a resposta. A conversa havia tomado um rumo tão inesperado que ele não sabia como agir. De repente, uma propaganda na parede da estação deu-lhe o empurrão necessário. - Veja, estreou o filme “Amor a prova de tudo” – disse ele apontando para o cartaz de cinema – Já ouviu falar? - Já. Eu li a resenha no site Patinhas de cinema. É sobre um casal que enfrenta mil situações, mil perigos e muitos problemas para ficarem juntos. Ele é mal humorado e ela inteligente e divertida, mas ambos se completam – falou ela. - Eu até queria assistir, mas não tenho companhia – jogou ele discretamente. - Eu também, que coincidência – foi a resposta. - Ah, então... Se você não tiver nada para fazer no sábado a tarde, poderíamos assisti-lo no Multiplex do Shopping Jardim dos Jardins. – arriscou Donald, finalmente. - Eu adoraria – respondeu ela com um sorriso imenso - Nossa, deu a minha hora. Que tal as 13:00 hs em frente a bilheteria do cinema? - Combinado – respondeu Donald sem acreditar. - Então deixa eu ir, senão eu vou me atrasar para o serviço – falou Karen se levantando. - Até sábado Donald – foi a última frase dela antes de se afastar, acenando. - Até – ele respondeu ainda não acreditando. Karen foi embora e deixou Donald abismado na estação. Mesmo sem utilizar o reversor, ele poderia tê-la de volta, bastando para isso conquistá-la novamente.


Após alguns minutos, Donald levantou-se da cadeira e seguiu até a lata de lixo mais próxima. - Adeus Ka K – disse ele, enquanto jogava a caixa com o reversor Mnemônico. As memórias dela nunca voltariam e muito menos o sofrimento. Agora Donald precisava esquecer Ka K e concentrar seus esforços em conquistar seu novo amor, Karen. No sábado seguinte... O Shopping Jardim dos Jardins era um dos mais famosos de Nova Patópolis. Juntamente com mais outros quatro, pertenciam ao conglomerado Patinhas e era o maior. Tanto em lojas, quanto estacionamento, praça de alimentação e cinema. Só o cinema possuía vinte e seis salas, sendo quatro específicas para filmes 3D, duas para filmes 4D (com movimento das cadeiras) e duas iMAX e suas telas com mais de trinta metros. Todas as salas eram equipadas com som sete canais de última geração. Donald chegou as 11:45 e a bilheteria nem tinha aberto, mas a ansiedade o impediu de ficar em casa mais tempo. Era melhor esperar lá ao invés do risco de se atrasar e agora já era meio-dia e meia. A bilheteria abrira a pouco e como um perfeito cavalheiro, comprou as entradas para os dois. O filme seria as 14:00 hs e a sala estaria liberada as 13:30 hs. - Bom, se ela chegar com fome, compramos pipoca. Após o filme, comemos alguma coisa – pensou ele. Donald estava aguardando Karen como se fosse um primeiro encontro e na verdade era. Ele tinha que começar tudo de novo, mas não se importava nem um pouco. Passados mais alguns minutos, viu Karen se aproximando. Ela estava com um vestido colorido e curto. Assim que o viu, abriu o sorriso. - Olá Donald. Que bom que já chegou – disse ela. - É. O trânsito ajudou – respondeu ele, não dando entender o quanto estava ansioso. - E a que horas é o filme? – perguntou ela. - As 14:00 hs, mas podemos entrar na sala as 13:30 – foi a resposta – Você quer comer alguma coisa antes? - Não, me contento com as pipocas durante – disse ela sorrindo – Mas se você quiser comer, a vontade.


- Não, tudo bem. Vamos nos sentar ali na praça para esperar a liberação da sala? – convidou Donald. - Vamos – respondeu ela, pegando Donald pelo braço e o puxando ate lá. - Ela continua tão espevitada como sempre – pensou Donald. Após se sentarem em um banco e olhar as pessoas por alguns minutos, Karen falou: - Sabe, tinha medo de você não me convidar para sair. - Mas por quê? – perguntou Donald em um tom de surpresa. - Ah, você podia ficar com medo depois de ver a pancada que eu dei no seu primo sem-vergonha. Juro que não sei como fiz aquilo – respondeu ela envergonhada. - Eu acredito – ele respondeu, segurando as mãos dela – Não se preocupe, ele mereceu. Mas não vamos falar nem pensar neste tipo de gente hoje, tá bom? - Concordo – disse ela, muito feliz ao ouvir isso ao mesmo tempo em que ele segurava suas mãos. Karen queria falar mais uma coisa e estava com muito receio. Donald notou este pequeno conflito interno e disse: - Karen, se tem algo para me dizer, fique a vontade. - Como ele sabia? – pensou ela se surpreendendo. Ele devia ser uma pessoa bem sensível. - Tá bom, eu falo. Mas você tem que jurar que não vai rir nem me achar maluca – disse ela preocupada. - Claro que não, pode falar. Karen tomou fôlego e começou a explicar o quê estava sentindo: - Quando nos encontramos pela primeira vez, você se assustou como se já me conhecesse, lembra? Aí você disse que eu te lembrava alguém. Donald concordou com a cabeça. - Não na intensidade para levar um susto, mas tive a mesma sensação. E ela não me abandonou mais desde então. E a cada dia ficou mais forte. - Quando nós nos reencontramos naquele dia na hora do almoço, eu fiquei muito feliz por te ver de novo. E quando te achei no metrô, fiquei mais feliz ainda. Após aquele mal entendido com seu primo, fiquei com medo de nunca mais te ver.


Donald continuou concordando. - E não me ache maluca. Eu sinto que já te conhecia, mas não era eu. Quero dizer, era outra eu – falou ela se confundindo – Ai, não estou conseguindo explicar. - Como se fosse de outra vida? – perguntou Donald. - Exatamente. Eu não acredito nestas coisas, mas parece que te conheço de outra vida. E nesta outra vida... - ela hesitou e parou de falar. - Nós estávamos apaixonados? – concluiu ele. Karen se surpreendeu. Ele falou exatamente o quê ela sentia. - Você também tem esta sensação? – perguntou ela assustada. - Sim – foi a resposta. Só Donald sabia o quanto ela estava certa. Era a vida de agente secreto, cheia de perigos e adrenalina. Aparentemente Gizmo tinha razão, as memórias de Ka K retornavam como sensações. Não podiam ser acessadas conscientemente, mas estavam lá. - Eu sinto que passei estes últimos anos procurando por alguma coisa. Você não sabe, mas eu fiquei um tempo internada no hospital e desde que saí de lá, algo me faltava. É como se alguém tivesse arrancado um pedaço da minha alma. - E parece que agora eu encontrei esta parte, a minha alma gêmea – disse ela emocionada - Finalmente a sensação de vazio que eu sentia sumiu. E acredito que é por que você está aqui comigo hoje. - Por favor, não se assuste e nem pense mal de mim – ela falava com receio - Eu sei que parece que estou falando besteiras, mas sinto que preciso te dizer uma coisa há muito tempo... – ela parou de novo, preocupada com o quê Donald estava pensando. - Que você me ama? – ele completou imediatamente. Donald imaginou que Karen suprimiu esta frase tantas vezes durante o relacionamento deles, que agora ela tentava sair desesperadamente. Karen se assustou de novo. Levou a mão ao bico não conseguindo falar mais nada. Donald notou que ela estava começando a chorar. - Karen, calma – disse ele, apertando as mãos dela. - Quem somos nós para entender os acasos do destino? Nós nos encontramos sem querer no metrô e hoje estamos juntos aqui. É só isto que importa. O resto nós descobrimos com o tempo, afinal, eu nunca mais quero ficar longe de você.


Karen achava tudo isto uma loucura. Ela mal o conhecia, mas seus sentimentos por ele eram muito profundos. Outra vida, alma gêmea, qualquer que fosse o motivo, ela também não queria sair de perto de Donald de forma alguma. Com alívio, Karen notou que Donald sentia-se assim também. O maior medo dela era ele fugir correndo por considera-la uma carente obsessiva, que se apaixonava por qualquer um após o primeiro encontro. - Tá bom – disse ela, enxugando os olhos e se acalmando – Já são 13:30 hs, vamos entrar na nossa sala, querido? – concluiu a frase sorrindo. - Vamos minha linda – foi a resposta com outro sorriso. E foi neste clima de cumplicidade que ambos se levantaram do banco e de braços dados, seguiram até a entrada do cinema. Sábado, as 13:47 hs... Donald e Karen aguardavam o filme começar. As luzes ainda estavam acesas, as cadeiras eram confortáveis e uma rápida passada na bomboniere do cinema garantiu pipoca e refrigerante. A conversa que tiveram fora do cinema deixou os dois um pouco sem graça, pois não sabiam o quê um estava pensando do outro. Karen quebrou o gelo com uma frase bem amena: - Eu percebi que você normalmente é bem quieto. - As pessoas ao meu redor não costumam me deixar falar muito – foi a resposta dele, em relação a sua família. - E minha antiga namorada não valorizava em nada as minhas opiniões – concluiu o raciocínio, citando Margarida. Karen se ajeitou melhor na poltrona e se aproximando do ouvido de Donald, cochichou: - Você merece muito mais do que isto. Donald foi preenchido com uma sensação de Déjà Vu. Há pouco mais de três anos e meio, em outra vida, ele ouviu esta mesma frase. Eram Ka K e Donald Duplo durante uma missão no litoral da França, em um hotel cinco estrelas com vista para o mar do Mediterrâneo. Mas esta vida anterior não importava, pois já havia sido deixada para trás.


Hoje eram apenas Donald e Karen dentro de um cinema, sem compromissos, perigos ou inimigos envolvidos. Toda a angústia, amargura e tristeza que Donald cultivou por tanto tempo, simplesmente desapareceram. Donald colocou a mão na nuca de Karen e a puxou delicadamente em sua direção. Finalmente pode sentir o sabor de seu beijo, um beijo apaixonado do qual ele sentia tanta saudade. Donald e Karen ficaram sozinhos por muito tempo. Mas hoje, nada nem ninguém os separariam. Eles estavam felizes. E apenas isto importava.


EpĂ­logo


Em um futuro próximo... Aquela tarde de segunda-feira tinha o clima ameno. Apesar do inverno costumar ser rigoroso, aqueles primeiros dias da estação seguiam com uma temperatura agradável. Donald andava nervosamente de um lado para o outro na sala de espera. O silêncio e a ausência de notícias o deixavam extremamente angustiado. O último ano havia sido de uma intensidade sem igual. E naquele dia, esta fase da sua vida estava chegando ao ápice. Desde o reencontro com Karen, eles não se desgrudaram mais. Donald a buscava todo dia na saída de seu trabalho e ambos iam para a casa dela. Huguinho, Zezinho e Luisinho haviam voltado a morar com Donald, mas compromissos dos Escoteiros passaram a exigir viagens constantes, o quê não permitia que eles parassem muito em casa. Dois meses depois, Donald já havia convencido Karen a morar com ele. Ela considerou uma loucura total, mas não conseguiu negar o pedido dele. Huguinho, Zezinho e Luisinho ficaram muito felizes ao notar que seu tio finalmente havia encontrado um grande amor. Sem contar que a achavam muito bonita e simpática, bem mais que Margarida. Passaram-se mais seis meses até que Donald finalmente teve coragem de fazer o tão aguardado pedido. Durante um jantar a luz de velas na sala de sua casinha, ele retirou um pacote com duas alianças e ajoelhado declarou: - Karen, você é o amor da minha vida. Você aceita se casar comigo e me dar a honra de ser o pato mais feliz do mundo? Karen não chegou a responder. Ela simplesmente saltou no pescoço dele e o beijou por mais de uma hora. Já as alianças voaram da mão de Donald e demoraram quase uma semana para serem encontradas. O casamento foi patrocinado pelo primo Patinhas e realizado com toda a pompa, seis meses depois do pedido. Por decisão de Dumbela, os meninos voltaram a morar com ela, para evitar atrapalhar o casal recém-casado. Após a lua de mel, Donald vivia no paraíso. Até o dia em que recebeu a notícia que o deixou mais feliz ainda (não exatamente no momento da notícia). Ele seria papai.


Após alguns dias desnorteado, Donald animou-se com a ideia. Ele pretendia se dedicar ao máximo para cuidar bem de seu filho. O obstetra estimou que este bebê foi gerado entre quatro a seis semanas antes do casamento. - Ainda bem que ninguém notou – pensava ele. Donald não queria que alguém pensasse que o único motivo do casamento fosse este. Na época, a dor de estômago, tontura e leve mal estar foram atribuídos ao stress da cerimônia. Claro que descobrir que eram três crianças ao invés de uma, o desnorteou novamente. Mas após se lembrar das vantagens de criar seus três sobrinhos juntos, ele animou-se. E hoje, seis meses após o casamento, ele encontrava-se na sala de espera do Hospital e Maternidade Mamãe Feliz. Esta sala ficava próximo ao berçário, onde ele podia ver e ouvir os recém-nascidos. Já o quarto que seria utilizado por eles estava sendo preparado pela equipe de limpeza. A preocupação de Donald estava no fato dê que pelas medições, seus filhos estavam vindo ao mundo um pouco antes do quê deviam. Nos últimos dias Karen estava muito cansada, já que as três crianças forçavam seu corpo além dos limites. Segundo o médico, cada dia a mais que demorasse, melhor seria para os bebês. Por isto Karen ficou em repouso absoluto, não se levantando nem para comer. Donald passou a cuidar dela em tempo integral. Apesar de todos os cuidados, as crianças pareciam estar com pressa. Naquela manhã, Karen sentiu que não era possível esperar mais. Após ligar para o obstetra e o pediatra que os acompanhariam, Donald seguiu com Karen para a maternidade. A pressa foi tanta que ele esqueceu-se do enxoval que estava arrumado e guardado em uma mala branca com tema de bichinhos. Karen deu entrada no Pronto Socorro ás 11:42 hs e imediatamente foi encaminhada para o centro cirúrgico. Aproveitando o momento, Donald voltou correndo para buscar o enxoval. Tão rápido quanto veio, ele voltou para o hospital. E agora, as 14:54 hs, ele aguardava notícias naquela sala quieta, limpa e espaçosa. Alguns minutos depois, Donald ouviu vozes conhecidas se aproximando. Durante os poucos minutos que esteve em casa para pegar o enxoval, conseguiu avisar Dumbela sobre o nascimento.


- Mano – chamou ela, estendendo os braços na direção dele. Donald não falou nada. Simplesmente a abraçou com força. - Está tudo bem? – perguntou ela enquanto abraçava. - Eu não sei. Ninguém aparece com uma porcaria de notícia – respondeu ele, soltando-se e voltando a andar. - Calma. Quando tive os meninos, fiquei no centro cirúrgico mais de cinco horas e os médicos não saíram de lá até tudo terminar. - Eu sei, eu sei. Eu estava te esperando, lembra? Só estou ansioso – respondeu ele, sentindo-se feliz por Dumbela estar lá. Em seguida, este pequeno alívio permitiu que ele se sentasse em uma cadeira disponível. Mais alguns minutos se passaram até a chegada de Huguinho, Zezinho e Luisinho. - Eh tiozão!!! – bradou Huguinho. - Não perdeu tempo, hein? – perguntou Zezinho. - Também, com uma mulher como a tia Karen – brincou Luisinho. Donald levantou-se e encarou aqueles rapazes que sempre foram como filhos para ele. Sem conseguir falar nada, abraçou os três. - Pode contar com a gente, tá? – disse Huguinho. - Quando precisar de qualquer coisa é só chamar – confirmou Zezinho. - E se precisar de um tempo a sós com a tia Karen, basta deixar os pestinhas conosco – concluiu Luisinho. - Obrigado rapazes – respondeu ele, mantendo o abraço apertado. Donald agora se sentia melhor. Ficar sozinho no hospital causava uma sensação muito ruim. E foi com este apoio da família, que ele permaneceu mais algumas horas. Sem nem perceber, começou a escurecer e o relógio já marcava 18:14 hs. E no minuto seguinte, o obstetra apareceu na sala com uma roupa branca. - Sr. Donald? – chamou ele. - Doutor Joseph – respondeu ele levantando-se rapidamente. - Por favor, fique tranquilo. Tanto sua esposa quanto os bebês estão bem. Só preciso te informar alguns detalhes importantes – falou o médico calmamente.


- Pode falar – respondeu Donald com um suspiro de alivio. Neste momento ele sentiu seu corpo inteiro relaxar. - Não tivemos qualquer intercorrência. A única coisa é que o corpo de sua esposa foi exaurido nestes últimos meses com os três bebês. - E qual o problema? – perguntou Donald sem saber se era uma boa ou má notícia. - A princípio nenhum, exceto alguns cuidados extras e uma alimentação mais cuidadosa nos próximos dias. Ela está bem, conversando e feliz. Sua esposa está ótima e quer ver o senhor assim que sair da sala de recuperação. - Graças a Deus – pensou Donald, relaxando quase totalmente. - E os bebês? – ele perguntou, esperando que também estivesse tudo bem. - São três meninas, Sr. Donald. Parabéns – respondeu o médico com um sorriso – Mas eu prefiro que quem fale sobre elas seja o pediatra. Ele já está vindo aqui, tudo bem? - Tudo ótimo, doutor. Muito obrigado – respondeu Donald, sorrindo e com uma pequena lágrima nos olhos. - Então nos veremos mais tarde no quarto. Por hora, vou me trocar e comer alguma coisa, pois suas filhas decidiram aparecer antes deu almoçar – disse o médico sorrindo e saindo da sala. Huguinho, Zezinho e Luisinho ouviram tudo e se aproximaram para outro abraço. - Parabéns tio Donald – disse Huguinho. - Três meninas. Que legal – completou Zezinho. - Caprichou hein? Não que tenha sido difícil – concluiu Luisinho rindo. Donald abraçou longamente seus sobrinhos. Em seguida sentou-se novamente, pois uma onda de relaxamento invadiu seu corpo. Após alguns minutos, o pediatra entrou na sala. - Sr. Donald – chamou ele. Ele levantou-se e olhou para o homem que Karen decidiu que seria o médico de suas filhas. - Boa noite, doutor Patico – disse Donald, estendendo a mão. Patico apertou a mão de Donald e ambos trocaram um cumprimento vigoroso.


Donald sabia que Patico cuidou de Karen no hospital e tinha uma queda por sua esposa. Uma vez ela deixou escapar que eles se beijaram no dia da despedida. Mesmo assim, eles concordaram que não haveria pessoa melhor para cuidar dos bebês. Patico sabia que Donald era o grande amor de Karen. Havia um certo rancor dele, mas isto não iria interferir nos cuidados com as meninas que haviam nascido. Ele especializou-se em pediatria e adorava este trabalho, ainda mais sendo filhas da Karen. - Meus parabéns Sr. Donald – começou a falar – Felizmente o obstetra se equivocou nas medições e acredito que suas filhas foram geradas pelo menos duas semanas antes do quê pensávamos. - Com isto, elas nasceram algumas semanas antes do prazo ideal, mas seus pulmões estão plenamente funcionais, não necessitando de internação neonatal. Suas filhas são lindas e saudáveis. Donald queria abraçar o médico que trouxe tão boas notícias. Mas por não imaginar qual seria sua reação, limitou-se a dizer: - Que bom. Obrigado doutor. Donald sentia-se tão bem com tudo isto, que acabou completando com uma frase que ele já queria ter dito há muito tempo: - Eu nunca pude agradecer a forma que o senhor cuidou da Karen no hospital. Eu sei que parte do motivo dela ter acordado foi por ter ficado aos seus dedicados cuidados. - Eu somente realizei minhas obrigações – desconversou Patico. - Mas eu me lembro de como o senhor cuidava bem dela – falou Donald sem querer, arrependendo-se no instante seguinte. - Lembra como? Karen me disse que te conheceu muito depois de sair do hospital – perguntou Patico intrigado. - Desculpe, desculpe. Eu quis dizer que soube por ela como era bem tratada. Mas voltando as meninas... – tentava mudar de assunto, se enrolando todo. Patico fingiu acreditar. Sem querer, Donald confirmou uma desconfiança antiga do médico. Karen, sem memória e sem identificação, não havia sido salva pelo Diretor do Hospital. Alguém a levou até lá e fez com que fosse cuidada. Mas hoje não era o dia certo para se pensar nisto. No momento ideal, ele faria Donald lhe contar toda a verdade.


- Suas meninas acabaram de chegar no berçário. Se quiser vê-las fique a vontade. Karen já está no quarto, e ela precisa do seu apoio – disse Patico, mudando de assunto. - Sim, sim. Obrigado mesmo, doutor. Eu fico te devendo uma – agradeceu Donald com toda a sinceridade. - Um dia eu cobrarei, pode ter certeza – pensou Patico, enquanto estendia a mão para se despedir. - Tenha uma boa noite, senhor Donald – disse ele de forma polida. - O senhor também – respondeu Donald, apertando as mãos. Em seguida o médico retirou-se da sala, deixando a família Pato sozinha, com excelentes notícias. Sem dizer mais nada, Donald correu para o vidro do berçário. Ao chegar lá, viu os três bercinhos lado a lado, com três recém-nascidas pequenininhas, lindas e choronas. Aquelas três coisinhas eram as meninas mais fofinhas que ele já havia visto. Após alguns minutos admirando a prole, Donald virou-se para sua família dizendo: - Podem ficar aqui um pouco? Eu preciso ver como a Karen está. - Claro mano, vai lá – prontificou-se Dumbela. Os três rapazes concordaram com a cabeça. Donald se encaminhou para o elevador que estava com a porta aberta. Após pressionar o botão do terceiro andar, esperou a subida pacientemente. No andar, saiu do elevador e seguiu até o quarto 319. Chegando na porta, bateu delicadamente e disse ao entrar: - Com licença. É neste quarto que está a mamãe mais bonita desta maternidade? - Não. Neste quarto está a mamãe mais cansada do mundo – foi a resposta de Karen, em um tom realmente cansado. - Tadinha da minha linda – derreteu-se Donald, indo até a cama e beijando o rosto dela. Em seguida, ficou fazendo um cafuné do jeito que ela adorava. - Obrigada querido. Não se preocupe, só estou cansada. O analgésico me deixou um pouco caída. - Eu sei, não precisa se preocupar com nada agora. Descanse. - Sabe, parece que tiraram um pedaço de mim – comentou Karen, com os olhos lacrimejando.


- Calma meu amor. Não tiraram nada, ao contrário. Os médicos só trouxeram ao mundo as três meninas mais lindas de todas e foi você quem as fez. Agora só falta cuidar das nossas patinhas – falou Donald, tentando animá-la. - Eu sei. Você não imagina a emoção de olhar para elas com aquele chorinho abafado – disse Karen, segurando a mão dele. - Eu imagino. Mas agora você precisa descansar tudo bem? – disse Donald querendo poupá-la de mais emoções por aquele dia. - Só mais uma coisa. Eu não sei nenhum nome bom para meninas, pois só tínhamos cogitado para meninos. Você tem algum que queria usar? – perguntou ela interessada. - Ah, não sei. Se fosse para pensar em algum nome, eu pensaria nas mulheres mais importantes da minha vida – respondeu ele com um sorriso. - E quem seriam? – questionou ela mais interessada ainda. - Bom, tem minha mãe Hortência. E também minha avó paterna Donalda. E por último tem você, meu amorzinho único e especial. - Karen, Hortência e Donalda. Eu gostei – disse Karen com sinceridade, feliz por estar entre as três mulheres mais importantes para ele. - Depois discutimos isto. Agora descanse meu amor – disse Donald, sentando-se em uma cadeira ao lado da cama – Eu ficarei aqui vigiando o seu sono. - Obrigada, querido – foi a resposta dela. Após esta última frase, Karen ajeitou-se na cama e fechou os olhos. A alta dose de analgésico estava fazendo efeito e ela adormeceu em menos de um minuto. Donald olhava para sua esposa dormindo. Este último ano de sua vida havia sido inesquecível e agora ele se preparava para entrar em um novo ciclo. A partir daquele dia, além de uma esposa que amava muito, ele teria que compartilhar este amor com as três menininhas que haviam acabado de nascer. - Karen, Hortência e Donalda – pensava ele, imaginando a personalidade que as três iriam desenvolver com o tempo. Estas três meninas dariam muito trabalho para Donald e algumas vezes ele se sentiria mais cansado do quê Karen estava hoje. Mas seriam elas que dariam um rumo definitivo a sua existência. Uma esposa amada e três filhas maravilhosas. Esta seria a sua família.


E a sensação de Donald ao olhar para sua família era inédita em sua vida. Ele iria se sentir o pato mais sortudo e feliz do mundo.



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