Hilda de Paulo, em “Calor travesti,” materializa na vitrine da AT|AL|609 as palavras de “as lágrimas da dor serão secadas pelo sol em pouco tempo” (2019) – esse lugar da visualidade das ideias ordenadas segundo códigos partilhados – e a interferência na obra “Hilda de Paulo (Depois de VALIE EXPORT)” (2021), da série “Hilda de Paulo” (2020-). O emoji de uma flor de hibisco cobre parte de seu corpo, trazendo a genitália da artista sobreposta por pétalas da mimo-de-vênus, tão rosadas quanto a parede da composição e de onde irrompem estames amarelos. Na coxa de Hilda de Paulo, inscreve-se a releitura transfeminista do gesto performático da artista cisgênera e austríaca VALIE EXPORT, que, em 1970, tatuou uma cinta-liga, acessório da moda do início do século XIX, ligado à sensualidade das dançarinas dos cabarés. O corpo feminino da mulheridade cisgênera, exposto para apreciação e consumo, é aqui desdobrado por Hilda com sua corpa de mulher travesti posta na vitrine. Se, na botânica, estames referem-se aos órgãos masculinos, que partilham com outras estruturas de seu corpo a responsabilidade pelas floradas, estames são também fios, com os quais podemos tecer tramas por percorrer na existência encarnada. A flor, a corpa e o tempo que seca as lágrimas são arranjados sobre um felpudo carpete rosado. Por baixo dessa maciez, pode pulsar o acalorado coração travesti de Hilda e também pulsar ainda quentes as lágrimas por um território sempre em dívida com a memória de Quelly da Silva. Que a corpa de Hilda bata a terra de fazer tramas florescentes para as travestis campineiras. Maíra Freitas artista, pesquisadora, curadora, arte-educadora