Ibis Libris Rio de Janeiro 2013
Copyright © 2013 Paulo Emílio Azevedo Editora: Thereza Christina Rocque da Motta Capa e diagramação: Bruno Pimentel Assessoria técnica: Aline Fuly Revisão: Heloísa de Castro e Vitor Nascimento Criação plástica: Renato Negrão Fotografia: Walter Mesquita
Impresso no Brasil. 2013 Todos os direitos reservados. Ibis Libris Rua Raul Pompeia, 131 / 708 Copacabana | 22080-001 Rio de Janeiro | RJ Tel. (21) 3546-1007 www.ibislibris.net ibislibris@gmail.com Associada à LIBRE. www.libre.org.br
P
Prefácio Paulo me apareceu como um dardo ou um cometa. Alguém que traz uma novidade tinindo na ponta da língua e agita quem estiver por perto. Não é preciso fazer muito esforço para compreendê-lo, e o que ele quer é simples: quer apenas que a poesia flua, escorra como mel das colmeias, que as pessoas possam voar livres nas palavras, que o ritmo e o som acompanhem o pensamento, e tudo se instale perpetuamente no efêmero. Paulo e a Palavra Projétil voam. Como livro, como poesia, como encanto. A palavra encanta, falar encanta, e todos nós somos tomados subitamente pelo poema, emudecidos pela palavra que entra pelos ouvidos, pelos olhos, pelo entendimento. Paulo projeta a palavra além dos sentidos. A palavra, o poema pulsa. E o dizer poético só se revela enquanto houver sentido entre dizer e ouvir. Ave, palavra, abençoe-nos com seu casulo imantado imerso em poesia. Thereza Christina Rocque da Motta, poeta e editora
Feto sem afeto, vira fato, foto
Palavra Projétil: poesias além da escrita
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Palavra projĂŠtil: poesias alĂŠm da escrita
Tempestade P A R T E
I
Palavra Projétil: poesias além da escrita
Dez planos de ataque para uma morte social Ela está séria. Seria dor, mágoa? Calada permanece! Quem sabe é um calo no coração, outro no pé, mais outro na mão. Humanidade é ilha, sem porto seguro. Dez planos de ataque para uma morte social: abismo, hiato, racismo, bullying, exclusão, isolamento, separação, ruptura, apartheid, muros.
Silêncio... 12
Tempestade
P por Paulo (parte I) Para processar políticos palhaços, policiais perniciosos, poderosos podres. Para possibilitar participação, protestos, peripécias pontuais. Posturas pertinentes potencializando políticas públicas para pobreza. Pense povo: picaretas, patrícios, patrões, patricinhas precisam partilhar. Petróleo pra poucos – pequeno percentual. Pessoas perambulando, parecem postes. Podemos perceber paixão? Progresso? Perfeição? Poses, porcelanas, playboys, praia – povinho. Passado presente, “pássaros” presos, privados. Padres pedófilos – PÊNALTI! Perdão, Pai, perdão pelas palavras pesadas pronunciadas. Porém, peço pelo pessoal posto pro paredão. PAUSA...
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
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Tempestade Pobres, palafitas, paletós parcos, porcos, paus, pedras, pedreira, paralelepípedos, poluição. Pistolas, putas, poder paralelo, porrada, prisão, pó, Praianinha, pivetes, pixação. Paranoia, piração! Psicólogos, psicanalistas, professores, pesquisadores, paramédicos. Petrobras, prefeituras, PT, Pelé, PIS PASEP, partidos, protestantes, Palocci, porra! Prantos, prantos, prantos – pestes. Permitam-me prosseguir profetizando... Parados, polícia!!! Paz? Pretos, pobre, Pá, Pá. Presente! Pronto. Prático.
Inspirado na música “Brasil com P” de GOG 15
Palavra Projétil: poesias além da escrita
Nome aos bois II (E agora, Zé?) Roberto Jefferson Delúbio Soares Carlos Alberto Rodrigues Emerson Palmieri Maluf Fischberg Genú, Quadrado Dirceu, Zé Genuíno, Zé Pedro Henry, Pizzolato Tolentino, Vasconcellos José Borba Fernando Collor de Mello Beira-Mar Bin Laden Bashar al Assad Ahmadinejad
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Tempestade
General Chávez João Paulo Cunha George Bush Kátia Rabello Samarane Jacinto Lamas Pedro Corrêa Cabral Álvares de Oliveira Cabral Sérgio e Salgado Hollerbach Costa Neto Naya Queiroz Mello Paz Feli (ciano)
Inspirado na música “Nome aos Bois” de Titãs 17
Palavra Projétil: poesias além da escrita
Deslizamentos Voltamos a Cabral no livro das mentiras, na promoção de um cotidiano violento, enfiando o Pezão pelas mãos às nossas goelas, subornando o direito ao açoite antes senzala, hoje favela. Pela frente, blindados, detonando os nativos sem coturnos. Pelas costas, também covardemente atacam com canetas. Ou sempre de costas (pras encostas) permanecem no trono quando o mote é a vida. Encostados estavam, ontem, aqui. Hoje, aqui, outra vez, estão incrustadas vossa cultura da corte (homicida). A decência virou mérito. Seu oposto, natureza do absurdo, a dor do jazigo; paisagem. Segunda pele do luto corporativo que se veste de política, esta que, por sua vez, investe no espetáculo penal, enquanto a polícia alega que a polis, a metrópole não pertence ao povo.
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Tempestade
Privado se fez o direito da urbe, seu crime publicizado. Liderada está a cidade por dois artigos femininos dos homens: a bandidagem de rosto encamisado, a gravatagem de punhos que patrocinam a barbárie. Deslize: corrupção Delito: banalização Vírus................................................................................................... .......................................................................................................... .......................................................................................................... Depois, quando a chuva cai e a merda sobe, deslizam corpos como coroas de flores nos rios de outrora, mas estes rios no Rio são feitos de lágrimas dos que choram a perda de seus entes e pertences. A vida não está valendo mais porra nenhuma.
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
P por Paulo (parte II) Politi cidade política nalhice politi calha polícia. Poli valente poli fonia poli morfia presença. Preto podado preta posuda prêt-à-porter postura. Pre-fácio pós-difícil pré-vestíbulo poder. Puta, porra, peste podre, pobre, pode pose, poste, parte porte, Porsche, praxe. Pausa! 20
Tempestade
Depois Depois do que se ouve depois do que se ĂŠ depois do que se tem depois do que se quer depois do que se faz depois do que se diz depois que a gente perde se tenta ser feliz depois que a gente pira logo depois da ira depois que a gente chora logo depois da hora depois que a gente mata logo depois da raiva depois que a gente sofre logo depois da morte depois depois depois depois ... Antes. 21
Palavra Projétil: poesias além da escrita
Rajadas de poesia Rajadas de poesia são lançadas ao ar no mar, os piratas, as ratas e os ratos transcendem o perigo de atravessar nessa sinfonia de versar. Um anão, na terra, vestido de azul, atende pelo nome de Smurf. Na sinagoga, Lady Gaga, nua, ajoelha e pede perdão, enquanto uma senhora de véu preto engasga ao denunciá-la – é tesão. Peço clemência se profiro o profano ou se faço do sacro um pedaço de trapo, pano para limpar as bocas sujas.
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Tempestade
Estrume pra gente que omite socorro aos que choram. Esbulho é quem invade sua casa e o toma de assalto. Estupro é quem destrói sua família e uma vida pra sempre. Esmero é o que lhe põe em pé de frente pro front. Esculacho é nos deixar sem ar e sem terra. No mar, à deriva da justiça, sem mar pra se banhar, sem amor pra viver, sem braço pra abraçar. Expulso, sem pulso, escroto, sem saco, estorno, segue a conta de minha miséria. Espírito, desconheço. Estéreo, desliga o som.
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Palavra projétil: poesias além da escrita
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Gambiarra Marca, marra, garra, narra cospe, escarra morde, torpe, dorme, acorde escarra, cospe dança, luta, luto, corpo porco, sujo lixo, fraude, fralda, Freud sonho, mundo. Louco, liga, leve, love amor, inútil fútil, escroto, saco, pobre nó de tudo fone, fax, fico, fogo circo, peste leste, oeste, neste, vago vagão, leste.
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Tempestade
Vendo, troco, compro, roubo, troco, compro, roubo, vendo, compro, roubo, vendo, troco, roubo, vendo, troco, compro. Ou desfaço meu disfarce, sobra o insano ensolarado, violão, corda, sopro e guitarra. Parangula o golé, sou Gambiarra. Preto, branco, índio porra mixada esperma eletro globaliza, traz a festa a festa acaba resta o rosto dessa farra.
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Carta aos elefantes Garoto meio irado no ócio anuncia o enredo. Menino sem lar na lama associa angústia, medo! Cedo, um disparo reverbera berra de lá uma voz no escuro, muros. É feito de gente, metade de Deus. Seus ou suas são travestis, moças, rapazes, putas juvenis, vis, sois vós que vindes aqui me insultar com poesias chulas, De capoeira entendo, sou mestre, então, cuidado, passo a perna, quebro o braço de todo safado que trai amigos. Umbigo? Nada disso, trata-se de ombro, coração, peito e abraço. Macho, terno e materno quando um filho pede carinho. Ninho? Talvez, mas é menos culpa que afeto.
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Tempestade
Teto? Fundamental! Mal? Nenhum se não tocar a família. Humilha? Menino, o bagulho é doido e a chapa é quente. Fria? Não, esquece isso. A beleza é o que importa, sempre. Nada de preguiça, isso é pra fracos, covardes e marajás. Levanta! Acorda! Desperta o sol-dado de luz, nasce já no calor. Amor, amado, amando, amável, isso é puro. Só sente quem sonha, parceiro, desejo devo dizer que é mobilidade, idade, esquece do espelho, parte pra cima com vontade de ganhar. Opa, opa, opa, se ficar de bobeira o final é triste.
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Não existe, persistirá uma ira boba, sem força, então pra que arriscar no sofrimento, quando se sabe o final da história. Dor, sim, doença, não. Pense nisso! Vou parando por aqui, hora de fazer xixi pras moças e pipi pra eles. Garoto, deixa o berro pra lá, segura o lápis e escreve a História. Memória! Glória? Não saberia precisar, mas, com certeza, é notória sua atitude, não mude, isso é firme (é foda!), é você, podes crer. Se tem uma coisa que não se pode abrir mão, meu irmão, é dessa pulsão, de coração, guarda o texto: protesto ao pretexto de morrer por nada, mate! Só se for por seu filho, sua mãe, seu pai. Mate por Leão.
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Tempestade
Tolstoi, menino poeta, cresça aqui, agora. Na solidão lance sua existência ao devir. Se ver qualquer coisa cinzenta, ignora, afugenta, aguenta, parceiro, suporta o vazio, seja guerreiro e dance! Pule na cama e, se tiver pesado demais, chore. Por pouco tempo, claro. Depois, ria de tanta gente pequena, serena, sereno, tranquiliza. ... Vinho tinto e tinta pra sujar as mãos, grãos, pão, poesia e sexo. Nexo? Os sentidos tidos como causa são meros subornos. Boca é pra sentir, gosto é pra se relacionar. Pra ouvir, adoro Bach, pra tatear, não posso contar, é segredo de cama, “rapá”. Olfato é pra cachorro, grandes companheiros. Chega de ver cinza, o arco-íris é mais atraente mesmo pros daltônicos. Vamos colorir, sorrir, zoar tudo.
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Mudo, surdo e cego, insensível, não. Quer brigar me chama de ladrão. Aí já era, a casa cai e o destino pode ser a prisão, ou não... A grande questão é: quem quer paz, dá paz. Quem quer mais, não pode dar menos, mas, é verdade, a vida é respirar, gozar, brincar. Aliás, elefantes mimados, nada de tromba, sombra e água fresca, nada mais.
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Filho do vento Eu, eu sou o filho do vento, sou rebelde, órfão, pai detento. Sou a peste que invade seu seio e escravo que sou, lamento. Mas sou forte, sou de dentro, sou hip hop, sou o próprio vento. Sou arretado, malícia, teimoso, cabra da peste, firme, sou também espelho. Sugiro dor em meu pranto, tinhoso das quebradas, sou o escuro, sombra, assombroso, assombrado, vivo ligado, arregalado, policioso. Eu, mano velho, sou racional de atitude fiel. Minha pesquisa é de campo, realidade cruel. Repente, de língua quente, sou o fel, veneno contra o mel, sou cobra, eu sou cascavel e, da lama que surjo, sou então de novo a peste na sua consciência, afinal, sou livre, sou rebento e correnteza traiçoeira.
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Tempestade
Eu sou a mosca na sua sopa, o pesadelo no seu sono, o piolho, o oxiúro, sou resistência. A minha pistola é sua própria falha e o seu olhar que me ignora. A minha mentira é o alimento, sou faminto e meus olhos adormecem. Eu envergo, mas não quebro. A minha loucura é a verdade da sua farsa e eu ainda sou menino, mas minha Coca não é vermelha, nem minha paz é branca. Sangro negro... Sedento, sou virgem do livro, mas lembre-se, mesmo frágil, sou a peste que te assombra, a faca no seu peito, a corda em seu pescoço, o peso no seu travesseiro e a água que te afoga, sou a flor que murcha, mas um dia eu desabrocho... Afinal, sou rua.
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Sensível? Consolido e lido como líder de qualquer movimento ímpar, par, imperfeito! Esmiúço a grandeza de um urso. Amiúde observo e me faço de mudo. Toco e retoco com apenas um breve toque aquilo que parece inacessível. Sensível? Talvez o senso comum ou mesmo o bom senso. Responda que é na ira que a gente pira. Aí a gente mira e provavelmente atira em quem tira a gente do retiro.
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Tempestade
Mano Brown (quando a palvra me fez Gente) Não sabia que aqui se vendia, além de doces e pipas, palavras!!! Apenas conhecia a fama dos “formiguinhas” e dos “moleques cerol”. Das palavras, ainda não sei de quase nada. De repente, eis que a avidez me rompe do status de coitado e preguiça laboral. Subi o morro das letras, sambei em cima do alfabeto. E nos botecos, ouvi o som da rima do MC pela 1ª vez. Ex-cabaço da poesia, libertei-me pelas curvas do S, pulei no rio dos erres e furtei todos os pingos dos is. Ouvi Jorge Ben, 2 Pac, Run DMC e discurso de Martin Luther King.
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Tempestade
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
“Bobagem”, gritou o militar ou Aquele que manchava os dias de beleza de minha mãe (impondo-lhe rugas): “isso é coisa de bandido e de vagabundo. Isso é coisa de artista!”
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Tempestade Pulei do prédio composto da ditadura e com os objetos diretos e língua culta, nada de concordância. Sou sujeito homem e o predicado que se adverbe. Navegando no calor do asfalto, troquei dinheiro por malícia, certeza por amores e vozes em silêncio. No universo do pranto, tornei-me porta-voz Em seguida, segurei nas mãos do Divino. Depois, lá de baixo (no alto dos infernos), gritei, com toda a força, que a palavra me fez Gente: Pai, sou bandido e não nego, roubo diariamente da realidade uma overdose de imaginação pra saber quem é você. Nunca o vi, do aroma de sua pele desconheço o cheiro. Vagabundo também sou, meu velho, afinal, vago minha bunda por todos os meios-fios pichando sonhos. Mas quanto a ser artista, por favor, não me substantive assim. 43
Palavra ProjĂŠtil: poesias alĂŠm da escrita
Senhor, sou de outra ordem, quase adjetiva__
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Tempestade
“Artista é quem faz arte. Eu, faço arma, sou terrorista!”
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
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Palavra projétil: poesias além da escrita
P A R T E
I I
Brisa (ou dedicado à)
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Por aqui passei pela primeira vez. Falo de corpo, religião e festa manifesto uma prática inversa verso em sóis, dilúvios e raiosx de xenofobia (xô) Xuxa. Xadrez, xeque. Fi-los saber que a ética nos in-Kant que a burguesia só lê-prosa e que a vida nos animadores, não! É mais fogo que brasa, menos brisa que trovão, é literatura, poesia e pão, é trabalho, mano João. Corujas, olhos arregalados para ouvir palavras, bocas imersas pra sentir tesão, dedos, música, piano, toque, dados, musa, ciganos, rock, menina, moleque, existência, Sartre. Receita? Não tenho.
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Brisa
O que faço é resistência, transformar o possível desastre em arte.
(Dedicado a todos os poetas do Corujão da Poesia da Cidade do Rio de Janeiro) 49
Palavra Projétil: poesias além da escrita
Idade da morte, não sei Convém dizer: com o vencimento, cimento da paixão, convenções representadas por contratos, atos de renúncia ou concessões, sessões de censo e o bom senso cessarão, será? Talvez, vê-se que tal situação é da ordem da vida, idas e vindas, vaivém. Porém, ao por poros caseiros combinados com hipocrisia algo traduzirá ruptura, dura com suturas. Idade da morte, não sei eis aqui um ator legítimo da desordem, da paz e da guerra em Millôr Fernandes Ordinário, extra-ordinário, nudez, mostre-se com posições políticas, recomponha-se e me ponha a ouvir as composições de Chico, Al Malik e Bach. Quero terminar gente amante da poesia, do cinema e do mar.
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Palavra projétil: poesias além da escrita Brisa
O silêncio é o alimento da vontade de agir, a pulsão é o sabor do saber sentir, o poder é o lugar escondido, gosto mais da potência, do devir. Pergunta Deus: “Vinho, veneno ou vínculo?” Responde o “demônio” que também pode ser Nietzche, Foucault (ou Le FUCOH) “Dança!”
(Dedicado ao coletivo de música e poesia Le FUCOH) 51
Palavra Projétil: poesias além da escrita
Esse Rio de Janeiro Esse Rio de Janeiro que é mais de fevereiro dos carnavais, malandros e heróis, banha-se nas últimas gotas de chuva das águas de março. Depois, vinga-se da razão, trotando no escárnio de primeiro de abril. Mas agora, transpira furioso, porque precisará voltar à vida séria assim que acabar o primeiro de maio.
(Dedicado aos cariocas, ao humor dessa gente bacana pra caramba; ao Rio de muitos rios e mares) 52
Brisa
Esse corpo sem fé De repente, seus olhos endureceram e sua boca, bela boca, era agora, não mais agora, somente o som de uma palavra amarga. De repente, o que era brisa virou vento frio e sua pele, aquela pele macia, tornou-se gelo. De repente, não mais que de repente, foi necessário um adeus.
(Dedicado ao amor anônimo) 53
Palavra Projétil: poesias além da escrita
Santuza Usa, tudo que serve ao abuso, recusa. Difusa, qualquer coisa que sente atração, cruza. Profusa, o gesto, o beijo, o abraço. Olhar, pedra, Medusa. Intrusa, mares e lares, cabeça, confusa. Reduza, se a vida é tão forte na dor, introduza poesia, música, paixão, acusa. Lusa no português da dança, nada é profano ou sacré, musa. Senhores, senhoras, SOS Sartre: submundo solipsista sugere ser só. Sirva-se: sopas, sapos, sobras, solavancos, socos, sarnas. Se salgado, stop, sorvete! Separem: sátrapas, serpentes, sovinas. Sábios, sóbrios, sátiras, sempre. Subversão? Sim!!!
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Brisa
Satisfação? Sociologia. PUC: Pontifícia Universidade Cazuza. Santé! Salve, salve, sois Santuza.
(Dedicado à professora Santuza C. Neves) 55
Palavra Projétil: poesias além da escrita
Ao poeta Quase miro nas miras dos cristais. Há breu no exílio, martírio jamais. Sedento das águas de Primaveras, retorn ao mar, chuva cai, chuva chove, chuva lar. Estou de volta à minha terra. Do sabiá, sabe-se lá. Que sábios ao sabor do saber assobiavam como loucos ao ver Iemanjá, rainha que encanta, dos cantos em sol, menina que dança nos passos de si, mulher, minha mãe, nostálgico dó, família, uma lágrima, lembrança do rir.
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Brisa
Coração campestre. Camões, Carolina, Camila. Chora Aos amores alhures. Aurora. Saudade, sincero sentir. Sopram Invernos, inspirando Memórias, Infância, Indiaçu. Incerto ir! Inacabado Romantismo, rimando rosa, riacho, rímel. Reveladas Obras Desenhando Em espelhos Alvoradas. Árvores Belas, bosques bondosos. Brasil. Residência, Rio, Estado, estado, meu. Urbe, ufanismo
(Dedicado ao poeta Casimiro de Abreu, ou aonde vi o sorriso mais bonito nesses dias tão só) 57
Palavra Projétil: poesias além da escrita
À Poesia (Parte I) ou PIS (Poesia Imersa de Si) No ar, pus meus pés cheios de pus. SUBLIMEI A DOR! No solo, pás cavam guerras e a criança em nós é ASSASSINADA! Em alto mar, um cheiro de pó ácido. São recordações de meus pais sem PAZ! Pois, agora o fogo queima a identidade da alma do artista. Nem PIS, nem poesia pós-moderna. Chuva!
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Brisa
À Poesia (Parte II) ou O poeta ateu que ama adeus A poesia, salvo o fato de falar do seu tempo e da melodia de um povo e seu pranto, de nada nos serve O poeta, salvo o orgasmo de escrever sua dor, a dor do outro e a verve de uma vida, para nada nos serve Amante do nada (que neste caso é tudo), decidi escrever poesias, depois inscrevi minha marca num mundinho assinando como poeta PAz Hoje é 12 de fevereiro! Em pleno Carnaval, observo as alegorias da praça XV Eis que na mira dos meus olhos, vejo uma maçã mordida a mais ou menos 20 metros.
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Carnaval com maçã mordida é casamento de Dionísio com a mulata Mas, chega a hora da separação! Com um estilete bem afiado, que sempre me acompanha na mochila corto a maçã em quatro partes quase idênticas. Em cada uma delas havia uma face do “poeta”. A primeira; é de um quarto de gente sensível e de brisa alegre capaz até de encontrar beleza onde a sujeira, normalmente, encobre todo o lado vil daquele sentado ao seu lado A outra banda da maçã é triste e angustiada. Triste porque é gente de verdade e sente o peso da existência. Angustiada porque está em constante criação
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Brisa O penúltimo dos rostos é de tonalidade sarcástica e infinitamente crítica É quase razão, quase sacana, e totalmente arrogante. Condena o absurdo, por outro lado usa de sua inteligibilidade como escárnio no colo dos imbecis Humilha-os sem dó e e ri deles como bom diabo Esse rosto é o que o legitima como soberbo Por fim, a quarta e última face do poeta é parte de um rosto polêmico composto da polaridade entre uma suposta espiritualidade e ateísmo É espiritual sua presença, dada a psicografia constante que não lhe deixa em repouso absoluto Mas, não podem estes pontífices no uso da palavra acreditar que as ideias e ou que a inspiração (que nada mais é que levar a piração para dentro de si) apareça, surja como áurea do sublime, exterior a sua condição de humano.
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Por que não? Ora, isso daria enorme vantagem ao principal adversário do poeta, isto é, Deus há de negá-lo sempre para não ceder o altar
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Brisa
Temperatura (e nem sei se isso é poesia) (1) Frio Quando Alcebíades faleceu, seu filho, Paulo Emílio, teceu o penúltimo momento de indignação à morte, e questionou o senhor do funeral, o motivo pelo qual seu pai se encontrava na lápide fria sem qualquer acolhida mais calorosa. Respondeu o senhor ao filho de Alcebíades (este, o nome que ele daria ao seu primogênito): “O seu pai não sente mais frio”. …
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(2) Calor Quando Elizabeth perdeu Luiz Gustavo pra eternidade, indagou a seu filho Paulo Emílio (filho de Paulo Emílio) com que camisa havia vestido o irmão para o velório. Respondeu o irmão, também o autor deste texto: “Mãe, eu o vesti com a camisa do Fluminense”. Elizabeth reprovou a atitude do segundo dos três filhos e arrematou: “Mas ela é muito quente, meu filho”. …
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Brisa
Questionaram J. P. Sartre sobre a morte, que, ceticamente, respondeu: “Morrer é um absurdo!” Ao jornalista Zuenir Ventura, em momento ulterior, veio a mesma pergunta: “O que o senhor acha da morte?” Respondeu o jornalista: “Sou contra!” ...
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Nem um, nem outro, ou ambos? A morte não tem temperatura, ou no máximo é morna, não é nada, mesmo que tenhamos feito dela o tudo. É nesse vácuo que nosso ateísmo é híbrido de fé. É nessa alma barroca que Deus se faz protagonista da cena. Vai de salvador a algoz numa curta oração. Deus seria perfeito, não fosse o dia em que, esgotado de tanta gente egoísta nesse mundão, ele, enfim, embebedou-se de fúria. Ali, Dionísio visitou a farra dos sublimes e, em uma das últimas cláusulas para vossa maior criação, Deus aprovou o texto invertido e o absurdo surgiu quando um primeiro pai enterrou seu filho.
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Brisa
Sei que Deus ouve meu coração (e o que é dito de coração pra quem se ama é poesia, disse um dia ao meu filho). Cedo-me quase tarde o direito de orar: Ó Deus misericordioso, tu, que és tão infinitamente superior, livrai-nos para sempre desta lei tão brutal que criaste em dias de cólera. Dai-nos a chance de explodir este mundo e começar tudo de novo com a alteração devida no Estatuto. Em sua bondade, ajude-nos a fechar as fendas no coração de nossos pais, elas não sucumbem aos medicamentos mais poderosos. Permita-nos, ó Pai, que neste buraco que habita o coração e a expressão de nossos pais, possa surgir uma estrela de muita luz. Luz em Luiz!
(Dedicado aos meus pais e irmãos. Em especial a Luiz Gustavo, “Tavinho”, meu irmão caçula, falecido em março de 2013. A escolha do seu nome foi uma homenagem dos meus pais ao filho de um casal com o mesmo nome. Poucas horas depois do dia do falecimento de Tavinho, aos 33 anos, o filho do casal fez 34 anos do seu desencarne) 67
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Brisa
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Brisa
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Quase alegria
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Tipos ideais Tem dois tipos de gente que me são insuportáveis: os primeiros são os traidores, os outros são os traumatizados.
Chega!!! 72
Quase alegria
rap remando após passos rimou aluno-professor rumo? Amizade, potência! resistência, atitude, postura Rhytm And Poetry rosa, amarelo, prata roxo, azul, preto reto, à droit, à gauche, pum raiva, angústia, pobreza riqueza, avareza, poder rua, avenida, praça riso, axé, poesia resta amor, paulo? resposta: agora, pai redescobri a paciencia rejeitei a pedância revivi as pessoas rascunhei as palavras
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Après le silence La colère, la haine, pour quoi? Souffrance, jamais, doleur, parfois La chanson, une larme, le movement, un corps Plus que une femme, moin que la mort Mélange de coleur, nature, maison Bon courage, mon amis Sans domage, petit garçon Triste? Peut être Qualquer coisa que ri Qualquer coisa que chora Un bar, deux sièges, trois bières (comme Tarantino) 4, 5, 6, 7, 8, musique, s’il vous plaît
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Danse! Avant, derrière, où se trouve la paix? Du votre côté, un regard fort, un amour, une mer Madame, monsieur, les enfants Je ne sais pa que se passe ici Mais de toute façon sera Qualquer coisa que grita Qualquer coisa que cala Silence! Une bush mange les ordures de la félicité du monde Maintenant le desire ne dort pas, seulement repondre Répondre la question, répondre Aos olhos que não veem Ao coração que não sente
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Palavra Projétil: poesias além da escrita Répondre toujours, dit quelque chose, mais répondre pouvoir, pouvoir, puissance La peur, une verité, la verité, resistance N’import qui N’import quoi N’import où Si oublié la confiance De moi, j’ai peux d’offrir mon temps Mon embrasse et un peut de musique Une mot: mon fils Ton fils: ma vie La vie: une plaisenterie Uma piada, vou tentar uma dinâmica improvisada: o papa é pop a polpa é de fruta o fruto é de conde o bonde é do funk o punk é de prata Mas, ouro mesmo somos nós, todos nós… Uma brisa, um vento, uma só voz.
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Malabares Entendo que tendo o que ser, tenho por regra dizer: malabares? Nos bares, vivo sem um conto de réis. Réus? Não, nada disso, trata-se de gente cheia de vida, vindas e idas de muitos carnavais. Vaz, caminha; já Cabral parece ter redescoberto os índios. Dios mio, quanta história esquisita. Realça a reação, relaça a relação. Firme! D´outro lado com olhos de serpente, anuncia-se o cio, bundas, peitos, seitas, súditos sem perdão. Adão, Eva e Dona Maria, todos ali no banquete: maçã, vinho e pão. Dou curso de discursos, recursos? Não tenho. Percurso? Vasta experiência, decência, ciência e permanência. Inteligência é fundamental.
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A mente funda o afeto, o feto se veste de corpo, o corpo precisa de teto, o neto é filho do filho. Família! Ilhas distantes que um dia se encontram, contra quem verdadeiramente somos?
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Quase alegria
Bolsa-família Eu sou uma bolsa, Família meu emprego Família meu alimento Família minha saúde Família minha educação Eita Família, eita pesada mochila pra toda a vida
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Malditos diabos Sinto lhes dizer que cintos, correias, fivelas e chibatas não serão mais permitidos no seio da liberdade. Por ora, sente-se o suspiro de um corpo mais leve, então, gente sofrida, sente-se no balanço e respire ar fresco. Larguem, em ato solene, a faca, o revólver e a angústia. De bom trato, tire de nós um retrato, já que tato não temos mais tanto. Adeus àquela imagem desfocada, belas flores, cores e sorrisos estão por vir. Segredos desvelados e velas sobre a mesa anunciam o jantar distinto, romance de Nantes, dois amantes me enviam notícias de uma França mais franca, menos xenofóbica. Aqui, no Brasil, em 22 de abril, um dia depois de Tiradentes, sabe-se que os vingadores estão chegando a qualquer instante, além das grandes telas.
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Quase alegria
Um é luta gentil, o outro é chão, um é mar bravo, o outro é lar tranquilo, ambos são um só, encarnados e libertos da covardia: pai e filho.
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
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Quase alegria
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
O filho que eu tenho É comum a gente sonhar, eu sei. E como sei, eu sei. Todos os dias a gente acorda e acha que o mundo e a beleza são fetiches inventados, que a maldade só deveria estar nos contos, nos filmes, nas novelas. Não perto dessa coisa mais linda que é a criança. Mas, de repente, uma tempestade chega e tira a gente do retiro. O sorriso murcha, o olhar fica perdido e a boca perde sabor. Levantamos outra vez, mas não queremos despertar. Então, o que nos cabe? Tornarmo-nos ursos e hibernar? Polar demais tudo isso, frio, muito frio. Abaixamos a cabeça com desejo, que não é bem desejo de ali tombar e seguir no chão. Parece não haver forças para levantar, estamos completamente, completamente sem ar.
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Quase alegria
Eis que surge algo distinto, é mais que luz, é o sorriso dele implorando um lugar ao seu lado pra acalentar dinossauros, ratinhos e criar outros mundos, pois este não é de brincadeira. Ele tem medo da noite, porque o sol quando vai embora leva parte da luz que nos aquece a relação.
Ele não quer dormir Sabe que no outro dia terá que partir. Cambaleia, choraminga, mas não cede ao leito Ele está esgotado, mas ainda lhe resta resistência em não fechar os olhos. Dorme, moleque safado. Dorme que o sonho já vem. Estaremos ambos em cima de um cavalo, brincando de rei e de Roma também.
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Somente a felicidade, se ela existir de fato, é culpada de sermos tão prudentes em momentos de ira. Somente o amor, se ele existir de fato, é culpado de sermos tão racionais em momentos que a cabeça pira. Somente a vida, se ela existir de fato, é culpada de sermos tão responsáveis em momentos que a morte se anuncia precocemente. A sala parece um quintal entre tantas bolas, tintas e roupas pelo piso morno. O quarto é uma cozinha com cascas de bananas, farelos de biscoitos e gotas. Muitas gotas de suco de uva, a cozinha não tem mais forno. Ele só servia para assar mágoas e dores. O banheiro, sem banheira, vira chuva quando o chuveiro molha o teto e transborda em seguida.
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Quase alegria
Era uma casa com teto e com chão, mas faltava-lhe a sintonia de uma família, a sincronia de uma coreografia e, claro, a sinfonia de uma orquestra. Da experiência, restou o sorriso, essa capacidade de criar, ar, criança, dança. Do gesto, restou o abraço, essa generosidade de doar, ar, dor, cansa e desse motivo voltamos ao sonho, à fábula de viver. Esse meu filho que eu tenho, estou, sou, faz-se presente aqui em cada palavra que suspiro em cada lágrima que escondo em cada arte que faço em cada poesia que furto em cada esquina clara ou escura em cada encontro, em cada voz em cada um.
Inspirado no poema “O filho que eu quero ter” de Vinicius de Moraes 89
Palavra Projétil: poesias além da escrita
Respira.
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Quase alegria
Quando voltamos à Terra E no final dessa jornada, nada. Todavia, havia naquela via, contudo, tudo. Todos dois lados foram desvelados. Percorreram-se mares e ares, subiram andares. Nos arranha-céus, o Homem-Aranha estava vestido de Deus. Vimos todas essas barbas sendo puxadas, vimos escravidão, enxadas. Não satisfeitos com as amarras, voltamos à Terra e, errantes que somos, tentaremos, mais uma vez, descobrir o segredo dessa jornada chamada vida.
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Crio assim Crio a partir de como a sensação me coopta e quase me comprime. Às vezes até me deprime, mas não me oprime nunca. Depois me compreendo, espremo em extremo até extrair o sulco da obra. Empreendo! Dessa orgia em forma de angústia, por fim, expressa, imprimo os papéis dando voz aos gestos e bocas. E é somente assim, exatamente assim que me encontro de mãos dadas com a liberdade.
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Quase alegria
O desapego Chega a hora triste. Tornar públicos meus segredos. Onde buscarei outra inspiração? ...
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Palavra Projétil: poesias além da escrita
Vou ouvir Björk 94
Palavra Projétil: poesias além da escrita
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Quase alegria
E P Ă? L O G O
Os poetas serĂŁo queimados
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Palavra Projétil: poesias além da escrita Primeiro queimaram os livros, depois suas vestes, agora seus corpos. Acenderam a guerra, ofuscaram o encontro, inventaram o gás. Aqueles que queimam os livros, acabam por cedo ou tarde queimar os homens. A diferença virou subtração A diversidade; divisão E a soma se fez de uma só cor, uma só pátria, uma só nota musical e um só Deus. O nome da Rosa, flor O canto da Bossa, dor Luz? Breu. Ar? Ausente. Silêncio? Desespero ... Poesia no ar, em movimento... 98
Os poetas ser達o queimados
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Fim
• Ouça as músicas
lefucoh.bandcamp.com
Acabou-se de imprimir Palavra ProjĂŠtil, poesias alĂŠm da escrita, em 24 de setembro de 2013, nas oficinas da Singular Digital, especialmente para Ibis Libris.