Ciano, cidade

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Contra capa


Folha de rosto

Caruaru 2022



Apresentação Nas linhas de montagem das facções e fabricos, o que se processa, se remonta e se refaz é a própria vida. Dentro de suas próprias casas, entre familiares e vizinhos, os trabalhadores e trabalhadoras movimentam um mercado responsável por ditar a economia do Polo de Confecções do Agreste, em Pernambuco. Em meio às máquinas, sob seus dedos ágeis, pedaços de tecido ganham forma, transformando-se em peças de jeans, o principal produto comercializado na região. O frenesi em torno do artigo de moda é tanto que a impressão que dá é que as cidades têm o jeans como força motriz de sua dinâmica. Na paisagem e nos relatos dos moradores fica evidente a influência do produto, é difícil encontrar alguém que não trabalhe direta ou indiretamente com costura e confecção de peças de roupa. O trabalho tem as cidades de Caruaru e Toritama como foco principal, as duas cidades integram o polo de confecções do Agreste. Toritama é o segundo maior produtor de jeans no mercado nacional. Sua posição geográfica, aliada às baixas taxas pluviométricas, terra seca e a escassez de água, levou a população a buscar alternativas às atividades tipicamente rurais. A partir da década de 1930 ganhou destaque na produção de calçados. Já na década de 1960, contribuiu fortemente com a formação da popularmente conhecida Feira da Sulanca. Nessa época, a feira de Caruaru já se destacava no comércio local, tendo seu crescimento econômico acrescido com a chegada de empreendimentos e serviços que passaram a se instalar na cidade. Nas últimas décadas, a confecção


de roupas serviu como pedra fundamental para elevar essas economias, já em processo de ascensão, à uma posição de destaque nacional. Atualmente, Toritama opera sob um forte ritmo produtivo, em sua maioria nas chamadas facções, pequenas fábricas instaladas nas casas dos trabalhadores. Já Caruaru, tem sua atividade pautada no comércio de roupas e artesanato, além de oferecer uma grande quantidade de serviços incluindo, restauração, hotelaria, turismo cultural e etc. A adoção de uma atividade industrial em detrimento de uma dinâmica rural se estabelece sob uma série de consequências, principalmente, ligadas ao trabalho, do qual, atualmente, emanam fortes caraterísticas precarizantes. Em meio às máquinas, caseadeiras, linhas de costura, botões e peças cortadas, em um ritmo exaustivo de produção, é processada a atividade de confecção das peças de roupa. O trabalho vivo e o trabalho morto se confundem em um, e não somente em metáfora, nos fornece uma rica amálgama de elementos responsáveis por desvendar a nítida integração dos trabalhadores e suas máquinas. Dedo e agulha, mão e alavanca, suor e vapor, artérias e linhas de costura, corpo e manequim, olhos e botões, caldeira e coração. As imagens têm a pretensão de demonstrar a proximidade relacional entre trabalhadores e suas máquinas, além da rotina de famílias cuja rotina tem como centralidade o trabalho direto com algum tipo de maquinário.































































































Toritama, 7 de abril de 2022 Iniciou-se o processo de captura de imagens para o Fotolivro Ciano, Cidade. A obra fala sobre a cadeia produtiva do jeans no Pólo de Confecções do Agreste Pernambucano. O trabalho teve como foco as cidades de Toritama, Caruaru e suas adjacências. Pegamos o ônibus saindo do centro de Caruaru em direção à Toritama, às sete e meia da manhã. Nossa primeira parada foi em um restaurante local, tomamos café e continuamos. Percorrendo as ruas do município, encontramos a facção do Sr. Jerry Mendonça e da Sra. Joseline Alaíde e sua filha Brenda Mendonça. Eles trabalham em uma pequena garagem alugada que fica em um beco estreito e sem saída. Neste local é oferecido o serviço de costura para várias marcas da cidade, as empresas enviam o tecido cortado e a peça piloto à facção que, por sua vez, fica responsável por costurá-las para que sejam enviadas para a lavanderia. As estações de trabalho não atendem às exigências feitas pelos órgãos reguladores do trabalho no Brasil: paredes descascadas, quebradas, tomadas e estruturas elétrica bastante precárias, fios expostos e cadeiras desconfortáveis são alguns dos exemplos da realidade da maioria das pessoas que trabalham na cadeia produtiva do jeans na região.


Nossa visita se deu em uma sexta-feira, o qual normalmente não é um dia de muito movimento, já que, geralmente, recebem a mercadoria na segunda-feira, concluindo a maioria das demandas até a quinta-feira. Isto se deve ao fato de que as peças precisam ser enviadas para a lavanderia, e em seguida retornam para que sejam embaladas e colocadas à venda nas lojas da cidade. Sobre sua rotina de trabalho, a família relata uma certa satisfação, pois como são donos do seu próprio negócio, possuem controle sobre seu tempo, embora sejam afetados diretamente por uma dinâmica de trabalho precário sem nenhum direito trabalhista. Em seguida, nos dirigimos para um antigo galpão, utilizado como depósito de maquinário têxtil e outros produtos utilizados na fabricação de peças de jeans. A empresa responsável pelo galpão não está mais em atividade. Os equipamentos, manequins, etiquetas, tarrachas, linhas e retalhos de jeans, remontam um ambiente de quando o local ainda estava em funcionamento: com mais de vinte máquinas de costura, expositores diversos, milhas e mais milhas de botões e rebites conduzem nossa imaginação. Nossa terceira e última parada na cidade foi em uma lavanderia, lá acompanhamos um dos últimos processos ao qual o jeans precisa passar antes de ser posto à venda. A lavanderia fica localizada em uma Zona Rural do município, lá fomos recebidos por Everson, um dos proprietários do local.


Everson tratou de nos apresentar o lugar e nos explicar a função de cada um dos maquinários ali presentes. Primeiramente nos foi apresentada a caldeira, considerada como o coração da lavanderia, sua função consiste em manter o funcionamento do local através do fornecimento de vapor às máquinas. Para tanto, são utilizados quilos e mais quilos de madeira, todos os dias. Da caldeira sai todo o vapor utilizado na linha de lavagem e secagem das peças. Passando por canos enferrujados, percorre os dutos das lavadoras, secadoras gigantes e ferros de passar de alta pressão. Também ficamos bastante impressionados com o sistema de tratamento da água das lavanderias. São responsáveis por tratar a água que sai das lavadoras, extraindo e separando os dejetos químicos para que a água possa ser despejada de volta na natureza. Essa água azul e de cheiro forte é levada de lá por uma empresa responsável por despejá-la em lugar seguro. Esse processo é algo relativamente novo na cidade, o descarte de água poluída geralmente era feito diretamente no rio Capibaribe. Até hoje, o rio que corta a cidade é considerado impróprio para banho e pesca. Seguimos adentrando a lavanderia, chegamos em uma parte chamada Pistolado. Nos chamou atenção um homem usando máscara com filtro respiratório, com uma pistola de jato de ar nas mãos. A ferramenta serve para tingir calças, soltando uma tinta em alta pressão. O tingimento é feito de acordo com a preferência de seus clientes. Se tratando de um produto químico nocivo


à saúde, o local se demonstrou bastante insalubre. Na sala ao lado do Pistolado, ficam quatro grandes secadoras industriais. Na divisão seguinte estão alocadas quatro máquinas de lavar industriais, para onde as vão assim que chegam na lavanderia. Nessas máquinas são adicionados produtos químicos que reagem com o tecido alterando sua textura e sua cor. As pessoas que trabalham com esse maquinário geralmente estão sem nenhum tipo de proteção. A falta desses EPIs pode acarretar danos gravíssimos À saúde dos trabalhadores, não são poucos os relatos de pessoas que passam mal durante o processo de adição dos produtos nas máquinas. Encerramos os trabalhos na cidade de Toritama e seguimos de volta à Caruaru.

Caruaru, 8 de abril de 2022 Em Caruaru, nosso foco foi a feira onde as peças que passaram pelas facções e lavanderias são comercializadas. A Feira de Caruaru conta sempre com muito movimento, pessoas de passo apressado, calor e barulho, além de uma variedade imensa de produtos à venda, dentre eles o jeans em seus mais variados modelos de calças, saias, bermudas e macacões. Conversamos com alguns comerciantes locais, alguns deles contaram que as peças que vendem são de Toritama. Algo que nos chamou atenção, depois de todo aquele processo de produção que vimos em Toritama, foi o preço baixo das peças, já que ela passa por tantas etapas de produção. Realizamos os registros das lojas, de alguns passantes, dos vendedores e concluímos o trabalho.


Caruaru, 9 de abril de 2022 No dia seguinte, fomos ao ateliê de Dona Vânia. O ambiente fica na parte de baixo de sua casa, conta com algumas máquinas de costura e objetos comuns à atividade de confecção de peças de roupa: máquina de overlock, duas máquinas de costura reta, fôrmas de modelagem, tubos de linha e tecidos das mais variadas cores. Dona Vânia nos explicou sobre sua rotina de trabalho e as técnicas utilizadas. Dona Vânia nos contou que parou de trabalhar com confecção de roupas, pois hoje se encontra empregada. Seus trabalhos consistiam em pequenas encomendas feitas por clientes próximos ao seu bairro. Solicitamos que ela nos mostrasse como era sua rotina, foi quando pudemos fazer os registros. Ao término das fotos, aproveitamos um delicioso almoço e comemoramos o último dia de coleta de material fotográfico para o projeto.



Ficha Técnica Este fotolivro foi construído de forma coletiva com incentivo da Lei Aldir Blanc de Incentivo a Cultura da Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco do ano de 2021. Fotógrafos Dênis Torres Gabriella Ambrósio Palloma Paulino Williams Robert Ythalla Maraysa Locais Toritama Caruaru Produção executiva Gabriella Ambrosio Projeto gráfico Oficina Embuá


Agradecimentos Jerry Mendonça Joseline Alaíde Brenda Mendonça Vânia Limeira Everson Tavares Lavanderia Ultralav Francisca Edna Torres Pereira Igor Zuzinha A Búfala Davi Batista Cizou Samuel Caleb Natália Ribeiro Harrison Full Marcelo Bezerra Nadine Nunes Felipe Correia Ramon Barros Brígida Souza



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