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SENTIMENTO DE CULPA
Sabe quando se vive uma situação e, ao se arrepender, deseja-se sair correndo porque se sente envergonhado? Outras vezes, ao invés do sentimento de vergonha – ou junto a ele – aparece aquela sensação de raiva de si mesmo e/ou da situação, junto com pensamentos do tipo: “Por que eu fiz isso?”.
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Todos esses exemplos são do sentimento de culpa que, assim como as diferentes emoções que sentimos, ela tem uma função adaptativa, ou seja, é própria da natureza humana.
A Psicanálise explica a culpa como um sentimento emocional que está relacionado ao remorso e ocorre quando uma pessoa acredita ou percebe que comprometeu seus próprios padrões de conduta, ou violou os padrões morais universais, e tem responsabilidade significativa por essa violação. Também está relacionada a uma sensação ilusória de poder, de autovalorização, para tentar superar a real condição de insignificância (da pequenez) do ser humano. Em certa medida, o perfeccionismo e, consequentemente, a culpa por não ter sido perfeito, é consequência de um “delírio de grandeza”. O sentimento de culpa é a não aceitação dos defeitos, erros e falta de importância que tem cada indivíduo.
Há no nosso cérebro uma região chamada sistema límbico onde acontecem, fisicamente falando, todos os nossos julgamentos morais e a sensação de culpa e vergonha. Os psicopatas, que também são conhecidos como sociopatas, não sentem o remorso de ter causado algum dano a outra pessoa por não ter empatia. Em vez disso, eles racionalizam seus comportamentos e usualmente culpam alguém ou negam completamente terem culpa. Um indivíduo com psicopatia nunca se sentirá culpado, porque fará o que for preciso para levar vantagens, sem reservas ou limites.
Sabemos que todos nós já experimentamos situações que sofremos por nos arrepender de algo que fizemos ou deixamos de fazer. A diferença entre cada um de nós está na forma como lidamos com esse sentimento. Essa forma de lidar é aprendida e construída ao longo da nossa vida: desde a nossa infância até os dias de hoje. Não há um único fato que resulta na forma como lidamos com a culpa, mas uma série de acontecimentos que, de forma complexa e interligada, forma a maneira de enfrentarmos e enxergamos como somos hoje e como enfrentar as situações.
Torna-se preocupante quando, seja por insegurança, medo de errar, de se sentir vulnerável ou de desagradar e ser rejeitado, não se consegue assumir a responsabilidade pelos próprios atos e se projeta culpa nos outros ou na situação, encontrando assim a “boa justificativa” para continuar atuando do mesmo modo. Ao não conseguir administrar o sentimento de culpa, entra-se num ciclo frequente de negatividade, prejudicando a chance de se conhecer melhor e de aprender com o erro cometido. Quase sempre se trata de pessoas projetivas, inseguras (mesmo que não demonstrem) e com baixa autoestima.
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Com frequência a pessoa que sente culpa se queixa de remorsos, tem diálogos internos de autoacusação e se vê como uma pessoa indigna. Geralmente apresenta insônia, pavor noturno, pesadelos e mau humor, além de tratar mal os outros, viver encontrando culpados para tudo, reclamar sempre e ter ansiedade. Podem ocorrer sintomas psicossomáticos que afetam principalmente o sistema digestivo, cardiorrespiratório e epitelial. Também pode apresentar sinais comportamentais, como comprar, comer e beber de forma compulsiva, sedentarismo e agitação.
Essa forma de se autodepreciar pode ser tão forte que pode até mesmo causar autoagressão, autossabotagem, pensamentos e comportamentos autodestrutivos (automutilação e até mesmo ideia de suicídio). A raiva sobre si pode levar uma pessoa a ingerir grandes quantidades de álcool ou drogas como uma forma de amenizar a sensação de vulnerabilidade, falta de controle sobre a vida. Outros ainda podem desenvolver doenças emocionais como a depressão.
A insegurança causada pelo sentimento de culpa pode levar o indivíduo a se considerar incapaz de realizar as responsabilidades mais comuns do dia a dia, como tomar decisões, cuidar adequadamente de si mesmo, iniciar novas tarefas, resolver pequenos problemas etc.
Existe também aquele sentimento de culpa que não é justificado, ou seja, ao ser analisado racionalmente no momento presente, não tem razão de existir, mas que está presente e atormentando continuamente a pessoa. Muitas vezes esse sentimento foi construído no passado, e a pessoa nem consegue se lembrar de que forma, ou o porquê.
O sentimento de culpa pode trazer algo de positivo, desde que venha acompanhado de aprendizado. Mas para isso é preciso enfrentar os desafios, os medos e assumir as responsabilidades.
A responsabilidade é uma alternativa que promove emoções positivas, nos levando a sentirmos ativos, empáticos, fortes e motivados para oferecer uma justa compensação pelo possível dano causado. isso prepara o indivíduo para novas rotas e evita que se tome as mesmas atitudes que tragam novamente o sentimento de culpa. Não é esquecer o que aconteceu, mas é reconhecer o erro e aprender com a situação. É a sensação de “lições aprendidas” e “vida que segue”. Isto propicia um melhor discernimento do que é sua responsabilidade ou não, o que pode e o que não pode ser feito, e uma maior aceitação das próprias limitações diante da vida. No início a responsabilidade assusta e pesa, mas ela é libertadora.
Ninguém nasce com sentimento de culpa. Ele é desenvolvido a partir das relações que estabelecemos na infância com pais, professores, cuidadores, irmãos, amigos e outras pessoas com as quais convivemos, e está ligado ao desejo de ser perfeito. Enquanto somos crianças, e totalmente dependentes de adultos, vivemos a necessidade de cumprir com as expectativas deles. O modo como cometemos os erros na infância (por vezes naturais para a idade) e como são vivenciados, é um dos fatores que influenciam na formação da personalidade e no modo como lidaremos com a culpa. Se for aceito como próprio da idade e estimulado a ser corrigido, tende a ser aceito e assim promove a superação e mudança de padrão, conduz ao aprendizado. Do contrário, se for vivenciado de modo traumático, desrespeitoso, agressivo e repetitivo, pode nos levar a acreditar que nós é que somos errados, e gerar sentimentos negativos de fracasso.
Segundo um estudo da Universidade de Reading (Inglaterra), as mulheres tendem a se sentir mais culpadas que os homens. Isso é fácil de entender, levando em consideração o processo social no qual ainda cabe muito mais às mulheres a educação doméstica e orientação dos filhos, além de cada vez mais as elas estarem inseridas e convocadas a assumir novos papéis profissionais para a manutenção das despesas familiares e buscarem também a sua realização profissional.
A maioria das pessoas não gosta de lidar com a frustração e o sentimento de culpa. No entanto, é importante saber encará-los como um incentivo. A culpa não é um sentimento cujo único propósito é fazê-lo se sentir péssimo sobre algo que fez ou não fez. Pelo contrário, o sentimento de culpa deve ser usado para nos alertar sobre algo, para que consigamos aprender a partir daquela experiência.
A culpa é algo que faz parte do nosso desenvolvimento enquanto seres humanos, pois é um alerta de que podemos estar agindo errado. Ela nos ajuda a reavaliar as nossas atitudes e a desenvolvermos uma melhor consciência sobre nosso comportamento.
A liberdade de ser quem é, para aprender e descobrir por si próprio o que traz felicidade, é o que muitos almejam na vida, mas não sabem por onde começar a trilhar esse caminho. Lidar com o sentimento de culpa é uma dessas etapas. Use-o para aprender mais sobre você mesmo!
No próximo artigo vou tratar de como trabalhar o sentimento de culpa e apresentar várias dicas.