4 minute read
BLACK LOVE, AMOR TEM COR?
Desprogramar o ódio e alinhar rejeição e aceitação como cura e afeto
Os critérios inconscientes ou não que usamos para amar podem nos ajudar entender o cenário do embranquecimento do Brasil, principalmente em famílias bem-sucedidas como a de Gilberto Gil e Rufino. Como uma sociedade pensa suas escolhas e como estas impactam o desenvolvimento de uma geração quando não assistimos na TV, nos filmes, nas igrejas e na vida real o amor entre casais negros?
Advertisement
É desgastante a questão racial ser um fenômeno que impacta todas as demandas sociais.
O meu papel aqui é trazer elementos que possam oxigenar ideias, no ponto de vista de uma sociedade escravocrata que reverbera elementos da escravidão. Quanto mais consciente sobre quem somos e de onde viemos, poderemos entender um pouco sobre o amor, sobre o ódio e sobre como as escolhas transformam a estrutura social. E ainda, talvez, encontrar o chamado par perfeito, independente do Dia dos Namorados.
Onde estão os casais negros no Brasil se somos 53% da população? Por que homens negros e negras acreditam ser mais respeitados e aceitos quando estão em casamentos interraciais? Por que muitas mulheres negras estão sozinhas na manutenção de suas famílias? Por que a maioria de homens negros preferem as brancas ou negras preferem os brancos? O que nossa história brasileira revela sobre as nossas escolhas de quem a gente escolhe amar?
De acordo com a história do Brasil, mito da democracia racial e do país tropical, a pintura “Ham ‘s Redemption”, do pintor espanhol Modesto Brocos, retrata uma mãe negra agradecendo ao seu divino, pois sua filha vai se casar com um branco. É o que conhecemos como dar uma “clareada” na família. Essas narrativas refletem a negação de que amor entre negros não é possível e que a miscigenação é a salvação.
O desconforto para brancos e pretos em relacionamentos interraciais é muito frequente, até entrarem num campo da normalidade. Segundo um artigo da Revista “Black Brazil Today”, os casamentos interraciais estão vinculados a uma dinâmica de que nós negros somos subservientes e temos complexos de inferioridade.
Somos todos livres em fazer escolhas, mas na maioria inconscientes de como as escolhas refletem a história do Brasil. Por que casais negros não são uma normalidade no Brasil? O racismo estrutural continua mantendo os negros na mesma posição de inferioridade: a mulher negra hiper sexualizada e aceita pelo homem branco é rejeitada pelo homem negro; o homem negro que serve é aceito pela mulher branca, pois não consegue prover uma família advindo de uma classe baixa, violenta e genocida. O homem negro, pobre ou rico aceita mais a mulher branca para fazer família e rejeita a mulher negra que está intersecionada pelo recorte de gênero classe e raça. De tudo isso podemos pincelar aqui termos novos como a chamada “palmitagem” (swirling), que são pessoas negras que preferem brancos. Reflexões advindas desse termo “palmitagem” podem ser vistas como auto ódio de pessoas negras nos relacionamentos com brancos.
Amor tem gênero, cor, raça, elementos culturais. Os casais, conscientemente ou não, escolhem alguém a partir de suas qualidades ou atributos. O amor é encarnado, ele não é material, segundo Renato Noguera, filósofo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e autor do livro “Por que amamos: o que os mitos filosóficos têm a dizer sobre o amor”. Todos nós temos recortes raciais, héteros, homos, culturais... Os nossos desejos são escolhidos com recortes de gênero, raça e classe.
Os Estados Unidos têm uma história de proibição dos casamentos interraciais pela Lei Segregatícia de Jim Crown. Assim é mais natural casais negros serem muito mais vistos que no Brasil. É sempre interessante dialogar sobre essas implicações amorosas no nosso cotidiano.
Não existe uma perfeição. Existe uma história de vida de um sujeito que vai se comprometer com outro sujeito complexo. Segundo Renato Noguera, precisamos localizar o que sentimos e o que pode afetar as nossas escolhas, conscientes ou não, dispostos a amadurecer e crescer juntos como o outro. Ele complementa que escolha afetiva é uma dimensão política. Nossos desejos são definidos a partir de critérios que sentimos mais confortáveis ao lado de alguém. Isso é político.
Segunda a Revista Black Brazil Today, no Brasil o amor preto é revolucionário pois nessa dinâmica da rejeição e aceitação entre casais negros pode se construir juntos uma cura da opressão racial na integração das identidades escravizadas. A afetividade dos corpos negros, considerados objetos pela sociedade racista pode ser extraordinário, libertador e transgressor nos âmbitos sociais, econômicos, políticos, culturais e principalmente afetivos.
Reconhecer desejos e negociar com nossos pares é o desafio de amar alguém, segundo Renato Noguera. Somos como os brancos lidam com essas questões? Esse é o papel da branquitude. Amar mais é a chave para desprogramar o ódio.
Feliz Dia dos Namorados!
Por Terezinha Ribeiro Facebook: Terezinha Ribeiro Instagram: @terezinhablack Fotos: Divulgação