Argumento 134

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nยบ 134 nov>dez 2009


editorial

índice

E agora, a cultura Se dúvidas houvessem sobre o papel subalterno que os políticos e os media reservam para a cultura nas estratégias e nos debates para o país, essas dúvidas ficaram desfeitas com a ausência do tema dos programas e dos principais focos de atenção mediática dos últimos meses. Agora, quase em “câmara lenta”, o interesse surgiu, novas ideias também e uma renovada atenção da parte dos governantes. Em raro e invulgar momento de sintonia, por Lisboa e Viseu ouvem-se, ao mesmo tempo, promessas quanto ao reforço de atenção e meios para o sector. Com um contexto tão favorável à “valorização da cultura”, cabe a este editorial expor duas medidas estruturais, uma da competência do Ministério da Cultura e outra da Câmara Municipal de Viseu, que podem contribuir para o acesso cada vez mais alargado à oferta cultural, no primeiro caso, e para uma diversidade dessa mesma oferta, no segundo. Formação de novos públicos Criado em 1998 pelo Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimedia (ICAM, actualmente ICA), o Programa VER veio apoiar a formação de novos públicos, dando resposta às necessidades de trabalho junto das escolas com o objectivo de diminuir atrasos estruturais na utilização do cinema e audiovisual como dispositivo pedagógico. Com o desenvolvimento natural dos projectos de diversas instituições e a progressiva abertura do sistema de ensino às práticas de educação artística, Portugal conhece, hoje, um período de grande diversidade de oferta na área. Em 2009, o VER recebeu 19 candidaturas, do Norte, Sul e ilhas, e onze desses projectos receberam uma classificação superior a 8,5 valores numa escala máxima de dez, atribuída por um júri. O projecto Cinema para as Escolas, do CCV, financiado pelo VER desde 1999, mereceu a melhor nota do concurso. Sendo por definição um campo não lucrativo, a formação de novos públicos em Portugal depende em grande medida do empenho e capacidade de organização de associações culturais, cine clubes e grupos informais, com o apoio do Estado português. Deste modo, torna-se urgente a dignificação e valorização do VER, devendo o ICA tomar medidas concretas no sentido de promover condições de trabalho para os agentes que prosseguem os objectivos definidos pelo programa: a) Aumentar o financiamento disponível. O valor actual cifra-se em 100 mil euros/ano, ou seja, muito menos de 1% do total do orçamento do ICA, pouco condizente com a prioridade desta área para o país; b) Abrir concursos plurianuais de financiamento, acompanhando as necessidades naturais de planificação a prazo dos projectos. Como compreender que os contratos programa para Festivais de Cinema sejam plurianuais e para projectos de formação não? E agora, o digital. A progressiva mudança do suporte de exibição dos filmes na Europa, da película para o digital, em curso até 2013, obriga a grandes despesas com a adaptação técnica das salas de cinema. São óbvias as dificuldades dos exibidores independentes em conseguirem, sozinhos, suportar estes custos. Com o avançar do tempo, muitos filmes estreiam apenas com cópias em digital, colocando em risco a actividade dos exibidores não lucrativos do continente europeu, que tal como o CCV, apenas exibem em película. A fim de evitar a extinção da exibição não lucrativa de cinema, existe uma medida do QREN que contempla a possibilidade de financiamento até 70% dos custos de adaptação das salas de exibição ao novo sistema. Como o CCV não é proprietário de qualquer sala, o assunto terá de passar pela Câmara Municipal de Viseu, instalando esse equipamento no futuro Centro de Artes do Espectáculo de Viseu. Trata-se de uma opção que deve ser encarada em defesa da possibilidade de escolha do público, considerando que o cinema é uma forma de arte e entretenimento que não pode nem deve ficar apenas por conta da oferta comercial. A longa e profícua história do CCV comprova o papel indiscutível da programação criteriosa e independente de cinema na cidade, para os espaços culturais, para o público, para a vida cultural – e a história merece continuar.

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Capa Editorial calendário ccv nov_dez ‘09 NÓS POR CÁ ‘09 destaque pedro costa What’s up CCV ? Calçada da vigia faça-se sócio sophie scholl

ficha técnica Argumento (Inscrito no ICS sob o nº 111174) e-mail geral@cineclubeviseu.pt Direcção editorial Cine Clube de Viseu Concepção e execução gráfica cargocollective.org/dpx

Impressão Tondelgráfica (Tondela) ANO XX, nº 134 Novembro - Dezembro 2009 agradecimentos Orfeu Negro Ricardo Matos Mabo Teresa Cordeiro

Editor e proprietário Cine Clube de Viseu (inscrito no ICS sob o nº 211173)

Largo da Misericórdia, 24 2º // 3500-158 Viseu Tel 232 432 760 Tlm 922 192 984 geral@cineclubeviseu.pt www.cineclubeviseu.pt

sessões de cinema

cinema para as escolas

cine-arquivo

apoio à divulgação

domínio, alojamento do site e e-mail

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Tiragem deste número 1.000 exemplares


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de Pedro Costa, Portugal, França, 2009, 100’ Destacamos a obra de Pedro Costa neste ciclo, num momento em que o seu trabalho conquistou um reconhecimento internacional muito relevante, com a retrospectiva da sua obra na Tate Modern em Londres (Setembro 2009) e a presença de Ne Change Rien, o seu último filme, no Festival de Cannes deste ano. Apesar de uma filmografia já extensa, apenas dois títulos estão disponíveis para exibição em Portugal: o “preambular” O sangue, estreado há 20 anos, agora reeditado em cópia nova, e Ne change rien.

Ne Change Rien

08 dez’09

de Pedro Costa, Portugal, 1989, 95’

O sangue

01 Dez’09

© Mário Jorge Torres, Público

de João Pedro Rodrigues, Portugal, 2009, 130’ Depois da perfeição de Parabéns, de duas longas de grande fôlego - O Fantasma e Odete, Rodrigues prossegue na senda de fazer cinema de risco total, que não se confunde com o de mais ninguém.

Morrer como um homem

24 Nov’09

de Manoel de Oliveira, Portugal, 2009, 60’ Adaptação da “história singular da vida amorosa” de Macário e Luísa, a partir do conto de Eça de Queirós.

Singularidades de uma rapariga loura

17 Nov’09


“SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA” é o fil- ciclo nós por cá | 17_NOV ‘09 me do centenário. E o centenário que comemora é o do próprio realizador, Manoel de Oliveira, que aos 100 anos de vida mostra uma juventude de espírito e uma energia produtiva de fazer inveja a muitos jovens. O seu mais recente filme (mas outro já está na forja!) adapta um conhecido conto de Eça de Queirós, uma história repleta de Manoel de Oliveira, Portugal, 2009, 64’ da ironia do mestre do realismo literário português que é também uma subtil sátira aos costumes e convenções de uma burguesia medíocre e convencida. Oliveira, igualmente responsável pelo argumento, ‘actualiza’ a história de Eça, tal como fizera com “A Princesa de Clèves”, de Madame de La Fayette, em “A Carta”. Em ambos os ca- reduzido ao mínimo em adereços e decoração, levando sos, o que o autor procura é mostrar a permanência de o espectador a concentrar-se apenas no que interessa regras, convenções e preconceitos que ditam as rela- para a história: as janelas que quase se tocam (até neste ções sociais e românticas ao longo dos tempos. aspecto passa o olhar ‘primitivo’, só interessado no esMas o que faz deste “Singularidades…” um dos melhores sencial) e os olhares que através delas se cruzam. A jafilmes do autor de “Amor de Perdição” não é apenas este nela adquire, assim, uma função de ‘cumplicidade’ e maolhar simultaneamente distante e irónico, é também a nifestação de pudor entre quem vê e quem é visto que forma com que o envolve, que lhe dá uma tonalidade não se encontrava no cinema desde Hitchcock. estranha, onde moderno e primitivo se cruzam. Ainda O cinéfilo conhecedor da obra de Oliveira sabe que a mais do que em “Porto da Minha Infância”, é aqui que se influência do autor de “Psico” sobre o realizador portuencontram os sinais de um cinema ‘antigriffithiano’, que guês vem de longa data. Os restantes (poucos) cenários comporta uma espécie de sabor primitivo dos pioneiros e exteriores destacam-se também pela mesma econoda Sétima Arte e cuja narrativa se vai transformando, a mia. E a narrativa segue um processo igualmente minipouco e pouco, num olhar moderno sobre as perso- malista, começando no interior de um comboio (no que nagens e a situação que vivem. Aquele primeiro olhar poderia ser outra referência hitchcockiana, remetendo reflecte-se na opção do realizador por um cenário des- para o começo de “O Desconhecido do Norte-Exprespojado e minimalista e pela redução de espaços de ac- so”), onde Macário vai contar a uma passageira (Leonor ção, a que a curta duração do filme (64 minutos) dá ain- Silveira) a sua patética história de amor, que nos vai surgir da uma unidade e consistência maiores. É desta forma em imagens, num flashback interrompido, num ou nouque se desenrolam algumas das cenas fundamentais, tro momento, por um regresso ao diálogo na carruagem. aquelas em que Macário (Ricardo Trepa) descobre Luísa Quem tiver olhos que veja. “Singularidades de Uma Ra(Catarina Wallenstein) na janela fronteira (Catarina Wal- pariga Loura” é exemplo de um cinema ‘puro’ há tanto lenstein): olhares secretos à do escritório onde trabalha, tempo ausente e que tanta falta faz. nascendo aí a sua paixão. O cenário está praticamente © Manuel Cintra Ferreira, Expresso, 10.05.2009

Singularidades de uma rapariga loura

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Singularidades de Uma Rapariga Loura é exemplo de um cinema ‘puro’ há tanto tempo ausente e que tanta falta faz.


ciclo nós por cá | 24_NOV ‘09

Morrer como um homem de João Pedro Rodrigues, Portugal, 2009, 130’

Cinema gay? Cinema, ponto final.

cie de qualidade que cola aos olhos, hitchcockiana. Mas, Cinema gay? Cinema, ponto final. Trata-se, uma vez mais, mais uma vez, é uma questão de ritmo, ritmo visual, aliado desenvolvimento de um dos motivos temáticos e icodo à consistência humana das situações representadas. nográficos do cinema de João Pedro Rodrigues: a passa«Morrer Como Um Homem» aguenta-se mais, desse gem de género. O filme é uma elegia, ocupado pela melanponto de vista - pode não trazer tantos prémios como colia e pelo sofrimento calmo de um travesti que, sendo os seus outros dois filmes, mas é melhor filme. homem, é mulher, e que, sendo mulher, sabe que apesar Há coisas que às vezes fazem lembrar «The Trouble de tudo é homem e é assim que quer morrer. Ditas assim With Harry» - certas sugestões cromáticas, bem como o as coisas, talvez dê vontade de rir. E sim, às vezes dá. No modo de presença do elemento humano na paisagem meio da melancolia, há momentos de ironia, de comicinatural -, mas a imagem, e o filme, tem sobretudo uma dade, subtis, muito controlados, muito assumidos. O filme existe de uma maneira consistente, íntegra - travesti sempre me pareceu ser um ser de canção. O qualidade buñueliana, que a sequência final, num belo cheio. Fica-se com uma percepção dessas existências travesti canta e imita o cantar. E o próprio filme, a mo- movimento de composição, sintetiza. E terá cabimento de fronteira - é aí que João Pedro Rodrigues centra a sua mentos, se encarrega de travestir-se, ele próprio, à ma- dizer que talvez o filme pudesse ter ido mais longe e ter atenção - vividas em inautenticidade. Seres que não en- neira de uma técnica fotográfica antiga a que Man Ray atingido uma dimensão mais dilacerante, e mais crítica contram nem corpo nem espírito, mas que, sim - deve chamava «solarization». É muito bonito quando isso ou iconoclasta, como sucede com alguns Almodôvar e como sucede, em sublime, com alguns Fassbinder? ser essa umas das razões por que João Pedro Rodrigues acontece: é a imagem que se torna canção. faz filmes -, são o objecto de uma experiência transcen- «Morrer Como Um Homem» é um filme que junta a tudo Perguntamos isto porque João Pedro Rodrigues paredental, singular, intensa, própria. isto uma calma de imagem a imagem, uma toada, um ce querer acreditar em qualquer coisa... De qualquer Imagine-se alguém que seja objecto de uma canção, da ritmo próprio. Não há uma única imagem do filme que modo, é um filme íntegro, sintético, justo - tanto para canção, radicalmente: que seja formatado pela canção, não seja, em primeiro lugar, desde logo, para ver. E isso quem goste de cinema como para quem não ande pelo vivido pela canção... Qualquer coisa assim. Alguém que não irrita, pelo contrário. É certo que em «Odete», a sua mundo, e pelas imagens, de olhos fechados. vive nessa inautenticidade fecunda, experimental. O longa-metragem anterior, a imagem assume uma espé- © Eduardo Cordeiro, IOLcinema, 12/10/09

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ciclo nós por cá | 01_dez ‘09

ciclo nós por cá | 08_dez ‘09

O sangue Ne Change Rien

de Pedro Costa, Portugal, 1989, 95’

de Pedro Costa, Portugal, França, 2009, 100’

A 01 e 08 de Dezembro o Cine Clube de Viseu irá exibir As duas sessões inseridas neste ciclo surgem num modois filmes de Pedro Costa. Apesar de possuir uma fil- mento em que o trabalho do realizador conquistou um mografia extensa, apenas dois títulos estão disponíveis reconhecimento internacional muito relevante, com a para exibição em Portugal: o “preambular” O sangue, retrospectiva da sua obra na Tate Modern em Londres estreado há 20 anos, agora reeditado em cópia nova, e (Setembro 2009) e a presença de Ne Change Rien, o seu último filme, no Festival de Cannes deste ano. Ne change rien.

cem mil cigarros Os Filmes de Pedro Costa

Cem mil cigarros oferece-nos uma visão retrospectiva da obra cinematográfica de Pedro Costa, reunindo textos de 29 críticos, ensaístas, realizadores e artistas de todo o mundo, entre os quais João Bénard da Costa, Thom Andersen, Chris Fujiwara, Jacques Rancière e Jeff Wall. Organizada e prefaciada por Ricardo Matos Cabos, esta monografia permite-nos um olhar alargado sobre a obra de Costa - os seus filmes, o seu pensamento, a paixão de realizar -, hoje uma referência fundamental no cinema contemporâneo. Ano de edição 2009 N.º pp. 336 Formato 16,8 x 23 cm EAN 9789899556591 Preço € 30 À venda em Viseu: fnac / bertrand

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Em Portugal, foi recentemente editado pela Orfeu Negro “Cem mil cigarros”, livro que reúne textos críticos a propósito da filmografia de Pedro Costa. Reproduzimos aqui alguns excertos do prefácio de Ricardo Matos Cabo, coordenador da edição, a propósito dos filmes e do trabalho de Pedro Costa.

coordenação editorial Ricardo Matos Cabo

edições Orfeu Negro

Autores Thom Andersen Philippe Azoury Johannes Beringer Nicole Brenez Rui Chafes João Bénard da Costa Richard Dumas Bernard Eisenschitz Chris Fujiwara Tag Gallagher John Gianvito Jean-Pierre Gorin António Guerreiro Shiguéhiko Hasumi

João M. Fernandes Jorge Philippe L. J. Lemière Dominique Marchais Adrian Martin José Neves João Nisa Mark Peranson James Quandt Jacques Rancière Andy Rector Jonathan Rosenbaum Paolo Spaziani Luce Vigo Jeff Wall


AS CASAS QUEIMADAS © Ricardo Matos Cabo Lisboa, Abril de 2009

Do I really want to be integrated into a burning house? James Baldwin, The Fire Next Time

De filme para filme, os exilados de Pedro Costa (como, de resto, os exilados noutros filmes) têm de reaprender e esquecer uma série de coisas para se manterem à tona da água. Esquecer o país de origem é esquecer a língua (como Edite em Casa de Lava), única hipótese para fingir uma integração. Recusá-la é igualmente ter de reinventar os espaços e esquecer os caminhos aprendidos. Como os “exilados” da noite branca no filme homónimo de Kent MacKenzie (The Exiles, 1961), protagonistas reais dos programas de realojamento dos anos 50 que deslocavam os índios norte-americanos das suas terras para os grandes centros urbanos para os integrar no tecido social e como as suas deambulações pelo bairro agora desaparecido de Bunker Hill em Los Angeles, também os protagonistas de Costa, encontrados e protegidos pelos corredores labirínticos das Fontainhas e do Casal da Boba (esses bairros onde tudo é terra e muito pouco é céu), têm agora de reaprender o seu caminho, reconquistar o seu espaço, tactear as saídas e apoiar-se nas paredes para encontrarem pontos de fuga. Ventura caminha rente às paredes, nunca sabemos a distância real que percorre entre os dois mundos em que vive. Se Casa de Lava surge hoje como o epicentro deste percurso, filme dos retornos inversos e das expulsões forçadas, é por ser o filme que marca o abandono dos espaços metafóricos de O Sangue e que enterra aquilo que nesse filme era já uma inércia e uma ficção sem saída (o rosto-cadáver de Isabel de Castro, a feiticeira do primeiro filme), dando início a uma série de transformações da narrativa que caracterizariam o seu cinema desde então. O filme foi planificado (com o recurso a um caderno de trabalho do realizador) segundo um princípio modernista de colagem/ montagem e aproximação sensível de influências cinematográficas (o Hawks de Land of the Pharaohs, Tourneur, Chris Marker), literárias (Desnos, Faulkner), musicais (Hindemith, a música de Cabo Verde), visuais (imagens de pintura, fotografias – Costa cita a propósito a sua admiração por Eugene Smith como hoje cita a que tem por Jacob Riis, entre outros) e fontes documentais (notícias de jornal, fait divers). Este processo de trabalhar permite aceder, num estádio ainda de desenvolvimento, ao método do cineasta e compreender de que modo a questão da referencialidade (tão referida a propósito da sua obra) é antes de mais um instrumento prático de trabalho (procedimento percebido e explorado nos ensaios visuais feitos a propósito da sua obra, nomeadamente por Andy Rector). Casa de Lava resulta do confronto entre essa planificação e o improviso e contacto com os espaços e as pessoas que filma, estabelecendo as características do cinema do autor e o terreno intersticial dos seus filmes, ancorados no concreto das coisas e dos locais onde

filma, mas com uma alusão permanente à desadequação e procura de um lugar de pertença daqueles que os procuram ou que a eles estão confinados. A dicotomia operacional entre o interior e o exterior, igualmente referida a propósito dos seus filmes, surge aqui pela primeira vez com a alusão feita pelo realizador à visão das casas na Ilha do Fogo, construídas de lava, viradas do avesso, como se fossem tumbas, no contraste com o exterior, e na procura de um equivalente – apenas permitido pelo cinema – de um tempo e espaço comuns e universais, algures entre a morte e a vida, o interior e o exterior. Não deixou desde então de perscrutar e filmar a “alma dos quartos” (usando a expressão de Dreyer), aquilo que apenas se revela na intimidade dos espaços reais, na sua complexa acumulação de histórias, presenças e ausências, uma busca que culmina no espaço de Tarrafal. Filme militante, que responde a uma urgência, a um facto real da vida de um dos protagonistas – Zé Alberto, que acabou de receber uma ordem de expulsão do território –, Tarrafal tem como base um espaço que vai perdendo referentes (“Quando eu para aqui vim não havia casas”, diz-se a um dado momento), que se tem vindo a transformar num vasto terreno cinematográfico que já só pertence aos que nele habitam e que, embora ameaçado pelo exterior (o aviso de expulsão cravado no poste com a navalha de Zé Alberto, os vampiros que espreitam a oportunidade), é orgulhosamente deles, das suas histórias, do seu repouso; e é, tal como noutros filmes, uma oferenda do cineasta às pessoas que filma. (…). Finalmente, mas não menos relevante, é o facto de os filmes de Pedro Costa terem vindo a aproximar-se de uma economia de produção e distribuição cinematográfica que se inscreve numa genealogia particular de cineastas que construíram a sua obra a partir do interior e com a participação directa das comunidades que neles aparecem – são vários os exemplos deste cinema: dos filmes de Andy Warhol, pela concentração formal e elisão das fronteiras entre protagonistas reais e filmados, mas também dos filmes de um colectivo como o de Ogawa Shinsuke, que em longas séries e sequelas cinematográficas acompanhou durante décadas as lutas, os ciclos de vida e de produção de pequenas comunidades rurais no Japão. Fidelidade às pessoas, aos espaços, às suas histórias. Os seus filmes parecem, nessa medida, oferecer cada vez mais um refúgio contra o esquecimento e uma possibilidade de reconquista para aqueles que neles intervêm, reinventando de modo exemplar um dos papéis primeiros do cinema (o realizador fala do poder vingativo do cinema no seu início, de Chaplin, “da possibilidade de vingança, sobretudo na ficção”). Presente nos seus filmes, desde logo, a combustão dos espaços (as fogueiras na noite do primeiro filme, o vulcão em erupção que abre o segundo, as casas de fogo seco de Casa de Lava), dos corpos (em No Quarto da Vanda, o Muletas que se salva do fogo por um triz, as fogueiras que ardem dia e noite nas Fontainhas e à volta das quais a comunidade se reúne). Os quartos carbonizados em que Lento surge de mão dada com Ventura (e que contam uma história verdadeira de desespero) em Juventude em Marcha recordam a frase de James Baldwin em epígrafe, que tão bem resume a recusa da assimilação e da invisibilidade a que as ilusões de integração parecem querer remeter aqueles a quem o cinema de Pedro Costa dá presença, corpo, peso e voz.

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Os filmes de Pedro Costa parecem oferecer cada vez mais um refúgio contra o esquecimento e uma possibilidade de reconquista para aqueles que neles intervêm, reinventando de modo exemplar um dos papéis primeiros do cinema - o realizador fala do poder vingativo do cinema no seu início, de Chaplin, “da possibilidade de vingança, sobretudo na ficção”


© ccv

© Marta Lourenco

what’s up ccv VALENTIM

Valentim era um boneco de madeira que tinha um sonho… deixar de ser boneco para ser uma pessoa de carne e osso. Pediu ajuda às famosíssimas magas da sua terra, e estas, determinadas a ajudar, decidiram fazer uma viagem no tempo, no seu aspirador ultra sónico, para recolher alguns ingredientes necessários à preparação de uma poção mágica. Na viagem, encontram ajudas de especialistas em salvar donzelas em apuros, do pai natal, e até do próprio Mickael Jackson. Local: ACERT de Tondela Realizador: Paulo d’Alva Assistência de realização: João Dias e Raquel Costa Realização: Julho 2009 Apresentação: Outubro 2009.

APRENDER EM FESTA 2009

Com a amplitude de actividades do Aprender em Festa 2009, o programa mobilizou este ano 1740 participantes de várias escolas, divulgando o Cinema e a Animação numa perspectiva lúdica e como mais-valia pedagógica e curricular. O programa, realizado entre 26 e 31 de Outubro, em Viseu (Instituto Português da Juventude) e Mangualde (Biblioteca Municipal) contemplou longas e curtas-metragens de animação, algumas das quais realizadas em escolas do distrito de Viseu e também workshops de Cinema de Animação. A actividade completou, de forma simbólica, o conjunto de acções destinadas a assinalar os 10 anos de actividade do projecto Cinema para as Escolas.

TROFÉU AQUILINO RIBEIRO Programa do Cine Clube 2010.2011 A propósito dos 10 anos de actividade do projecto Cinema para as Escolas, o semanário Jornal do Centro atribuiu o prémio Cultura ao Cine Clube de Viseu, numa cerimónia realizada no Teatro Viriato, a 11 de Setembro.

Para o biénio 2010-2011, a Direcção do CCV propôs, na Assembleia Geral realizada a 12 de Novembro de 2009, dar continuidade ao projecto actual de actividade, insistindo, de uma forma sustentada, na exibição de cinematografias normalmente arredadas do circuito comercial, organizando ciclos temáticos e por autor, e levando o cinema como recurso pedagógico às salas de aula de vários níveis de escolaridade da região. Uma actividade sem finalidade lucrativa, que depende em grande medida do empenho e adesão do público, por uma cultura audiovisual independente, mais plural e diversa. A Direcção do CCV agradece todas as ideias e contributos vindos dos associados, dos novos e anteriores directores do CCV, no sentido de enriquecer a sua orientação e esfera de intervenção, permitindo ao CCV trabalhar da melhor forma numa área nevrálgica da cultura da cidade.

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Perspectivando um novo espaço que marcará o seu futuro, o CCV publica no Argumento alguns contributos de especialistas sobre a importância das práticas artísticas e culturais na valorização de espaços e comunidades. Se o CCV sempre entendeu associar a dinâmica cultural aos vários locais e espaços da cidade, importa reflectir sobre alguns paradigmas desta intervenção, já que implica de forma transversal domínios como a economia, o turismo ou a identidade cultural.

novos desafios

calçada da vigia © Sandra Nunes do Valle Mestre em Arquitectura

A CULTURA COMO REGENERADOR URBANO?

Qual o papel que a cultura e as actividades artísticas representam nos processos de regeneração das zonas degradadas das cidades? INTRODUÇÃO Os “actores” responsáveis pelo “desenho de cidade” deparam-se, no início do século XXI, com o facto de não existir um consenso geral sobre as cidades que temos, quais as suas potencialidades e de que forma estas se adaptam às mudanças impostas pelas novas tecnologias de informação, pela globalização e a multiplicidade de culturas urbanas emergentes e, principalmente, não há consenso sobre o que deverão ser no futuro. Que espaços urbanos serão então os do futuro, que atendam às novas formas de estar e de interagir? Ou, como podemos conferir-lhes características e qualidades acessíveis a uma diversidade de interesses dos cidadãos interagindo no espaço público da cidade em transformação? Se grandes pedaços de cidade, como antigos portos, zonas de indústria pesada, antigos terminais e linhas de comboios, ou instalações militares, se tornam redundantes devido a diversos factores parece, então, urgente reciclar as zonas devolutas e integrá-las na cidade, movimento que transforma zonas de produção em áreas de lazer, com usos culturais. As “novas” partes de cidade são promovidas como acções emblemáticas e transformadas em locais de prestígio. Sob o “comando” que a cultura, e num contexto em que se multiplicam as “capitais da cultura”, exposições mundiais, em que certos museus funcionam como elemento simbólico de promoção de cidade, podemo-nos perguntar até que ponto as actividades artísticas têm a capacidade de promover a regeneração do espaço público, de forma planeada ou espontânea?

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1ª PARTE / 2 (prox. nº : 2ª parte - Propostas para um modelo de avaliação)

Qual cultura, quais cidades? Culture is, arguably, what cities ‘do’ best. But which culture, which cities?

Se cada uma das “culturas” presentes na cidade esta- ma tradicional de família deixa de ser o factor comum, dência a uma ocupação do espaço público de forma belece as suas próprias regras não é possível falarmos existindo inúmeros modos de vida que transformam mais vincada. de uma cultura urbana mas sim de várias, que se rela- a maneira como os indivíduos se relacionam entre si. Nesta diversidade existem alguns grupos que imporcionam no espaço urbano, numa dada época. Todos estes factores dão origem a múltiplas “culturas ta referir, de forma a uma maior compreensão dos tiAssim, na nossa época, considerada como pós-mo- urbanas” que convivem numa mesma cidade. pos de ocupação/apropriação do espaço público que derna e pós-industrial, é necessário perceber quais as A interacção de grupos sociais e diferentes culturas poderão ocorrer e quem são os seus protagonistas (é significações destes termos. O primeiro, pode ser as- urbanas depende muito da forma como cada um se dada uma maior relevância a grupos com actividades sociado aos aspectos socioculturais das sociedades apropria do espaço, assim como, da capacidade do artísticas ou relacionadas com estas de uma forma contemporâneas em que se assume uma distanciação indivíduo de se relacionar com a diferença e, da aber- mais directa): do movimento moderno, algo que não é de alguma for- tura, ou não, da sua própria cultura a outras formas de ma coerente ao ponto de ser rotulado com uma defi- estar. É necessário compreender que tipos de culturas O “género” nição efectiva. O segundo termo tem uma perspectiva urbanas e grupos sociais “tomam conta” dos espaços O movimento feminista dos anos 80 e 90 e principalsocioeconómica, podendo abranger ou ser abrangido públicos e como o fazem. mente os estudos da sociologia urbana de língua inpelo primeiro.1 glesa dos últimos anos, sugerem uma das teorias mais O termo “pós-moderno” aparece muitas vezes asso- Grupos e “espécies” fracturantes sobre as culturas urbanas: a diferença de ciado à arquitectura, como oposição ao funcionalismo Poderemos então aceitar a existência de espécies co- género. Esta não tem origem biológica mas sim socioe racionalismo defendidos pelo “movimento moderno”, lonizadoras? Grupos que pelas suas características cultural e tratando-se, neste trabalho, o espaço públique doutrinava uma planificação urbana baseada nos têm um papel mais impositivo ou marcante na cidade co, a questão do género levanta um dos maiores prozonamentos monofuncionais e na hierarquização das e nos seus espaços públicos? blemas no que se refere à sua utilização e apropriação. actividades, introduzindo uma revolução no desenho Os grupos sociais, dependendo da sua própria cultura O termo refere-se às diversidades psicológicas, sociais urbano, que teriam efeitos devastadores na prática ur- e características específicas adoptam determinados e culturais entre homens e mulheres, distinguindo-se banística. Segundo Nuno Portas, as intenções do mo- comportamentos e formas de se relacionarem com da diferenciação pelo sexo, que se refere a caracterísvimento não visavam apenas redimensionar o espaço os espaços, mais ou menos invasivas, e com os outros ticas anatómicas e fisiológicas. 6 As mulheres, devido a questões sociais e culturais, apresentam um comporpúblico e dotá-lo de formas inovadoras mas romper frequentadores de um mesmo espaço. com o próprio sistema ancestral das relações. 2 Creating a public culture involves both shaping pu- tamento, na generalidade, muito diferente do dos hoPoder-se-á então denominar de “pós-modernidade”, blic space for social interaction and constructing mens nestas matérias e é necessário compreender o algo mais abrangente, com múltiplas potencialidades a visual representation of the city. Who occupies porquê desta diferenciação. de aplicações e sugestões, que caracteriza um clima public space is often decided by negotiations over A questão em debate consiste em saber se as cidades cultural contemporâneo e que inclui tanto a “alta” culphysical security, cultural identity, and social and são espaços neutrais para os diferentes géneros. Ora tura como a “difusa”, a tradição e a “utopia”, os signifinos temas mais abordados relativos ao medo e à viogeographical community.4 cados e os símbolos, a certeza e a incerteza: lência, estes factores, segundo diversos sociólogos Sentido de incerteza, a perda de pontos de refe- Nesta coexistência, por vezes forçada, existem facto- como Pain e Valentine7, condicionam a utilização de rência fundamentais para a compreensão do seu res determinantes para o resultado das relações entre espaços públicos por parte das mulheres, principalpapel na sociedade, a diminuição da segurança grupos sociais distintos. mente em horários nocturnos. Também outras quessobre a natureza imparável do progresso e na meThe atmosphere of tolerance that city people his- tões de ordem social (por exemplo, o cuidar da família lhoria contínua das condições socio-económicas. 3 torically claim has been charged with the light- e a conjugação da vida profissional e familiar) em que é ning rods of social and cultural “diversity”. Accep- relevante o género. Os meios de comunicação permitem a divulgação e ting diversity implies sharing public spaces – the Tal como outros grupos, com necessidade de apropriaafirmação de uma diversidade de grupos e minorias, streets, buses, parks, and schools – with people ção dos espaços, as mulheres criaram um mecanismo que se multiplicam nos mais diversos sectores da sowho visibly, and quite possibly vehemently, live li- de defesa que se manifesta em espaços “femininos”, ciedade, defendendo as mais variadas questões, quer ves you do not approve of.5 relacionados com factores como a moda e a beleza de carácter social, como o feminismo, o movimento ou como a igreja e outras organizações sociais, nas sogay/lésbico ou o pacifismo, de carácter ambiental Tal como refere Sharon Zukin, os mais diversos tipos ciedades contemporâneas assumem novos aspectos como o ecologismo ou defesa dos animais ou ainda de de pessoas cruzam-se e partilham o espaço público como os ginásios de fitness ou os “clubes”, em que se carácter político, religioso, ideológico, racial, etc. A for- na cidade. Estas relações podem ser mais ou menos sentem integradas e seguras. conflituosas conforme a necessidade de afirmação 1  Alfredo MELA – A Sociologia das Cidades. Lisboa: Editorial Estampa, 1999. pp. 129 de certos grupos, principalmente se estes tiverem ten2  Nuno PORTAS – Um Revivalismo Modernista para quê? in BRANDÃO, Pedro e REMESAR, António [eds.] – Design Urbano Inclusivo – Uma experiência de projecto em Marvila, “Fragmentos e Nexos”. Lisboa: Centro Português de Design, Fevereiro 2004. pp. 87

4

Sharon ZUKIN – op. cit., pp. 24

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GIDDENS, 1989 in MELA, Alfredo – op. cit., pp. 141

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5  Sharon ZUKIN – op. cit., pp. viii

7

Alfredo MELA – op. cit.

Alfredo MELA – op. cit., pp. 134

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© ccv


Qual cultura, quais cidades? Culture is, arguably, what cities ‘do’ best. But which culture, which cities?

Os “Artistas” conflituais, próprios de “tribos” dotadas de conotaApesar do proeminente papel dos artistas em muitos ções sociais heterogéneas, preparadas, em alguns processos de regeneração de partes de cidade, tamcasos, para disputar o espaço físico da cidade.9 bém eles poderão funcionar como uma espécie colonizadora com uma forma muito particular de apropria- “Graffiters” ção do espaço. Os graffiti são formas de expressão consideradas marArtists themselves have become a cultural means ginais, não são produzidas por operadores artísticos of framing space. They confirm the city’s claim of profissionais, mas geralmente por grupos de jovens, incontinued cultural hegemony, in contrast to the su- divíduos que pretendem deixar a “sua marca” na cidaburbs and exurbs. Their presence – in studios, lofts, de. Estas manifestações estéticas são associadas ao and galleries – puts a neighborhood on the road to duplo carácter da cidade, (...) por um lado, a sua abergentrification.8 tura ao imprevisível e ao confronto com o diferente, por outro lado a perigosidade intrínseca dessa abertura, o A sua apropriação do espaço não tem um carácter ób- risco omnipresente de que conduza ao insucesso.10 vio, como por exemplo a dos graffiters, é um fenómeno Chama-lhe a arte de se expor, uma vontade de efectuar mais demorado e que implica a preferência por um de- e participar em pesquisas no campo estético estimuterminado bairro e a consequente fixação nesse mes- lada por uma sensação ao mesmo tempo frustrante e mo bairro, a posterior atracção de pessoas, actividades estimulante. Este autor considera que os graffiti são o relacionadas, estabelecimentos de lazer e comércio reconhecimento, por parte de quem os produz, da sua que se aliam ao seu estilo boémio, transformando aos própria marginalização mas também uma reacção a ela. poucos o espaço público e os seus frequentadores. Do medo à segmentação, à privatização, à tematização Actividades e “profissões criativas” Uma das maiores ameaças à cultura urbana é o medo. Dentro deste campo poderemos considerar diversas 11 actividades profissionais que pela vertente criativa das Jane Jacobs analisa esta questão do medo e das respectivas ocupações e estilos de vida associados poderão ter, hoje, um papel idêntico ao dos artistas, no que se refere a transformação de um bairro numa zona “in” e com novas tendências. São eles os arquitectos e designers, profissionais de comunicação, publicidade e jornalistas. A localização de muitos dos ateliers e agências de publicidade em determinados bairros participa para a modificação dos mesmos, assim como a existência de redacções de jornais e revistas. Também a opção de viver no mesmo bairro onde se trabalha, como aconteceu com os primeiros movimentos de artistas, ou a tendência destas classes profissionais para se fixarem em bairros que fazem parte do circuito artístico e/ou nocturno, como por exemplo em Lisboa, o Bairro Alto. “Tribos urbanas” No contexto metropolitano contemporâneo a diversidade e heterogeneidade de grupos é evidente, existindo uns que são mais afirmativos no que se refere ao espaço público e pontos de encontro. Os jovens agrupam-se conforme gostos musicais (pop, rock, hip hop, heavy metal) por vezes associados a tendências da moda, desportos (skate, surf), ideologias ou crenças, ou seja, os novos tribalismos, podendo pertencer a mais do que um dos grupos. São grupos caracterizados por modos de vida, formas de expressividade, mas ligados pelo desejo de se tornarem visíveis aos olhos dos outros acentuando os seus traços distintos. (...) em alguns casos, 8

Sharon ZUKIN – op. cit., pp. 23

Veremos assim como, frequentemente, podemos ver na lógica de regeneração pela via cultural, o carácter de uma alteração de identidade pela mudança na configuração e interacção das “culturas” de grupo. Cultura e “Bairro” Desde os clássicos que o espaço é visto como o suporte ideal para as nossas memórias13, como defendia Halbwachs, tanto as colectivas como as individuais, ou seja, a organização material do espaço serve para criar uma memória de grupo, em que o grupo “molda” o espaço, ao mesmo tempo que se deixa ‘moldar’ por ele.14 Também Lévi-Strauss associa o espaço às identidades colectivas, afirmando que certas alterações nos espaços, antes identificáveis pelas pessoas, podem resultar em perdas de identidade e de sentido de pertença ao local.15 Se o espaço público começa a ser privatizado e o grupo que o “molda” é uma elite, este vai deturpar as memórias de todo o grupo da sociedade, que será “moldado” por esse espaço público controlado e condicionado, logo as memórias colectivas passam a ser fabricadas por essa elite que domina as características do espaço?

Um bairro é parte integrante de uma cidade e, segundo sensações de insegurança, dando como exemplo Jane Jacobs16, não deve funcionar como uma unidade preponderante a rua e os passeios, como elementos autónoma e auto-suficiente, dado que as vantagens de representativos do espaço público da cidade. Ou seja, habitar uma cidade são, exactamente, a multiplicidade se as ruas forem interessantes, a cidade é interessante, de escolhas que esta oferece e a mobilidade dos seus assim como se em determinada zona da cidade o tran- cidadãos. No entanto, a tendência, geralmente é criar seunte se sente inseguro ao percorrer essas ruas, en- uma ligação ao bairro onde se vive, havendo uma pretão considerará toda essa área como insegura. Jacobs ocupação com a sua manutenção, segurança e qualiacrescenta que o facto de se temer a rua e se deixar dade de vida. cada vez mais de a frequentar a torna ainda mais peri- Nos bairros, freguesias ou mesmo na cidade, há uma gosa, quanto menos pessoas houver a circular menos propensão para as pessoas se agruparem e relacionasegurança existe. rem com base nos seus interesses comuns, que podem O medo justifica espaços públicos privatizados? Espa- estar relacionados com questões religiosas, étnicas, ços com as suas próprias regras, segurança, vigilância. interesses culturais ou desportivos, entre outros, danEspaços que acabam por não ser totalmente públicos, do origem a diferentes grupos sociais, associações e totalmente livres, onde nem todos têm acesso e onde colectividades que, consoante as suas características, a apropriação dos mesmos é relativa. se irão apropriar dos espaços públicos. Este tipo de reSe as possibilidades de interacção e de relaciona- lacionamento participa para o sentimento de pertença mento entre diferentes pessoas e realidades passam à comunidade, e pode também dar-se em relação ao a estar condicionadas, controladas e regradas, pelas bairro onde se trabalha e não só onde se vive. entidades que controlam os espaços, a cultura urbana (Fim da 1ª parte) é também privatizável e como consequência “comodificável” ou “comercializável”? Whether they are media corporations like The Disney Company, art museums, or politicians, they are developing new spaces for public cultures. (...) By accepting these spaces without questioning their representations of urban life, we risk succumbing to a visually seductive, privatized public culture.12 13  SILVANO, Filomena – Antropologia do Espaço – Uma Introdução. 2ª edição, 9  10

Alfredo MELA – op. cit., pp. 156 Richard SENNETT (1990) citado in MELA, Alfredo – idem, pp. 155

11  Jane JACOBS – The Death and Life of Great American Cities in The Blackwell City Reader. pp. 351 12

Sharon ZUKIN – op. cit., pp. 3

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Celta Editora, Lisboa, 2007. pp. 13 14

Filomena SILVANO – idem, pp. 13

15

Filomena SILVANO – idem, pp. 19

16  Jane JACOBS – Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2003.


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Sessão no dia 24.11.2009. ipj - Viseu + biblioteca municipal de mangualde

Sophie Scholl - Os últimos dias de Marc Rothemund, Alemanha, 2005 com Julia Jentsch, Gerald Alexander Held, Fabian Hinrichs.

Ficha de exploração pedagógica 1. O contexto histórico do filme insere-se nos ecos da batalha de Estalinegrado. Situa esta fase na cronologia de acontecimentos da II Grande Guerra Mundial, avaliando as suas consequências concretas para o regime Nazi.

2. “Aquele vergonhoso Tratado de Versalhes, a inflação, o desemprego, a pobreza... o nosso Furher Adolf Hitler pôs fim a tudo isso”. O regime Nazi chegou ao poder em 1933, após a vontade expressa pela população nas eleições. Relaciona as circunstâncias sociais, económicas e políticas da época com a ascensão do regime ao poder. Considera a política intransigente e hostil em relação aos países vizinhos e à comunidade internacional em geral, como refere o investigador Mohr, durante um dos interrogatórios a Scholl: “Os nossos soldados alemães libertam a europa da plutocracia e do bolchevismo e lutam por uma Alemanha mais grandiosa e mais livre! A Alemanha nunca mais será ocupada, garanto-lhe”.

5. Envio de cartas, distribuição de panfletos, pinturas nas paredes... Faz uma pesquisa sobre as formas de contra-propaganda que os jovens activistas do Rosa Branca utilizam para servir os seus fins. Avançando no tempo, que formas pensas que poderiam utilizar hoje estes jovens para fazer passar a sua mensagem? Seriam utilizados meios idênticos, ou encontrariam formas mais eficazes de criticar o regime em vigor?

6. Os cenários que atravessam o filme são, quase sempre, interiores, da tipografia à casa de Scholl, na universidade e na cela. Uma opção ditada pela necessidade do grupo Rosa Branca não se expôr, e durante a prisão, pela impossibilidade de saírem. O escuro, as sombras, os silêncios, os gritos à noite, contaminam a narrativa do nosso filme, espelhando a incerteza, a deriva, e a opressão dos últimos dias de Sophie Scholl. No entanto, a luz não está ausente, e vários planos do filme procuram o céu, a luz do sol, as nuvens, que alimentam a esperança de Sophie: “O sol continua a brilhar”, diz na despedida ao irmão e a Christof. Sombras e interior, por oposição à luz e ao exterior – os contrastes de imagem e cenário que definem os dois lados da história. Com base no que o filme te mostrou sobre a opressão nazi e a resistência organizada, debate com os teus colegas a pertinência deste comentário.

7. Sophie parece resignada ao reencontro adiado, e incerto, com o noivo que luta na 3. Durante o filme são referidas diferentes organizações existentes, como a Federa- frente oriental. Além disso, estão de lados diferentes quanto ao juízo que fazem sobre ção de Jovens Alemãs, Camisas Castanhas, Gestapo. Analisa alguns exemplos de or- a necessidade da guerra. Perante a guerra, a sua história comum, e o seu amor, pareganização social e hierárquica, propaganda e ideais do regime nazi presentes no filme, cem suspensos, divididos, e os seus sonhos adiados. tentando caracterizar o tipo de ideologia que nele predomina. Estabelece possíveis Até que ponto a relação entre Sophie e o noivo assume o papel de metáfora da situasemelhanças com outros regimes totalitários da época. ção da sociedade alemã? 4 . Antes do julgamento, Sophie Scholl descreve um sonho à sua companheira de cela: “Levava ao colo uma criança com um vestido branco comprido. Subitamente a terra tremeu e a meus pés abriu-se uma fenda. Escorreguei, olhei para a criança, e só tive tempo de a pôr em segurança. Caí e, no entanto, senti-me libertada e aliviada. A criança de vestido branco é o nosso ideal. E sobreviveu!” Estabelece a relação do sonho com o comportamento da protagonista durante o filme.

8. “ O Furer prometeu dar às mais feias os seus ordenanças”, diz o investigador Mohr ao falar das medidas de impulso demográfico do Nacional-Socialismo. Comenta o que te parece estar na origem deste comportamento imposto na sociedade nazi.

9. Como interpretas o papel do agente da Igreja na parte final do filme, em contraponto, com a frase explosiva do investigador Mohr: “Deus não existe”?

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Este drama retrata a história verídica da estudante universitária alemã Sophie Scholl na sua resistência pacífica ao regime nazi. Sophie Scholl, membro do movimento Rosa Branca, foi condenada à morte por alta traição. A sua luta contra o regime de Hitler é, ainda hoje, recordada como um acto de grande heroísmo. Elaborado pelo Grupo Disciplinar de História da Escola Secundária Emídio Navarro, Viseu

Guião de visionamento para alunos 9º ano Indica o ano em que decorre a acção do filme. Indica o nome das principais personagens. Qual a cena do filme que mais te marcou? Porquê? Durante o interrogatório, a Sophie Scholl são apontadas as causas do envolvimento da Alemanha na 2ª Guerra. Diz quais são. Qual a ocupação de Sophie Scholl? Justifica o sentimento de repulsa da protagonista face ao tratamento que os nazis infligiam aos deficientes Indica um dos temas que o filme retrata e que se integra nos conteúdos da disciplina de História.

12º ano Menciona o contexto histórico em que decorre a acção do filme. Indica o papel das principais personagens envolvidas. Recordando o papel da propaganda na prática política nazi, indica os principais meios de manipulação das massas que são aqui retratados. Durante o interrogatório, enfrentam-se duas visões políticas para a Alemanha dos anos 30. Como comentas esta afirmação? Sophie fala do horror do extermínio de crianças alemães deficientes. O detective fala de “vidas sem valor”. Enquadra a cena no que conheces já sobre o regime nazi. Diz o que te sugere a expressão de Sophie, quando se refere ao movimento Rosa Branca: “lutamos com as palavras”. Durante o julgamento, Sophie e os outros réus são eles próprios juizes do regime nazi. Comenta esta ideia. Conhecendo a utopia nazi que destinava aos arianos a condução da Grande Alemanha, como enquadras a perplexidade das personagens do regime quanto à firmeza e oposição revelada por este grupo de jovens? Porque te parece que o realizador usa com tanta frequência os efeitos de luz ( janelas, candeeiros de mesa) e sombras (o cárcere...)? Relaciona os meios de propaganda usados pelos elementos do Rosa Branca com as formas de divulgação de ideias usadas por ti e pela tua geração. Sophie Scholl personifica uma geração de jovens em luta pelos seus ideais. Hoje, o que consideras prioritário nas vossas causas e como achas que são defendidas?

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19 dez, 15h conversa ao balcão visita guiada à exposição por Nuno rodrigues e rodrigo francisco

exposição das fotografias, vídeos e objectos da vida de um cine clube

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