ANO XXXI | N. 147 | JANEIRO 2015 | € 2
NA RETINA
CINE-COSMOS
ENSAIO
SUBSOLO
LA CHAMBRE
A BOUT DE SOUFFLE DE JEAN-LUC GODARD
DE EDGAR PÊRA
STRANGERS ON A TRAIN DE HITCHCOCK
LUTHER PRICE E O ACTIONISMO DE VIENA
O CINEMA DE CHANTAL AKERMAN
F I C H A T ÉC N I C A
EDITOR E PROPRIETÁRIO CINE CLUBE DE VISEU inscrito no ICS sob o nº 211173 PERIODICIDADE Quadrimestral
SEDE E ADMINISTRAÇÃO Rua Escura, 62 Apartado 2102 3500 – 130 Viseu
CONCEPÇÃO E EXECUÇÃO GRÁFICA DPX .com.pt IMPRESSÃO Tipografia Novelgráfica, Viseu
TEL 232 432 760 geral@cineclubeviseu.pt www.cineclubeviseu.pt
ANO XXXI Boletim inscrito no ICS sob o nº 111174
CAPA JEANNE DIELMAN, 23 QUAI DU COMMERCE, 1080 BRUXELLES (1975) DE CHANTAL AKERMAN
TIRAGEM 300 ex.
COLABORAM NESTE NÚMERO
MANUEL S. FONSECA
EDGAR PÊRA
CÉSAR GOMES
MARGARETE L. RODRIGUES
MANUEL PEREIRA
BETÂNIA V. PIRES
Editor. Foi programador da Cinemateca e trabalhou na produção de cinema e audiovisual. Do que mais gosta é de escrever.
Terminou recentemente a sua última longametragem em 3D, Lisbon Revisited. Está neste momento a escrever/filmar o seu livro-filmetese O Espectador Espantado.
Dirigente do CCV.
Professora, formadora, leitora, “cinéphila”.
Formado em Estudos Artísticos na variante de Estudos Cinematográficos pela FLUC, tem-se dedicado desde então à investigação em torno de autores que a história do cinema se encarregou de obscurecer.
É artista plástica. É também professora de artes numa Unidade Comunitária do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Também é curadora da galeria d’Os Maiorais, em Rio Maior.
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ÍNDICE
EDIT!
P.4 BILHETE-POSTAL
O Cine Clube vive as primeiras semanas do seu sexagésimo ano de existência. Em 1955, Viseu descongelou um bocadinho, com Passport to Pimlico, num escuro mas futuroso 16 de Dezembro. Desde o início, lugar onde vir beber, provar, ver, ver, ver, lugar de matar a fome, o Cine Clube tem desenvolvido uma actividade muito vasta e diversificada, trazendo à região o cinema, não só como momento, mas também como processo, desempenhando um papel fundamental na formação de públicos, nomeadamente os mais novos, com o Cinema para as Escolas, projecto florescente, que se revela, a cada ano, mais indispensável. O mesmo se pode dizer no nosso boletim, o Argumento, motivo da maior alegria para o Cine Clube, e para a cinefilia portuguesa, acreditamos, pela sua força de resistência, pela sua dinâmica e pelo sentimento de que está exactamente onde (quando) é preciso. Nesta edição, grandes nomes em destaque: Godard, numa certidão de aparentalidade carimbada por Manuel S. Fonseca; Hitchcock e o trânsito entre literatura e cinema, com Strangers on a Train, a partir do homónimo de Patricia Highsmith, pelo nosso noirista César Gomes; Chantal Akerman, câmara e memória, num texto de uma associada resultado da formação Vanguardas e Estéticas no Cinema, promovida pelo Cine Clube. Salientamos ainda a continuidade da revisitação de filmes, no Observatório, desta vez com a recém-premiada na Bienal de Cerâmica da Catalunha, Betânia Viana Pires.
Como vão os cine clubes? Uma cartografia do movimento cineclubista: o que fazem, para quem e com que objectivos trabalham os cine clubes pelo mundo fora.
P.5 NA RETINA
Espaço para partilha de olhares e gostos sobre um filme ou realizador escolhido por um convidado. “Porque o cinema é sobretudo isto: emoção que se quer partilhável”.
P.6 CINE-COSMOS
A crónica de Edgar Pêra.
P.8 STANGERS ON A TRAIN
Filme sobre a transferência de culpa, Strangers on a Train convoca o espectador, tornando-o voyeur e cúmplice de um acto condenável.
P.14 CHANTAL AKERMAN
Olhar atento para a obra da realizadora de “Jeanne Dielman” e “La captive”, com especial ênfase para “La Chambre”, de 1973.
P.20 SUBSOLO
Rubrica de Manuel Pereira, abarca autores, obras e tendências que encarnam uma vontade de alargar os próprios horizontes da linguagem cinematográfica.
P.21 WHAT’S UP CCV?
Actividade do Cine Clube de Viseu.
P.23 OBSERVATÓRIO
A palavra aos autores. Edição de trabalhos originais, e um olhar sobre o estado das artes e do cinema na primeira pessoa. A desafiar os convidados, um tema comum, a cinefilia.
2015 será, certamente, um ano de festa, em que o Cine Clube espera assinalar de várias maneiras e em vários momentos a sua longevidade, devida ao empenho e à dedicação de todos os que se ligaram a ele, à paixão incondicional pelo cinema, e, muito especialmente, à certeza da importância inegável do cineclubismo. Convidamos toda a comunidade cinéfila a acompanhar a nossa programação especial, a participar nas nossas actividades e a celebrar connosco o aniversário que está em devir, mas já presente.
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ARGUMENTO Publicação editada pelo CCV desde 1984, pensada, originalmente, para a divulgação de actividades e debate do fenómeno fílmico. O boletim tornou-se um veículo indispensável de reflexão da sétima arte e divulgação do CCV, a justificar um cuidado permanente das suas sucessivas direcções. Fundado em 1955, o CCV é um dos mais antigos cineclubes do país, sendo o Argumento um projecto central na sua actividade.
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BILHETE-POSTAL
© SHONKHO GRIB
CINE CLUBE UNIVERSITÁRIO ISTAMBUL SEHIR
Seminário com Laura Marks, Pensa como um tapete
Sabemos sem dúvida que o cinema é o meio de comunicação social mais poderoso actualmente, não apenas em termos de entretenimento, mas também pelo seu poder vinculativo. Como arte popular, entre as esferas económica, cultural e política, o cinema carrega as marcas da sua passagem para a luz. Como arte tecnológica, fundamentalmente definida pela sua capacidade de registo automático de imagens e sons, compõe-se de pedaços da cultura. Os académicos acreditam que “só o cinema pode narrar História com H maiúsculo simplesmente contando a sua própria história”. O Cine Clube Universitário Istambul Sehir foi fundado a 23 de Dezembro de 2011. As actividades do clube são organizadas principalmente pelos estudantes, mas há sempre a colaboração de diferentes departamentos da Universidade. O programa é suportado, maioritariamente, pelo departamento de cinema e televisão, e apoiado pelo escritório de actividades estudantis da Universidade. Como uma universidade em crescimento, a Istambul Sehir University procura inserir-se num sistema global, criando uma atmosfera intelectual. Para desenvolver esse objectivo mais adequadamente, entre os estudantes, sentimos necessidade de criar um clube de cinema sob a supervisão do projecto de actividades estudantis. O nosso clube definiu alguns objectivos a realizar. Como parte das nossas actividades, em três anos organizámos festivais, como por exemplo: “Conflitos Regionais, Étnicos & Cinema”, “Retrospectiva Guru Dutta”, “Festival Documentários”; este ano, decidimos cruzar as nossas actividades com a organização “Movimento do Novo Cinema Turco”, e exibimos algum novo cinema
independente turco, seguindo-se debates com realizadores como Huseyin Karabey, Emin Alper, entre outros. Como é um clube universitário, tentamos ter sempre um orador da Universidade nos debates que se seguem às sessões. Realizámos uma palestra intitulada “Pense como um tapete”, que se fundamentou na cultura do tapete e na arte a este inerente (principalmente em árabe e turco). Em paralelo com as outras actividades, fazemos sessões todas as semanas. Tentamos trazer filmes de diferentes géneros e de diferentes partes do mundo, o que dá aos nossos estudantes a oportunidade de se familiarizarem com o cinema do mundo. Algumas das nossas actividades: - Exibição de filmes reconhecidos mundialmente todas as segundas e quartas sextas-feiras e sábados, à noite, de cada mês, na Universidade; - Organização de debates abertos sobre cada filme, sobre a sua perspectiva social, eco-política; apresentação geral do filme e do realizador; discussões críticas; - Exibição de filmes de estudantes de outras instituições de ensino; - Publicação anual de dois jornais sobre as nossas actividades e outros assuntos cinematográficos; - Produção de uma ou duas curtas-metragens por ano, escritas, realizadas e montadas por estudantes da Universidade de Sehir; - Desenvolvimento de boas relações com várias embaixadas estrangeiras, no sentido de organizar programas de intercâmbio e exibição de filmes; - Actividades sociais. 4
NA RETINA
© M A N U E L S . FO N S E C A
A gloriosa desolação de não deixar descendentes A Bout de Souffle não se parecia com nenhum filme anterior, nenhum filme posterior se conseguiu parecer com ele.
ARGUMENTO E REALIZAÇÃO Jean-Luc Godard FOTOGRAFIA Raoul Coutard
Godard está mesmo muito velho. Tirando Manoel de Oliveira, que nem idade tem, nestes dias acelerados que correm, Godard é o Matusalém da história do cinema. Acreditem, é um elogio nesta boca de quem cada vez gosta mais dos velhos. Não sei quando é que Jean-Luc nasceu, nem me interessa. Para mim, quando fez “A Bout de Souffle” tinha (só podia ter) 20 anos. Em toda a história do cinema era a terceira vez que aparecia um filme que não se parecia com nada do que se fizera antes. Lembro que esses filmes de não pedir licença a nada e a ninguém foram “Birth of a Nation”, de Griffith e “Citizen Kane”, de Welles. São filmes americanos e o de Godard é francês? É engraçado, “A Bout de Souffle”, a um olhar mais cândido parece americano. Lembro-me que um moço, que trabalhou na Cinemateca, quando viu o filme, chamou-lhe “About The Suffle”, fosse lá o que isso fosse. Não só não vejo na americanização do título nenhuma ignorância, como me parece até a expressão fiel e verdadeira das suas genuínas sensações de espectador, ao ver a mais bogartiana das interpretações de Jean-Paul Belmondo e ao ver desaguar na desarmante, mas bem armada inocência de Jean Seberg, a tradição da inteligentíssima mulher fatal de que Louise Brooks foi a mais fulgurante representante. Tudo coisinhas sexualmente americanas. Sendo inaugural como aqueles dois antepassados, “A Bout de Souffle” de Godard tem uma peculiaridade: se não se parecia com nenhum filme anterior, a verdade é que nenhum filme posterior se conseguiu parecer com ele. “A Bout de Souffle” foi um escândalo na França de 1959. É um filme insolente. Fala directamente aos espectadores e manda os inimigos da natureza a um sítio inimaginável para a ecologia grassante. Pela boca grossa de Belmondo. Mas a rudeza verbal é o menos: “Allez vous faire foutre”, o que em português equivale a um ameno “Vão-se foder”, é uma sugestão que a Europa, afinal, tem feito tudo por cumprir. Há atrevimentos maiores, que vou já elencar. Lembro que Jean-Luc fez questão, mesmo muita questão, nestas coisas paradigmáticas: a) usou o negativo mais rápido que havia, com a velocidade de 400 ASA, e com a ajuda do seu operador, Raoul Coutard, Godard deu-lhe um tratamento especial, aumentando-lhe a velocidade para 800 ASA; b) isso quer dizer que Godard queria filmar tudo com as fontes de luz natural; c) queria, quis e conseguiu, coisa que nunca antes tinha sido feita num filme de ficção.
COM Jean Seberg, Jean-Paul Belmondo, Daniel Boulanger, Henri-Jacques Huet
PRODUTOR Georges de Beauregard
“A Bout de Souffle” tem outras arrogâncias mal-criadas que não se reduzem à técnica e às consequências da técnica. O cinema tinha uma gramática, mas Godard achou-a insuficiente e insatisfatória. Inventou o “jump-cut” na sua versão mais “dura”, processo que consiste em montar planos do mesmo actor, no mesmo espaço, mas seleccionando apenas as “partes interessantes”. Por causa dessa compressão no tempo, a Godard, nessa altura, até à mãezinha chamaram nomes que não eram exactamente o desconhecido nome dela. Não se julgue que a fúria e ranger de dentes surgiram só pelas ousadias de estilo. Obrigando-se, como nas “Palmeiras Bravas “, romance de William Faulkner, a escolher entre a dor e o nada, o herói de “A Bout de Souffle” escolhe o “nada” porque a “dor” é ainda um compromisso. Caiu mal. Na altura andava tudo comprometido. A palavra certa nem é compromisso, é engajamento. Os operários engajavam, os estudantes engajavam, os intelectuais engajavam. Engajavam todos menos os heróis de Godard. E quando, ao contrário do soberbo Belmondo, a doce Seberg cede e se compromete, Godard fá-la comprometer-se com a perfídia – é um anti-engajamento feminino, mas quem é que, no seu juízo perfeito, não desejaria que Jean Seberg anti-engajasse com ele? Ser traído por Jean Seberg será ser traído? A mim, é o que mais me põe em brasa em “A Bout de Souffle”. Depois de se percorrer cada centímetro de Jean Seberg, da belíssima nuca rapada aos lábios, dos mais lindos joelhos aos seios, só Godard lhe poderia pedir que ela – vinda de dois torturados filmes de Otto Preminger – fosse ainda cem vezes mais dilacerada do que em “Saint Joan” e mil vezes mais sexualmente triste do que em “Bonjour Tristesse”. Sem as desculpas morais que nesses filmes Preminger lhe emprestava. A luz, rua e ritmo que fizeram de “A Bout de Souffle” um enfant terrible, a má-criação gramatical que faz de “A Bout de Souffle” um enfant gâté, o niilismo post-faulkneriano que faz de “A Bout de Souffle” um exemplo da souveraineté de l’ homme seul (francesa embora, a expressão é minha) condenaram “A Bout de Souffle” à gloriosa desolação de ser um filme sem descendência. Pode ter havido enfants de la cinémathèque, mas não há, de certeza, enfants de Godard. Avisem os enganados que por aí andem: que façam o teste de ADN e vão chamar pai a outro.
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CINE-COSMOS
© EDGAR PÊRA
CINEMA REVISTEIRO: CHALENGE ACCEPTED! “An art form will forever be in a separate category if you can attend it while eating Twizzlers.” Roger Ebert
Olá a todos os cine-leitores, vou mais uma vez reflectir sobre um tema a partir da minha própria experiência. Antes de mais queria pedir “desculpa” aos cinéfilos crentes mas não sacralizo nenhuma arte, muito menos o cinema, que nem sempre pode ser considerado uma arte. Um filme começou por ser um entretenimento, tal como a montanha russa e a sala dos espelhos ou os números de magia. A arte no cinema é excepção e não regra. Pode haver arte na forma de fazer um filme mas isso não quer dizer que um filme mereça ser considerado uma obra de arte. Ou então tudo é arte, e nem precisamos dessa palavra para nada, o que até não seria má ideia. Sobra-nos o entretenimento. Nas palavras do escritor Michael Chabon “temos o entretenimento que merecemos”. Somos todos cúmplices do crime e as bilheteiras reflectem essa cumplicidade: os produtos mais vistos são os mais reproduzidos. Como se sabe a comédia não gera oscares nem grandes críticas, mas gera bilheteira. É considerada a arte dos tolos. Os anos quarenta do século XX são considerados “a época de ouro” do cinema português revisteiro. No entanto, pelo que sei, não foram um mega-sucesso imediato e estes filmes apenas foram verdadeiramente populares duas décadas mais tarde – na televisão - já imbuídos do espírito nostálgico dessa era. Podemos encontrar o mesmo tipo de humor revisteiro noutras cinematografias, baseado em trocadilhos e na performance e improviso dos actores. O teatro de revista vem de uma longa tradição de humor popular: por um lado podemos ver nas sátiras ou nas farsas de Gil Vicente uma base fundadora, e por outro, na Commedia Dell’Arte - que se baseava nos improvisos à volta de arquétipos de personagens mascarados. Nas paródias não é pedida a suspensão da descrença ao espectador. Ele sabe que as personagens não são de pele e osso, é a situação que domina a narrativa.
Quando aceitei fazer a cine-paródia “farsa-trash-chunga-etc” Virados do Avesso ouvi dizer: “O que é que um cine-artista de vanguarda faz numa comédia popular?” Há quem diga que “o Pêra, ao fazer um filme “normal/comercial”, enlouqueceu”. A dado momento do filme a irmã do protagonista (um gay que na sua amnésia se julga hetero) diz-lhe, escandalizada: “Esta situação não é normal!” ao que este responde: “O que não é normal é virem a minha casa dar palpites sobre o que eu devo ou não devo fazer”. Não podia haver melhor resposta. Passei a vida a fazer filmes virados do avesso e este Virados do Avesso questiona a normalidade (até na sua forma excêntrica de representação) mas não prega uma (só) moral (apesar de todas as comédias serem moralistas). É uma farsa que se serve dos clichés para obter uma gargalhada. O seu principal objectivo é a boa disposição (tão necessária em tempos de crise). O inevitável Godard afirmou um dia que não se deveria mostrar os problemas sem apresentar alternativas. A comédia apresenta alternativas ao sofrimento. Rir é uma das formas de pensar sobre um assunto. O nosso corpo pensa antes de nós, libertando risos e sorrisos. A gargalhada faz sempre bem, mesmo quando a estupidez é rainha. Quem sou eu para questionar as gargalhadas do Outro? Como diria Woody Allen (através de Larry David): “Whatever works” (for you is good). É preciso rir e cada um escolhe a sua forma de rir, de acordo com as suas idiossincrasias e respectivo contexto social. E como é possível que se tenha realizado um filme comercial e revisteiro depois de assinar algo de tão “radical e alucinatório” como Lisbon Revisited? Pois bem, exactamente por ter feito Lisbon – um filme que transcende a visão “normal” da realidade, i.e. o sistema perceptivo humano “normal” – para construir um universo próprio, foi depois uma libertação fazer uma tarefa “normal”. E vice-versa: depois de Fazer Virados do Avesso dei muito mais apreço à liberdade dos meus projectos pessoais. Transpus uma fronteira, visitei a 6
barómetros para medir a tensão arterial. Infelizmente, e ao contrário de outras áreas da crítica, todos escrevem sobre tudo, usando os seus preconceitos estéticos para avaliar filmes de qualquer género, até mesmo aqueles que desprezam à partida. Não adianta comparar Lady Gaga com Mozart. Querer comparar um filme disparatado com um filme sóbrio é ridículo. Mas vivemos numa sociedade em que todos são sábios ou estagiários. Já não há especialistas. Por outro lado, como diria Robert Heinlein “a especialização é para os insectos” e então precisamos de críticos multi-disciplinares. E, como afirmou Raymond J. Haberski (“It’s Only a Movie”) em vez de “árbitros culturais” - ávidos por detectar falhas e faltas - precisamos de “facilitadores”: cine-letrados que mostrem o que os outros não sabem ver, que analisem as múltiplas dimensões de um filme escolhendo as lentes adequadas . E que descubram pérolas no meio da kine-lixeira e lixo nas obras-primas. Arqueólogos cine-ecológicos do presente, que procuram indícios de momentos que serão fixados no futuro. Não posso avaliar o filme, mas posso avaliar a reacção de muitos dos seus espectadores. Há muito que não ouvia tantas gargalhadas colectivas. Quando lerem este artigo, Virados do Avesso rondará os 100.000 espectadores. Mais espectadores (portugueses) do que os de todos os filmes Pêra juntos?!? Agora não digam que os cineastas de vanguarda fazem filmes esquisitos porque não sabem fazer filmes “normais”, isto é “comerciais”. Virados foi feito a pensar na massa de espectadores formatados pela televisão e que raramente se levantam do sofá. Chama-se a isso construir pontes. Entre os espectadores e os autores. Será que agora alguns deles se arriscarão a ver os meus futuros filmes - aqueles a que habituei os “espectadores de vanguarda”? Não faço ideia. De qualquer forma, fazer o filme foi um desafio por si só. Foi uma experiência e pêras. Uma rodagem árdua, abreviada e intensa (14 dias e 2 horas). Houve muitas sequências que foram rodadas num só plano de forma a realçar a performance dos actores. Também pedi que improvisassem de forma a que aderissem às personagens com mais espontaneidade. Com sorte algumas das suas cenas poderão figurar no panteão do cinema revisteiro português, como a do Vampiro Ciclista e o Zombie Escuteiro versus a Sociedade Protectora de Autores... mas o filme não foi feito a pensar em glórias ou louvores. Talvez em Portugal possa existir, a par de um cinema de autor apoiado institucionalmente, feito a pensar no património futuro, um cinema dirigido ao grande público de hoje, de iniciativa privada. E que - se tiver sucesso - seja apoiado pelos ministérios competentes, da economia e da indústria e etc.. E que, então, com os conhecimentos adquiridos se possa montar uma micro-indústria de cinema português. Porque é mais fácil para um cineasta independente viver nas margens se existir um centro, um motor que alimente os trabalhadores e os espectadores. E a sua imaginação. Pela minha parte, procurei cometer um crime imperfeito, sem pretensões a obra-prima. Esse tipo de vaidades fica para o ano que vem. Até lá um bom 2015. E seguintes.
micro-indústria da comédia portuguesa que floresceu nos últimos anos, e regressei para contar como foi viver na Nano-Hollywood. Realizei uma tarefa, num espírito zen, deixando que as coisas fluíssem de acordo com as características de cada um, com o mínimo de interferência na inter-acção humana. Só tinha um compromisso, fazer o melhor possível de forma a que o filme chegasse pelo menos aos 100.000 espectadores. Cem mil pessoas. Um grupo significativo de gente do nosso país. Um movimento. Paradoxal. Vanguarda da Rectaguarda, filmes que são o reflexo daquilo que já foi feito, uma súmula dos clichés fixados nas últimas décadas. Pastiches e paródias. Mas a paródia, como assinalou Linda Hutcheon, pode ser “ameaçadora, mesmo anárquica, e põe em causa a legitimidade de outros textos.” e relembra que as sátiras gregas eram apresentadas depois de 3 tragédias, resumindo e ridicularizando-as. Até Zola fez versões cómicas dos seus dramas. Há um impulso para apatetar o que já foi sério. Pôr em perspectiva. Ao rir colocamo-nos num ponto de vista privilegiado. Acontece sobrevalorizar-se a componente estética quando se analisa um filme ou um livro. No entanto, com essa atitude, desprezam-se outras sensações e sentimentos despertados por essas obras. A obra-prima será aquela que conjuga todos esses elementos, mas se esquecermos essas excepções o que fica? Obras multi-dimensionais que provocam sensações parcelares. Não adianta querermos sobrevalorizar a componente estética de um filme que só se preocupa em fazer rir. Isto não quer dizer que as comédias têm de ser objectos feiosos, mas não têm de ser Miss Cine-Mundos para cumprirem os seus objectivos. Quanto àqueles que vêem apenas boçalidade neste tipo de filmes disparatados (o disparate é a arte de sair da linha, é a arte de desalinhar), não há nada a fazer. Vivem em universos paralelos. Ainda confundem arte e entretenimento e usam chaves de fenda para martelar pregos e 7
ENSAIO
© CÉSAR GOMES
Strangers On a Train
Filme sobre a transferência de culpa, Strangers on a Train convoca o espectador, tornando-o voyeur e cúmplice de um acto condenável.
Strangers on a Train (1951) resgatou Alfred Hitchcock dos fracassos comerciais resultantes das duas obras anteriores (Under Capricorn, 1949, e Stage Fright, 1950) ao tornar-se num êxito de público e de crítica. O próprio realizador escolheu o romance, pagando pelos direitos de autor uma quantia modesta, uma vez que Patricia Highsmith era, na altura, uma jovem autora em início de carreira. A sequência de abertura revela-se peculiar: a câmara, ao nível do chão, fixa-se nos pés de duas personagens, mostrando, em separado, e utilizando planos similares para cada uma, que ambas se comportam de modo idêntico - saem de táxis, dirigem-se para o interior da estação, deslocam-se no comboio, sentam-se e cruzam as pernas. O movimento que produzem é sempre no sentido de um ponto central comum; uma personagem desloca-se da esquerda para a direita, a outra, no sentido inverso. Esta fixação da câmara em dois homens indica ao espectador que a escolha daqueles pés não é inocente: adivinha-se que algo vai suceder com ambos conhecendo-se ou não, os dois homens vão cruzar-se. Logo nos primeiros planos são introduzidas três esferas preponderantes na obra; a nível estrutural, o comportamento mimético de Bruno e de Guy, que os aproxima, também os caracteriza como opostos, metonimicamente, pelos sapatos (a sobriedade de um contrasta com a exuberância do outro). A nível erótico, insinua-se uma certa atmosfera de sexualidade e de fetichismo (sapatos/pés/pernas1), sublinhada pela forma exclusiva como a câmara segue uma parte do corpo relacionada com a sensualidade. Em inúmeros filmes de Hollywood, marcados por um ponto de vista sexuadamente masculino, a primeira visão que a câmara oferece de uma mulher - regra geral, com um estonteante sex-appeal - restringe-se aos pés e/ou às pernas (recorde-se, a título de exemplo, a aparição de Lana Turner em The Postman Always Rings Twice ou Barbara Stenwick descendo as escadas em Double Indemnity). Ora, em Strangers on a Train, esta perspectiva encontra-se subvertida, uma vez que o interesse da câmara não se focaliza na mulher, mas
1 Atente-se igualmente que será um pé a desempenhar o papel de detonador da intriga. 8
O filme é também uma perfeita ilustração daquele que Claude Chabrol e Eric Rohmer, no livro que escreveram sobre Hitchcock, consideram o tema central da sua obra: a transferência da culpabilidade. O tema é aqui abordado de modo quase literal: um desequilibrado propõe a um desconhecido matar a mulher dele e espera que ele lhe retribua o “favor”.
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no homem. Por fim, a terceira esfera, relacionada com a técnica cinematográfica, tem que ver com a utilização da montagem paralela (intimamente ligada às anteriores). De entre os dois homens, é Bruno o primeiro a atrair a câmara, sendo Guy o “imitador”: Bruno sai em primeiro lugar do táxi, é ele que desaparece em primeiro no interior da estação, seguindo-lhe Guy os passos. Mostra-se, assim, que Bruno não teve qualquer papel na origem do encontro e insinua-se também, metaforicamente, a fraqueza de Guy Bruno segue à frente, desbravando caminho. Os rostos dos dois homens mantêm-se incógnitos durante a sequência inicial, sendo apenas revelados, quando um (Guy) toca, por acidente, no pé do outro (Bruno). Ao toque do pé, a câmara abandona o chão e mostra Bruno e Guy em posições simetricamente opostas - um em cada lado do écran. Estabelece-se de imediato um diálogo, em que as personagens se caracterizam por uma notável economia de meios; o mesmo sucede no que diz respeito às informações essenciais para o estabelecimento da acção. A escassez de planos referentes aos rostos é agora colmatada pelo uso do campo/contracampo, que reforça a distância existente entre as personagens. No entanto, essa distância irá ser anulada por Bruno ao entrar - ao invadir - um plano ocupado apenas por Guy, apresentando-se e sentando-se ao lado do tenista, procurando a proximidade física. O contraste criado desde o início é agora confirmado: Guy é tenista, tem ambições políticas, vai divorciar-se para poder casar com a filha de um senador - institui-se como um homem de acção e por isso é admirado por Bruno. Este, ao invés, foi expulso de três universidades - devido ao jogo à bebida - e mantém uma vida ociosa. Esta diferença, primeiramente enunciada pelos sapatos, confirma-se pelo resto do vestuário, mas não só; também o modo de estar dos dois homens o evidencia: Guy mais reservado e tímido, Bruno mais expansivo, Guy, o (aparente) homem de acção, a adoptar um papel passivo permitindo que Bruno desempenhe o activo, o que se irá tornar quase fatal para o primeiro: a força energética de Bruno manobrará Guy com ameaçadores efeitos destrutivos. A abertura do filme desenvolve, então, o motivo do duplo, transmitido por meio de elementos visuais, sonoros e elementos ligados à utilização da montagem paralela. Ao longo do filme irão abundar outros; num inventário não exaustivo podem apontar-se os seguintes: as duas irmãs (Ann e Barbara, esta um duplo de Miriam), os dois polícias, as duas senhoras idosas, os dois amigos de Miriam ou as bebidas que Bruno pede (“a pair, doubles”). Também o próprio Hitchcock, na aparição que faz no filme, possui o seu duplo: subindo para um comboio, de onde Guy acaba de sair, carrega um imponente contrabaixo. As personagens principais funcionam então como duplos, como uma variação de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, em que uma (Bruno, o superego de Guy) cumpre os desejos proibidos da outra. No primeiro contacto, o rosto de Bruno encontrava-se atravessado por sombras horizontais, em forma de barras, indiciando desta forma algo associado à escuridão. Ora, esta característica irá
contaminar o tenista: à medida que o filme progride e que a pressão de Bruno aumenta, Guy abandona a luz, vendo-se cada vez mais rodeado de sombras. Enquanto dialogam, no compartimento de Bruno, o isqueiro de Guy surge em primeiro plano, chamando-se a atenção do espectador para um objecto que, de anódino, passará a nuclear. O valor simbólico de que se reveste não é, obviamente, de descurar: a inscrição “A to G” significa “Ann to Guy”, mas Bruno lê-a de outra forma - “Anthony to Guy” - sancionando deste modo o aval que Guy já dera às suas teorias criminais. O espectador sabe, pelo tom paternalista, que Guy não levou a sério a proposta da troca de crimes, mas, para Bruno, qualquer dúvida que tenha permanecido no espírito é dissipada pela inscrição do isqueiro As suas palavras, que fecham a cena, são elucidativas: “Crisscross”. Bruno é, em toda a cena do encontro, o protagonista, o verdadeiro homem de acção, a personagem em que a câmara se demora mais, como que fascinada pelo seu discurso. Guy, a personagem em que era suposto encarnar a acção, não é mais do que um simulacro, uma imagem falsa que se mostra incapaz de lidar com o dinamismo do futuro assassino. Encontramo-nos, então, perante personagens inseguras da sua identidade, por motivos distintos, vacilantes entre dois pólos: Bruno entre a vida e a morte, entre a realização e o fracasso, entre o amar e o ser amado, e Guy entre a ordem e a desordem (do passado e do presente), entre a mediocridade e a excelência prometida por uma carreira política. A passividade do tenista é reiterada na visita à loja de discos onde trabalha Miriam, a sua mulher. Ao invés de entrar, decidido, Guy exibe uma evidente expressão preocupada. Guy sabe de antemão que vencer Miriam é uma tarefa demasiado árdua para si. É no espaço fechado da cabine (portanto, sem saída aparente) que o confronto entre ambos se dá. A cena, filmada em plano sequência por uma câmara que se mantém distante das personagens - aproximando-se apenas quando ocorre o contacto físico, fechando-as assim num espaço ainda mais exíguo -, é significativa a vários níveis. Primeiro, dá-se o contacto inicial do espectador com a personagem e, tal como sucedera com Bruno e Guy, Miriam é caracterizada de forma exemplar, sendo exposta a sua faceta que é fulcral para o desenrolar da narrativa. Depois, fica demonstrado que Guy não possui a capacidade de lidar com situações em que tenha que exercer domínio sobre o outro. Como reacção, sentindo estar a falhar no papel de dominador, Guy eleva a voz e utiliza a força física, agarrando a mulher que, no entanto, não se deixa impressionar. Por fim, o modo como a cena se encontra filmada é assombroso, indicando a câmara que não há, na realidade, uma solução que se vislumbre para a discórdia. Guy vê-se então sem saída e, ao telefonar para Ann, admite o seu desejo de estrangular Miriam, sendo obrigado a repeti-lo, gritando-o porque o ruído de um comboio lhe abafa a voz. Assim que Guy grita “I said I could strangle her!”, o seu rosto funde-se, num perturbante raccord, com duas mãos em grande plano, em posição de estrangular: a transferência do 10
A abertura do filme desenvolve o motivo do duplo, transmitido por meio de elementos visuais, sonoros e elementos ligados à utilização da montagem paralela. Ao longo do filme irão abundar outros.
desejo consuma-se. A câmara desliza num travelling à rectaguarda, descobrindo o espectador que as mãos pertencem a Bruno (quem mais?) e que acabaram de ser tratadas pela mãe (preparou-lhe, literalmente, as mãos para o crime). Chegado a Metcalf, de comboio, ao cair da tarde, Bruno espera com paciência que a sua vítima saia de casa. A partir deste momento, ele assume-se como uma personagem definitivamente nocturna. A perseguição a Miriam irá conduzi-lo ao parque de diversões, local onde decorrerão duas das cenas mais celebradas do filme: a morte de Miriam e o combate final entre Bruno e Guy. De Miriam, o espectador descobre mais uma faceta, sendo sublinhado o seu carácter devorador (a vários níveis, entre os quais o sexual): encontra-se na presença de dois amigos, revela um apetite voraz e o modo como lambe o gelado é por demais sugestivo. É precisamente enquanto come o gelado que os seus olhos descobrem Bruno, iniciando-se um jogo de sedução em que Eros e Thanatos se encontram intimamente ligados. A insaciabilidade da personagem leva-a a querer experimentar várias diversões (que funcionam como preliminares?) numa constante e frenética excitação. Bruno tem a oportunidade de demonstrar a sua força e de impressionar Miriam, ao alcançar uma proeza em que os acompanhantes dela falharam: atingir o cimo do poste com a pancada do martelo. O poste constitui de forma inequívoca um símbolo fálico (dado em contrapicado) e, por conseguinte, a façanha reveste-se de uma poderosa carga sexual. Um passeio de barco leva-os até à ilha do parque; fugindo dos amigos, em mais uma brincadeira, e aproximando-se da câmara até ficar em grande plano, Miriam vê-se
interpelada por uma voz e por uma mão que segura um isqueiro - um duplo reflexo brilha nas lentes dos óculos da vítima. À resposta afirmativa à questão “Is your name Miriam?”, a mão abandona o isqueiro, sai de campo para reentrar de imediato, desta feita para se enroscar, com a outra, no pescoço da jovem. Bruno entra, por fim, em campo, de costas, e vemos a vítima em agonia. O plano seguinte, um dos mais citados da obra, mostra o crime reflectido numa lente dos óculos caídos no chão, uma metáfora do próprio filme, em que as personagens principais não representam mais do que isso mesmo: reflexos distorcidos uma da outra. Enquanto isso, escuta-se a música do carrocel, omnipresente durante toda a sequência, que, em conjunto com o reflexo da chama na lente, irá tornar-se fundamental na progressão da diegese, adquirindo o estatuto de leitmotiv, ao sublinhar estados psicológicos ou conexões entre as personagens. A relação que une Bruno a Guy é (mais uma vez) confirmada pelo raccord que estabelece a ligação entre o primeiro, que sai da feira, e o segundo, que viaja num comboio: o criminoso olha o relógio e o inocente imita-o. Guy regressa a casa, porém não chega a transpor a porta: uma voz chama-o. Mergulhado na penumbra, Bruno assinala a sua presença e Guy junta-se-lhe. Posicionando-se por detrás do gradeamento do portão, enquanto Guy se mantém “livre”, Bruno anuncia-lhe a novidade, oferecendo um presente, uma prova da morte de Miriam - os óculos - que, para seu genuíno espanto, não será recebido com a reacção esperada. O criminoso oferece a liberdade a Guy, mas este aceita a culpa - a polícia chega e Guy, rápida e instintivamente, coloca-se atrás de Bruno, ficando, portanto, ambos com as grades à frente e protegidos pelas sombras. O 11
nervosismo de Guy contrasta com a calma de Bruno, tornando-se claro que aquele que se caracteriza pela inocência se sente tão culpado (e que de tal facto está consciente:”You make me act like a guilty man.”) como o que cometeu, na realidade, o crime. A psicologia da personagem Guy irá, então, desempenhar um papel de destaque - é a sua consciência que vai condicionar toda a intriga posterior: caso a transferência de culpa não ocorresse, Guy seria livre para denunciar Bruno, o que não se verifica. Bruno cumpriu a sua parte no acordo, e, perante a recusa de Guy em fazer o mesmo, começa a pressioná-lo psicologicamente. A cena da festa constitui uma unidade dramática de enorme importância para a obra, uma vez que comporta vários aspectos relevantes. Bruno conversa com duas senhoras que, instigadas por ele, avançam com sugestões para matar os maridos, sugestões ainda mais sanguinárias do que as do criminoso e entrecortadas por risinhos de quem sabe estar a ser mal-comportado. O tom paródico do diálogo é cortado de forma brusca, sendo substituido por um tom antitético: ao pretender demonstrar a arte do estrangulamento, os olhos de Bruno desviam-se do pescoço da idosa para se fixarem em Barbara, que, em segundo plano e desfocada, se tinha vindo colocar atrás daquela. Bruno vê na irmã de Ann a sua vítima. Surge a música do carrocel e o rosto de Barbara contrai-se, como que sofrendo, enquanto se escutam os aflitos sons guturais de Mrs. Cunningham, prestes a sucumbir. A senhora é salva por alguns convidados e Bruno desmaia. A câmara fixa-se em Barbara, que compreendeu que era o objecto do estrangulamento. Da festa retenha-se também o diálogo de Guy e de Bruno no escritório do senador, onde ficam sós. Guy, de pé, acusa Bruno (sentado) de louco, enquanto este, já de pé, responde “But Guy, I like you”. O tenista perde as estribeiras e a violência que não ousara para com Miriam, emerge agora. O uso da força física é magnificamente filmado e montado, sustentando a oposição básica entre as personagens através da dupla visão subjectiva - a de Bruno: punho de Guy contra a câmara, plano negro, corte; a de Guy: plano branco, rosto de Bruno, que, indefeso, cai no sofá. Este, naturalmente, ameaça o agressor (“You shouldn’t have done that, Guy.”), que mantém a atitude de força, dando uma ordem a Bruno (“Come on, pull yourself together!”), mas esse controlo é de imediato anulado por si próprio ao oferecer-se para lhe compor o laço, acto que sugere mais do que um mero sinal de tréguas. O episódio termina com ambos a saírem de casa, em direcção às sombras, Guy levando pelo braço um Bruno debilitado. Será o momento em que Bruno e Guy se encontram mais próximos um do outro a nível sentimental e sexual, algo insinuado desde o primeiro encontro. Esta corrente subterrânea homoerótica não faz aqui a primeira (nem a última) aparição na obra de Hitchcock: recorde-se Murder (1930), Rope (1948), Psycho (1960) ou Frenzy (1972). Se o sentimento de Guy em relação a Bruno se mantém ambíguo, o de Bruno em relação a Guy já se mostra menos indefinido. Logo no encontro inicial, o interesse de Bruno, exuberante
no vestuário e no gesto, por Guy revela-se excessivo. Visto sob esta perspectiva, o comentário de Barbara -“I still think it would be wonderful to have a man love you so much he’d kill for you.”- pode, numa leitura cruzada, adquirir uma inesperada reverberação ao ligar-se à confidência que Bruno faz a um homem que acabou de conhecer-“I like you. I would do anything for you.”. Sendo Bruno o superego de Guy, poderá representar igualmente a emergência de uma faceta da sexualidade que este deseja elidir; afinal, Guy empenha-se em adoptar comportamentos “normais” que não levantem suspeitas – embora a sua relação com Ann seja muito pouco tórrida. Tudo se mantém no subtexto, nada sendo afirmado, nada sendo negado. A progressão lógica da diegese será o não cumprimento do acordo por Guy que, não obstante, na penumbra, telefona a Bruno, anunciando-lhe que irá cumprir a sua parte. Com a personagem no interior da mansão dos Anthony, ocorre o primeiro momento de suspense da cena: a câmara, colocada nas escadas, afasta-se de Guy para mostrar o cão vigilante, ameaça que o espectador vê antes do herói. A música, a montagem e a utilização da câmara subjectiva (subindo com lentidão as escadas) sublinham o tempo suspendido de modo a melhor manipular a ansiedade da personagem e, claro, a do espectador. O magnífico insert da cabeça do cão a lamber a mão de Guy, a uma velocidade lenta, dá a resposta a esses anseios. O efeito de suspense é seguido por um efeito de surpresa: Guy não mata Mr. Anthony, antes o avisando - o que representa o turning point do filme. A surpresa resulta do facto de a luz, entretanto acesa, revelar Bruno no lugar do pai, conhecendo este de tal modo Guy que se sujeita a (hipoteticamente) ser alvejado e morrer. O comentário de Bruno é bastante apropriado: “I don’t like to be doublecrossed.”, afinal, tradução do sentimento que Guy experimentou quando Miriam recusou o divórcio - e assinala a demarcação que vai separar as personagens a partir deste momento. Bruno permite a Guy a retirada, mas apenas porque se prepara para algo superior: “I’ll think of something better.” (que será deixar o isqueiro de Guy na ilha). No torneio de ténis, jogo adquire uma dupla significação, reportando-se aos oponentes no campo de ténis e aos oponentes que centralizam o filme. O suspense adensa-se: ambas as personagens lutam contra o tempo - Guy, pretendendo ganhar o jogo de modo a poder chegar à feira ainda de dia, Bruno esperando com ansiedade que a noite chegue - o primeiro a sair da penumbra, o segundo mantendo-se nela até ao fim. Já no comboio, o tenista olha o sol e o relógio, sendo (pela primeira vez) imitado pelo criminoso. A noite chegou e, tal como Bruno perseguira Miriam na feira, desta feita é Guy que o persegue. O conflito resolver-se-á no carrocel, única saída vislumbrada por Bruno, seguido prontamente por Guy. À semelhança do que sucedera com Guy e com a sua vida, sem comando, o carrocel descontrola-se perigosamente e é no turbilhão provocado por esse desgoverno que Guy tem por fim a coragem e a oportunidade de vencer Bruno - em jogo está, não apenas a sua inocência, 12
O plano, um dos mais citados da obra, mostra o crime reflectido numa lente dos óculos caídos no chão, uma metáfora do próprio filme, em que as personagens principais não representam mais do que isso mesmo: reflexos distorcidos uma da outra.
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
mas também a sua vida. Mesmo quando já se encontra moribundo, Bruno não admite a derrota, obstinando-se em negar possuir o isqueiro de Guy. Um grande plano vem desmenti-lo: ao expirar, a mão abre-se, já impossibilitada de esconder o precioso objecto. Porém, a morte de Bruno impede Guy de se tornar num verdadeiro herói, já que não o conseguiu vencer pelos seus próprios meios. Por fim, provada a inocência, Guy vê perante si um futuro brilhante, mas o final do filme, com um carácter paródico, revela-se ambíguo. Durante uma viagem de comboio, ao ser interpelado por um padre que coloca uma pergunta com o mesmo teor da de Bruno no início, Guy, prestes a responder do modo afirmativo, decide que a melhor resposta é sair com Ann da carruagem; a nível simbólico, a fuga ao padre não augura nada de bom quanto à relação amorosa de ambos. Filme sobre a transferência de culpa, Strangers on a Train convoca o espectador, tornando-o voyeur e cúmplice de um acto condenável. Que o vilão Bruno Anthony suscite uma maior simpatia do que o herói Guy Haines, não surpreende - para além de, como actor, Robert Walker ser bastante mais poderoso do que Farley Granger, a sua personagem assume-se como paradigmática dos vilões que constituem o centro da obra à volta do qual tudo gira. Trata-se, também, de um filme sobre o controlo (e a falta dele) - o controlo das personagens em relação a si próprias e às outras - e sobre a precaridade do sujeito enquanto um todo, demonstrado pela luta que ocorre no indivíduo entre o seu consciente e os seus desejos recalcados, luta que sanciona a estrutura paralelística em que a obra se alicerça.
AA. VV., In Alfred Hitchcock’s, 1982, Lisboa, Cinemateca Portuguesa / Fundação Calouste Gulbenkian. BARTON, Sabrina, “Paranoia and Projection in Strangers on a Train”, Corey K, Creekmur and Alexander Doty, ed, Out in Culture. Gay, Lesbain and Queer Essays on Popular Culture, 1995, Durham and London, Duke University Press. CHABROL, Claude et Eric Rohmer, Hitchcock, s/d [1987], s/l, Editions Universitaires. CORBER, Robert J., “Reconstructing Homosexuality: Hitchcock and the Homoerotics of Spectatorial Pleasure”, Discourse, Theoretical Studies in Media and Culture, Spring-Summer 1991, vol. 13, nº 2, p. 58-82. TRUFFAUT, François, Hitchcock Diálogo com Truffaut (trad. port. Regina Louro), 1987, Lisboa, Publicações D. Quixote. WOOD, Robin, Hitchcock’s Films Revisited, London, Faber and Faber, 1991.
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CHANTAL AKERMAN
Adaptado do texto original escrito no contexto da formação “Vanguardas e Estéticas no Cinema”, promovida pelo Cine Clube de Viseu e pela Escola Superior de Educação de Viseu, de 30/11/2013 a 29/03/2014.
© M A R G A R E T E LO P E S R O D R I G U E S
La Chambre
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O lugar da mulher em casa, a sexualidade feminina, em particular a homossexualidade feminina, a sua vida banal e rotineira, a sua privacidade, as suas memórias, os seus desejos e fantasias,...
Nascida na Bélgica em 1950, Chantal Akerman decidiu aos 15 anos, depois de ver Pierrot le fou (1965), de Jean-Luc Godard1, que iria fazer filmes. Após o seu primeiro trabalho cinematográfico, Saute ma ville (1968), viveu durante algum tempo em Nova Iorque, onde conheceu o trabalho de realizadores independentes como Jonas Mekas, Michael Snow (cujo La Région centrale, de 1971, foi determinante para a cineasta) e Andy Warhol; conheceu igualmente, nesse período, Babette Mangolte, que viria a ser diretora de fotografia em muitas das suas películas. Obteve um grande reconhecimento por parte da crítica com Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975), por muitos considerado um marco na história do cinema. Entre os seus filmes que merecem mais referências encontram-se também Hôtel Monterey (1973), La Chambre (1973), Je, tu, il, elle (1974), News from Home (1977), Les Rendez-vous d‘Anna (1978), L’homme à la valise (1983), Paris vu par... vingt ans après 1 Chantal Akerman refere-o em várias entrevistas; a título de exemplo, nesta entrevista para a Criterion Collection, em 2009: www. youtube.com/watch?v=vCxr2x1-M3g. 15
episódio “J’ai faim, j’ai froid”(1984), D’Est (1993), Un Divan à New York (1996), Sud (1999), La Captive (2000), De l’autre côté (2002), ou ainda, Là-bas (2006). Dos cerca de quarenta filmes realizados (entre 1968 e 2011), e pesem embora a diversidade e a ambiguidade de géneros, ressalta uma notável homogeneidade autoral, ressalta, na verdade, aquela marca que nos faz ver num filme o seu realizador e filiar um trabalho cinematográfico na sua família, neste caso, a família Chantal Akerman. São temas com alguma recorrência na sua obra: a mulher (o lugar da mulher em casa, a sexualidade feminina, em particular a homossexualidade feminina, a sua vida banal e rotineira, a sua privacidade, as suas memórias, os seus desejos e fantasias,...) e a minúcia dos aspetos da vida quotidiana, mas também questões como a identidade, a história, a guerra e os traumas dela resultantes, o racismo, a imigração ilegal ou o terrorismo no Médio Oriente, em abordagens a que não são alheias, como aponta Cíntia Gil, a assunção da realizadora “(...) como uma herdeira: da história de um povo (o judaico), da história de uma família (a sua família), de uma história do cinema (...)”2. A centralidade da mulher na sua obra (com a criação de personagens femininas, que, por vezes, a realizadora interpreta) tem-lhe valido o epíteto de feminist film-maker, epíteto por ela rejeitado com veemência. 3 Frequentemente, os seus filmes são desprovidos de uma intriga em termos canónicos e exploram as ações que na narrativa cinematográfica convencional ficam remetidas para elipses; os diálogos, na maior parte dos casos, ou são pouco abundantes ou pouco perceptíveis e aparece, por vezes, uma voice over. Muitas vezes os filmes decorrem em tempo real (numa coincidência de
MATÉRIA PROBLEMÁTICA Chantal Akerman é uma realizadora que se assume, sempre, como uma herdeira: da história de um povo (o judaico), da história de uma família (a sua família), de uma história do cinema que a despertou como um choque aos 15 anos ao ver Pierrot Le Fou (Jean-Luc Godard) e depois aos 21 com Região Central (Michael Snow). Mas falar de herança implica também falar da maneira como essa herança é, na sua obra, matéria espácio-temporal que se posiciona em cada momento como um todo em questão. Chantal chega-nos de uma tradição, que pensa o seu presente sempre por relação a um tempo imemorial. E se tal afirmação, posta assim, parece obscura, deixa de o ser se fizermos então o esforço de nos recusarmos a olhar a sua obra como um conjunto fragmentário, de descontinuidades, repetições e variações, mas a olharmos como um todo. A partir de alguns momentos fundamentais da sua obra, descobrimos o modo como o real é aí tomado enquanto matéria problemática, num cinema que se constitui para lá da definição de géneros. No encontro com questões como o amor, a produção cinematográfica, o processo criativo, a problemática histórica, até ao binómio entre autoria e identidade pessoal, os seus filmes trazem-nos um presente desestabilizado por uma profunda intuição da história enquanto matéria problemática.
2 Da ficha informativa da sessão orientada por Cíntia Gil, no âmbito da formação “Vanguardas e Estéticas no Cinema”. 3 Essa rejeição decorre de numerosas afirmações bastante explícitas da realizadora sobre o assunto; como exemplo, transcrevo a seguinte: “I won’t say I’m a feminist film-maker ... I’m not making women’s films, I’m making Chantal Akerman’s films. (London, 1979) I do think [Jeanne Dielman] is a feminist film because I give space to things which were never, almost never, shown in that way, like the daily gestures of a woman. (Camera Obscura, 1977:118), apud www. palgrave-journals.com/fr/journal/v3/n1/full/fr197919a.html
CÍNTIA GIL Membro da direcção do Doclisboa – Festival Internacional de Cinema e investigadora do “Aesthetics, Politics and Arts” Research Group, Instituto de Filosofia 16
Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975)
Hôtel Monterey (1973)
La Chambre (1973)
e também “esta ‘natureza morta’ configura um espaço que há de ser também tempo, porque memória de vivências privadas da personagem” 17
LA CHAMBRE Numa conferência, em 1987, Gilles Deleuze, discorrendo sobre o ato criativo, propôs a seguinte resposta à hipotética pergunta “O que fazem os cineastas?”: os cineastas inventam, fazem, fabricam “blocos de movimento-duração” (“blocs de mouvement-durée”).5 Foi o visionamento recente desta conferência que, de forma definitiva, me fez querer escrever sobre La Chambre. Esta curta-metragem, a cores e sem diálogos ou qualquer forma de som, decorre, à semelhança de outros filmes de Chantal Akerman (Hotel Monterey e Je, tu, il, elle, por exemplo), no espaço interior e privado de um quarto cujas áreas (que dir-se-ia constituírem uma casa) nos vão sendo reveladas à medida que a câmara se desloca. Esta começa por fazer, vagarosamente, duas panorâmicas horizontais de 360 graus à volta do quarto; subitamente, a meio daquela que seria a terceira volta, suspende o movimento para recuar e passar a fazer uma sucessão de meias voltas, igualmente vagarosas, que têm no seu centro – elevado, desta forma, a espaço mínimo ou essencial – a personagem feminina (interpretada pela realizadora). Estando numa das extremidades do quarto, mas não imediatamente encostada à parede, a câmara fica, talvez de modo deliberado, mais próxima de alguns móveis e objetos, todavia mais afastada da mulher. Dos elementos físicos que compõem um espaço cinematográfico transparece uma certa “ideia de cinema” e julgo que é impossível não ver, neste filme, a ideia da memória, tão presente em diversas obras de Akerman. Com efeito, entre os objetos que observamos (alguns em grandes planos e muito grandes planos), estão objetos pessoais, estão também móveis muito diferentes entre si, como se proviessem de várias casas ou tivessem sido adquiridos em alturas diversas, e está, ainda, o que vulgarmente se encontra numa cozinha, como um fogão (que ostenta de forma casual uma chaleira a acusar bastante uso), ou uma mesa com alimentos e louças. Diferentemente, porém, das maçãs de Cézanne, que, no dizer do historiador norte-americano Meyer Schapiro, “suspensas entre a natureza e a utilidade, existem apenas para serem contempladas”, esta “natureza morta” configura um espaço que há de ser também tempo, porque memória de vivências privadas da personagem. Com efeito, no cinema, o espaço é já tempo e o tempo surge, assim, alongado pelos planos que, com minúcia, revelam a casa e as ações da personagem. É a circularidade da câmara à volta daquele espaço que faz um trabalho de plasticização do tempo, ditando a sua circularidade e a das ações nele inscritas e contribuindo para as inscrever numa matriz de banalização quotidiana. Parece haver uma relativa coincidência entre o tempo físico e o tempo diegético, pois nem diferenças de luz, nem mudanças de objetos (como sucede noutros filmes da autora) assinalam uma significativa passagem do tempo.
Se é “preciso ver os filmes para ver neles o cinema que lá está, como ver a pintura nos quadros, a literatura nos romances, a escultura nas estátuas, etc.”, neste filme o cinema está precisamente na forma como esta câmara assume a essencial constituição do espaço-tempo
tempo físico e diegético) e com uma câmara relativamente estática – características que adiante retomarei a propósito de La chambre. Nas últimas duas décadas, Chantal Akerman tem realizado igualmente trabalhos no campo das artes visuais. Estas instalações constituem, não raro, reinterpretações e revisitações dos seus filmes, alargando e aprofundando, através dos novos formatos e das novas linguagens específicas de cada meio, o caráter experimentalista e de vanguarda da sua obra.4 Pertencente a uma geração de cineastas herdeiros, em certa medida, da estética da nouvelle vague, expoente máximo no cinema de autor contemporâneo (com influência visível numa série de cineastas atuais), presença no júri de alguns festivais de cinema internacionais e com incursões pontuais no ensino superior como leitora, esta cineasta ainda não teve, contudo, o espaço e a divulgação que a sua obra merece.
4 “The [video] installations constitute an important means both of investigating the cinematic medium and of offering a retrospective interpretation of her cinematic work. It is an act of interpretation that is undertaken by means of another medium, which dictates unique means of display and observation. A more personal, independent, and intimate medium, video allowed Akerman to focus on the autobiographical dimension of her work and to examine questions of belonging, displacement, exile, wandering, home, and family. The continuous loop in which her video works recur amplifies their thematic obsession.”, Edna Moshenson, in Chantal Akerman: A Spiral Autobiography, Tel Aviv, Tel Aviv Museum of Art, 2006, apud fillip.ca/content/ screens-of-film-video-memory-and-smoke.
5 https://www.youtube.com/watch?v=7DskjRer95s 18
A personagem feminina está semideitada numa cama, de lado, de forma a ficar de frente para a câmara e, embora não esteja nua, a sua posição faz-nos pensar, imediatamente, em inúmeras representações da figura feminina de pintores de diversas épocas.6 Numa primeira passagem da câmara, ela faz apenas alguns movimentos, repetidos, algo rígidos e artificiais, com a cabeça; seguidamente, aparece deitada, com um braço no interior da cama, o corpo a descrever movimentos ondulantes (talvez a sugerir ou a evocar uma masturbação); na volta seguinte da câmara, acaricia uma maçã (involuntariamente penso em Eva) e, por fim, nas últimas passagens da câmara, come-a, cada vez com mais voracidade (outro tópico frequente na obra da realizadora belga). Do início ao fim, um rosto e uma atitude relativamente impermeáveis a leituras psicológicas (o que também não é raro nas personagens de Akerman), consequência, em grande medida, da já apontada distanciação imposta pela câmara. Ora, em face do vagar do filme e da quase imutabilidade do “quadro” que aqui descrevo, será legítimo perguntar-se o que separa, então, o objeto estético que observamos em La Chambre do observável numa peça de teatro ou numa instalação. E a resposta será: a “entidade” a que mais me referi nos últimos parágrafos e que se afirma omnipresente do início ao fim da película – a câmara. A câmara, os seus movimentos, os seus percursos, em última instância, as suas escolhas. O cinema, portanto. A sua linguagem e as suas técnicas. Além da personagem, este filme possui a câmara como importantíssimo polo dinamizador de “ação”. É verdade que não encontramos neste filme uma intriga com início, meio e fim, nem tão pouco a sucessão “equilíbrio – rutura – reposição do equilíbrio” proposta por
Todorov; porém, o cinema não é obrigatoriamente (ou essencialmente) narrativo e desde os trabalhos teóricos de R. Canudo, L. Delluc e G. Dulac que sabemos que a “história” pode importar menos do que uma “infinidade de jogos de luz e movimento que só ele é capaz de proporcionar e materializar”.7 Assim, essa falta de intriga parece-me ser substituída, em primeiro lugar, pelo movimento da câmara, cuja circularidade parece sugerir a rotina e regularidade dos dias e das horas e, em segundo lugar, por alguns pontos de ação, ou, talvez melhor, de irrupção no espaço: a irrupção operada pelos movimentos, vontades e “vida” daquele ser feminino, contra a imobilidade dos objetos (ela aparece como ponto de resistência à imobilidade dos objetos, que, por sua vez, na sua quietude resguardada e privada, serão, se assim o quisermos ver, ponto de resistência à constante mutabilidade que adivinhamos no mundo exterior); a irrupção da luz abundante, provinda do exterior, através das três janelas de grandes dimensões, e advinda, de algum modo, também da luminosidade da própria mulher, contra a escuridão dos móveis e dos objetos; e a irrupção criada pela tensão entre o campo e o fora-de-campo, ditada pelos movimentos cadenciados da câmara. Se é “preciso ver os filmes para ver neles o cinema que lá está, como ver a pintura nos quadros, a literatura nos romances, a escultura nas estátuas, etc.”8, neste filme o cinema está precisamente na forma como esta câmara assume a essencial constituição do espaço-tempo, instaurando, a partir do “movimento-duração” (para retomar a expressão de Deleuze), a “ação”. Através do protagonismo da câmara, o filme experimenta, experimenta-se enquanto filme e experimenta-nos a nós, espetadores, sem que haja palavras, sem que nos seja dito o que devemos pensar ou acreditar.
6 Confrontada, em entrevista, com a frequência com que aparecem, na sua filmografia, protagonistas femininas em algum tipo de isolamento, a realizadora belga admite, num registo confessional muito interessante, que tal se possa relacionar com a sua infância: www. youtube.com/watch?v=GUStWsegZ0k.
7 João Mário Grilo, As lições do Cinema – Manual de Filmologia, Edições Colibri / Fac. de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 53. 8 Idem, ibidem, p. 30. 19
SUBSOLO
© MANUEL PEREIRA
Excesso, repetição e morte — Luther Price e os Actionistas de Viena A família constitui-se como um núcleo fundamental em torno do qual se movimentam os fantasmas partilhados pelos cineastas aqui em diálogo. Em Otto Muehl, esta é indissociável de uma fúria definidora do trabalho do autor, que aponta à sua essência, e à do par sexual gerador de vida, enquanto estrutura primeira da organização social. No seu delírio comunal de inspiração Pol Potiana, o ano zero passaria pela “erradicação de todos os livros, linguagens, objectos artísticos, música e fábricas” e pela “abolição da distinção entre a vida humana e animal.” 1 No caso de Luther Price, a família surge enquanto reduto de privacidade, amálgama visceral de formas moldadas pela doença, pela hereditariedade do terreno mórbido, e pelo percurso de dissolução nos alter egos de uma fuga sem plano. Como em Rudolf Schwarzkogler, o mais poético dos Actionistas de Viena, a beleza é vestigial, documentando de forma rigorosa “rituais privados de trauma e obsessão.”2 Nesse sentido, a pose é recorrentemente invocada como forma de escapar, pela rigidez ensaiada, a este “apodrecimento e iminência da morte.”3 Contudo, a intensidade opressiva do ambiente externo, onde habita e com que inevitavelmente dialoga, sufoca o sujeito que posa, e impossibilita esta fuga pelo silêncio e pela imobilidade, já que não lhe permite escapar às trocas e às transformações que sucedem na esfera do invisível. Esta imobilidade reflecte a desesperada cronofobia que o imaginário do super 8, no bastião do seu uso caseiro, entoava como mantra de uma América do pós-guerra dissolvida na sua mesma irrealidade, “congelando para sempre (…) imagens tranquilizadoras de aniversários infantis, (…) natais Kodak, e outras celebrações caseiras de optimismo desobstruído e conformismo animado.”4 Estas estão particularmente presentes em “Green” e “Warm Broth”, ambos de 1988, retratos fora de prazo de um imaginário colectivo a braços com a sua evidente decadência. Ainda que projectando-se superficialmente como representações cristalizadas, e como tal pretensamente imunes a infiltrações, é no domínio da microscopia que esta falência primeiro se torna evidente. Aí, a acção assume-se
como a única possibilidade de sobreviver, já que sem esta não há outra possibilidade que não a finitude. É igualmente no domínio da microscopia que, em “Sodom” (1994), a sodomia surge como foco da doença e simultânea possibilidade de a fintar, num perpétuo adiar do momento em que “o corpo (…) imerso inteiramente na acção, é impelido ao esquecimento, ao orgasmo e ao terror.”5 O sangue, na sua dimensão mística e profundamente moral, carrega em si a codificação original de uma destruição partilhada, enredada numa dinâmica autofágica, em que a própria cura se faz notar violentamente na carne pelas marcas de uma correcção punitiva. Como em Hermann Nitsch, o sangue constitui o mais misterioso e derradeiro instrumento de purificação, sendo que as cicatrizes são “instantaneamente apagadas de forma a serem reconstruídas com a acção seguinte.”6 Assim, é também a nível microscópico que melhor se entenderá a repetição dos padrões recorrentes na obra de Price, assim como a mais profunda explicação para a sua existência enquanto entidade serial, sustentada na intimidade da sua multiplicação. É a partir do ciclo “da sua actividade destruidora” que o ser vivo extrai “a totalidade da sua energia.” 7 No domínio do filme como filme, o erotismo é “o do próprio material fílmico e do acto de trabalhar sobre ele”.8 Aqui, a intervenção directa na película, perfurando-a e contaminando a emulsão num horror químico, é a reapropriação que pela náusea se autogratifica circularmente, e que gera sentido exactamente pela eternização do seu ritmo interno. Se, numa leitura mais superficial, as imagens rapidamente entrecortadas de sexo anal e felação produzem ritmos, eles mesmos sexuais, é numa dimensão mais profunda que este se torna definidor. A destruição é então o respeito pela essência mais primordial do filme como sucessão de luz e escuridão, de intervalo e movimento, e a “presença acumulativa da morte está cravada nas origens mais remotas do cinema.”9 5 BARBER, Stephen. (2004). The Art of Destruction – The Films of the Vienna Action Group: Creation Books; 117 p. 6 idem
1 BARBER, Stephen. (2004). The Art of Destruction – The Films of the Vienna Action Group: Creation Books; 16 p.
7 BOUNAN, Michel. (1993). O Tempo da SIDA: Antígona; 14 p.
2 BARBER, Stephen. (2004). The Art of Destruction – The Films of the Vienna Action Group: Creation Books; 39 p.
8 CAMPER, Fred – Super 8 Eros: Films by Luther Price. Chicago Reader February 13, 1997. [em linha] http://www.chicagoreader.com/chicago/ super-8-eros-films-by-luther-price/Content?oid=892693
3 MORRIS, Garry – Home Movies From Hell. Bright Lights Film Journal Issue 29, July 2000. [em linha] brightlightsfilm.com/29/lutherprice.php#.VH4B7tKsUqI
9 BARBER, Stephen. (2004). The Art of Destruction – The Films of the Vienna Action Group: Creation Books; 121 p.
4 idem 20
LUTHER PRICE Artista plástico norteamericano, cujo trabalho se foca na periferia do cinema, explorando o found footage como reescrita, através da intervenção destruidora sobre a materialidade do 8mm e do 16 mm, assim como os tabus intemporais da morte e da pornografia.
ACTIONISMO DE VIENA Movimento ligado à performance, fortemente activo durante a década de 1960, que desdobrou a sua actividade em torno da visceralidade da nudez, da ritualização da blasfémia, e de uma ultra-violência revolucionária. Em paralelo, os registos fílmicos das suas acções por parte de Kurt Kren e Otto Muehl são, por si só, um objecto de estudo fundamental no seio da arte transgressiva do século XX.
FILMOGRAFIA RECOMENDADA Green (1988) Warm Broth (1988-1989) Sodom (1989)
É através do poder crucial que a destruição impõe que, a partir da matéria, se autoriza uma existência paralela, que consegue “atravessar omniscientemente e cancelar o tempo e o espaço” 10, e em que a impossibilidade poética se manifesta igualmente na sua transfiguração permanente, quando se organizam “os elementos integrados com vista a construções originais que só a sua conjugação natural não permite.” 11 A imagética sexual atinge o seu ponto de saturação em torno de “sequências de aparições virulentas” e de uma “acreção de resíduos, como o excremento, sangue e sémen” 12, elementos difusos que se digladiam numa órbita errática através de “colisões e contrastes em termos de cor, qualidade e orientação” 13 procurando uma coerência e uma unidade particulares. “Sodoma” (Otto Muehl, 1969) trata o desdobramento orgiástico que se consome a si mesmo, e cuja replicação fílmica emula de igual forma essa sexualidade hermética, substituto de uma realidade que conscientemente se abandona. Se, por definição, os registos cinematográficos de performances são registos de substituição, em
FILMOGRAFIA RECOMENDADA Satisfaction (Otto Muehl, 1968) Sodoma (Otto Muehl, 1969) Manopsychothisches Ballet (Otto Muehl, 1970) Mama and Papa (Kurt Kren, 1964) Self Mutilation (Kurt Kren, 1965)
“Sodoma” esta ideia alastra para o seu sentido erótico, em que uma satisfação canibal excessiva adoece presa a uma mecânica que não autoriza a resolução. Reféns desta circularidade inescapável, o sangue e o acto carregam o fardo de uma expulsão ancestral, e, ao “homem espoliado da sua interioridade pelo monopólio divino” 14 resta apenas uma existência encriptada, uma sobrevivência parcelar. O castigo surge como a marca de uma sintaxe universal, que precede a categorização das pulsões anal, oral e genital como estilhaço da actividade celular. Nesta existência remota, assente nos pressupostos da “satisfação mistificada, (…)” e da “autocontemplação entusiástica”, o “delírio tem uma aparência inicial plausível, verosímil, possuindo por isso uma certa forma natural de convicção e de contaminação.” No cinema como febre, as suas visões produzem “conflitos com a realidade, os quais se vêem interpretados da mesma maneira delirante, dando lugar a novos conflitos” 15, e, no contexto deste isolamento alucinatório, a paranóia “começa a interpretar (…) os problemas que ela própria engendra, mostrando com clareza que prefere destruir o mundo a renunciar ao sistema que é o seu.” 16
10 BARBER, Stephen. (2004). The Art of Destruction – The Films of the Vienna Action Group: Creation Books; 123 p.
14 BOUNAN, Michel. (1993). O Tempo da SIDA: Antígona; 12 p.
11 BOUNAN, Michel. (1993). O Tempo da SIDA: Antígona; 14 p.
16 idem
15 BOUNAN, Michel. (1993). O Tempo da SIDA: Antígona; 125 p.
12 BARBER, Stephen. (2004). The Art of Destruction – The Films of the Vienna Action Group: Creation Books; 122 p. 13 HALTER, Ed - Remains : Luther Price (Retrospective Catalog) http://edhalter.com/59_Katalog_LutherPrice.pdf 21
WHAT’S UP CCV?
A MULHER ESQUELETO é uma curta-metragem de animação, realizada pelas alunas do Internato Santa Teresinha, sob orientação de Graça Gomes / Cine Clube de Viseu, com música e sonoplastia de Ana Bento e Bruno Pinto, e apresentada no Festival Viseu A... do Teatro Viriato, no mês de Junho. O júri, constituido por Fátima Alçada, Sérgio Martins, Laura Gonçalves, considerou O DUQUE DA RIBEIRA, das crianças das oficinas da Anilupa, o melhor filme nesta secção.
M E N Ç ÃO H O N R O S A N O C I N A N I M A 2 0 1 4
A MULHER ESQUELETO O 38º CINANIMA – Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho, atribuiu ao filme desenvolvido no Internato Viseense de Santa Teresinha, em 2014, uma menção honrosa na competição “Jovem Cineasta Português”.
Olhar outros mundos: AQUI NA TERRA é um ciclo que sublinha a paixão pelo cinema nos quatro cantos do mundo, e a importância do cineclubismo como lógica alternativa de programação e de relacionamento com cinematografias menos acessíveis. Conhecer alguns destaques de países menos visíveis, da Índia ao Canadá, desafia este ciclo (e a curiosidade). Se a produção de alguns países prolifera nas salas de cinema, outros há que raras vezes fazem chegar as suas obras à esfera da oferta. É no cinema, afinal, que desde sempre podemos começar por conhecer outros mundos. O Cine Clube vive as primeiras semanas do seu sexagésimo ano de existência. Em 1955, Viseu descongelou um bocadinho, com Passport to Pimlico, num escuro mas futuroso 16 de Dezembro. O ciclo AQUI NA TERRA é a primeira das propostas que farão do programa de 2015 um ano muito especial para todos os que gostam de cinema.
FILMES DO MUNDO 06 JAN > 10 FEV
AQUI NA TERRA
A Praça, de Serguei Loznitsa 22
OBSERVATÓRIO
A R T I S TA C O N V I DA DA
Betânia Viana Pires É artista plástica. É também professora de artes numa Unidade Comunitária do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Também é curadora da galeria d’Os Maiorais, em Rio Maior.
O ESTADO DA ARTE
SOBRE O CINEMA
O QUE É QUE MARCA A CRIAÇÃO ARTÍSTICA ACTUAL?
O CINEMA É UMA INCONTORNÁVEL MAIS-VALIA NA CONSTRUÇÃO DA VISÃO DO MUNDO, OU NÃO?...
Tenho uma opinião muito pessoal e perfeitamente discutível. Desde já, limito a minha resposta à criação artística no âmbito das artes plásticas, não vou arriscar uma opinião mais estendida. Tenho visto que na arte contemporânea há, no geral, uma grave fractura entre os dois polos fundamentais na criação de um objecto artístico: o conceito e a técnica. Esta fractura, por si só, não é o motor da criação artística actual. As suas consequências imediatas sim. O objecto/ a obra de arte nos dias que correm é apenas compreendido e validado (ou não) mediante uma séria fundamentação teórica. E quem o valida não é o Público em geral – que não tem, nem tem de ter, formação especializada em Estética e História da Arte – mas sim o Teórico. Portanto, vistas bem as coisas, é à Estética, não às Pessoas, que a obra de arte tem de agradar. O artista tem solidificado o seu papel histórico de pensador potente. Porém, tem-se degradado como fazedor, tem perdido a técnica, pondo assim em causa o seu poder de mestre criador. É impaciente, deslumbrado, ansioso por resultados finais rápidos e completamente rendido/ dependente às/ das maravilhas tecnológicas que lhe permitem atalhar o máximo que possa. A mítica, romântica procura do Belo já não é vital; é secundária ou irrelevante. Deu lugar à busca de uma ideia misteriosa, obscura, por vezes insignificante, que incite o observador a pensar, a ficar intrigado, curioso, de forma a ter de despender tempo a ler o manual de instrução que vem etiquetado à obra – o manual, esse sim, é o que contém, refém das palavras, o conceito; a expressão plástica apenas dá envolvência para a leitura. Como tal, o desfecho comum da leitura de uma peça de arte contemporânea passa por um “Ah, ok, agora percebo!” (compreensão) e não um “Uau, que bonito!” (contemplação). Vivemos o triunfo duchampiano. Mas às vezes o Rei vai nu.
É. Assim como todas as formas de Arte o são. Aliás, pode até ser mais que uma mais-valia, pode ser uma forma de sobrevivência à própria vida e ao mundo (interior e exterior) exactamente por oferecer essa oportunidade de nos reconstruirmos um pouco a cada filme. É que, apesar das redes sociais e das viagens low-cost, teremos sempre esse espaço só nosso em que vivem as nossas memórias, os nossos sonhos, os nossos tormentos… Um filme consegue invadir esse casulo com outras memórias, outros sonhos, outros tormentos. Ou simplesmente dar uma outra perspectiva. Isso claro que enriquece a nossa visão do mundo, é como se pudéssemos experienciar muitas vidas diferentes dentro da nossa.
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OBSERVATÓRIO
© A Asfixia Pode Levar À Morte Prematura Desenho a grafite e pastel seco sobre papel / 42x29,7cm / 2014 “A asfixia pode levar à morte prematura” é uma referência ao filme “As Horas”, à vivência da sensação de sufoco comum às personagens principais – e que passa para quem vê esta obra.