nº 138 abril maio 2011
for THE love OF GODARD! CIDADES no cinema Ciclos de Cinema Abril / Maio 2011 O CINEMA E A REPRESENTAÇÃO DAS SEXUALIDADES (A)TÍPICAS Ensaio Nós por Cá VISEU NA TELA EM 1930 Parte II EDUCAÇÃO PARA OS Media EM PORTUGAL Recomendações
editorial
índice 01
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Capa editorial programa ccv ABR_maio’11 nós por cá what’s up ccv Educação para os media... viseu na tela em 1930
Quand la loi n’est pas juste la justice passe avant la loi Filme Socialismo, de Jean-Luc Godard
f icha técnica Argumento (Inscrito no ICS sob o nº 111174) e-mail geral@cineclubeviseu.pt
Editor e proprietário Cine Clube de Viseu (inscrito no ICS sob o nº 211173) Tiragem deste número 500 exemplares
Direcção editorial Cine Clube de Viseu
Impressão Tondelgráfica (Tondela)
Concepção e execução gráfica dpx.com.pt
ANO XXVIII, nº 138 Abril / Maio 2011
Agradecimento Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Univ. do Minho
Largo da Misericórdia, 24 2º // 3500-158 Viseu Tel 232 432 760 Tlm 922 192 984 geral@cineclubeviseu.pt www.cineclubeviseu.pt
Receber o próximo filme de Jean-Luc Godard será sempre uma honra para nós. Nos tempos que correm, é reconfortante admirar a persistência, o sobressalto, a inquietação que continuam a caracterizar o seu trabalho cinematográfico. Os seus filmes continuam a tocar de forma fulgurante o presente. “Filme Socialismo”, agora estreado em Portugal (agora mesmo, a mudança de suporte de distribuição em curso parece estar a agilizar a circulação dos filmes) veio recuperar a boa memória das recepções da crítica às propostas de Godard: arrasado pela crítica generalista, só encontrou acolhimento em certos nichos da crítica mais especializada. Um filme a confirmar Godard, aos 80 anos, como um dos mais originais criadores de parábolas sobre a complexidade do mundo. Também por isso, propomos na semana seguinte à projecção de “Filme Socialismo” a projecção de “Os 2 da (nova) vaga”, documentário sobre a mítica relação entre Jean-Luc Godard e François Truffaut (igualmente estreado em Março deste ano), realizado por Emmanuel Laurent, com argumento de Antoine de Baecque, autor de uma biografia de referência de Godard (um dos raros trabalhos sobre a sua pessoa que Godard não rejeitou). “Os 2 da (nova) vaga”, realizado a propósito dos 50 anos da Nouvelle Vague (assinalados a partir da projecção de “Les 400 coups” em 1959, no Festival de Cannes), oferece uma perspectiva sobre um momento crucial da história do cinema europeu, assente na recolha de interessante material de arquivo e num texto claro e bem argumentado, testemunhando a amizade, cinefilia e, por fim, ruptura entre Jean-Luc Godard e François Truffaut, dois dos maiores cineastas de sempre.
“Je suis belle, ô mortels, Comme un rêve de pierre” Charles Baudelaire, “La beauté”, citado em “Les dites Cariatides”, de Agnès Varda
As sessões de cinema continuam, semanalmente, até final de Maio, com um ciclo dedicado às cidades no cinema. Paris, Londres, Nova Iorque, Cairo ou Teerão, cidades como “símbolo complexo”, na definição de Italo Calvino, “capaz de exprimir a tensão entre racionalidade geométrica e o emaranhado de existências humanas” (“Exactidão”, ensaio em “Seis propostas para o novo milénio”, 1990) serão alguns dos pontos de partida dos filmes deste programa.
sessões de cinema
“When I first saw “The Wizard of Oz”, it made a writer out of me” Salman Rushdie
cinema para as escolas
apoio à divulgação
domínio, alojamento do site e e-mail
Na apresentação de um estudo recentemente editado em Portugal sobre o estado da educação para os media no país foi renovado o apelo à mobilização de vários actores, desde as escolas, associações, famílias, media e instituições públicas, para prepararem cidadãos capazes de uma atitude activa, exigente, crítica, perante o universo audiovisual. Sem dúvida que o relevo dos cine clubes na acção educativa para o cinema e audiovisual, não só no presente, mas desde há décadas, tem sido um dos maiores contributos do movimento. Isso mesmo é reconhecido no estudo elaborado pela Universidade do Minho, um trabalho essencial que apresenta uma série de recomendações da maior importância para uma sistematização e expansão da educação para os media num horizonte futuro, e que o CCV reproduz na página 17.
Agradecimento. O CCV expressa o seu reconhecimento pela amizade demonstrada pelos convidados do programa “Vanguardas e estéticas do cinema”, que aceitaram o nosso convite e apresentaram o trabalho de diversos cineastas na Escola Superior de Educação. A sua disponibilidade merece-nos o maior respeito, e ilustra um sentido da cinefilia que nos é muito caro: ver, discutir, partilhar filmes e emoções, reflectir sobre diferentes perspectivas de leitura da história do cinema. Encontram-se disponíveis na nossa página na Internet as várias fichas de sessão e comunicações, permitindo a sua consulta aos interessados.
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cidades no cinema
Italo Calvino descreveu a duplicidade das cidades através da metáfora “Cristal” e “Chama”, no ensaio “Exactidão” (uma das “Seis propostas para o novo milénio”, 1990), captando a cidade enquanto “símbolo complexo capaz de exprimir a tensão entre racionalidade geométrica e o emaranhado de existências humanas”. O desenho da cidade, o lado racional e ideal, tende para o cristal, sendo transformado pela presença do homem em chama. O cristal não vive sem a chama.
cristal & chama
for the love of godard!
programação ccv abril maio ‘11 05 / ABRIL
Filme socialismo
Film socialisme, de Jean-Luc Godard, França, 2010, 102’
12 / ABRIL
Os 2 da (nova) vaga
Deux de la vague, de Emmanuel Laurent , França, 2010, 91’
19 / ABRIL / estreia nacional
A CIDADE DOS MORTOS de Sérgio Tréfaut, Portugal, 2010, 62’
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O SABOR DO AMOR
My blueberry nights, de Wong Kar Wai, EUA, 2007, 90’
03 / MAIO
PLAYTIME
de Jacques Tati, França, 1967, 155’
10 / ENTRADA LIVRE
CURTAS “PARISIENSES” DE AGNÈS VARDA LES DITES CARIATIDES França, 1984, 12’ L’OPÉRA-MOUFFE França, 1958, 16’ ELSA LA ROSE França, 1965, 20’ LE LION VOLATIL França, 2003, 11’ T’AS DE BEAUX ESCALIERS, TU SAIS França, 1986, 3’ LES FIANCÈS DU PONT MAC DONALD França, 1961, 5’
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SANGUE E OURO Talaye Sorgh, de Jafar Panahi, Irão, 2003, 92’
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ALGURES Somewhere, de Sofia Coppola, EUA, 2010, 97’
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BANKSY - PINTA A PAREDE!
Banksy, exit through the gift shop, de Banksy, EUA, 2010, 86’
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ciclo godard : 05_abr ‘11
Filme socialismo
Film socialisme de Jean-Luc Godard França, 2010, 102’
divide em três segmentos identificáveis. Primeiro, a Sabemos desde os seus filmes dos anos 60 que Jeanbordo de um navio em cruzeiro pelo Mediterrâneo, -Luc Godard tem uma sensibilidade de sismógrafo. onde há belíssimos planos do mar (um mar a que ninPressente agitações subterrâneas antes de elas se guém dentro do navio parece prestar atenção), escalas notarem à superfície: “Made in USA”, “La Chinoise” ou em várias portos, alguns passageiros notórios (nomea“Weekend” são os filmes que melhor explicam o Maio de 68, e foram feitos antes de Maio de 68. De resto, isto damente um criminoso de guerra, maneira de mostrar como a sociedade encontrou maneira de albergar, sem não é nada de mais: é apenas o que ele tem como o fricção de maior, os “salauds” - que hoje, ao contrário “dever do cinema”, e faz por cumpri-lo. dos de outras épocas, são “sinceros”, ouve-se dizer É curioso notar, a este propósito, a quantidade de no filme) e uma grande multidão que habita o navio coisas que aconteceram no espaço central de “Filme deliciada com os seus “gadgets”, os seus écrans (de Socialismo” (o Mediterrâneo) depois de Godard o ter feito: a Grécia (“Hell As”) foi transformada num pária da telemóvel, de computador), o seu casino, sem ligar um Europa; outros países (a Espanha, a Itália, e mesmo nós, chavelho ao mar e às cidades, perfeita metonímia da “civilização do consumo” vista como a “Metropolis” de mediterrânicos por afinidade) fazem o possível para Lang, mas uma “Metropolis” de Lang onde o “capitalisevitar que a Sra. Merkel (“na Alemanha nunca se passa mo” tivesse criado a ilusão “socialista” de uma “socienada”, dizia-se no mais godardiano dos Fassbinders, dade sem classes”. “Der Amerikanische Soldat”) os conduza ao mesmo Depois, segundo segmento, a história de um pequeno destino; do “outro” lado, a Tunísia revoltou-se, o Egipto comércio algures na província francesa, um pequeno revoltou-se, a Líbia entrou em combustão e na Europa comércio de gasolina (uma estação de serviço), quer teme-se o momento em que um “líbio oprimido” se dizer, petróleo, para ligar o particular ao geral, ligação transforme num reles “imigrante”. Só em Israel e na que é (todo o mundo reflectido numa pequena porção Palestina, por onde o navio de Godard também passa, espacial) o tema do segmento. Há televisões regionais, é que aparentemente não aconteceu nada, o que é o crianças que “jouent à la Russie”, e o fabuloso encontro mesmo que dizer que continua a acontecer tudo. de um lama e de um burro - quer dizer, Bresson, quer “Alheado do mundo”, Godard? Só se para reconhecer dizer, “Au Hasard Balthasar” para a era da “globalização”. o mundo já não dispensarmos a empática condução Finalmente, terceiro segmento, “histoires du cinéma”, de Javier Bardem (aludimos ao tão celebrado “Biutiful”, Godard a montar excertos de filmes antigos, de cinemacuja Barcelona também é visitada por “Filme Socia-sismógrafo, de cinema “em linha”. Subjacente a todos lismo”, e não somos originais na alusão). Não veremos os segmentos, uma prodigiosa textura (som + imagem), este ano filme mais ligado, mais “em linha”, com o legendas, música, frases soltas, citações. O último plano mundo do que “Filme Socialismo”. é um écran negro com a inscrição “no comment”. Uma descrição de “Filme Socialismo” diria que ele se
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E antes dele, justaposta a um “logo” do FBI com avisos a autores de “downloads” ilegais, esta frase: “quando a lei é injusta, a justiça passa antes da lei”. Quem se lembrar de proposição mais subversiva para os nossos dias ponha o dedo no ar. © Luís Miguel Oliveira, Ipsilon
“quando a lei é injusta, a justiça passa antes da lei”. Quem se lembrar de proposição mais subversiva para os nossos dias ponha o dedo no ar.
ciclo godard : 12_abr ‘11
Os 2 da (nova) vaga Deux de la vague de Emmanuel Laurent França, 2010, 91’
Os “dois da (nova) vaga” são Jean-Luc Godard e François Truffaut. O filme de Emmanuel Laurent conta a história deles, no período em que ela foi comum: da amizade e da cumplicidade seladas, muito cedo, pela cinefilia, à ruptura (pessoal) definitiva no princípio dos anos 70, já a cumplicidade se perdera há muito, queimada pelo acentuar das diferenças idiossincráticas, e a amizade seguiu o mesmo destino, na sequência de uma violentíssima troca de correspondência depois de Godard ter saido (muito) irritado de uma projecção de “A Noite Americana” (de Truffaut). Os amigos tornaram-se inimigos, não voltaram a ver-se (cara a cara, pelo menos), nem a trocar, publicamente ou em privado, qualquer manifestação de estima. Para o filme (que foi escrito por Antoine de Baecque, crítico e historiador que tem estudado a geração da “nouvelle vague” e assinou uma recente biografia de Godard), essa ruptura assinala um momento simbólico: o momento em que o cinema francês (o novo cinema francês, saído da “nouvelle vague”) se cindiu, e os seus principais pontos de referência seguiram rumos inconciliáveis. A orfandade resultante é simbolizada por Jean-Pierre Léaud, actor de Truffaut e actor de Godard, e o primeiro filho legítimo da “nouvelle vague” (houve outros). É com ele que o filme acaba, muito miúdo, a ser entrevistado no “casting” para os “400 Golpes” de Truffaut. Podemos dizer, como Jacques Rivette disse uma vez, que o que espanta não é que Godard e Truffaut se tenham zangado, antes que tenham demorado tanto tempo a fazê-lo.
As diferenças - profundas, ideologica e esteticamente - estavam lá desde o princípio, e não fizeram senão vincar-se, sobretudo a partir do final dos anos 60, quando a geração da “nouvelle vague” chocou de frente com um tema que, em boa verdade, só Godard não fizera por explicitamente evitar: a política. Sem insistir muito - alguns apontamentos alternando declarações de um e de outro - o filme sinaliza essas diferenças, mas o seu investimento é sobretudo na amizade entre os dois, contada como se fosse o cimento que, justamente, permitia agregar duas personalidades tão distintas. O que faz sentido: em 1973 os filmes de Godard e Truffaut já não tinham quase nada em comum, mas foi a explosão da relação pessoal que tornou isso evidente. Centrada nestes dois rostos, é portanto a história da “nouvelle vague” e do período que se lhe seguiu que “Os Dois da (Nova) Vaga” conta. Forçosamente resumida, às vezes até com simplicidade excessiva e algum pendor pró-Truffaut na explicação da ruptura, ou no mínimo uma maior disponibilidade para compreender a posição dele. Em todo o caso, com a sua excelente recolha de material de arquivo e o seu texto claro e argumentado, “Os Dois da (Nova) Vaga” é um óptimo documentário sobre uma época crucial na história do cinema europeu, e o seu capital pedagógico não é, consequentemente, nada negligenciável. © Luís Miguel Oliveira, Ipsilon
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Os amigos tornaram-se inimigos, não voltaram a verse (cara a cara, pelo menos), nem a trocar, publicamente ou em privado, qualquer manifestação de estima
ciclo cristal & chama : 19_abr ‘11
A cidade dos mortos de Sérgio Tréfaut
estreia nacional Estamos habituados a que nos cemitérios reine aquilo a que se convencionou chamar "um silêncio sepulcral". Mas não no cemitério de El Arafa, no Cairo, o maior do mundo, onde o bulício é semelhante ao de uma grande cidade. É que juntamente com os mortos, habitam em El Arafa cerca de um milhão de pessoas, que vivem entre túmulos e mausoléus, que ocuparam ou que alugaram às famílias daqueles que lá estão (ou serão) sepultados. Esta cidade dos mortos cairota é também uma buliçosa cidade dos vivos. Com bairros, lojas, padarias, cafés, campos de futebol pelados, vendedores ambulantes, espectáculos de fantoches, vizinhas intriguistas e casamenteiras, velhotes sentados em cadeiras a apanhar o sol e a ouvirem ralhetes das mulheres, crianças que brincam, rebanhos, gatos, cães e pombais, raparigas casadoiras e rapazes engatatões que falam em ter sexo antes do casamento e entre os túmulos, traficantes de droga que se deslocam em motos, garagens, táxis, vendedores de gelados em triciclos, um gigantesco mercado que se realiza todas as sextas-feiras e que nem a passagem dos cortejos funerários (às centenas
todos os dias) encerra, e histórias, como a do lobo esfomeado que vinha das colinas circundantes comer cadáveres. Depois de rodar Lisboetas, Sérgio Tréfaut rumou ao Cairo para percorrer as ruas de El Arafa, ouvir alguns dos que lá moram e filmar o seu dia-a-dia. Sem esquecer os coveiros que conhecem o imenso campo santo como as palmas das suas mãos, ou o cego idoso que recita o Corão e fala dos fantasmas que habitavam no cemitério e foram afugentados pela maré de vivos que nele se instalaram a partir dos anos 60, quando legiões de trabalhadores migrantes começaram a acorrer à capital egípcia. O resultado foi o magnífico documentário A Cidade dos Mortos, (…) rodado (e narrado) com placidez, atenção ao detalhe quotidiano, às pessoas e suas histórias e ao contraste entre a paisagem tumular e a vida citadina que a ocupa. E ninguém tem medo, muito pelo contrário. Como diz a certa altura uma moradora, "Viver tão perto dos mortos só pode trazer sabedoria." Eurico de Barros, Diário de Noticias, 24 de Abril de 2010
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Depois de rodar Lisboetas, Sérgio Tréfaut rumou ao Cairo para percorrer as ruas de El Arafa, ouvir alguns dos que lá moram e filmar o seu dia-a-dia
ciclo cristal & chama : 26_abr ‘11
O sabor do amor
My blueberry nights, de Wong Kar Wai EUA, 2007, 90’
Não são precisos nem cinco minutos para que, mesmo se genérico não houvesse, um espectador atento identifique estar perante um filme de Wong Kar Wai. Isto é tão raro no cinema que vale o seu peso em ouro. Os cromatismos marcados (aqueles vermelhos e azuis de uma tonalidade precisa de que ele bem podia reclamar autoria e respectivos direitos), o gosto pela câmara movente, pelos néons, numa composição dos planos tão bizarra quanto inebriante, a música que desliza como uma segunda pele, a noite com os seus reflexos, tudo está desenhado para mostrar ao mundo que a chegada do realizador à América não o fez perder o lastro dos seus traços de orientais, da sua imagem de marca. Precisemos, todavia, um facto. De americano, My Blueberry Nights – O Sabor do Amor tem o espaço de rodagem, a língua e os actores, mas não os capitais que permitiram a Wong Kar Wai filmar esta travessia pela América. O dinheiro veio de França, da China e de Hong Kong, tendo os irmãos Weinstein adquirido direitos de distribuição americanos, mas sem participar directamente na produção. (…) A fita tem história simples: Elizabeth (Norah Jones) sofre um desgosto de amor e, em vez de confrontar, mexer, remexer a ferida, decide ir embora, após
conhecer o dono de um bar (Jude Law) que, apesar de ter muito poucos clientes a gostar de tarte de mirtilo, a mantém no menu, porque pode aparecer alguém que a mereça — e ela merece. Ele mesmo está num processo de cura, desintoxicação de uma mulher que tarda em voltar. Elizabeth parte, portanto, estrada fora, num curso que, de Nova Iorque, a levará até ao Pacífico oceano, encontrando na rota criaturas que de um mal similar sofrem. Nisto de afectos, a geografia conta pouco. E temos direito a duas histórias — a de Rachel Weisz e a de Natalie Portman — que, noutros tempos, talvez fossem dois «sketches» de um filme desse modo arrumado, mas que, em pleno século XXI, se engrenam no mesmo corpo. Gosto das duas, cada uma com seu sabor, a primeira mais dramática, interior, mortal, a segunda mais solar, veloz, colorida, uma tintada a álcool, a segunda desenhada a Jaguar. Gosto dos actores e das actrizes que lhe dão carne, seja ela feita de suor e sexo (Rachel Weisz), seja de cor e liberdade (Natalie Portman), mas gosto, sobretudo, do jogo firmado na «mise-en-scène», dessa impotência que Wong Kar Wai manifesta em pôr a câmara de frente e filmar. Qual quê?! Se não houver um vidro de
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permeio, e nesse vidro uma cintilação de revérbero, se não houver um objecto entre os actores e a câmara não teimar em rodeá-lo, se o mundo, enfim, não tiver simplicidade e existirem sempre portas, manchas, espelhos, montras, obstáculos, traços de cor, fulgores, Wong Kar Wai pura e simplesmente não consegue filmar. “Maneirismo? Já aconteceu — mas não em My Blueberry Nights – O Sabor do Amor. No traçado de solidões, no caminho do esquecimento que permite a Elizabeth tornar a Nova Iorque e reacender a vontade de amar, a forma de que se serve Wong Kar Wai tem o artificialismo bastante para nos consentir uma judiciosa degustação formal, sem perder de vista que o importante é os sentimentos. Bom, mesmo bom, é sorver a linguagem, mas ninguém dispensa que a pele vibre de caminho. Por outro lado, convenhamos não ser Norah Jones uma actriz excelsa, mas concedamos que cumpre e dispensemos todos os aplauso ao triunvirato Jude Law/ Rachel Weisz/Natalie Portman que brilha neste filme enleante de um mestre do cinema destes dias. © Jorge Leitão Ramos, Expresso, 03/05/2008
ciclo cristal & chama : 03_MAIo ‘11
Playtime
de Jacques Tati França, 1967, 155’
Em 1965, auxiliado pelo arquitecto e cenógrafo Eugène Roman, Tati construiu para PLAYTIME um extraordinário cenário, que nas suas próprias palavras era “a verdadeira vedeta do filme”. Tratava-se de um cenário em grande escala, construído nos arredores de Paris, perto de Vincennes. Era gigantesco e tornou-se conhecido como “Tativille”, talvez em referência a ALPHAVILLE (1965) de Godard, recentemente concluído. Mas é claro que não era uma cidade qualquer; era a cidade que Jacques Tati necessitava para continuar a explorar a sua ideia da cidade moderna e, para que pudesse filmar exactamente dos ângulos que necessitava, os prédios de escritórios estavam colocados sobre rodas e em carris para poderem mover-se à vontade. Nenhuma “cidade real” teria dado tanta flexibilidade ao realizador. Era um empreendimento gigantesco, que vinha juntar-se a uma importante lista de cenários construídos no cinema francês, como os de Lazare Meerson para SOUS LES TOITS DE PARIS (1930) e À NOUS LA LIBERTE (1931), de René Clair, ou os de Alexandre Trauner para LES ENFANTS DU PARADIS (1945), de Marcel Carné. A inspiração primeira para o prédio de escritórios foi um prédio da Esso, construído em 1963. Por seu turno, o prédio da Esso inspirou-se provavelmente na Lever House, de 1952. O prédio da Esso foi o primeiro a ter sido erigido no subúrbio de La Défense
e Tativille é, na realidade, uma simulação caricata do aspecto que La Défense poderia realmente vir a ter. Depois de um ano de trabalho nos cenários, Tati começou a filmar em 1965. De modo tipicamente tatiano, a trama narrativa é reduzida ao mínimo. Eis como ele a resume: Um grupo de turistas estrangeiros vem visitar Paris. Ao chegar a Orly, encontram-se por assim dizer no mesmo aeroporto que haviam deixado em Munique, Londres ou Nova Iorque. Tomam os mesmos autocarros que em Roma ou em Hamburgo e chegam a uma auto-estrada cercada por postes de iluminação e prédios idênticos aos das suas cidades. Em PLAYTIME, Tati é nitidamente mais radical do que qualquer dos seus filmes anteriores, ao manter a estrutura narrativa no mínimo estritamente necessário. Neste filme, ele filma pela primeira vez em 70mm, que conjuga de modo magnífico à sua predilecção pela combinação planos gerais/planos longos. A principal razão desta escolha é criar suficiente espaço no écran para permitir que o olhar do espectador vagueie pelo cenário. Com os seus planos gerais, Tati abre uma vasta janela sobre o mundo, com diversas acções simultâneas em diferentes pontos do espaço, de modo a permitir que o olhar do espectador percorra todo o espaço, como na vida real. O plano geral também lhe permite “perder” Hulot, que pode deixar de ser o centro
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da atenção (por exemplo, na primeira sequência, Tati custa um bocado a aparecer) e colocar figurantes não-profissionais no centro das atenções. Declarou: “quero que as pessoas participem um pouco mais, quero que «façam, as mudanças» sozinhos; não quero dar--lhes toda a papa feita”. Foi o que o crítico americano Jonathan Rosembaum chamou “a democracia de Tati”. O formato 70mm é ideal para abranger espaços arquitectónicos numa visão larga e panorâmica. Além disto, Tati não muda praticamente nunca de objectiva durante todo o filme, de modo a não criar confusões para o espectador quanto à escala dos objectos (fizera a mesma coisa em O MEU TIO). “Se eu começar um plano geral de uma cena em que há uma mesa e uma cadeira com uma objectiva 40mm e depois aproximar-me e mudar para a 28mm, já não é mais a mesma cadeira”, porque o conjunto da superfície por detrás da cadeira terá aumentado de modo proporcional (Cahiers du Cinéma, 1958). Esta preocupação de pensar a escala e o sentido da perspectiva em função dos aspectos técnicos do cinema, faz de Tati um cineasta particularmente fascinante para os arquitectos. © François Penz Cinema e Arquitectura, Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema Dossier Atalanta Filmes.
LES DITES CARIATIDES
1984 « Je suis belle, ô mortels, comme un rêve de pierre. » Mulheres estátuas, colunas humanas, as Cariátides de Paris multiplicam-se. Agnès ilustra estas estátuas com os poemas de Baudelaire. “Vida e vivacidade em doze minutos com Agnès Varda. O cómico. Um ambiente insolente que não será mais que a sua alegria e liberdade de filmar” © S.N. Télérama, Setembro 1984 12’, Cor, filmado em 16 mm Fotografia Cyril LATHUS Música RAMEAU OFFENBACH MontagemHélène WOLF Estreado a 05 de Setembro de 1984, com “L’Amour à Mort’’ d’Alain Resnais.
L’ OPÉRA-MOUFFE
1958 O mercado Mouffe (Rue Mouffetard, em Paris), mendigos e bêbados ... Imagens onde se encontra a ternura de quem procura e filma as pessoas. É o seu diário, ela está grávida. “Varda mostra à sua maneira uma outra população de mendigos, apreendendo a vida através de uma câmara feroz e terna.” © L. Marcorelles, France Observateur 16’, P/b, filmado em 16mm Fotografia Agnès VARDA, Sacha VIERNY Montagem Janine VERNEAU Música Georges DELERUE Prémio da Federação Internacional de Cine Clubes, 1958 Prémio da Semana Internacional de Curtas-metragens, Viena, 1962
ELSA LA ROSE
1965 A juventude de Elsa Triolet contada por Louis Aragon. Fotos, poemas e diálogos do casal cúmplice. Um casal mítico em Montparnasse nos anos 20. 20’, P/b, filmado em 16mm em Paris e Saint-Arnoult-en-Yvelines Fotografia Willy KURANT, William LUBTCHANSKY Som Bernard ORTION ,Jacques BONPUNT Poemas de Aragon ditos por Michel PICCOLI Música FERRAT, GERSCHWIN, HANDY, MOUSSORGSKY, SIMONOVITCH
LE LION VOLATIL
ciclo cristal & chama : 10_maio ‘11
CURTAS “PARISIENSES” DE AGNÈS VARDA
2003 Tudo acontece entre Clarisse, aprendiz de vidente, Lázaro, funcionário das Catacumbas de Paris, e o Leão de Belfort, em bronze. Unidade de lugar: Place Denfert-Rochereau (Paris 14). “É um pequeno filme… um leão de pedra, um gato “de cabelo e osso”, como ela diz, uma cartomante inexperiente, um jovem, transeuntes e carros. Quase nada e é um encantamento.“ © E. Breton, L’Humanité, Abril 2004 11’, Cor, filmado em 35mm Fotografia Mathieu VADEPIED, Xavier TAUVERON Som Jean Luc AUDY Montagem Agnès VARDA, Sophie MANDONNET Com Julie DEPARDIEU, David DECIRON, Frédérick e. GRASSERHERMÉ, Valérie DONZELLI Estreado em 2005 com “L’un part, l’autre reste” de Claude Berri.
T’AS DES BEAUX ESCALIERS, TU SAIS
1986 Como, em 150 segundos, render homenagem à Cinemateca Francesa (quando se situava em Chaillot) no ano de seus 50 anos, se não filmando os 50 degraus que levam ao Museu de Cinema e descem à sala escura onde são projectadas as obras-primas com escadas! 3’, Cor e p/b, filmado em 35mm Fotografia Patrick BLOSSIER Música Michel LEGRAND Montagem Marie-Jo AUDIARD Com a participação de Isabelle ADJANI Estreia a 27 de Agosto de 1986 com o filme “Jean de Florette” de Claude Berri.
LES AMANTS DU PONT MAC DONALD
1986 Um jovem vê a vida a preto e branco quando usa óculos escuros. Só vendo as coisas de outra forma consegue melhorar a sua vida. Um pequeno filme burlesco e mudo inserido em “Cléo de 5 à 7”… com sucesso! Veremos Jean-Luc Godard sem óculos e Anna Karina loura. 5’, p/b, filmado em 35mm Fotografia Jean RABIER Música Michel LEGRAND Montagem Janine VERNEAU Com Anna KARINA, Jean-Luc GODARD, Jean-Claude BRIALY, Eddie CONSTANTINE, Danielle DELORME, Sami FREY, Yves ROBERT, Alan SCOTT
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ciclo cristal & chama : 17_maio ‘11
Sangue e ouro
Talaye Sorgh, de Jafar Panahi Irão, 2003, 92’
A HISTÓRIA Abbas Kiarostami contou-me um fait divers que tinha lido no jornal: um ladrão foi apanhado pelo sistema de segurança de uma joalharia e acabou por matar o gerente da loja, imediatamente antes de se suicidar. Fiquei obcecado com esta história. Interrogava-me sobre o que poderia ter levado este homem a matar-se. Abbas acabou por escrever um argumento sobre esta história, com a intenção de partir desse beco sem saída e depois tentar perceber o que o conduziu a isso. DA POLÍTICA AO HUMANO A política por si só não me interessa. Interessam-me sobretudo os efeitos que os erros políticos têm sobre os indivíduos na sociedade. E esses erros são mais visíveis nas grandes cidades. E como sou uma pessoa da cidade os meus filmes tendem a decorrer em locais urbanos. Nas cidades iranianas, como em quase todo o lado, a classe média parece estar a desaparecer, enquanto a pobreza e a depravação não param de aumentar, tal como a concentração de poder.
Panahi, cineasta iraniano condenado a seis anos de prisão e 20 de interdição de filmar e sair do país, é uma referência do mundo do cinema. As suas cinco longasmetragens valeram um importante reconhecimento internacional O PONTO DE VISTA DE HUSSEIN Hussein leva uma vida miserável a entregar pizzas nos bairros ricos de Teerão. Isso permite-me filmar o que acontece dentro das casas em locais livres dos constrangimentos sociais. Podemos estar à espera de encontrar mulheres de véu dentro de casa, mas isso não corresponde à realidade. É uma imagem imposta. Utilizei sombras para contornar esta proibição. SEM JULGAMENTOS NEM SEDUÇÕES Espero que os espectadores dos meus filmes estejam dispostos a reflectir. Em todos os meus filmes, o meu maior objectivo é contar a história de forma objectiva e honesta. Não estou a tentar pregar uma mensagem. Estou à procura. Por isso é que me foco sobretudo nas realidades das minhas personagens e situações. Tento aproximar-me dos detalhes que me vão permitir ficar mais perto da realidade de que falo. Depois cabe ao espectador pensar e interpretar o que eu apresentei.
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Excertos de declarações de Jafar Panahi à Atalanta Filme. Panahi, cineasta iraniano condenado a seis anos de prisão e 20 de interdição de filmar e sair do país, é uma referência do mundo do cinema. As suas cinco longas-metragens valeram um importante reconhecimento internacional: para além do Urso de Prata em Berlim por “Offside” (2006), Panahi arrecadou a Câmara de Ouro (melhor primeiro filme) em Cannes 1995 por O “Balão Branco”, Leopardo de Ouro em Locarno 1997 por “O Espelho”, Leão de Ouro em Veneza 2000 por “O Círculo”, e o prémio do júri Un Certain Regard em Cannes 2003 por “Sangue e Ouro”. Foi assistente de Abbas Kiarostami no filme “Através das Oliveiras”, e em “Sangue e Ouro” é Kiarostami que assina o argumento.
Entrevista a Sofia Coppola (excertos).
ciclo cristal & chama : 24_maio ‘11
ALGURES Somewhere, de Sofia Coppola, EUA, 2010, 97’
Somewhere, que podemos apresentar como o retrato de uma estrela de cinema no centro do universo do star system, Los Angeles, chegou a Portugal depois de conquistar o principal prémio (Leão de Ouro) do último Festival de Veneza. Entre essa altura e a sua estreia entre nós foi recebido de forma pouco calorosa por alguma crítica, que alude a um esgotamento de fórmula, um cansaço disfarçado por um exercício formal ao nível, ainda assim, das obras anteriores da cineasta. De facto, a breve carreira de Sofia Coppola recomenda o visionamento atento do filme, como insiste grande parte da imprensa especializada (National Board of Review, New Yorker, The Times, Washington Post), que valoriza os momentos profundamente emotivos, o requinte e contenção artística e formal. Um filme que volta a confirmar o investimento visível de Coppola no trabalho de actores, aqui com Stephen Dorff e Elle Fanning em desempenhos que receberam elogios rasgados. Inteiramente filmado em cenários naturais de Los Angeles, desde o lendário hotel Chateau Marmont, em Hollywood, às ruas da cidade por onde Johnny (Dorff) vagueia, Somewhere conta com a direcção de fotografia de Harris Savides, responsável pela fotografia de filmes recentes de David Fincher e Gus Van Sant (Milk, Last Days, Elephant ou Gerry).
Lembra-se de passar a vida em hotéis como sucede a Elle Fanning no filme? Sim, sem dúvida. Tenho muitas memórias desse período em que estava quase sempre com adultos. O meu pai levava-me a lugares onde normalmente as crianças não iam. Lembro-me, por exemplo, de aos 16 anos o meu pai de me ter levado a Cuba e de ter conhecido o Fidel Castro. E de termos ido a Las Vegas e a Reno. Imagino que seja difícil de eliminar as suas memórias de acompanhar o seu pai na rodagem de alguns dos seus filmes... Claro. A relação com o meu pai é muito importante para mim e está presente no meu trabalho. Nessa altura quando o acompanhava ainda jovem, já pensava que poderia um dia fazer um filme sobre essa vivência itinerante? Só comecei a pensar nisso quando estava a viver em Paris, depois de ‘Marie Antoinette’. Foi talvez ao ver fotografias de alguns actores no Chateau Marmont que poderei ter começado a pensar em fazer um filme. Disse na conferência de imprensa, aqui no festival que o seu pai teria dito que só você poderá ter feito este filme... Talvez porque viu parte da minha personalidade no filme. Acho que sentiu algo especial. É algo que ele costuma fazer, dar a sua opinião isenta? É um pai e, está a ver, como pai tende a ser menos exigente. Mas ele viu este filme e disse-me que gostou muito. Mas é o meu pai, por isso... (risos) A Sofia também é capaz de ajuizar os filmes dele? Admiro imenso o trabalho dele. Não gosto de o analisar. Prefiro admirá-lo. Se ele me pedir alguma opinião, sobre guarda-roupa, por exemplo, sou capaz de ajudar...
Fez apenas quatro filmes, mas ao ver este percebemos que só poderia ser feito por si. Percebe-se que está a desenvolver um estilo muito próprio. Eu gosto de filmes de realizadores em que percebemos a personalidade deles. Não é genérico que possamos reconhecer o estilo deles. O que lhe fascina mais no processo criativo? É escrever, realizar? Trabalhar com os actores? Montagem... É difícil de dizer. Talvez seja a montagem, pois aí já temos todos os elementos e é divertido começar a ver o filme ter uma estrutura. E acrescentar a música e o som. Mas gosto também muito de trabalhar com os actores. Há muita energia quando estamos a filmar, apesar de ter também algo desgastante. Acha que por viver em Paris sente uma maior liberdade criativa? Eu também vivo em Nova Iorque, não apenas em Paris. Não sei se será liberdade o que sinto, talvez seja apenas uma experiência diferente. Paris tem um ritmo diferente que Nova Iorque. É um pouco mais lento. Talvez por isso tantos escritores se tenham inspiram na vida dos cafés de Paris. É interessante quando mostra a entrevista no hotel Four Seasons. Como é que avalia esse lado do seu trabalho, ou seja, o contacto com a imprensa e a promoção do filme. É um aspecto contratual? É algo penoso ou até pode ser algo gratificante? Até porque percebemos que o Johnny (Stephen Dorf) não liga muito a isso. Sim, alguns actores podem ter esse lado. Sobretudo o Johnny Marco que está com uma ressaca e não está interessado em vender um filme que não gostou de fazer. Para mim é diferente, porque gosto muito deste filme. E quero falar sobre ele. E quero que chegue às pessoas. Às vezes pode é ser difícil de falar de certas coisas, pois tenho um envolvimento grande com o filme. Acho que me expresso melhor a filmar. © Entrevista de Paulo Portugal, publicado na revista Vidas do Correio da Manhã.
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ciclo cristal & chama : 31_maio ‘11
Banksy - pinta a parede!
Banksy, exit through the gift shop, de Banksy EUA, 2010, 86’
“Exit through the Gift Shop” é um polémico documentário assinado pelo mítico artista de rua Banksy, que traça a história de um movimento, a street culture. O documentário segue vários artistas, alguns dos quais considerados hoje estrelas, entre os quais o próprio Banksy, que apesar do anonimato é um dos mais famosos artistas britânicos, ao mesmo tempo que perspectiva o valor da arte e o que é ou não considerado autêntico hoje em dia. Natural de Bristol, começou a sua intervenção integrado no DryBreadZ Crew (1992 – 1994) e é hoje o mais reconhecido street artist do mundo. O documentário realizado pelo próprio foi um dos candidatos ao Óscar de Melhor Documentário em 2011, e mostra imagens ineditas de Banksy, como também do artista Shepard Fairey, que ficou famoso pelos seus trabalhos durante a campanha presidencial de Barack Obama.
O documentário segue vários artistas, alguns dos quais considerados hoje estrelas, entre os quais o próprio Banksy, que apesar do anonimato é um dos mais famosos artistas britânicos, ao mesmo tempo que perspectiva o valor da arte e o que é ou não considerado autêntico hoje em dia.
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nós por cá espaço de ensaio maioritariamente dedicado ao cinema português rúbrica coordenada por fausto cruchinho
The bed, de James Broughton, Estados Unidos da América, 1967. Imagem publicada em VOGEL, Amos – Film as a subversive art. London: C. T. Editions, 2005.
O cinema e a representação das sexualidades (a)típicas © Isabel Nogueira
Este texto tem por objectivo lançar uma breve refle- representação de um conteúdo cujos caracteres não ral e emocional dos acontecimentos/imagens, o nosso xão sobre o cinema enquanto meio de veiculação de são visualmente reflectidos por ela (2). Todavia, em que olhar apesar de ser conduzido pela câmara, é exterior, imagens, especificamente no que respeita à represen- medida a representação tem por intuito ser confundida intrometido e voyeuriste. É como se espreitássemos tação de determinados aspectos, considerados mais com o que representa? A imagem pode criar uma ilusão por uma janela aberta, que nos coloca em contacto ou menos atípicos, da sexualidade do ser humano. Na do real sem ser a réplica exacta do objecto que repre- com determinada situação da qual não fazemos, nem verdade, a representação plástica do espaço – quadro/ senta, isto é, sem ser um duplo desse objecto. A ilusão é suposto fazermos realmente parte. enquadramento – que o filme propõe não é diametral- não pretende criar uma réplica de determinado objecto A representação de determinados aspectos da vida somente diferente da das outras artes de cariz bidimen- (reprodução/falsificação), mas sim criar uma imagem cial e sexual do ser humano, nomeadamente das diversional – pintura, fotografia. Contudo, e como se sabe, a que duplique as aparências do objecto. Gilles Deleuze sas formas, consideradas típicas e atípicas, de exprimir imagem cinematográfica só existe na posição de con- definiu a existência de uma imagem de grande força, a a sexualidade, e mesmo as parafilias, encontra no cinetinuidade e de expectativa face a outras imagens que “imagem-pulsão”, isto é, uma imagem que corresponde ma um lugar privilegiado de materialização e, em não raa precedem e que a complementam. Por conseguinte, à representação da energia, que encerra em si o mundo ras situações, a atipicidade sexual assume no ecrã uma o plano cinematográfico é indissociável da montagem, das pulsões elementares, mas que vai além do natura- certa tipicidade, isto é, torna-se relativamente vulgar a obrigando o espectador a formar, na sua mente, a ima- lismo, porque exige uma componente estética e visual sua exibição. Não podemos deixar de referir alguma regem global dos elementos que, fragmentariamente, lhe muito poderosa e, em algumas situações, especialmen- corrência na mostra de determinados conteúdos fílmisão apresentados. O princípio do filme é a selecção de te depurada. A “imagem-pulsão” poderá situar-se algu- cos, alguns algo insólitos, que acabam por esgotar bilheuma parte da realidade, criando um sistema selecti- res entre a “imagem-acção” (meios/comportamentos) teiras. Será que este fenómeno é causado por alguma curiosidade do espectador, eventualmente voyeuriste? vo de imagens, no qual cada fotograma pertencente à e a “imagem-afectos” (espaços/afectos) (3). categoria das imagens fixas. No cinema, o espaço/lugar Debrucemo-nos um pouco sobre a relação da imagem A utilização de novos meios, nomeadamente a mescla será uma concentração, uma unidade; o tempo/acon- com o olhar. A imagem cinematográfica representa/ de linguagens, de abordagens e de experiências artístitecimento será uma dispersão, a pluralidade. Para a mostra, por isso, estabelece uma presença que abarca cas – experimentalismo –, fomentou um terreno propícompreensão do filme é fundamental a acção da cons- o domínio do real e do imaginário, num amplo, mesmo cio a novas explorações da imagem. Desde meados da ciência por parte do indivíduo que observa e analisa (1). interminável, número de abordagens estéticas possí- década de sessenta, ou mesmo antes – depois das exA imagem cinematográfica assume-se como um po- veis a determinado assunto. De facto, o cinema pode periências surrealistas e neo-realistas –, que a imagem deroso meio de expressão e de comunicação que nos debruçar-se sobre aspectos da realidade ou inspirados cinematográfica vem sendo contemplada com novos liga à nossa própria cultura. Para a sua compreensão é na realidade, ou sobre motivos puramente fantásticos conceitos e concretizações. Actualmente, em resultanecessário ter em conta o contexto da comunicação, e fantasiosos. Contudo, o olhar sobre o filme, indepen- do da técnica e da criatividade artística, mas também da historicidade da sua interpretação, e as especifici- dentemente do seu conteúdo ou género, é um olhar en- de uma notável liberdade expressiva, o cinema permidades culturais. De um modo geral, a imagem possui tre a permissão e a transgressão: a permissão, porque o te-se abarcar domínios nunca pensáveis há cinquenta três valores básicos, que poderão coexistir: valor de filme foi realizado para ser mostrado, visto e, fruto da re- anos atrás. Jean Baudrillard, na obra Simulacros e simurepresentação do real/concreto, valor de símbolo/re- produtibilidade técnica, revisto; a transgressão, porque lação, quando se refere ao cinema diz o seguinte: presentação de elementos abstractos, e valor de signo/ não estando nós na mesma dimensão espacial, tempo-
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Trash, de Paul Morrisey, Estados Unidos da América, 1970. Imagem publicada em VOGEL, Amos – Film as a subversive art. London: C. T. Editions, 2005.
The bed, de James Broughton, Estados Unidos da América, 1967.
O cinema nas suas tentativas actuais aproxima-se cada vez mais, e com cada vez mais perfeição, do real absoluto, na sua banalidade, na sua veracidade, na sua evidência nua, no seu aborrecimento e, ao mesmo tempo, na sua presunção, na sua pretensão de ser o real, o imediato, o insignificado, o que é a empresa mais louca (...) nenhuma cultura jamais teve sobre os signos esta visão ingénua e paranóica, puritana e terrorista. O terrorismo é sempre o do real (4).
No caso da homossexualidade, por exemplo, foi preciso esperar pelas vanguardas underground para que determinados filmes que se debruçam sobre esta temática pudessem ser considerados “cinema sério”. Neste domínio, podemos destacar os filmes Un chant d’amour (1950), de Jean Genet, Blow job (1964), de Andy Warhol, Sodoma (1970), de Otto Muehl, ou Trash (1970), de Paul Morrissey. Um outro exemplo da paulatina alteração do modo de ver determinados comportamentos poderá ser o facto de, durante muito tempo, a aparição no cinema de homens travestidos – aspecto visível, por exemplo, no filme de Billy Wilder, Quanto mais quente melhor (1959) –, só ser considerada interessante e até merecedora de louvores quando reportada a um contexto jocoso e divertido, nunca mostrada de um modo sério ou dramático.
De facto, nos últimos trinta anos, o que outrora seria considerado assustador, subversivo, inapropriado e até proibitivo de exibir no cinema, nomeadamente a nudez masculina frontal ou determinados temas, como a ho- Com as reinvenções e as experiências ditas pós-momossexualidade, o sadismo, o masoquismo, a violação dernas, estes terrenos, de um modo geral, conheceram sexual, a pedofilia, etc., são actualmente aspectos con- grande liberdade criativa. Fredric Jameson, em O póssideravelmente explorados e vistos. Amos Vogel na obra -modernismo e a sociedade de consumo, considerou Film as a subversive art, comenta o facto de os america- determinante para a evolução do cinema, tudo o que nos até pouco tempo atrás terem dificuldade em aceitar veio de Godard — filmes e vídeos contemporâneos de corpos nus no ecrã, a não ser que estivessem mutilados vanguarda (6). A imagem, em geral, e a fílmica, em par(5). Mas as restrições também se sentiram na Europa até ticular, ocupam um lugar de destaque no nosso quotise verificar uma certa atenuação da censura, tornando- diano. O próprio mundo transformou-se num grande -se possível a expansão de filmes com cenas de sexo ecrã, num “ponto de convergência de todas as redes de mais ou menos explícito. Tomemos como exemplos O influência”. Vivemos na cultura de massas — de comuniúltimo tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci, As cação generalizada, segundo autores como Gianni Vatmil e uma noites (1974), de Pier Paolo Pasolini, ou O im- timo (7). O próprio Pedro Almodóvar diria numa conversa com Frédéric Strauss: «Gosto de pensar que as salas pério dos sentidos (1976), de Nagisa Oshima. A eliminação de grande parte das restrições à imagem de cinema são um bom refúgio para os assassinos e os fílmica, ao nível da exibição de conteúdos de cariz não solitários. Também me agrada considerar o grande ecrã heterossexual padrão, foi particularmente complexa. como um espelho do futuro» (8).
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Em suma, os anos sessenta e setenta marcaram um ponto de viragem no modo de entender e de mostrar a imagem cinematográfica, em larga medida, como resultado de um processo de experimentalismo, a que esteve também associado uma certa abertura mental, e o consequente aumento da tolerância social e moral face a alguns dos comportamentos sexuais não padronizados. Contudo, e principalmente desde os anos oitenta, o cinema tem vindo a revestir igualmente a forma de uma espécie de montra, por vezes crua, de determinadas realidades comportamentais consideradas moral e socialmente subversivas. Trata-se de filmes que procuram pôr a nu, muitas vezes de modo bastante cru, sem grande artificialismo artístico ou estético, diversas situações. O cineasta espanhol, Pedro Almodóvar, levaria em 1986 às salas de cinema A lei do desejo. Trata-se de um filme que, entre outros aspectos, toca a temática do incesto entre pai e filha, que entretanto tinha mudado de sexo, deixando de ser homem. Pelos anos noventa fora continuou a verificar-se uma certa procura do realismo da vida quotidiana. Nesta senda, em 1995 era publicado em Copenhaga o Manifesto Dogma 95, da autoria dos cineastas Thomas Vinterberg e Lars Von Trier. Este manifesto continha dez regras, das quais podemos referir: a não existência de cenografia nem de nenhuma iluminação especial ou de quaisquer tipos de filtro; o filme não poderia possuir nenhuma acção superficial e deveria ser realizado com baixo custo de produção; a imagem fílmica seria sempre a cores, etc. Façamos um pequeno parênteses para chamar a atenção para o facto de o ser humano ver a cores e não a preto e branco. Por conseguinte, um filme a cores consegue sempre uma aproximação inequivocamente mais realista a determinado objecto/situação
do que um filme a preto e branco. O objectivo do Mani- de pessoas que, por diversos motivos, é levado a assufesto Dogma 95 seria, no fundo, a criação de um cine- mir condutas social e moralmente pouco correctas e até criminosas. Uma vez mais nos aparece o retrato do ma mais realista e menos comercial. Em 1998 saia o chamado “Dogma 1”, da autoria de Tho- pedófilo, desta vez um psicólogo que viola o jovem amimas Vinterberg, intitulado A festa. Este filme mostra-nos go do seu filho, depois de lhe colocar uma elevada dose a revelação de um esmagador segredo de família du- de comprimidos para dormir na comida. Na mesma perante a opulenta festa de aniversário do patriarca: este lícula, é-nos dado a ver o modo de operar de um indivíabusara sexualmente de dois dos seus filhos quando duo que busca a satisfação sexual/emocional fazendo estes eram crianças. Mas, talvez ainda mais interessante chamadas telefónicas obscenas a mulheres, nas quais e mais angustiante do que a catastrófica revelação, é o se incluem a sua vizinha. Esta forma de funcionamento modo como os convivas reagem, prosseguindo com o parece ser a única de que este homem é capaz. almoço, e dando a entender que nada de muito extrava- Os exemplos de filmes são em número considerável. gante fora revelado pelo filho outrora abusado. A família Um que talvez mostre com particular acuidade algue os amigos parecem só começar a crer naquela afirma- mas das parafilias é A pianista (2002), de Michael Hação depois de mais uma ou duas tentativas por parte do neke. Isabelle Huppert é Erika Kohut, professora de piaelemento que decide expor o pai e, finalmente, após da no no Conservatório de Viena. Trata-se de uma mulher leitura de uma carta deixada pela outra irmã abusada, de meia-idade que vive com a sua dominadora mãe, que se tinha suicidado algum tempo antes desta festa. O com quem tem uma relação algo doentia. O que apafilme receberia o prémio do júri de Cannes, assim como rentemente lhe dá prazer, além da auto-mutilação, é a deslocação oculta e regular a cinemas que projectam o prémio da crítica cinematográfica americana. No mesmo ano de 1998, nos Estados Unidos da Améri- filmes pornográficos, assim como a frequência de caca surgia Happiness, realizado por Todd Solondz. Trata- sas de peepshows, numa atitude óbvia de voyeurismo. -se de um filme, cujo assunto gira em torno de um grupo A realização emocional e sexual não parece ser viável
de outro modo, que não este. Ainda em 2002 estreava Irreversível, realizado por Garpard Noé. Este filme, entre outros aspectos, mostra a violação numa passagem subterrânea de Alex (Monica Bellucci). Seria mais uma de tantas violações exibidas no ecrã, mas esta acontece em tempo real. E nós, espectadores, somos praticamente obrigados a vê-la (se não quisermos abandonar a sala de projecção, claro) do início ao fim. As imagens assumem um poderio impressionante e, nesta situação, quase nos arrependemos de olhar pela janela que nos leva para um outro espaço/tempo, como se agora, qual Laranja mecânica, fôssemos forçados a ver tudo. O mesmo conceito de “tempo real” surge no filme de Vincent Gallo, The Brown Bunny (2003), com uma cena de sexo oral. Este filme seria levado ao festival de Cannes, evidenciando que o que poderia ser considerado subversivo e underground pode, muito rapidamente, tornar-se respeitável e mesmo mainstream. Em conclusão, a imagem fílmica assume um carácter poderoso, não só do ponto de vista estético, mas também do ponto de vista moral e social, concentrando em si uma função ora crítica e denunciadora, ora apologética, mas sempre mostrando, sem querer parecer que mostra.
The Brown Bunny, de Vincent Gallo, Estados Unidos da América, 2003.
Everything you always wanted to know about sex but were afraid to ask, Woody Allen, Estados Unidos da América, 1972. (1) Sobre estas questões ver Jacques Aumont [el al] – A estética do filme. Trad. de Marina Appenzeller. 2.ª ed. São Paulo: Papirus Editora, 2002; Jacques Aumont – El ojo interminable: cine y pintura. Trad. de Antonio L. Ruiz. Barcelona: Edicione Paidós, 1997; id. - A imagem. Trad. de Estela S. Abreu e Cláudio C. Santoro. 8.ª ed. São Paulo: Papirus Editora, 2004; Pierre Francastel – A imagem, a visão e a imaginação: objecto fílmico e objecto plástico. Trad. de Fernando Caetano. Lisboa: Edições 70, 1998; Francis Vanoye; Anne Goliot-Lété – Ensaio sobre a análise fílmica. Trad. de Marina Appenzeller. São Paulo: Papirus Editora, 1994. (2) Sobre este assunto ver Martine Joly – Introdução à análise da imagem. Trad. de José Eduardo Rodil. Lisboa: Edições 70, 1999; id. – A imagem e a sua interpretação. Trad. de José F. E. Martins. Lisboa: Edições 70, 2003. (3) Ver Gilles Deleuze – L’image-mouvement: cinema 1. Paris: Éditions de Minuit, D.L., 1983 ; id. L’image-temps: cinema 2. Paris: Éditions de Minuit, D.L., 1985. (4) Jean Baudrillard – Simulacros e simulação. Trad. de Maria João C. Pereira Lisboa: Relógio D’Água, 1991, p. 64. (5) Cf. Amos Vogel – Film as a subversive art. London: C. T. Editions, 2005, p. 202-207. (6) Cf. Fredric Jameson– “O pós-modernismo e a sociedade de consumo”. Trad. de Vera Ribeiro. In KAPLAN, E. Ann (org.) – O mal-estar no pós-modernismo: teorias e práticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 25. (7) Ver a este respeito Gianni Vattimo– A sociedade transparente. Trad. de Hossein Shooja e Isabel Santos. Lisboa: Relógio D’Água, 1992. (8) Frédéric Staruss - Conversas com Pedro Almodóvar. Trad. de Sandra Monteiro e João Freire. [Lisboa]: Editora 90º, 2006, p. 265.
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what’s up ccv ?
what’s up ccv ? espaço de informação da actividade do cine clube de viseu
educação para os media... Foi recentemente editado o estudo “Educação para os Media em Portugal – experiências, actores e contextos”, um relatório que sistematiza o percurso de vários projectos educativos na área dos media, desenhando um mapa exaustivo de projectos levados a cabo por diversas instituições. Elaborado pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho e editado pela Entidade Reguladora da Comunicação, identifica três orientações principais para os projectos em curso: proteccionista, na perspectiva de contrariar os malefícios dos media; modernizadora (ou tecnológica), de tornar os indivíduos capazes de usar autonomamente e criticamente os meios; e por último, capacitadora, dotar o público de competências diversas. Projectos como o Público na Escola (jornal Público), Media Smart (Associação Portuguesa de Anunciantes), Projecto Cinema para as Escolas (Cine Clube de Viseu), Juventude, Cinema, Escola (Direcção Regional de Educação do Algarve), foram destacados como exemplares do trabalho realizado junto dos públicos escolares. Uma das virtudes do trabalho assenta precisamente na noção heterodoxa de educação para os media (considerando o audiovisual, o cinema, a publicidade, ou a Internet), e a diversidade de instituições presentes neste mapa: escolas, associações, cine clubes, projectos governamentais ou empresas.
O estudo foi apresentado durante o Congresso “Literacia, Media e Cidadania”, decorrido nos dias 25 e 26 de Março na Universidade do Minho, onde foi igualmente apresentado o projecto Cinema para as Escolas, salientando a abrangência (quer geográfica quer dos níveis de escolaridade envolvidos), o impacto (junto dos milhares de alunos participantes, 24 mil desde 1999, e centenas de escolas) e multidisciplinaridade que caracterizam a sua intervenção. Maria Emília Brederode, representante do Conselho Nacional de Educação, referiu num dos painéis de discussão que o estudo e o congresso abalam dois mitos existentes sobre educação para os media em Portugal: “em primeiro lugar, que as escolas estão paradas perante o desafio; em segundo lugar, que a sociedade civil não existe ou é irrelevante para esta questão”. Ainda assim, uma das maiores ameaças à sustentabilidade da literacia para os media nas escolas “é o próprio currículo de formação dos professores deixar de comportar domínios de educação para os media, e o processo de Bolonha tem afastado essa dimensão”, referiu Vítor Reia-Baptista, da Universidade do Algarve. O estudo termina com várias recomendações, dirigidas a diferentes tipos de destinatários, que o CCV reproduz na página seguinte. A edição pode ser consultada na nossa biblioteca e as actas finais do congresso estarão disponíveis em Abril no site http://literaciamediatica.pt/congresso.
Resumo 2010 CCV público, financiamento, actividades… 10 CICLOS DE CINEMA / 41 SESSÕES DE CINEMA O CCV organizou, em 2010, dez ciclos temáticos de cinema, garantindo ao longo do ano a estreia de dezenas de obras cinematográficas na cidade de Viseu. Muitas destas sessões contaram com a presença de especialistas e cineastas convidados.
4 CURTAS REALIZADAS EM CONTEXTOS EDUCATIVOS O projecto Cinema para as Escolas manteve sua actividade, pelo 11º ano consecutivo, realizando quatro curtas-metragens em contextos educativos, ateliers de cinema de animação, sessões de cinema para escolas, e formações teórico-práticas.
FINANCIAMENTO 1 FESTIVAL DE CURTAS-METRAGENS 2010 assinalou uma forte aposta na produção audiovisual regional, 2010 foi um dos anos recentes com financiamento público mais reduatravés do VISTACURTA – Festival de Curtas de Viseu, promovido pela zido de que há memória. Empório e CCV. Foram recebidos 52 filmes, tendo o principal prémio - 43% do orçamento 2010 do CCV proveio das receitas próprias e créditos relativos a 2009 sido atribuído ao documentário ABRIGO de Rui Silveira. - 57% das receitas são provenientes de financiamentos públicos. Considerando que neste ano se assinalaram os 55 anos do CCV, era 4616 PARTICIPANTES NA PROGRAMAÇÃO A nossa actividade global registou uma participação de 4616 pessoas. legítimo esperar um reconhecimento e tratamento diferentes. A nossa Uma diminuição, ainda assim, na ordem dos 5% de público por compa- principal preocupação consistiu em manter a actividade sem perturbações, apesar da contracção quer da receita quer da despesa, veriração com o ano anterior (2009). Tomando em atenção a participação do público, bem como as activida- ficada em 2010. des emblemáticas para a cidade, como as sessões de cinema ao ar livre, em Julho, comprova-se a importância desta actividade sem fins lucrativos, que depende em grande medida do empenho e adesão do público, por uma cultura audiovisual mais independente, plural e diversa.
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EDUCAÇÃO PARA OS MEDIA EM PORTUGAL: EXPERIENCIAS, ACTORES E CONTEXTOS
RECOMENDAÇÕES 01. Porque conhecemos mal o que se está a fazer no terreno da Educação para os Media em Portugal; porque este estudo deve ser complementado com outros que dêem conta das vivências, das descobertas, dos impasses e dos caminhos seguidos nos diferentes contextos, a primeira recomendação dirige-se aos investigadores, aos centros de investigação, e às instituições universitárias: faz falta mais investigação, sobre as práticas, sobre os métodos, sobre o impacto, sobre as orientações. 02. As escolas e os professores, que continuam a ser um locus imprescindível da Educação para os Media, ganharão em tirar partido das potencialidades abertas pelos planos de estudo, para a inclusão desta matéria nas diferentes disciplinas e nos diferentes níveis de ensino; mas também nas actividades curriculares não lectivas, nos clubes, nos media escolares. 03. As experiências que se encontram no terreno, nomeadamente em torno de áreas como o cinema e a educação, os meios de comunicação de âmbito escolar, projectos em torno da actualidade jornalística, teriam a ganhar se pudessem recorrer a um fórum de encontro, troca e debate de experiências, de modo a consolidar o trabalho de cada entidade e capitalizar o conhecimento construído. 04. Considera-se oportuno e necessário que as actividades de Educação para os Media se procurem articular de forma efectiva e criativa com projectos e programas existentes quer de Tecnologias de Informação e Comunicação quer de Educação para a Cidadania. Salvaguardando a identidade de cada projecto, deverão ser os formandos e as suas necessidades o critério para a configuração das ofertas formativas. 05. Impõe-se um acentuado investimento na formação de professores e educadores por parte de diferentes entidades, especialmente instituições de ensino superior e centros de formação contínua. As instituições de ensino superior que se dedicam à formação de professores deveriam procurar dar uma maior centralidade à Educação para os Media, quer no currículo de base quer através de módulos em unidades curriculares já existentes, em cursos de pós-graduação devidamente acreditados. 06. Dada a relevância dos media noutros contextos da vida social, torna-se necessário suscitar o surgimento de iniciativas de Educação para os Media a partir de novos contextos, nomeadamente as famílias e suas associações, as instituições e serviços de saúde pública, os centros de dia e espaços de associação e animação sociocultural, as paróquias e grupos de jovens, etc. 07. As redes sociais em plataformas e aplicações digitais constituem um recurso e uma oportunidade que a Educação para os Media não deverá deixar de aproveitar. Neste sentido, torna-se necessário pensar projectos que as tomem não apenas como recurso pedagógico, mas também como objecto de estudo, compreendendo e interrogando as formas de apropriação e de construção de sentido a que dão origem e as articulações que permitem com formas mais tradicionais de comunicação.
08. Dos media nacionais e locais espera-se uma consolidação das iniciativas em curso e o surgimento de novos projectos de articulação com os públicos. Duas áreas parecem ser particularmente merecedoras de investimento, a exemplo de algumas experiências já existentes no país e no estrangeiro: a produção e aproveitamento de conteúdos difundidos, em articulação com os conteúdos da formação escolar e extra-escolar; e envolvimento em parcerias locais com instituições culturais e educativas, com vista, nomeadamente ao desenvolvimento de dimensões da Educação para os Media. Algo de análogo será de esperar da parte dos operadores do sector das telecomunicações e de serviços multimédia interactivos. 09. Ainda que não caiba ao Estado substituir-se à iniciativa das escolas, de outras entidades locais e, em geral, da sociedade civil, cabe-lhe certamente um papel crucial de criação de metas e objectivos, de quadros de incentivo e apoio ao surgimento de iniciativas e projectos inovadores, assim como de avaliação dos resultados obtidos. Deste ponto de vista, considera-se necessário que, a exemplo do que tem ocorrido com a figura do professor-bibliotecário e, eventualmente, em articulação com ele, se considere a existência, em cada escola ou agrupamento, de um docente ou equipa com um crédito de horas para pensar e dinamizar componentes transversais em que se inscreve a Educação para os Media. Do mesmo modo, cabe ao Estado instituir mecanismos que incentivem a implementação da Directiva 2007/65/EC do Conselho e do Parlamento Europeus no que diz respeito à Educação para os Media nos Estados Membros, bem como o relativo ao disposto na Convenção dos Direitos da Criança, em especial os artigos relativos à valorização da opinião e ao reconhecimento do direito de expressão das crianças. 10. Tendo em conta as responsabilidades que as entidades reguladoras de diferentes partes do mundo têm vindo a assumir no plano da Educação para os Media, é desejável que a ERC, dando seguimento à atenção que já demonstrou nesta matéria, prossiga na tomada de iniciativas, no quadro da sua esfera de competências e, em particular, de assegurar o cumprimento das normas reguladoras das actividades de comunicação social e no que se refere à promoção de práticas de co-regulação e do incentivo à auto-regulação. Estas recomendações muito beneficiariam da existência e funcionamento de parcerias mais ou menos formalizadas que acompanhem e se pronunciem sobre o desenvolvimento de políticas, de programas e de actividades de Educação para os Media e, ao mesmo tempo, promovam iniciativas próprias. Por outro lado, em articulação (ou não) com estas parcerias, faz sentido a existência e funcionamento de algum tipo de Observatório permanente que acompanhe e monitorize, com métodos rigorosos, o que se vai fazendo neste domínio. Manuel Pinto (coordenador) Sara Pereira / Luís Pereira / Tiago Dias Ferreira Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho (Março 2011). In Educação para os Media em Portugal. ERC, pp. 155-158.
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Viseu na tela, em 1930
Em 2010, cumpriu-se o 80º aniversário da estreia do filme-documentário Viseu, no Avenida-Teatro, a 29 de Junho de 1930. Este extraordinário documento histórico foi exibido em sala de cinema pela última vez em 1996, por iniciativa do Cine Clube de Viseu e voltou a estar acessível ao público desde 2002, no Museu Almeida Moreira, à época integrado na exposição Ícones e Representações – Património Histórico de Viseu. Produzido inicialmente como instrumento de promoção turística local, o filme Viseu proporciona-nos hoje uma autêntica viagem no tempo, apreciada por viseenses e visitantes. Mas essas imagens que nos fascinam não devem ser vistas apenas como um retrato da paisagem viseense de outros tempos. Elas têm a sua própria história, o contexto que lhes deu vida e que importa conhecer. Voltemos pois a 1930 e olhemos um pouco para o que se passava por detrás da câmara de filmar. Segunda parte, e última, da investigação de Luís da Silva Fernandes.
O filme da Comissão de Iniciativa e Turismo PARTE II © Luís da Silva Fernandes
O filme de 1930 Já em 1928, o Notícias de Viseu (29/12/28) questionava se não seria tempo de divulgar «em filmes documentários as tantas maravilhas regionais quási desconhecidas», notando que «se tem despresado o cinematógrafo que é hoje o propulsor mais eficaz das melhores iniciativas reclamadoras». Ora, um ano depois surgiria o documentário Viseu e Arredores, da responsabilidade da Empresa dos Teatros de Viseu, de José Casimiro, obra que, apesar de uma recepção inicial calorosa (vide Jornal da Beira, 19/04/29), mereceu diversas críticas (Notícias de Viseu, 11/05/29), chegando a dizer-se que não era «o documentário fiel de Viseu» (Jornal da Beira, 9/05/29). A 3 de Maio de 1930, O Comércio de Viseu noticiava que a Comissão de Iniciativa e Turismo tinha resolvido estudar «a execução de um film que apresentará os melhores aspectos e monumentos desta cidade». Esse era, naquele momento, um projecto ambicioso. Desde logo porque a despesa envolvida teria de ser aprovada superiormente, em Lisboa, o que nem sempre era fácil. Efectivamente, após a queda da I República, o novo regime não extinguira ainda estes órgãos locais de turismo; mas tinha alterado a sua tutela e o seu regime de financiamento. Ora, para além das obras recentemente realizadas, a Comissão tinha necessidade de verbas adicionais para a concretização de outros projectos, como o painel de azulejos do Rossio. Todavia, o dinamismo da Comissão e o apoio do Governador Civil de Viseu terão pesado na apreciação da tutela (Jornal da Beira, 16/05/30). Durante o mês de Maio, a Comissão de Iniciativa, em reunião extraordinária, agradecia ao Governador Civil e ao Dr. José de Atayde, Director Geral dos Jogos e Turismo a concessão do subsídio necessário aos projectos em curso (Jornal da Beira, 23/05/30). Foi então decidido «filmar, até ao máximo de 850 metros os monumentos de Viseu e alguns trechos da cidade e arredores» (Jornal da Beira, 23/05/30). O objectivo era claro, como relatou o Distrito de Viseu (25/05/30): «A Comissão de Iniciativa e Turismo mandou filmar os monumentos e recantos artísticos de Viseu e arredores, realizando assim uma fita ( ) que fará exibir em propaganda das belezas e encantos regionais». Entretanto, a Comissão tinha já decidido encarregar «os Vice-Presidente e Director-Delegado, sr. Dr. Côrte Real e Capitão Almeida Moreira, de escolher os trechos e monumentos que devem ser filmados.» (Comércio de Viseu, 10/05/30). Os dois executores do projecto eram homens especiais, profundamente envolvidos nas questões no urbanismo, cultura e promoção turística da cidade. António Côrte Real, Vice-Presidente da Comissão desde o seu início, era um dinâmico docente do Liceu Alves Martins, tenho desempenhado as funções de reitor (1910-1918; 1922-1925); era também o representante local da Sociedade Propaganda de Portugal, instituição pioneira na promoção do turismo nacional. Por sua vez, Francisco de Almeida Moreira, militar de
carreira e igualmente professor do Liceu Alves Martins, era não só o director e organizador do Museu Grão Vasco, mas desempenhava há anos as funções de vereador com o pelouro da «estética, jardins, largos e cemitérios» e era também membro da Comissão Organizadora da Feira Franca. As filmagens corresponderam às expectativas dos seus promotores, já que o Distrito de Viseu (25/05/30) partilhou com os leitores a seguinte apreciação do resultado: «Dizem-nos que a execução é primorosa, ressaltando com nitidez os interiores do Museu de Grão Vasco, assegurando a perfeita apreciação das maravilhas que encerra». As legendas que acompanham o filme são da autoria de Francisco de Almeida Moreira que, como director do Museu, estava habituado a divulgar a cidade e o seu património artístico, quer em congressos, quer a jornalistas e visitantes; em breve, aliás, iria também redigir um guia da cidade, publicado pela Comissão de Iniciativa [2]. O filme, com cerca de 30’, inicia-se com uma panorâmica da cidade, do alto da Via Sacra, tradicional miradouro da cidade. Introduzido o público no cenário geral da urbe, o filme desenvolve-se em torno de 5 temas principais: - «A Cidade Antiga», essencialmente um percurso que nos leva da Cava de Viriato (atribuída à «época romana») aos monumentos, ruas e casas do Centro Histórico [3], passando ainda pelo Largo Alves Martins e pela Igreja dos Terceiros. - «A Catedral de Viseu», que nos mostra os diversos aspectos interiores e exteriores da Sé [4], incluindo perspectivas tomadas da actual Praça D. Duarte e da Rua das Ameias. - «O Museu de Grão Vasco», a grande âncora da oferta turística local, é exaustivamente filmado, sala a sala, com destaque natural para a arte de Grão Vasco. - «A Cidade Moderna» aborda a realidade contemporânea da cidade, partindo da sala de visitas da cidade, a Praça da República, e cenário envolvente (Jardim Major Teles, Banco de Portugal, Casa do Soar, residência do Capitão e verdadeira atracção turística na época), numa digressão por edifícios modernos em construção, alojamento turístico, Parque do Fontelo e o seu recinto desportivo, a prática de desporto pelos alunos do Liceu (recorde-se que Almeida Moreira era aí professor de Educação Física), edifícios de instituições escolares, hospitalares, estatuária contemporânea, terminando no interior sede da Comissão de Iniciativa, no edifício do Grémio; aí, entre os diversos cartazes afixados nas paredes, é possível distinguir o cartaz alusivo à edição de 1929 da Feira de S. Mateus. - «Arredores. Trechos pitorescos», a concluir, dá-nos perspectivas de alguns cenários mais bucólicos que rodeiam a cidade, desde o conforto fidalgo da Casa e jardins de Marzovelos às animadas margens do Rio Pavia [5], terminando em Vildemoinhos, com imagens da chegada do comboio e, de forma dinâmica, com a população ribeirinha, os miúdos nas suas brincadeiras e as mulheres na labuta quotidiana.
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4 – Postal de 1930
2 – Guia da Cidade de Viseu, 1932
3 – Postal de 1930
5 – Postal de 1930
6 – Distrito de Viseu, 28/06/1930
7 – Distrito de Viseu, 06/09/1930
O filme procura, pois, mostrar uma cidade com história, possuidora de um relevante cidade: três anos depois, o Jornal da Beira (8/09/33) noticiava a exibição do filme património arquitectónico e artístico mas, simultaneamente, virada para a moderni- no Salão de Festas do Grémio de Viseu, destinada a «uma numerosa excursão, prodade, com o espaço urbano em renovação e novos edifícios (Agência do Banco de cedente de Lisboa», promovida pela Companhia dos Caminhos de Ferro do Vale do Portugal), espaços verdes, instituições que promovem o bem-estar da comunidade Vouga; de seguida, como habitualmente, foi servido um «Porto de Honra» na sede da (hospital, liceu, asilo), sem esquecer as estruturas a pensar no conforto dos visitantes Comissão de Iniciativa. (hoteis e pensões). O percurso posterior desta obra nos circuitos nacionais de distribuição e exibição Se nos parece claro que muitas das perspectivas e locais filmados seguem as opções está ainda por fazer, mas uma notícia publicada no Comércio de Viseu (25/03/31) suseguidas na já referida colecção de postais editada pela Comissão, não foi, todavia, gere uma boa aceitação pelo público não viseense: descurado o dinamismo necessário à linguagem cinematográfica. Efectivamente, as «Este «film» mandado executar pela Comissão de Iniciativa e Turismo2, foi exibido em sucessivas cenas de rua ou de actividades nas margens do rio são elementos dinâmi- Espinho, onde causou um ruidoso sucesso. O publico daquela linda praia pediu para cos que quebram a monotonia, prendendo a atenção do espectador; e, na realidade, sêr exibido pela 3.ª vez, em virtude de não conseguir entrada na casa de espectáculos essa paisagem humana que dá vida aos espaços e edifícios filmados, acaba por cons- onde foi exibido, por falta de logares». tituir mais um elemento de pitoresco local. Conclusão A difusão do filme Concluída esta pequena viagem às origens desse retrato filmado de Viseu, regresseO filme seria estreado a 29 de Junho de 1930, no Avenida-Teatro, sendo a receita da mos ao presente. O filme transformou-se num documento histórico. A sua redescosessão destinada «a auxiliar a aquisição da nova auto-maca dos Bombeiros Voluntá- berta e tratamento permite-nos aceder a um precioso repositório da memória de rios de Viseu» (Distrito de Viseu, 28/06/30)1 . O programa da sessão incluía ainda «a paisagens, gentes e costumes, único no panorama viseense. Mas este filme de Viseu comédia em 8 partes A Maça de Adão, o documentário A Cidade de Tomar e a fita é, evidentemente, um documento histórico especial. Numa época invadida pela omnipresença das imagens, ele interpela-nos e remete-nos para um outro tempo no cómica em 2 partes Homem torpedo» [6]. Tinha transcorrido um curto espaço de tempo entre a decisão de realizar o filme e qual, depois da afirmação da fotografia, o cinema começava a conquistar o quotidiaa sua estreia. E, com idêntica celeridade, deu-se início à sua utilização como instru- no. A promoção turística da época não podia dispensar obviamente a sua enorme mento de promoção turística da cidade e território envolvente. Logo a 7 de Julho foi capacidade de sedução, extensível a todos os segmentos da população. projectado na sede da Comissão de Iniciativa, como parte do programa de recepção Hoje, num outro contexto, a magia do filme Viseu ainda subsiste, a cada visionamento. de um grupo de «excursionistas» vindo de Bilbau, seguido de um «Porto de Honra» Anualmente, na Feira de S. Mateus, ou diariamente no Museu Almeida Moreira, miúdos e graúdos maravilham-se perante aquelas imagens em movimento de um tempo (Jornal da Beira, 11/07/30). E, naturalmente, em Setembro integraria o programa da Feira de S. Mateus, ou seja, passado. Tentam reconhecer locais e identificar permanências ou transformações durante a “época alta” do turismo local [7]. A sua projecção ocorreu no dia 21, dia con- na paisagem urbana, num jogo entre o conhecido e o desconhecido. sagrado a Viriato, durante o qual a entrada no recinto era paga, como contribuição Concebido em 1930 como um retrato da cidade e seus arredores para consumo de para o «Monumento a erigir ao Grande Herói Luso» (Distrito de Viseu, 6/09/30). Nesse turistas, este filme acaba por ser, nos nossos dias, o veículo para uma viagem diferendomingo foram vendidos 9.408 bilhetes (Distrito de Viseu, 27/09/30) e, à noite, entre te, na qual todos, viseenses e visitantes, embarcam com gosto, um pouco como “tuconcertos e fogos de artifício, viseenses e forasteiros puderam assistir à projecção do ristas” de memórias. Assim, oitenta anos passados, o filme que promovia a atracções turísticas locais transformou-se, de certo modo, num ícone viseense. filme Viseu (Comércio de Viseu, 6/09/30; Distrito de Viseu, 6/09/30). Após esta exibição, o filme continuou a cumprir o seu papel junto dos visitantes da 2 A Comissão de Iniciativa foi constituída a 28 de Maio de 1926 e não a 26 de Maio como, por lapso, se indicou na primeira parte deste texto, publicada no número anterior de Argumento. 1 Note-se que, embora a maioria das referências mencione simplesmente «Viseu» como título do filme, nesta notícia surge «Viseu Monumental» e, mais tarde, noticiando uma exibição a cargo da Comissão de Iniciativa, o Jornal da Beira (8/09/33) refere-se ao filme regional «Viseu Artístico».
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