CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA A COMPREENSÃO DO CINEMA

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CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA A COMPREENSÃO DO CINEMA: A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VIGOTSKI (1896-1934) E A TEORIA CRÍTICA DE W. BENJAMIN (1892-1940). Rafael Egidio Leal e Silva (Universidade Estadual de Maringá / Programa de Pós-graduação em Psicologia). Endereço eletrônico: lealesilva@gmail.com. Eixo temático: História e Cinema (10). O objetivo deste artigo é analisar as teorias acerca da arte e da estética do russo L. S. Vigotski (1896-1934) e do alemão Walter Benjamin (1892-1940), e, permitir que possamos debater a contribuição de tais teorias para compreendermos o significado histórico do cinema enquanto arte, de acordo com materialismo dialético. Desta forma, questionamos duas teorias que, a partir do marxismo, buscaram compreender o século XX, acerca dos rumos do capitalismo e de seus aspectos ideológicos, na alienação da humanidade, e até mesmo na estética e na arte e sua relação com a sociedade e sua influência na humanização ou na desumanização das massas, trabalhadoras ou marginalizadas. A sociedade contemporânea, ocidental, urbana e capitalista o adotou como uma de suas formas de arte mais massificadas, através da ideologia do progresso científico e tecnológico, o que nos permite observar que a obra cinematográfica é um eficiente retrato da nossa época, onde o homem é instigado a todo tempo a se colocar em movimento, a fim de alienar-se cada vez mais de si mesmo, mas que, contraditoriamente, é apenas através do movimento que o mesmo homem tem a possibilidade de se libertar e se universalizar, tendo a arte papel fundamental neste processo. Através de recorte teórico, analisaremos a Psicologia da arte de Vigotski. A teoria de Benjamin considerava o cinema como potencialmente revolucionário, por possibilitar às massas um instrumento de renovação. Considerando que a arte, como a ciência, constitui-se como uma forma mais desenvolvida de conhecimento produzida pelo homem, ela pode nos ensinar a ver e a ouvir, e também a refletir, fazendo avançar a nossa humanidade. Palavras-chave: Cinema. Liev S.Vigotski. Walter Benjamin.

O objetivo deste artigo é analisar as teorias acerca da arte e da estética do russo L. S. Vigotski (1896-1934) e do alemão Walter Benjamin (1892-1940), e, permitir que possamos debater a contribuição de tais teorias para compreendermos o significado histórico do cinema enquanto arte, de acordo com materialismo dialético. Este texto tem origem nas discussões e desenvolvimento da dissertação de Mestrado intitulada provisoriamente “Homem ou máquina? A constituição do sujeito contemporâneo nos filmes de ficção científica através das lentes da Teoria Histórico-cultural”, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, orientada pela professora Doutora Silvana Calvo Tuleski. O presente texto tem como problema a exposição e o questionamento de duas visões acerca do cinema, amparadas pela visão marxista, e com tais visões podem contribuir

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para os rumos do atual debate acerca do papel da arte em nossa sociedade. As teorias de Benjamin e Vigotski buscaram compreender o século XX, acerca dos rumos do capitalismo e de seus aspectos ideológicos, na alienação da humanidade, e até mesmo na estética e na arte e sua relação com a sociedade e sua influência na humanização ou na desumanização das massas, trabalhadoras ou marginalizadas. No entanto, o contexto social e cultural que cada um vivenciara e até mesmo os objetivos que cada um se propunha com o marxismo implicou em ideias próprias em relação à arte e à estética e sociedade. A sociedade contemporânea, ocidental, urbana e capitalista o adotou como uma de suas formas de arte mais massificadas, através da ideologia do progresso científico e tecnológico, o que nos permite observar que a obra cinematográfica é um eficiente retrato da nossa época, onde o homem é instigado a todo tempo a se colocar em movimento, a fim de alienar-se cada vez mais de si mesmo, mas que, contraditoriamente, é apenas através do movimento que o mesmo homem tem a possibilidade de se libertar e se universalizar, tendo a arte como fundamental neste processo, ao permitir que o homem entre em contato com outras culturas e linguagens além de lhe permitir uma infinidade de leituras acerca do real. Ao mesmo tempo, ao se colocar na posição de mero consumidor e expectador, sem compreender o movimento histórico e social de que toma parte, o homem cada vez mais se movimenta para a alienação. O movimento é uma das ideias essenciais para entendermos a modernidade, e tal movimento, que já foi medido através das engrenagens das máquinas da Revolução Industrial, hoje está na velocidade vertiginosa dos mega, giga e terabytes de informação que podemos absorver, seja no trabalho, seja na forma de entretenimento virtual – e visual – de nossos dias. De acordo com Oliveira: Isso faz dos filmes um ótimo material para análise da cultura e também para a compreensão da história da ciência. Seja através da reconstrução do passado ou do futuro do pretérito, os filmes nos possibilitam re-visitar os eventos ocorridos ou imaginados. (OLIVEIRA, 2006, 135).

Temos nos filmes, assim, uma fonte bastante e rica para a compreensão da constituição do sujeito contemporâneo e de sua subjetividade. Na transição do século XX para o século XXI, temos vivenciado uma série de problemas advindos do modo como a sociedade encontra-se estruturada em classes antagônicas e sua repercussão na constituição dos indivíduos, já apontado por Sennet (2001) e Mészáros (2003). Vivemos, portanto, numa época marcada por transformações profundas e contraditórias. Pessoas são excluídas do mercado de trabalho e ficam à deriva, à margem da economia, sem acesso às condições humanas

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essenciais. Temos também um crescente acesso ao mundo televisivo, inclusive pelas camadas mais baixas da população, mas este “mundo” é controlado por interesses de grandes redes de telecomunicações que determinam o que e de que maneira é passada a programação. O russo Lev. S. Vigotski tem como pano de fundo de sua obra a Revolução Russa de 1917 e a implantação do regime socialista, como uma pretensa superação do capitalismo. Muito se discutiu acerca do estado da Rússia czarista na época, pois era, na verdade, um estado com características muito mais feudais que modernas ou até mesmo capitalistas. No entanto, com a formação de um regime socialista, a partir das teses de Karl Marx (1818-1883), Vigotski liderou um grupo de pesquisa que tinha por escopo: (...) levar as velhas mentes (de psicólogos, professores, pais, etc.) a se depararem com novos fundamentos. Num contexto de superação do capitalismo – que agonizava sob o czarismo – e ante a necessidade de suprimir a propriedade privada e a hegemonia do privado das mentes e da prática social, o que era social e coletivo deveria ser tomado sob nova valoração: a coletividade deveria ser o mote de todas as relações sociais. (FACCI, BARROCO & LEONARDO, 2009, p. 109).

Entendemos que a subjetividade humana e sua forma de entendimento, seja pela arte, seja pela ciência, não pode ser realmente compreendida em sua forma “abstrata”, ou seja, destituída de sua materialidade histórica e social que a produz pela ação dos homens, igualmente seres históricos e sociais. O homem deve ser compreendido a partir de sua produção material, ou seja, a produção dos meios necessários para sua manutenção no mundo, e não mais como o produto do mundo. A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção. (ENGELS & MARX, 2002, p. 11)

O pensamento marxiano conclui, assim, que cada época resulta na configuração de um determinado tipo de homem. No entanto, a história é dinâmica, refletida nas necessidades dos homens, que produzem os meios de satisfazê-las, e na formação de classes sociais, que, pela divergência de interesses e pela oposição na forma de produzir a realidade, estão em verdadeira luta – a luta de classes. No capitalismo temos como classes a burguesia e o proletariado, que encontram no capital a forma de produção de riquezas e,

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portanto, de suas vidas. A burguesia, proprietária dos meios de produção, mantém o proletariado alienado de sua existência, através da exploração do trabalho pela mais valia e pela formação de uma ideologia que mantenha esse sistema de exploração. A ideologia está presente na vida cotidiana do homem, seja na divisão entre trabalho intelectual e manual, entre ciência e senso comum, na arte das elites e na arte de massas. O desvendamento de tais mecanismos é função do cientista humano comprometido com a libertação das amarras da humanidade, o que só é possível através do método histórico e dialético, pois, tal libertação apenas acontecerá quando o homem, livre da alienação, enxergar-se produtor de sua própria existência. Desta forma, a investigação que une o cinema e a Psicologia em torno da Teoria Histórico-Cultural é um desafio, pois o cinema é, na maior parte das vezes, entendido desvinculado de suas bases históricas, apenas como forma de entretenimento, ou, quando objeto de estudos acadêmicos, como expressão da imaginação artística humana produzido por gênios da indústria cultural. Os filmes são considerados como mera imaginação desvinculada de profundas raízes históricas. Concordamos com Noma ao dizer que: Evidentemente, não estamos presumindo que um filme tem a capacidade de abordar, de lançar um olhar sobre a totalidade da vida social. O olhar produzido pelo cinema é uma construção de uma determinada visão de mundo acerca de algumas dimensões do social. Desde a sua gênese, ele implica numa série infinita de escolhas, revelando sempre o ponto de vista que a equipe envolvida na produção (diretor, atores, roteirista, produtor, etc) tem sobre a temática abordada. O que interessa para nosso trabalho é que independentemente do tratamento dado ao tema, os filmes sempre lançam mão de e revelam dimensões da consciência coletiva que é produto social da experiência de viver no meio urbano, mesmo quando seu objetivo é a crítica e a rejeição. A grande força do cinema advém do fato dele ser um dos meios que permitem aos sujeitos sociais expressarem, registrarem e conhecerem melhor a sua realidade. (NOMA, 1998, p. 20).

Vigotski lançou assim as bases para a Teoria Histórico-cultural, cuja compreensão da psicologia e da subjetividade humana tem como causa a historicidade das relações humanas, da divisão do trabalho, da não-distribuição da riqueza produzida por este trabalho e da divisão da sociedade em classes que impõe à classe trabalhadora a alienação. Por outro lado, esta teoria vê o homem como ser essencialmente criativo e criador, podendo alcançar sua plenitude histórica. Para ele, assim, a arte possuía uma essencial função catártica: O social existe até mesmo onde há apenas um homem e as suas emoções individuais. Por isso, quando a arte realiza a catarse e arrasta para esse fogo purificador as comoções mais íntimas e mais vitalmente importantes de uma alma individual, o seu efeito é um efeito social. A questão não se dá da maneira como representa a teoria do contágio, segundo a qual o sentimento

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que nasce em um indivíduo contagia a todos, torna-se social; ocorre exatamente o contrário. A refundição das emoções fora de nós realiza-se por força de um sentimento que foi objetivado, levado para fora de nós, materializado e fixado nos objetos externos da arte, que se tornaram instrumento da sociedade. A peculiaridade essencialíssima do homem, diferentemente do animal, consiste em que ele introduz e separa de seu corpo tanto o dispositivo da técnica quanto o dispositivo do conhecimento científico, que se tornaram instrumentos da sociedade. De igual maneira, a arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento da sociedade através do qual incorpora ao ciclo da vida social os aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser. Seria mais correto dizer que o sentimento não se torna social, mas, ao contrário, torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia uma obra de arte, converte-se em pessoal sem com isto deixar de continuar social. (VIGOTSKI, 1998, p. 315)

Desta forma, mesmo em nossos aspectos mais íntimos, a história da humanidade se faz presente, de maneira dialética. A arte objetiva sentimentos sociais que, pela sociedade se fizeram fundamentais para o mesmo ser humano que necessita dela como um fogo purificador. O cinema surge, assim, como a forma de arte onde há a possibilidade da catarse, desde que permita ao homem o desenvolvimento de seu potencial humano, que são as funções psicológicas superiores, relacionadas à atenção voluntária e a reflexão. Catarse, conforme Newton Duarte, é um conceito fundamental para a teoria estética marxista: Para argumentar em favor dessa perspectiva, retomarei a questão da catarse em Lukács. A análise lukacsiana da catarse na recepção da obra de arte é parte de uma teoria mais ampla, na qual a arte possui como função social a de produzir a desfetichização da realidade social e de fazer o receptor da obra artística deparar-se com o questionamento acerca do próprio núcleo humano de sua individualidade. A realidade expressa na obra de arte é, para Lukács, sempre a realidade humana, é sempre o mundo dos homens o objeto por excelência da arte. (...). Essa maneira como Lukács entendia o humanismo da arte explica sua defesa intransigente do realismo, que não pode ser confundido com o naturalismo, o qual não consegue trabalhar artisticamente com a dialética entre essência e aparência e acaba tornando-se prisioneiro do fetichismo das formas alienadas que assume a vida cotidiana na sociedade produtora de mercadorias. Enquanto que o naturalismo ficaria prisioneiro dos detalhes de uma dada situação, o realismo captaria de forma artisticamente rica os processos e as tendências do movimento da história. (DUARTE, s.d., p. 04).

A partir da reflexão de Tonet (2006), que afirma que o processo de o indivíduo tornarse membro do gênero humano passa pela necessária apropriação do patrimônio – material e espiritual – acumulado pela humanidade em cada momento histórico, consideramos que é através dessa apropriação que o indivíduo vai se constituindo como membro do gênero

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humano. Por isso mesmo, todo obstáculo a essa apropriação é um impedimento para o pleno desenvolvimento do indivíduo como ser integralmente humano. Desta forma, quando se pretende promover o desenvolvimento das funções psicológicas para níveis mais complexos, não basta apenas assistir filmes como forma de entretenimento, mas é necessário que a eles sejam relacionados conhecimentos que se articulem ao entendimento do Cinema como forma de Arte. No entanto, na sociedade de classes, como nos mostra Leontiev, um dos principais colaboradores de Vigotski: “a encarnação no desenvolvimento dos indivíduos dos resultados adquiridos pela humanidade na seqüência do desenvolvimento da sua atividade global, de todas as aptidões humanas, permanecem sempre unilaterais e parciais” (LEONTIEV, 1978, p. 185). Este patrimônio material e espiritual a que este autor se refere está relacionado ao que há de mais elaborado pela cultura humana, no caso a Ciência, a Arte e a Filosofia. Vejamos esta citação de Lukács: Não pensamos aqui tão-sòmente em tôda a técnica dos instrumentos surgidos com o desenvolvimento da produção econômica, da técnica e das ciências naturais, mas também no superior desenvolvimento dos órgãos receptivos naturais causado pelas exigências cada vez mais diversificadas do trabalho, etc., e pelas fecundas relações recíprocas entre os estimulantes resultados oferecidos pela ciência e pela arte, pelo trabalho e pela prática cotidiana. A diferenciação produzida pelo desenvolvimento histórico-social, portanto, não isola entre si as atitudes singulares. Pelo contrário: quanto maior fôr a especialização, tanto maiores podem ser – se a estrutura social não intervém como fator de distúrbio, como é o caso na divisão capitalista do trabalho – suas fecundas relações recíprocas, os estímulos que elas exercem umas sôbre as outras. (LUKÁCS, 1968, p. 160).

De acordo com Engels, segundo o qual: “Primeiro o trabalho, e depois dele e com ele a palavra articulada, foram os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do macaco foi-se transformando gradualmente em cérebro humano” (ENGELS, [s.d.], p. 273), e para LEONTIEV (1978), foi por meio do desenvolvimento de instrumentos e ferramentas cada vez mais complexas em virtude do trabalho, que o homem desenvolveu as funções motrizes da mão e a fonética das línguas, aperfeiçoando a articulação e o ouvido verbal, o progresso das obras de arte demonstra também a expressão do desenvolvimento das aptidões estéticas, no homem. O processo de apropriação se objetiva no decurso do desenvolvimento de relações reais do sujeito com o mundo, e estas relações “não dependem nem do sujeito nem da sua consciência, mas são determinadas pelas condições históricas concretas, sociais, nas quais ele vive, e pela maneira como a sua vida se forma nestas condições” (LEONTIEV, 1978, p. 275). Seguindo este raciocínio, para se desenvolver as aptidões artísticas e

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científicas, as novas gerações devem não só ter acesso a estas formas de conhecimento, mas se apropriar do modo como elas são produzidas: As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, “os órgãos da sua individualidade”, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação entre eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo é, portanto, um processo de educação. (LEONTIEV, 1978, p. 290)

Sendo assim, por que não pensarmos o cinema enquanto um ganho histórico que pode ser um importante meio para a educação? Se a Teoria Histórico-cultural abre uma grande possibilidade para o cinema, podemos encontrar na obra de Walter Benjamin, em seu texto A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução uma visão bastante otimista em relação ao cinema. Benjamin publicou este texto em 1936, sendo que ele mesmo se suicidou em 1940 em fuga da Gestapo, vivia o contexto da efervescência da sociedade alemã dos anos 20 e 30 do século passado. Ao mesmo tempo que derrotada da primeira Guerra Mundial (1914-1918), era uma sociedade em pleno desenvolvimento econômico, tecnológico e bélico. Tal desenvolvimento também refletia-se na arte e no cinema, com o expressionismo alemão. Benjamin foi um dos teóricos da Escola de Frankfurt, corrente de pesquisadores que, a partir da crítica marxiana, e de outras teorias consideradas revolucionárias, como a psicanálise, formularam teses que procuravam compreender o momento histórico que viviam. Sobre Benjamin, vejamos esta citação de Kothe: O problema dele não era reescrever O capital, mas entender a especificidade do fenômeno cultural. O seu trabalho não pode ser lido como uma substituição do marxismo, mas só como uma contemplação deste num determinado aspecto que o próprio Marx quis e não pode desenvolver. Benjamin estuda a transformação da palavra literária em mercadoria, não substitui a mercadoria pela palavra: isto não lhe seria possível. Ele não queria substituir o modo “moderno” (isto é, capitalista industrial) de produção pelo moderno modo de produção literária: queria estudar o modo moderno de produção literária e a modernidade de seu produto, ou melhor, esta modernidade dentro do modo moderno de produção e esse modo moderno em sua modernidade literária. (KOTHE, 1991, p. 14-15).

Benjamin parte da tese de Marx que pode ser citada em nesta passagem: “A força é o parteiro de toda sociedade velha que traz uma nova em suas entranhas. Ela mesma é

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uma potência econômica.” (MARX, 1998, p. 864). Assim, a tônica de sua teoria é que as produções do capitalismo serão a força que o derrubarão, por conterem um potencial revolucionário. Ele acreditava que o cinema era essa força. Pra Benjamin, toda arte possui a característica de reprodutibilidade técnica. No entanto, cada época produziu obras com “aura”, ou seja, obras que sua reprodução era tão difícil que possuíam caráter de únicas. A aura confere à obra de arte um caráter quase sacro, e que por este motivo muitas vezes foi explorada pela religião, em rituais. O cinema rompe com isso, pois: Pois a aura depende de seu hic et nunc. Ela não sofre nenhuma reprodução. No teatro, a aura de Macbeth é inseparável da aura do ator que desempenha esse papel tal como a sente o público vivo. A tomada no estúdio tem a capacidade peculiar de substituir o público pelo aparelho. A aura dos intérpretes desaparece necessariamente e, com ela, a das personagens que eles representam. (BENJAMIN, 1980, p. 16).

A característica fundamental do cinema é a mediação pelo aparelho: a câmera ao ser gravado, a montagem, o projetor. Não é a arte que se coloca como natural, mas obrigatoriamente mediada pela técnica que faz o público conviver e ser desafiado por ela. O cinema possui inúmeros artifícios de montagem, e novas linguagens (o quadro) para o público. Para Benjamin, o que tornava o cinema único era, paradoxalmente, o seu caráter não-único, o fato de que suas produções eram disponibilizadas multiplamente, para além das barreiras de tempo e espaço, em um contexto em que o fácil acesso transformava-a na mais social e coletiva das artes. (STAM, 2003, p. 84)

Desta forma, o cinema possui uma praxis que o torna totalmente peculiar em relação ao outros modos de arte. Tanto no teatro, como no na pintura, a aura do ator ou do pintor são a expressão da individualidade, o que no cinema, de produção altamente coletiva, especializada na divisão do trabalho, o que implica na reprodução do capitalismo no fazer do cinema. A auto-alienação expressa na representação do homem no aparelho revela uma “aplicação altamente criadora”. O ator cinematográfico se encontra numa situação de estranheza diante do aparelho e isto pode ser transferido para as telas, podendo ser vista pela massa, que irá controlá-la. A invisibilidade da massa para o ator reforça este controle. Assim, Benjamin coloca sua posição: a arte contemporânea deverá se orientar mais para a reprodutibilidade e menos para a obra original para ser mais eficaz. O uso

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político do controle da massa sobre o ator ocorrerá com o fim do capitalismo, já que no contexto atual o capital cinematográfico impede tal processo, pois dá um caráter contra-revolucionário a ele, promovendo, inclusive, o “culto do estrelato”. (VIANA, 2006)

É interessante notarmos que ele já visualizava, nos anos 30, o acirramento das tensões do fascismo e do nazismo que culminariam em mais um conflito mundial. Interpretando esses regimes totalitários como uma das formas da atuação do capitalismo na política, Benjamin previa que a estética da guerra se anunciaria. O fim do capitalismo então, se fazia necessário como forma de preservação da humanidade: Fiat ars, pereat mundus, esta é a palavra de ordem do fascismo, que, como reconhecia Marinetti, espera da guerra a satisfação artística de uma percepção sensível modificada pela técnica. Aí está, evidentemente, a realização perfeita da arte pela arte. Na época de Homero, a humanidade oferecia-se em espetáculo, aos deuses do Olimpo: agora, ela fez de si mesma, a fim de conseguir viver a sua própria destruição, como um gozo estético de primeira ordem. Essa é a estetização da política, tal como a pratica o fascismo. A resposta do comunismo é politizar a arte. (BENJAMIN, 1980, p. 28).

A posição otimista de Benjamin em relação ao cinema foi criticada até mesmo por outros integrantes da Escola de Frankfurt, como Adorno, que não faz parte de nossos objetivos, pelo menos por enquanto, de apresentar este debate. Mesmo entre outros autores de vinculação ao pensamento marxiano, o cinema é visto assim como Vazquez: o star system em que se apóia, em geral, a indústria cinematográfica capitalista, e, em particular a norte americana, é uma criação artificial dos produtores para assegurarem o máximo lucro, ligado, por sua vez, ao número de espectadores que podem assistir a fita. E, ao lado do star system (ou vedetismo), deve-se colocar a preferência dos espectadores – preferência fabricada ou induzida de fora – por certos temas ou genros de películas que terminam por se converterem no tema ou gênero que o público necessita ver, ainda que, em última instância, sua necessidade não seja tanto sua quanto dos próprios produtores. (VAZQUEZ, 1978, p. 282).

Sendo assim, podemos observar, a partir da Teoria histórico-cultural, que há espaço para a emergência de um indivíduo criador e criativo, e não apenas reprodutor. E, a partir de Benjamin, podemos entender o cinema como meio para esta possibilidade, uma vez que, ao observarmos a produção cinematográfica norte-americana comercial, podemos perceber que o que tem imperado é a estética da guerra como meio de manter o capitalismo vivo e atuante.

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