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editorialsumário Na primeira edição de Fhisys apresentamos Nietzsche. Um pensador, filóso, poeta... como definilo? Esta edição vai apresentar sua história até o seu legado dos dias atuais, onde deixou sua marca na
Histórico Cultural Filosofia
tradição filosófica classica e moderna. Selecinamos fragmentos de suas obras mais marcantes e irreverentes escristas em alforismos para mostrar um pouquinho da abrangência de Nietzsche. Boa leitura!
Moral Obras Legado
04 09 12 15 18
Referências bibliográficas ARALDI, Clademir Luís. Nietzsche como crítico da moral. Universidade Federal de Pelotas, 2008. Disponível em: http://www.ufpel.edu.br/isp/dissertatio/revistas/27-28/02-27-28.pdf Acessado em 24/10/12 ás 18:32. MATILDE, Braian Sanches. Moral de senhores e moral de escravos na filosofia de Nietzsche. Unicamp. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/cadernosgraduacao/article/view/527Acessado em 24/10/12 ás 18h28min. MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de. Nietzsche: civilização e culturas. São Paulo: Martins Fontes, 2005. MOREIRA, Antônio Rogério da Silva. Nietzsche: o Ressentimento e a Transmutação Escrava da Moral. Ceará: Revista de Filosofia Argumentos, Ano 2, Nº 3, 2010. NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: Uma polêmica. Trad. Paulo Cesár de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1887/2007 OLIVEIRA, Anderson Rodrigo. A Genealogia da moral de Nietzsche. Disponível em: http://www.webartigos.com/ artigos/a-genealogia-moral-de-nietzsche/11263/ acessado em 24/10/12 ás 18h20min. DURANTE, Will. A história da Filosofia, Ed. Nova Cultura. 2000 NIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado Humano, Ed. Escala, 2006 HARI, Jaya. Conhecimento prático: Filosofia, Ed. Escala Educacional, 2012 BBC. Human All Too Human. 51 min.1999. Digital. Color. Som MANN, Heinrich. “El pensamiento vivo de Nietzsche”. B.A: Losada, 1942. MARCONDES, Danilo. Iniciação a História da Filosofia. Zahar, 2010.
NIETZSCHE | 3
Poeticamente Cintia Silva
F
riedrich Wilhelm Nietzsche
nal no cerebro após um ano de so-
trabalho escolar sobre Teógnis (sé-
nasceu em 15 de outubro de 1844,
frimento contínuo. Friedrich via seu
culo VI a. C).
na Saxônia, no vilarejo de Roecken.
pai sofrendo das dores todos os dias
Ao sair do internato foi estudar
No dia do batizado de Nietzsche, seu
durante um ano e se perguntava
teologia na Universidade de Bonn, e
pai, pastor do vilarero, fez uma per-
porque Deus não era capaz de aca-
na páscoa de 1865 se recusou a ir
gunta “O que será desta criança, bem
bar com o sofrimento de seu pai... a
comungar com a família em Naum-
ciência também não.
burg, Neste momento ele abando-
ou mal?” e logo após fez um discurso sobre tudo que era considerado bem e tudo que era considerado mal, por coincidência, ou não, anos depois, Nietzsche escreve um livro com o título Além do bem e do mal. Após a morte do pai, vai com a mãe morar em Naumburg, na casa da avó e das tias. Essa época foi importante na formação do jovem Friedrich
Em Naumburg, Nietzsche foi
na sua vocação ao cristianismo e vai
enviado para estudar no interna-
estudar línguas como filólogo clássi-
to de Schulpforta, onde ganhou de
co. No ano escreve uma carta a sua
seus colegas o apelido de pastorzi-
irmã onde explica seus motivos para
nho, já que preferia ler a bíblia para
tal comportamento:
sí e para os colegas do que brincar, isso o fez ficar afastado das outras crianças. Estudou muito na adolescência: a bíblia, o latim, autores clás-
e refletiu no seu período adulto. Seu pai era pastor do vilare-
sicos, grego e a cultura grega. Gos-
jo e morreu de uma doença termi-
e Ésquilo (525-456). Escreveu um
Se queres ser discípulo da verdade, então busca. 4 | Physis
tou muito de Platão (428-348 a.C.)
Te escrevo isso Elizabeth, só para contar as verdades mais comuns para os crentes. Toda verdade na fé é infalível. Ela cumpre aquilo que o crente espera encontrar nela. Porém, não oferece a mínima base para estabelecer a verdade objetiva. Aqui, os caminhos do homem se dividem. Se queres alcançar a paz e a felicidade, então crês. Se queres ser discípulo da verdade, então busca. (Retirado do documentário Human, All Too Human)
Histórico Cultural
FILOSÓFICO Seu mais provocativo ataque a
to, ainda que momentaneamente,
conseguiu precocemente o cargo
religião veio com a parábola do ho-
através da arte. A arte tem um papel
de professor de filologia clássica da
mem louco, escrita no fim de sua
muito importante na vida de Niet-
Universidade da Basiléia.
vida, onde ele proclama a morte
zsche, sobretudo a música. Duran-
de Deus. Na parábola um homem
te a experiência musical, você trans-
e se interessava por mú-
sai pela cidade perguntando para
cende seus sofrimentos por alguns
sica e poesia. Queria via-
as pessoas onde esta Deus, e afir-
instantes, e para ele a melhor con-
jar para Paris, mas o
ma que todos nós o matamos, todos
firmação desta teoria é a música de
professor
somos seus assassinos.
Richard Wagner.
em 1869 lhe pro-
Junto
com
seus
colegas,
Wagner se converteu na figura
Nietzsche teve um período de or-
de um pai substituto para Nietzsche,
gias sexuais, começou a fumar e be-
na arte do compositor ele viu uma
ber, Dizem que esse período da vida
possibilidade de renascimento
de Nietzsche foi causador de sua
cultura europeia baseado no mode-
morte, pois nessa época ele pega
lo grego clássico da tragédia.
da
sífilis, motivo da enfermidade que o
Em 1867 é chamado para o
levaria à loucura mais tarde e, dez
serviço militar, mas teve um aciden-
anos depois, à morte.
te quando montava a cavalo. Seus
Aos 24 anos, Nietzsche
Ritschl,
pôs o posto de professor e ele aceitou. Nietzsche
ocupa-se
com muito trabalho. Dá aulas sobre Ésquilo e palestras, como: “Sobre a personalidade de Homero”, “O drama musical grego”. Redige um texto, A origem
e finalidade da tragédia. Alguns não concordam com Nietzsche, mas to-
Ainda no ano de 1865, passava
músculos peitorais se distendem.
por uma livraria quando viu a reedi-
Seu professor preferido, Ritschl, de
ção do livro O mundo como vontade
cultura grega, o persuadiu a mudar
e representação de Schopenhauer
para Leipzig e se dedicar à filologia.
e encontrou nele um espelho no
Ritschl considerava a filologia o es-
qual redescobriu a vida com uma
tudo das instituições e pensamen-
natureza assustadora. Passa então, a
tos, e não só o estudo das formas
realmente se interessar por filosofia.
literárias. Seguindo o mestre, Niet-
No livro está contida a ideia princi-
zsche completou seus estudos bri-
pal de que os atos dos seres vivos
lhantemente em Leipzig, e realizou
zsche e Wagner se encontraram.
são fruto de uma cega vontade de
estudos sobre Homero, Diógenes
através de Brockhauss, um profes-
viver. Segundo Schopenhauer, havia
Laércio (século III) e Hesíodo (sécu-
sor da universidade casado com a
uma forma de escapar do sofrimen-
lo VIII a. C). A partir desses estudos,
dos o consideram um jovem de futuro promissor. Conclui o primeiro livro, O nas-
cimento da tragédia no espírito da música. Meditou sobre o assunto enquanto atuava como enfermeiro. O livro tem forte influência de Wagner e Schopenhauer. Antes da guerra, em 1868, Niet-
5
irmã de Wagner, se encontraram.
lhe tratam com respeito. Nietzsche
seja apenas abstrato ou intelectu-
Nietzsche passou a visitar Wagner
tem uma paixão contida por Cosi-
al, pois para ele, todo conhecimento
em Tribschen, que não ficava lon-
ma. Wagner se muda e eles come-
tem sua raiz no corpo, pois pra ele,
ge da Basiléia. Caracterizou o lugar
çam a se afastar. Nietzsche começa
o autodomínio implica em adquirir
como seu lar e seu refúgio. Wagner
a se isolar. Em 1876 na inaugura-
era profundo conhecedor da filoso-
ção do grande teatro de Wagner
tanto conhecimento quanto possí-
fia de Schopenhauer.
em Bayreuth, Nietzsche abandona
velsobre o corpo humano, sobre o seu corpo, sobre sua fisiologia, sobre
Em 1872 Nietzsche voltou à
o teatro após o primeiro ato do Anel
Basiléia. Profere palestras. É polêmi-
sofrendo de alguma misteriosa do-
co, mas envolvente. Fala sobre a di-
ença, sentia náuseas, não tinha es-
fusão da cultura na Alemanha. Des-
tômago para suportar as atitudes do
gostoso com o silêncio sobre o seu
amigo. Sua relação com Wagner já
primeiro livro, afunda no trabalho e
estava meio tensa devido ao nacio-
na reflexão. Lhe vêm a idéia de que
nalismo do compositor e abandonar
sar. A Expresssão Vontade de Poder
a filosofia é o médico da civilização. A
o teatro em meio a uma apresenta-
pode ser entedida como “fazer-se a
filosofia deve ser crítica, não passiva.
ção foi a gota d’água.
si próprio”.
Redige uns pedaços de A filosofia na época trágica dos gregos. Em 1872 , Nietzsche freqüenta assiduamente a casa de Wag-
Para Nietzsche, realidade é aquilo que você cria, os seres humanos tem tanto a oportunidade como a responsabilidade de criar o seu próprio mundo.
banir o corpo da cultura e que nossa natureza física e psicológica tem relação com a nossa forma de pen-
Então, em novembro de 1876
ner e Shopenhauer, a fuga espontâ-
Nietzsche e Wagner convivem pela
nea pela música, já não era suficien-
última vez. Na Gaia ciência, fala que
te pata ele.
eles tiveram uma amizade astros, mas como dois navios com obje-
Deixei de se pessimista nos piores anos da minha vida. O instinto da auto-restauração proibiu-me uma filosofia de pobreza e desalento. É assim que me parece agora, um longo período de enfermidade. Descobri a vida de novo, incluso em mim mesmo, por assim dizer. Dedicarei a minha vida á saúde, a vida, a uma filosofia á Vontade de Poder. (Doc 21’ 49’’)
tivos próprios, partiram para mares e sóis diferentes. Nietzsche vai para Sorrento, numa estada proveitosa. Volta para a Basiléia e à universidade, a saúde piora. Em maio de 1878 lança Humano, Demasia-
do Humano, numa crítica aos valoPor essa declaração pode-se entender que Nietzsche acreditou que tudo era uma questão de autodomínio, de adquirir uma espécie de autoconhecimento que não
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das influências do cristianismo fora
A partir daí a solução de Wag-
ner. Wagner, e sua mulher Cosima
Curiosidade:
sua psicologia. Ele sentia que umas
res, Wagner faz uma crítica negativa ao livro, disse que esta era a prova da instabilidade mental de Nietzsche, ao contrário de Overbeck, que sempre fiel ao amigo Nietzsche, gosta da obra. Após publicar o livro
Nietzsche renuncia a sua cátedra
ca, era estudante e tinha 20 anos.
de pensão, vê um cocheiro açoitan-
na Basiléia devido aos problemas de
Nietzsche se apaixona por ela, á vê
do seu cavalo e coloca-se entre o
saúde e começa a viajar, mora em
como uma discípula de sua filosofia
animal e o açoite, acaba por perder
vários lugares e se muda de acordo
e como mulher ideal para ele. Sa-
os sentidos. Ficou desmaiado dois
com o clima, a fim de melhorar sua
lomé, Nietzsche e Rée decidem ir
dias. Quando Overbeck vai visitá-lo,
saúde, ficava encantado quando con-
para a Suíça a fim de encontrar uma
está louco, dizia que era o sucessor
seguia viver em lugares com ar puro.
vida ‘cultural’, Nietzsche pede Salo-
do Deus morto.
Em 1870, sua saúde piora de
mé em casamento, mas ela recusa e
Nietzsche sofria da saúde mas
em 1894, acaba escrevendo um li-
não conseguia tratamento ade-
vro sobre o filósofo.
quado, isso o fez se tornar pró-
Sua vida amorosa não foi das melhores. Foi recusado no pedido
O trio se separa, mas depois de
prio médico, então ele começou
de casamento duas vezes. Em 1876
algum tempo voltam a ficar algumas
a usar drogas como o ópio, haxi-
conheceu, através de um amigo,
semanas juntos. A família de Nietzs-
xe (principalmente) e cloral, após
duas jovens de origem russa, pediu
che é contra sua paixão, afirmavam
algum tempo, é internado na Ba-
recusado. Em 1882, quando viaja pela italia conheceu Louise von Salomé, que foi apresentada pelo seu amigo e psiólogo Paul Rée. Salomé era muito inteligente e tinha uma personalidade mais liberal
Salomé
que a maioria das mulheres da épo-
nal, Salomé vivia com dois homens e não era casada com nenhum. Salomé acabou ficando com Rée em Berlim por cinco anos mas após o seu assassinato em 1904, ela decide se casar com Carl Andréas. Em 1889 Nietzsche começa a enlouquecer. Saindo do seu quarto
Wagner
a mais velha em casamento mas foi
que a moça era liberal demais, afi-
siléia contra a vontade de sua mãe. O diagnóstico é paralisia cerebral progressiva, causada possivelmente pelo uso de drogas e tendo como agravante sua saúde precária. No mesmo ano foi levado para um sanatório e depois para a casa de sua mãe, foi declarado clinicamente louco.
schopenhauer
vez, ele fica à beira da morte.
NIETZSCHE | 7
A irmã de Nietzsche, Elizabe-
Após o Congresso de Viena,
bismarkianos que exigia a anexação
the Foster, volta do Paraguai, de-
existiam 38 Estados independen-
da saxônia pela Prússia, engajan-
pois da morte do marido anti semita,
tes que formavam a Confederação
do-se pela primeira e última vez em
pelo qual Nietzsche não simpatiza-
Germânica. A política internacional
uma campanha política, esse pro-
va. Elizabethe permitia que as pes-
era coordenada por uma Dieta que
cesso não foi bom para Nietzsche
soas fossem ver seu irmão, como se
se reunia em Frankfurt, sob a pre-
pois o bismarkismo sofre um enor-
ele fosse um animal em exposição.
sidência da Áustria que, juntamen-
me desdém partidário.
Depois de uma luta judicial, consegue a responsabilidade pelos escritos do irmão, e passa a manipulá-los. Ela publica A Vontade de potência, não de acordo com a vontade do autor, mas uma coletânea de anotações e aforismos. Os livros de Nietzsche fazem sucesso na virada do século, ele obtém reconhecimento, e seus livros dão dinheiro. Mas não adiantava mais, era tarde. No hospí-
te, com a Prússia, era o estado mais
A partir desse fato Nietzsche co-
importante. Na Prússia surge um
meça a ver a unificação alemã não
governante chamado Guilherme
pelo ponto da política e sim pelo
I que ao fazer uma reforma radical
ponto da cultura, a unificação atra-
em suas forças armadas, convocou
vés da cultura. Assim em 1970 a
como ministro o político Bisma-
preocupação dele diante do quadro
rk, que já tinha sido embaixador na
político era exigir o ‘renascimen-
Rússia e na França. Nietzsche par-
to da cultura alemã’, formação do
ticipa da guerra como enfermeiro,
povo alemão no interior do proces-
mas logo adoece, com disenteria e
so de unificação, trata-se para o fi-
cio, Nietzsche escreve Minha irmã e
difteria. Essa doença pode ser a ori-
eu. Morre em agosto de 1900. Sua
gem dos problemas de saúde que o
irmã ainda manipulou seus escritos
atormentaram por toda a vida.
a favor do nazismo e do facismo, era
Foi devido a esse ato que a Prús-
admiradora de Mussolini. Sua teoria
sia consegui vencer três guerras e
do super-homem foi adaptada para
unificou a Alemanha em 1870. Essa
servir ao arianismo.
guerra pela unificação teve como
Na história
consequência o Tratado de Frank-
Nietzsche nasceu em 1844, ano de desenvolvimento e expansão da primeira fase da Revolução Industrial
furt, no qual a França perdeu a Alsácia e parte da Lorena e ainda teve de pagar uma pesada indenização.
lósofo de promover o renascimento da cultura trágica e de pessimismo, tema encontrado em seu primeiro livro, O nascimento da tragédia, que analisa a tragédia grega e o seu papel na formação do povo grego e ele vê na música do Wagner uma saída para o povo alemão. Assim Nietzsche passa a ser visto como um pensador da cultura alemã, para Nietzsche, “Cultura, é antes de tudo, a unidade dos estilos artísticos em to-
(1780-1860). A partir de 1860, o
Bismark ficou no poder como chan-
aço toma o lugar do ferro, a eletrici-
celer de 1871 à 1890 e Nietzsche
povo” FIQUEIREDO apud NIETZS-
dade e o petróleo superaram o va-
cresceu á sombra desses aconteci-
CHE, p. 167.
por e a Alemanha, país onde Niet-
mentos, pois tinha 17 anos quando
zsche nasceu, tornou-se uma das
Bismark ocupou o cargo.
principais áreas de concentração industrial. 8 | Physis
das as manifestações da vida de um
Também no sec 19 a ciência registrou um papel considerável, ini-
Nietzsche até chegou a juntar-
ciou-se a consolidação das ciências,
se a um pequeno grupo de liberais
tais como a física, a biologia, a quími-
ca, processo que preparou o modo como a conhecemos hoje em dia. Logo, ocorreu a Guerra Civil Francesa, e queimaram-se os arquivos do museu do Louvre, localizado
Mitopoesia Nietzsche por toda a sua vida, escreveu em forma de aforismo, em linguagem mitopoética e muitos filósofos não o viam como um filóso-
em Paris, Nietzsche ficou inconsola-
fo, e sim como um poeta. Para Will
do, pois considerou um crime contra
Durante (2000) o que Nietzsche
a cultura.
criou foi “um belo poema, talvez um
No séc XIX, houve uma gran-
poema mais bonito que a filosofia.”
leitores, entretante havia um abismo
de expansão colonial europeia, em
Lirismo e poesia davam-lhe ver-
busca de mercados e de matérias-
balidade com menos palavras: sen-
primas, bem como pontos estraté-
tre ele e os seus contemporâneos,
tenças curtas e líricas atingiriam,
o mundo que o ouviria, entretanto,
gicos nas colônias. Esse movimento
como ficou provado, mais rapida-
seria o de amanhã.
ficou conhecido como Imperialismo.
mente os seus leitores, embora
Nietzsche foi o mais poeta dos
A Alemanha, devido aos problemas
abrisse espaço para os mais variados
filósofos, o mais antireligioso dos
de sua unificação política, apare-
tipos de interpretações. Como seus
profetas que anunciou o dia de
ceu tardiamente como colonialista,
escritos não faziam muito sucesso,
amanhã da humanidade: “Prome-
na África. Os alemães conquistaram
nem entre os amigos mais próxi-
to uma época trágica: a arte mais
Togo, Camarões, o Sudoeste Africa-
mos, qualquer tipo de de interpre-
alta mais alta no dizer-se sim à
no Alemão e a África Oriental Ale-
tação, por mais descabida que fos-
vida, a tragédia, renascerá quando
mã. Após a Primeira Guerra Mundial,
se, era louvada, pois mostrava que
a humanidade estiver atrás de si a
alguém tinha se dedicado a ler. “Eu
consciência da mais dura, mas da
poderia cantar uma canção, e vou
mais necessária das guerras sem
canta-la, embora esteja sozinho em
sofrer com isso.”
a Alemanha perdeu suas colônias. De 1871 até a morte de Nietzsche que ocorreu em 1900, a Europa viveu um período de relativa paz, conhecido como Bela Época. Os progressos científicos e tecnológicos, as reformas sociais, a elevação do padrão de vida, os progressos democráticos, o incremento da instrução de massa e o expansionismo europeu no mundo denotavam o apogeu da Europa liberal e capitalista.
uma casa vazia e tenha de canta-la para os meus próprios ouvidos”
entre a sensação e a linguagem, en-
Seu destino o levou a loucura, raramente um homem pagou tão
Havia em Nietzsche uma vonta-
caro pelo preço de ser um gênio,
de de se comunicar com o mundo a
naturalmente trágico, poeticamen-
sua volta, queria encontrar ouvintes,
te filosófico.
Naturalmente trágico, poeticamente filosófico.
NIETZSCHE | 9
Filosofia
Além do
Homem Letícia Ferreira
N
ricas atingiram mais rapidamente
No entanto, questionar essa aposta
ízes gregas e ao estilo clássico pode
seus leitores.
comum de que a razão seria a instân-
ietzsche faz um retorno às ra-
ser facilmente ser percebido em sua
Na década de 1870 a preocu-
cia a comandar a vida dos homens:
primeira obra O nascimento do es-
pação Nietzsche tornou-se voltada
trata-se de perceber em meio a pos-
pírito da música. Ele resgata a mi-
ao quadro politico, exigir um renas-
turas a principio diferentes indexador
tologia, a tragédia, os rituais Dioni-
cimento da cultura Alemã onde ele
que as uniformiza, e assim critica-las.
síacos, a música grega na transição
avalia a cultura e civilização europeia,
A afirmação de que o racional e o es-
do período arcaico para o Clássico,
pois a característica da filosofia Ale-
piritual são a medida das coisas e que
procura mostrar que algo de essen-
mã era de que a razão devia orientar
ambos devem ser o fio condutor da
cial se perde ai. A filosofia, segun-
a constituição política da sociedade.
vida dos homens.
do ele representada por Sócrates o “homem de uma visão só”, instaura o predomínio da razão da racionalidade argumentativa, da lógica do conhecimento científico, da demonstração. O homem a proximidade com a natureza e suas forças vitais que mantinha no período anterior e que encontra sua expressão nos rituais Dionisíacos, na dança na embriagues. Dionísio é o único deus em que o filósofo poderia acreditar, é música e dança tanto a arte dos poetas quanto a própria arte neles, inspiração e realização artríticas a um só tempo. Lirismo e poesia davam-lhe mais verbalidades com menos palavras, sentenças curtas e lí-
[...] kant se orgulhava, antes de tudo e em primeiro lugar, de sua tábua de categorias; ele dizia, com essa tábua nas mãos: “isso é mais difícil do que jamais “pôde ser”! Ele se orgulhava de ter descoberto no homem uma faculdade, a faculdade dos juízos sintéticos a priori. Digamos que se enganou a nisso: mas o desenvolvimento brusco e florescimento da filosofia alemã decorrem desse orgulho e da competição de todos os mais jovens para, onde possível descobrir algo ainda mais orgulhoso – e, em todo caso, “novas faculdades”! Mas prestemos atenção já é tempo. Como os juízos sintéticos a priori são possíveis? – Perguntou-se Kant e o que ele respondeu propriamente? Em virtude da faculdade mas infelizmente não assim em três palavras, mas de um modo tão circunstanciado, tão respeitável, e com tal dispêndio de senso alemão de profundeza e de encaracolado, que não se percebeu a cômica niaiserie allemande que se esconde em tal resposta. Ficou até mesmo fora de si com a faculdade, e o júbilo chegou ao auge quando Kant descobriu ainda por cima a faculdade moral no homem. [...] todos os teólogos do Instituto de Tübingen correram mais do que depressa para moitas, todos à caça de “faculdades”. [...] Chegou um tempo em que esfregaram os olhos: e hoje ainda os esfregam. Tinham sonhado: e antes de todos em primeiro lugar o velho Kant. “Em virtude de uma faculdade” – ele havia dito pelo menos pensado. Mas isso é uma resposta? Uma explicação? Ou não é, em vez disso, apenas uma repetição da pergunta? Como o ópio faz dormir? “Em virtude de uma faculdade”, ou seja, da virtus dormativa, responde aquele médico em Molière.[...] Além do bem e do mal aforismo 11, 1º capítulo
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Curiosidade: O romantismo busca uma aproximação maior entre a filosofia e a arte, afastando-se da problemática do conhecimento, enftizando a sensibilidade mais do que a razão.
Nietzsche estava acostumado a ridicularizar aqueles que mais o ha-
concebível no mundo ideal. filósofos
precisa criar signos, palavras, preci-
viam influenciado; era a sua maneira
Nietzsche chega a uma ideia ino-
sa comunicar-se com os outros, ou
inconsciente de disfarças suas divi-
vadora, mesmo criticando seus an-
seja precisa de linguagem: é ela que
das com eles, ou seja “ele bebeu da
tecessores acredita-se que ele ba-
fornece os meios para estabelecer
fonte deles”. Ele zomba do raciona-
seou-se até na Teoria da Evolução de
a comunicação e a “permanência”.
lismo crítico moderno, de sua pre-
Charles Dawin, para chegar na ideia
A razão se torna uma faculdade do
tensão de fundamentar nosso co-
de que
a existência humana não
homem: (ou seja uma especialização
nhecimento e nossas práticas um
passa de uma ponte para a chegada
em uma área) oque era mero ins-
dos seus alvos prediletos é Kant. A
do Além do Homem, está seria atin-
trumento transforma-se, com o au-
passagem mostra seu estilo e sua
gida através ou chegada a proximida-
xílio da linguagem. Este processo da
atitude (Além do bem e do mal afo-
de da artes. Seu objetivo é, assim du-
construção da civilização e cultura
rismo 11, 1º capítulo):
plo revelar e criticar esse processo e
ocidentais na medida em que elas
restaurar os valores primitivos.
são justamente o efeito esperado
Linguagem:
dessa racionalização.
A filosofia crítica Kantiana, é vista como limitada em propósitos, devendo dar lugar a uma construção
Para
pensadores
e
que isso seja possível o homem
teórica e sistemática como encon-
Nietzsche percebe a importân-
tramos em Hegel, Fichte e Scha-
cia de tratar da linguagem no inte-
elling, embora Hegel mantenha o
rior de sua critica a razão, e o quanto
propósito critico. Os românticos re-
seria necessário o papel das palavras
cusam a teoria dando ênfase no co-
e dos conceitos de uma reavaliação
nhecimento a valorização da ciên-
do papel da razão para o homem. A
cia, e tal como Schaelling, buscam o
razão para ele, é uma espécie ins-
caminho da sensibilidade do senti-
trumento necessário ao homem na
mento da estética da criação artís-
medida em ele precisa sobreviver:
tica. O criticismo é considerado um
para tanto ele precisa calcular pre-
platonismo para o povo, e Kanti no
ver o curso das coisas, imprimir per-
fundo não será mais que um cristão,
manência em um mundo que está
ou seja o conceito de a priori só é
em constante transformação. Para
Erro: O crepúsculo dos ídolos, capítulo “A razão na filosofia”, aforismo 5:
[...] vemo-nos, de certo modo, enrreados no erro, necessitados ao erro; tão seguros estamos, com fundamento um cômputo rigoroso dentro de nós, de que aqui esta o erro [..]
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Isso é, aos olhos de Nietzsche,
Hoje vemos só os acertos que a ci-
As ideias de Adolf Hitler foram
um processo de falsificação na me-
ência expõe, onde animais que são
comparadas como seguimentos fi-
dida em que compreendemos e a
coobais de laboratórios só são ex-
losóficos a Nietzsche, uma ideia
capitamos como permanente um
postas na mídia quando obtém uma
interpretada do Hitler de manei-
mundo que está em profunda trans-
reação positiva, as que ficam leza-
ra errada. Pois Nietzsche bebeu da
formação. Visto que isso é uma ca-
das ou nem sobrevivem não nem ao
fonte de vários filósofos e estudio-
rência do homem, que para sobre-
menos mencionadas.
sos e chegou a conclusão de que
viver tende de proceder assim, ele
Ciência:
a existência humana não passa de
está necessitado ao erro. A ciência se diz com base em acertos, porem
A gaia ciência aforismo 344:
para chegar ao sucesso de suas experiências é sujeita a vários erros.
[...] Vê-se também a ciência repousa sobre uma crença, não há nenhuma ciência ‘sem presupostos’. [...]
um extensão uma “ponte” para uma chegada além do homem, se baseando na teoria darwiniana, da conservação da espécie e a schopenhaueriana, do melhoramento dos seres a partir da morte de seus antecessores, que para Nietzsche vão
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Se a grande maioria de nós
se transformar em “superação da
aponta que a ciência se difere do
espécie” com a chegada do além
senso comum devido ao fato de
do homem, o chamado super ho-
que a ciência é “verdade compro-
mem. Essa morte e superação, se
vada”, o senso comum é baseado
daria por intermédio da arte que
em crenças e “mentiras”, sem um
transformaria o homem em algo
estudo aprofundado que o com-
além do seu limite. Porém Hitler
prove. Nietzsche afirma que a ci-
desconsiderou a reflexão a adap-
ência repousa sobre uma crença.
tou para a sua filosofia de que para
Assim podemos compreender que
uma raça pura os Judeus deve-
tanto a ciência e o senso comum
riam morrer... no final da 1º guerra
nascem da mesma fonte (razões in-
mundial aproximadamente 1,1 mi-
dividuais), mas acabam se separan-
lhões de Judeus foram mortos. Se
do no determinado momento em
Nietzsche estivesse vivo e vivencias-
que o cientista escolhe uma crença
se esse massacre se sentiria culpado?
para estudar e analisar.
Ou a sociedade mundial o culparia?
Vida: Segundo Nietzsche seguimos na vida essas três fases muito distintas que, no entanto, estão intimamente ligadas a ponto de uma transmutar-se na outra. Vamos para a primeira que é a do espírito de carga, onde carregamos todas as crenças, as ideias, assim como um camelo que carrega tudo o que lhe colocam no lombo sem reclamações. Não somos senhores de nossas vontades. Essa talvez seja uma fase importante, porque nela vamos descobrir que a aparente independência que temos, não passa de uma ilusão e, com esse esclarecimento, não voltaremos, ou nos esforçaremos em não mais voltar para esse estado de dependência e sujeição. A segunda fase é onde despertamos um leão em nós, que começa a nos desvencilhar das amarras do dragão da moral castradora e passamos a buscar novos horizontes, buscar novas possibilidades para viver uma vida plena. Poreám esse leão não possui autonomia para tomar as decisões, não consegue dar um novo inicio a vida, é quando se dá a terceira fase, a criaça pois ela é a inocência, e o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento. NIETZSCHE | 13
GENEALOGIA
D
Jennifer Leticia A. Pulcinelli
A
origem da moral se torna um
problema para Friedrich Nietzsche, e em sua obra A genealogia da Moral (1887), ele analisa os conceitos vigentes construindo a história da moral e coloca em questionamento todos os valores morais estabelecidos.
“Necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio valor desses valores deverá ser colocado em questão: para isso é necessário um conhecimento das condições e circunstâncias nas quais nasceram, sob as quais de desenvolveram e modificaram (moral como consequência, como sintoma, máscara, tartufice, doença, malentendido; mas também moral como causa medicamento, estimulante, inibição, veneno), um conhecimento tal como até hoje nunca existiu nem foi desejado. (NIETZSCHE, 2007, p.6)
“O olhar crítico do genealogista – capacitado por um denso estudo etimológico em diversas línguas sobre as noções morais – lhe permite afirmar que os modos de valoração “bom e ruim” têm origens distintas, onde geralmente o primeiro está ligado ao nobre, ricos, aristocrático e, o segundo, ao pobre, fraco, doente, medroso, escravo. (MOREIRA, 2010) A partir desta análise Nietzsche descreve valores semelhantes, porém, antagônicos “os valores “bom e mau” da moral escrava procedem de uma transmutação conceitual dos valores “bom e ruim” da moral aristocrática”. (MOREIRA, 2010)
nascer de uma família rica e privilegiada; e junto com este conceito vem o outro, o “ruim”, que estão inseridos os plebeus, pobres, comum e baixo.
Bom e mau Passemos, agora, aos conceitos de valores “bom” e “mau” pertencente à moral dos escravos, cujos integrantes segundo Nietzsche, são os homens do ressentimento, os plebeus.
Bom e ruim os conceitos “bom” e “ruim” pertencente à moral de senhores, Nietzsche considera que o nobre é capaz de criar seus valores a partir de
A chamada “casta – sacerdotal” foi criada e estabelecida por sacerdotes judeus, com base nessa moral escrava, que é fraca e ao mesmo tempo vingativa.
si mesmo, “toda moral nobre nasce de um triunfante Sim a si mesma” Em seu estudo Nietzsche levanta as seguintes questões. O que é bom? E sequentemente o que é ruim? Termos criados pelos senhores aristocráticos que foram transformados em “bom e mau” pelos escravos. 14 | Physis
(NIETZSCHE, 2007 p.29). O nobre não precisa se comparar a outros para se valorizar, ele adquiriu para si o conceito “bom = nobre = poderoso = belo = feliz = caro aos deuses” (NIETZSCHE, 2007, p.26) que a divisão de classes sociais lhe deu por
“O modo de valoração nobre-sacerdotal tem outros pressupostos: para ele a guerra é mau negócio! Os sacerdotes são como sabemos, os mais terríveis inimigos - por quê? Porque são os mais impotentes. Na sua impotência, o ódio toma proporções monstruosas e sinistras, torna-se a coisa mais espiritual e venenosa. Na história universal, os grandes odiadores sempre foram sacerdotes, também os mais ricos de espírito – comparado ao espírito de vingança sacerdotal, todo espírito restante empalidece”. (NIETZSCHE, 2007 p. 25)
A questão da moral
DA MORAL Nietzsche crítica fortemente à
Nietzsche nomeia os homens
A diferença da moral de senho-
casta sacerdotal por levantar a ban-
da moral escrava e da casta sacer-
res e de escravos não é simplesmen-
deira da moral escrava, que através
dotal de “fracos e impotentes”, pois
te estas inversões de valores “bom e
da religião/cristianismo formou uma
seus conceitos morais estão basea-
ruim”, mas também a maneira como
sociedade passiva e alienada, ades-
dos em reações “aos nobres” ele os
cada um se reconhece: “o senhor
trada para seguir ordens em prol de
define incapazes da autoafirmação.
reconhece a si mesmo, enquanto o
um reino, chamado de “Reino de
“Por sua vez, a revolta dos escra-
escravo, para reconhecer-se, pre-
Deus” na inversão dos valores “bom
vos se iniciará, recusando esta con-
cisa passar antes pela mediação de
e ruim” para “bom e mau”.
sideração: sendo incapazes de auto-
seu oposto, o senhor” (MOURA p.
A definição de “bom” concebi-
afirmação, os fracos inverterão seu
123). Todo este estudo de Nietzs-
do pelos plebeus são aqueles que
olhar e negarão os nobres para ten-
che explica que o “homem só con-
não ferem, não insultam que dei-
tar se firmar”. (MATILDE). E essa ne-
segue pensar em relação ao pen-
xam a vingança por conta de Deus,
gação é a lógica da moral do ressen-
samento de outros. O bom é aquilo
que não possuem maldade e exi-
timento:
que o homem achou útil para si, vin-
gem pouco da vida. “A fraqueza
do do outro” (OLIVEIRA, 2008). Ele
é tida como virtude por um Deus
chama isto de nilismo que são os va-
“A rebelião escrava na moral começa quando o próprio ressentimento se torque impõe submissão a ele e elege na criador de valores: o ressentimento a miséria como uma glória eterna” dos seres aos quais é negada a verdadeira reação, a dos atos, e que apenas (MOREIRA, 2010). por vingança imaginária obtêm a reparação. Enquanto toda moral nobre nasce de um triunfante Sim a si mesma, já de início a moral escrava diz Não a “juízo final? É aquilo que serve de conum “fora”, um “outro”, um “não-eu” solo para seus sofrimentos por toda a – e este Não é seu ato criador. Esta invida. Mas que enquanto não vem preversão do olhar que estabelece valores ferem viver na fé, no amor e na espe– este necessário dirigir-se para fora, rança”. (NIETZSCHE, 2007, p. 32) em vez de voltar-se para si – é algo próprio do ressentimento: a moral escrava sempre requer, para nascer, um mundo oposto e exterior, para poder agir em absoluto – sua ação é no fundo uma reação. (NIETZSCHE, 2007, p. 28-29)
lores perdendo seus sentidos.
NIETZSCHE | 15
Novos valores Nietzsche fórmula um novo sistema de valores para uma sociedade em que Deus não tem lugar. Uma nova moralidade para além das virtudes cristãs tais como a abnegação e piedade.
ser entendido com “fazer – se a si próprio”. Já o conceito de “mau” é tudo aquilo que nasce da fraqueza. Isto é o cristianismo, a religião da piedade onde somos privados de toda força.
“Quando Nietzsche diz que Deus está morto, retira da sociedade toda e qualquer base de valoração. É necessário buscar, então, um novo parâmetro de valores. Caso contrário, as pessoas vão se tornando cada vez mais materialista, individualista e mercantilista” (OLIVEIRA 2008). Ou seja, teremos apenas relações de interesses. “A proposta nietzschiana é de um ideal ascético, um asceticismo diferente do propagado pelos padres, é aquele que coloca o homem no centro. A finalidade desse ideal está nas ações humana que se baseiam tão somente nas suas relações, não mais com a vontade divina” (OLIVEIRA, 2008).
Colocar o homem no centro para Nietzsche é resgatar às origens da moral do homem a ele próprio, colocando o em uma relação de igualdade. “Em que não exista necessidade de se alinhar aos valores pregados pela classe dos sacerdotes nem tampouco pela classe dos nobres”.
A definição de “bom” segundo Nietzsche é tudo aquilo que eleva no homem o sentimento de poder, que pode 16 | Physis
Curiosidade:
Mesmo afirmando que
Deus está morto, Nietzsche nunca negou a
existência dele.
PRINCIPAIS
Obras
OBRAS DE
U
NIETZSCHE Felipe Eduardo Alves
ma das primeiras obras de
Nietzsche, que foi concebida em
mão de uma “razão tirânica”, a fim de dominar os instintos contraditórios.
Nietzsche dizia que o homem é o criador dos valores, mas esque-
meio a guerra entre Alemanha e
Seu livro não foi bem visto pela
ce de sua própria criação e vê neles
França, foi O Nascimento da Tra-
crítica, o que o fez refletir sobre a
algo de “transcendente”, de “eterno”
gédia (1871), a qual se costuma di-
incompatibilidade entre o “pensador
e “verdadeiro”, quando os valores
zer que o verdadeiro Nietzsche fala
privado” e o “professor público”
não são mais do que algo “humano,
através das e de seus amigos influenciadores
Schopenhauer
A saúde de Nietzsche estava cada
demasiado humano”
e
vez pior, sua voz já não era percep-
Nietzsche, que até então inter-
Wagner. Nessa obra considera Só-
tível aos ouvintes de seus cursos,
pretara a musica de Wagner como
crates um sedutor, por ter feito
isso que o fez encerrar sua carreira
o “renascimento da grande arte da
triunfar junto à juventude ateniense
de professor na universidade. Nes-
Grécia”, mudou de opinião, achan-
o mundo abstrato do pensamento.
sa ocasião iniciou sua grande críti-
do que Wagner inclinava-se ao pes-
Nietzsche trata da Grécia antes
ca aos valores, escrevendo Humano,
simismo sob a influência de Scho-
da separação entre o trabalho ma-
Demasiado Humano. Esta obra mar-
penhauer. Nessa época Wagner
nual e o intelectual, entre o cidadão
ca o rompimento de Nietzsche com
voltara-se para o cristianismo e tor-
e o político, entre o poeta e o filó-
o romantismo de Wagner e o pessi-
nara-se devoto. Assim, o rompi-
sofo. Ele questiona como, num povo
mismo de Schopenhauer, recusando
mento da amizade entre eles sig-
amante da beleza, Sócrates pôde
sua de “vontade culpada” e trocan-
nificou, ao mesmo tempo, a recusa
atrair os jovens com a dialética, isto
do-a pela de “vontade alegre”, isso
do cristianismo. Nietzsche escre-
é, uma nova forma de disputa (àgon).
lhe parecia necessário para destruir
veu: Não há nada de exausto, nada
Nietzsche responde que isso acon-
os obstáculos da moral e da metafí-
de caduco, nada de perigoso para a
teceu porque a existência grega já
sica. Os aforismos de Nietzsche vem
vida, nada que calunie o mundo no
tinha perdido sua “bela imediatez”
á tona nessa obra, proporcionando
reino do espírito, que não tenha en-
e tornou-se necessário que a vida
uma enorme reflexão sobre diversos
contrado secretamente abrigo em
ameaçada de dissolução lançasse
pensamentos da atualidade.
sua arte; ele dissimula o mais negro NIETZSCHE | 17
obscurantismo nos orbes luminosos
nhecimento, e diz que a maior parte
o ideal. Ele acaricia todo o instinto
da atividade intelectual do homem
niilista (budista) e embeleza-o com a
age de forma inconsciente, acredi-
música; acaricia toda forma de cris-
tando que os instintos entram em
tianismo e toda expressão religiosa
combate e se unem, gerando o es-
de decadência.
gotamento repentino dos pensado-
Em 1882, quando Nietzsche residiu em uma pequena aldeia de Silvaplana, em meio a solidão e agonia profunda, ele acerta em cheio e cria a Gaia Ciência, um dos livros mais lidos na história da filosofia. O livro é divido em 383 aforismos, onde Nietzsche expõe seus conceitos sobre religião, mulher, guerra, ilusões, verdades, moral, história, entre outros. Ele lida com a teoria do conhe-
res. E esse pensamento inconsciente é o menos violento, sendo então o mais suave e tranquilo, causando a facilidade em enganar-se a respeito do conhecimento e compreensão. “Compreender são tendências contraditórias do riso, da piedade, da maldição” No ano seguinte, Nietzsche retorna a Itália e passa o inverno de
cimento e com a lógica da mente
1883 na baía de Repalho, onde não
humana, fazendo um aforismo sobre
se encontrava bem instalado e sofria
a seguinte frase: não rir, não lamen-
com a falta de conforto, porém foi
tar, nem detestar, mas compreender.
durante o inverno e em meio a esse
Em um dos seus aforismos, Niet-
desconforto que nasce a obra Assim
zsche faz uma reflexão sobre o co18 | Physis
Falou Zaratustra.
Este livro marca um momento
te é aquele que a transmutação dos
Homo, onde Nietzsche assimila Zara-
positivo na filosofia de Nietsche, ele é
valores faz triunfar o afirmativo na
tustra a Dionisio. Nessa obra ele in-
dividido em 4 livros. Nele, Zaratustra
vontade de potencia. O negative
verte o sentido tradicional da filoso-
trás os conceitos do supra-homem
subsiste nela apenas como agressi-
fia, fazendo dela um discurso ao nível
vidade própria à afirmação, como a
da patologia e considerando a doen-
critica total que acompanha a cria-
ça como “um ponto de vista” sobre a
ção. Assim Falou Zaratustra, o pro-
saúde, e vice-versa. Para ele, nem a
feta do além-do-homem, é a pura
saúde, nem a doença são entidades, a
e o eterno retorno. Anuncia a morte de Deus e diz que “O homem é uma corda atada entre o animal e o supra-homem” e que nós somos os criadores dos valores e por isso devemos nos afirmar enquanto criador,
afirmação, que leva a negação a seu
O eterno retorno, diz Nietzsche,
último grau, fazendo dela uma ação,
oferece uma “saída fora da mentira
uma instancia à serviço daquele que
de dois mil anos” e a transmutação
cria, que afima.
dos valores traz consigo o novo ho-
A quarta parte do Assim Falou
mem que se situa além do próprio
Zaratustra só veio em 1885, e como
homem. Cria-se então, um super-
Nietzsche estava cada vez mais iso-
homem com vontade de potência, com vontade de “criar”, “dar”, e “avaliar”, o qual se situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-
verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. A loucura não passa de uma mascara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e “demasiado-certo”
quem mostrar seu livro Depois de 1888, enfrentando o auge da crise, Nietzsche escrevia cartas estranhas, assinando como “Dionisio” e o “Crucificado” e acabou
te perigo e fazendo da sua vida uma
sendo internado em Basiléia, fale-
permanente luta, é a moral imposta
cendo em 25 de agosto de 1900.
Nietzsche diz também que for-
coisa, as oposições entre bem e mal,
lado só encontrou sete pessoas a
do-homem, que vive esse constan-
à do escravo e à do rebanho.
fisiologia e a patologia são uma única
Uma obra de imensa importância para a história da filosofia, foi Ecce NIETZSCHE | 19
Legado
O LEGADOE Jean Pierre Lamour
E
nquanto a ciência se usa do pla-
gem, como uma forma limitada de
questões relacionadas à moral, ao
nejamento e da planificação cartesia-
ver o mundo, Nietzsche desafia o
comportamento da religião, afas-
na para chegar ao conhecimento e
homem a fazer mais do que plane-
tando dos planejados campos cien-
à verdade, Nietzsche anda na contra
jou e ir além da planificação do pen-
tíficos e levando a uma verdadeira
mão da teoria de sua época para atin-
samento prévio. Crítico da “teoria do
experiência quase que artística, para
gir o lado oposto do que se pregava
risco”, onde tudo precisa estar se-
compreensão do mundo. Na verda-
por seus contemporâneos. Incapaz
gurado e previamente controlado,
de, a maior referência que se pode
de suportar caladamente a teoria de
parte de uma teoria mais artística
ter do legado de Nietzsche, é a arte,
que somente os acertos fazem par-
e menos científica. Não é à toa que
uma expressão totalmente pessoal,
te da busca pelo conhecimento, Frie-
até mesmo chega a ser considera-
sem limitações nem previsibilidade.
drich Nietzsche lança a ideia de que
do mais poeta do que filósofo, res-
Mesmo que partindo de um esboço,
o erro também pode fazer parte da
gatando em seus textos estilos de
o artista jamais conseguirá fazer coi-
aquisição de conhecimento e alcance
composição do grego Homero, ou
sas iguais tendo experiências iguais,
da verdade. Como parte do processo
bíblico, trazendo as ideias recheadas
pois a cada nova experiência, uma
experimental, chegar a um resultado
de linguagem poética e romântica.
parcela do conhecimento, da verda-
negativo pode mostrar o caminho
Um dos maiores pensadores da
correto, parte dele ou, na menor das
história da filosofia não poderia pas-
Desta forma, podemos colocar o
hipóteses, atestar um caminho erra-
sar batido, mesmo que anos após
legado de Nietzsche é gerado com
do para obtenção do resultado es-
suas composições, o filósofo ale-
base na dúvida, no erro e no não pla-
perado. Desta forma, o erro também
mão colocou todos os pensadores
nejado, ao contrário do que a ciên-
gera um conhecimento a respeito
da era pós-nietzschiana para refle-
cia trazia até então, que se suportava
da verdade.
tir sobre suas ideias. Seu legado po-
como a verdade através da certeza,
Sair da caixa para exercitar o
lémico ficou expresso em aforismos
gerada através de um planejamento
pensamento não previsível é a sa-
desconexos quando se pensa em
ída que o iconoclasta alemão, re-
raciocínio linear, porém cheios de
negado na sua contemporaneida-
conhecimentos quando entendidos
de e aclamado anos depois, sugere
na essência de sua proposta.
para obtenção de um conhecimento
Buscando
conceitos
básicos,
criativo, próprio, uma verdade desli-
como “A morte de Deus” e “Su-
gada dos planejamentos e da para-
perhomem, do original Ubermens-
noia científica. Criticando a lingua-
ch”, Nietzsche envolve leitores com
20 | Physis
de, diferente será revelada.
NiTZSCHE e uma planificação, buscando e usando-se somente de acertos.
Para afirmar sua teoria de “ubermensch”, o aforismo 382 (da Gaia
Sabbath, passando pelo rock expe-
No seu aforismo número 107,
Ciência) cai como uma luva: “Nós, os
rimental do Velvet Underground, ou
do livro 2, da Gaia Ciência, Nietzs-
novos, os sem-nome, os difíceis de
pelo ícone suicida do movimento
che afirma que nossa gratidão ao
entender, nós, os nascidos cedo de
grunge, Kurt Cobain, o legado niet-
surgimento da arte, tornou-nos
um futuro ainda indemonstrado –
zschiana traz à discussão, a capaci-
aptos a tolerar a inverdade que
nós precisamos, para um novo fim,
dade de superação humana, chegar
nos é dada pela ciência. Para ele, a
também de um novo meio”. Nes-
além da humanidade, obtendo o do-
ciência depende da crença, apesar
te trecho, Nietzsche deixa eviden-
mínio sobre suas paixões dando ao
de renega-la, diferentemente dis-
te sua teoria de que, homens pre-
seu próprio caráter um estilo de vida
so, a arte expõe a experiência do
cisam evoluir (e nisto podemos ver
criativo e individual.
artista, colocando seu próprio eu
resquícios da teoria evolucionista de
Resumindo seu legado, en-
expresso artisticamente, buscando
Charles Darwin) para alcançarmos
contramos o pensamento fora da
uma verdade não planejada, po-
o status de superhomem, ou além-
caixa, fora do comum e longe de
rém, comprovada em experimen-
homem. Sendo “mais corajosos do
restrições científicas pré-planeja-
tação, acerto, erro e sem contro-
que prudentes”, afim de buscar ser
das. O legado de Nietzsche come-
le absoluto ou previsto da situação.
melhor do que somos, sem nenhum
ça exatamente onde termina seu
Para ele, a arte é o olho e a mão
fator metafísico, utópico, religioso
pensamento.
que nos leva à compreensão dos
nem muito menos transcendental,
fenômenos que nos cercam.
apenas verdadeiro.
Curiosidade:
Seu legado atravessa pela re-
Por este conceito de que o co-
ligião, destacando a crença como
nhecimento vem na criação, e não
ferramenta utilizada pelas religiões
na previsão, passearam muitos no-
atualidade que a revista
universais – cristianismo e budismo
mes conhecidos da humanidade,
Superinteressante criou o Filosofigthers,
– como forma de gerar seguidores
que fizeram da arte, da experiência,
jogo do qual Nietzsche é personagem e
fanáticos e obedientes, longe do ra-
da concepção criativa, sua forma de
tem como ataques baseados em suas
ciocínio verdadeiro. Para ele “quan-
expressar conhecimento e verdade.
teorias, tem como ataques “Deus
do um homem chega à convicção
Passando pela arte pós-impressio-
está morto” e “Ubermensch (o
fundamental de que precisa que
nista de Vincent Van Gogh, chegan-
super homem)”
mandem nele, ele se torna ‘crente”.
do ao hard rock britânico do Black
“Netzsche é tão lembrado na
NIETZSCHE | 21
o destino da alma muda de rumo, a tragÊdia começa..
22 | Physis
NIETZSCHE | 23
Na próxima edição
Morin e o pensamento complexo
24 | Physis