2° Edição da Revista Cinzas no Café

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Edição 2. Revista artístico-acadêmica. Agosto. 2012

Aleilton “Falta às editoras o senso do investimento intelectual nos autores...”

As cinzas não caem à toa no café.

Yeda Pessoa “O ioruba e o banto são palavras que não fazem parte da nossa história...”

Agualusa “Muitos desses intelectuais conhecem a África arcaica, aquela que modelou o Brasil.”

-Chápoético poesia urbana e concreta. -Teatro entrevista Yeda Pessoa, Agualusa e Aleilton Fonseca.


EDITORIAL

DAVI NUNES, EDITOR CHEFE

Um metadiscurso acadêmico e literário costura o tecido pós-moderno da Cinzas no Café, nesta segunda edição. Algo como o desejo do cientista experimental, em busca da “Eureca” do conhecimento, nos impulsiona ousados para uma metaescrita criativa a refletir o processo de construção do saber científico atual. Como também a literatura em sua paginação tradicional nos livros impressos, ou em sua interação eletrônica, nos inovadores ciberespaços literários, nos dá a possibilidade de criação de uma metapoética acinzentada da época. Ao leitor virtual (indicativo, hipertextual, multidimensional) e ao leitor tradicionalista (impresso, gutenberguiano, virtuoso), poderosos construtores e atribuidores de sentido, oferecemos o preto no branco, o retrato mediático, em zoom digital, que tiramos do mundo contemporâneo.

Ficha Catalográfica: Revista artístico-acadêmica Cinzas no Café/ UNEB. ano 2, n. 2, (ago/nov. 2012). - Salvador, BA: Eduneb, 2012. Ano.2, n.2 (ago/nov. 2012) Trimestral Continuação de: Revista artístico-acadêmica Cinzas no Café. ISSN 1. Artes. 2. Produção científica. I. Universidade do Estado da Bahia – UNEB.


CINZAS NO CAFÉ Ano 02 Agosto de 2012 CONTO - De menina criança para mulher mãe.

CRÔNICA (Macacografia) – A angústia e os anseios de uma estudante na produção de sua monografia.

ENTREVISTA (Agualusa) – O autor fala sobre África e Brasil, e como alguns intelectuais brasileiros enxergam a África através de uma imagem mítica. ARTIGO (Um olhar sobre a cegueira) – O universo narrativo da desconstrução da identidade do homem em Saramago na visão de Vanessa Silva dos Santos.

QUE FIGURA (Yeda Pessoa) – “Ninguém na Bahia quer ser negro, embora todo mundo seja.”

ENTORNOS (CAPSLOOK ENGOMADEIRA) – O resgate da história da Engomadeira em caixa alta.

CHÁPOÉTICO – Poesias urbanas e concretas.

CINZAS INDICA! (Aleilton Fonseca) – Conheça os segredos urbanos de Salvador pela escrita de Aleilton Fonseca.

FOTOGRAFIA (Testemunha do silêncio) – Rasgando o silêncio da realidade contemporânea pela fotografia de Michel Assis.

CAIU NA REDE É TEXTO (Ser ou não ser, eu?) – O não-ser nas redes sociais.

NU CIRCUITO (A ditadura da moda) – Um ensaio fotográfico sobre os grilhões da moda atual, por Carla Calixto.

TEATRO ENTREVISTA - Falas reais com ficcionalização teatral: No palco das Cinzas Yeda Pessoa, Agualusa e Aleilton Fonseca.

FOTOGRAFIA (Testemunha do silêncio) – Rasgando o silêncio da realidade contemporânea pela fotografia de Michel Assis. PIMENTA NOS OLHOS (De Descartes ao descarte) – O Ctrl+C, Crtl+V na era da informação.

CATA(E)VENTOS (Afrobeat) – A cultura Ioruba nas noites de Salvador.


CONTO

DE MENINA CRIANÇA PARA MULHER MÃE Por Inussa Manuel Gomes

O céu fechou a cara e as nuvens se embrulham. N´ outro, cai o pingo d’água na ponta da chuva. Corro a ladeira e vejo o morrinho de barro. Olha lá mamãe sorrindo. Ela pula, cai de chinelo. Lá vai minha infância, subindo de pé descalço e meu bucho vai cheio de feijão colorido. Oh! Que minha vida era boa de jogar peteca, a meninada toda me chamava de tardezinha. Só tomava banho depois de uma boa sova. Não gostava de ir à escola. A rua era minha escola. Ninguém me considerava gente não, matei gato na lata de leite da bomba que fiz, era tudo inge-

nuidade dessa menina feliz. Lambuzei-me de lama da sarjeta que desci. Lá vai minha infância chorando de bucho cheio das frieiras que meu pé quase caiu, cheio dos meus risos e de minhas danações, cheio de cabeças das bonecas que cortei. Fiz de tudo de uma menina feliz. Pulei corda foi pra chegar logo na vida. As curubas em mim arderam e doeram viu?! Sempre me senti uma criança estranha, de uma criação rígida do vovô. Porém, atrás do morro, cresci menina moça. Só aos dezoitos anos conheci alguns lábios, que 4

quase morri. Num gostei da babação de troca de cuspinho. O menino fugiu, bicho do mato disse que sou! Espantei e até hoje espanto, os moços de perto de mim, Mas eu fiz cores na infância, eu me fiz e me criei de boa. Moleca de beira de rua que do queima brinquei. Salvei vidas, salvei latinhas, salvei pega-pega, salve-me! Em cada hora que eu soltei, ouvi sempre grito da vizinhança: é uma peste, segura esse diabo dentro de casa. Cozinhei de tudo no fundo de casa. Fiz sopa com as lombrigas no fundo do quintal de doente Sempre é meu nome


CONTO

e sempre fui. Não dava brecha pra febre. Eram bombons misturados com comprimidos Chupei. para saborear Sempre foram os livros. Ler foi o que fiz. Meu prato de todo dia comia. Hoje você acordou pálida, disse a minha mãe. Tudo estava alto para mim na vida, eram meus seios grandes e firmes no peito. Os sons me incomodavam. Quem diria eu que gosto da música. Tudo era motivo de estresse naquele dia. Não entendia nada, afinal era eu nascendo mulher, me sangrei, corri a casa toda, fui direto à cozinha. Mamãe, me cortei. Era chuva debaixo de minhas pernas...

absorvente, me falou de óvulo que veio, se não encontrar espermatozóide se estoura para sair em forma de sangue. Me contou de fértil ... De quem me ver muitas histórias contei. Lá vai minha infância se “Lá vai minha distanciando de bons sabores. infância se Não sentirei mais os mesmos distanciando de cheiros e gostos da infância. bons sabores. Não Não jogarei a peteca que me marcou de surra as costas. sentirei mais os Não viverei a infância que me mesmos cheiros e roubaram do doce amargo de gostos da infância.” ser criança. Lá vou eu olhando para trás e ver aquelas brincadeira de contar história, trinmãe chorando aos olhos. Foi uma conversa séria, de ta e cinco, djuga bola, cabra mulher para mulher. Minha cega, mininesa sabi de mass. mãe me mostrou as sete e cinco dias de sangue. Me deu Era eu nascendo como mulher para a vida receber. Minha mãe me viu com sorriso no rosto, levantou a cabeça, me beijou. Você já pode gerar uma vida, disse minha

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CINZAS INDICA!

“A escrita literária é complexa, muito difícil”

CINZAS: Aleilton, para vários escritores a infância é o espaço temporal de retorno que os deixam inspirados para a criação literária. Como a sua infância, em Firmino Alves, e em Ilhéus se manifesta em sua obra? Aleilton Fonseca: De fato muitas vivências e experiências da infância podem constituir material de criação e motivação para a produção literária de um autor. É uma fase de descobertas e aprendizagens intensas, marcantes para o resto da vida. Eu guardo na memória e no meu ser diversas situações e cenas de minha infância em Firmino Alves e Ilhéus que são muito marcantes na minha sensibilidade e na minha visão de mundo. Essas experiências aparecem de maneira difusa

na minha escrita, manifestando-se ora na percepção de um narrador, ora no comportamento de uma personagem, ora em certos detalhes dos enredos. Sobretudo nas passagens narrativas que

as condições culturais no início da era pós-ditadura militar não eram ainda as melhores para a literatura.

vida comunitária. CINZAS: O senhor fez parte da Geração 80, qual a contribuição desse grupo para a literatura baiana e nacional, e qual o paralelo que o senhor faz deste com o dos dias atuais?

Aleilton Fonseca: Os autores que surgem nos anos 80 do século XX enfrentavam grandes dificuldades para editar seus livros. O acesso à edição era difícil, cara e pouco profissional. Não havia ainda o espaço enorme da internet. E evocam o imaginário cultural, as condições culturais no iníhá várias imagens de situa- cio da era pós-ditadura militar ções vivenciadas ou observa- não eram ainda as melhores das nos processos de vida, de para a literatura. Para esses convivência e sociabilidade de escritores, então iniciantes, grupos que vivem em cida- uma das saídas encontradas des pequenas, nas quais ainda foram as revistas universitápermanecem traços de uma rias, de grupos e de institui6


CINZAS INDICA!

ções, e os cadernos literários dos jornais. E também os concursos e os editais de publicação das instituições culturais. Outra saída foi a associação de autores, em eventos e projetos de divulgação. Também havia uma aproximação grande com os autores mais velhos, sobretudo aqueles da geração 60, que já publicavam livros. Havia mais solidariedade, agregação e busca de soluções em comum. Muitos desistiram, abandonaram a ideia de serem escritores. Outros se mantiveram firmes no ideal e se firmaram no panorama da literatura contemporânea, com revistas, livros e ações, ocupando posições na vida cultural e literária. Esse grupo contribuiu com sua luta, sua resistência e sua persistência, evitando a descontinuidade do processo de renovação literária. Seus livros, suas revistas, suas contribuições estão aí para que os leitores, os críticos e os pesquisadores possam conferir, analisar e compor o panorama dessa fase de nossa vida literária. Os dias atuais são bem mais generosos, pois o número de editoras só aumenta e as oportunidades de publicar se multiplicam, sejam pela oferta de possibilidades, seja pelo barateamento da produção do livro, seja pelo imenso espaço da internet, com os blogs, os sites e as redes sociais de divulgação instantânea da produção intelectual. CINZAS: Como ocorre a relação do Aleilton escritor com o teórico da literatura? São processos que se diferem ou se assemelham?

Aleilton Fonseca: São dois processos distintos, mas contíguos e em contínuo diálogo. Na verdade, não sou assim um “teórico”, mas apenas um ensaísta que lê, reflete e analisa autores e obras, dentro de um recorte temático. Essas leituras teóricas e o exercício crítico me dão um perfil que se transmite, naturalmente, à consciência do escritor em processo de escrita. Uma prática não atrapalha a outra, mas sim contribuem mutuamente para o resultado dos textos ensaísticos e literários. A experiência acumula-se, pois o ensaísta ajuda o escritor na hora da criação,

A poesia, por sua própria natureza, não se rende ao gosto do mercado editorial. O seu público é mais específico, e portanto menor. aguçando-lhe o senso autocrítico e a consciência em torno daquilo que cria e escreve. Já a consciência do escritor oferece medidas e parâmetros de compreensão da obra analisada, pelo viés da criação, permitindo captar melhor a relação entre a intenção e o resultado da obra. CINZAS: O senhor já mora em Salvador há algum tempo, como se manifesta o espaço urbano soteropolitano em sua literatura? Aleilton Fonseca: O espaço urbano soteropolitano se manifesta de modo cres7

cente, desde o livro de contos “O canto de Alvorada”, de 2003. Nesse livro há um conto intitulado “As marcas do fogo”, que é uma viagem por Salvador e pela Baía de Todos-os-Santos. No meu livro mais recente, a ser lançado breve pela editora Caramurê, a presença de Salvador é mais densa, desde o título, “As marcas da cidade”. Todos os contos se passam em cenários urbanos de soteropolitanos, que são indicados e nomeados, desde o centro, o subúrbio e os bairros “chiques”, com seus problemas e suas movimentações humanas. CINZAS: Sabe-se que o mercado editorial na atualidade prioriza a prosa, será que a poesia, que também é uma expressão artística que o senhor utiliza, possui lugar neste mercado? Aleilton Fonseca: Essa discussão é antiga e sempre polêmica. A poesia, por sua própria natureza, não se rende ao gosto do mercado editorial. O seu público é mais específico, e portanto menor. Daí surge o mito de que poesia não vende, que não desperta interesse nos editores. Isso é relativo. Há uma comunidade de leitores e apreciadores de poesia. E os poetas mais velhos e consagrados tornam-se viáveis e vendem livros que são adotados em cursos e caem em exames diversos. Para chegarem a essa condição foi necessário editar e lançar seus primeiros livros. Ou seja, falta às editoras o senso do investimento intelectual nos autores, de modo que possam, uma vez edita-


CINZAS INDICA!

dos, se firmar no mercado, dando retorno suficiente para remunerar os investimentos dos editores. Enfim, a poesia possui, sim, o seu lugar no mercado.

co tem sua lógica própria. Da mesma forma que há um tratamento visual do texto nas edições normais, no suporte papel, também há um arranjo do texto para uma apresentação expressiva no suporte CINZAS: Como o senhor eletrônico. Há escritores quês vê a influência da tecnologia e adaptam bem a um deterda informação no processo de minado gênero de texto, e por criação literária? ele se caracteriza. Creio que já existem autores identificados Aleilton Fonseca: Os su- de tal forma com o estilo de portes influenciam o processo blog, que sua escrita demonsde criação, e isso é normal. tra as suas preocupações com Na pintura, a qualidade das Os suportes influentintas, dos pincéis, das telas ciam o processo e demais suportes proporcionam aos artistas novas posside criação, e isso é bilidades de explorar as suas normal. Na pintuhabilidades criativas. Na litera, a qualidade das ratura também acontece isso, embora de forma mais sutil, tintas, dos pincéis, menos visível. Os diferentes das telas e demais perfis de editoração, os novos designs editorias, os forma- suportes proporciotos dos livros, a natureza dos nam aos artistas noespaços eletrônicos, tudo isso vas possibilidades acaba influenciando as formas dos textos produzidos e de explorar as suas adaptados aos seus suportes. habilidades criatiCada vez mais a interação envas. Na literatura tre o editor e o autor se tortambém acontece na usual e normal, em busca de um projeto editorial mais isso, embora de forconsistente e definido. A dema mais sutil, mepender do tipo de edição e de nos visível. suporte, o editor às vezes até sente-se no direito de sugerir certas adaptações ou modifi- a objetividade, a concisão, a cações ao autor do texto. fluidez e a velocidade que caracteriza a escrita em blog. E CINZAS: A escrita em nada impede que essa escriblog se caracteriza por ser ta possa migrar para o papel, uma escrita fluida e veloz, po- nos livros normais. de-se prever que este supor- CINZAS: Já enveredado te servirá como um prelúdio pelos diversos gêneros literápara o surgimento de novos rios, há aquele que seja o de escritores? seu maior domínio? Aleilton Fonseca: Sim, a escrita no suporte eletrôni-

lidades formais: crônica, conto, novela, romance – constitui a minha área de maior domínio, com um número maior de livros escritos e publicados. Depois disso, o ensaio tem sido o meu espaço de atuação acadêmica e intelectual, com algumas publicações relevantes. A poesia, ao final, completa o meu leque de produção literária. CINZAS: Como o senhor vê sua influência na literatura contemporânea brasileira, já que o alcance de suas obras ultrapassou os limites territoriais de nosso país, tendo até sido traduzido para o francês? Aleilton Fonseca: O alcance do meu trabalho vem se ampliando. É certo que, na Bahia, meu trabalho vem obtendo cada vez maior visibilidade e meu nome vem crescendo positivamente. Em vários campi da UNEB, onde há cursos de Letras, meus livros vêm sendo bem estudados. Também tenho notícias de leitura e de estudo de meus livros em alguns estados. Mas ainda é preciso trabalhar muito, e contar com um trabalho mais efetivo das editoras em torno de meus livros, a fim de conseguir um lugar mais efetivo no panorama nacional. Isso é difícil, é uma construção lenta que se faz pedra a pedra, com paciência e perseverança. CINZAS: Quais são os autores de relevância para sua criação como escritor?

Aleilton Fonseca: Tudo Aleilton Fonseca: Creio que um autor lê auxilia na sua que a ficção, – em suas moda- formação, no seu estilo, na 8


CINZAS INDICA!

sua escrita. O autor é antes de tudo um leitor. Nesse processo ele se define e adota os seus autores preferidos para estabelecer com eles diálogos diretos e indiretos. Creio que autores como Machado de Assis, Lima Barreto, Jorge Amado, Adonias Filho, Herberto Sales, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e tantos outros contribuem sempre para a minha formação de escritor. Tudo que li é material de apoio no íntimo de minha consciência de escritor. CINZAS: Qual o conselho que você daria para os novos escritores que se enveredam pelo campo complexo da escrita literária.

literária é difícil, requer preparo, maturação e exercício. Nada que do que se escreve está logo pronto e acabado. É preciso escrever, ler, reler, riscar, cortar, acrescentar, polir, reescrever. A obra é resultado de muito trabalho com o texto, com o estilo, com as técnicas de escrita e os temas e os conteúdos da cultura. É preciso viver, vivenciar e observar o mundo, a vida, a realidade. A escrita literária é complexa, muito difícil. CINZAS: Para finalizar, uma pergunta que a Cinzas faz para todos os escritores e o senhor não pode escapar dela; a inspiração é preguiçosa ou transpiração demais é para escritores de pouca inspiração?

Aleilton Fonseca: Aos novos autores aconselho o exercício diário do sonho, do Aleilton Fonseca: As ideal, da persistência, da lei- duas coisas fazem meio-sentura e do trabalho. A escrita tido cada uma. O poeta Char9

les Baudelaire descobriu, no século XIX, que a inspiração não garantia mais a literatura para a modernidade. A escrita passou a ser uma luta de esgrima, travada nas ruas, nas entranhas das culturas em movimento. Para ele, a partir da modernidade fervilhante das ruas, o autor precisava sair de sua concha para ir em busca de seus motivos, seus temas, sua linguagem. Cada escrita impõe seu jeito e modo. Na criação de uma determinada obra a invenção e o talento podem até resolver; mas noutra obra pode ser preciso despender um trabalho árduo de pesquisa, adequação de linguagem, e reescritas do texto, até atingir o objetivo. Toda obra é aberta e pode receber algum reparo do próprio autor, na escrita, ou dos críticos, em seus ensaios. A perfeição é uma ideia platônica.


CRÔNICA

Macacografia Por Biba Barreto

“Monografia” palavra quando dita ou lida pode despertar os mais terríveis pensamentos e provocar centenas de náuseas incolores (As cores já se perderam há algum tempo), mas será que esta perturbação de nível atômico em nós é realmente necessária? (Perguntem para quem passou ou para quem está vivenciando esta experiência). Seu significado é simples, podemos defini-lo com poucos mais de uma linha (“Anh-ran”): trabalho escrito que trata de um assunto específico – pronto! ponto. Vamos continuar caminhando, em seu sentido etimológico significa: mónos (um só) e graphein (escrever): dissertação a respeito de um assunto único. Simples não? Como algo simples pode nos fazer passar mal muitas vezes? Algo estava errado (pre-

cisava acreditar nisso), algumas peças estavam faltando para que a roda-gigante da vida pudesse entender o motivo de está girando sempre. “Voilà” depois de algum tempo de pesquisa e sonhos sobre os mistérios que circundavam esta “santa” palavra Monografia, pode criar e

sem cauda e com longos braços (o chimpanzé, o orangotango e o gorila) e grafia advém (realmente) de graphein (escrever). Já imaginaram essa “mono/grafia”? Macacos (mesmo sendo um GRANDE PRIMATA) imitando uma escrita previamente escolhida, com Como algo simples um “chapéu” inversamente proporcional ao seu tamanho pode nos fazer pas- e seus sonhos e dançando de acordo com a música tocada sar mal (ditada pela academia)? Este muitas vezes? é um dos significados etimoentender o seu real(ternativo) lógicos dessa nova(antiga) significado e sua origem eti- palavra Monografia (nascimológica com mesma sim- da desde 1830), neste caso plicidade, todavia com uma “Macacografia”(nascida despreocupação maior e mais ir- de algum sonho), lembrando reverente. Etimologia: Na re- que esta origem não esgota as alidade este “móno” não é de tantas outras hipóteses e te“um só”, e sim “móno” é uma oria que ainda hão de vir. Ah, denominação dada aos maca- bem lembrado... O significado cos (símios) em geral, (e tam- dessa “Macacografia” segue bém) aos grandes primatas nos sonhos reais escritos na 10


CRÔNICA

próxima página. Em um novo amanhecer, amanhecia nos braços (in) finitos da internet, dialogando com Word, artigos, anotações, livros, livretos, mais Word, artigos, anotações, livros, livretos. A confusão marcada como tatuagem, a rosa-dos-ventos murchou só deixando os ventos, nada de transver o mundo, precisávamos de algo concreto (Diz-se do que é sólido [e não fluido] [substância concreta]; CONDENSADO; ESPESSO), água evapora, transcende, “não fluidos” não transcendem, são pesados, nos fazem tropeçar –. Entristecida, fera ferida, os sentidos e significados estavam perdidos, escrever passou a ser know-how tortura o enquadramento acadêmico ensina manuais de tortura e torturadores (Tormentos aos contadores de história), circunstâncias de mortes para as ideias, desaparecimentos de consciências edas prisões arbitrárias para vida cometidas nos anos de chumbo (concreto?) e revivendo no hoje. “(...) O olho vê, a lembrança revê...” (Manoel de Barros) As falas escritas, histórias e estórias contatas, “A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a História.” Guimarães Rosa, não era sapiência e nem ciência, não há aprendizagem. Escrever no quadrado acadêmico – Perdão - no enquadramento acadêmico tem mais valor (Preço atribuído a algo: o valor de um terreno/ Utilidade, valia/ Importância, qualidade, mérito/ Validade). Deve-se formatar aos poucos. 2 anos, 9 meses e 28

dias – Tempo, tempo, tempo esses anos, meses e dias são as vivências na faculdade, 36 disciplinas (Significado/Origem: “aquele que segue” – Outros sentidos: castigo que produz obediência) algumas tive o prazer e a sorte de caminhar ao lado, outras verdadeiras obediências, amea-

2 anos, 9 meses e 28 dias – Tempo, tempo, tempo - esses anos, meses e dias são as vivências na faculdade, 36 disciplinas (Significado/ Origem: “aquele que segue” – Outros sentidos: castigo que produz obediência) algumas tive o prazer e a sorte de caminhar ao lado, outras verdadeiras obediências, ameaçados por faltas e notas, três anos passados em uma Instituição de Ensino Superior e uma corriqueira monografia não se concretizava.

çados por faltas e notas, três anos passados em uma Instituição de Ensino Superior e uma corriqueira monografia não se concretizava. Pensamentos e Ideias essas não faltavam, comecei a ficar com raiva disso, a não querer pensar tanto, pedir para as ideias ficarem quietas, elas não estavam me ajudan11

do, corria contra um tempo, que nem sei que tempo é esse, queria mostrar para mim que sabia escrever, como assim? Será que até hoje não escrevo? E os contos? As poesias? Frases? Não é escrever? Não para linguagem acadêmica! Mas por que não? O erro pode ter sido meu, ao invés de ler muitos artigos, monografias, teses, me deliciava e fruía nos livros. Livros de Paulo freire, Maria Olypey, Rubem Alves, Gheralldeli, Edgar Morin, Manoel de Barros, Medina, João Batista Freire, Antônio L. Bahia, Alberto S. Tourinho, Tom Jobim, Madalena Freire, Lima Barreto, Lauro de Oliveira Lima, Lev Vygotsky, Pedro Demo, Jean Piaget, Jean Jaques Rousseau, Vinícius de Morais, Platão... – Livros que são verdadeiras histórias, textos que lhe proporcionam prazer, em um cenário para descansar, uma terra imperfeitamente perfeita para nascer um pé de gente. Quando menos espero, meus pensamentos assumem o papel do treinador e questiona-me: Como sempre Renata, se posicionando muito bem, mas quantas páginas têm a sua monografia? Automaticamente a resposta chegava aos galopes: NENHUMA (uma ou duas e quem sabe três), mas uma vez as lágrimas regavam a flor do meu amanhecer. Download de artigos, procura-se por livros. Ler, ler, ler, ler, ler, ler, ler (Logo vira L.E.R.) Estava lendo Gheralldeli e me perguntei: Será que ele tem Facebook? Vou procurar. Fiquei nervosa quando vi o seu perfil, fiquei naquele dilema, mando um convite ou


CRÔNICA

não? Resolvi mandar. Entrei no site dele, estava nas partes dos livros (Por que será?!) nos links dos vídeos, tinha uma entrevista com o Jô – Minha Curiosidade pedindo para assistir, certamente assisti. Gostei da conversa, uma boa conversa entre amigos, no entanto, o momento que iria me fazer chorar encontrava-se no final – Uma metáfora sobre um ensinamento de Paulo Freire. A história: “Como fazemos para que um elefante possa descer da árvore? Ele senta em uma folha e espera o outono chegar”. Nesse presente, meu passado misturou-se com o futuro, perdi a noção do tempo-espaço, meus olhos derramaram sentimentos derretidos. Tempo, esse tempo que corremos tanto contra ele, deve ser nosso amigo, “calma gafanhoto”, “a fruta só dá no tempo” (Mestre Bimba), mais uma vez parei para pensar na pressa. Algumas pessoas no “programa

do Jô” riram dessa aprendizagem vestida de conto, mas não as culpo, muitos foram formatados a entender: Espaçamentos 1,5, letras Times New Roman ou Arial, fonte 12, Margem da página 3-3-2-2cm e tantas outras coisa (in)úteis para escrever um texto.

bração. Segundo parágrafo do texto: “Contar histórias é algo que Paulo Freire sabia bem. E nisso, ele fazia filosofia. Pois a filosofia que ele fazia, se quisermos algum enquadramento acadêmico, pode ser vista como na tradição de Montaigne e Pascal. Uma filosofia de e aforismos.” Esse foi Tempo, esse tempo ensaios o momento, exato, do choque corremos tanto ro, a cada letra do texto, uma contra ele, deve ser lágrima dançava, comecei a agradecer meus sorrisos e fanosso amigo, zer poesias de desculpas para “calma gafanhoto”, minhas ideias e pensamentos. Os autores que mais “a fruta só dá no admiro são “contadores de tempo” histórias”, não é ciência con(Mestre Bimba)... tar história? Não há aprendizagem? “Quem sabe o con Logo que acabou o ví- teúdo, modifica a forma” (A. deo acelerei os dedos para Bahia) Escrever é descrever pesquisar sobre essa metáfo- o mundo. Escrever e Esculpir ra, coração pulsava na espe- deveriam ser sinônimos. Esrança de encontrar, para feli- crever eterniza a memória, cidade dos sorrisos, o próprio Fotografa o tempo, Recria a Gheralldeli escreveu. Sabia vida. Inspiro vida... Expiro Poque iria ler algo muito bom, esia. não esperava que mais uma vez causasse uma desequili12


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ENTREVISTA

José Eduardo Agualusa Entrevistador: Davi Nunes

Na torrente comunicativa das redes sociais, em um fluxo de navegação cibernética, deu-se a entrevista da Cinzas no Café com o premiado escritor, nascido em Huambo, Angola, José Eduardo Agualusa. Agualusa possui em sua trajetória literária mais de 20 livros publicados. Em 2007, com o livro, O Vendedor de Passados, foi o primeiro escritor africano a ganhar o disputado Prêmio de Ficção Estrangeira, na Inglaterra; a partir daí, sua obra ganhou maior projeção internacional, chegando a ter os seus livros traduzidos para mais de 20 línguas.

AGUALUSA: A Infância é um tempo ao qual todo o escritor retorna. Acho que é esse tempo que alimenta tudo, que define o essencial do que irá depois ser um estilo. Evidentemente, todas as infâncias são reconstruídas depois da idade adulta. Todas as infâncias são míticas. Eu tive uma infância feliz, muito próximo da natureza. A casa onde cresci ficava no exato limite entre o asfalto e a savana – para lá da rua não havia nada, era só mato.

critor, estou escritor.” CINZAS: A inspiração que o texto lhe provoca no processo de escrita determina se este vai se tornar um conto, uma novela ou um romance?

AGUALUSA: Você não sente isso por via da inspiração, mas da respiração. Você sente pela maneira como um texto respira, nas primeiras frases, se aquilo é um conto ou um romance. São entidades distintas, como um gato e um leão. Respiram de maneira CINZAS: Em que mo- diferente. Você sente logo. mento da sua vida o senhor CINZAS: No livro, O Ano falou de si-para-si: eu sou um em que Zumbi Tomou o Rio CINZAS: A infância em poeta, ou um escritor? de Janeiro, o senhor tratou de Angola é o campo fértil da sua uma questão muito peculiar: imaginação, ou um local po- AGUALUSA: Não penso de como uma grande parte ético que lhe deixa inspirado muito nisso. Gosto da frase do dos brasileiros imaginam os para a criação literária? Mia Couto – “não sou um es- escritores africanos (com 14


ENTREVISTA

bata e extremamente negros). O senhor acredita que essa visão ocorra porque uma boa parte dos intelectuais do Brasil, que advoga em pró da causa negra, desconhece ou só possuem uma visão mítica da África? AGUALUSA: Muitos desses intelectuais realmente não conhecem África na vitalidade da sua cultura moderna. Conhecem a África arcaica, aquela que modelou o Brasil. Os africanos são modernos. De uma forma geral a juventude africana está muitíssimo atenta a tudo o que é contemporâneo. Isso explica a força da música africana. Os africanos devoram tudo, retrabalham esses produtos e dão-lhes novas cores. Por outro lado não existe uma África. Os países africanos são completamente distintos uns dos outros. Você atravessa a fronteira entre Angola e a Namíbia e está num outro planeta. Você tem países que foram colonizados por malaios ou por indianos, como a Madagáscar ou a Maurícia, e outros de forte influência inglesa. As pessoas vestem-se de maneira diferente. Há países islâmicos e países católicos. Não é possível generalizar.

rações bancárias do mundo. Sem dúvida, foi a maior lavagem de dinheiro que já existiu na história da humanidade. Diante do panorama explicitado, o senhor, que escreveu O Vendedor de Passados, teria um novo para vender à África e ao Brasil?

balhar mais de perto com os atores. CINZAS: Agualusa você prefere um dia de futebol, negras, samba e kuduro, ou de atividades intelectuais numa feira literária?

AGUALUSA: Depende, AGUALUSA: A África e há momentos para tudo. Além o Brasil não precisam de um disso, acho que o livro deve passado novo. Precisam de ser uma festa. aprender as lições do passaCINZAS: Mia Couto utido, de forma a construir um novo futuro, mais justo, mais liza uma variação linguística, democrático. A escravatura na criação de foi um longo e abominável cri- seus romances, peculiar à me, mas desse crime resulta- sua própria estilística, que ram novas culturas, de extra- não está relacionado diretaordinária exuberância – essa é mente às variações faladas grande lição a tirar: é possível em Moçambique. O senhor transformar o horror em be- já se aproxima mais à norma padrão da língua portuguesa leza. com algumas pigmentações CINZAS: Agualusa você do Quimbundo. Seria essa baescreveu algumas peças de sicamente a estrutura linguísteatro, além daquelas que es- tica da sua obra? creveu com a parceria de Mia AGUALUSA: Cada roCouto. Em algumas entrevis- tas você falou de uma espécie mance exige uma linguagem de abismo representativo en- distinta. Os livros do Mia, alitre o que imaginou ao escre- ás, estão hoje muito mais ver o texto e a representação despojados. Nos seus últimos própria no palco. Será que romances ele já utiliza basicaisso ocorre devido à dificulda- mente o português padrão. de que o escritor ficcional tem CINZAS: Jorge Amado, em organizar os aspectos do artesanato cênico (disposição com a sua obra literária posdas cenas, dos personagens sibilitou, aos escritores afri CINZAS: Um estudo no palco, dos trejeitos drama- canos enxergarem poesia e liaprofundado da história da túrgicos) que se difere em de- teralidade em suas realidades transplantação de africanos masia da criação de uma cena vivenciais? escravizados para as colônias de conto ou romance? nas Américas demonstra que AGUALUSA: Jorge Amaos traficantes ficaram extre- AGUALUSA: Uma peça do deu-nos a ver que era posmamente ricos com o tráfi- de teatro devia ser reescri- sível construir um universo lico negreiro. Além disso, nos ta à medida que fosse sendo terário a partir das tradições monstra que, com o fim das representada. O que funciona e de um pensamento africano. suas atividades e com a for- no papel nem sempre funcio- Esse foi o seu grande ensinatuna adquirida desta, eles na em palco – são linguagens mento. fundaram as grandes corpo- distintas. Eu gostaria de tra15


CAIU NA REDE É TEXTO

Ser ou não ser, eu? Por Marcio Costa

“Tô me afastando de tudo de tudo que me atrasa, me engana, me segura e me retém. Tô me aproximando de tudo que me faz completo, me faz feliz e me quer bem” – Caio Fernando Abreu. Li esta frase algumas vezes nos últimos dias, aliás, tenho lido muito Caio F. Abreu ultimamente e devo agradecer, ou não, ao Facebook. Acredito que Caio tenha se tornado a maior figura pensante das redes sociais (o poeta das almas inquietas), sendo curtido e compartilhado incessantemente nos mais diversos tipos de perfis que se podem encontrar vagando pelos caminhos tortuosos do Facebook. Pena ele não estar mais entre nós para ver quantos leitores ele adquiriu; ou o contrário, talvez ele não se regozijasse tanto ao se ver resumido à frases soltas de autoajuda e/ ou apoio moral, as quais, muitas das vezes, não se podem atestar como sendo dele. É por essas e outras razões que às vezes sinto falta do bom e velho Orkut, de quando Caio F. Abreu era apenas um contista, romancista, teatrólogo e um dos maiores

intelectuais contemporâneos. Sinto falta, também, da não obrigatoriedade, que está tão em voga hoje em dia, de se curtir ou compartilhar publicações ditas interessantes. Interessantes para quem? Indago-lhes. É como se não existíssemos dentro das redes sociais se não interagirmos nos compartilhamentos alheios.

Mas, devo confessar que, o que mais me chama atenção neste mundo das redes sociais é como ninguém mais precisa se utilizar de suas próprias palavras para expressar seus pensamentos, por mais que estes não sejam do interesse geral da nação. Não é mais necessário que se16

jamos nós mesmos; podemos existir dentro desta enorme esfera borbulhante sem nunca nos utilizarmos de uma única palavra que seja realmente nossa. Então, pergunto-lhes, para que ler algo de real consistência e absorver as ideias daquilo, quando existe uma ferramenta ao alcance de nossos dedos nervosos que nos fornece informações sobre tudo, tudo mesmo? Os comunistas podem “googlear” por frases de Che Guevara (e acabar esbarrando em Mao Tsé Tung sem saber), os filósofos podem se deliciar com citações de Nietzsche, Rousseau, Descartes... e os inúmeros poetas são livres para citar desde Arnaldo Antunes até Camões. Eles só precisam de alguém que os alerte que o Pensador UOL não é, realmente, o melhor lugar para se buscar por frases e citações, já que em muitas delas não é possível atestar, com certeza, a real autoria.


ARTIGO

UM OLHAR SOBRE A CEGUEIRA

A expressão de um mundo em ruínas, eis Ensaio sobre a Cegueira. No romance em questão observa-se José Saramago construir o universo ficcional da narrativa na medida em que desconstrói a identidade do homem e os elementos que o caracterizam como um ser social. Assim, verifica-se como as representações dos conflitos causados pela cegueira expressam a degradação e a fragmentação do sujeito recaindo num questionamento acerca da identidade, além de evidenciar o quanto as pessoas perderam o sentido das coisas, as relações interpessoais se transformaram em imediatismos e a falta de afeto, de solidariedade e de princípios não é percebida neste mosaico de imagens criado por homens que, já sendo cegos, cegaram. O enredo tem início com uma confusão no trânsito e um grito desesperado: Estou cego. Um homem cega, repentinamente, ao volante de seu automóvel e um surto de cegueira incomum e inexplicável, o mal branco, começa a se desenvolver. Ao perceber a gravidade dos problemas que tal epidemia poderia causar, as autoridades decidem enviar os novos cegos, e aqueles com quem eles tiveram algum contato, a um manicômio desativado, em regime de quarentena. Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos, pela obscuridade, a meros se-

res lutando por seus instintos. Somente uma mulher não é acometida por esse mal. Resta apenas a sua visão em meio à completa cegueira, moral e física, que assola os homens, tornando-se ela a única testemunha da degradação a que chegou aquela comunidade absolutamente cega. Partindo do pressuposto de que a alegoria da cegueira se configura como uma crítica social que encerra uma tentativa de resgatar aquilo que não está visível aos olhos e ressignificar a condição do homem na contemporaneidade, percebe-se que toda a trama imerge o leitor em um questionamento acerca do quanto deste mundo é real. As reflexões em torno do mal branco remetem para uma questão importantíssima para o entendimento do que vem a ser cegueira branca: a noção amplamente difundida de que provavelmente tudo na era das técnicas da informação e da comunicação pode ser simulado, inclusive o homem, que fez de si algo supérfluo. Além disso, pode-se dizer que o avanço técnico-científico favoreceu um excesso de visibilidade e, contraditoriamente, levou a humanidade a um estado lamentável de cegueira. A obra em questão consiste em uma metáfora da condição humana que, como o próprio autor defende em entrevista ao Jornal de Letras (25 de outubro de 1995) 17

encontra-se cega em todas as circunstâncias, sobretudo, por ter sido acometida pela cegueira da razão - entendida como a responsável pela grande epidemia de cegueira que recai sobre as personagens. Saramago, enquanto militante político e admirador da filosofia das Luzes, partilhava um ideal de racionalidade herdado do Iluminismo e que, posteriormente, obteve consagração no marxismo. Para o escritor, esse entendimento da Razão não tem mais lugar na sociedade atual e é justamente quando se lhe afigura a possibilidade do fim da razão, “dada como falida, indefinida, partida em cacos e incapaz de se afinar com a própria realidade” (LOPES, 2010, p. 145), que surgem em Saramago as motivações para a criação das alegorias distópicas que constituem Ensaio sobre a cegueira e também Ensaio sobre a Lucidez. O entendimento da cegueira que acomete as personagens consiste, então, na percepção da perda da racionalidade. A inclusão dos cegos em regime de quarentena no manicômio se manifesta não como uma anulação total do mundo, mas como um recuo, um distanciamento desse mundo labiríntico para melhor compreendê-lo. A degradação sofrida pelos cegos, que passam por um processo de animalização até a configuração daquele espaço enquanto


ARTIGO

um local em que predomina a “barbárie” ao invés da “civilização” concretiza-se por meio da cegueira branca, que se configura como o elemento que exterioriza o caos e a crise dos valores mais básicos da sociedade. Neste labirinto, metáfora que se tornou comum quando se fala em contexto urbano, irrompe a cena inusitada de uma trajetória de homens e mulheres cegos, que não deixaram de ter olhos sãos, mas, que não sabem ver, ou já não podem ver. Observa-se no plano narrativo que o mundo visível dilui-se numa brancura luminosa. Esta imagem é recorrente no universo ficcional do romance mostrando o contraste da cegueira típica, que se limita a cobrir a aparência dos seres e das coisas, com a cegueira luminosa que se infiltrava aos poucos naquela sociedade. Esta luminosidade acaba cegando aqueles que estavam acostumados com o jogo cotidiano de luz e sombra de um mundo que vivencia como verdade os embustes da vida contemporânea. Pode-se afirmar, portanto, que o autor nos apresenta uma cegueira branca justamente porque a ideia de brancura está diretamente associada à ideia de luz e, do mesmo modo, a ideia de luz associa-se à razão. No dicionário (FERREIRA, 1975, p. 224) se encontram, entre muitas, as seguintes definições para o vocábulo branco: a) Impressão produzida no órgão visual pelos raios de luz não decomposta; e b) Claro, transparente, translúcido. Com relação ao item a, quando aplicado ao entendi-

mento da alegoria em questão, pode-se depreender que o branco que preenche a vista dos cegos, consiste em um retorno ao mundo da razão. A luz que passa a substituir a percepção das coisas representa a recuperação da racionalidade perdida, ou melhor, representa o resgate da razão como o elemento capaz de proporcionar a verdadeira visão e conhecimento. Por isso, ao se tornarem cegas, as personagens passam a ver as coisas como elas realmente são. Daí a relação com a segunda definição, apresentada no item b. A razão clarifica, torna transparente a realidade, fazendo com o que o invisível torne-se visível, no caso em questão, as pessoas passam a enxergar a si mesmas e aos outros em sua essência. Por fim, a cegueira apresenta-se ao longo de todo o percurso narrativo e é pelo viés dela que se discute o olhar como uma busca de sentido explícito e reconhecível para a sociedade em que se perderam quase por completo os princípios fundamentais que norteiam a visão, onde o campo visual está comprometido pelo pensamento moderno que reduziu as coisas e os homens a bens de consumo, a mercadorias descartáveis e virtuais. Não é por acaso que em várias situações em que se refere ao Ensaio, Saramago aborda a completa irracionalidade em que se vive atualmente e a possibilidade do fim da razão: Vivi durante anos aferrado à crença de que, apesar de umas tantas contrariedades e contradições, esta espécie de que faço parte usava a 18

cabeça como escritório e aposento da Razão. Certo era que o pintor Goya, surdo e sábio, me protestava que é no sono dela que se engendram os monstros, mas eu argumentava que, não podendo ser negado o surgimento dessas avantesmas, tal só acontecia quando a razão, pobrezinha, cansada da obrigação de ser razoável, se deixava vencer pela fadiga e mergulhava no esquecimento de si própria. Chegado agora a estes dias, os meus e os do Mundo, vejo-me diante de duas possibilidades: ou a razão, no homem, não faz senão dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também, o mais irracional entre todos eles (Cadernos de Lanzarote, 1997, anotação de 3 de maio de 1993). Nesta afirmação, Saramago faz clara referência a uma das mais célebres gravuras do artista plástico espanhol Francisco Goya: O sonho da razão produz monstros. Esta é considerada uma perfeita “alegoria da razão” (ROUANET. In: NOVAES, 1989, pp. 298-299). Percebe-se, pois, que como o próprio Saramago reconhece, ao lhe fazer alusão, esta dialoga com a proposta do escritor de evidenciar a crise da razão e do sujeito moderno.

Vanessa Silva dos Santos: Licenciada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e graduanda do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA).


NUCIRCUITO

Ditatura da Moda

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Yeda Pessoa de Castro

Nesta sua segunda edição, as Cinzas no Café trazem orgulhosamente para o Que Figura!, a professora Doutora Yeda Pessoa de Castro, especialista na área da Etnolinguística reconhecida mundialmente por seu trabalho, que em mais uma manhã de trabalho no Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros em Línguas e Culturas (Ngealc) da Universidade do Estado da Bahia, nos concedeu um espaço em sua agenda, sempre cheia de compromissos, para uma conversa sobre África. Entre reminiscências da infância, relatos de estudos e críticas às formas de se enxergar a África, até mesmo no meio acadêmico, nos foi dada uma verdadeira aula de

línguas e culturas africanas.

Isso vem desde quando eu era criança, o que quer dizer que Para conferir a en- já tem muitos anos. Primeiro, trevista completa em vídeo, eu passava muito tempo em acesse a página da Cinzas no Feira de Santana na fazenda Café no facebook. da minha família. Eu nasci em Feira, mas fui criada aqui em Outra coisa que Salvador, tanto que eu costemos que corrigir tumo dizer que tenho dupla eu sou feirené que os negros que naturalidade, se e soteropolitana também. foram trazidos para Lá na fazenda havia muitos pretos velhos, que cantavam cá não eram e faziam aquelas meescravos africanos, cantigas sinhas e aquilo tudo me intrie sim, africanos gava; o que aquela gente estava falando? escravizados. Quando eu tinha entre Cinzas no Café - Como 11 e 12 anos, recebi de meu se deu sua paixão pelas lín- pai, de presente, um livro que guas e culturas africanas? se chamava o Aviãozinho Vermelho, que contava a história Professora Yeda de Castro - de um menino que recebeu de 20


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presente de aniversário esse aviãozinho vermelho e à noite ele dormindo, imaginou que estava viajando pelo mundo nesse avião e descia em vários lugares e um desses lugares foi a África. Ele desce, no meio de uma floresta, claro, porque só podia ser em uma floresta, e de repente aparecem vários negros cantando e falando. Eu viajei naquele sonho também, para saber que língua era aquela. Vivi na Barroquinha e no caminho para a escola conheci uma figura que me impressionou muito, o Procópio do Ogunjá; ele tinha uma quitanda e sempre que eu parava ganhava umas frutas e, também, falava umas coisas que eu não entendia. Quando ia passar férias em Feira de Santana, tinha a Nega Fortunata que era a minha portadora. Ela era tida como feiticeira, tinha uma casa cheia de folhas e, também, falava umas coisas que eu não entendia. Eu dizia que ainda ia descobrir que língua esse povo falava. No meu último ano de escola desisti da faculdade de direito e fiz vestibular para Letras. Na faculdade conheci o professor Nelson Góes que me colocou nos caminhos da dialectologia. Me interessei por estudar e pesquisar o assunto, mas quando me formei fiquei um pouco decepcionada com ele, porque disse que queria estudar a questão da influência de línguas africanas no Brasil, e ele disse que não, que isso já estava esgotado. Mas eu queria isso e fui procurar. Queria saber que língua aqueles quatro milhões de negros africanizados falavam, não eram mudos, claro que não eram mudos, eles falavam o quê?

Era isso que eu queria saber. Aí eu tive a oportunidade de ir para Nigéria, para a Universidade de Ife. Lá me dediquei a estudar as línguas do Golfo do Benin, o Ioruba e o Fon. Fiz o mestrado nessa área de Ioruba e Fon e depois fui pro Zaire, atual República Democrática do Congo, para fazer o doutoramento na área de línguas banto. Fiquei extremamente surpresa porque redescobri a presença banto no Brasil, a grande e marcante presença e influência dos povos banto no nosso país, pois até aquele

Repare só uma coisa: eu nunca disse que a diferença que separa o português brasileiro do de Portugal foi provocada pelas línguas africanas. As pessoas me interpretam mal de propósito. momento só se falava em Ioruba; desde os anos sessenta tínhamos o curso de Ioruba no CEAO, e pensávamos que esta era a língua universal da África. O Ioruba é uma língua mais recente, do século XVIII, XIX, para cá. Enquanto que o povo banto foi trazido pro Brasil no século XVI, XVII. Outra coisa que temos que corrigir é que os negros que foram trazidos para cá não eram escravos africanos, e sim, africanos escravizados. Eles nasciam de ventre-livre e tornavam-se escravos porque o tráfico fazia isso. Resultado, desses 21

quatro milhões trazidos forçosamente para o Brasil, provavelmente ou certamente 75% eram provenientes das zonas do Congo, de Angola e depois de Moçambique. Cinzas no Café – Então, o povo banto foi quem influenciou os diversos níveis do português brasileiro? E o Ioruba seria mais utilizado na linguagem litúrgica? Professora Yeda de Castro Sim, exatamente. E o Ioruba é, sim, mais no nível religioso. Trazidos a partir do século XVIII, o povo Ioruba ficou mais nas zonas urbanas, na costa, e quem foi levado para o interior foi o povo banto, tanto que todos os quilombos, a começar pelo nome “quilombo” que é um nome banto, eram todos de origem banto. E essa gente chegando aqui entrou em contato primeiro com os indígenas e desse contato dos indígenas com o povo banto das senzalas, criou-se uma religião que é autenticamente brasileira, o candomblé de caboclo, provavelmente a religião brasileira mais antiga. Já o povo Ioruba que aqui chegou foi obrigado a falar português, o qual não era aprendido na escola. Sabe-se que qualquer individuo que começa a falar uma segunda língua naturalmente transmite para essa, traços linguísticos e articulatórios da sua língua materna. Durante os séculos XVI, XVII e XVIII, a maioria da população no Brasil era constituída de negros e crioulos, escravizados nascidos aqui. Eles aprenderam a falar português aqui, no contato com os outros. Segundo


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re e Naro falam contém essa continuidade por uma confluência de motivos. E qual é essa confluência de motivos? O isolamento que o Brasil viveu durante três séculos, até a Cinzas - Scherre e Naro abertura dos portos em 1808. defendem a tese de que o Aqui dentro, uma maioria de português brasileiro se de- falantes não-portugueses e senvolveu a partir da deriva falantes africanos, sobretusecular. Já Luchessi encontrou do, falantes de Angola, com outra explicação teórica, a da a estrutura muito próxima ao transmissão linguística irre- português arcaico contribuiu gular. Qual seu pensamento para que essa pronúncia do em relação à posição destes português do Brasil conserteóricos que advogam a ideia vasse essa deriva de que eles de que a influência das línguas falam. africanas se dá apenas no léNa verdade, não xico?

milhões de indivíduos largados aqui como escravos ficaram tão contentes de serem escravizados no Brasil que começaram a cantar de alegria e a gritar “candomblé, macumba”, saltitando e dizendo palavras a esmo só de alegria por estarem sendo escravizados. O que procuramos mostrar no SIALA é isso. Não é um seminário de linguística, é um seminário em que a língua é o centro de tudo, para se discutir história, antropologia, sociologia, linguística e tudo mais; e mostrar aspectos da história da África que são desconhecidos no Brasil.

Professora Yeda - Repare só uma coisa: eu nunca disse que a diferença que separa o português brasileiro do de Portugal foi provocada pelas línguas africanas. As pessoas me interpretam mal de propósito. O que eu digo é: as coincidências estruturais e linguísticas entre o português antigo e as línguas do grupo banto provocaram o quê? A continuidade da pronúncia do português arcaico no Brasil. Então, essa coincidência de estruturas provocou essa continuidade, não foi a sua causa. O português arcaico é muito vocalizado, e o português de Portugal é muito consonantal. Então, por que essa estrutura consoante-vogal permaneceu no português do Brasil e se afastou do português de Portugal? Porque, nas línguas de Angola, a estrutura é essa aí. Eu nunca disse que isso foi provocado pelas línguas de Angola. Apenas, que elas deram continuidade a essa pronúncia, a essa estrutura. Logo, essa deriva que Scher-

Cinzas - E como as línguas africanas são vistas no Brasil?

a minha tese, que vem sofrendo uma resistência grande da academia em aceitá-la, o Brasil africanizou o português de Camões.

existe uma cultura e nem uma língua ioruba, o que existe é um conjunto de línguas, dialetos e falares de denominação ioruba; e um conjunto de línguas que têm uma denominação de banto.

Cinzas - Acerca do Seminário Internacional Acolhendo as Línguas Africanas (SIALA). A senhora acha que seminários como esse vêm quebrando o preconceito e o desconhecimento sobre as línguas africanas? Professora Yeda - Claro que sim. Nós no SIALA estamos sempre procurando mostrar: primeiro, que os africanos trazidos para cá não eram mudos, falavam línguas articuladamente humanas. A impressão que dá, é que esses 22

Professora Yeda - As línguas africanas são tão mal vistas e estereotipadas no Brasil que são chamadas de dialetos, no sentido pejorativo do termo, mas cada língua tem um conjunto de dialetos regionais. O português do Brasil, por exemplo, tem o baianês, o pernambuquês, o paulistês... são os diversos falares, que são essas formas dialetais e regionais de se usar uma língua. E as línguas africanas não fogem a isso, o quimbundo e o ioruba possuem uma série de dialetos; e tem outra coisa, o ioruba e o banto são palavras que não fazem parte da nossa história; foram palavras inventadas por linguistas no final do século XIX. Na verdade, não existe uma cultura e nem uma língua ioruba, o que existe é um conjunto de línguas, dialetos e falares de denominação ioruba; e um conjunto de línguas que têm uma de-


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nominação de banto. Então, banto e ioruba não fazem parte da nossa história. Cinzas - A senhora vem lutando pela implantação da disciplina de Línguas Africanas na grade curricular do curso de Letras da UNEB. Qual a importância que essa disciplina irá trazer para o curso? Professora Yeda - Primeiro, temos de reescrever tudo o que foi escrito até agora sobre o português do Brasil e para fazermos isso temos de conhecer as línguas africanas. Principalmente as línguas de Angola. Essas línguas que vamos ensinar aqui: o quicongo, o quimbundo, e o umbundo, também, que vai ser ensinado em Minas Gerais. Segundo, mostrar que as línguas africanas que foram faladas no Brasil, são línguas estrangeiras da mesma maneira que são o inglês, o alemão, o espanhol e devem estar na mesma categoria, sem nenhuma distinção. Terceiro, mostrar para a própria Angola que essas línguas merecem crédito e não podem de maneira nenhuma ser aportuguesadas a ponto de desaparecerem. A UNEB se antecipou em introduzir na universidade o estudo dessas línguas, que em Angola ainda não foram introduzidas. Cinzas - Essa resistência do mundo acadêmico com relação aos estudos das questões do negro advém do medo da desforra? Ou seja, esse medo tem a ver, por exemplo, com o acesso dos negros às estruturas de poder, e isso, de certa forma, fomenta o racismo aqui no Brasil?

Professora Yeda - Não é só no Brasil, mas no mundo todo. Porque sobre essa questão de racismo, temos que entender uma coisa; racismo não é só uma questão de branco contra preto, nem de preto contra branco. Por exemplo, na própria Europa, muitas lutas que lá tem são resultado do racismo; é um grupo étnico brigando contra o outro, é um religioso brigando contra o outro. O que precisamos entender é que essas questões de racismo vão muito da dominação econômica. Na própria África, é negro brigando com negro. Isso desde os tempos imemoriais até agora. Então, para acabar com isso é preciso acabar com essa índole humana de competição e de domínio, é preciso que a gente, como ser humano, se modifique; faça outro modelo de gente, que Deus ou Zambi, ou quem for, crie outras criaturas que não mais a gente, nós estamos cada vez mais deturpados.

O que aprendi na África foi a gostar de tudo.

Cinzas - O trabalho da senhora é reconhecido em nível mundial. Qual a repercussão desse trabalho na Bahia, sendo que Salvador é a cidade que mais preserva as línguas e culturas africanas fora da África? Professora Yeda - Ninguém na Bahia quer ser negro, embora todo mundo seja. Eu costumo dizer que não sou uma brasileira branca, sou uma brasileira de pele branca, o que é muito diferente. A reação, então, é a de não querer ad23

mitir. Primeiro, por medo de, no momento de admitir essa presença, ter que reescrever tudo o que já foi escrito até agora. Segundo, pelas grandes vaidades, na academia, por exemplo. Você é dono do assunto de literatura ou do assunto de antropologia e não quer repartir, nem discutir esse conhecimento com ninguém. Você faz aqueles guetos e fica ali dentro discutindo; são incapazes de trabalhar e juntar, por exemplo, a antropologia com a linguística; existem as reuniões de linguistas e as de antropólogos, separadinhos, cada um em seu compartimento. Aí se chega ao ponto de não se conhecer nada do que seja africano porque está ligado ao que é escravidão, sempre, porque a história do Brasil é a história da escravidão, e antes dela não tinha nada da África, ela surgiu assim de repente; o europeu foi quem descobriu a África. Então, é isso que não queremos saber; por medo e temor de ter de reescrever tudo e sair dos pedestais, discutir e aceitar essa penetração e essa influência. É difícil. Cinzas - Para terminar, quais as lições que a senhora tirou de suas andanças pela África? Professora Yeda - Aprendi a ter sempre bom humor; o que aprendi na África foi a gostar de tudo. O que aprendi nesse continente extraordinário foi a não ter medo da morte. Quando eu morrer, eu quero voltar uma árvore, pois é o único ser vivo que tem a dignidade de morrer em pé.


TEATRO-ENTREVISTA

CENA ÚNICA

Em uma comunidade nas redes sociais sobre literatura e cultura africanas, encontram-se online para um bate-papo artístico-linguístico: o escritor angolano Agualusa, em Huambo, com um olhar expansivo à extensão da savana; a professora doutora Yeda Pessoa de Castro, com seu jeito soterofeirense, busca no grande mapa da parede de sua sala, no GEAALC , os poucos países africanos que ainda não visitara; e o professor e escritor Aleilton Fonseca, em estado ensaístico para a escrita, olha para a tela do computador se preparando para mais uma entrevista. O Entrevistador Cinzas fumando um cigarro e tomando um

café na cantina da faculdade, de seu tablet, se prepara para participar da conversa cibernética com essas três grandes figuras. (Todos diante do computador em seus diferentes espaços) ENTREVISTADOR CINZAS: (Tentando ainda descobrir os macetes da sua nova aquisição tecnológica) Qual a importância da infância na construção de suas obras? AGUALUSA: (Após atualizar o seu status facebook) A Infância é um tempo ao qual todo o escritor retorna.

disciplina) De fato muitas vivências e experiências da infância podem constituir material de criação e motivação para a produção literária de um autor. E N T R E V I S T A D O R CINZAS:(tragando um cigarro) Humm, interessante... AGUALUSA: (Olhando para janela e lembrando-se de sua infância) Eu tive uma infância feliz, muito próximo da natureza. A casa onde cresci ficava no exato limite entre o asfalto e a savana – para lá da rua não havia nada, era só mato.

ALEILTON: (enquanto prepara a ementa para a sua 24

ALEILTON: (Com remi-


TEATRO-ENTREVISTA

niscência de Firmino Alves) Eu guardo na memória e no meu ser diversas situações e cenas de minha infância em Firmino Alves e Ilhéus que são muito marcantes na minha sensibilidade e na minha visão de mundo. ENTREVISTADOR CINZAS: (Se distrai olhando uma bela garota que passa) E a senhora professora Yeda, guarda alguma memória da infância que tenha influenciado os seus estudos?

tem muitos anos rs. Na fazenda em que eu morava tinham muitos pretos velhos, eles cantavam cantigas e faziam mesinha e aquilo me intrigava. Eu queria saber que língua essa gente tava falando.

milhões trazidos forçosamente para o Brasil, provavelmente ou certamente, 75% eram provenientes da zona do Congo, Angola e depois Moçambique. A impressão que dá é que esses milhões de indivíduos trazidos pra cá, largados aqui ENTREVISTADOR CINZAS: como escravos ficaram tão (Impaciente com a lentidão da contentes de serem escrainternet) É... essa língua que vos no Brasil que começaram foi trazida pelos escravos afri- a pular de alegria e a gritar canos... “Candomblé, macumba...”

YEDA: (Irritada) Isso é algo que devemos corrigir na nossa História, eles não eram YEDA: (Com olhar re- escravos africanos, eram afripleto de saudades da sua in- canos escravizados. Nasciam fância em Feira de Santana) de ventre livres e tornavamAh, isso aconteceu quando eu -se escravos, o tráfico fazia era criança, quer dizer que já isso. Resultado: desses quatro 25

AGUALUSA: (Impaciente com a quantidade de e-mails em sua caixa de entrada) A escravatura foi um longo e abominável crime, mas desse crime resultam novas culturas, de extraordinária exuberância – essa é grande lição


TEATRO-ENTREVISTA

a tirar: é possível transformar o horror em beleza. ENTREVISTADOR CINZAS: (Dando mais um trago no cigarro já pela metade) Aleilton e Agualusa, vocês dois costumam trabalhar com gêneros diferentes e isso pode atrapalhar na hora de fazer literatura. Por exemplo Aleilton, são processos distintos a produção teórica e a literária? ALEILTON: (empolgado com a discussão) São dois processos distintos, mas contíguos e em contínuo diálogo. Na verdade, não sou assim um “teórico”, mas apenas um ensaísta que lê, reflete e analisa autores e obras, dentro de um recorte temático. Uma prática não atrapalha a outra, mas sim contribuem mutuamente para o resultado dos textos ensaísticos e literários. A experiência acumula-se, pois o ensaísta ajuda o escritor na hora da criação, aguçando-lhe o senso autocrítico e a consciência em torno daquilo que cria e escreve. Já a consciência do escritor oferece medidas e parâmetros de compreensão da obra analisada, pelo viés da criação, permitindo captar melhor a relação entre a intenção e o resultado da obra. ENTREVISTADOR CINZAS: (Animando-se com a melhora no sinal da internet) E como se dá isso contigo Agualusa, em relação a sua produção literária que perpassa por diversos gêneros? AGUALUSA: (Afirmativo) Você não sente isso por via da inspiração, mas da respiração. Você sente pela maneira

como um texto respira, nas primeiras frases, se aquilo é um conto ou um romance. São entidades distintas, como um gato e um leão. Respiram de maneira diferente. Você sente logo.

impressão acerca da visão dos intelectuais brasileiros sobre a África. AGUALUSA: (recebendo uma mensagem instantânea de Mia Couto, apressa-se em responder) Muitos desses intelectuais realmente não ENTREVISTADOR CINZAS: conhecem África na vitalida(Bebendo um grande gole no de da sua cultura moderna. café quase frio) Para terminar Conhecem a África arcaica, a nossa conversa, professora aquela que modelou o Brasil. Yeda quais os ensinamentos Os africanos são modernos. que a senhora tenta passar De uma forma geral a juvennos seminários internacionais tude africana está muitíssimo sobre as línguas e culturas atenta a tudo o que é contemafricanas? porâneo. Isso explica a força da música africana. Os africa YEDA: (Menos irrita- nos devoram tudo, retrabalham esses produtos e dãoMuitos desses -lhes novas cores. Por outro lado não existe uma África. Os intelectuais países africanos são complerealmente não tamente distintos uns dos ouconhecem África na tros. Você atravessa a fronteira entre Angola e a Namíbia e vitalidade da sua está num outro planeta. Você cultura moderna. tem países que foram coloniConhecem a África zados por malaios ou por inarcaica, aquela que dianos, como a Madagáscar modelou o Brasil. ou a Maurícia, e outros de forte influência inglesa. As pesOs africanos são soas vestem-se de maneira diferente. Há países islâmicos modernos. e países católicos. Não é posda) Tento tratar da história da sível generalizar. África, que é desconhecida. Tem-se uma África mística, o que se fala dela no Brasil é Enquanto o Entrevistador Cinsobre a escravidão. Quando zas digita em seu tablet a úlcursei Letras, nos anos 1960, tima pergunta da entrevista, pensávamos que o yorubá era dirigida à Aleilton Fonseca, a língua universal da África e cai a conexão do wi-fi forneeu ficava pensando se só havia cido pela universidade. Irritaisso lá. do, apaga o cigarro no fundo úmido do copo de café e vai ENTREVISTADOR CINZAS: assistir preguiçosamente a (Apreensivo com a eminente sua aula. queda da conexão) Por fim, e no seu caso Agualusa, que já tem uma vivência com o Brasil e sua cultura, qual é a sua 26


ENTORNOS

CAPSLOCK ENGOMADEIRA Por Davi Nunes

ALGUMAS estórias ESTÃO SEMPRE MINUSCULARIZADAS PELA CATARATA ORTOGRÁFICA DO DESCONHECIMENTO. TEM ALGUNS ASSUNTOS QUE SÓ GANHAM RELEVO EPISTEMOLÓGICO EM CAIXA ALTA. NÃO DIGO ISSO PARA GANHAR A ATENÇÃO DO LEITOR PÓS-MODERNO, ATRAVÉS DE UMA ORGANIZAÇÃO ESCRITURAL INUSITADA, A TIRAR UM PEQUENO RETRATO, UMA FOTO 3/4 DA HISTÓRIA DO BAIRRO ENGOMADEIRA. EXPONHO PORQUE SEI QUE DEPOIS DE OPERADA A VISÃO, PERDIDA EM TREVAS, VISLUMBRA-SE UM MUNDO TODO EM CAIXA ALTA. NGOMA É UMA PALA-

VRA DE ORIGEM BANTO, DE POSSÍVEL ETMO QUIMBUNDO, QUE SIGNIFICA TAMBOR, QUE COM O PROCESSO DE CONTATO LINGUÍSTICO OCORRIDO NO BRASIL, JUNTOU-SE COM O SUFIXO PORTUGUÊS EIRA, FORMANDO A PALAVRA QUE NOMEIA, HOJE, UM GRANDIOSO CONGLOMERADO ARQUITETÔNICO DE CASAS, SUSTENTADAS POR VIGAS E BLOCOS NUS, FORMANDO AVENIDAS, RUAS E VIELAS, CONSTITUIDORAS DA ENGOMADEIRA. A ENGOMADEIRA SE LOCALIZA NA REGIÃO CONSIDERADA “O MIOLO DE SALVADOR”, O CABULA. ALÉM DISSO, FAZ FRONTEIRA, EM SUA PARTE BAIXA, (CONHECI27

DA HISTORICAMENTE COMO ENGOMADEIRA PEQUENA) COM O CENTRO GEOGRÁFICO DO CABULA – O BEIRU; E EM SUA PARTE ALTA, DENOMINADA ENGOMADEIRA GRANDE, COM TODA A EXTENSÃO QUE MARGEA O FUNDO DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB. AS FRONTEIRAS DEMARCADAS ENTRE ENGOMADEIRA E BEIRU ERAM DETERMINADAS PELO RIO QUE DIVIDIA OS DOIS BAIRROS, E SERVIA PARA AS MULHERES ENGOMADEIRAS, CANTANDO AS CANTIGAS QUE EMBALAVAM OS CORAÇÕES E FORMARAM A CULTURA DOS SAMBADORES ANTIGOS DO BAIRRO, LAVAREM E ENGO-


ENTORNOS

MAREM AS ROUPAS DOS CORONÉIS DO EXÉRCITO (PROPRIETÁRIOS DE FAZENDAS E DE CHÁCARAS NA REGIÃO ATÉ MAIS DA MÉTADE DO SÉCULO PASSADO), MAS QUE ANTES, NO SÉCULO XIX, TINHA SIDO O LOCUS DE RESITÊNCIA QUILOMBOLA AO SISTEMA ESCRAVOCRATA BRASILEIRO. O RIO DAS ENGOMADEIRAS SE TRANSFIGUROU EM UM CONTÍNUO DE DETRITOS HUMANOS, QUE SE ARROLA ATÉ HOJE PELAS JANELAS DOS MORADORES DA ENGOMADEIRA PEQUENA. A CONSTRUÇÃO DA AVENIDA SILVEIRA MARTINS, EM 1965 À 1966, FOI O MARCO INICIAL DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DO CABULA, ATRAINDO UM CONTIGENTE POPULACIONAL DO INTERIOR DA BAHIA (QUE FOI MORAR EM

HABITAÇÕES ESPONTÂNEAS, CASAS DE PAU-A-PIQUE E EM OUTRAS, QUE JÁ TINHA O ENCADEAR SISTEMÁTICO DOS BLOCOS) PARA TRABALHAR NAS DIVERSAS OBRAS, MODELADORAS DO CABULA E DA ENGOMADEIRA EM SUA VITALIDADE MODERNA. TODO ESSE PROCESSO FOI O QUE OCASIONOU A DESTRUIÇÃO DE GRANDE PARTE DA MATA-ATLÂNTICA E NA MORTE DOS RIOS QUE EXPLANAVAM A BELEZA DE OXUM A INSPIRAR O CANTO DAS ENGOMADEIRAS. UTILIZA-SE A TERMINOLOGIA MODERNA AQUI, AGREGANDO OS VALORES CONSTRATANTES QUE LHE DÃO SIGNIFICAÇÃO. NO CABULA TÊM-SE LOCAIS E HABITAÇÕES QUE SE APROXIMAM DOS ÍNDICES DE VIDAS EUROPEAIS, COMO 28

TEM OUTROS, A EXEMPLO DOS INTRA-BAIRROS DA ENGOMADEIRA, AS BAIXADAS E AS “BOCADAS”, QUE APRESENTAM, AO MÍNINO VOLTAR DE OLHAR, AO HORIZONTE DE ALGUM BECO DO BAIRRO, CONDIÇÕES DE MISERABILIDADE SEMELHANTES AOS DOS PAÍSES MAIS POBRES DO MUNDO. A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO TRANSPOSTO NESTE BREVE ENSAIO ADVÉM DE UMA REDE DE TESTEMUNHOS ORAIS, PASSADOS DO MAIS VELHO AO MAIS NOVO, DA BOCA PARA O OUVIDO, E QUE AGORA GANHA ESTATUS DE ESCRITA PELAS MÃOS QUE BUSCAM ESCREVER COMO SE ENGOMASSE O TECIDO TÊNUE DE UM POVO FEITO DE NGOMA, FEITO DE TAMBOR.


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URBANICIDADE Por Luisa Carolina

na cidade, tudo é novo inclusive as tralhas e as novas sucatas cidade, sois tão velha! como as novas máquinas, (as mesmas velharias) perto de ti, eu, máquina liberta sou vida perto da vida, és mais morta suja, nova, bela, curta urbana, é distraída que passas por mim distraído, confundo-lhe entre céus e pés.

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Humanimal-roboticus Por Davi Nunes andrógino NARCISISTA de vitrine. NIILISTA de shopping center TRANSHUMANO. ser net ciber cult informativo, cérebro de hardware americano. australopitecus homo-sapiens evoluídos? ao roboticus protótipo tecnológico PÓS-HUMANO.

Por Anderson Rabelo 31

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PIMENTA NOS OLHOS

De Descartes ao descarte: um breve ensaio sobre o método “Ctrl+C/Ctrl+V” na era da informação. Por Pardal do Jaguaripe

“Penso, logo existo...” é seguramente uma daquelas famosas frases que já nos deparamos em algum momento da vida: ou num livro, ou nas aulas de História durante o colegial; talvez, na traseira de algum caminhão, numa conversa filosófica de bar, na TV, no rádio, na caixa de e-mails, num blog ou, quem sabe, no facebook de algum filósofo de plantão. O certo é que essa se tornou uma das tiradas mais conhecidas de Descartes, filósofo e matemático francês

do século XVII, que através do livro Discurso do Método desenvolveu uma metodologia bastante sugestiva para o aumento gradativo do conhecimento. Antes que o caro leitor, com toda a razão, imagine “nossa, lá vem esse intelectualóide fazer mais uma daquelas longas exibições de eruditismo!”, confesso que a minha intenção aqui não é a de explanar sobre o pensamento cartesiano já que se pouparia muito mais tempo e 32

paciência, realizando-se uma busca avançada no Google ou no Wikipédia. E é justamente sobre a utilização exaustiva da internet como ferramenta de pesquisa nos tempos atuais que resolvi traçar estas linhas em diálogo com algumas reflexões do notável filósofo. Pois, como diria o mesmo: “ninguém pode conceber tão bem uma coisa e fazê-la sua, quando a aprende de um outro, em vez de a inventar ele próprio”. Será que Descartes já supu-


PIMENTA NOS OLHOS

nha profeticamente, há quase quatro séculos, a indistinção entre a autoria e o plágio, tão comum nas produções acadêmicas atuais?... Outro dia, quando me encontrava no Núcleo de Pesquisa de certa universidade, uma situação, no mínimo curiosa, chamou a minha atenção. Uma professora doutora que orientava a sua aluna a escrever a monografia disparou em alto e bom tom: “não se preocupe, filhinha! Primeiro, termine a pesquisa. Depois, é só copiar e colar, copiar e colar”. Que absurdo, pensei. Afinal, uma professora falando aquilo não me soou muito ético. Mas, como “quase nunca me fio nos primeiros pensamentos que me vêm à mente”, fui obrigado a reconhecer que a declaração da bem intencionada doutora apenas segue uma tendência cada vez mais corriqueira no espaço cartesiano da Academia: a arte do Ctrl+C/Ctrl+V como método de produção científica. E como “não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis”, tomei a árdua decisão de tentar compreender algo que parece inato à produção acadêmica nos tempos atuais, pois, a cada dia que passa, o plágio e a autoria se tornam praticamente gêmeos siameses na concepção de boa parte dos pesquisadores. Afinal, quem nunca baixou uma música, um filme, uma foto ou um texto na internet pelo simples fato de ter acesso facilitado a tais conteúdos sem precisar sair do conforto de casa? Até aí,

tudo normal! As coisas se encontram tão disponíveis na grande rede que a arte da cópia se tornou praticamente irresistível, levando a crer que contrariar essa lógica se configura como uma grande falta de “inteligência”; pois, se até o próprio Descartes afirmava “... que o macaco é tão inteligente que não fala para que não o façam trabalhar”, por que alguns de nós, homo sa-

Mas, como “quase nunca me fio nos primeiros pensamentos que me vêm à mente”, fui obrigado a reconhecer que a declaração da bem intencionada doutora apenas segue uma tendência cada vez mais corriqueira no espaço cartesiano da Academia: a arte do Ctrl+C/Ctrl+V como método de produção científica. piens sapiens em plena era da informação, não aproveitaríamos as facilidades da tecnologia para evitarmos o trabalho de escrever um pouco mais? Com base nessas constatações, surge aqui uma hipótese um tanto incômoda: a utilização do Ctrl+C/Ctrl+V não seria uma evolução da própria metodologia científica legitimada pela Academia? Afinal, basta observar os tra33

balhos científicos aprovados pela censura acadêmica para perceber que o autor se vê obrigado a preencher seu texto com uma infinidade de citações diretas e indiretas de outros autores. Em meio a essa imensa colcha de retalhos, chamada de “aporte teórico”, qual o espaço reservado às suas próprias ideias? Apenas o de algumas linhas originais que servem para costurar conhecimentos já batidos. Não seria esse método de natureza reprodutiva, uma espécie de “cópia estilizada”? Caso chegasse a essa óbvia conclusão, um acadêmico da geração Ctrl+C/Ctrl+V, em crise ética com sua produção científica, talvez perguntaria a si mesmo como outrora fez Descartes: “mas o que sou eu então? Uma coisa que pensa. E o que é uma coisa que pensa?”. Quem sabe, sua resposta não seria apenas mais uma reflexão cartesiana: “Tomei a decisão de fingir que todas as coisas que até então haviam entrado na minha mente não eram mais verdadeiras do que as ilusões dos meus sonhos”. Porém, ele não teria mais tempo para reflexões cartesianas, pois os seus trabalhos acadêmicos depois de aprovados teriam o mesmo destino das apostilas ao final de todo semestre: o descarte. Afinal, a produção em série que dinamiza o ensino superior o levaria a reproduzir mais conhecimentos para munir o museu de grandes novidades em que se transformou a universidade.


CATA(E)VENTOS

Por Inussa Manuel Gomes Se nos anos 60 as bandeiras das nações africanas começaram a florir nos céus e a dar seu grito de liberdade em relação à política, a cultura não ficou para trás. Na mesma época, floresceu no solo nigeriano uma combinação de musica Yorubá, Jazz, Highlife, Funk, denominado Afrobeat. Ao voltar de uma turnê, na Europa, o músico multi-instrumentalista Fela Kuti fundou o ritmo que, desde então, vem

esquentando o clima em todos os cincos cantos do mundo. O Afrobeat tem como base a política; o músico pegou o estilo musical para reclamar das injustiças políticas, às corrupções e às violências que assolavam a Nigeria, na decada de 60. Em Salvador, todas as sextas feiras são animadas pelas batidas dos DJs Edbráss, Dudoo Caribe, Sankofa e Riffs. Eles juntam suas magias de 34

animação para disseminação de gêneros musicais oriundos da Àfrica. Situado na ladeira São Miguel, no Pelourinho, está o Sankofa Bar, o mais renomeado da cidade quando se trata da cultura africana. Na festa a música se casa com as imgens, enquanto o som, a dança, os ritmos e a alegria se espalham pela casa. O preço é amigo de todos, só 10 reais para dançar das 22:00 às 3:30.


A EQUIPE Davi Nunes, editor chefe da Revista Cinzas no Café, é poeta, contista, cordelista e graduando de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia.

Inussa Manuel Gomes é Poeta e contista da Revista Cinzas no Café, guineense graduando de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia.

Marcio Costa, colunista da revista Cinzas no Café, é cronista e estudante de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia.

Pardal do Jaguaripe, revisor e colunista da Revista Cinzas no Café, é poeta , cordelista, prosador e graduando de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia no Campus I - Salvador.

Lina Mendes designer da Revista, graduanda pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Realização: projeto gráfico e capa.

COLABORADORES: Michel Assis - colaborador da seção FOTOGRAFIA, é fotógrafo e Professor de Gestão ambiental. Enio Saldanha - Ilustrador, da seção CRÔNICA, TEATRO-ENTREVISTA, ENTORNOS, PIMENTA NOS OLHOS, graduando de desenho industrial (design) pela Universidade do Estado da Bahia. Cajila Caã - ilustradora da seção CONTO, CRÔNICA, graduada de desenho industrial (design) pela Universidade do Estado da Bahia. Biba Barreto - colaboradora da seção CRÔNICA, possui graduação em Educação Física (Licenciatura) pela União Metropolitana de Educação e Cultura (2011). Cursa Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Luisa Carolina - colaboradora da seção CHAPOETICO, estudante de Letras Vernáculas pela UNEB, Campus I , estudante de Psicologia pelo Instituto de Psicologia da UFBA. Anderson Rabelo - colaborador da seção CHAPOETICO, formado em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia. Professor de Língua Portuguesa. Juliana Neri - colaboradora da seção NUCIRCUITO. Desenvolve trabalhos relacionados com fotografia de produtos, moda, e espetáculos. blog:www.juliananeri.blogspot.com.br Lana Mendes - colaboradora para seções de fotografia da revista. Nessa edição: seção ENTORNOS

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