Necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação
Necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação Dando cumprimento a uma tradição que se tem vindo a consubstanciar ao longo dos anos, é propósito do Município de Arruda dos Vinhos, uma vez mais, desvendar um pouco da história das nossas gentes e do nosso território. Na sequência das obras de requalificação das ruas da procissão, era do conhecimento geral que, sob as pedras seculares das nossas calçadas, jaziam páginas importantes da História de Arruda dos Vinhos.
No decurso das prospeções efetuadas nas imediações da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Salvação, foram feitos importantes levantamentos arqueológicos e antropológicos que nos permitem hoje afirmar, quão rica e antiga é a nossa terra. Embora esta seja uma primeira abordagem pois os materiais serão objeto de um estudo mais completo e aprofundado - não quisemos deixar de partilhar com os nossos munícipes e visitantes, os primeiros resultados desta intervenção, numa altura em que todos celebramos os festejos anuais em honra da nossa padroeira, Nossa Senhora da Salvação. Constatamos que a história de uma comunidade não se faz apenas na consulta de bibliografia. No caso particular de Arruda, a sua história escreve-se em cada um dos seus recantos: em pequenos pedaços de pedra ou materiais cerâmicos com inscrições ou decorações ínfimas, nas suas texturas, nos seus contornos, nos seus vestígios de uso, ainda hoje possíveis de identificar, graças à ciência e ao
conhecimento. A História de Arruda também se escreve na forma como os nossos antepassados foram sepultados, nos objetos com se faziam acompanhar, rumo a uma viagem de temores e mistérios, e na própria leitura nua e crua, mas não imediata, que se pode fazer dos inúmeros vestígios humanos encontrados, nomeadamente as doenças, as idades, as características e até as causas da morte.
Todos estes achados nos merecem o maior respeito e cuidado. Através deles, podem-se reconstituir quotidianos que remontam a muitos séculos anteriores à nossa atualidade. E é ref letindo sobre eles que nos apercebemos de quão efémeros e pequenos são o nosso tempo e a nossa condição. Queremos saber mais sobre esta “entidade” Arrudense que se revelou aqui, pelo menos desde a época da romanização no nosso território, até ao período da reconstrução da nossa Igreja, no século XVI. Este é um legado que pretendemos preservar e estudar. Só através do conhecimento do nosso passado, acharemos sentido para melhorar o nosso futuro, enquanto comunidade que acrescenta valor à sua caminhada conjunta. Esperamos sair desta exposição todos mais enriquecidos! Município de Arruda dos Vinhos, agosto de 2012
OCUPAÇÃO HUMANA DO TERRITÓRIO Breves apontamentos cronológicos Período Pré-histórico/ Proto-histórico 2300/2000 a.C. (Idade do Cobre Pleno)
2000/1800 a.C. (Idade do Cobre Final)
Primeiras marcas de ocupação humana no território que corresponde atualmente ao concelho de Arruda dos Vinhos; Ocupação do Povoado Fortificado do Castelo - Sítio Arqueológico do Castelo - Freguesia de Arranhó. Há vestígios de ocupação humana por todo o nosso território.
1172
Doação da Vila de Arruda à Ordem Militar de S. Tiago, por D. Afonso Henriques, tendo sido aqui construído o Convento do Vilar dessa mesma Ordem.
1186
D. Sancho I faz lavrar escritura em Évora, confirmando a doação do castelo de Arruda à Ordem de São Tiago.
1218
Confirmação da doação da vila de Arruda à Ordem de S. Tiago por D. Afonso II.
1369
Por ordem de D. Fernando, a população de Arruda participou com bens e mão de obra na construção da Cerca de Lisboa.
1384
A caminho de Lisboa, D. João de Castela passa por Arruda e aqui pernoita, tendo sido alvo de uma tentativa de assassínio por dois vilãos. Ao serem descobertos, foram enforcados e uma grande parte da população que se escondera na Lapa da Mata conhecida também por Cano de Sintra morreu queimada, pelo facto de os Castelhanos pegarem fogo à entrada da gruta. Assim surgiu a Lenda dos Quarenta Queimados.
1517
Em 15 de janeiro de 1517, D. Manuel I atribui foral à vila de Arruda.
1525/ 1531
Por ordem legada por D. Manuel I, a invocação da Igreja Matriz de Santa Maria de Arruda muda para a de Nossa Senhora da Salvação, em Ação de graças por um milagre concedido ao rei e sua família. Em consequência de um surto de peste que devastou o reino, a família real ter-se-á refugiado em Arruda, tendo escapado ilesa. Durante este período, a igreja foi restaurada e enriquecida com elementos decorativos. Também por ordem régia, os festejos em honra da padroeira começaram a realizar-se no dia 15 de agosto de cada ano, como agradecimento à Virgem.
Idade do Ferro Período Romano
Século III a.C. ao Século IV d.C.:
Reocupações do Povoado Fortificado do Castelo, inicialmente por tribos autóctones e, mais tarde, pelos Romanos, como o comprovam os achados arqueológicos encontrados. Do período romano são abundantes os vestígios por todo o concelho.
Séculos V, VI e VII
Entre os séculos V, VI e VII, a Península Ibérica esteve sob o domínio dos Alanos, Vândalos, Suevos e Visigodos. Os vestígios materiais desta ocupação são incipientes no nosso território.
Período Árabe A partir de 711 d. C
1160
Segundo a tradição, e na linha de alguns historiadores, os árabes ocuparam Arruda e erigiram aqui um castelo, na zona que corresponde à parte mais antiga da vila, sobranceira ao Rio Grande da Pipa. Suposta conquista da vila de Arruda aos árabes pelas tropas de D. Afonso Henriques, com a ajuda de Cruzados Ingleses, aos quais a povoação é inicialmente doada como agradecimento nas batalhas contra os mouros.
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OCUPAÇÃO HUMANA DO TERRITÓRIO
Arruda na Pré-História São da época do Neolítico os primeiros vestígios que se conhecem no concelho, através da recolha avulsa de alguns materiais lícitos à superfície dos terrenos lavrados. Pouca informação nos podem dar estes achados para além de confirmarem a presença humana no local dos alvores da agricultura peninsular e as trocas comerciais com a região alentejana de onde provém a matéria prima de que são feitos os machados de pedra polida. O período seguinte é mais revelador, mostrando uma sociedade hierarquizada que constrói muralhas à volta dos seus povoados com a finalidade de se protegerem bem como aos excedentes Sítio Arqueológico do Castelo agrícolas. Depositavam os seus mortos em câmaras funerárias, construídas com grandes megalitos e cobertas por mamoas de terra, fazendo acompanhar os defuntos com armas, utensílios de trabalho, objetos de caráter religioso e alimentos acondicionados em taças de barro.
A posição geográfica do povoado fortificado do Sítio do Castelo, da época do Calcolítico, demonstra cuidados de proteção e vigilância do fértil vale da ribeira da Pipa bem como do caminho que devia existir ao longo desta e que ligaria o Tejo e o Atlântico, entre a foz da ribeira da Pipa e a foz do rio Sizandro, passando por Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras, que era controlada pelo povoado fortificado do Zambujal. Outra preocupação seria a defesa da ligação com a região sul do município, Arranhó, e a passagem que ali devia existir para Belas, através do vale de Loures.
Arruda ao tempo dos Romanos Situado na zona norte do ager Olisiponensis, o território do atual concelho de Arruda dos Vinhos foi, desde os primeiros tempos, alvo da colonização romana.
destacando-se restos de um tanque e um piso de terra batida (possivelmente de uma habitação), um formão e um fuste de coluna.
Diversos são os vestígios da ocupação romana do território, tendo sido identificados villae ou casais como Casal do Letrado e Casal das Pias, o próprio Sítio do Castelo onde se exumaram moedas republicanas (dois denários de 153 a.C. e outro de 134 a.C.).
Durante muito tempo, pensou-se que a ocupação teria sido relativamente pacífica, mas os vestígios aqui encontrados demonstram que houve confrontos acesos entre as populações lusitanas e os romanos e, mais tarde, entre fações que disputavam o poder no império. Em Arruda ainda não se conseguiu apurar se existia apenas uma villa romana (aglomerado de construções de grandes proprietários rurais), se algo mais do que isso.
Recentemente a escavação da necrópole colocou a descoberto alguns vestígios romanos,
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OCUPAÇÃO HUMANA DO TERRITÓRIO
Em tempos Medievais Após a conquista de Lisboa aos Mouros, em 1147, D. Afonso Henriques, o primeiro rei português, com o objetivo de consolidar a fronteira sul do território, doou terras a cristãos oriundos do Norte da Europa. A povoação de Arruda e o seu território foi doada a cruzados ingleses, em 1160, segundo a tradição, como paga pelos seus préstimos na guerra contra os Mouros. Mais tarde, em 1172, elrei D. Afonso Henriques doa à Ordem Militar de S. Tiago a vila de Arruda. A partir dessa altura, em torno de uma capela que terá sucedido à mesquita, começaram a ser feitos enterramentos no campo santo agora posto a descoberto. D. Afonso Henriques
Em tempos modernos D. Manuel I outorgou foral novo à vila de Arruda, datado de Lisboa aos a quinze dias do mês de janeiro de 1517. El-rei teve muito apreço pelos arrudenses, pois o receberam quando a peste assolou a capital e, por isso se diz que teve a iniciativa de reedificar a igreja, entre 1525 e 1531, conforme ela é nos dias de hoje e mudou a invocação da igreja matriz de Santa Maria de Arruda para Nossa Senhora da Salvação. Igreja de Nossa Senhora da Salvação
Imagem de Nossa Senhora da Salvação
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OCUPAÇÃO HUMANA DO TERRITÓRIO
Necrópole ou Campo Santo O Homem é o unico ser vivo que pensa a sua existência e consequentemente, a sua morte, passando esta a ocupar uma posição básica na existência da Humanidade. As considerações sobre a questão da morte, sentido da vida e suas consequências em determinadas sociedades refletem-se nas crenças, na literatura, nas expressões de culto e nos rituais funerários e de enterramento que revelam muito acerca do modo como se vive, como se sente em vida e como se entende ou aceita a morte. As sociedades, desde as mais antigas até à atualidade, adotaram diversos sistemas e rituais funebres através dos quais se tem podido estudar e entender a sua relação com a morte, assim como diferentes aspetos pessoais e sociais das mesmas. Ao longo dos tempos, para além das questões relacionadas com as diferentes religiões, a prática e culto do enterramento temse transformado ao ritmo do pensamento humano. As mudanças ocorridas em sociedade, nomeadamente na cultura, na economia, na política e nas próprias religiões, contribuiram para as mudanças de atitude que o Homem revelou perante a morte, a forma de a pensar e de "tratar" dos seus mortos. Uma das mais "radicais" alterações de atitude do Homem perante a morte terá sido aquela que decorreu aquando do movimento renascentista. Este movimento, que ocorreu em meados do séc. XVI, tinha como objetivos recuperar grande parte dos princípios e pressupostos da Antiguidade
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Clássica que, para além de todas as influencias verificadas ao nível das artes e da cultura, se traduziu numa consciencialização por parte do Homem enquanto ser pensante que se caracterizou pelo racionalismo em oposição à fé e o antropocentrismo em oposição ao teocentrismo. Os locais de enterramento, conhecidos como Necrópole e/ou Cemitério, devem ser estudados à luz da organização social e pensamento humano, subjacentes à época do enterramento. Em arqueologia, designam-se por Necrópoles os locais de enterramentos em construções do tipo monumental (Dólmens ou Antas). A palavra Necrópole está associada a Campos Santos (locais de enterramentos) anexos a centros de grandes civilizações.
Necrópole ou cemitério? A diferenciação baseia-se no facto de existirem, na ótica cristã a diferença entre cristão e pagão, denominando-se por necrópoles todos os enterramentos coletivos pagãos, e por cemitério o conjunto de enterramentos cristãos.
OCUPAÇÃO HUMANA DO TERRITÓRIO
Necrópole ou Campo Santo Em Portugal, os enterramentos fizeram-se nas Igrejas e suas imediações até meados do séc. XIX, não se podendo com rigor determinar a data. As alterações legislativas decorrentes do governo de Costa Cabral, em 1845, tiveram o intuito de reorganizar a saúde pública, regulamentando uma medida já implementada desde 3 de janeiro de 1837. Trata-se do diploma legal que proibiu os enterramentos nas igrejas e suas imediações, obrigando a fazê-los em locais próprios - os Cemitérios -, mediante o pagamento do imposto "de covato" que incidia sobre os enterros. Este medida onerava ainda mais o contribuinte que já comparticipava financeiramente o ato religioso, mediante a remuneração obrigatória ao clérigo.
Maria da Fonte
O período que se vivia era conturbado do ponto de vista politico, e tais medidas vieram agravar o descontentamento popular quer por razões culturais, quer por razões económicas, começando a organizar-se e a promover pequenas revoltas um pouco por todo o País. Uma das mais célebres destas revoltas ficou conhecida na história pela revolução da Maria da Fonte, ou Revolução do Minho.
Este movimento popular destacou-se porque teve como elemento propulsor as Mulheres do povo, imbuídas de um ideal de luta contribuiram para um movimento que teve as mais sonoras repercussões. O "episódio" teve como principal protagonista uma Mulher Maria da Fonte, natural de uma aldeia da Fonte no Concelho da Póvoa de Lanhoso, que
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instigando outras mulheres se muniram de foices e roçadouras, dirigiram-se à Igreja de Santo André dos Frades onde, sem ordem da Junta de Saúde, enterraram uma defunta. Nos dias que se seguiram ocorreríam casos idênticos.
Em Arruda dos Vinhos, uma das referências existentes "a compra de uma porção de terreno no cemitério" municipal é de 1898 em nome de Theodolinda Amelia da Silva Attaz, data coincidente com a Restauração do Concelho. O facto de, entre 1823 e 1898, terem existido diversas mudanças de sede de concelho, entre Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira, poderá justificar a ausência de documentação que ateste a data exata de início de utilização do cemitério municipal. Os cemitérios assumiram um papel importante na questão do culto da morte, chegando mesmo a constar dos circuitos turísticos de alguns países, por elementos arquitetónicos e estatuária, ou por terem figuras marcantes sepultadas. São exemplo disso os cemitérios de: - Braga; - Hebreus em Angra do Heroísmo; - Ingleses em Elvas; - Pére-Lachaise em Paris França; - Recoleta em Buenos Aires Argentina.
OCUPAÇÃO HUMANA DO TERRITÓRIO
O Óbolo de Caronte Segundo a Mitologia grega, Caronte era o barqueiro que transportava os defuntos do mundo dos vivos para o mundo dos mortos através do rio Estige. Como óbolo, Caronte exigia uma moeda para fazer a passagem, motivo pelo qual era colocada uma moeda junto ao morto. Se a alma não pudesse pagar não passava, ficando no espaço intemporal, podendo regressar para atormentar os vivos.
No século XVI, a tradição mantinha-se por todo o reino, verificando-se indícios desta crença na trilogia do Auto das Barcas, do dramaturgo português Gil Vicente. O primeiro auto é o da Barca do Inferno que leva à cena em 1517, no Hospital de Todos os Santos em Lisboa. No ano seguinte é representado o Auto da Barca do Purgatório, e, em 1519, o Auto da Barca da Glória que é estreado em Almeirim, perante D. Manuel I. Além dos Diabos e Anjos, este auto conta com a presença da Morte que vai trazendo consigo os remadores celestiais. Nele, a Morte representa Caronte que faz a passagem das almas dos que morrem para o Inferno, para o Purgatório ou para o Céu.
Representação de Caronte na barca
Os Romanos adotaram esse costume que trouxeram para a Lusitânia. Com o aparecimento do cristianismo manteve-se o hábito, vindo a perder-se lentamente a razão de tal uso pela população que o praticava.
Frontispício do auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente
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No Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, foram excluídas muitas das tradições praticadas pelos cristãos, o que nos leva a pensar que terá sido nesta época que foram proibidas as práticas de se sepultarem defuntos em moimentos com esteios e o costume de colocar moedas na mão ou junto aos corpos.
Concílio de Trento
TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS O Município de Arruda dos Vinhos iniciou obras de reabilitação e requalificação das ruas do percurso da procissão de Nossa Senhora da Salvação - as artérias principais da vila que, para além do seu valor funcional e histórico delimitam e definem o núcleo histórico da vila de Arruda dos Vinhos. O objetivo da intervenção urbanística é reorganizar o espaço público, através da implantação e melhoria do mobiliário urbano, da melhoria das condições de acessibilidades para peões, da reformulação e ordenamento do tráfego rodoviário, do estacionamento e da intervenção em todas as infraestruturas de rede, prevendo a substituição da rede de abastecimentos de água, a substituição das redes de drenagem de águas residuais, a substituição da rede de iluminação pública e os arranjos exteriores das ruas.
Antes da intervenção
Depois da intervenção
Uma vez que as obras abrangiam toda a área envolvente à Igreja Matriz classificada como Imóvel de Interesse Público, Decreto n.º 33 587, DG, I Série, n.º 63, de 27-03-1944, foi efetuado todo o acompanhamento arqueológico necessário, sob a responsabilidade do Dr. Guilherme Cardoso da Assembleia Distrital de Lisboa, ao abrigo do protocolo elaborado com este Município em 1996. Estando projetada a colocação de manilhas de esgoto, conduta de água, e construção de conduta técnica, foram realizadas sondagens mecânicas no local, que apresentaram restos ósseos, confirmando a existência de uma necrópole, que é comum em situações idênticas em igrejas medievais. De acordo com a Lei de Bases da Política e do Regime de
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Proteção e Valorização do Património Cultural (Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro), o Município de Arruda dos Vinhos desenvolveu todos os mecanismos necessários para o acompanhamento arqueológico e antropológico que o contexto exigia.
Antes da intervenção
Depois da intervenção
A requalificação da zona antiga de Arruda começou no princípio de 2012 e os arqueólogos decidiram concentrar a sua atenção a poente da Igreja de Nossa Senhora da Salvação, onde apareceram vestígios humanos.
Trata-se de parte de uma pequena praça situada entre a igreja e o antigo paços do concelho, onde existiu o chamado “campo santo” de Arruda, e a escavação circunscreveu-se à zona onde se realizaram as obras de infraestruturas do projeto de requalificação urbana, o que significa que continuam a existir vestígios humanos ao redor da igreja, que não serão escavados, uma vez que não existe necessidade de intervenção urbanística. O campo santo onde foram efetuados enterramentos no passado, continua a ser campo santo atualmente, pois ali repousam os arrudenses de outros tempos.
TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
A escavação Após as sondagens realizadas na envolvência do adro e no lado norte da igreja de Nossa Senhora da Salvação, procedeu-se à abertura manual de duas áreas perpendiculares que ocuparam uma área com cerca de 53 m2, entre o Antigo Edifício dos Paços do Concelho e a Igreja Matriz.
Verificou-se que o local serviu como cemitério durante, pelo menos, os séculos XV e XVI, havendo hipóteses de ter começado um pouco antes e de se ter prolongado até aos inícios do século XVII.
As primitivas sepulturas encontravam-se abertas no substrato geológico local, encontrando-se algumas delas sobre os vestígios de um piso do período romano. No canto sudeste da intervenção, onde o desnível entre a superfície e as camadas mais profundas era maior, as sepulturas apinhavam-se umas sobre as outras até à camada onde assentava a calçada dos finais do século XIX que atapetava a rua.
Imagens da escavação
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TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
A escavação Alguns registos históricos importantes, nomeadamente a correspondência do Dr. Tito Bourbon e Noronha, médico municipal em Arruda dos Vinhos no final do século XIX e início do século XX, com o Dr. José de Leite Vasconcelos, arqueólogo fundador do Museu de Belém (atual Museu Nacional de Arqueologia) confirmam a realização de infraestruturas nas ruas que circundam a Igreja Matriz de Arruda, no início do séc. XX, nas quais, inclusivamente, surgiram vestígios humanos assim descritos:
Imagens da escavação
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«Em uma rua desta vila, que passa ao lado do adro da Igreja Matriz, cemitério em outros tempos, mas a rua em plano inferior ao adro uns dous metros anda a Câmara abrindo um cano de esgotos. À profundidade de meio metro foram encontrados numerosos esqueletos completos com a circunstancia para mim nova de em todos estar o craneo, mas só este, coberto por uma pequena lage tosca, irregular, medindo 3 a 4 decímetros de comprido por 2 a 3 de largura e dizem os trabalhadores que um pouco tingidas de vermelho do lado voltado para o esqueleto. O ossário estende-se para debaixo do adro de um lado e de uma casa fronteira a este. Os ossos devem contar alguns bons séculos. Em que data se usaria esta forma de enterramento só com o craneo coberto?» Arruda 2-V-1922 Este documento não só confirma a realização de infraestruturas que terão danificado parte da necrópole, assim como caracteriza as sepulturas achadas na época. Deste período, não existem registos arqueológicos uma vez que a lei portuguesa não incidia ainda nesta matéria.
TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
A escavação
Ao longo da escavação da necrópole, entre março e julho de 2012, surgiram dificuldades devido às condições atmosféricas que obrigaram à colocação de proteções provisórias.
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Imagens da escavação
TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
A escavação
Registos
Observação cuidada dos achados
Lavagem dos achados
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Tirar medidas
Numa primeira fase de escavação foi feito o tratamento cuidadoso dos achados, em que todo o material recolhido foi observado, medido e registado em fotografia ou desenho.
E, numa segunda fase, é desenvolvido o trabalho em laboratório, em que os achados são lavados, analisados com maior cuidado e, em alguns casos, enviados para laboratório onde alguns técnicos efetuam análises e estudos mais rigorosos, de forma a melhor conhecer a história associada aos artefatos.
TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
A escavação
Sepulturas danificadas por antiga conduta de esgoto.
Destruição por trabalhos de extração de pedra.
Sepulturas danificadas por antiga conduta de esgoto.
Sepultura e tanque romano danificados por antiga conduta de esgoto.
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Sepulturas danificadas por antiga conduta de esgoto.
O facto de na área escavada terem ocorrido diversas construções em diferentes períodos de ocupação humana, provocou a destruição de alguns vestígios de construções ainda mais antigas, mas, no meio das terras revolvidas, no decorrer da escavação, foram retirados objetos que permitiram caracterizar as diversas ocupações do sítio ao longo dos tempos e reconstituir um pouco da história daquele espaço.
TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
Resultados Arqueológicos
Pré-História Desta época recolheram-se algumas lascas de sílex e de quartzo que são vestígios de talhe durante o Neolítico/Calcolítico.
Idade do Ferro Vários fragmentos de cerâmicas de feitura manual e cinzentas finas de bordos de secção em voluta, foram recolhidos em diversas camadas. Pelo tipo de cerâmica e formas pode-se dizer que as mais antigas são do séc. II a. C.
Período Romano
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TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
Resultados Arqueológicos Período Romano Por todo o vale do rio Grande da Pipa existem vestígios da época Romana. O sítio da Vila de Arruda dos Vinhos só vem confirmar a realidade e a importância desta região de passagem entre o Tejo e o mar a norte de Olisipo. Os primeiros vestígios datam ainda do período Republicano Romano, sendo notório a importância que deteve durante os principados de Augusto e Tibério durante os inícios do Alto Império. Para além dos fragmentos de telhas, tijolos, louças e raros artefactos de ferro, encontraram-se restos de um tanque e um piso de terra batida de uma possível habitação que não foi possível reconstituir devido ao limitado espaço da escavação e às destruições a que estiveram sujeitas as suas edificações nos séculos seguintes ao seu abandono. O fragmento de um fuste de coluna de lióz de nervuras róseas, provavelmente oriundo das pedreiras de Figueiredo, Runa e vidros de janela, evidenciam as posses económicas do seu proprietário. No serviço de mesa utilizavam louças finas originárias da península Itálica, da Tarraconense e do norte de África. Os raros fragmentos de ânforas recolhidos dizem-nos que parte do vinho tinha origem na península Itálica, o azeite na Bética e os preparados piscícolas provinham do estuário do Tejo.
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TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
Resultados Arqueológicos
Época Visigótica Algumas intrusões verificadas nos estratos mais profundos evidenciam uma característica comum no mundo tardio: o rebaixamento dos pisos de habitação. As cerâmicas são na sua maioria de produção à roda lenta, cozidas em ambiente redutor e com raras decorações incisas.
Época Islâmica Embora raros, os vestígios da época da ocupação Islâmica existem em Arruda dos Vinhos. São constituídos por pequenos fragmentos de cerâmica, de pastas duras, cozeduras redutoras e oxidantes, onde aparecem vestígios de decoração pintada. Os fragmentos de telhas apresentam-se, na maioria dos casos, mais finas e, algumas, ostentam decoração incisa em S.
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TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
Caracterização e tipologia dos enterramentos Os enterramentos faziam-se maioritariamente em sepulturas delimitadas por esteios laterais e tampas de rústicas lajes arrancadas localmente. Praticava-se, ao mesmo tempo, o enterramento em cova simples que podia ter pedras a cobrir ou não.
Esta é a típica sepultura que os católicos passaram a empregar a partir do Concílio de Trento, abandonando o costume de fazer enterramentos estruturados com esteios. Na necrópole de Arruda observaram-se diferentes tipos de enterramentos, de acordo com várias tradições, usos e costumes que se refletem na forma das sepulturas.
Sepultura 8 aquando da sua identificação logo abaixo da calçada.
Sepultura 8 aspeto da parte exterior.
Sepultura 8 interior.
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Sepulturas em fossa simples sobre tampa de sepultura de esteios.
TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
Caracterização e tipologia dos enterramentos As cabeceiras de sepultura eram esculpidas em pedra, podendo apresentar diversas formas, no entanto a maioria eram constituídas por uma parte superior em forma de disco, assente num espigão que era enterrado de forma a fixá-las ao solo. Eram em geral decoradas, numa ou ambas as faces, predominando os símbolos religiosos, mas podendo conter também iconografia de diversa natureza.
Estela recuperada durante a escavação.
Estela que se encontra na parede do cartório paroquial.
Cabeceira com uma cruz numa das faces e o signo Saimão na outra.
Sepultura com cabeceira in situ.
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Moeda de D. Afonso Henriques com o signo Saimão no reverso.
Estelas inseridas na parede da casa paroquial
TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
Caracterização e tipologia dos enterramentos Em algumas sepulturas escavadas na Rua do Adro, encontraram-se moedas junto aos esqueletos ou no meio das falanges das mãos, o que indicia que foram colocadas nas mãos dos cadáveres antes de estes serem sepultados.
Este costume tem origem na Grécia e confirma a crença na passagem das almas dos que morrem para o Inferno, para o Purgatório ou para o Céu.
Pormenor de uma moeda no meio dos ossos da mão de um dos esqueletos retirados durante a escavação.
Real preto de D. Afonso V, 1432-1481/Ceitil de D. Afonso V, 1432-1481.
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TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
Objetos In Situ Apresentam-se alguns vestígios e objetos in situ, conforme foram achados durante a escavação.
Vestígios de piso com ferramenta in situ.
Piso de cinzas e terra batida.
Alfinete junto ao crânio.
Formão (?) romano
Piso de terra batida e lajeado.
Fragmento de bordo de panela.
Conta de vidro no meio da terra.
Moeda sobre o coxal direito. Alfinete no coxal direito.
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Bracelete de vidro in situ.
Esqueleto com duas moedas.
RESULTADOS ANTROPOLÓGICOS Bioantropologia A Bioantropologia e a Arqueologia ao estudar a sepultura e o seu conteúdo pretendem reconstituir a vida e a morte das populações pretéritas. A combinação de conhecimentos e competências destas disciplinas é imprescindível para a reconstituição do que foi a população viva que utilizava a necrópole e reconhecer o modo como esta exprimia a sua relação com a morte. A análise do esqueleto providencia duas abordagens complementares e interdependentes: Do mundo dos mortos: Pretende conhecer-se os gestos e práticas funerários e os conjuntos sepulcrais, de maneira a se poderem tecer ilações sobre as conceções mentais da comunidade ante a morte e, deste modo, perceber os discursos, representações e o processo de transformação nas atitudes relativas à morte;
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Do mundo dos vivos: Pretende-se a reconstrução da vida da paleopopulação, são analisadas a sua demografia (quem eram este indivíduos), morfologia (como eram) e patologia (como viveram). Deste modo compete ao esqueleto a função de “fazer a ponte” entre as abordagens, providenciando uma valiosíssima fonte de informação sobre a cultura e a biologia.
RESULTADOS ANTROPOLÓGICOS
Bioantropologia Que informação fornece o esqueleto? Crânio O sexo pode ser estimado a partir da arquitetura do crânio: as arcadas supraciliares desenvolvidas (1), o relevo nucal acentuado (2) e as apófises mastóides maciças (3) indicam que se trata de um indivíduo do sexo masculino. O exame das suturas cranianas pode fornecer pistas sobre a idade à morte.
Ossos maxilares Perda de dentes total muitos anos antes da morte do indivíduo.
Osso coxal O osso coxal é o osso mais discriminante do esqueleto na determinação sexual. A grande chanfradura ciática em U (1), a ausência de sulco préauricular (2) e a crista ilíaca em S (3) apontam igualmente para um indivíduo do sexo masculino.
Osso coxal A idade à morte pode ser estimada a partir do exame da superfície auricular. As alterações que esta exibe são compatíveis com um indivíduo idoso (ou seja, mais de 50 anos)
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Crânio Metopismo o osso frontal exibe sutura metópica que o divide em duas metades. Este tipo de variações observáveis no esqueleto denomina-se por caracteres discretos (ou variação nãométrica). Podem permitir a descoberta de zonas familiares de enterramentos, sobretudo os menos frequentes. No campo morfológico atende-se igualmente a caracteres métricos e à determinação da estatura (1,60 m).
Úmero esquerdo Dismetria dos úmeros causada por fratura óssea do colo do úmero esquerdo (ombro). Nota-se inclinação anormal do colo e alguns crescimentos ósseos na área. Na outra extremidade (cotovelo) pode observa-se crescimentos ósseos na superfície articular de etiologia degenerativa (artrose).
Coluna vertebral Ao nível da coluna vertebral registam-se artroses graves do disco (1), nódulos de Schmorl (no vivo correspondem às hérnias discais) na superfície dos corpos vertebrais causados por stress biomecânico (2) e duas fraturas por compressão possivelmente devido à osteoporose (3)
Perónio esquerdo Fratura bem consolidada do perónio esquerdo.
RESULTADOS ANTROPOLÓGICOS
Antropologia Funerária e Bioantropologia A necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação Mundo dos mortos O local onde o defunto seria sepultado era extremamente relevante, todos deveriam ser inumados em solo sagrado de modo a garantir a Salvação da sua alma.
A escolha da área específica dependia do estatuto socioeconómico do indivíduo: os ricos eram sepultados nas igrejas mais importantes, e nestas usavam o seu interior, onde possuíam túmulos familiares, enquanto a esmagadora maioria da população, teria de se contentar com o adro, solo sagrado devido à sua proximidade com a igreja e por ter sido benzido, bem menos oneroso, mas também bem menos apetecível por se encontrar mais distante do altar. A morte não é afinal a grande “niveladora”, é verdade que todos os seres humanos morrem, mas há grandes diferenças no tratamento do falecido, as hierarquias sociais que existem em vida são transpostas para a sepultura.
Figura 1 - Esqueleto parcialmente desarticulado todos os ossos do lado esquerdo foram removidos de modo a providenciar uma nova cova. Após deposição do mais recente ocupante, o fémur esquerdo do indivíduo mais antigo foi colocado por cima daquele.
A escavação de parte do adro da igreja de N. Sra. da Salvação revelou que este foi intensivamente reutilizado durante séculos. Na organização deste espaço limitado ocorreram três tipos de situações: (1) os sepultamentos mais recentes eram colocados diretamente sobre os mais antigos, ocorrendo sobreposição de indivíduos; (2) o esqueleto do ocupante mais antigo da sepultura era desarticulado ou parcialmente desarticulado (Figura 1, Figura 2) e afastado para um dos extremos da sepultura (Figura 3), providenciando-se espaço para uma nova inumação; (3) os ossos eram removidos das sepulturas e colocados em ossários (Figura 4).
Figura 2 - Desarticulação do esqueleto de um indivíduo adulto apenas parte dos membros inferiores e pés estavam in situ de modo a receber o corpo da criança que se identificou no outro extremo da sepultura. A posição dos membros inferiores da criança sugere que esta não foi amortalhada, situação que se verificou, igualmente, na maioria dos não-adultos com menos de 3-4 anos.
Figura 3 - Redução óssea colocada junto aos pés da sepultura e ao lado do indivíduo.
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Figura 4 - Ossário contendo os restos mortais de pelo menos 4 indivíduos.
RESULTADOS ANTROPOLÓGICOS
Antropologia Funerária e Bioantropologia A necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação
Figura 5 - Esqueleto com os braços sobre a região abdominal.
Os defuntos eram depositados na sepultura em decúbito dorsal, com os membros inferiores estendidos e as mãos, normalmente, sobre a região abdominal (Figura 5). Foram identificados poucos casos em que os membros superiores se encontravam noutra posição (Figura 6). A cabeça estava de frente, olhando para o céu. A orientação era a Este-Oeste, estando o indivíduo virado (cabeça) para Este, ou seja, para Jerusalém Celeste, aguardando pelo dia do Juízo Final para se erguer e ficar face-a-face com Jesus Cristo. Foi identificado um único sepultamento que não seguia estas normas (Figura 7).
Figura 6 - Esqueleto com os braços cruzados sobre o peito.
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Figura 7 - Situação atípica: o esqueleto de uma criança foi depositado sem seguir os preceitos cristãos (exceto orientação).
RESULTADOS ANTROPOLÓGICOS
Antropologia Funerária e Bioantropologia A necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação O mundo dos vivos O número de esqueletos articulados/parcialmente articulados perfaz 80 indivíduos. Os milhares de ossos provenientes das reduções ósseas encontradas nas sepulturas e dos ossários aumentarão largamente o número de indivíduos exumados. Os resultados que se apresentam referem-se à breve análise antropobiológica efetuada para as inumações primárias (ou seja, os 80 indivíduos). Examinaram-se o perfil biológico de cada indivíduo (Figura 8) e as principais patologias com expressividade nos tecidos duros. Foram exumados 41 adultos e 39 não-adultos (Figura 9), registando-se fetos, bebés com menos de 1 ano, crianças, adolescentes, adultos jovens, adultos maduros e idosos. Constata-se a predominância de crianças com menos de 3 anos e de adultos jovens (18-25 anos). A estimativa sexual realizada para os indivíduos adultos permitiu identificar 16 mulheres e 18 Distribuição por grupos etários da amostra populacional homens (Figura 10). No cálculo da estatura a mulher mais baixa mediria cerca de 1,42 m e a mais alta 1,51 m, quanto aos Figura 9 homens a estatura mais baixa seria de aproximadamente 1,51 m e a mais alta 1,65 m. Não-adultos 49% (n=39)
Adultos 51% (n=41)
Distribuição por sexos da amostra populacional
Sexo feminino 47% (n=16)
Sexo masculino 53% (n=18)
Figura 10
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Figura 8 - Perfuração esternal: variação discreta rara. Esta e outras características morfológicas podem permitir a individualização de subgrupos de indivíduos da população que possuem um ou mais carácter, mostrando que a organização do espaço funerário não é aleatória.
O estudo patológico encerra algumas limitações que convém esclarecer: geralmente o esqueleto é o último sistema corporal a ser afetado; numerosas enfermidades não causam sinais visíveis sobre o osso, assim como as que deixam podem induzir reações ósseas muito similares, tornando-se complicado discernir sobre qual é especificamente a doença que as estimulou; as condições patológicas agudas ou acidentes fatais não se manifestam, sendo sobretudo as doenças crónicas que eventualmente produzem sinais macroscópicos; a própria natureza do tecido ósseo caracterizada por uma resposta limitada a uma condição anómala dificulta o diagnóstico das lesões do esqueleto. E finalmente, a causa de morte do indivíduo raramente pode ser deliberada.
RESULTADOS ANTROPOLÓGICOS
Antropologia Funerária e Bioantropologia A necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação Na patologia oral registaram-se um elevado número de indivíduos com cáries e desgaste acentuado das superfícies oclusais (zona contacto dente com dente e alimentos). Esta última situação foi inclusivamente identificada nos dentes-de-leite de crianças com 4-5 anos. Embora o exame antropobiológico seja ainda preliminar, estes dados apontam para uma dieta rica em alimentos cariogénicos (batata, pão e.g.) contendo elementos duros e abrasivos (farinha mal triturada e/ou com micropartículas pétreas da mó e.g.). Na patologia degenerativa identificaram-se vários indivíduos com artrose e lesões entesopáticas. Nas condições infeciosas também se registaram algumas situações como a periostite que afeta a membrana que reveste os ossos, sobretudo nas tíbias.
Figura 11 - Possível situação de doença de Perthes. Esta doença enquadrase nas patologias de natureza circulatória. É causada por uma obstrução no abastecimento sanguíneo da cabeça do fémur em crescimento, resultando a necrose vascular. Morfologicamente a cabeça o fémur apresenta graves deformações, adquirindo a forma de cogumelo e o acetábulo do osso coxal alarga-se e deforma-se igualmente. Os ossos da articulação da anca direita foram atingidos mais severamente do que os do lado esquerdo.
Nos traumatismos físicos observaram-se vários indivíduos com fraturas, algumas bem consolidadas, mas outras indicando a ausência de tratamento médico na sua redução (Figura 11). Identificaram-se duas possíveis situações de doença de Perthes, uma patologia do foro circulatório (Figura 12). Por fim, destacam-se as crianças que praticamente não exibem lesões patológicas, sugerindo que faleceram devido a doenças agudas. Efetivamente na era anterior aos antibióticos e vacinas a mortalidade infantil era elevadíssima, sendo as principais causas de morte os problemas respiratórios agudos (broncopneumonia e.g.) e as gastroenterites.
Figura 12 - Fratura oblíqua da diáfise do fémur direito relevando a inexistência de cuidados médicos. A tíbia exibe, igualmente, uma fractura oblíqua mal reduzida, mas mais antiga.
Nota: A análise da sepultura e do espólio é, igualmente, fundamental para se conhecer o mundo dos mortos
Necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação
DIVULGAÇÃO E DEFESA DO PATRIMÓNIO Durante o período de escavação da Necrópole de Arruda, foram realizadas diversas visitas de acompanhamento por parte dos dirigentes municipais, Presidente, Vereadores e Chefes de Divisão, e de fiscalização por parte dos técnicos do IGESPAR Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico. A defesa e divulgação do património de Arruda dos Vinhos tem sido uma prioridade do Município, através dos serviços da área cultural, assim como na promoção de uma
atividade de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico, através da disciplina “Percursos Culturais e Exploração do Meio”, que obteve grande interesse por parte dos alunos. Neste âmbito, foram realizadas visitas de estudo à escavação da necrópole com o objetivo de dar a conhecer o trabalho de investigação arqueológica e antropológica em desenvolvimento, explicando as razões que conduziram à mesma e o que se pode conhecer com os materiais achados.
Visitas
O interesse nesta matéria teve um alcance regional e nacional, desencadeando um conjunto de reportagens para jornal e televisão, destacando-se as seguintes:
Reportagem TVI Programa “Jornal da 1” Transmitido a 14-05-2012
Reportagem RTP Programa “Portugal em Direto” Transmitido a 28-03-2012
Necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação
«Escavações no “campo santo” de Arruda revelam 2100 anos de história» por Jorge Talixa - Público, 19-06-2012
BIBLIOGRAFIA BRAGA,Teófilo, O Povo Português nos Seus Costumes, Crenças e Tradições, vol.I, Publicações Dom Quixote.
MEDINA, João, Historia de Portugal Portugal Liberal, vol. X.
CARDOSO, Guilherme e ENCARNAÇÃO, José, Arruda na PréHistória, sob responsabilidade da Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, ano 1999.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Historia de Portugal 18321851, Verbo.
Correspondência de Tito Bourbon e Noronha, depositado no Museu Nacional de Arqueologia. REIS, António Do Carmo , O Liberalismo em Portugal e a Igreja Católica, Editorial Notícias. HOWARD, Glennys e LEAMAN, Oliver, Enciclopédia da Morte e da Arte de Morrer, Circulo dos Leitores.
TALIXA, Jorge, «Escavações no “campo santo” de Arruda revelam 2100 anos de história», in Público, 19/06/2012.
Webgrafia http://pt.wikipedia.org http://com.felipe-correa-guadanlini-as-transformações-darelação-do-homem-com-a-morte
FICHA TÉCNICA Exposição
Escavação
Exposição Temporária
Responsabilidade
Necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação Município de Arruda dos Vinhos 13 de agosto a 10 de outubro de 2012
Guilherme Cardoso - Assembleia Distrital de Lisboa
Responsabilidade Município de Arruda dos Vinhos Divisão Sócio Cultural - Serviço de Planeamento Cultural
Escavação Arqueológica Arqueologia: Guilherme Cardoso Antropologia: Nathalie Antunes-Ferreira
Conceção de Conteúdos Ana Correia | Eurico de Sepúlveda | Guilherme Cardoso Jorge Lopes | José d'Encarnação | José Pedro Henriques Nathalie Antunes-Ferreira | Paula Ferreira de Sousa Paulo Câmara
Fotografia Bruno Rato | Guilherme Cardoso
Organização e Revisão Ana Correia | Paula Ferreira de Sousa | Paulo Câmara
Levantamento topográfico Manuel Filipe Raimundo
Conceção Gráfica Município de Arruda dos Vinhos Cláudia Jaleco - Gabinete de Comunicação e Imagem
Colaboradores Ana Amarante | Ana Sofia Afonso António M. F. Duarte | Bruno Rato | Bruno Souza Carlos Boavida | David Coelho | Dionísio Carvalho Eusébio Rodrigues | Fábia Berbigão | Filipa Santos Francisco Feitinha | Haider Sultan | Inês Lisboa Joana Gonçalves | João Miguel Luís | Jorge Lopes Liliana Marques | Luís Lourenço | Luísa Batalha Miguel António Afonso | Paula Caetano Paulo Câmara | Paulo Casimiro | Paulo Ferreira Pedro Porém | Renata Wellenkamp Cervantes Rui do Vale | Samir Ahmad | Samuel Santos Tiago Marques | Vera Louro | Xavier Silva
Fotografia Bruno Rato | Guilherme Cardoso | Paula Pardal Colaboração Guilherme Gaspar | Maria Ana Fonseca | Manuel Neto Sara Vasconcelos | Silvina Dinis
Necrópole da Igreja de Nossa Senhora da Salvação
Desenho José António Oliveira
Agradecimentos Assembleia Distrital de Lisboa Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I.P. XIX - Construções, Projetos e Gestão, Lda. A todos os munícipes que colaboraram durante a realização da escavação.