Exposição "Uniformes e Memórias"

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UNIFORMES E MEMÓRIAS No tempo da 3.ª Invasão Francesa a Portugal

Estamos no concelho de Arruda dos Vinhos no início do século XIX, a população foi convocada para a defesa da cidade de Lisboa a uma 3.ª invasão do Imperador Napoleão Bonaparte a Portugal, através da construção de estruturas militares de defesa e também para o abandono das suas casas e propriedades, quando a chegada das tropas inimigas. Por se situar na península e a Norte de Lisboa, integra a 1.ª Linha de Defesa que ficará conhecida por Linhas de Torres. As freguesias de Arruda dos Vinhos e Cardosas situam-se fora da linha de defesa, sendo palco da estadia ora de ingleses, ora de franceses, enquanto que as freguesias de Arranho e São Tiago dos Velhos se situam dentro das Linhas e apoiam o exército Português e Inglês. Dois anos antes, em Novembro de 1808, a corte Portuguesa abandona Portugal, instalando-se no Brasil. O País não perde a soberania, mas o General Wellington (exército inglês) organiza a defesa de Lisboa e implementa a Política da Terra Queimada, destruindo a economia e a subsistência da população Portuguesa por largos anos.

A exposição aqui patente dá-nos conta de parte dos prejuízos havidos, ficando muitos outros por avaliar. Damos conta de algumas memórias dessa época e de episódios ocorridos durante a estadia das tropas em Arruda, assim como se apresentam uniformes militares de época. Convidamos a conhecer a história e memória dos nossos antepassados!


UNIFORMES E MEMÓRIAS No tempo da 3.ª Invasão Francesa a Portugal

CONSTRUÇÃO DE REDUTOS EM ARRUDA Em 1809 o General Wellington decide pela construção de uma linha defensiva do Tejo até ao mar, protegida pelas posições avançadas de Torres Vedras e de Monte Agraço, fornecendo ao exército aliado meios de defesa suplementares contra o inimigo. Decidido o plano de defesa e determinada a localização dos redutos, as obras iniciam-se em Outubro de 1809. Em Fevereiro de 1810, após a passagem de Wellington pela região a norte de Lisboa, inicia-se a construção de outros redutos, nos quais se incluem os de Arruda, a 17 de Março de 1810.

COMO SÃO OS REDUTOS No início das obras, os redutos adotam uma forma de estrela, com o objetivo de proporcionar uma defesa de flanco sobre os fossos, como é caso do Forte da Carvalha (Obra Militar n.º10), mas esta disposição diminui o espaço interior, pelo que posteriormente a forma dos redutos passa a ser determinada em função do terreno. Todos os redutos são reforçados com um fosso de cerca de 15 pés de largura e 10 pés de profundidade, protegidos por paliçadas de estacas, construídas com troncos de árvores, de 4 a 8 polegadas de diâmetro, colocados verticalmente no solo. Os parapeitos são de pedra. No interior dos redutos, são instaladas plataformas, sobre as quais são colocadas as peças de artilharia, construídas com simples madeiros, colocados sob rodas de carretas para se tornarem posteriormente num verdadeiro sobrado. Mais de 50 mil árvores foram abatidas para as obras de fortificação entre 7 de Junho e 7 de Outubro de 1810.

Planta do Forte da Carvalha


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MEMÓRIAS Divisão Ligeira do Exército Britânico, comandada pelo General Craufurd, chega à vila de Arruda na noite de 10 de Outubro de 1810 Capitão John Kincaid descreveu, após a Batalha do Buçaco, a 27 de Setembro de 1810, a retirada do exército anglo-portuguêspara as Linhas de Torres: «A nossa longa retirada terminou à meianoite, com a chegada à pitoresca vila de Arruda, destinada a ser o posto de piquete da nossa divisão, em frente das linhas fortificadas. Como em todos os outros lugares da linha de marcha, encontrámos Arruda totalmente deserta, mas com a diferença de que os seus habitantes tinham fugido com tanta pressa, que as chaves das portas de sua casa foram as únicas coisas que eles levaram; de modo que, quando nós entrámos, através da nossa chave de costume (a bala da espingarda abre qualquer fechadura de porta), ficámos muito surpreendidos ao descobrir que as casas estavam, não só perfeitamente mobiladas, como a maioria delas tinha comida na despensa e uma abundante provisão de bons vinhos na adega; e que, efectivamente, elas só necessitavam de alguns hóspedes, capazes de apreciarem as coisas boas que os deuses haviam providenciado. (…)

Vivemos no trevo, enquanto ficámos lá: tudo o que vimos era nosso, não havendo ninguém que tivesse uma reivindicação mais legítima; e cada campo era uma vinha. Infelizmente para nós mesmos, e ainda mais para os proprietários, nunca sonhámos com a possibilidade de manter a posse da vila: nós pensámos, evidentemente, que o inimigo iria atacar as linhas e, como este era o único posto fora das linhas, que deveria cair em suas mãos, em conformidade com o sistema que tivemos ao longo de toda a retirada pelo reino de Portugal, teríamos de destruir tudo o que nós não poderíamos usar, para impedir o benefício do inimigo. Mas, quando percebemos que íamos permanecer no local para além do período previsto, a nossa indiscrição pesou-nos na consciência, como se tivéssemos destruído num dia o que nos faria luxuosos por meses.»


UNIFORMES E MEMÓRIAS No tempo da 3.ª Invasão Francesa a Portugal

MEMÓRIAS A Vila de Arruda estava totalmente desprotegida, a norte das Linhas de Torres, e quando o Marechal Massena, do Exército Francês, alcançou a posição de frente às Linhas, mandou efectuar os primeiros reconhecimentos, com alguma esperança de que elas pudessem ser vulneráveis pelos vales de Calhandriz e de Arruda onde estacionou um posto de Cavalaria ligando os 2.º e 3.º Corpos -, verificou a existência de redutos, todos eles cortados com defesas ciclópicas, enormes abatizes de carvalhos e castanheiros arrancados da terra todos inteiros, com as suas enormes raízes, transportados com esforços sobrehumanos, vendo gorada a sua expetativa de transpor a Linhas de Defesa. Ficou célebre o reconhecimento que efetuou no dia 16 de Outubro de 1810, em que «deixou num muro, a pequena distância, o seu óculo de campanha. Nisto, de uma bateria de qualquer dos redutos aliados, manifestamente disparado na direcção do grupo, caiu uma granada que bateu no referido muro, a poucos passos onde se encontrava o mencionado óculo do célebre marechal de Napoleão. Compreendendo este o claro aviso de retirar-se, tirando chapéu, cortesmente saudou o inimigo e, implicitamente, a própria formidável linha de redutos, que, pela voz potente da sua artilharia, também acabara de o cumprimentar, ainda que de forma um pouco brusca…» Apesar da Vila se encontrar desprotegida, “o vale de Arruda estava maravilhosamente defendido” (As famosas Linhas de Torres in A HORA).

Durante 4 semanas estiveram as tropas francesas acampadas junto às entradas da vila, nomeadamente na Quinta do Alcambar. O General Massena não concebeu qualquer ataque às Linhas, pois aguardava reforços, mas como as suas tropas foram rapidamente desfazendo-se em doenças e necessidades, começaram a retirada para mais perto da sua fonte de abastecimento. «Ele abandonou a sua posição, contrária à nossa, na noite de 9 de Novembro [de 1810], deixando alguns colegas de palha recheada ocupando seus postos habituais. Alguns deles eram de cavalaria, outros de infantaria, e pareciam respeitáveis como representantes dos seus especiais antecessores, que na neblina da manhã seguinte, pensávamos que tinham sido apoiados por alguns mais bem alimentados a partir da retaguarda; e foi no final do dia que nós descobrimos o erro e avançámos em sua perseguição.» (in John Kincaid)


UNIFORMES E MEMÓRIAS No tempo da 3.ª Invasão Francesa a Portugal

EPISÓDIOS DURANTE A INVASÃO E A RESISTÊNCIA Uma morte da Igreja Matriz «(…) No dia depois de nossa chegada [a 11 de outubro de 1810], o capitão Simmons e eu [John Kincaid] tivemos a curiosidade de ver a igreja por dentro, que foi danificada, construída num estilo de magnificência para tal vila. O corpo de uma pobre mulher velha estava lá, morta diante do altar. Parecia que ela estava demasiado fraca para se juntar na debandada geral e apenas se arrastou para este local por um último esforço da natureza e aí expirou. Nós imediatamente determinámos, como ela foi a única pessoa que havíamos encontrado na vila, vivo ou morto, que ela deveria ter mais glória na sepultura do que parecia ter tido fora dela; com os nossos esforços unidos, conseguimos levantar uma laje de mármore, num salto monumental, lindamente enfeitada com brasão armorial, colocámos o corpo dentro, e tapámos novamente com cuidado. (…)» (in John Kincaid)

A queda de um boi «Em clima muito quente ou muito húmido, era costume fazermos cobertura à vila durante o dia, mas fomos sempre levados de volta para nosso acampamento, no alto, durante a noite; e foi bastante divertido observar as diferentes noções do conforto individual, na escolha dos móveis, que permitiam aos funcionários transferidos da sua casa da vila para a sua não-casa nas alturas. Um sofá ou um colchão, seria o mais provável de ser colocado nas requisições, mas não era incomum ver um espelho de corpo inteiro preferido para qualquer um. O posto de companhia ao qual eu pertencia, no alto, estava perto de um reduto, imediatamente atrás de Arruda; havia um galpão de gado próximo a ele, que limpámos, e usámos como uma espécie de quartel. Certa manhã, ao regressarmos do pequeno-almoço, descobrimos que o açougueiro estava prestes a oferecer o sacrifício habitual de um boi para as necessidades do dia, mas que este se tinha soltado, e o açougueiro, na tentativa de recuperar a sua vítima, capturou-o pela cauda que enrolou na mão; quando chegámos, eles estavam a realizar uma série de evoluções a galope, para grande diversão dos soldados, até que por azar atirou-os ao chão para cima de nossa casa, que tinha sido escavada no morro, em que a parte superior do telhado ruiu, e, caíram eles, aos saltos sobre a cabeça, açougueiro, boi, rabo e tudo, rolando morro abaixo com um estrondo enorme. Foi muita sorte estar fora, e muito azar, pois agora éramos obrigados a permanecer fora.» (in John Kincaid)



UNIFORMES E MEMÓRIAS No tempo da 3.ª Invasão Francesa a Portugal

MEMÓRIAS PAROQUIAIS

Após a invasão foram realizados relatórios pelos priores das paróquias invadidas Freguezia de São Miguel (Cardozas) Reverendissimo Senhor Vigario da Vara Em observancia da carta de oficio que por Vossa Senhoria me foi derigida em virtude da provizão de sua Eminencia e ordem do Reverendissimo Senhor Dezembargador Inspector das igrejas invadidas paço a informação a Vossa Senhoria sobre o contheudo da sua carta da maneira seguinte. 1º Artigo Esta igreja de São Miguel das Cardozas hé situada no termo da villa de Arruda, foi invadida pellos francezes em cujo poder esteve desde 10 de outubro athe 14 de novembro de 1810, cujos innemigos a roubarão de tudo que nela havia sem que ficase mais que hum cálix que comigo levei para Lixboa e de que me estou servindo e de paramentos nada se salvou sem embargo de que o escrivão e procurador da confraria os meterão em hum carneiro com os mais vazos sagrados e mais alfaias que nada escapou. 2º Emquanto a igreja não ficou interdita pois della nenhum mao uso fizerão senão roubala, achando-me na maior nececidade de paramentos, pois somente tenho huma cazula que se fés de huns bocados velhos, e tudo o mais de alva, toalhas, etc. hé tudo emprestado, pois não há meios de se comprar. 3º Emquanto a ermidas, somente há nesta freguezia duas e ambas particulares, que ficarão igoalmente roubadas como a igreja. 4º Emquanto aos fogos há nesta freguezia 102, com 345 pesoas de sacramento. 5º Emquanto a providencia do semiterio por agora não há percizão, nem tãobem aqui se cometerão violências nem crueldades.

6º Relativamente ao pagamento dos dizimos não sei que haja rebeldes, e so milhor poderá informar os Dizimeiros dessa villa. 7º Não conheço meios nenhuns que possão suprir esta falta de coadeperar este reparo, que não seja o de ser obrigado o Excelentissimo Conde de São Miguel como commendador da Commenda de Santa Maria dessa villa junto com a Colegiada, pois estes são os que recebem estes dízimos, e havendo os parrochianos desta freguezia por muitas vezes reprezentado ao Excelentissimo Comendador o estado em que se achava a capela mor desta e paramentos, já muitos antes da invazão, de que não tiverão resposta, requererão os ditos parrochianos ao Regio Tribunao da Meza da Consciencia, esta mandou informar por sua provizão pelo Doutor Provedor desta comarca o qual prodedeo a vestoria no mez de agosto de 1810, cuja resposta ainda existe no cartório da dita provedoria. No que respeita aos livros da igreja de baptismos, noivados e mortorios, os salvei, levando-os comigo para Lixboa e dos miçaes ficou somente hum e esses bastante incapas do uso. E he o quanto posso informar a Vossa Senhoria para por na prezença do Reverendissimo Senhor Dezembargador Inspector e lhe peço queira representar-lhe a falta que nos faz o Santissimo Sacramento para de continu ademanistrar aos muitos infermos que tenho na minha freguezia. […] Deus duarde a Vossa Senhoria muitos annos. Cardozas de São Miguel, 29 de Março de 1811. O cura João Caetano Domingues







UNIFORMES E MEMÓRIAS No tempo da 3.ª Invasão Francesa a Portugal

EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA BIBLIOGRAFIA Clímaco, Cristina, As Linhas de Torres Vedras, Ed. Colibri. Jornal A HORA. Kincaid, John (1830), Adventures in the Rifle Brigade. Memórias paroquianas gentilmente cedidas pelo Arquivo Municipal de Torres Vedras.

IMAGENS Vila de Arruda 1818 On Stone by T. Picken from drawings by Major Sir T.L. Mitchell, Kt. (gentilmente cedida pelo Município de Sobral de Monte Agraço) Soldados no Chafariz - desenho de Salvador Ferreira Soldados na Igreja Matriz - desenho de Salvador Ferreira Igrejas do concelho - Município de Arruda dos Vinhos Reproduções - Coleção particular de José Paulo Berger RESPONSABILIDADE

AGRADECIMENTOS

Município de Arruda dos Vinhos Exército Português

Carlos Guardado - Arquivo Municipal de Torres Vedras Fátima Rodrigues - Município de Arruda dos Vinhos Salvação Rebeca - Município de Arruda dos Vinhos

ORGANIZAÇÃO E CONCEÇÃO DE CONTEÚDOS Ana Correia - Município de Arruda dos Vinhos Tenente Coronel José Paulo Berger - Exército Português

MONTAGEM DA EXPOSIÇÃO Município de Arruda dos Vinhos Ana Correia Jorge Lopes Tiago Marques Exército Português Tenente Coronel Álvaro Urze Pires Sargento Chefe Paulo Almeida 1.º Sargento José Silva Rodrigues Soldado Roberto Soldado Valente

Pela cedência de bens ou imagens: Álvaro Urze Pires José Paulo Berger Vasco Belchior Salvador Ferreira Dulce Guarda Pedro Guarda

Vila de Arruda 1818 On Stone by T. Picken from drawings by Major Sir T.L. Mitchell, Kt.


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